Estudo sobre discurso do ódio nas redes sociais durante o segundo turno da eleição presidencial de 2014 no Brasil.

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JOSÉ CARLOS JÚNIOR

ESTUDO SOBRE DISCURSO DO ÓDIO NAS REDES SOCIAIS DURANTE O SEGUNDO TURNO DA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2014 NO BRASIL.

Artigo apresentado à Universidade Estácio de Sá do Recife como requisito à aprovação no Curso de Especialização em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais.

Recife 2015

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ESTUDO SOBRE O DISCURSO DO ÓDIO NAS REDES SOCIAIS DURANTE O SEGUNDO TURNO DA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2014 NO BRASIL.

JOSÉ CARLOS JÚNIOR

RESUMO

Se as redes sociais modificaram de forma positiva o modo como às pessoas se expressam, também servem aos propósitos menos nobres de nossa realidade, pois, por meio delas o homem também comete atos ilícitos, propagam mensagens prejudiciais, incentiva o crime a fraude e viola direitos fundamentais. O objetivo do presente estudo é abordar a percepção do usuário das redes sociais ao discurso do ódio e seu uso politico. A metodologia utilizada para desenvolver este estudo foi a pesquisa bibliográfica, com coleta de dados e informações em livros, trabalhos acadêmicos, revistas e sites da Internet. Para tanto, foram utilizadas como base, especialmente, as reflexões propostas por Las Casas (2001), Dayse Martins (2001), Hannah Arendt (1979), Scotto (2003), Resolução da OEA (2004), Babosa e Saisi (2007), Foucault (2001), H. Busembaum (1867), Thomas Hobbes (2006). Também faz parte deste estudo à apresentação dos resultados de uma pesquisa de opinião realizada on line, mediante aplicação de questionário sobre a percepção do discurso do ódio nas redes sociais e seu uso no segundo turno da eleição presidencial no Brasil em 2014. Os resultados desta pesquisa são aqui apresentados em tabelas.

Palavras-chave: Redes Sociais. Ativismo digital. Discurso do ódio. Eleições presidenciais de 2014.

1. INTRODUÇÃO A popularização das redes sociais modificou profundamente a forma do ser humano se comunicar e estabelecer relações. Sendo sua caraterística a extrema rapidez e o alcance que os meios digitais permitem ao homem externar pensamentos, opiniões, escolhas e manifestar-se das mais variadas formas, em função das múltiplas possibilidades do compartilhamento de informações entre

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pessoas de diferentes culturas e detentoras de conhecimento em diferentes áreas do saber. Mas, se o universo das redes sociais privilegia a projeção do ser humano através do compartilhamento da informação e da cultura, também serve aos propósitos menos nobres de nossa realidade palpável, pois, por meio destas mesmas redes sociais que aproximam pessoas, o homem comete atos ilícitos, propaga mensagens prejudiciais e viola direitos fundamentais. Muitas vezes estas violações são planejadas para obter vantagens em diversos ramos das atividades humanas, como a política por exemplo. É obvio que um ambiente composto por tamanha diversidade cultural é também, por extensão, um ambiente propício ao discurso do ódio, como argumento, quando aplicado ao ativismo ideológico e político, explorado por profissionais do Marketing Político e Eleitoral. Neste contexto, o presente artigo tem como objetivo trazer algumas reflexões sobre o discurso do ódio nas redes sociais, suas origens fora do ambiente digital, sua migração para este meio, e a percepção dos usuários à exposição ao discurso do ódio.

2. O USO MARKETING POLÍTICO E ELEITORAL NAS REDES SOCIAIS

A política sempre foi um processo de interação exclusivamente social e desta interação foi se formando grupos com interesses semelhantes. Neste contexto as redes sociais passaram a refletir este comportamento e se tornaram um instrumento de divulgação de diversas correntes políticas. Este cenário vem sendo explorado pelos profissionais do marketing, a fim de adaptar o discurso político e eleitoral a favor ou contra determinadas ideologias, a favor ou contra um determinado representante político ou candidato. G. Scotto (2004) considera que o marketing eleitoral nos meios digitais não é produto exclusivo da exponateneidade do candidato, mas o aprimoramento deste, sendo necessario uma série de estudos como análise de pesquisa. Este aprimoramento é decorrente da percepção do profissional de marketing, dos estudos das diversas reações, quando positivas ou negativas, como: compartilhamento, comentário, denúncia ou qualificações, como indicativo de que a postagem está obtendo os efeitos esperados. Através de aplicativos de uso

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especifico para monitoração, é possível acompanhar em tempo real cada interação, e a partir destas percepções o profissional pode fazer os ajustes pertinentes. Talvez seja por esta razão que o consenso comum veja de forma negativa estes profissionais do marketing político e eleitoral, muitas vezes associando-os ao esvaziamento de conteúdo e à falta de um programa de governo por parte das correntes politicas que se opõe ao candidato, e quando se pretende desqualificar o trabalho especializado do profissional de marketing, estes são, muitas vezes, chamados pejorativamente de "marketeiro", ou marqueteiro na versão abrasileirada, quando se deseja qualificar que determinado político é construído apenas a partir de uma imagem criada de modo artificial por “marqueteiros”. Também se faz necessário estabelecer as diferenças existentes entre o marketing político e o marketing eleitoral. Para Ivan Santo Barbosa e Katia Saisi (2007), no primeiro é trabalhado de forma permanente a imagem de um politico, suas atitudes e posicionamentos sobre diversos assuntos e tem por finalidade fixar entre seus eleitores uma persona capaz de canalizar algumas expectativas que possam representar certas correntes ideológicas, do qual este diz ser representante. Já o eleitoral, é regido pelas circunstâncias do momento e de forma imediatista e durando apenas o período eleitoral, sendo caraterizando pelo grande esforço de trabalho que a equipe publicitária tem em tornar seu candidato o mais atraente possível ao público, naquela ocasião especifica, valendo-se dos recursos disponíveis no momento crítico que precede a eleição.

3. O DISCURSO AUTORITÁRIO E A FORMAÇÃO DO ATIVISMO POLITICO NAS REDES SOCIAIS

Uma vez definido que a ação política nas redes sociais é uma ação coordenada, este capítulo tem por objetivo trazer algumas reflexões sobre o surgimento do engajamento político nas redes sociais e a percepção do sentido coletivo nestas redes. Em uma disputa entre marcas consagradas pode-se considerar que uma pessoa goste de Coca-Cola, outra de Guaraná e uma terceira de Pepsi-Cola. Estes consumidores não vão travar disputas acerca dessas preferências ou das marcas estampadas nos rótulos das embalagens que revestem estes produtos e, possivelmente, também não tentarão convencer outras pessoas de que sua escolha

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referente a estas marcas seja a melhor para toda a população. Mas, na política a discução segue por outras vias. Embora o senso comum possa vislumbrar que o marketing político e eleitoral apresenta um candidato como um produto de uso comum, tal e qual os refrigerantes acima citados, o que diferencia estes produtos de um político é o engajamento, que pode se tranformar em ativismo. A defesa de uma marca contido no engajamento é um instrumento de grande valia quando se trata se um produto de uso comum. Porém, quando se trata de política, este engajamento torna-se muito mais importante, por nele se revelar um sistema de crenças em que o engajado aceita a mensagem a ele passada, pelos meios digitais, e conclui que este conjunto de valores é infinitamente superior a todos os demais e que as manifestações de opiniões contrárias devem ser vistas com desconfiança. Neste momento, quando surge esta percepção, o indivíduo engajado passa a ser um ativista, e por esta razão, o ativista irá sim, desejar impor a outras pessoas a sua escolha. Este impulso, o de impor aos divergentes o voto da desconfiança, é uma característica do ativista militante. Conhecedores deste ativismo, os profissionais de marketing podem conduzir um discurso eleitoral de diversas formas. A mais utilizada, é aquela baseada na identificação dos grupos socias, geográficos, étnicos, religiosos ou mesmo de gênero. É sabido que determinados discursos são valorizados, outros são rechaçados. Michael Foucault (2001) afirma que a produção do discurso deve ser direcionada a um público, controlada, organizada e distribuída, de forma a conjurar poderes e perigos, a fim de controlar a temível materialidade dos avisos contidos no discurso politico. Nesta percepção de Foucault acerca do discurso, este deve ser direcionado a uma determinada plateia e, no caso das redes, as platéias são agrupadas em Fan Page ou mesmo em grupos de debates, onde as mensagens nelas divulgadas não devem apenas versar sobre as inúmeras qualidades do candidato, mas devem deixar claro, através do discurso do medo, que grandes ameaças podem se concretizar, caso o grupo oponente obtenha sucesso. No entanto os profissionais de marketing devem estar atentos quanto ao “conjurar perigos” ou “esquivar sua pesada e temível materialidade”, pois ao fazer isto seus argumentos podem conduzir ao discurso do ódio. Quanto a isto Foucault recomenda que a abordagem de determinados temas deve ser feita de forma cuidadosa porque não se pode criticar tudo, falando de

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qualquer coisa. Foucault destaca que os assuntos mais sensíveis são os da sexualidade, política e religião, e portanto nestes casos o discurso deve ser evitado, uma vez que a abordagem destes temas podem despertar os mais temíveis poderes. Para Foucault o discurso não é apenas um instrumento a serviço das lutas contra ou a favor de um sistema de dominação, mas, também, o instrumento pelo qual uma luta é compreendida, mesmo quando a serviço de uma minoria que está engajado numa ação política. Embora pequeno este grupo irá manifestar o propósito de impor à maioria as suas convicções e a este desejo de impor a vontade sobre outro grupo, Hannah Arendt (1979), chama de “supersenso” ou “supersentido”, pois se baseia no sentimento comum de que suas percepções e crenças são superiores, porque decorre do supersenso ou supersentido comum a todo grupo. Uma vez estabelecida esta divisão, cria-se o grupo “Nós” e os demais grupos que podem ser entendido por “Eles”. Ainda segundo Arendt a afirmação de que um o sistema político é superior a todos os outros se torna um expediente realmente arbitrário, pois se um governante acredita que suas crenças o tornam superior aos demais, ele chega a uma conclusão implacável de que, sem esse sistema de crenças nas quais ele acredita os homens jamais poderiam atingir qualquer objetivo que pudessem almejar e assim chega a outra conclusão: a de que qualquer pessoa que saiba que determinada coisa foi construída por um grupo antagônico, esta pessoa tona-se suspeita, porque pode fazer com que as outras duvidem de que as coisas só podem ser feitas à sua maneira e por intermédio do grupo que este representa. Consideremos que um discurso com o menor grau de convencimento, em que o ouvinte não fosse obrigado a tomar posionamento de forma imediata a partir da mensagem recebida, este discurso teria pouca possibilidade de prosperar devido ao menor poder de persuasão nele contido. Para Silvia F. Lima (2010), o discurso autoritário é persuasivo e por este motivo, o preferido no uso político, pois subtrai do ouvinte a condição de escolha individual ante as suas revelações. A plateia, os usuários das redes sociais, então passa a agir como grupo em defesa de uma coletividade que se identifica com tal discurso. O discurso autoritário estimula divisões entre elementos de uma sociedade com a finalidade de conquistar o poder e conservá-lo. Nas redes sociais este ativismo politico levou ao discurso do ódio, detectado em diversas ocasiões durante

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as eleições presidenciais de 2014, e percebido na pesquisa realizada no âmbito deste trabalho. 4. O ENGAJAMENTO POLITICO NAS REDES SOCIAIS

Uma vez considerado que o uso do discurso autoritário é uma das causas de divisões dentro de uma sociedade, conforme explicado no capitulo anterior, neste capitulo será abordado como este discurso infiltrou-se nas redes sociais. O lugar de origem da manifestação do discurso autoritário não são as redes sociais. Este antes, se desenvolveu fora dos meios digitais e para lá foi levado. Uma breve análise sobre as correntes políticas que disputaram as eleições no Brasil em 2014 revela que a ideologia de ambos os candidatos eram bem semelhantes. No entanto seus militantes conseguiram caracterizar o rival da pior maneira possível, e isto contribuiu para criar a polarização necessária e a formação dos grupos com posições aparentemente irreconciliáveis. Nas redes sociais, o debate político entre militantes de ambos os partidos não girou em torno de propostas de governo entre os candidatos, mas em postagens ofensivas e tendenciosas, procurando ridicularizar o adversário, na intenção de desconstruir suas imagens. O alvo dessas desconstruções não foi apenas o candidato adversário, mas também seus eleitores. A possível causa das discussões políticas terem-se transformado em ataques pessoais entre simpatizantes nos meios digitais está no surgimento de uma militância, seja ela patrocinada ou espontânea que se destacou no processo eleitoral de 2014 e ficou conhecida como Movimento Para Ambientes Virtuais ou, simplesmente, MAV, que foi considerado pela imprensa nacional como o núcleo de irradiação de mensagens provocativas. Inicialmente o termo MAV servia para designar um grupo de pessoas interessadas em discuções politicas em ambientes virtuais (Estadão 2011), mas posteriormente passou a designar grupos de militância política (Folha de São Paulo, 2013). Uma reportagem sobre este assunto também foi publicada no jornal Folha de São Paulo, conforme parte destacada a seguir: (...) Um centro político (MAV) define pautas, escolhe alvos e escreve uma coleção de frases básicas. Os militantes as difundem, com variações pequenas, multiplicando suas vozes pela produção em massa de pseudônimos. No fim do arco-íris,

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um Pensador Coletivo (perfil) fala a mesma coisa em todos os lugares, fazendo-se passar por multidões de indivíduos anônimos. (D. MAGNOLI – Jornal Folha de São Paulo – Caderno Poder - O Pensador Coletivo - 02/11/2013).

Outra reportagem publicada na Folha de São Paulo, em 31/03/2014, afirma que o PSDB tenta recrutar militantes favoraveis as propostas politicas de seus diversos candidatos ao pleito de 2014. Além do PSDB, o PT também realizou eventos para treinar a militância a atuar nas redes sociais e, de acordo com a reportagem, o PT partido promoverá um camping digital de três dias, em São José dos Campos (SP) para esta finalidade, conforme trecho da reportagem destacado a seguir: (...) Em uma tentativa de neutralizar as investidas contra o partido nos meios digitais, o PSDB decidiu reforçar a militância virtual e orientar a atuação de filiados à sigla nas redes sociais. A ideia da legenda, que irá promover em São Paulo uma série de encontros sobre o tema, é estimular os membros do partido a divulgarem e compartilharem propostas e iniciativas da sigla na internet, em um esforço para enfraquecer ataques e boatos divulgados por adversários (...). Além do PSDB, o PT também realizará eventos para treinar a militância a atuar nas redes sociais. Em abril, o partido promoverá um camping digital de três dias, em São José dos Campos (SP). (PSDB reforça militância virtual para enfraquecer ataques na internet. – (Gustavo Uribe – Caderno Poder - Jornal Folha de São Paulo, 31/03/2014).

Se os maiores partidos que disputavam as eleições presidenciais estavam se preparando para o embate nos meios digitais, era de se esperar que o resultado deste confronto trouxesse consequências diversas aos usuários das redes sociais.

4.1 Aplicação da metodologia No item anterior, foi exposto trechos de reportagens publicadas nos principais portais de notícias do país, revelando a ação de militantes, ligados a ambos os partidos que disputou o segundo turno da eleição presidencial no Brasil em 2014. O ativismo politico que se manifestou, mesmo de forma espontânea nas redes sociais, gerou discussão acerca das preferencias politicas. Estas discussões levaram muitos usuários a romperem relações, bloquear amigos ou mesmo denunciar postagens. Para aplicação da metodologia utilizada no desenvolvimento deste trabalho, além da pesquisa bibliográfica, foi realizada uma pesquisa de

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opinião on line, mediante aplicação de questionário sobre a percepção do discurso do ódio nas redes sociais. Esta pesquisa foi desenvolvida com o propósito tentarse avaliar se o indivíduo questionado percebia a presença do discurso do ódio durante a campanha presidencial no Brasil em 2014 e qual a sua reação a tal percepção. As analises que se seguem retratam a ação contra a percepção a postagens que os usuários consideraram como discurso do ódio. A pesquisa de opinião, realizada on line, recebeu 565 565 interações1. O resultado mostrou que a maioria dos usuários (468 dos 565) que responderam à pesquisa postaram mensagens com conteúdo político em favor de um determinado candidato, conforme apresentado na tabela a seguir.

Tabela 1 - Percepção do discurso do ódio nas redes sociais – Militância Digital Interação Política na Rede Social. Sim Não Você postou mensagens a favor de um candidato durante as últimas eleições presidenciais?

468 83%

89 16%

Recebeu alguma critica que considerou ofensiva ao externar uma preferencia politica nas redes sociais nestes últimos seis meses?

419 74%

131 23%

Considera que suas amizades fora da rede social podem ser influenciadas pelo comportamento de seus amigos na rede social?

449 79%

84 15%

Fonte: Pesquisa Própria

Também a grande maioria, 419 usuários, que representa 74% do total, receberam críticas consideradas ofensivas ao externar uma preferência política. Há de se considerar então que a grande maioria não só participou ativamente nos meios digitais, pois assumiram posicionamentos contra ou a favor deste ou daquele candidato, como receberam criticas ao fazê-lo. A baixa quantia de pessoas que responderam que não publicaram nenhuma mensagem é destoante, apenas 89 pessoas, ou seja, 16% do total. 1

O Os participantes da pesquisa não foram obrigados a responder todas as questões. A pesquisa foi feita em forma de questionário de múltiplas escolhas e realizada entre os dias 15/12/2014 à 29/12/2014. E obteve 565 interações que reflete o número total de participantes, que responderam ao questionário, mesmo que de modo parcial. Os dados de pesquisa têm como referencia à campanha presidencial no Brasil em 2014. Os formulários de pesquisa foram criados a partir do endereço Https://www.google.com/forms/about/.

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Embora a pesquisa não tenha sido feita com a intenção de avaliar a qualidade das postagens de cada uma destas pessoas, é admissível que entre estes que postaram mensagens políticas, também tenham qualificado postagens e compartilhado conteúdo de terceiros, com mensagens contendo críticas ao candidato adversário. A rede social naquele momento das eleições foi uma ferramenta importante na construção do debate político nacional. Embora a pesquisa tenha retratado o tema eleitoral das eleições presidenciais no Brasil em 2014, ela foi estendida, para abranger a percepção do discurso do ódio a assuntos como o racismo, discriminação étnica, religiosa, cultural e de gênero e também a reação que cada usuário da rede social facebook tem ao perceber que está sendo vítima de algum tipo de discriminação através do discurso do ódio. A tabela abaixo apresenta qual a atitude que o usuário toma quando percebe como ofensiva uma determinada postagem

Tabela 2 – Reação à provocação na rede social Ao perceber a existência de uma mensagem ofensiva postada por alguém de seu grupo de amizades, o que você faz?

Valor

%

Boqueia o usuário

209

37%

Denuncia o conteudo postado.

119

21%

Ignora a postagem.

109

19%

Rompe amizade na rede social.

85

15%

Se conheço, exijo satisfação pessoalmente.

54

10%

Fonte: Pesquisa Própria

Apenas 109 pessoas que interagiram com a pesquisa responderam que ignoram a ofensa quando ela é percebida, mas a maioria opta por bloquear o usuário e denunciar o conteúdo. Porém, o que chama a atenção é a existencia de 10% dos participantes da pesquisa que se manifestaram por levar a questão, originada a partir de uma plublicação na rede social, ao possível confronto físico. Esta percentagem é relevante, pois revela em outras palavras, que se alguém assume uma posição crítica em relação ao conjunto de crenças de uma determinada pessoa ou grupo, sem sombra de dúvida, ela pode em maior ou

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menor grau, correr risco caso encontre o ofendido. Esta reação é estudada no próximo item, que trata da criminalização do discurso do ódio nas redes sociais. 5. A CRIMINALIZAÇÃO DO DISCURSO DO ÓDIO NAS REDES SOCIAIS

Já no final do segundo turno das eleições de 2014 no Brasil, o portal de noticias “Correio24horas” informou que logo após a divulgação do resultado da apuração das eleições presidenciais, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) recebeu noventa denúncias, em 24 horas, por ataques na web contra nordestinos. A seguir um trecho da reportagem. (...) Segundo o vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-BA, só em novembro, 400 denúncias foram feitas contra discriminação regional só na Bahia. O órgão, agora, concluiu petição com 350 dessas mensagens ofensivas e a encaminhará ao Ministério Público Federal (MPF) esta semana. O MPF ficará responsável por entrar com ação na Justiça. (SANTOS G. - OAB recebe 400 denúncias antinordestinos – Jornal Correio24horas em 22.11.2014).

Apesar das reportagens publicadas em portais de notícias, denunciando2 que a maioria das ofensas registradas na época das eleições estava relacionada à região de origem de um determinado grupo, a pesquisa realizada para este trabalho revelou um resultado diferente sobre a percepção da ofensa pelos usuários que responderam ao questionário. Conforme apresentado na tabela a seguir a região de origem aparece apenas com 81 respostas, que representam 14% do total. A maioria, 162 respostas ou 29%, referem-se à cor da pele, seguida pelo discurso anti-religioso, com 146 respostas ou 26%. Curiosamente, estes são os principais assuntos que neste trabalho servem de tema ao discurso do ódio (cor, religião e gênero). Para os usuários das redes sociais a ofensa que mais sentiram estava relacionada a estes assuntos conforme demonstrado na tabela a seguir.

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O site da ONG Safernet Brasil divulga registros sobre denúncias de crimes na internet. Pornografia infantil, racismo, intolerância religiosa e apologia ao crime lideram as denuncias. Para acessar a estatística da Safernet click no link http://indicadores.safernet.org.br/.

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Tabela 3 – Percepção da ofensa A ofensa mais comum que vejo nas redes sociais refere-se a: Valor % 81

14%

Grupo religioso que pertenço

146

26%

Opção sexual

109

19%

Cor da pele

162

29%

Escolaridade

66

12%

Região do Brasil em que nasci

Fonte: Pesquisa Própria É obvio que ambas as militâncias nas redes sociais tentavam associar ao candidato adversário a imagem de intolerante. Ainda sobre a percepção do discurso anti-religioso constatada na pesquisa, esta também é a mais subjetiva de todas as percepções, pois requer o conhecimento, pelo menos básico da religião criticada, de que determinada abordagem crítica produza os efeitos desejados ao seguidor da religião. Neste

sentido,

destaca-se

que

a

representação

de

imagens

em

determinadas religiões são consideradas tabus e tida como ofensa religiosa; noutras, a representação de suas lideranças ou ainda a distorção de seus ensinamentos. Então para evitar que haja mal entendidos em postagens nas redes sociais, é preciso antes de tudo contornar assuntos sensíveis como o emitir opiniões sobre hábitos, costumes religiosos ou mesmo comentar doutrinas das quais não são conhecidas em profundidade, evitando-se assim que uma simples postagem ganhe contornos dramáticos e escapem ao controle. Embora Foucalt já tenha alertado sobre as sensibilidades que o discurso deve ter ao criticar determinados assuntos, como o tema religião, e identificando que nesta área residem os mais temíveis poderes de dominação, em 15 de Janeiro de 2015, em decorrência de um atentado ocorrido na França contra a redação do jornal satírico "Charlie Hebdo", doze pessoas foram mortas por fundamentalistas religiosos, em represália às publicações que estes fundamentalistas classificaram como ofensivas, reconhendo nelas o dicurso de ódio contra sua religião e seu profeta. Após este atentado uma série de outras ações terroristas se espalhou pela Europa, acentuando as diferenças entre a cultura ocidental e seu entendimento de

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liberdade de expressão e a cultura Muçulmana, que considerou as publicações um desrespeito religioso. Sobre a crítica à religião o Papa Francisco disse que tanto a liberdade de expressão quanto a liberdade religiosa são diretos fundamentais. Vejamos o que as agências internacionais noticiaram a este respeito: (...) O Papa Francisco afirmou nesta quinta-feira (15) que a liberdade de expressão tem seus limites e que não se pode provocar nem ofender a religião alheia, ao se referir, embora sem citar, o atentado contra a revista satírica Charlie Hebdo em Paris. O pontífice disse que tanto a liberdade de expressão como a liberdade religiosa "são direitos humanos fundamentais". "Temos a obrigação de falar abertamente, de ter esta liberdade, mas sem ofender", disse. Os comentários do Papa foram feitos a bordo do avião que o levava do Sri Lanka às Filipinas. O ataque contra o Charlie Hebdo foi motivado pela publicação de charges do profeta Maomé, considerado sagrado pelos muçulmanos. A representação gráfica do profeta é proibida, e os muçulmanos consideraram ofensivos e uma provocação os desenhos de Maomé (Agência AFP de Noticias - Portal G1- Liberdade de expressão não dá o direito de insultar o próximo, diz Papa. 15/01/2015).

Embora a Organização das Nações Unidas afirme que a liberdade de expressão é consagrada como essencial dos direitos humanos, também reconhece que este direito não é absoluto. Em seu entendimento, o direito à liberdade de expressão é limitado por outros direitos igualmente consagrados, como o direito à imagem, o direito a intimidade e a honra. Desta forma, são interpostas certas restrições ao exercício da liberdade de expressão. A resolução 2.106-A de 21.12.1965, da Assembleia Geral das Nações Unidas declara como delitos puníveis por lei, a difusão de idéias baseadas na superioridade ou ódio raciais e incentiva que seus estados membros punam incitamentos à discriminação racial, grupo de pessoas de outra cor ou de outra origem étnica, como também qualquer assistência prestada a atividades racistas. A harmonia nas relações humanas é baseada na compreensão e aceitação de uma sociedade onde haja a existência de contraditórios e o respeito às diversidades

e, onde

haja

a

reprovação

do

discurso

do

ódio

e

sua

instrumentalização através do discurso autoritário presente nos meios digitais. Em geral, este discurso beneficia interesses de uma minoria, com padrão que se repete, sempre partindo de grupos minoritários que se apegam ao poder e usam qualquer meio para propagá-lo entre seus seguidores.

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Um fato relevante para a pesquisa é a interação com pessoas de todas as regiões do Brasil. A tabela a seguir expressa que o discurso do ódio nos meios digitais é percebido por brasileiros de todas as regiões e não é voltada apenas contra uma população que pertence a uma determinada região, reforçando assim a percepção de que durante o período eleitoral e pós-eleitoral, a crítica contra pessoas nascidas apenas numa região do Brasil não era a única existente, embora fosse a que adquirisse mais destaque nos meios de comunicação. Isto leva a crer que tais postagens de cunho preconceituoso atendiam perfeitamente correntes obscuras que até hoje não estão totalmente esclarecidas quanto aos seus maiores beneficiários políticos.

Tabela 4 – Região de origem dos participantes da pesquisa Nasci numa destas regiões do Brasil.

Valor

%

Sudeste.

177

31%

Norte.

118

21%

Nordeste.

101

18%

Sul.

92

16%

Central

72

13%

Fonte: Pesquisa Própria

6. O LUGAR ONDE TUDO É POSSIVEL

Thomas Hobbes, na obra O Leviatã (2006), discorreu sobre a natureza humana e a necessidade da criação e manutenção de regras sociais para a convivência entre indivíduos. Na obra ele afirmou que o ser humano em seu estado natural, sem a existência de regras sociais, viveria em constante estado de conflito, em defesa de seus interesses, num lugar onde todos têm direito a tudo, e por ter apenas direitos, o homem neste estágio natural viveria uma espécie de guerra de todos contra todos. Nas redes sociais, por ser um ambiente relativamente novo, é possivel que boa parte dos usuários tenha a percepção de que o ambiente virtual é um mundo em que tudo é possivel, como no estado natural descrito por Hobbes.

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Ao serem questionados sobre o que é uma rede social 162 usuários, ou 29%, responderam que a rede social é um lugar onde tudo é possível, como descreveu Thomas Hobbes ao situar o homem em seu estado natural. Também a esta pergunta, 61 usuários, que representa 11%, responderam que a rede social é mundo sem relação concreta com a realidade em que vivem. Já maioria respondeu que a rede social define comportamentos, possivelmente aqueles que acreditam que na rede social tudo possa ser possível.

Tabela 5 – Percepção da rede social Para você, o que é uma fede social? Um mundo virtual com pouca ou nenhuma conexão com o mundo real.

Valor % 61 11%

Um mundo real que influencia comportamentos.

302

53%

Um lugar em que tudo é possível.

162

29%

Fonte: Pesquisa Própria

A percepção de que todas as coisas são possíveis refere-se a uma realidade palpável embora, por dedução, quem pensa assim não acredita que suas ações nas redes sociais possam trazer-lhes consequências. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora não se possam responsabilizar unicamente políticos e seus marqueteiros3 pela existência do discurso do ódio nas redes sociais, estes são os elementos fundamentais para que o uso de estratégias combativas que elevam o radicalismo seja abandonado ou minimizado, a fim de preservar a sociedade da convivência com sentimentos que geram desunião entre iguais. Enquanto esta percepção não for alcançada em nossa sociedade, e perdurar o conflito entre liberdade de expressão e responsabilidade de opinião, caberá às corporações que controlam as redes sociais, criar meios para mediar 3

No livro “João Santana: um marqueteiro no poder”, de autoria do jornalista Luiz Maklouf, lançado em Janeiro de 2015 pela editora Record, o homem central da campanha do PT na reeleição de Dilma Rousseff afirmou ao site folha.uol.com.br que estabeleceu um novo marco no marketing político ao declarar que é falsa a ideia de que o eleitor não gosta de embates. “Perde quem não sabe atacar”, disse o "marqueteiro" ao portal de notícias.

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estes conflitos, uma vez que somente com a colaboração destas corporações, é que se poderão normatizar soluções viáveis para impedir que suas criações se convertam em apenas um canal de insultos, ou um instrumento de luta ideológica. Também é preciso preservar o direito da livre expressão e não limitá-la. Para isto, deve-se ampliar o debate jurídico sobre este tema, no sentido de que seja considerado o alcance das redes sociais, além das fronteiras internacionais. Para tanto há a necessidade de que o esforço do combate ao discurso do ódio seja uma ação que leve em consideração o multiculturalismo e o respeito às diversidades alcançadas pelas redes sociais. O discurso do ódio usado como instrumento da ação política, em busca de poder, através de vias legítimas e democráticas, como uma eleição, representa uma grave ameaça às liberdades e as garantias individuais, pois muitos se valem desta liberdade para calar opiniões divergentes e com isto extinguir a democracia que é baseada nas liberdades individuais e na alternância de poder. Se o discurso do ódio atenta contra a democracia e abre caminho ao totalitarismo, então devemos tolerá-la? Devemos sim ampliar a tolerância como uma premissa da democracia. A existência do discurso do ódio em maior ou menor grau sempre existirá num regime democrático, mesmo que de forma velada, pois o discurso do ódio é decorrente da cultura individual que se manifesta através da ofensa e não da liberdade opinativa do indivíduo que é a este assegurada. Embora haja a necessidade do cultivo da cultura da tolerância, também se faz necessário combater o discurso do ódio, mas, juridicamente, punindo os agentes emissores destes discursos, seja individual ou institucional. É importante salientar que a justiça numa democracia não está a serviço de um ditador e nem deveria estar sob o jugo de um partido político e muito menos contaminado com ideologias populistas ou do fundamentalismo religioso. A democracia é imperfeita e por isto é dinâmica porque se aprimora ao longo da história, a cada desafio a ela lançada. Nos dias atuais as relações humanas sofrem forte influência das redes sociais o que representa um novo desafio conciliador entre liberdade de expressão e tolerância nos meios eletrônicos.

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