Ética em Tempos Pós-Modernos

June 3, 2017 | Autor: Wilson Gomes | Categoria: Jurgen Habermas, Karl-Otto Apel, Ética, Ética (Filosofia), Ética do Discurso
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Ética em Tempos Pós-Modernos1 A cultura contemporânea e o problema da fundação da normatividade moral

Por Wilson Gomes Para Juliana e Norma.

§1 A nossa época e a nossa sociedade vivem um paradoxo muito interessante relacionado ao problema da ética. De um lado, a ética voltou a se tornar um tema fundamental. O que é perfeitamente visível seja na "cultura" intelectual como no mundo das interações quotidianas. No ambiente teóricocientífico, a ética ganhou lenta e definitivamente o proscênio desde o Princípio responsabilidade de Hans Jonas até as cruciais questões contemporâneas de Bioética, passando pelas várias Éticas Políticas e pela Ética do Discurso de Apel e Habermas. Na prática social, verifica-se como os temas da ética hoje fazem parte da agenda social, de Sul a Norte no mundo. Em algumas partes, através das discussões sobre as possibilidades e os limites da manipulação da vida, da questão ecológica, do problema do respeito às minorias; em outras, mediante as tematizações da justiça social e, enfim, mediante os movimentos pela ética na comunicação, na ciência e na política. A ética está na ordem do dia. Por outro lado, o tema da ética continua a ser problemático para toda uma "cultura" intelectual formada neste século pela semiótica, pela psicanálise e pela nova concepção de história e orientada substancialmente para a tolerância. A cultura intelectual da tolerância trouxe como conseqüência uma atitude ("ética") respeitosa da diferença e compreensiva (nos dois sentidos do termo) com a/da essencial heterogeneidade do ser. Trouxe, também, uma mentalidade para a qual é fundamentalmente desagradável qualquer discurso que implique engajamento numa perspectiva ou compromisso com um sistema de posições, ou que resulte em atrito do pensamento. Produziu-se o pudor da racionalidade forte e das suas decorrências, a saber, a ambição doutrinária, a pretensão crítica, a "tentação" da coerência e do sistema. A socialização se move agora pelo cuidado com a pluralidade, por uma moralidade aberta (superego tênue e instável), por argumentações nãocoercitivas, velozes, sem compromisso com a coerência absoluta, pelo soft, o prazer, a velocidade, a novidade, o humor, a atualidade efêmera. Essa nova cultura é aquilo que, neste texto, será chamado de pós-moderno e com que teremos que nos confrontar por causa do problema moral. Nessa cultura da tolerância, o tema da ética só pode aparecer de duas formas. Antes de tudo, na forma tolerante de uma ética soft. Ética teria a ver, em suma, com os protocolos, as regulações culturais, as etiquetas, isto é, com o conjunto de prescrições que dizem respeito ao comportamento humano interativo. E na sociabilidade de fim do segundo milênio, a ética tem lá os seus caprichos. Segundo Maffesoli, por exemplo, as interações desta nova sociabilidade são norteadas mormente pelo princípio da tatilidade, como signo e sintoma da interatividade corpórea total, da sensibilidade (em grego: da aisthesis) plena - a nova sociabilidade é aisthética, estética. Portanto, temos uma ética da estética, um horizonte que concerne à sociabilidade e que, de algum modo, é prescritivo, mas que prescreve justamente a tatilidade como forma contemporânea de interação. Nada temos aqui de universal e necessário. Uma ética universal e necessária, por outro lado, é considerada algo completamente extemporâneo, fora do lugar, improvável. Uma ética dessa natureza seria forte, coercitiva, racional. Significaria o retorno do atrito em território pós-moderno. Inaceitável. Aí está o paradoxo. Como superá-lo? §2 Antes de mais nada, tentando compreender os seus termos. 1

Originalmente publicado como GOMES, W. Ética Em Tempos Pós-Modernos. Textos de Cultura e Comunicacao (UFBA), Salvador, Ba, v. 31, p. 97-130, 1994.

É verdade que os indivíduos reconhecem que as suas ações, atitudes e decisões podem ser avaliadas como boas ou más, corretas ou incorretas, justas ou injustas, aceitáveis ou inaceitáveis etc., mesmo que estas decisões, atitudes e ações sejam as mais privadas possíveis. É igualmente verdade que, ao proceder a tal avaliação (através do assim chamado juízo de valor), os indivíduos se remetem e submetem a parâmetros e critérios que não se deixam explicar pelo querer privado e que superam a volubilidade individual (ou a prerrogativa de mudança do objeto do querer a depender da mudança das disposições interiores do sujeito do desejo). Em suma, os indivíduos, mesmo no que tange às decisões, atitudes e ações mais íntimas, suas ou dos outros, vinculam e submetem os próprios juízos de valor a uma instância objetiva, que, portanto, é reconhecida como normativa para si e para os outros. É a este fenômeno que chamamos aqui de normatividade ética. O problema consiste, entretanto, na compreensão da natureza desta normatividade. §3 A tradição artistotélico-kantiana insiste em entendê-la de maneira racional e universal. O que significa dizer que a normatividade ética é racional? Significa substancialmente duas coisas: Em primeiro lugar, significa dizer que a normas éticas são racionalmente válidas e validáveis. Ou, o que dá no mesmo, que as normas validadas eticamente são todas razoáveis. Temos válidos motivos (razões) para aceitá-las se as submetermos ao exame racional. No aristotelismo, tal exame consiste na aplicação dos procedimentos demonstrativos. A norma ética válida é aquela cuja aceitabilidade pode ser demonstrada. Isso significa que a demonstrabilidade é critério de validade? Sim e não. Significa que uma norma realmente válida é aquela cuja razoabilidade pode ser mostrada como evidente. Somente o fato de que podemos apresentar as razões para a aceitação das normas é que permite à ética poder ultrapassar o seu caráter descritivo, encaminhando-se na direção da prescrição. Em suma, o éthos de uma época ou sociedade pode admitir como válidos determinados tipos de ação. Mas a validade ética é dada apenas para aqueles tipos de ação cuja razoabilidade possa ser demonstrada. Por isso Kant acreditava que a norma ética é a lei que a própria razão prática se dá. Nesse caso, a ética não seria mais racional apenas porque temos razões para aceitá-la, porque é aprovada na análise racional, mas porque a razão mesma é quem a funda ou estabelece. Em segundo lugar, dizer que a normatividade ética é racional significa dizer que as normas são válidas apenas para aquele que age racionalmente, portanto, com controle do próprio comportamento inteligente. Este princípio serve para assegurar um elemento fundamental da ética moderna: a responsabilidade. Esta decorre do cruzamento da racionalidade da norma, no sentido acima, e da racionalidade do comportamento que se submete ao juízo de valor. Porque controla a própria ação, pela razão, o indivíduo é chamado a dar conta, a responder pelos próprios atos diante da instância ética. O que não significa apenas dizer que o indivíduo desprovido de razão (o louco, p. ex.) não possa ter os seus atos avaliados do ponto de vista ético; quer dizer, sobretudo, que ele não pode ser considerado responsável por eles, portanto, dele não se pode solicitar que reconheça a normatividade ética, ainda que ela continue existindo para todos. A universalidade, por sua vez, diz respeito ao alcance ou extensão da vigência ou validade das normas da ação. Um princípio ou uma regra são universais se a sua validade não depende de "contextos de validação", se é absoluta. §4 Há várias objeções históricas à normatividade ética, dentre as quais aquela que se apresenta na forma da cultura da tolerância. A maior parte delas atacam a racionalidade que os filósofos, desde a filosofia grega, lhe atribuem. Há aqueles que investem contra a sua demonstrabilidade, atacando ou negando a razoabilidade dos procedimentos argumentativos nos quais se pretende demonstrá-la ou "fundá-la". A pretensão de fundar a ética ou a sua normatividade seria, ela mesma, desprovida de fundamento. Algumas objeções negam, por outro lado, a possibilidade de que o indivíduo estabeleça uma ponderação adequada ou relação racional entre a sua ação ou decisão e a norma ou regra que nela se realiza ou é violada. Seria como uma espécie de afirmação do "interesse moral": os indivíduos agem ou decidem deste ou daquele modo envolvidos com motivações da mais diversa ordem e este envolvimento se configura de tal forma que impede o controle racional da ação. As verdadeiras razões da ação e da decisão não são dadas pela razão: ou são ocultas a esta, por inacessíveis, ou estão fora do seu controle, ainda que a razão divise as suas origens, ou, enfim, a razão mesma, enquanto não é uma atividade pura, torna-se cúmplice das injunções que controlam a vontade humana sendo por elas conduzida. O que se explica de duas formas, pelo menos: a) ou os indivíduos não são jamais livres para a atitude racional do imperativo categórico, em que a razão dita leis a si mesma (nesse caso, admite-se até que esta liberdade seria o ideal ou é possível 2

excepcionalmente); b) ou uma racionalidade capaz de tal coisa é uma ficção e, de fato, não conhecemos o menor indício dela ao analisarmos as ações humanas. §5 Uma forte objeção à racionalidade da norma ética voltando-se contra a possibilidade de uma racionalidade que se exerça fora do domínio do interesse provém do ambiente sociológico. A normatividade ética é cultural e socialmente instituída e esta sua instituição não obedece a qualquer critério de racionalidade, mas ao arbítrio social que, depois, torna-se convenção. As razões desta ou daquela decisão do arbítrio social, por sua vez, não se estabelecem segundo os critérios da racionalidade. Normalmente decorrem da necessidade de autopreservação do status quo, ou seja, da configuração social a que se chegou. O interesse coletivo de autoafirmação da instituição social determina, em última instância, a validade da norma ética. O juízo da racionalidade social conflitua, eliminando, com qualquer outra forma de racionalidade "isenta": é pura estratégia. Eis porque a ética possui esta marca conservadora, avessa às mudanças que se introduz ou que se quer introduzir em tempos recentes. Eis porque o aparelho coercitivo do Estado pode apostar as suas fichas e forças (a lei) em defesa da ética. Eis porque nas religiões tradicionais a divindade que cria o mundo, cria também a ordem moral que, portanto, é vista como "natural".

§6 Uma outra variável se origina em ambiente psicanalítico. Afirma que a validade da norma ética se estabelece no cruzamento entre a esfera privada do desenho pulsional e a esfera objetiva e "estranha" da instituição social. Ora, se a instituição ética, como vimos na versão sociologizante, não obedece a critérios de racionalidade "isenta", mas a princípios, no máximo, de racionalidade funcional da sociedade enquanto sistema, tampouco no que tange à economia pulsional se pode falar de racionalidade, se por racionalidade entendermos o controle que a consciência tem de si mesma e dos seus próprios atos. De fato, de uma tal consciência poderíamos falar apenas se a consciência esgotasse toda a possibilidade da vida psíquica. Entretanto, há também (e como!) algo como a sombra da consciência, o inconsciente, que não substá absolutamente ao seu controle, mas que, antes, de algum modo a controla. O valor moral e o horizonte dos valores morais, portanto, escapam ao domínio de qualquer racionalidade. §7 Enfim, historicamente reconhecemos uma potente objeção de cunho vitalista. Para esta as decisões vitais são pré-conscientes, portanto, escapam ao domínio daquilo que a tradição chama de racionalidade. Mais do que da razão, os indivíduos, na moral, estão à mercê de uma outra faculdade, a vontade. Não, portanto, da vontade desta ou daquela coisa, mas da vontade, da tensão considerada absolutamente, vontade de vontade (como diz Heidegger de Nietzsche), vontade de potência. A vontade de vontade não tem esta ou aquela razão, a não ser ela mesma, a própria existência, a inércia do próprio ser. Confundir valor moral e racionalidade é não compreender esta dimensão fundamental da vida. §8 Trata-se, pois, de dois tipos de crítica da normatividade ética, ambas motivadas por uma desconfiança quanto à racionalidade da ação ou decisão moral. Sob este aspecto, trata-se de uma crítica "irracionalista", enquanto nega ou, pelo menos, desconfia de todas aquelas características que pareciam essenciais aos conceitos de razão e racionalidade: a) capacidade de que é dotado o ser inteligente para a avaliação, ponderação, consideração, que são atitudes necessárias para a decisão; b) capacidade de constituir ordem e nexos entre elementos vários, de estabelecer percursos e sistemas de relações entre estes elementos de forma a vinculá-los e ordená-los; c) capacidade de controlar a própria ação inteligente nas abordagens dos elementos plurais da realidade de forma a obter conhecimento acerca deles transitando de um a outro com ordem e sistema. §9

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O outro grande grupo de objeções à normatividade ética afirma, por sua vez, a inevitabilidade de contextos de validação para a aceitação desta normatividade. Em outros termos, não nega a validade da norma ética, o fato de esta ser vinculante além da vontade e volubilidade do indivíduo. Entretanto, reconhece que o alcance da sua normatividade é dado pelos limites ou fronteiras de determinados contextos de validação. Chamo "contextos de validação" os âmbitos que explicam a normatividade das normas éticas. "Explicam" no sentido de que as normas éticas se originam nestes âmbitos e/ou devem ser compreendidas em referência a eles - são os contextos justamente que as validam. No caso em que a normatividade é vista como uma validade intersubjetivamente vinculante, os contextos de validação seriam, por exemplo, a cultura ou subcultura, a época histórica, o modo de produção. No caso em que a validade é simplesmente uma vinculação privada do indivíduo à norma, a "economia libidinal" (a genealogia da vida do espírito) é o contexto de validação, enquanto a vigência das normas vivenciadas se explicam se relacionarmos a ordem das pulsões e desejos (interior) à ordem socialmente instituída (exterior). § 10 A afirmação dos contextos de validação tem como conseqüência evidente a negação da universalidade da normatividade ética, apresentando-lhe objeções de tipo relativista. Dessa forma rejeita a idéia de que o comportamento humano poderia adequar-se a um conjunto de valores absolutos, que existiriam como tal fora da ação e da decisão e independentes destas. As objeções relativistas são, como dito acima, de dois tipos. O primeiro tipo nega a validade universal da norma ética em nome de contextos de validação de vigência interior ou pessoal. Com efeito, se nas ações e decisões o indivíduo não se orienta por valores absolutos, é porque está sempre vinculado a valores tais quais se manifestam a ele, portanto, configurados por formas e categorias cuja sede lhe é interior (mesmo se inconsciente), enquanto indivíduo que age e conhece. Destarte, parece razoável admitir que o único discurso legítimo acerca dos valores que regulam os comportamentos é aquele segundo a ordem do nosso modo privado de vivenciá-los, isto é, a partir do modo como tais valores se dispõem em face de nosso querer e das faculdades de conhecimento. Pelo contrário, qualquer discurso que prescinda deste fato, que pretenda insistir na realidade em si mesma dos valores, é um disparate empírico, um discurso teológico ou metafísico. De qualquer forma, racionalmente injustificado. § 11 Sobre esta base fundamental de crítica "perspectivista" da universalidade da norma ética podem, seguramente, acontecer as mais diversas variações. Como, por exemplo, as formas que afirmam que os contextos de validação de vigência interior necessariamente entram em relações com contextos de validação intersubjetiva - que vistos da "perspectiva" da economia interior da mente (de "dentro") são, portanto, simplesmente contextos externos. Estas formas, que se desenvolvem particularmente no século XIX, afirmam, com o "perspectivismo" em geral, que os valores pelos quais orientamos nossos comportamentos são referidos à privacidade do indivíduo, portanto relativos. O que significa que, na esfera dos valores ou do horizonte normativo das ações, se encontram e cruzam as coordenadas do desejo e do temor humanos (Feuerbach, Freud) e/ou da vitalidade do espírito humano (Dilthey, Nietzsche) com a Norma externa e instituída. Mas afirmam, além disso, que a subjetividade, sede das categorias e formas pelas quais se vivencia a norma ética, a consciência constituinte da normatividade, é constituída, por isso finita e atravessada por linhas que não controla, enfim, visitada por influências que não domina (o desejo, as decisões na esfera econômica, a linguagem, o espírito objetivo etc.). Desde a crítica hegeliana à moral subjetiva kantiana, caracterizada como uma doença romântica que não percebe o fato da instituição socialobjetiva que se impõe à consciência privada, que em termos de ética (e não só) não se tem mais sossego na história do pensamento. § 12 A variável psicanalítica, ou que nela se inspira, é um típico exemplo destas formas de objeção. Simplificando-a didaticamente, esta posição sustenta que a normatividade ética se explica por duas instâncias. De um lado, pela instituição externa que se vivencia privadamente como algo de tal forma válido que o conformar-se ou adequar-se à norma parece natural. De outro lado, pela economia da psyché, ou seja, pelos processos genealógicos pelos quais se forma a atual estrutura anímica de um 4

indivíduo, pela disposição das faculdades e estruturas interiores desenhada na articulação entre o querer e o desenho das linhas pulsionais dos desejos e temores. Neste caso, a aceitação da validade da norma não depende ou se relaciona com uma consciência que a explique ou controle e de uma razoabilidade que a institua, assim como o seu alcance não supera o alcance da validade outorgada por uma ordem que a consciência não domina. Ao contrário, é na relação entre a ordem instituída externa (vivenciada como lei e cuja transgressão submete à sanção) e a composição do desejo privado que se estabelece algo como um horizonte normativo a partir do qual os indivíduos validam ou invalidam os próprios comportamentos e decisões. § 13 O segundo tipo de objeção à universalidade da norma ética se apresenta em nome de instâncias ou contextos de validação intersubjetiva. Este tipo inclui posições que afirmam a existência de horizontes normativos vinculantes pelos quais nós julgamos as interações humanas. Negam, entretanto, a absolutez de tais horizontes. A normatividade ética depende, na verdade, de esferas de validação que superam o fato privado da consciência e às quais nós simplesmente nos adaptamos, mas que, por sua vez, têm fronteiras temporal e/ou espacialmente reconhecíveis. Para a interpretação sociológica, na tradição marxista ou weberiana, as esferas de validação dependem da economia produtiva. Estas esferas são de natureza social e, como tal, visam à preservação do status quo da sociedade. Como tal, praticamente coincidem com a lei e o costume. Enquanto instituídos, eles são impostos ao indivíduo. Para a interpretação da antropologia cultural, dependem dos círculos das culturas e subculturas nas quais os indivíduos aprendem o que se deve e o que não se deve fazer, o que se pode e o que não se pode escolher. Todavia, o alcance do dever, pelo qual o sujeito vivencia a norma social, limita-se às fronteiras de um cultura específica, havendo tantos patterns e tábuas de valores quanto culturas em uma determinada época histórica. Há, enfim, a variante nietzscheana, para a qual estes horizontes dependem de decisões vitais préconscientes a favor ou contrárias à vitalidade. Estas de-cisões se deram no passado, em tomadas de posição da civilização que se cristalizaram na língua, onde ainda podem ser rastreadas - a genealogia da moral. Mas os homens (ou pelo menos alguns homens eticamente aristocratas) são capazes de recusar-se a permanecer no "rebanho" para o qual o horizonte normativo é válido e revalidar um outro (Umwertung), mais em consonância com a própria opção que deve ser pela autoimposição da vida. § 14 Nesse quadro é evidente que a normatividade ética não pode mais ser admitida como dotada de uma evidência tal que não precise ser demonstrada. Os seus fundamentos precisam ser apresentados. A questão, por conseguinte, só pode ser esta: seria necessário defender a idéia de normatividade ética? No caso de uma resposta afirmativa, a tarefa torna-se mais complexa ainda se tivermos em mente o tipo de normatividade que se deve admitir, ou seja, uma normatividade universal e racional. Nesse caso, a questão se transformaria, do seguinte modo: seria possível justificar de tal forma a normatividade que esta seja racionalmente demonstrável e aceita como universalmente válida? Para responder a estas questões é preciso considerar o que se entende por normatividade, as objeções contra ela levantadas particularmente pelo pós-moderno, eventualmente refutando-as, recorrendo, para tanto, a procedimentos que não tenham sido já desqualificados pelas objeções. § 15 É bem verdade que aqui é preciso compreender bem o que cada um entende por ética. O problema moral, como quer que tenha sido entendido no curso dos séculos, sempre se referiu à conduta humana, ao modo como os homens se conduzem pelas suas ações e decisões. O que inclui imediatamente pelo menos dois âmbitos de objetos: (1) uma esfera interior, nos domínios das faculdades do entendimento e da vontade, que abrange (1.1) as decisões humanas e (1.2) as suas aptidões e disposições estáveis (o caráter2) na medida em que estas são qualificadas como a favor 2 A expressõa "ética", vem de  (muito usado no plural ) e não diretamente de , que, aliás, lhe é

aparentado semanticamente. Éthos (assim escrito com eta ou e longo) significa caráter (caracteres): marca estável, cunho que qualifica qualquer ser dotado da faculdade da vontade (deuses, homens, animais), conjunto

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ou contrárias à virtude; (2) uma esfera externa, os comportamentos ou práticas pelos quais o caráter interior se manifesta e se torna visível. A visibilidade do caráter é dada nem tanto pelas práticas eventuais mas pelos modos costumeiros ou habituais pelos quais o indivíduo se conduz3. Para os antigos, a tematização da experiência moral evidencia uma relação fundamental intercorrente entre: (1) o conjunto de aptidões e disposições interiores do indivíduo - que funciona como o seu caráter ou cunho distintivo -, (2) as suas decisões e comportamentos habituais e (3) o parâmetro ou critério a partir do qual se pode chegar a um juízo sobre o seu caráter. A ética4, então, é antes de tudo a esfera que se refere à conduta habitual () dos indivíduos e pela qual se manifesta e qualifica o seu caráter (). Relacionada a esta esfera mais abrangente se encontra, naturalmente, a consideração "teórica" (isso é, precedida de reflexão e conduzida com racionalidade) que a toma como objeto próprio, a teoria ética. O pressuposto fundamental é que, de algum modo, seja possível indicar aqueles comportamentos humanos que traduzem um caráter virtuoso e aqueles hábitos de comportamento, que, pelo contrário, indicam um caráter desprovido de virtude. Essa indicação "teórica" é justamente aquilo que os gregos chamaram de ética e, os romanos, de moral. § 16 Em correspondência com a sua ambigüidade semântica, referindo-se seja à conduta habitual e qualificável dos indivíduos, seja ao modo inteligente e cuidadoso de considerá-la, o vocábulo "ética" (ou "moral") tem sido historicamente usado para designar duas dimensões assaz diferenciadas. De um lado, a capacidade teórica (em seguida, uma disciplina filosófica) que torna apto a identificar as ações humanas adequadas ou contrárias à virtude. Posteriormente, entendidas as virtudes como parâmetros da ação e decisão, como valores, enfim, a ética se compreende também como o estudo dos valores que orientam as ações humanas. De outro lado, entende-se por ética as ações humanas habituais pelas quais os homens se conduzem, na medida em que estas refletem o seu caráter e na medida em que podem ser referidas ao vício ou à virtude. É claro que os usos foram um pouco modificados no curso do tempo. O sentido teórico, por exemplo, foi desdobrado em dois âmbitos, para responder a uma dupla vocação da (teoria) ética. Antes de tudo, a ética examina os comportamentos habituais pelos quais os homens conduzem a sua vida íntima e a sua vida pública, ou política, indicando aqueles que expressam um caráter conforme às virtudes fundamentais na vida pública e na vida privada. Mas também, num percurso inverso, descreve, de forma teoricamente orientada, as virtudes, a forma do caráter virtuoso e a sua tradução no nível dos comportamentos habituais. Além disso, a partir de um hibridismo entre o sentido teórico e o sentido, digamos, cultural do termo, constitui-se uma noção oscilante entre uma dimensão mais adjetiva e, outra, mais substantiva. De um lado, ética ou moral é a qualificação da ação ou decisão humanas na medida em que é conforme à virtude ou aos valores. Por outro lado, ética ou moral é o conjunto dos parâmetros ou valores pelos quais se avalia a ação. De qualquer sorte o sentido teórico de ética permaneceu o preferido no uso culto, enquanto seu sentido cultural ("corrigido" pelo hibridismo apenas mencionado) torna-se predominante no uso popular. § 17 Para os antigos era importante assegurar a possibilidade de que os bons costumes (bones mores) e os maus comportamentos pudessem ser identificados e apresentados. A ética tem um propósito. Um propósito, digamos, pedagógico-político. Identificadas, as virtudes podem ser ensinadas aos indivíduos para torná-los melhores, mas podem também servir de parâmetros para o aperfeiçoamento do governo e das leis do Estado. O aspecto pedagógico, entretanto, comporta uma das qualificações interiores pelas quais tal ser pode ser contradistinto e avaliado - acionando-se para tanto parâmetros de virtude - como bom ou mau.  é a caracterização dos indivíduos. A avaliação do caráter é possibilitada pelas ações e escolhas em que este se torna patente. 3 A "visibilidade" do caráter pela ação finda por resultar na sua "avaliabilidade". Ou seja, pelas ações é possível avaliar o caráter daquele que age, tendo como critério de mensuração as virtudes. Aqui entra em pauta um terceiro elemento: o hábito ou habitude. Aquilo que permite uma avaliação do caráter (como virtuoso ou viciado) não é um ato singular, mas o hábito ou constância de um certo tipo de ação. O hábito (ou éthos com épsilon ou e breve, semanticamente com alguma relação com éthos com  ou caráter) não é natural, mas funciona com tal estabilidade em sua relação com o caráter que é como se fosse uma espécie de segunda natureza, no dito de Aristóteles. 4 Poder-se-ia falar, mais em conformidade com o espírito grego de "o ético", referindo-nos a um âmbito dentro do qual se incluem os casos ou ocorrências singulares: coisas, ações etc. Nesse mesmo sentido poder-se-ia dizer "o poético" e "o político". Esse, porém, é apenas um uso culto, irrecuperável na linguagem quotidiana.

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outra dimensão que só com o tempo foi ficando mais clara, a possibilidade de avaliação. Se a ética nos permite identificar parâmetros, estes podem ser usados para o aperfeiçoamento e educação da esfera pública e da dimensão privada mas, também, nos dotam de um conjunto de critérios a partir dos quais valorar comportamentos e decisões do indivíduo e avaliar o governo e as leis do Estado. Avaliação que se expressa, como sabemos, no juízo de valor. Com o tempo, aliás, o aspecto propriamente pedagógico envolvido na ética viu-se preterido em face da dimensão avaliativa. § 18 Aqui ganha sentido a questão da normatividade ou da vivência normativa da experiência moral. A rigor, e em conformidade com a ambigüidade semântica do uso do termo ética, é preciso compreender que quando falamos de normatividade ética estamos nos referindo a dois fenômenos da experiência moral. Em primeiro lugar, a uma normatividade espontânea, que acompanha "naturalmente" a experiência moral manifestada no juízo de valor. A normatividade ética, nesse caso, é normatividade do éthos, ou o aspecto vivido da normatividade ética em geral: os indivíduos submetem o próprio juízo de valor acerca dos comportamentos próprios e alheios a critérios, parâmetros e normas que superam o seu querer privado e volúvel. O éthos de uma comunidade, uma etnia, uma época etc. finda por ser também a constelação de tais normas, que todos reconhecem como válidas e a que todos se submetem com maior ou menor força e convicção. Mesmo as decisões mais íntimas decorrem de um compromisso entre a natureza dos desejos inscritos na economia pulsional e os parâmetros públicos intersubjetivamente vinculantes. Agora imaginemos o que uma tal idéia de normatividade ética geraria num quadro conceitual que compreendesse a ética prioritariamente no seu sentido cultural híbrido (como o fizeram o século XIX e o XX, inclusive o pós-moderno): ética como conjunto de parâmetros instituídos socialmente pelos quais as culturas e épocas históricas pretendem julgar os comportamentos humanos e ética como a conduta humana virtuosa, isto é, adequada aos parâmetros sociais. Nesse caso, a ética funcionaria como mecanismo de coesão social. A avaliação de que somos dotados pela pressuposição da ética se transforma numa regulamentação dos comportamentos ou na fixação de tábuas de bons costumes impingidas normativamente e garantidas pelo controle social, através do Estado, da tradição, da divindade. Nesta concepção a vinculação moral só pode resultar em constrição e censura, funcionalisticamente voltada para a manutenção do sistema, conservadora e repressiva. No extremo teríamos uma espécie de moral de delegacia de bons costumes e as formas mais crassas de moralismo. Nesse sentido, terão sempre razão os críticos da normatividade ética. § 19 Além disso, por fortuna, podemos falar de normatividade ética também em outro sentido. Ou seja, podemos entender por normatividade ética a adesão à norma moral que resulta de uma exame racional da norma. Acontece que nem todas as normas socialmente instituídas parecem razoáveis ao crivo da razão, e, por isso, os indivíduos podem delas tomar distância. Mesmo admitindo-se que a razão não é uma superpotência que ilumina e perscrutra com absoluto controle do objeto e de si, temos que admitir a possibilidade que ela tem da condução inteligente da mente, da condução dos processos de análise e síntese, da crítica, inclusive crítica das injunções que sofre. De fato, há sempre a possibilidade de que o indivíduo tome alguma distância com relação à norma moral instituída e, examinando-a, decida pela sua adesão ou não. A normatividade decorrente seria, então, orientada pelo reto, cuidadoso e prudente uso da razão, seria aquela decorrente da racionalidade. A primeira forma de normatividade é espontânea, "natural" e imediata. A segunda forma é reflexiva, "crítica" e mediada pelo reto uso da razão. É bem verdade que a segunda se realiza a partir da primeira, e que esta é necessariamente referida a contextos de validação. Mas a segunda, justamente através da primeira, vai além desta. Nesse caso, a concepção de normatividade ética procede num sentido completamente distinto do anterior, na medida em que a avaliação dos comportamentos e decisões a que nos habilita a ética se entende como o exercício do juízo pelo qual os indivíduos, submetendo-se a parâmetros ideais, emancipam-se da vinculação à efetividade para julgar a possibilidade. Nesse caso, a ética nos dotaria de uma enorme capacidade de crítica do status quo. Ter perdido de vista esta dimensão é que leva ao enorme contra-senso que significa a negação da normatividade ética e da sua razoabilidade. § 20

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É claro que a normatividade espontânea da ética não é, per se, conservadora. Ela apenas traduz o dado fundamental de que a relação do indivíduo com a norma moral é normalmente uma atitude de adesão completa. Este é o sentido, por exemplo, da crítica de Hegel à moral kantiana. Só por um esforço artificioso (anti-natural) é possível suspender a validade "natural" da ética e instaurar, com limites e riscos, quaisquer níveis de liberdade. A ética, como a língua e as outras dimensões da cultura (do "espírito objetivo", em linguagem idealista) é uma esfera vinculante, não-tematizada e determinante. Negar isso em nome de qualquer ideal romântico de liberdade absoluta é não compreender metade da questão.

§ 21 As objeções contra a normatividade que conhecemos dizem respeito: (1) à racionalidade da normatividade ética; isto motivado (1.1) por uma desconfiança quanto às possibilidades de se dar razões da norma ética, ou seja, de se partindo da efetividade da norma fundarmos a sua possibilidade e (1.2) por uma desconfiança quanto às possibilidades de se encontrar qualquer fundamento racional para a ação que se submete à normatividade ética, de forma que a devamos sustentar sempre em nome da razão; (2) à universalidade da normatividade ética, na medida em que a validade deve ser sempre referida a contextos limitados de validação. § 22 Admitamos, em linha de princípio, que os argumentos apresentados nas objeções à universalidade e racionalidade ética sejam verdadeiros. Será preciso, então, examinar se dos seus pressupostos decorrem necessariamente as conseqüências que se quer inferir e, no caso em que isso se confirme, se tais conseqüências concernem ao campo ético. Admitamos, em primeiro lugar, que, de fato, uma racionalidade entendida como autotransparência e autocontrole da vida mental por parte de um sujeito centrado em si mesmo é uma ficção. E que, portanto, como o sujeito não é senhor nem na sua própria intimidade não há por que pensar que isso seja possível na sua relação com a realidade. Admitamos, dando mais um passo, que, por isso, a razão enquanto faculdade humana e a racionalidade enquanto procedimento não bastem para explicar nem os processos intencionais do sujeito (aqueles pelos quais ele se volta para o real, querendo-o, conhecendo-o, desejando-o etc.) nem a sua ação e interação no mundo. O sujeito, dito de outro modo, não controla plenamente nem o seu próprio agir nem o seu próprio querer. E não o faz porque se inscreve numa ordem que lhe é prévia (e "preveniente"), condição de possibilidade da sua própria atividade - e aqui não importando se se trata da ordem social, da tradição cultural, do desenho "natural" das pulsões, da linguagem etc. Assim, todos os atos intencionais do sujeito são visitados, de uma maneira que escapa ao seu domínio, por injunções de um outro que supera a sua medida e alcance. O nosso agir é sempre interessado, comprometido, imbricado com este outro. Nesse caso, entra em crise o conceito de racionalidade como capacidade de controlar a própria ação inteligente. § 23 Admitamos, enfim, que disso decorra que a normatividade da ação deva ser necessariamente referida a esta ordem preveniente que se impõe sobre o sujeito. Disso decorre necessariamente que a ação que se submete à normatividade ética não tenha fundamento racional? E que, portanto, não há como, em nome da própria razão, defender a normatividade ética? Parece tratar-se de uma conseqüência necessária, porque uma vez em crise o conceito tradicional de racionalidade, não haveria mais sentido falar de racionalidade ética em sentido tradicional. O problema é saber: a) se a crise do conceito de racionalidade significa o fim do conceito de racionalidade; b) se o fato de a normatividade da ação ser referida às ordens prévias onde se inscreve a subjetividade significa que tal normatividade se explica e se esgota nas "visitações" ao sujeito, isto é, se referida significa "tem aí a sua origem e razão de ser". Com efeito, a tematização da finitude da consciência parece bastante aceitável. Disso não se segue necessariamente que o homem seja uma marionete das suas pulsões, que as suas ações sejam um eco e reflexo da esfera da produção econômica, as suas decisões, um epifenômeno cultural. Caso contrário, não há como escapar de uma teoria do determinismo pulsional, econômico ou cultural, que em nossa época sequer merece ser rebatido. Basta pensarmos que a conseqüência mais evidente do determinismo é a irresponsabilidade: como, de fato, pretender que os indivíduos devam responder pelos seus atos se não os praticasse com algum forma de consciência, se não têm controle algum sobre si ao realizá-los?. Honestamente, o conceito de racionalidade como autotransparência e 8

autocontrole plenos é um conceito problemático e, sobretudo, insuficiente. Reconhecer isto, porém, nos leva a identificar quais são os seus limites, as suas condições de possibilidade, a conhecê-lo melhor, em suma. Mesmo porque é preciso compreender que uma mudança na compreensão da subjetividade atinge especificamente um aspecto do conceito de racionalidade (a idéia de controle) e não o conceito in toto. Por outro lado, o necessário referimento da normatividade ética a ordens prévias ao ato privado e consciente parece aceitável. Mas não poderíamos entender este referimento como mediação, de forma que ao dizer que a normatividade da ação é referida a esferas que superam o limite e controle da consciência queiramos dizer que a normatividade da ação é necessariamente mediada por estas? Certamente, não se trata de uma mediação instrumental, pois um instrumento é prescindível e estas esferas não. Mas podemos pensar que a normatividade moral seja vivenciada através de âmbitos e circuitos de mediação, sem que nestes se esgote ou se origine. § 24 Em suma. A objeção à racionalidade da moral dizia (1) que a normatividade ética nada tem que ver com o controle racional da própria ação pelo agente, (1.1) porque o controle racional da ação é uma ficção e (1.2), portanto, que a normatividade ética tem uma origem não-racional, bem como que (1.3) a norma ética não é conforme a razão. Mas também que (1.1.1) a contraprova teórica consiste na constatação de que há injunções que, por sua vez, "controlam" a razão; (1.2.1) a contraprova empírica consiste em mostrar como a normatividade ética deve necessariamente ser referida às ordens que injuncionam, que "controlam" a consciência, e que pode nesta referência ser explicada; (1.3.1) as normas éticas são estabelecidas conforme funções sociais, culturais ou pulsionais, a que correspondem, e a razão as considera "razoáveis" apenas porque a razão é também constituída pelas estruturas sociais, culturais e pulsionais. Assim, atinge-se duramente a racionalidade do comportamento (eliminando, de propósito ou não, o princípio responsabilidade), mas ao mesmo tempo, e mediante esta investida, atinge-se em cheio a racionalidade da norma. A contra-objeção consiste (2) em afirmar, pelo contrário, que a normatividade ética está ligada essencialmente à (2.1) racionalidade dos comportamentos e (2.2) normas. Para tanto, foi necessário insistir (2.1.1) que a negação do controle racional da própria ação por parte do agente não é conseqüência necessária da afirmação da crise da idéia de consciência como autotransparente e autodeterminante e (2.2.1) que a necessária mediação da normatividade ética pelas instâncias da cultura, da sociedade e das ordens pulsionais (2.3.1) não traz consigo a necessidade de negar a racionalidade da ética. § 25 Admitamos, outrossim, como foi feito para as objeções contra a racionalidade da normatividade ética, que a vivência da normatividade ética deva sempre ser referida a contextos específicos de validação. Parece razoável admitir, por exemplo, que cada cultura e subcultura, cada época histórica, cada tipo de sociedade contenha e apresente os critérios e parâmetros a partir dos quais regula, ordena e controla os comportamentos e decisões dos indivíduos que aí se inserem. Os indivíduos, por conseguinte, recorrem a tais conjuntos de critérios e parâmetros ao formular os seus juízos de valores a respeito de caracteres, comportamentos e decisões próprios e dos outros, dessa forma subordinando-se normativamente aos valores social e culturalmente instituídos. Parece igualmente razoável admitir que estes valores são de tal maneira apropriados, assimilados, introjetados que talvez a história mais íntima de cada um se explique através do teatro das interações, acomodações, contrastes e conflitos entre o próprio desejo e energias pulsionais, de um lado, e a norma, a lei instituída e exógena, por outro lado. Se admitir tal coisa parece sensato, mais sensato ainda é, certamente, a compreensão de que tais contextos convalidantes são limitados e vários. Em cada época histórica, em cada cultura, em cada forma social, encontramos padrões de comportamentos diversos, tábuas de valores distintos, parâmetros divergentes. Uma simples análise histórica mostrará como os preceitos e prescrições morais mudam no tempo e como um comportamento inaceitável numa época pode ser admitido em outra. Tanto assim que parece sumamente liberatório (e paradoxalmente "ético") liberar os espíritos da servidão voluntária à ética, afirmar a ousadia da ruptura e da fidelidade ao sentido das próprias pulsões, admitir a ousadia de dizer sim à vida e ao "sentido da terra" (Nietzsche) contra a repressão da norma moral. § 26

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Se tudo isso parece aceitável, em linha de princípio, a pergunta a seguir deve ser esta: decorre da admissão da existência da historicidade dos valores morais, da afirmação da finitude das tábuas de prescrições e mesmo do seu caráter repressivo, como conseqüência necessária, a afirmação de que a normatividade ética depende destes contextos convalidantes? Não. Na verdade, a passagem entre uma coisa e outra parece necessária apenas porque também aqui se confundem os dois sentidos de normatividade ética. Aquilo que é historicamente finito, que tem fronteiras, é a constelação de normas de uma cultura, de uma época, de uma sociedade. Se a normatividade ética tem em comum em ambos os seus sentidos o fato de funcionar como um conjunto de parâmetros voltados para municiar os juízos de valor sobre caracteres, decisões e comportamentos, bem como o fato de que a ética se estabelece necessariamente através do éthos, os pontos de contato terminam aí. Na atitude crítica, à diferença da atitude espontânea, a autoridade da ética não decorre da tradição, da força dos mitos que a justificam, da violência da lei etc. mas, como vimos, do exercício cuidadoso, limitado e responsável da racionalidade. O que significa que a necessária vinculação dos valores a esferas como a cultura ou a época histórica não significa que os valores todos sejam simplesmente validados por estas; as normas válidas são unicamente aquelas que podem ser reconhecidas como tais submetendo-se, real ou possivelmente, ao exame da razão (deixemos estar, por enquanto, a questão da natureza desta razão). Disso decorre que: a) a rigor os contextos de referência das normas não são contextos de validação ética, mas apenas de vinculação espontânea; b) as contraobjeções ao relativismo dependem fundamentalmente das contra-objeções ao irracionalismo da normatividade ética; há uma solidariedade estrita na afirmação do racionalismo e do universalismo da ética... § 27 Pode-se ir ainda mais longe nas contra-objeções. Até agora elas consistiram em mostrar como as conseqüências irracionalistas e relativistas que se acreditava necessárias em campo ético em decorrência das críticas da racionalidade e do absolutismo moral não parecem dotadas da evidência necessária para o nosso assentimento. Em seguida, podemos nos pôr a questão se a negação da universalidade e racionalidade da normatividade ética pode ser aceita coerentemente em termos práticos, empíricos, ou seja, nas situações quotidianas da vida. Em outros termos: podemos fazer um esforço de imaginação e pensar como seria o circuito quotidiano dos comportamentos e decisões a prescindir, coerentemente, de qualquer normatividade de caráter universal e racional. O objetivo desta forma de argumentação é verificar a conveniência prática da afirmação ou negação da normatividade ética como racional e universal. § 28 Negando-se, por exemplo, a racionalidade da normatividade ética, o que teríamos em seu lugar como condição suficiente da nossa vinculação aos parâmetros, critérios e valores com que construímos juízos de valores acerca dos comportamentos, caracteres e decisões nossos e dos outros? Há apenas dois modo de pensarmos formas de sociabilidade em que à ética não é vinculada a racionalidade. Na primeira alternativa mantém-se, isso não obstante, a normatividade e o indivíduo está, então, efetiva e injustificadamente, submetido a uma ordem estranha, heterônoma e repressiva. Temos aqui uma espécie de moralismo conservador em que a norma está justificada pelo mero fato de existir, cabendo ao indivíduo apenas adaptar a ela as próprias ações ou submeter-se à sanção social prevista para o seu descumprimento. A normatividade ética se transforma numa espécie de despotismo da heteronomia. Na segunda alternativa recusa-se a normatividade injustificada racionalmente, em nome da autonomia do sujeito humano. E o que ocupa o seu lugar? Historicamente, conhecem-se duas possibilidades. Há quem afirme a completa prescindibilidade de uma regulação exterior dos comportamentos, insistindo, por outro lado, na importância da liberdade e da naturalidade das aptidões e pulsões da condição humana. Mas há também quem afirme uma espécie de ordem aristocrática de valores em substituição à antiga ordem, caracterizada como repressiva e como adequada ao "rebanho", à massa. Neste caso, ou admitem, com os existencialistas, que certos indivíduos que aceitam autenticamente o absurdo da existência ( sendo, por conseguinte, obrigados a tomar decisões soltos no horizonte das possibilidades, sem nenhuma estrela a guiá-los) constroem-se e impõem-se (e aos outros, em alguns casos) os próprios parâmetros e valores. Ou, então, propõem, nietzscheanamente, a aceitação do destino trágico do existir humano e a transmutação dos valores "ressentidos" da civilização em valores adequados à afirmação da vida e à fidelidade "ao sentido da terra". De qualquer sorte, não se trata jamais de se tentar substituir a razão num lugar que é claramente usurpado. Nada há, fora o arbítrio da coletividade, da "voz do rebanho" (Nietzsche), que nos constrinja a prestar o obsequium fidei à estrutura represssiva, estrangeira e despótica da ética.

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Parece preferível a des-razão - como conceito privativo ou negativo, não importando o que isso signifique exatamente - ou um pensiero debole, uma racionalidade de penumbra, respeitosa da alteridade, que tem pudor da violência metafísica do ser como efetividade e da ética como constrição, que advoga a desejável volubilidade de uma relação estetizante dos homens entre si e com a realidade. O poderíamos afirmar em nome de uma espécie de romantismo, em que se reivindica que na hierarquia da vida do espírito venham antes o sentimento, a imaginação ou fantasia, o desejo. Eis que nos encontramos de novo em face da contraposição romântica entre o filósofo, o cientista, o manager e o técnico - modelos do homo rationalis, enésimo comparecimento de um paradigma cujo exemplo mais acabado é o homo cartesianus -, por um lado, e o artista, o bon vivant, o don juan - modelos do homo ludens. § 29 Um modelo de sociabilidade em que a racionalidade não está vinculada à ética parece sedutora, particularmente na segunda forma, quando simplesmente se explode a normatividade. A olharmos mais de perto, entretanto, o quadro não é tão risonho. Em primeiro lugar, no que se refere à ética de tipo existencialista o seu principal problema é naturalmente da ordem da realização prática: na experiência ética nunca nos encontramos de fato na situação de liberdade absoluta de autooutorgadores de princípios e normas. Mesmo se isso fosse possível, podemos até admitir que, no que tange à esfera da subjetividade, uma ética desse tipo parece aceitável, mas o que dizer desta no caso das interações sociais, no caso da esfera da intersubjetividade? Os parâmetros que estabeleço para mim devem ser impostos aos outros que, de algum modo, sofrem as conseqüências das minhas ações? Com que direito? E como faço quando os outros fizerem o mesmo que eu? Submetome à sua heteronomia? Parece que aqui há só duas alternativas: a) o despotismo da imposição dos meus parâmetros aos outros - a privação da liberdade do outro; b) o retorno à heteronomia representada pela minha submissão aos parâmetros alheios - a privação da minha liberdade por causa do outro. Mas se justamente todo o argumento é construído a partir do elogio da liberdade absoluta, como é que eu posso terminar por negá-la da forma mais radical? Restar-me-ia a consolação existencialista da conclusão amarga que l'enfer c'est les autres? Em segundo lugar, o louvor da liberdade que anima toda a segunda alternativa é problemática não apenas na forma existencialista da ética. De fato, é sem dúvida sedutora a perspectiva que nos libera de qualquer heteronomia. É verdade que nem a racionalidade nem a eticidade explicam ou esgotam a riqueza do humano. A questão é saber se, na prática, uma e outra são prescindíveis e se baste que nos abandonemos dionisiacamente ao carpe diem para que sejamos felizes e a vida se torne algo muito mais agradável. Opor razão e intuição (entendida esta última como o procedimento da descoberta por iluminação, revelação ou Insight), ética e estética, normatividade e liberdade como duas formas mutuamente excludentes de procedimento ilativo, duas formas de vida ou dos princípios reciprocamente excludentes é perder o sentido didático e metafórico da oposição. Sobretudo, há de se atentar, novamente, ao fato de que a perda de um certo tipo de normatividade, longe de representar um ganho para a liberdade pode se revelar extremamente nocivo a esta. Em não havendo regulação que constrinja os indivíduos além da sua volubilidade essencial, como impedir que uns atentem contra a liberdade dos outros, que não se decida que a servidão é preferível à emancipação e que o conflito de desejos e interesses se resolva pela vitória violenta do mais forte? Do mesmo modo, mesmo para os românticos a des-razão é um mau princípio se pensarmos na sociabilidade. Por isso, se é exagerado acreditar que todo fascismo é romântico, certamente não é excessivo acreditar que os quadros românticos da priorização do sentimento contra a razão como instância de controle crítico sempre foram muito favoráveis ao medrar dos fascismos que a história nos faz conhecer. § 30 Enfim, e isso pode ser dito de todas as alternativas de sociabilidade em que se perca de vista a possibilidade de uma fundamentação racional da normatividade ética, a pior das conseqüências destas alternativas está justamente em permitir a afirmação da brutalidade. Por brutalidade deve ser entendido o parâmetro de regulação dos comportamentos e decisões em que o valor decisivo é o poder vivido como força e como violência; mas é também o parâmetro de onde se exclui a racionalidade eticamente orientada, a normatividade orientada segundo as instâncias críticas da razão e a argumentação norteada por critérios éticos e iluminadas pela razão eticamente exercida. Em outros termos, brutalidade é o que se tem na prática se prescindirmos destes dois elementos, envolvidos por laços de solidariedade indissolúveis: normatividade ética e racionalidade. Claro que esta afirmação deve ser tomada com cuidado. De fato, a brutalidade pode conviver tranqüilamente tanto com a normatividade, quanto com a racionalidade, desde que isoladas, e não nos faltam 11

exemplos históricos da normatividade e da racionalidade brutais. Antes, ficar com a normatividade a prescindir da racionalidade é o elogio da brutalidade que se exerce não através de um déspota qualquer, mas das instituições sociais, da lei, do preconceito, da tradição e de qualquer um que em nome das "sagradas normas" erga o patíbulo ou o altar da depuração contra qualquer voz, ação, hábito divergente. Além disso, a inteligência e a racionalidade, em si não sendo boas ou más, podem e têm sido freqüentemente vistas a serviço dos procedimentos mais bárbaros, das práticas e procedimentos mais brutais. Do mesmo modo, na ausência de normatividade racional a ribalta é ocupada pela possibilidade da brutalidade, pelo vale-tudo, pela guerra de todos contra todos onde naturalmente aquele que circunstancialmente é o mais forte é capaz de impor a própria causa. Em não havendo regulação e normatividade, a brutalidade - senão real, pelo menos possível - constituise como norma e regulação. § 31 Do mesmo modo, no que se refere ao relativismo. Certamente a descoberta dos contextos de validação contém algumas vantagens inestimáveis. De um lado, parece pedagogicamente eficiente no ensino da tolerância em face das formas diferentes de vida, da diversidade cultural e da mudança histórica dos princípios. De outro lado, parece interessante pedagogicamente para a diminuição da angústia pessoal, da tensão íntima dos indivíduos para que possam viver de forma menos conflitante os contrastes entre as suas aptidões afirmativas do desejo e a norma moral. Entretanto, estas vantagens podem certamente ser conservadas sem que se tenha que introduzir ao mesmo tempo um relativismo ético radical. Mesmo porque se afirmamos, como acima, que a tolerância é preferível à intolerância ou que a liberdade é preferível à servidão, por exemplo, acreditamos que isso possa valer universalmente e não apenas para uma qualquer Sociedade Protetora das Minorias, para a Anistia Internacional ou para o Colégio Psicanalítico de não sei onde. Ao contrário do que poderia parecer, a negação da universalidade da normatividade ética (ou "negação da servidão à ética", se se preferir), ao invés de se tornar uma grande vantagem emancipatória dos indivíduos, pode tornarse um princípio extremamente nocivo à própria emancipação e liberdade. § 32 O terceiro e último passo na formulação das contra-objeções encaminha-se na mesma direção. Se, há pouco, nos esforçamos para demonstrar como a negação da universalidade e racionalidade da normatividade ética não pode ser aceita coerentemente em termos práticos, pelas conseqüências inaceitáveis que comporta, podemos nos perguntar, enfim, se do ponto de vista exclusivamente lógico-demonstrativo estas objeções se sustentam. Porque é inegável que estas objeções se apresentam na forma argumentativa e que, portanto, sustentam-se em procedimentos lógicodemonstrativos, devendo ser aceitos ou não apenas em face da sua capacidade de produzir convencimento mediante discursividade. E é aqui o território onde estas objeções, ao que parece, revelam-se ainda mais frágeis. § 33 Vejamos, por exemplo, o caso da objeção à racionalidade. Esta se revela argumentativamente imprestável no que se refere à estrutura mesma da demonstração. Quem demonstra a impossibilidade da racionalidade ou o faz racionalmente ou não comunica. Se não comunica, não pode ser levado a sério e a sua objeção não consegue sequer ser apresentada. Não pode ser considerada, é irrelevante. Se comunica, é porque o faz racionalmente, negando, portanto, com o seu próprio ato de demonstrar racionalmente, o conteúdo deste mesmo ato, a saber a impossibilidade do exercício da razão. Esta foi sempre a pedra no caminho de quem critica a racionalidade, pois não há, a rigor, como criticar o modus ponens senão através do próprio modus ponens - negá-lo, portanto, é contraditório.

§ 34 Do mesmo modo, no que se refere à racionalidade da normatividade ética. O que acontece, do ponto de vista argumentativo, com quem sustenta a tese de que não há racionalidade na normatividade? Em primeiro lugar, está apresentando uma asserção sobre um estado de coisas. Esta asserção, além disso, pretende ser verdadeira, isto é, entende-se como descrevendo ou revelando este estado de coisas. Com isso, pretende ser considerada superior diante de qualquer outra proposição que trafege em sentido contrário e, portanto, ser válida diante de qualquer concorrência. Tais pretensões 12

são fundamentais, negá-las ao mesmo tempo em que se apresenta a asserção, por conseguinte, é contraditório. A questão é, então, como posso justificar estas pretensões que acompanham performativamente o conteúdo da asserção? Restam, por assim dizer, duas alternativas: de um lado, o arbítrio - a proposição deve ser aceita como melhor apenas porque eu quero e pronto. Nesse caso, entretanto, não estou lidando com uma asserção, mas com uma atitude: temos a ver com brutalidade e não com argumento. A segunda alternativa é a única possível: o que justifica a pretensão de validade da asserção é a convicção de que a verdade daquilo que ela diz pode ser, de algum forma, descoberto por qualquer uma pessoa dotada das mesmas condições que aquele que a enuncia. Significa que esta asserção mereceria o consenso de quaisquer indivíduos que se esforçassem para "verificá-la". Mas quais são as condições desta "descoberta" ou "verificação"? Antes de tudo uma espécie de boa-fé argumentativa, ou seja, a decisão de manter-se dentro dos princípios e parâmetros da argumentação, que funcionam como instância normativa para os atos declarativos. A bem examinar, verificamos que esta instância normativa é uma espécie de ética da argumentação, que ensina como evitar a brutalidade performática e como julgar os comportamentos lingüisticamente mediados. Dentro dessa instância, há, além disso, a condição suficiente de validade argumentativa oferecida pela racionalidade, a capacidade de ponderar, avaliar, examinar coisas e princípios. O que significa que quem quer que apresente uma asserção como válida, no fundo afirma, também, que o que justifica afinal a sua pretensão de validade é o fato de que aquilo que a asserção contém pode ser objeto de um consenso racionalmente justificado por parte de qualquer outro indivíduo. A asserção é superior a qualquer outra asserção contrária apenas porque ela é a mais razoável, porque pode ser validada pelo reto uso da razão. Mesmo que eu me engane e, de fato, a razão não me leve a aceitar tal proposição como evidente, é claro que a racionalidade se apresenta como uma das estruturas formais da argumentação, condição subentendida por qualquer ato declarativo. Portanto, é condição formal necessária para a formulação de qualquer asserção, que se reconheça coerentemente como argumento, a aceitação da racionalidade. Racionalidade e normatividade normalmente se mostram aqui em estrita solidariedade na garantia da ética. Assim sendo, quem quer que negue argumentativamente a racionalidade da normatividade ética (ou esta propriedade da ética de ser objeto de uma adesão racionalmente motivada) ou negue a existência da normatividade de uma ética da argumentação, nega, com o seu próprio ato de negar, o conteúdo da sua declaração, na medida em que não há declaração possível sem normatividade e sem racionalidade normativa. § 35 Na perspectiva que se desenhou até agora a normatividade ética que nos interessa se obtém através da passagem da normatividade espontânea, da atitude "natural", à normatividade crítica. A normatividade legítima é aquela que pode ser fundada racionalmente. Portanto, existe a normatividade ética, ela é universal, mas só é autêntica normatividade ética se a evidência da norma puder ser aceita após um controle da razão. Em outros termos, a aceitabilidade das normas morais decorre, em última instância, das possibilidades que esta norma revela de superação do exame racional. O parâmetro verdadeiramente normativo é sempre o parâmetro validável racionalmente. É importante, e até mesmo necessário, submeter uma norma à crítica, ao exame ou controle racional, em determinadas situações práticas, como, por exemplo, num conflito prático entre normas diferentes e antagônicas (todas pretensamente válidas), ou na situação existencial em que um indivíduo se depare com uma norma que se oponha ao seu querer, ao seu desejo (portanto, que lhe desagrade) ou aos seus princípios (que lhe pareça estranha ou absurda). Nesse caso, os indivíduos devem se decidir a favor de uma pretensão de validade, e contra outras, na medida em que a pretensão que se aceita como normativa puder ser justificada por meio de argumentos apresentados e distribuídos racionalmente. Em outros termos, a força vinculante e obrigante de uma norma ética à qual os indivíduos submetem o seu juízo de valor está em estrita solidariedade com o fato de que é sempre possível, no caso em que isso se faça necessário, apresentar-se as razões da sua aceitação. O que significa que a crise da normatividade espontânea, provocada pelo conflito ou pela "estranheza" da norma e levada a termo pelo indivíduo, pode e deve ser superada e que, por conseqüência, a confiança na norma pode ser definitivamente perdida ou recuperada através de procedimentos racionais. Como isso é possível ou, em outros termos, como é possível, na prática, a validação da norma moral? Como é possível sair da normatividade espontânea - e falível - para a normatividade crítica? Do ponto de vista dos procedimentos, podemos dizer que isso se faz através de uma espécie de epochè cética, análoga ao que fez Descartes acerca do conhecimento. Em estado de crise (conflito ou "estranheza") de normatividade suspende-se, de forma voluntária, a validade da norma e se procede ao exame argumentativo das pretensas (em caso de conflito) ou pretensa (em caso de "estranheza") norma, que pode levar à negação ou à afirmação das normas ou norma em questão ou 13

de uma delas contra as outras. No caso do conflito prático, o exame argumentativo é, como ensinam Habermas e Apel, uma discussão prática leal balizada pelo princípio fundamental da universalização5. No caso da "estranheza" privada, o exame argumentativo consiste no controle leal das razões da norma. § 36 Para Habermas, as normas são válidas quando tiverem sido objetos de um discurso prático e superado o seu exame, sendo essa superação manifestada no consenso. A interlocução prática seria, então, a garantia da normatividade. Na verdade, entretanto, o conflito prático não é a única situação que pode provocar a crise da normatividade espontânea, portanto a interlocução não pode ser o único medium universal de validação da norma. E se algumas vezes o exame racional da norma se dá por interlocução - argumenta-se para convencer o outro - sempre se dá por argumentação. Em alguns casos é preciso chegar ao consenso - e se estabelece, para tanto, a interlocução, o discurso -, noutros, é preciso demonstrar a outrem ou a si mesmo a solidez da norma. Argumenta-se discursivamente para convencer ou para demonstrar ao outro ou a si mesmo a verdade ou falsidade de uma posição. Mas também se argumenta, através do raciocínio ou ordem das razões, para convencer-se da aceitabilidade ou inaceitabilidade de uma posição. O consenso sequer é o mais importante, pois não é causa, é efeito possível da argumentação. Se nos conflitos práticos não houver consenso, isto não é o mais importante para a racionalidade da norma (o consenso pode não ter sido obtido porque os outros argumentantes não agiram com lealdade argumentativa). O conceito estrito de razão comunicativa, como formulado por Habermas, não parece decisivo para justificar a fundamentação da normatividade; no máximo, nos interessa o conceito de racionalidade argumentativa ou a racionalidade que e enquanto se submete à normação pragmática dos exercícios argumentativos, mesmo daqueles realizados em solilóquios e raciocínios interiores. § 37 Se terminássemos agora essa argumentação teríamos uma espécie de kantismo em que a racionalidade é exercida por um sujeito centrado em si mesmo que, de alguma maneira, antecipa o julgamento de uma humanidade virtual: age como se o teu comportamento fosse parâmetro para os outros! como se dizia do imperativo categórico. O problema está no fato de que a razão em si mesma considerada pode ser simplesmente estratégica. O exercício privado da racionalidade que examina a norma pode ser conduzido por interesses circunscritos ao benefício do examinador (ou de cada um deles, no caso do discurso prático) e à vontade privada de valer sobre todos os outros ou ser simplesmente defeituoso (má hermenêutica, má indução) ou, enfim, ser visitado pelas injunções "externas" da tradição, da economia da produção ou da libido. A racionalidade é, de alguma maneira, cálculo e estratégia e, per se, não garante nem a lealdade do seu exercício nem a justeza dos seus resultados. Dessa forma, ao invés de nos livrar do arbítrio da normatividade que não dá razão de si, cairíamos numa pseudo-razoabilidade, no arbítrio da racionalidade interessada e brutal. Mas o que isso significa? Interesses são sempre, de algum modo, circunscritos e a vontade de valer é inevitável. Isso quer dizer que nem todo tipo de racionalidade pode servir para a fundamentação da normatividade ética. Que tipo de procedimento racional seria adequado? Aquele em que fosse, de princípio, excluída a possibilidade de que os interesses não generalizáveis desempenhassem qualquer papel. Interesses não generalizáveis ou não universalizáveis são aqueles que, de algum modo, estão orientados por cálculos de ganhos particulares. Logo, o exercício (mesmo o exercício privado) da racionalidade que pode servir à legítima verificação da norma ética é orientado pela vontade de consenso universalizante. Mas aqui não estamos solicitando uma razão eticamente "orientada"? Nesse caso, não estaríamos caindo numa petição de princípio elementar, em que só a normatividade ética valida o tipo de racionalidade adequado para validar a normatividade ética? § 38

5 Habermas chama de princípio U a seguinte prescrição: "Todas as normas válidas precisam atender à

condição de que as conseqüências e efeitos colaterais que presumivelmente resultarão da observância geral dessas normas para a satisfação dos interesses de cada indivíduo possam ser aceitas não coercitivamente por todos os envolvidos". O princípio de universalização não é apenas uma regra de interlocução, como quer Habermas, mas uma regra de orientação do exame racional da norma, mesmo aquele sem interlocução.

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O maior dos problemas, a este ponto, consiste justamente em como superar o dilema da aparente circularidade entre normatividade e racionalidade, assegurando ao mesmo a racionalidade da normatividade ética. Há apenas uma saída. Mostrar como a racionalidade, que examina a norma ética funciona privadamente e é levada a termo por uma consciência finita, obedece a percursos que garantem - ou pelo menos podem garantir - a sua isenção. Em outros termos, o procedimento racional pelos quais se examina a normatividade moral pode se isentar seja da tentação dos interesses não generalizáveis, seja dos defeitos de inteligência da matéria, seja, enfim, das injunções "exógenas", porque e quando está submetida a limites rigorosos universais e inegáveis. Todos limites que nos garantem contra a volubilidade privada e contra a visitação "exógena" das instâncias da consciência, da inconsciência e da sociedade. § 39 A racionalidade apta a conduzir o exame da norma é uma racionalidade que se submete a regras "públicas", universais e necessárias do exame argumentativo. Estas regras, não sendo propriamente morais, são já válidas antes da validação das normas éticas, portanto, não nos colocam em um círculo vicioso. O que as valida não é a ética mas a estrutura pragmática da lógica e da demonstração. Pode-se, a esse respeito, concordar com Habermas e Apel que são normas da interlocução, mas apenas porque a interlocução é um fato lingüístico6, como o raciocínio. O raciocínio interior pelo qual examinamos qualquer coisa, porque lógico, como ensina Aristóteles, obedece aos princípios do lógos. Como o lógos tem algo de público, de interativo, o raciocínio interno possui uma analogia de estrutura com a discussão prática. Pragmaticamente falando, o télos da argumentação enquanto discussão - o colóquio - é a aceitação consensual da verdade; já o télos da argumentação enquanto raciocínio - o solilóquio íntimo - é a chegada à evidência da verdade. De qualquer sorte, num caso como no outro, há um vínculo pragmático (que todos, por isso mesmo, já aceitam e reconhecem) que protege a racionalidade argumentativa e garante a normatividade (não arbitrária) do resultado que ele alcança. Quais seriam os limites constituintes de uma tal pragmática da racionalidade capazes de proteger o exame argumentativo dos seus riscos endógenos e exógenos? Trata-se de um conjunto de atitudes que na prática já acionamos quando argumentamos e o fazemos de tal forma essencialmente que elas se manifestam como universais e necessárias para a existência mesma da nossa argumentação. São, portanto, condições inegáveis e já sempre aceitas da argumentação mesma. Na verdade, podem ser, de fato, burladas na argumentação, mas a sua burla representa sempre um atentado contra o conteúdo e o fato mesmo da argumentação, tornando-a contraditório e suprimindoa enquanto tal. Eliminá-las significa, para a argumentação, auto-eliminar-se, impossibilitar-se. Elas acompanham todo o fato e o processo da argumentação e nehuma delas é prescindível. Por razões de espaço, apresentamo-las aqui brevemente7 na forma de oito princípios voltados para a garantia das condições fundamentais da argumentação. Estes princípios são as condições que se evidenciam a partir da auto-reflexão pragmática da argumentação. § 40 A primeira condição de possibilidade do exercício da racionalidade argumentativa é uma condição estruturante da argumentação. Quem quer que examine (argumentativamente) um parâmetro pretensamente normativo pressupõe e se submete ao dever normativo de seguir as leis de funcionamento ("lógico") do exame argumentativo. Essas leis são aquelas traduzidas nos princípios lógicos fundamentais, voltados para a garantia do sentido público dos materiais envolvidos na argumentação e das condições públicas de condução da argumentação. Esse pressuposto finda por

6 O fato de os gregos poderem nomear com um mesmo termo - lógos - a "palavra", o "discurso" e a "razão"

não é desprovida de sentido. Com efeito, pelo menos uma coisa é certa, para eles essas três entidades estão submetidas à mesma lei: a lei do lógos, a regras lógicas de funcionamento. O que significa que qualquer comportamento lingüístico, discursivo ou racional submete-se aos mesmos princípios formais ou estruturantes, que se estabelecem como limites que não devem ser violados pelo querer privado e volúvel. Que não devam ser violados - diz Aristóteles, por exemplo - é evidente, na medida em que sendo formais ou estruturantes a sua eliminação significaria a ruína, o desmoronamento de qualquer possibilidade "lógica" (discurso, argumentação ou pensamento). Pôr-se fora do seu alcance, por outro lado, significa pôr-se numa esfera de comportamento em que os procedimentos "lógicos" não fazem qualquer sentido. 7 Por razões de espaço contentar-nos-emos aqui com uma breve indicação dos pressupostos pragmáticotranscendentais (a expressão é de Apel) da argumentação. Para uma análise mais aprofundada recomendamos a leitura de K.-O. Apel, Estudos de Moral Moderna. Petrópolis: Vozes, 1994.

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constituir-se numa norma de competência argumentativa: há contratos "lógicos" e estes devem ser respeitados. § 41 A segunda condição são pressupostos pragmáticos referentes à natureza da argumentação. O primeiro destes pode se expressar da seguinte maneira: quem quer que examine (argumentativamente) um parâmetro pretensamente normativo reconhece-o como uma posição passível de ser justificada ou refutada no caso em que um parâmetro antagônico apresente iguais pretensões de valência normativa ou no caso em que o indivíduo recuse ou se contrarie com o parâmetro vigente. Na mesma linha, o segundo pressuposto, nos garante que quem quer que examine (argumentativamente) um parâmetro pretensamente normativo reconhece-o como uma posição possível que pretende valer contra qualquer posição antagônica, real ou possível. O terceiro, enfim e por conseqüência, assegura que quem quer que examine (argumentativamente) um parâmetro pretensamente normativo pressupõe e se submete ao dever normativo de fidelidade às posições que se vai alcançando. No conflito prático através da interlocução esta norma garante a sinceridade dos interlocutores; No exame interior, a possibilidade de uma cadeia "econômica" de raciocínio. § 42 A terceira condição é representada pela própria situação argumentativa. Ou seja, é pressuposto inegável da argumentação o reconhecimento de que uma argumentação se processa e de que ela precisa ser garantida. Esta condição é pouco significativa para o exame interior da norma, mas fundamental para as argumentações interativas. Ela diz que, quando as pretensões de validade entram em conflito prático, o diálogo negociativo com os sujeitos que suportam as diversas pretensões obedece, além das normas da competência argumentativa, a outros pressupostos destinados a garantir a publicidade e a simetria da negociação. Por publicidade, entendemos o fato de que a interlocução esteja sempre aberta à intervenção de qualquer um parceiro e que os seus resultados possam ser sempre reexaminados. Por simetria, entendemos a lealdade argumentativa pela qual todos os interlocutores têm garantidas as mesmas possibilidades de intervir com eficiência na negociação. § 43 A quarta condição diz respeito à natureza ou caráter do resultado do processo de exame racional da normatividade. Antes de tudo, é evidente que quem quer que ateste (argumentativamente) um parâmetro como normativo reconhece-o como uma posição cuja superioridade sobre qualquer outra alternativa pode ser julgada e mesmo assim superar o exame de qualquer outro indivíduo que a submeta a procedimentos racionais orientados de forma semelhante (segundo os princípios acima). O que implica que, de fato, o exame argumentativo como solilóquio abre-se na prática ao colóquio: qualquer indivíduo pode questionar e reexaminar a norma. Em segundo lugar, quem quer que ateste (argumentativamente) um parâmetro como normativo há de reconhecer que o exame nunca se conclui em definitivo. Qualquer outro indivíduo pode reabrir um exame argumentativo já concluído, ainda que não necessariamente o seu resultado precise ou possa ser alterado. Enfim, quem quer que ateste (argumentativamente) um parâmetro como normativo afirma-o como digno de consenso por uma comunidade ilimitada e ideal da argumentação, ou seja, por uma comunidade aberta de argumentantes que pudesse dar concretude a todos os pressupostos pragmáticos da argumentação. Essa comunidade é ideal e, nesse caso, é uma condição limite do exame da norma ética e, ao mesmo tempo, um dever normativo. Épilogo É evidente que uma ética fundada desse modo parece profundamente inatual para a cultura intelectual do nosso tempo, particularmente para a cultura da tolerância na sua forma pós-moderna. O problema é saber se a ética soft do pós-moderno é suficiente até mesmo para assegurar a tolerância que, no seu horizonte de valores, apresenta-se como algo a ser defendido. Do ponto de vista aqui apresentado a resposta só pode ser negativa. É o próprio mundo quotidiano da vida que nos ensina que não é possível escapar do confronto, da diferença experimentada como contraste, do atrito. Negá-lo só é possível por ingenuidade ou por um doce e místico ecumenismo inconseqüente. 16

O que é preciso, é estabelecer parâmetros e limites para que o conflito não se converta em brutalidade, para que a diferença não apareça como uma maldição e o atrito como violência e abuso. Isso passa, necessariamente, pela restauração da ética. Na vida como na teoria.

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