Ética naturalizada e evolução: um ensaio sobre a «naturalização» do Direito (Parte 10)
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Ética naturalizada e evolução: um ensaio sobre a «naturalização» do
Direito (Parte 10)
Atahualpa Fernandez(
Marly Fernandez(
"Hay pruebas convincentes de que todos los rasgos humanos
son hereditarios: ni un rasgo tuvo una estimación de
heredabilidad ponderada de cero. […] La conducta humana tiene
bases biológicas y no hay nada fuera del alcance de los genes".
Brian Boutwell
Seleção de grupo (2)
As razões do resgate do modelo de seleção de grupo aludem à
necessidade de oferecer uma versão deste tipo de seleção que não seja
"ingênua", quer dizer, que seja respeitosa com os indivíduos entendidos
como sujeitos da teoria dos jogos que se aplica à evolução darwinista. Isto
significa que se os indivíduos pertencentes a uma espécie grupal e de altas
capacidades cognitivas como a nossa se mantêm dentro de um grupo é porque
encontram benéfico para eles o atuar dessa maneira. Os indivíduos são,
depois de tudo, egoístas – no sentido técnico de que são seres dispostos a
maximizar seu êxito reprodutivo –, assim que devem considerar que o grupo
oferece vantagens para o interesse individual. Para Wilson e Sober, os
indivíduos não reconhecem as adaptações ao nível do grupo quando são
explorados por um destes grupos, mas, quando se lhes protege, ou quando a
exploração não é possível a causa de uma situação em particular, as
adaptações a nível de grupo se completam como exemplos do interesse
individual.
Se nos encontramos em uma situação como a segunda ou a terceira das
descritas por Wilson e Sober – indivíduos protegidos ou situações nas quais
a exploração não é possível -, o indivíduo crê que se favorecem seus
interesses. O problema é que dessa forma entramos de cheio na questão
psicológica. O que quer dizer que certo sujeito "X" considera que a
situação "Y" favorece seus interesses? O sujeito "X" poderia equivocar-se,
mas, nesse caso, atuaria como se a situação "Y" lhe favorecera de fato. A
verdadeira questão consiste, pois, em saber de que forma os indivíduos que
pertencem a um grupo entendem quais são seus interesses. Essa perspectiva é
muito corrente no contexto da economia neoclássica que, não o olvidemos, é
a que há subministrado o aparato matemático próprio da teoria de jogos.
Neste particular, segundo os estudos realizados nesse campo por Antoni
Domènech, a economia neoclássica sustenta que os indivíduos têm desejos e
crenças, e que atuam de tal forma que utilizam os recursos disponíveis para
satisfazer seus desejos de acordo com suas crenças. Uma vez que conhecemos
as crenças e os desejos, se pode antecipar quais serão as ações dos
indivíduos. Se conhecemos suas ações e seus desejos, se pode imaginar suas
crenças. E se são as ações e as crenças as conhecidas, estamos em condições
de deduzir seus desejos. Faz falta, pois, dispor de um conhecimento de base
para poder aplicar as leis do comportamento, já seja econômico, biológico,
jurídico ou social.
Com os motivos para atuar (crenças e desejos) suficientemente
estabelecidos, cabe prognosticar quais serão os comportamentos ("triângulo
hermenêutico"), sempre e quando sustentemos o fato de que os seres humanos
atuam de maneira racional. Algo que amiúde é bem difícil de sustentar e/ou
justificar com argumentos convincentes, por outra parte. Numerosos estudos
psicológicos dos últimos anos têm posto de manifesto que nas condutas
cooperativas intervêm com frequência mecanismos empáticos e emotivos, o que
dista em muito da racionalidade absoluta pressuposta no campo da economia
neoclássica.
De fato, a recuperação da seleção de grupo feita por Sober e Wilson
nos situa diante de um verdadeiro dilema. Põe o acento sobre a necessidade
de compreender quais são os mecanismos cognitivos pertinentes para atuar de
uma forma digamos "altruísta" (isto é, cooperativa) ou "egoísta" (ou seja,
não cooperativa), e não pode dizer-se que ignoremos quais são esses
mecanismos desde o ponto de vista coletivo. Normas sociais e morais, leis,
ameaças de castigo, etc...etc., são os instrumentos que obrigam aos
indivíduos a atuar de maneira civilizada e solidária. Os castigos são algo
muito comum e corrente entre os animais sociais de alto nível cognitivo, e
servem tanto para evitar as condutas não cooperativas como para proteger os
interesses reprodutivos dos membros dominantes do grupo. Contudo, se
descendemos ao nível cognitivo individual, estamos metidos em um terreno
bem resvaladiço no qual as ignorâncias abundam.
Alguns críticos da teoria de Sober e Wilson têm advertido acerca da
necessidade de explicar a motivação a um nível individual se o que se quer
é defender mais além das questões especulativas a seleção de grupo, toda
vez que esta se baseia, em última instância, em eleições individuais. O
problema é que os motivos para atuar podem ser tão distintos que a
viabilidade atual de uma teoria assim resulta ser muito escassa, salvo que
recorramos a supostos universais de uma "natureza humana". Estamos, pois,
presos no mesmo círculo vicioso que a economia neoclássica.
Se quisermos predizer o comportamento dos indivíduos devemos saber
quais são seus desejos e suas crenças, isto é, seus motivos para atuar. Mas
esses motivos somente podemos deduzi-los, pelo momento, do comportamento
observado. Ou bem eliminamos a perspectiva cognitiva, como no caso dos
insetos sociais em que a conduta altruísta forçada pelo código genético
segue as pautas da seleção de parentesco, ou bem aceitamos que a teoria
necessária para explicar os motivos que conduzem à ação está longe de nosso
alcance.
Neste último caso, a única coisa que podemos afirmar a respeito da
seleção de grupo é que as sociedades devem contar com mecanismos de
identificação dos egoístas e com meios capazes de castigá-los. Uma
consideração tão geral, quase de sentido comum, que as teorias clássicas da
seleção de grupo podem admitir sem necessidade de nenhum renascimento da
mesma. Dito de outro modo, embora a teoria da seleção de grupo seja uma
alternativa interessante, não pode ir mais além, pelo momento, dos limites
da psicologia popular para explicar a conduta individual.
Outra coisa distinta é que o exame das características históricas e
atuais da humanidade nos indique algo de todo evidente: a evolução de grupo
desempenha um papel importante na organização hierárquica de nossas
sociedades, desde as tribos mais primitivas até as estruturas políticas de
países modernos. A consideração do bem-estar comum por encima dos
interesses egoístas de cada indivíduo está implícita nas normas éticas
admitidas pelos seres humanos, tanto se estão fundamentadas em crenças
religiosas como se não. As leis proclamadas pelos governos estão igualmente
fundamentadas, ao menos em teoria e de fato na maior parte dos casos, nos
interesses do bem comum, ainda quando imponham restrições à conduta
individual. As leis que protegem a propriedade privada, a função social da
propriedade, o interesse público ou a conservação dos recursos naturais,
assim como as normas que estabelecem obrigações pessoais e sociais ou
cargas econômicas, como é o caso do serviço militar ou os impostos,
configuram bons exemplos desse fenômeno.[1]
De todo modo, os teóricos da evolução têm insistido em outros modelos
evolutivos que, sem apelar à ideia da seleção de grupo, servem para
explicar a existência de comportamentos altruístas e muito particularmente
da moralidade nos humanos. Por exemplo, com a intenção de explicar estes
atos paradoxos a sociobiologia cunhou o conceito de «inclusive fitness» (W.
D. Hamilton), desenvolvendo ao redor dele uma teoria não individual de
evolução por seleção natural: a "seleção de parentesco". Trata-se,
fundamentalmente, da contribuição ao êxito reprodutivo do próprio indivíduo
medido em função de seus descendentes em posteriores gerações, mais os
descendentes dos indivíduos emparentados com ele, desvalorizados estes
segundo seu grau de parentesco.
Nesse sentido, as implicações da seleção de parentesco e de outros
modelos do comportamento altruísta, como o altruísmo recíproco, têm
resultado de grande interesse para os propósitos do naturalismo ético (e
jurídico); mas, por outro lado, põe em pauta de discussão uma questão em
particular: se damos por sentado que a seleção de parentesco (ou qualquer
das outras hipóteses alternativas) pode explicar com notável êxito o
comportamento altruísta das formigas e das ratas, nos será útil também para
explicar o altruísmo humano? Dito em outras palavras mais simples: Estamos
referindo-nos ao mesmo fenômeno quando falamos de altruísmo, tanto nas
formigas como nos seres humanos?
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( Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public
Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/
Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research)
Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu
Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-
civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral
research)/Center for Evolutionary Psychology da University of
California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/
Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-
Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia
Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista
Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate
Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y
Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto
de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España; Independent
Researcher.
( Doutora (Ph.D.) Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes
Balears- UIB/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Filogènesi de la
moral y Evolució ontogènica/ Laboratório de Sistemática Humana-
UIB/España; Mestre (M. Sc.) Cognición y Evolución Humana/ Universitat de
les Illes Balears- UIB/España; Mestre (LL.M.) Teoría del Derecho/
Universidad de Barcelona- UB/ España; Investigadora da Universitat de les
Illes Balears- UIB / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto
de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España.
[1] Como indicava Darwin, a seleção natural entre os grupos promove a sua
vez as condições que favorecem a cooperação porque as tribos ou grupos que
manifestam essas formas avançadas de comportamento têm vantagem sobre os
demais. Os grupos como menos êxito ou bem desaparece ou adquirem as
virtudes dos grupos mais vantajosos imitando-lhes. Pois bem, os estudos
etnográficos e antropológicos de tribos primitivas tem demonstrado com
frequência durante o último século essa predição de Darwin. A competição
entre grupos é comum em sociedades de escala pequena. Por exemplo, Joseph
Soltis e seus colaboradores descobriram em cinco regiões montanhosas de
Nova Guiné que a extinção de tribos é um fenômeno muito comum. Em promédio,
perto de 20% das tribos desaparecem a cada vinte e cinco anos. A razão se
deve às guerras, aos saqueios e/ou a tomada de escravos. Mas frequentemente
não é a morte dos indivíduos a que leva ao desaparecimento das tribos,
senão o fato de que seus membros se incorporam a outras tribos que têm mais
êxito. Em qualquer caso, a taxa de extinção e a substituição de tribos
observada em Nova Guiné implica que os costumes e inovações aparecidas em
uma tribo de êxito se estendem a todas as tribos da região em um período
que alcança entre quinhentos e mil anos, quer dizer, entre vinte e quarenta
gerações. A seleção cultural de grupo é, assim, um processo relativamente
lento enquanto aos câmbios sociais importantes que se manifestam nos
registros históricos e arqueológicos. De fato, o papel importante que
desempenha a imitação frente à eliminação por morte ou à destruição na
seleção cultural entre grupos resulta bem manifesto quando temos em conta
que a expansão do Cristianismo pelo Império Romano durante os duzentos anos
que seguiram à morte de Cristo (abarcando mais de seis milhões de
indivíduos a partir de um punhado de apóstolos e seguidores) teve lugar
mediante conversões e não pela morte dos não creentes. Da mesma forma, a
expansão do Islamismo entre os séculos VIII e X de nossa era seguiu em sua
maior parte o mesmo caminho ainda quando fora acompanhada, em ocasiões, de
guerras de conquista, como sucedeu no caso da península Ibérica. E não
olvidemos que após as vitórias a domicílio dos exércitos napoleônicos vinha
a introdução do Código de Napoleão, grande nivelador e dissolvente de
diferentes estruturas grupais (servis, estamentais e gremiais). Note bene:
Para David Sloan Wilson, o banimento das teorias de seleção de grupo com
base em modelos de computador supersimplificados da década de 1960 foi um
dos maiores erros na história da biologia moderna; se os modelos fossem
mais realistas, mais parecidos com os seres humanos, a seleção de grupo
resultaria mais do que clara. A leitura do livro de D. S. Wilson e de J.
Haidt é deveras sugestiva para uma apropriada defesa do papel que a seleção
de grupo desempenha na moldagem da natureza humana.
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