Ética naturalizada e evolução: um ensaio sobre a «naturalização» do Direito (Parte 3)

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Ética naturalizada e evolução: um ensaio sobre a «naturalização» do Direito
(Parte 3)


Atahualpa Fernandez(
Marly Fernandez(




"No se trata de decir que la ciencia dará cuenta de todos
los dilemas sobre lo que es bueno o malo, justo o injusto. Más
bien, se trata de entender que comprender más profundamente
aquello que nos hace sociales, a nosotros y otros animales, y
aquello que nos dispone a preocuparnos por los demás, podría
conducirnos a un mejor entendimiento sobre cómo tratar con los
problemas sociales. Y eso no puede ser malo." P. Churchland




Falácia naturalista (2)
A resposta mais atraente e segura parece ser esta: a conduta
normativa (seja ética ou jurídica) deve basear-se de alguma maneira em
nossa apreciação da natureza humana, não somente no sentido do que um ser
humano é ou pode ser, senão também no que um ser humano pode desejar ter ou
deseja ser.
Se isto é naturalismo, então o naturalismo não é uma falácia. Ninguém
pode negar seriamente que qualquer teoria social normativa é consequência
de tais fatos em relação com a natureza humana. Podemos estar em desacordo
sobre onde temos de buscar os fatos mais significativos da natureza humana
(em novelas, textos religiosos, experimentos psicológicos, investigações
biológicas, antropológicas, neurocientíficas, etc...etc.), mas toda a
pretensão normativa possui, ontologicamente, a "origem no" (e a "função de
regular o") comportamento humano. A falácia, portanto, não é o naturalismo,
senão qualquer intento mentalmente simplista de passar rapidamente dos
fatos aos valores. Daí porque J. A. Ball insiste na diferença que há entre
sustentar que os valores se reduzem aos fatos (operação que seria falaz) ou
que são condicionados (de algum modo) pelos fatos, coisa que não supõe
falácia alguma.
Sendo assim, a falácia é um reducionismo insaciável que passa dos
valores aos fatos, mais que um reducionismo considerado de uma maneira mais
cautelosa, como o intento de unificar nossa visão do mundo, de modo que
nossos valores, princípios e normas éticas ou jurídicas não choquem
irracionalmente com o modo segundo o qual o mundo "é", ou seja, da maneira
que se manifesta mais útil em termos de seleção natural. (R. Sapolsky)
Para dizê-lo que alguma maneira menos rebuscada: já não é possível
compreender a cultura (e parece longe de qualquer debate razoável que se
deva considerar a moral e o direito como fenômenos culturais) sem
compreender a complexidade da natureza humana. Por quê? Pois pelo simples
fato de que se momentos biológicos e culturais se encontram estritamente
entrelaçados no processo que conduziu ao ser humano, não parece lícito e
nem tampouco sensato pretender explicar a cultura humana sem considerar que
todo fenômeno cultural é, antes que qualquer outra coisa, um fenômeno
psicobiológico. Não se pode utilizar a cultura como explicação de qualquer
fenômeno, senão que a cultura é algo que em si mesmo requer explicação.
Pretender "explicar" a cultura (e a variação cultural) com a cultura é, em
última instância, «re-descrever» um fenômeno, não uma explicação: a cultura
não é independente da biologia e a cultura como explicação causal é um
mito.
Natureza e cultura não são duas alternativas para a explicação do
fenômeno ético ou jurídico, senão duas caras de um mesmo e único processo.
A reconstrução das claves filogenéticas (e ontogenéticas) de nossos
mecanismos mentais de acordo com os princípios da seleção natural e nos
contextos ambientais em que tiveram lugar é a condição de possibilidade
para uma abordagem empiricamente adequada, coerente e fundamentada da
cultura humana. Descendemos de animais que viveram em comunidade durante
milhões de anos; o mítico "contrato social" já estava inventado muito antes
que a espécie humana aparecesse sobre o planeta, e nenhuma referência à
moral ou ao direito pode silenciar estas raízes.
Ademais, esta estendidíssima falácia (naturalista) confunde a
descrição científica da conduta humana com a prescrição moral de dita
conduta: o que existe não necessariamente deve existir, mas, daí a negar a
evidência do que existe, porque não se aprova ou não se entende, vai uma
distância considerável que não se pode prudentemente tolerar e/ou admitir.
Hoje, mais que nunca, se impõe a convicção de que nenhuma filosofia ou
teoria social normativa, por pouco séria que seja, pode permanecer
encerrada ou isolada em uma torre de marfim fingindo ignorar os resultados
dos descobrimentos procedentes dos novos campos de investigação que
trabalham para estender uma «ponte» entre a biologia e a cultura, o inato e
o adquirido. Nenhum filósofo ou teórico do direito consciente das
implicações práticas que sua atividade provoca deveria desconsiderar a
questão última do pensamento moderno: a dimensão natural, biológica, do ser
humano[1].
Uma formulação mais sofisticada e completa do nexo entre o "ser" e o
"dever ser" implica que a ponte entre a natureza inata do homem – código
genético, cérebro e mente – e todo o tipo de fenômeno moral e cultural
(sejam juízos éticos ou jurídicos, condutas altruístas, egoístas,
cooperativas... ou, em geral, ações nas quais está implicada a moralidade e
a juridicidade) consiste em considerar esta última como uma manifestação,
um "epifenômeno" que expressa uma forma determinada de conduta adaptativa,
produto de uma arquitetura cognitiva estruturada de forma funcionalmente
integrada e relativamente homogênea.
Tampouco há que olvidar o fato de que a mente humana evolucionou para
resolver problemas de certo estilo de vida que os caçadores-coletores
levavam a cabo durante o Pleistoceno (período que vai desde há 2,5 milhões
de anos até nossos dias e que coincide com a evolução do gênero Homo), ou
seja, de que há algo essencialmente idêntico em lançar-se à água para
salvar uma criança que se afoga, aprovar uma lei que assegure determinados
direitos à mulher casada, regule a união homoafetiva, regulamente o
abandono afetivo ou proíba a discriminação sexual no âmbito laboral.
Trata-se, em todos os casos, de mecanismos adaptativos da espécie
humana, porque a ética e o direito são, antes de tudo, subprodutos de tais
estratégias adaptativas que, baseadas na complexidade cognitiva e cultural
do ser humano deram lugar (com o passo do tempo) a nossa imensa riqueza
moral e jurídico-normativa. Com o direito promovemos em grupos tão
complexos como são os humanos aqueles meios necessários para estabelecer e
decidir que ações estão proibidas, são lícitas ou obrigatórias, para
justificar os comportamentos coletivos e, o que é mais importante, para
articular, combinar, controlar e estabelecer limites aos vínculos sociais
relacionais elementares através dos quais os humanos constroem estilos
aprovados de interação e estrutura social.[2]
Significa dizer, em estilo mais simples, que todas as nossas condutas,
crenças, tendências e costumes são adaptativos, ou seja, que é em razão do
desenho adaptado (para circunstâncias ecológicas e culturais distintas das
atuais, registre-se) de nossa arquitetura cognitiva, bem como de nossas
inatas intuições e emoções morais (algumas suscetíveis a imensa gama de
variações e combinações culturais), que vemos o arco-íris em quatro cores
básicas e não como um continuum de frequências de luz, sentimos ciúmes
sexuais e amor por nossos filhos, tendemos a dividir continuamente objetos
e processos diversos em duas classes discretas, evitamos relações sexuais
com irmãos, falamos em frases gramaticalmente corretas, nos sensibilizamos
ante o sofrimento e a miséria alheia, sorrimos aos amigos e tememos aos
estranhos nos primeiros contatos , e um longo etecétera.
Desde esta perspectiva a conexão entre o "ser" e o "dever ser" resulta
firmemente estabelecida. O "deve" se converte em algo capaz de tornar
possível, evolutivamente viável, determinada forma de "é". E a falácia
lógica denunciada por Moore desaparece por meio do argumento que estabelece
a necessidade de entender como ética e juridicamente desejável aquela
conduta capaz de proporcionar ao indivíduo e/ou ao grupo uma via de
adaptação – assegurando a sobrevivência e o êxito reprodutivo do ser
humano – , sob pena de que estes desapareçam. Quiçá por isso Konrad Lorenz
defendeu que os estudiosos da conduta moral deveriam substituir seu
interesse até o imperativo categórico de Kant por um novo objetivo: o de
entender e explicar o imperativo biológico, o mecanismo capaz de impor com
tanta força a obrigação moral.
Não há nenhuma razão que justifique colocar a moralidade humana em
uma categoria especial e utilizar premissas transcendentais para justificá-
la, porque o argumento da falácia naturalista é, em si mesmo, uma falácia.
Porque - reiteramos - se o "deve" não é o "é", que mais pode ser? Traduzir
o "ser" em "dever ser " tem sentido se nos restringimos ao significado
objetivo dos preceitos éticos e jurídicos[3]. É muito improvável que sejam
babélicas mensagens etéreas fora da humanidade à espera de revelação ou
verdades independentes que vibram em uma inacessível dimensão celestial ou
imaterial do mundo. É mais provável que sejam produtos físicos do cérebro,
da mente, da natureza humana e da cultura.
Os códigos éticos e jurídicos – como mecanismos sócioadaptativos da
espécie humana – surgiram por evolução por meio da interação da biologia e
da cultura; os sentimentos morais são agora intuições e emoções morais
desenhados pela seleção natural, tal como os define as modernas ciências da
mente e do comportamento, sujeitos a juízo segundo suas consequências:
nossos sentimentos e nossas emoções derivam de nossa arquitetura cognitiva
inata e "modular", traços hereditários em nosso desenvolvimento mental, em
geral condicionados – ou mesmo, manipulados – pela cultura, que influem
sobre os conceitos, os valores, os princípios e as decisões que se tomam
e se constroem a partir deles.[4]
Desse modo, o "dever ser" é somente a taquigrafia de um tipo de
afirmação objetiva, uma palavra que denota o que a sociedade elegeu fazer
(ou foi obrigada) primeiro e depois codificou. E dado que entre o mundo do
"ser" (a natureza) e o do "dever ser" (os códigos morais) existe um efetivo
laço adaptativo que prediz o estabelecimento como normas éticas e jurídicas
daquelas condutas capazes de favorecer ou promover a sobrevivência e o
êxito reprodutivo, a falácia naturalista se reduz, com isso, a um "dilema
naturalista", cuja solução (que aponta o caminho para uma compreensão
objetiva da origem e função da moral e do direito), não é difícil de
inferir: o "deve" é o produto de um processo material. (E. O. Wilson)
Em definitiva, a evolução criou os requisitos para a moralidade: a
tendência a desenvolver normas sociais e a reforçá-las, o egoísmo e a
competição, a empatia e o altruísmo, o apoio mútuo e o sentido de justiça,
os vínculos sociais relacionais e os mecanismos para a resolução de
conflitos... A evolução também criou as necessidades, as emoções, as
predisposições e os desejos de nossa espécie: a necessidade das crias de
ser atendidas, a necessidade de conquistar prestígio social, a necessidade
de pertencer a um grupo, a predisposição para pensar nas (ou "ler" a)
mentes dos demais, a tendência a cooperar e a razoar em termos de contrato
social, etc...etc. A maneira como estes fatores se reúnem e dão origem à
moralidade humana está mal entendida pelas teorias tradicionais, e as
teorias científicas atuais acerca da natureza humana e da evolução moral
sem dúvida constituem parte da resposta .

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( Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public
Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/
Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research)
Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu
Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-
civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral
research)/Center for Evolutionary Psychology da University of
California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/
Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-
Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia
Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista
Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate
Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y
Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto
de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España; Independent
Researcher.
( Doutora (Ph.D.) Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes
Balears- UIB/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Filogènesi de la
moral y Evolució ontogènica/ Laboratório de Sistemática Humana-
UIB/España; Mestre (M. Sc.) Cognición y Evolución Humana/ Universitat de
les Illes Balears- UIB/España; Mestre (LL.M.) Teoría del Derecho/
Universidad de Barcelona- UB/ España; Investigadora da Universitat de les
Illes Balears- UIB / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto
de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España.
[1] Deveríamos estar agradecidos a todas áreas do conhecimento científico
que deixaram definitivamente claro que somos criaturas biológicas, em
grande medida pré-programadas, e que a natureza conta tanto como a
educação. As disposições e os padrões de conduta dos seres humanos,
incluídos o caráter, a personalidade e as atitudes, refletem os complexos
efeitos de nossos genes (normalmente múltiplos genes), cujas expressões são
modeladas "a lo largo de la vida por múltiples determinantes ambientales.
Lo que somos y lo que llegamos a ser emerge y refleja la interacción, un
estrecho entrelazamiento, de influencias genéticas y ambientales en una
coreografía enormemente compleja, que sencillamente no cabe reducir a una
parte o a la otra: lo que los genes hacen (y qué partes de nuestro ADN se
expresarán y qué otras quedarán ignoradas) depende de los entornos en que
funcionan. La naturaleza y la educación son inseparables y se determinan
mutuamente" (W. Mischel). Como assinalou em certa ocasião Pasco Rakic: "Los
genes nos dan las oportunidades y el entorno nos permite hacerlas
realidad".
[2]https://www.researchgate.net/publication/278023002_Comportamento_social_m
odulos_mentais_e_o_objeto_do_direito_Parte_1
[3] Como explica Patricia Churchland: "Shakespeare, Mozart y Hume no están
en competencia con las proteínas quinasas y el ARN micro. Por otra parte,
es cierto que las afirmaciones filosóficas sobre la naturaleza de las
cosas, tales como intuiciones morales, son vulnerables. Aquí, la filosofía
y la ciencia están trabajando sobre el mismo terreno, y las evidencias
deberían vencer a la reflexión de butaca. En el caso presente, no se trata
de decir que la ciencia dará cuenta de todos los dilemas sobre lo que es
bueno o malo, justo o injusto. Más bien, se trata de entender que
comprender más profundamente aquello que nos hace sociales, a nosotros y
otros animales, y aquello que nos dispone a preocuparnos por los demás,
podría conducirnos a un mejor entendimiento sobre cómo tratar con los
problemas sociales. Y eso no puede ser malo."
[4] «En las sociedades humanas existen convenciones sociales y normas
éticas por encima de las que ya proporciona la biología. No obstante, a
pesar de que esas convenciones y normas se transmiten a través de la
educación y la socialización, las representaciones neuronales de la
sabiduría que encarnan (…) se hallan inextricablemente ligadas a la
representación neural de los procesos biológicos reguladores innatos. Y la
ligazón cerebral está formada por conexiones entre neuronas». (A. Damasio)
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