Ética naturalizada e evolução: um ensaio sobre a «naturalização» do Direito (Parte 9)

Share Embed


Descrição do Produto

Ética naturalizada e evolução: um ensaio sobre a «naturalização» do
Direito (Parte 9)


Atahualpa Fernandez(
Marly Fernandez(




"Los instintos sociales llevan a un animal
a hallar placer en la sociedad con sus
semejantes, a sentir cierta simpatía por ellos,
y a prestarles diversos servicios." Charles
Darwin




Seleção de grupo (1)
A teoria da seleção de grupos foi considerada, até há muito pouco
tempo atrás, como uma heresia pelos darwinistas. Como deixaram bem
estabelecido os fundadores da teoria sintética da evolução do século XX, a
unidade de seleção natural é o indivíduo. A ideia de uma seleção de grupos
e não de indivíduos foi fortemente criticada e segue sendo controvertida.
Depois de um trabalho muito reconhecido de George Williams no ano de 1966,
parece haver certo "consenso" no sentido de que a evolução do altruísmo por
uma seleção de grupos como a que sugeriu Darwin não é matematicamente
impossível, mas sim altamente improvável.
Pode suceder em condições evolutivas muito especiais que não é muito
provável que se cumpram. Mas se segue debatendo a possibilidade de falar-se
de outros níveis de seleção: de genes, de grupo... De fato, o que interessa
aos genes pode não interessar ao indivíduo; daí as enfermidades de origem
genética. E o que interessa (no sentido biológico de sobreviver e procriar)
a um indivíduo pode não interessar ao grupo. Daí, precisamente, os
conflitos de interesses entre indivíduos do mesmo grupo. Ao fim e ao cabo,
como defendeu em seu dia Richard Dawkins, os indivíduos são veículos
através dos quais os genes se replicam a si mesmos em sua implacável luta
contra a entropia.
Nada obstante, Elliot Sober e Robert S. Wilson mostraram de forma
elegante e convincente como o universo da ética humana se explica melhor
através do modelo da «seleção de grupo», um tanto desacreditado dentro das
teorias evolucionistas à hora de explicar o altruísmo biológico. A ideia da
seleção de grupo foi utilizada já por Darwin quando, incapaz de dar uma
explicação ao comportamento ultrassocial dos himenópteros, falou das
vantagens adaptativas que teria um grupo de cooperadores frente a outro de
indivíduos egoístas. Essa ideia de sentido comum tropeça, contudo, com os
pressupostos do mecanismo da seleção natural que, na proposta original
darwiniana, atendem à adaptação individual de cada organismo.
Suponhamos que é certo que um grupo de altruístas é capaz de adaptar-
se de maneira coletiva sacando vantagens da exploração do meio como pode
ser, por exemplo, a ajuda aos que se encontram enfermos ou a proteção mútua
frente aos predadores. Aplicando esquemas procedentes da teoria matemática
de jogos, John Maynard Smith demonstrou que a estratégia adaptativa de um
grupo assim não é evolutivamente estável. A aparição — mediante mutações
genéticas, recombinação, imigração ou da forma que seja — de um indivíduo
egoísta dota a este de grandes vantagens seletivas e, se simplificamos
muito as coisas e fazemos descansar em determinado alelo a conduta
altruísta ou egoísta, os genes «egoístas» terminarão por disseminar-se no
interior do grupo fazendo desaparecer seu caráter cooperador.
Um grupo de altruístas pode evitar os inconvenientes da presença de um
não cooperador apontados por Maynard Smith se este, o grupo altruísta,
conta com mecanismos capazes de detectar e isolar a qualquer eventual
egoísta que apareça. Para isso, no entanto, os integrantes do grupo devem
dispor de mecanismos cognitivos de certa altura. Sober e Wilson puseram de
manifesto a dificuldade de dar por bom qualquer modelo de seleção grupal em
termos o bastante explicativo, salvo que sejamos capazes de dilucidar o
alcance e o conteúdo de tais processos psicológicos[1]. Uma tarefa um tanto
desesperada se tivermos que aplicá-la, em busca da filogênese da moral, a
espécies já desaparecidas.
Mas parece razoável supor que um grupo de indivíduos pode ser também
uma unidade de seleção natural. Pensemos em um cenário em que há vários
grupos. Nestes grupos há distinta proporção de indivíduos altruístas: em
uns predominam os altruístas, em outros os egoístas. Seria perfeitamente
possível que os grupos nos quais predominem os altruístas fossem em geral
mais eficazes, quer dizer, deixassem mais descendentes que os grupos nos
quais predominem os egoístas.
Ainda que dentro de cada grupo se encontrassem individualmente
favorecidos pelo egoísmo, a eficácia destes seria suficientemente
contrapesada pela maior eficácia global dos grupos onde predominam os
altruístas, com o que no acervo genético iriam ganhando os genomas com
tendência ao altruísmo. Deste modo se está considerando o grupo como
unidade de seleção: o único que se necessita para que isto funcione é que
os altruístas e os não altruístas se concentrem em diferentes grupos (E.
Sober e D. S. Wilson).
É plausível que em algum momento da evolução humana as distintas
populações existentes apresentaram esta variabilidade de conduta?
Observemos que não estamos falando de variabilidade dentro do grupo, senão
entre grupos: uns mais solidários, outros menos. E por que não? Não é um
exemplo a favor desta possibilidade a atual diversidade cultural? Os
distintos códigos morais com os que operam as culturas tradicionais são uma
boa prova de que, em realidade, a diversidade de critério nas valorações
morais é mais espetacular entre grupos que entre indivíduos do mesmo grupo.
E não há razão para crer que essa diversidade entre grupos fora menor há
100.000 anos (atrás) que agora, por muito escassa que fosse a população da
espécie humana naquela época inicial. Bem poderia haver sido maior e que o
efeito da seleção houvesse ido reduzindo essa diversidade.
Para aceitar o altruísmo por seleção de grupo não é necessário
atribuir aos primeiros representantes de nossa espécie um dom especial.
Todos os primatas têm a capacidade de resolver conflitos sem necessidade de
recorrer à agressividade. A todos os animais sociais lhes preocupa a
qualidade do meio social do que depende sua sobrevivência (F. de Waal). Se
bem que isso não significa que se sacrifiquem pela comunidade, ao menos sim
parece fora de dúvida que os primatas ou mamíferos marinhos valoram a
reconciliação e inclusive a arbitragem pacífica das disputas.
Não há mais que dar uma vista-d´olhos à lista de investigações
empíricas já realizadas para dar-se conta de que entre os chimpanzés e os
bonobos já estão dadas as condições para que a competência moral, que
atribuímos "com exclusividade" à nossa espécie, comece a desenvolver-se. E
se estão corretos os paleoantropólogos quando descrevem os nossos
ancestrais australopitecinos como um tipo de chimpanzés bípedes, a hipótese
de que a moralidade evolucionou por seleção de grupo a partir dos
Australopithecus desde um nível semelhante ao alcançado pelos paninos
resulta convincente. Um altruísmo realmente desinteressado poderia haver
evolucionado a partir desse conjunto de aptidões consignadas pelos
primatólogos.













-----------------------
( Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public
Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/
Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research)
Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu
Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-
civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral
research)/Center for Evolutionary Psychology da University of
California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/
Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-
Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia
Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista
Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate
Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y
Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto
de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España; Independent
Researcher.
( Doutora (Ph.D.) Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes
Balears- UIB/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Filogènesi de la
moral y Evolució ontogènica/ Laboratório de Sistemática Humana-
UIB/España; Mestre (M. Sc.) Cognición y Evolución Humana/ Universitat de
les Illes Balears- UIB/España; Mestre (LL.M.) Teoría del Derecho/
Universidad de Barcelona- UB/ España; Investigadora da Universitat de les
Illes Balears- UIB / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto
de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España.
[1] Steven Pinker oferece a seguinte radiografia da psicologia do
tribalismo: "Cada grupo ocupa en su mente un espacio que es prácticamente
como el espacio ocupado por una persona individual, junto con las
creencias, los deseos y los rasgos loables y reprobables. Esta identidad
social parece ser una adaptación a la realidad de los grupos en el
bienestar de los individuos. Nuestra aptitud depende no sólo de la buena
suerte sino también de la suerte de la comunidad, el pueblo o la tribu
donde estemos integrados, que están unidos por lazos de parentescos reales
o ficticios, redes de reciprocidad y un compromiso con los bienes públicos,
incluida la defensa del grupo. Dentro del grupo, algunas personas ayudan a
supervisar el suministro de bienes comunes castigando a cualquier parásito
que no contribuya con una cuota justa, y estas personas son recompensadas
por el aprecio de todos. Estas y otras aportaciones al bienestar del grupo
se ponen en práctica psicológicamente gracias a una pérdida parcial de
fronteras entre el grupo y el yo. En nombre de nuestro grupo nos sentimos
compasivos, agradecidos, enojados, culpables, confiados o desconfiados
frente a otro grupo, y extendemos estas emociones entre los miembros de ese
grupo con independencia de lo que como individuos hayan hecho para
merecerlas."
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.