“Eu objeto!”: notas sobre um enunciado rejeitado no V FPPC (Vitória – ES)

July 17, 2017 | Autor: P. Lindoso e Lima | Categoria: Procedural Law, Processo Civil, Novo CPC
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"Eu objeto!": notas sobre um enunciado rejeitado no V FPPC (Vitória – ES)

Por Paulo Bernardo Lindoso e Lima


No alvorecer do mês de maio de 2015, a bela Vitória (ES) sediou o V Fórum Permanente de Processualistas Civis (V FPPC), que congregou processualistas do país todo, durante três dias, com o objetivo árduo de discutir e aprovar enunciados interpretativos sobre o vindouro Código de Processo Civil. Sim, árduo: enunciados propostos por qualquer pessoa, pós-doutor ou bacharelando, só seriam aprovados à unanimidade, e bastaria um único veto fundamentado para enviar a proposta de enunciado ao túmulo – ou à próxima reunião do Fórum, a meses dali, em Curitiba.
Os verbetes eram propostos primeiramente em um grupo temático – no meu caso, o grupo sobre normas fundamentais do processo, relatado pelo amigo Ticiano Alves e Silva, meio baiano, meio amazonense –, e aqueles enunciados aprovados à unanimidade no grupo eram posteriormente submetidos ao crivo da plenária, composta por centenas de processualistas de diferentes backgrounds culturais e teóricos. A heterogenia, por evidente, dificultou a aprovação de inúmeros enunciados, e não raro se ouvia, após intensa discussão, o grito: eu objeto! Alguém não se convencera e sepultara o debate, devendo a plenária seguir adiante na aprovação (ou rejeição) dos próximos enunciados.
(Abro parêntesis: apesar da dificuldade de se aprovar enunciados, natural à necessidade de quórum unânime, os verbetes aprovados pelos FPPC já se aproximam dos quinhentos!)
Lá pelas tantas, Rodrigo Mazzei teve a ideia de produzir uma obra, no futuro, sobre os enunciados rejeitados. Afinal, um erro e um acerto têm igual valor para a ciência. Um enunciado aprovado e um rejeitado também têm. Por isso é que resolvo, hoje, defender um enunciado rejeitado: por amor ao debate.
Saí de Manaus com sete enunciados propostos: quatro deles não sobreviveram ao criterioso juízo de meus colegas do grupo de normas fundamentais. Dos três enunciados submetidos à plenária, apenas um logrou êxito. Dos outros dois, um fora fulminado por não versar sobre normas fundamentais do processo (algo como uma incompetência absoluta de "jurisdição acadêmica"); e o outro é aquele ao qual me dedicarei agora.
Dizia assim: "As normas fundamentais do processo compreendem igualmente direitos e deveres fundamentais dirigidos às partes e ao órgão jurisdicional". O enunciado, portanto, pretende (ou pretendia) passar duas mensagens em sequência: a primeira, de que as normas fundamentais do processo são igualmente direitos e deveres; e a segunda, de que esses direitos e deveres têm como destinatários as partes e o juiz – ou o órgão jurisdicional.
A ratio decidendi do veto a esse enunciado foi a seguinte: nem todas as normas fundamentais compreendidas entre os artigos 1o e 12, do novo Código, são deveres. No momento, a objeção me pareceu bastante discutível, mas a exiguidade do tempo e a necessidade de prosseguir nos enunciados não permitira o debate, que pode ser feito agora sem qualquer prejuízo.
Ora, o enunciado proposto (e rejeitado) deve ser lido e compreendido com atenção a um outro enunciado do grupo de normas fundamentais que, por sua vez, fora aprovado com a seguinte redação: "O rol de normas fundamentais previsto no Capítulo I do Título Único do Livro I da Parte Geral do CPC não é exaustivo". Isto é, o enunciado que propus, muito embora fizesse referência (é verdade) aos artigos 1o a 12, do NCPC, não se restringia a ele, pois o rol de normas fundamentais previsto nesses artigos não é exaustivo. E nem seria constitucional que se entendesse assim (!), à vista do art. 5o, § 2o, da Constituição da República (§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte), que se aplica ao NCPC com a ênfase de seu art. 1o.
O segundo momento da objeção seria de que nem todas as normas fundamentais seriam deveres. Há duas contrarrazões a isso: a um, é que todo direito processual fundamental possui como correspondente um dever processual fundamental, qual seja, o de não violar aquele direito. Mas sequer é preciso descer a esse grau de minúcia e abstração. A objeção não se presta a invalidar o enunciado proposto pelo seguinte: não é isso o que ele quer dizer.
Quando sugiro que as normas fundamentais do processo "compreendem igualmente direitos e deveres", não quero dizer que necessariamente todas as normas fundamentais do processo sejam ao mesmo tempo direitos e deveres. Talvez isso não tenha ficado claro, mas me parecem sentidos bem diferentes. O que se pretende afirmar – e, penso eu, foi afirmado pelo enunciado – é que dentre as normas fundamentais do processo, espalhadas por todo o Código e não exaustivamente dispostas entre os artigos 1o e 12, encontram-se aqui e acolá ora direitos, ora deveres.
O art. 10, por exemplo, representa perfeitamente um direito das partes e um dever do órgão jurisdicional, relacionado à norma fundamental do contraditório. O art. 12, por sua vez, simboliza nitidamente um dever do órgão jurisdicional, ligado à norma fundamental da razoável duração do processo. E assim em diante.
A segunda parte do enunciado dispõe que esses direitos e deveres, dispostos entre as normas fundamentais do Código, são direcionados às partes e ao juiz. Trata-se de uma referência à cooperação processual (art. 6o), como dever anexo à boa-fé (art. 5o). Ou seja: as partes e o juiz se submetem, sem distinção, aos direitos e deveres revelados pelas normas fundamentais do processo. O parágrafo anterior dá exemplos disso.
É verdade que a afirmação soa até despicienda, de tão evidente, mas ainda assim é necessária. Como já disse um amigo, os processualistas devem parar de produzir textos apenas para os outros processualistas, já que é toda a gente que lida com o processo civil (administrativistas, civilistas etc.) que consumirá o que se escreve. E estamos no ápice de interpretação do novo Código antes de sua aplicação. Quero dizer: é importante desvelar aparentes obviedades. É importante dizer que o juiz, tal como as partes, se submete aos deveres fundamentais do novo CPC.
Essa é a mensagem que o enunciado pretende (ou pretendeu?) passar. Repito-o: "As normas fundamentais do processo compreendem igualmente direitos e deveres fundamentais dirigidos às partes e ao órgão jurisdicional". Durante a justificativa feita perante o grupo temático, adverti os colegas de que era um enunciado simples, aparentemente desnecessário, mas extremamente importante. Mantenho a mesma posição, e se nada (oxalá!) me acontecer até outubro, farei a propositura novamente no VI FPPC de Curitiba.

Paulo Lindoso é acadêmico de Direito da UFAM, com semestre de mobilidade acadêmica na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP). Monitor de Hermenêutica Jurídica (2014/1) e de Direito Processual Civil III (2015/1). Medalha "Félix Valois Coelho Junior", da OAB/AM. Estagiário no escritório Yuri Dantas Barroso & Advogados.


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