Evangelizar não é mercadejar

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15.07.14 - Mundo

Evangelizar não é mercadejar Moisés Sbardelotto Adital

"Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. (...) O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do ‘descartável’.” A denúncia é do Papa Francisco na sua exortação apostólica Evangelii gaudium (EG). E, para o pontífice, "essa economia mata” (n. 53). Mas um problema ainda maior é quando essa "economia que mata” se infiltra no âmbito do sagrado e da Igreja, confundindo a ação evangelizadora com práticas de um "mercado de bens religiosos”, marcado pela "concorrência religiosa”, pelas "ações de marketing religioso”, pela "fidelização” de novos "adeptos”, pelas "estratégias de benchmarking”, pela busca de "visibilidade positiva” e de "aumento de popularidade” das Igrejas e de suas lideranças. Como álibi, até se costuma dizer que o próprio Jesus foi "o maior marketeiro da história”, e a cruz – de "escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (1Cor 1, 23) – se converte no "maior logotipo que conhecemos na história”... Deixemos que o Papa Francisco continue nos guiando na avaliação desse cenário: "Uma das causas dessa situação está na relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e as nossas sociedades. (...) A ambição do poder e do ter não conhece limites. Nesse sistema que tende a fagocitar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta. Por detrás dessa atitude, escondem-se a rejeição da ética e a recusa de Deus” (EG 55-57). Marketing é uma palavra da moda. Vem de market, "mercado” em inglês. Em bom português, trata-se de "mercadologia”. Um dos mais antigos e mais respeitados departamentos de estudos nessa área, o da Fundação Getúlio Vargas, por exemplo, assume como objetivo "contribuir para ampliar a competitividade e a excelência das empresas”, tendo em vista a "satisfação do cliente”. Mas deveria ser esse também o objetivo da Igreja, que, como afirma o Concílio Vaticano, na constituição pastoral Gaudium et spes (n. 3), não é movida por "nenhuma ambição terrena”, mas unicamente pelo objetivo de "continuar, sob a direção do Espírito Consolador, a obra de Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para julgar, para servir e não para ser servido”? Nesse sentido, como conjugar as perspectivas do marketing com o anúncio da Boa Nova, do reino de Deus anunciado por Jesus, que "esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo” (Fl 2, 7)? Podemos "mercadejar” o "dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro”, oferecido "de modo misterioso e gratuito ao ser humano”, como afirma Bento XVI na encíclica Deus caritas est (n. 1)? As "estratégias de marketing” religioso podem acabar manifestando aquilo que o Papa Francisco chama de "mundanismo espiritual”, que, mesmo com "aparências de religiosidade e até mesmo de amor à Igreja”, busca, no fundo, "a glória humana e o bem-estar pessoal” (EG 93). Ou seja, "uma maneira sutil de procurar ‘os próprios interesses, não os interesses de Jesus Cristo’”. Isso pode levar a um "cuidado exibicionista (...) do prestígio da Igreja”, que não se preocupa que "o Evangelho adquira uma real inserção no povo fiel de Deus e nas necessidades concretas da história” (EG 95).

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O risco – continua Francisco – é que isso acabe em um "funcionalismo empresarial, carregado de estatísticas, planificações e avaliações, onde o principal beneficiário não é o povo de Deus mas a Igreja como organização. (...) Já não há ardor evangélico, mas o gozo espúrio de uma autocomplacência egocêntrica” (EG 95). O recado é duro e direto. "Quantas vezes sonhamos com planos apostólicos expansionistas, meticulosos e bem traçados, típicos de generais derrotados!” (EG 97), denuncia o papa. Isso não significa ignorar a importância de que a Igreja tenha e busque os recursos necessários para a prática concreta e efetiva da evangelização, que demanda fundos e estruturas materiais. Mas a evangelização não envolve "produtos, preços, praças e promoções”, os chamados quatro "Ps” do marketing. Então, como entender a autêntica evangelização no contexto da "cultura do descartável”, que corre o risco de "fagocitar” o próprio Evangelho como um "produto” a mais nas prateleiras do "mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo” (EG 2)? A evangelização nasce de um encontro. Um encontro "com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte” (Bento XVI, Deus caritas est, n. 7). Assim, "se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?”, questiona o Papa Francisco (EG 8). Evangelizar é "testemunhar com alegria e simplicidade o que somos e aquilo em que acreditamos”, como disse o papa em um tuíte no dia 5 de maio passado. Ou seja, expandir o primeiro encontro com os outros. A evangelização é dom divino. Portanto, afirma o papa, "seria um erro considerá-la como uma heroica tarefa pessoal, dado que ela é, primariamente e acima de tudo o que possamos sondar e compreender, obra de Deus. Jesus é ‘o primeiro e o maior evangelizador’. Em qualquer forma de evangelização, o primado é sempre de Deus” (EG 12). Mesmo que tenhamos as melhores estratégias e técnicas e até falemos a "língua dos homens e dos anjos”, sem a iniciativa divina, tudo é em vão (cf. 1Cor 13). A evangelização é gratuita. Gratia gratis data, a Graça é dada de graça. A salvação, o amor de Deus, o reino anunciado por Jesus, nada disso pode ser considerado um "produto”, porque não demandam qualquer tipo de troca ou retorno. A salvação foi dada na gratuidade do dom e da entrega do próprio Filho. Por isso, o foco não deve estar no "melhor reposicionamento” da Igreja no "mercado religioso”. Se acolhemos a Graça também de graça, somos convidados a "dar também de graça!”, como diz Jesus (Mt 10, 8), sem interesses. Deus também acolhe o nosso amor de graça, sem interesses. O dom é superabundante não no sentido do "retorno”, da "valorização” ou da "acumulação”, mas mediante a sua partilha no serviço a Deus e aos irmãos – estendendo o "dom primeiro” em toda a sua "largura e comprimento, altura e profundidade” (Ef 3, 18) aos outros, como gratuidade ampliada, sem a necessidade de um "contradom”. "A salvação não se compra, não se vende: se dá. É gratuita”, afirmou o Papa Francisco, em sua homilia do dia 25 de março passado. A evangelização é alterizante.É estar atento ao outro. Mas não se trata de atender as "necessidades” do "consumidor da fé”, para a sua "satisfação completa”, como poderia defender o marketing. Depois do encontro de Jesus com o jovem rico, este "ficou abatido e foi embora cheio de tristeza” (Mt 19, 16-30; Mc 10, 17-31; Lc 18,18-30). Jesus subverteu as necessidades pessoais do jovem. Mostrou a ele que a "sua” necessidade não devia estar em si mesmo, como busca de uma "salvação pessoal”, mas devia ser descentralizada, devia estar nos pobres e no seguimento de Jesus. As "suas” necessidades deviam se voltar para as necessidades alheias. Muitas vezes, evangelizar é frustrar as necessidades do outro, por serem autorreferenciais. A própria conversão, como evangelização pessoal, não é satisfazer as necessidades próprias, mas é colocar-se "em atitude constante de ‘saída’” (EG 27), mediante "a dinâmica do êxodo e do dom, de sair de si mesmo” (EG 21). A conclusão é que as "estratégias de marketing” encontram-se no extremo oposto da evangelização cristã, "que tem o seu fundamento último na iniciativa livre e gratuita de Deus” (EG 111) e que deve ser "dirigida gratuitamente” aos pobres como "destinatários privilegiados do Evangelho” (EG 48). Como afirma o documento final da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, celebrada em

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Aparecida, em 2007, "quando cresce no cristão a consciência de pertencer a Cristo, em razão da gratuidade e alegria que produz, cresce também o ímpeto de comunicar a todos o dom desse encontro” (n. 145). Sabemos muito bem o que um certo jovem de Nazaré fez com os vendedores e os compradores no templo de Jerusalém. Com um chicote de cordas, derrubou as mesas dos cambistas e os expulsou dizendo: "Não transformem a casa de meu Pai em um mercado” (Jo 2, 16). É o único relato evangélico em que Jesus usa a força física. Justamente por causa dessa sua atitude, "os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei ouviram isso e começaram a procurar um modo de matá-lo” (Mc 11, 18; Lc 19, 47).

Moisés Sbardelotto é jornalista e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). É autor de "E o Verbo se fez bit: A comunicação e a experiência religiosas na internet" (Santuário, 2012). É membro da Comissão Especial para o Diretório de Comunicação para a Igreja no Brasil, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

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