“excertos melancólicos de um fauno, cuja sesta não o satisfez”

June 3, 2017 | Autor: M. Lambert | Categoria: Artes, Poesía, Arte contemporáneo, Fotografía, Fotografia
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A sesta de vm favno fotografias de André Gomes

“excertos melancólicos de um fauno, cuja sesta não o satisfez” Maria de Fátima Lambert

Cena I Há Faunos ruidosos que não se aquietam em sestas. Os Faunos cresceram em Roma, alastrando pelo mundo enquanto ideia e mito. Antes, sabe-se que já existiam parentes seus da Grécia. Denominavam-se Sátiros e também é caso de se evocar Pã. Alguns destes sátiros expandiram-se para territórios estranhos, sucumbindo ao deslumbre mitológico. Uns e outros – faunos e sátiros [e Pã]- foram celebrados, atravessando tempos e estilos, metamorfoseados em iconografias sucessivas. E quem é Pã? Era o deus dos montes, matagais, bosques e, também, dos campos arados, dos animais e dos seus zeladores. À noite dançava com as ninfas, recolhendo-se a descansar em grutas e cavernas soturnas. Perdeu-se de amor por Syrinx, ninfa que lhe arruinou o senso, pois o recusou: ele nem era homem, nem era animal. No que empreendeu em sua perseguição, ação que alimentou poemas e pinturas desde então. Syrinx, sabendo-se sem lugar para se refugiar, invocou os deuses que a converteram em canas de diferentes tamanhos que emitiam sons fantásticos. Pã, apercebendo-se, tomou-as, uniu-as e soprou levando os sons pelo mundo todo. Na realidade, Pã era pacato, exceto quando não atingia os seus desejos e, mesmo assim, apaziguador se viu.

O fauno era um ser inicialmente

benévolo e útil, pois deambulava pelos bosques, vigiando, protegendo os rebanhos; ia pelos campos afora, zelando mesmo pela agricultura remota. Nalgumas representações o seu carinho pelos animais invadiulhe os pés e as pernas, configurando-lhe zoomorfias. Os pelos invadiram-lhe o corpo quase todo e as orelhas tornaram-se pontiagudas de tanto procurar ouvir em todas as direções, atento aos ínfimos ruídos da natureza, perscrutando os humanos…sobretudo as fêmeas, então ninfas – aquelas que eram em devir. Talvez que, imitando o impacto de Orpheu a tanger sua lira, os faunos seduzissem e dominassem, quer animais, quer pessoas – apresentam-se tocando flauta em muitos enredos iconográficos que se conhecem no Ocidente. Assim aconteceu com Pã e a flauta que lhe cobiçou o nome. [Note-se que alguns de queixam das flautas produzidas em série, lamentando que as ninfas mais emancipadas, não queiram mais transformar-se em canas, que seriam matéria privilegiada e mágica para fabrico de suas flautas.]

Interlúdio I A Écloga, seguida pelo Prélude à l’Aprés-midi d’un faune, escritos por Mallarmé, repercutia a lição que da tradição literária se podia superar numa assunção visionária. À qual se seguiu a apropriação, configurada (sem prelúdio) em l’Aprés-midi d’un faune, poema coreográfico de Claude Débussy. Aliás, o compositor continuaria a celebrar o tema em Syrinx (flauta solo, 1913), assim como Benjamin Britten incorporaria o tema poético na 1ª das 6 Metamorfoses de Ovídio (1915).

Em Marcel Proust, mais concretamente, no volume À la recherche du temps perdu, lêem-se referências diretas aos Ballets Russes. De certo modo, a sua construção frásica poderia considerar-se em consonância à estrutura elíptica das suas referências, seus episódios e circunstancialidades adequam-se à estética do delineamento coreográfico, eivado de decorativismo art nouveau, assim como de predominância pelo gosto simbolista. O que, aliás, está belissimamente associado ao vestuário das figuras representadas nas cerâmicas gregas e que Léon Baskt concilia na conceção dos figurinos e cenários da produção de 1912.

A sinuosidade e fluidez das formas, quer na dança, quer na pintura, quer na música, quer na escrita assumem uma intencionalidade que iria repercutir, tanto como já espelhava iconografias simbólicas e mitológicas. Não existe a certeza de que Proust tivesse assistido a alguma interpretação de l’Aprés-midi d’un faune[1], antes teve como fonte do acontecimento através do artigo de Henry Bidou, como argumentou Nathalie Mauriac Dyer, ao considerar que: « L’écriture de Proust est constamment oblique et allusive. On suit ici, à partir d’un indice laissé par l’écrivain dans un cahier de brouillon, les usages, étalés entre 1912 et 1915, d’une chronique que le journaliste Henry Bidou avait consacrée à L’Après-midi d’un faune. »[2] No artigo, Bidou estende-se na análise detalhada das cenas coreográficas, refletindo as suas empatias estéticas, num pensamento enredado na ascendência de Mallarmé, atravessado pela reinvenção inaudita de Nijinsky. Proust alude à metamorfose de uma Ninfa no final do Du Côté de chez Swann, como analisaram Maya Lavault et Matthieu Vernet, citados por Géraldine Dolléans, ao detetarem ilações e analogias quanto à atuação e desempenho, referindo o passeio desencantado no Bosque de Bolonha que: «… montre la proximité que cette fin entretient avec L’Après-midi d’un faune : le héros désabusé déambule, tel le faune de Mallarmé, dans un « décor quasi féerique et “factice” que traversent fugacement des figurantes en costume » (p. 156), un jardin qu’il investit tantôt de son désir, tantôt de sa nostalgie. L’intertexte semble préparer le motif de la fuite d’Albertine puisque les volumes suivants établissent une analogie troublante entre la jeune fille et une dryade, Andrée et la seconde nymphe que le narrateur, comme le faune de Mallarmé, imagine enlacée à sa maîtresse. »[3]

Este(s) é/são um fauno (Nijinsky) e sua Ninfa (interpretada por Lydia Nelidova) que se consolidaram mutuamente, plasmando efabulações que são conduzidas na sequência fotográfica gerada por André Gomes. Cf. Géraldine Dolléans, « Feux sur Proust », Acta Fabula – revue des parutions, Mars 2014 (volume 15, número 3) in http://www.fabula.org/acta/document8492.php (consulta a 30 abril 2016) Nathalie Mauriac Dyer, « Bidou, Bergotte, la Berma et les Ballets russes », Genesis[En ligne], 36 | 2013, mis en ligne le 15 juin 2015, consulté le 08 mai 2016. URL : http://genesis.revues.org/1144 [3] Cf. Citação de Maya Lavault e Matthieu Vernet por Géraldine Dolléans, « Feux sur Proust », Acta Fabula – revue des parutions, Mars 2014 (volume 15, número 3) in http://www.fabula.org/acta/document8492.php (consulta a 30 abril 2016) [1] [2]

Cena II Os Faunos conversam com as Musas, um Fauno/Pã e Syrinx são apenas o caso emblemático. “Sabes Musa…”, disse-lhe assim um Fauno, “…eu transporto uma longa história, carrego o fardo mítico e pesado que os poetas, artistas e pensadores se encarregaram de me inventar. Nunca lhes perdoei…a tragédia que me enxertaram, impedindo-me de cantar, rir e dançar ao vento. As pinturas não têm som, as músicas ficaram descoloridas, porque me desgastei a ser sempre eu mesmo, a repetir-me incessante e todo.” [um Fauno calou-se]

A Musa acariciou-lhe os cabelos enredados em heras, teias de aranha e casulos de borboletas que não foram borboletas nunca. Um Fauno espreguiça-se, estendendo-se sobre a terra húmida; agarrando tufos de relva, como se ela fora a púbis da Musa. Olhou-a. Lembrou-se de o terem aprisionado em todas as posturas e copiados os seus gestos que agradassem aos espectadores, sobretudo aos nobres, burgueses e clérigos endinheirados. Havia quem quisesse um fauno dançante, assim acreditando serem os mais enobrecidos proprietários de uma nova Casa do Fauno que outras lamas de uma nova Pompeia quisessem eternizar. [Para que ninguém se esqueça, era só contarem as inúmeras representações dos seus amores mais ousados com a Ninfa, à mostra para quem percorresse ruínas, ver os frescos sugestivos e belos. Há como um fauno frustrava as suas memórias de volúpia e sedução.]

O Fauno dançante, o fauno dançando: miniaturizavam-no sem dó, nem piedade. Diminuíam-lhe, ou mais raramente aumentavam-lhe o porte, a estatura alterava-se-lhe, pensou melancólico. Sabia que a melancolia, por via ancestral de Saturno, lhe estava nas veias: Faunus, filho do 3º rei de Itália, por sua vez filho de Marte e neto de Saturno. Assim é que era a sua ascendência. Donde, preferir ser um fauno reclinado, um fauno adormecido, um fauno sem pressas. Ficava aquietado em figura de bronze, mármore ou gesso, patinado ou fulgurante mas mais quieto, capaz de ser resplendor, lentidão e prazer. O fauno, um fauno tocava flauta de Pã, seu Doppelgänger. Mas nem se apercebiam de sua dolência. Ser Sátiro, Pã ou Fauno seria considerado, uma e a mesma coisa, nos séculos que se seguiam. Eram um e três estórias de um mesmo que – porventura – não se queria a si mesmo ao longo de uma existência demorada na eternidade. Havia momentos em que o seu pendor saturnino preponderava sobre a apetência mais dionisíaca…ou talvez não fossem antagónicas. Em tempo de sesta de outono, um Fauno gostava de se ouvir ler n’a Floresta do Alheamento, de Bernardo Soares – que era um dos faunos de Fernando Pessoa. Conhecia-lhe os excertos, fragmentos e demais coisas incompletas. Em certa ocasião, descera a morar numa pintura de Jacob Jordaens, na casa de um colecionador famoso, Dr. Anastácio Gonçalves, em Lisboa. Lugar onde ouviria histórias incríveis sobre pintores, poetas, músicos, militares e outros seres dotados - uns tinham direitos às suas musas, outras sem terem musas mas que delas não precisavam. Na casa-museu, podiam vê-lo [um fauno] em versão de meio corpo e a três—quartos [de colocação] e, ainda, tocando flauta. Apercebeu-se que um dos assíduos visitantes, afinal estava a celebrá-lo, o inventava feliz como efetivamente ele queria ser sempre. Pôs-se a vivê-lo como um Fauno com toda propriedade! Havia frases em imagens belíssimas, inspiradas que o aproximavam daquelas que o tinham imortalizado em finais de oitocentos, entrados os primeiros de novecentos – o artista enquanto autor, era a[c]tor.

Interlúdio II Odilon Redon considerou que o “espírito de Mallarmé” estivera sobre a Sala durante a apresentação inaugural da peça. Auguste Rodin, que aplaudira Louïe Fuller e Isadora Duncan, assistiu à segunda apresentação de L’après-midi d’un faune, deslumbrando-se pela interpretação de Nijinsky, que celebrou numa escultura de bronze alusiva à exultante performance de um fauno. Chamado a neutralizar, à semelhança de Redon, os efeitos da crítica publicada no Figaro, o escultor sublinhava: “Au seul point de vue plastique, il a tiré de là tout un enseignement du goût. Qu’on ne s’étonne pas de voir l’églogue d’un poète contemporain reportée au temps de la Grèce primitive : cette transposition offrait par le geste archaïque l’occasion heureuse de se produire au commandement d’une volonté expressive. Je voudrais qu’un si noble effort fût intégralement compris et qu’à côté de ces représentations de gala, le Théâtre du Châtelet en organisât d’autres où tous les artistes pourraient venir s’instruire et communier dans le spectacle de la beauté." Jean Cocteau foi um dos primeiros a escrever sobre a peça, num artigo intitulado « Une répétition du Prélude à l’Après-midi d’un faune »,publicado no Comœdia, a 28 de maio 1912. Leia-se a minúcia poética, recriadora de um olhar que dominava as várias artes convocadas na obra-prima, capaz de mediante a descrição lírica, cinematografar no imaginário pessoal, de alguém que fosse um elemento do público com maior acuidade e esteta: “Sur un tertre un faune se réveille, joue de la flûte et contemple des raisins. Un premier groupe de trois nymphes apparaît, suivi d'un second groupe qui accompagne la nymphe principale. Celle-ci danse au centre de la scène en tenant une longue écharpe. Le faune, attiré par les danses des nymphes, va à leur rencontre pour les séduire mais elles s'enfuient. Seule la nymphe principale reste avec le faune ; après le pas de deux, elle s'enfuit en abandonnant son écharpe aux pieds du faune. Celui-ci s'en saisit, mais trois nymphes tentent de la reprendre sans succès, trois autres nymphes se moquent du faune. Il regagne son tertre avec l'écharpe qu'il contemple dans une attitude de fascination. La posant par terre il s'allonge sur le tissu.” Odilon Redon, Carta abonatória do espetáculo – correspondendo ao direito à resposta dado a Sergei Diaghilev na sequência das críticas impressas no jornal - publicada no Le Figaro - 30 maio 1912. Confronte-se a carta, do diretor e empresário russo, dirigida a Gaston Calmette in http://www.fondationlaposte.org/article.php3?id_article=1503 (consulta a 1 maio 2016) Cf. http://www.musee-rodin.fr/en/collections/sculptures/nijinski (consulta a 1 maio 2016) Auguste Rodin, Carta elogiosa publicada no Le Matin e, depois, em Le Figaro - 30 maio 1912 in http://www.fondationlaposte.org/article.php3?id_article=1503 (consulta a 1 maio 2016) Jean Cocteau, op. cit. in http://corpsetgraphies.fr/s-l-apres-midi-d-un-faune-1.php (consulta a 3 maio 2016).

Cena II

Os faunos são leitores assíduos de Nietzsche, combatendo no esquadrão dionisíaco. Todavia, sabe-se de uma rara dissidência temporária. Aconteceu quando um fauno se perdeu em desatinos apolíneos, por querer resolver paradoxos, desconstruir maniqueísmos…tout court. Talvez os devaneios decorrem-se da conversa com uma Musa perdida no cenário da floresta que Picasso teria pintado, nos anos 1920… “Aquela maneira de ver as coisas”, teria a Musa cochichado ao Fauno, alongado na relva e meio ensonado. “Aquela maneira de ver as coisas…” repetiu o Fauno. Lembrava-se de ser um etrusco e alguém o ter retido numa pose reclinada - quase dormido. Talvez mesmo ressonando (pois os faunos são ruidosos em tudo, assim como podem ser silentes). "Aquela maneira de ver as coisas", de as atingir com o olhar... e as figuras que tanto lhe pediam o tocar, agarrá-las, possui-las. Era um tal drama que cedera a ser protagonista de poiéticas várias. Assim sublimava suas frustrações inconfessadas. [Quando um Fauno encontra um Sátiro, por delicadeza e diplomacia, conversam em francês. Um e outro reconhecem que o idioma de Stéphane Mallarmé os beneficiou como nenhum outro autor.] Nem se pense que os diálogos do corpo entre um fauno e a ninfa, ou um e outra enquanto seres plurais, foram sempre de rompantes, abusos e costumes ardilosos e temerários…não. Frequentemente, um fauno adormecia na demora da tarde, o que sucedia igualmente à ninfa. Se, porventura um fauno acordava primeiro, ficava a contemplar a lassidão dos mantas desfeitos sobre o joelho e a relva, exposta a carne da ninfa à intempérie das horas e dos dias que nunca sabem contar-se. A quietude não lhes amordaçava a sensualidade. Logo se viam em tableaux vivants a correr pelos campos, a beber e a dançar, num culto dionisíaco que dava gosto de ver a Nietzsche e incomodava porventura Schopenhauer, tornando Kierkegaard incapaz de se decidir…Aut…Aut…

Interlúdio III Onde se podem ler excertos da Estética da Indiferença, na perspetiva de Bernardo Soares ou de Vicente Guedes ou do Barão de Teive. Um fauno indiferente. “…Perante cada coisa o que o sonhador deve procurar sentir é a nítida indiferença que ela, no que coisa, lhe causa. Saber, com um imediato instinto, abstrair de cada objecto ou acontecimento o que ele pode ter de sonhável, deixando morto no Mundo Exterior tudo quanto ele tem de real — eis o que o sábio deve procurar realizar em si próprio.” Tal não existe, replicou a Ninfa que nessa tarde acordou querendo ser chamada de Syrinx. Nunca sentir sinceramente os seus próprios sentimentos, e elevar o seu pálido triunfo ao ponto de olhar indiferentemente para as suas próprias ambições, ânsias e desejos; passar pelas suas alegrias e angústias como quem passa por quem não lhe interessa. O maior domínio de si próprio é a indiferença por si próprio, tendo-se, alma e corpo, por a casa e a quinta onde o Destino quis que passássemos a nossa vida. Tratar os seus próprios sonhos e íntimos desejos altivamente, en grand seigneur (...), pondo uma íntima delicadeza em não reparar neles. Ter o pudor de si próprio; perceber que na nossa presença não estamos sós, que somos testemunhas de nós mesmos, e que por isso importa agir perante nós mesmos como perante um estranho, com uma estudada e serena linha exterior, indiferente porque fidalga, e fria porque indiferente.”

“Estética da Indiferença”, Fernando Pessoa, Livro do Desassossego de Bernardo Soares, disponível in http://arquivopessoa.net/textos/3515

Cena III Todos os faunos se reuniram num banquete. Houve quem os vislumbrasse em conciliábulo com Puck e as suas Fadas, durante as evocações a Shakespeare. Afinal, o Sonho de uma Noite de Verão, teria por certo algum parentesco longínquo em matérias de sestas, porque de sonos e de noturnos, transpostos em diurnos, se tratava. As substâncias da imaginação e do imaginário que confundiram um fauno eram bem mais recorrentes, anunciavam mais do que alguma vez o infortunado quisera ou tivera saber. Os faunos andavam – efetivamente - pelos bosques, como dissera Aquilino. São os guardiães, são os perseguidores, são aqueles que sonham e se lamentam de que a realidade é bem melhor anunciada do que vivida. Se são guardiães, são o cartão-de-visita para os devaneios excecionais e gordos.

Na série “a sesta de um Fauno” de André Gomes, como refere Ana Anjos Mântua no texto ao Catálogo da Exposição, realizada em 2013 na Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves: “[o Fauno] é o anfitrião a franquear o portão e a acolher outro fauno vindo de um imaginário descrito no poema simbolista de Mallarmé e na música de Claude Débussy e vivo na imaginação do artista.” A Casa-Museu converteu-se temporariamente na Casa do Fauno (Pompeia). Agora, a sesta de um Fauno deslocou-se para norte, apropriando-se de outros imaginários, recolhida entre paredes mais próximas, numa outra razão intimista. O fauno, que é um fauno, guardará sempre o seu mistério, independentemente dos registos que tantos artistas lhe tenham pretendido suster ou emprisionar. Um fauno que sabe estar deitado - em estado de decadência, de lassidão, tanto quanto se veja em fuga. Aonde é que eu já vi este fauno...parafraseando Aby Warburg quando Se apercebeu que a figura feminina, transportando à cabeça A cesta Com frutos e flores lhe remetia para uma reminiscência visual. O fauno, que é um fauno, é um sedentário temporário nas imagens fotográficas de André Gomes que o soube aprisionar – aprivoiser diria Antoine de Saint-Éxupéry.

Um fauno sabe dar-se a emprisionar, quando a retenção, a permanência agrilhoada está temporalizada pela consciência de que é o tempo de uma sesta. Depois da sesta, os dados estão lançados. Um fauno lançará os dados, ao acaso, sem contingência ou sim?

O fauno, que é um fauno, não é indiferente. O seu “ritus” facial por vezes pode indiciar o seu interesse em ninfas. A indiferença aparente durante o descanso, quando os seus traços fisionómicos se apaziguam na sesta, seria uma falácia. Talvez que o excesso de interesse induza à indiferença, que é uma outra palavra cúmplice de desinteresse. E o desinteresse estético, desde que Kant o argumentou, moldou pensamentos e extrapolou muito além. Um fauno que não é “o” fauno, nunca é desinteressado, mas pode ser indiferente. Alheava-se a ler os fragmentos de Bernardo Soares consignados à “Estética da Indiferença”, como antes se mostraram no Interlúdio. Eu vi este um fauno refletindo-se sobre si mesmo, enquanto fantasma de Narciso. Um [o] fauno apercebeu-se que devia ter feito uma sesta mais longa.

Maria de Fátima Lambert

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