Existência e Arte: para uma compreensão de Paul Cézanne sob a ótica de Maurice Merleau-Ponty

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EXISTÊNCIA E ARTE: PARA UMA COMPREENSÃO DE PAUL CÉZANNE SOB A ÓTICA DE MAURICE MERLEAU-PONTY 1 Davi Galhardo Oliveira Filho 2

O desenho e a cor não são mais distintos, pintando, desenha-se; mais a cor se harmoniza, mais o desenho se precisa... Realizada a cor em sua riqueza, atinge a forma sua plenitude. - Paul Cézanne

Em 1948 vinha à tona um ensaio que tornaria-se célebre no campo da Estética, trata-se de A Dúvida de Cézanne, escrito por Maurice Merleau-Ponty (1908 – 1961). Com isso, de imediato saltam diante de nós portanto, questões que cabem a partir de uma investigação minimamente filosófica: 1) Ora, de que Dúvida estamos falando? E consequentemente 2) Quem foi portanto Cézanne? Gostaríamos de começar buscando responder a tais perguntas. Toda a obra de Paul Cézanne (1839 – 1906) está intimamente ligada a sua vida. Em outros termos: "Cézanne renunciou a ter uma vida e realizar sua obra, ou melhor, fez da obra a sua vida" (ARGAN. 1992, p. 109), dotado de uma reclusão social voluntária, manteve um círculo de amigos limitadíssimo. Na arte pictórica formou-se sem tutores, concebia-a de forma análoga ao agir de um Filósofo ou Cientista: "[uma] pesquisa de uma verdade, justamente, que não podia ser alcançada senão com aquela reflexão ativa frente ao verdadeiro em que, para ele, consistia o pintar." (Idem. p. 110). Diverge dos Impressionistas que concebiam a pintura de forma apenas visual, Cézanne não se limita a traduzir o tema abordado em figuras, mas sim construindo, a partir dos materiais pesados da arte pictórica as imagens. "Em sua pintura nada é invenção, tudo é pesquisa" (Idem. p. 111).

1 O presente texto foi elaborado para a disciplina de Estética do Curso de Licenciatura Plena em Filosofia da Universidade Federal do Maranhão. 2 Graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID. Email: [email protected]

Estes e outros aspectos foram determinantes para a História da Arte Moderna, influenciando

profundamente

as

vanguardas

posteriores,

tais

como:

o

Abstracionismo e o Cubismo – e extrapolando ainda o domínio das Artes, pois como demonstraremos, a Fenomenologia de Merleau-Ponty debruçou-se sobre a obra deste titã da Pintura. Em suma, podemos afirmar que este concebia a pintura como: "(…) um modo insubstituível de investigação das estruturas do ser, uma pesquisa ontológica, uma espécie de filosofia." (ARGAN. 1992, p. 109). Para Cézanne realidade interna e externa estão ligadas. O mundo está na consciência e a consciência está no mundo. A dúvida é portanto o eterno inacabado. A dicotomia Sujeito-Objeto e seus derivados, parece não fazer qualquer sentido para o pintor. Assim, uma vez demonstrada a estrutura do legado de Cézanne, passaremos agora à analise do texto de Merleau-Ponty.

Em A Dúvida de Cézanne (1948), o Filósofo Francês vai na contramão das interpretações acerca da obra do pintor até então vigentes, e insere de forma quase que aleatória ao longo do texto diversos adjetivos à pessoa do artista, que corroborarão a linha de investigação aqui traçada: gênio abortado, ansioso, indeciso, tímido, desconfiado, suscetível, e dono de uma esquizóidia. "Eram-lhe necessárias cem sessões de trabalho para uma natureza morta, cento e cinquenta de pose para um retrato" (MERLEAU-PONTY. 1980, p. 113). Para ANDRADE (2012, p. 01) a intencionalidade da obra de Cézanne consistia portanto em procurar comunicar a verdade em forma de pintura. De acordo com a investigação do Filósofo Francês, os Impressionistas – sobretudo Jacob Abraham Camille Pissarro (1830 – 1903) – foram determinantes para a criação pictórica de Cézanne – mas, vale lembrar que o pintor rompeu com estes logo depois –, que procurava formular um estudo preciso dos fenômenos, ou seja: das aparências. [Cézanne] declara ter querido fazer do Impressionismo "algo sólido como a arte dos museus". Sua pintura seria um paradoxo: procurar a realidade sem abandonar as sensações, sem ter outro guia senão a natureza na impressão imediata, sem delimitar os contornos, sem enquadrar a cor pelo desenho, sem compor a perspectiva ou o quadro. (MERLEAU-PONTY. 1980, p. 116)

Segundo a análise proposta por Merleau-Ponty, o pintor Cézanne entregou-se ao Caos da Sensação, deixando de lado o desenho, visando estabelecer assim a unidade entre a Natureza e a Arte. Posicionando-se no outro extremo portanto dos demais pintores, que ora debruçavam-se sobre a sensação, ora sobre o pensamento, dependendo da vanguarda onde se encontravam.

Cézanne não acha que deve escolher entre a sensação e o pensamento, assim como entre o caos e a ordem. Não quer separar as coisas fixas que nos aparecem ao olhar de sua maneira fugaz de aparecer, quer pintar a matéria ao tomar forma, a ordem nascendo por uma organização espontânea. Para ele a linha divisória não está entre os sentidos e a inteligência, mas entre a ordem espontânea das coisas percebidas e a ordem humana das ideias e das ciências. (MERLEAU-PONTY. 1980, p. 116) Assim, se a intencionalidade do pintor é de exprimir o mundo, tal ato deve ser feito com cores que em si tragam esta noção de totalidade (indissolúvel), caso contrário a pintura não passará de uma caricatura, um croqui, um borrão às coisas, e necessariamente não poderá representar o real. "A expressão do que existe é uma tarefa infinita" (MERLEAU-PONTY. 1980, p. 118). A pintura de Cézanne se propõe a suspender os hábitos para revelar o que o filósofo francês chamou de fundo de natureza inumana sobre o qual se instala o homem, com isso: o homem soma-se à natureza.

A arte pictórica de Cézanne pode portanto ser caracterizada como uma forma de fenomenologia da percepção em ato. Em outros termos: uma filosofia expressa através da pintura. E por este motivo interessantíssima às reflexões de MerleauPonty, na qual podemos conjecturar uma tentativa de determinação do indeterminado, nos trabalhos do Pintor.

A Fenomenologia da percepção de Cézanne, radicalizada, o levou em sua obra à carne mesmo da pintura. Ao ser bruto da pintura. Talvez, nesse sentido, embora Merleau-Ponty possua maior afeição pela fatura cerrada de suas naturezas mortas e portanto, não tenha fornecido uma leitura muito interessante [do] último período da obra de Cézanne, não seríamos tão justos ao dizer que a obra madura do pintor escapou à analise do filósofo. Pois em uma passagem interessantíssima de O olho e o Espírito (…), passagem de cujo alvo não seja Cézanne, além de se

aplicar muito precisamente à sua obra madura, joga mais água no moinho [desta interpretação aqui apontada] (…) (ANDRADE. 2010, p. 07)

Por fim, gostaríamos ainda de lembrar que a partir destas análises, a Arte não se caracteriza como uma imitação (P. Ex.: como outrora afirmou Aristóteles em sua Poética, que todas as artes se enquadram na imitação) nem mesmo como fabricação (P. Ex.: como quisera Kant na Crítica da Faculdade do Juízo, que via nos Juízos Estéticos um modo de Juízo Reflexivo, uma espécie de finalismo da natureza em relação ao homem). A Arte deve portanto ser entendida como "(…) uma operação de expressão". (MERLEAU-PONTY. 1980, p. 119) a pintura não é portanto uma cópia.

ANEXOS

Natureza morta com maçãs e laranjas, 1895-1900. Museu d'Orsay

Autoportrait, 1898-1900. Museu de Belas Artes de Boston

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

ANDRADE, Bruno Oliveira de. Da Natureza Viva à Pintura Bruta: Cézanne e Merleau-Ponty. VISO - Cadernos de Estética aplicada. Revista eletrônica de Estética.



12.

JUL-DEZ.

2012.

Disponível

em

<

http://www.revistaviso.com.br/pdf/Viso_12_BrunoAndrade.pdf > Acesso em 15 JAN 2015.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Trad. Denise Bottmann e Frederico Carotti. São Paulo: Companhia da Letras, 1992.

MERLEAU-PONTY, Maurice.

A Dúvida de Cézanne. In: ______.

Textos

Selecionados. Trad. Notas. Marilena Chauí Et Alli. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980. págs. 114-126.

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