EXISTENCIALISMO EM FAUSTO

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O EXISTENCIALISMO EM FAUSTO


Luna Fontes Maldonado


Escrita entre 1773 e 1832, portanto durante um período de cerca de seis décadas, "Fausto", a máxima tragédia humana de Goethe, acompanhou processos históricos de grande profundidade e relevância, como a Revolução Francesa, ascensão e queda de Napoleão Bonaparte, a Restauração Francesa, a dissolução do Sacro Império Romano Germânico e a preparação para a consolidação do estado-nação da Alemanha moderna (em 1871), entre outras transformações científicas, filosóficas e econômicas. Isso contribuindo em grande maneira no desenvolvimento da obra que, uma vez finalizada, viria a ser considerada por muitos como o texto paradigmático da modernidade devido à sua temática de grande abrangência.
Contudo, talvez justamente pelo longo período até a conclusão, "Fausto" veio a ser uma obra quase fragmentária posto que, até sua edição final, foram muitos os excertos produzidos, modificados, eliminados e reorganizados tornando difícil uma compreensão completa da obra. Justamente por isso focaremos aqui no "Fausto 1" e "Fausto 2".
Além de escritor, Goethe mantinha um particular interesse nas investigações científicas contribuindo no estudo morfológico, óptico, geológico entre outros, posto que acreditava que a ciência havia nascido da poesia e um dia ambas se uniriam novamente em mútua vantagem. Esse seu interesse é de extrema relevância para o entendimento da obra, dado que, uma vez sabido o fato, podem-se retirar diversas referências alquímicas durante todo o trajeto de Fausto, tornando o escrito uma receita alquímica para atingir o indivíduo completo.
O objetivo aqui é pensar sobre o papel o qual é legado à Margarida, e em certa medida todas as demais personagens femininas, nessa alquimia pela completude. Assim como qual será a resolução final dada à busca por esse indivíduo completo. No entanto, é necessário primeiramente estabelecer as essências com as quais essa receita se dá.
As primeiras cenas com Fausto, e depois Mefistófeles, podem ser ponto esclarecedor para essa questão, apresentando logo de início quase todos os elementos que serão necessários para a grande Obra. Na primeira aparição de Fausto, este já reclama da ciência, negando-a, posto que, além de título de doutor, em nada serviu para atingir o verdadeiro conhecimento ao qual aspirava. Ele passa então a invocar a lua, símbolo do noturno, feminino, regenerador, a própria Alma que ele almeja e que, no entanto foi perdida. Em seguida volta sua vista para o livro de Nostradamus, no qual se encontram a maior parte das simbologias do resto da obra, no qual lê:

"Do mundo espiritual não te é a esfera estranha;
Tens tu morta a alma, o senso estreito!
Discípulo, anda! assíduo, banha
Em rubra aurora o térreo peito!"

Aqui, nesses quatro versos, já subjaz todo o motor do que se segue até a morte de Fausto. Adianta-se que o que falta a Fausto é a alma (que jaz morta), a qual é de essência feminina, e que para encontrá-la terá que banhar seu peito, onde jaz o material da essência feminina, em rubra aurora, ou seja, com seu fogo, símbolo masculino, já sublimado, elevado espiritualmente.
Pouco depois dessa revelação Fausto será visitado por Mefistófeles em forma de cão, que daqui em diante será o símbolo do fogo personificado e que, involuntariamente, ajudará Fausto a encontrar a Alma, ou o eterno-feminino, que se personificará em Margarida.
Estabelece-se aqui o eixo principal da obra: Fausto, desesperado por alcançar o verdadeiro conhecimento, que mais tarde fica claro ser o eterno-feminino que o completa, pactua com Mefistófeles, símbolo do fogo, que no intuito de leva-lo para os prazeres materiais acaba por ajudá-lo na sua empreita espiritual. O que ocorre por detrás dessa história é o primeiro pacto realizado entre Mefistófeles e Deus (O Altíssimo), no qual apostam se, mesmo influenciado por Mefistófeles, Fausto seria capaz de chegar à luz, que corresponde também até certa medida à essência feminina da qual tratamos.
Estabelecidas as simbologias que nortearão a obra, podemos prosseguir com a análise da história de Margarida e as demais entidades femininas.
Quando logo no princípio disse que "Fausto" viria a ser considerado o texto paradigmático da modernidade, o disse em todas suas condições, abrigando inclusive os erros que ela abarca. O entendimento que se faz de Margarida quanto indivíduo na obra seria um destes. Sendo o erro justamente considerá-la como indivíduo, ou tratá-la como qualquer referência ao sexo feminino. O que acontece na obra é justamente um reflexo do que ocorre em qualquer sociedade centrada na figura masculina: há uma supressão do sexo feminino como individuo através da simbolização de uma "essência feminina", que passa a ser um arquétipo vivo à serviço de uma completude do masculino, o ser "O Outro" que tanto Simone de Beauvoir sublinha.
O que há em "Fausto" é a máxima tragédia do homem em busca do indivíduo completo, posto que a figura da mulher permanece apenas como arquétipo. Isso se dá, talvez, por haver aí uma confusão ao relacionar uma perspectiva dualística, masculino e feminino, provinda da visão alquimista dos órgãos sexuais, sendo o órgão representante de todo o ser; ao invés de possibilidades psíquicas que se relacionam em igual intensidade a ambos os sexos, independente de seus genitais. Tudo desde a perspectiva do falo em busca do feminino. Interessante é perceber como dentro da própria tragédia já se vislumbra como esse ser imbuído de ambas as possibilidades será o ser completo, como é o caso do Homúnculo criado por Wagner.
O Homúnculo virá a nascer no segundo ato, quando Fausto retorna ao seu laboratório, em companhia de Mefistófeles. Ele será criação alquímica realizada no laboratório de Wagner e virá a representar, segundo palavras de Goethe, a enteléquia que Fausto persegue. O Homúnculo é hermafrodita e, por ser pura "essência" não consegue sair de seu casulo de vidro; sendo a busca por um corpo seu objetivo na tragédia. Eis então a personagem que clarifica o entendimento de "Fausto".
O herói desde o principio sente que algo lhe falta, um conhecimento maior, para tornar-se completo. Em determinado momento lhe é revelado que essa falta é preenchida pelo eterno-feminino representado por Margarida. No entanto ele nunca conseguirá atingir essa plenitude em vida, no máximo a arranha, sendo-lhe concedida apenas após a morte. O não poder atingi-la em vida, talvez, se dê ao fato justamente de não lhe ser possível conciliar um ser imbuído de materialidade e, mais importante, sexo definido, uma psique que abranja ambos os espectros (masculino e feminino). Por isso estará ele sempre necessitando do "Outro" para existir, este outro externo a ele, separado por um sexo, que ele nunca conseguirá absorver por completo, embora sempre se iluda, ao possui-lo materialmente, imaginando haver atingindo sua essência. Ironicamente é Mefistófeles quem pronuncia palavras reveladoras quanto a esta questão, ao planejar uma forma de vencer a batalha do Imperador no "Fausto 2":

"Feito está!
Bem, primos negros, prestes à obediência,
Ao lago, no alto, rogai às Ondinas
Que evoquem de suas águas a aparência.
Por intricadas artes femininas,
Elas abstraem do Ser o Parecer,
E cada um jura que é o Ser."

Sendo aí a figura mitológica das Ondinas a representante do feminino que torna Parecer, a ilusão de absorver o eterno-feminino, em Ser, a crença de haver-se tornado, pela posse, a própria essência.
Nos aproximamos agora de uma zona de perigosa interpretação. Posto que deste ponto em diante, para um aprofundamento sobre a obra, precisamos discernir de forma clara o tema sobre o que ela trata da perspectiva do qual ele é tratado. O tema é o conflito entre o determinismo do corpo e a liberdade de se assumir desapegado deste; a perspectiva é a de um ser masculino que renega o indivíduo feminino.
O feminino é negado por que não lhe é permitido ser também um ser ambivalente. Apesar de em realidade também ter a potencialidade de conter ambas as essências masculina e feminina e, da mesma forma que Fausto, perseguir uma completude; essa busca lhe será negada posto que ao seu ser lhe concederão apenas o lado feminino (tornando-a arquétipo) e a castigarão cada vez que se aproximar mais do lado masculino. O papel da mulher, desde essa perspectiva, é a de servir de âncora para a existência plena do homem (o Parecer das Ondinas), caso em algum momento ela ousar perseguir sua própria existência individual e abandonar o homem na sua incompletude, ela será castigada. Isso o deixa claro Valentim, irmão de Margarida, que ao saber do caso entre a irmã e Fausto enfurece-se com ela, que agora deixou de ser um exemplo de mulher, e ao mesmo tempo envergonha-se perante os colegas, posto que perdeu sua âncora existencial, sendo apenas a vingança e a própria morte capaz de o tornar digno novamente.
A própria Margarida vê-se também terrificada ao se tornar mais próxima da essência masculina, como bem o representa a fala do Espírito Mau, que aparece por trás de Margarida após a morte do irmão e sobre o que se passa em seu interior diz:

" [...] E, borbulhante, já não se move algo
Sob o teu coração,
E te angustia, a ti e a si,
Com existência pressagiosa?"
Sendo aí a existência pressagiosa nada mais que a própria essência masculina que Margarida pagará com a prisão e mais tarde com a morte, que ocorre quando nega Mefistófeles (personificação do fogo, essência masculina) para subir aos céus (essência feminina).
Essa necessidade da mulher como âncora e, ao mesmo tempo, medo de encontrar o feminino dentro de si mesmo fica ainda mais claro com as personagens das Mães, no "Fausto 2".Fausto, irritado com a insistência do Imperador em poder ver "em mágica visão, Páris e Helena", recorre a Mefistófeles para que ele assim o cumpra. No entanto, Mefistófeles prontamente lhe diz que isso não é possível e não cabe em seus poderes. Para atingir tal prodígio é necessário antes ir até as Mães, o que ele não se atreve. Ao perguntar qual o caminho que leva a elas Mefistófeles diz:

"Nenhum. É o Inexplorável,
Que não se explora. É o Inexorável,
Que não se exora. Estás, pois, preparado? [...]"

E sobre as próprias mães adianta:

"Estranho é mesmo; Deusas ignoradas
De vós mortais. Por nós, jamais nomeadas.
Vai, pois, buscá-las nos mais fundos ermos;
É tua a culpa o delas carecermos."
Eis outro ponto de grande luz em toda a obra. Aqui, de forma explícita, encontramos o grande medo que Fausto sente e que não o permite atingir a completude em vida. As Mães são tão aterrorizantes porque representam o lugar de onde ele veio, assinalando, portanto o quanto há de feminino dentro dele, mais do que gostaria. Tanto é assim que será apenas depois de ter-se adentrado no mundo das Mães que Fausto será capaz de encontrar Helena, o símbolo personificado do que há de feminino dentro do próprio Fausto e, dessa união, nascer Euforion que, no entanto, morrerá logo em seguida. Essa morte se dará como metáfora do que ocorrera já anteriormente: Ao deparar-se frente a frente com Helena, ou o próprio feminino que há dentro dele, Fausto não compreende que ela não é mais que ele mesmo (insiste em tratá-la como o "Outro") e tenta tocá-la com as mãos, o que faz com que ela desapareça subitamente.

"[...] Aqui eu tomo pé, na realidade!
De espíritos, o espírito a aura invade,
De grande reino dual, prepara a Idade!
Remota é, mas jamais tê-la-ei mais rente?
Liberto-a eu! e é minha duplamente.
Seja! _ outorgai-ma, ó Mães! Tende de concedê-la!
Quem a encontrou, não pode mais perde-la!"

É o que diz Fausto após dar-se conta do desaparecimento de Helena. Nota-se que ele já percebe o quanto faz ela parte da dualidade de seu ser e, no entanto, não consegue dar o passo além e admitir serem ambos um único, independente de seu sexo.
Aqui é onde começa a questão do conflito entre o determinismo do corpo e a liberdade de se assumir desapegado deste. Nesta parte de nosso pensamento, por um interesse filosófico, poderíamos muito bem tratar de ambos os sexos de forma equivalente, porém sem esquecer que na obra isso, de fato, não acontece.
Como vimos até aqui, existe em Fausto uma grande aversão por declarar-se independente definitivamente de seu sexo e assumir a ambivalência das essências ou o que, metaforicamente, representa o personagem do Homúnculo hermafrodita. Isso talvez se dê porque o assumir-se independente do sexo significa também declarar-se livre de qualquer moral geral, ou seja, responsável por qualquer que seja seu comportamento e suas escolhas, como diria Sartre.
De fato a grande temática de "Fausto", obra concluída em 1832, veio a ser uma visão de um problema que surgirá formalizado apenas em meados da década de 1940, ou seja, mais de cem anos depois.
Voltando ao início do texto, "Fausto" é uma obra que se escreve justamente durante um período de mudanças históricas profundas. Tratando-se da formação de indivíduo, poderíamos dizer que vive-se nesse momento uma transição entre o indivíduo moderno, aquele que acaba de descobrir a vontade e que no entanto ainda necessita de manuais de costumes para enxergar-se na sociedade; e o indivíduo contemporâneo, aquele que pouco a pouco passa a compreender a arbitrariedade daqueles manuais e a apreender a lidar com a responsabilidade de suas escolhas. Fausto, como representante do humano universal, está no limiar desses mundos. Goethe, também.
A razão de podermos dizer que Goethe se encontra no limiar, assim como seu personagem, e não já localizado inteiramente dentro do que virá a ser o indivíduo contemporâneo, é justamente a existência da primeira cena entre Deus (O Altíssimo) e Mefistófeles, na qual apostam quem terá de Fausto a alma após a morte. Ao estabelecer-se tal pacto justifica-se cada escolha que Fausto toma em vida como predeterminada por uma força maior dos céus, que o isenta de responsabilidade. A fala que torna claro esse determinismo vem do Altíssimo ao dizer a Mefistófeles:

"Pois bem, por tua conta o deixo!
Subtrai essa alma à sua inata fonte,
E leva-a, se a atraíres pra teu eixo,
Contigo abaixo a tua ponte.
Mas, vem, depois, confuso confessar
Que o homem de bem, na aspiração que, obscura, o anima,
Da trilha certa se acha sempre a par."
Sendo claro haver então um valor absolto estabelecido que rege o mundo segundo seu parâmetro (uma vez homem de bem, agirá sempre como tal) e portanto um determinismo profundo em cada escolha de Fausto. O que faz da obra um rascunho do indivíduo contemporâneo é o fato de Fausto não ser consciente desse determinismo e portanto sofrer a angustia de cada uma de suas escolhas.
Não sabendo do grande plano que há para ele, Fausto vive sua história desde uma outra perspectiva. Tudo o que sabe durante a obra é sobre o pacto que ele mesmo fez com Mefistófeles, no qual promete entregar sua alma a este assim que ele conseguir atingir a máxima satisfação e já não tenha mais aspirações por nenhum tipo de conhecimento ou experiência; e, de uma forma menos clara, sua busca pelo eterno-feminino. É entre esses polos que sua jornada existencial se dará.
Quando firma o pacto com Mefistófeles, Fausto se diz tranquilo quanto à perspectiva de ir ao inferno, considera este como outro mundo qualquer ao qual estaria disposto a ir uma vez nada de mais excitante trouxesse o que habita, e afirma ainda que julga improvável que venha a qualquer momento sentir-se satisfeito com o mundo que já tem, dada sua infinita curiosidade. Contudo, à medida que avança a história e Fausto se aproxima cada vez mais da possibilidade da completude que teria ao alcançar o eterno-feminino, o que seria a máxima satisfação que o levaria para as terras de Mefisto, Fausto se retém. Uma possível causa para essa retenção tal vez seja justamente o fato de que, ao alcançar tal completude e negar o determinismo de seu sexo, ou seja, deixar de ter uma desculpa externa para seus atos, Fausto se veria com a responsabilidade de todos os atos que perpetuou em presença de Mefistófeles e que tanto lhe amarguraram, embora colocasse a culpa em Mefistófeles; como podemos ver a seguir, de quando Fausto descobre os sofrimentos que causou à Margarida:
"Na desventura, em desespero! Miseravelmente errante sobre a terra e finalmente prisioneira! Encerrada como criminosa, entregue a sofrimentos cruéis, a meiga, infausta criatura! Até este ponto! Até este ponto! _ E mo ocultastes tu, traiçoeiro, infame Gênio_ Pois sim, queda-te ali! Resolve em fúria os olhos demoníacos dentro da fronte! Provoca-me com teu aspecto odioso! Encarcerada! Em infortúnio irremediável! Entregue a gênios maus e à humanidade justiceira e impiedosa! _ E a mim, no entanto, embalas com insultas diversões, dela me ocultas o crescente desespero e a entregas, indefesa, à perdição!"
Eis então o grande dilema existencial que vive Fausto durante a obra e que não consegue resolver até o último instante de vida, que será como veremos um tanto quanto paradoxal.
Na sua última cena Fausto já é bastante velho, como relata Goethe, e a morte que lhe recairá não será por haver atingido seu objetivo e sim por conta da idade avançada. Pouco antes de morrer Fausto está em profundo desespero posto que caiu nas artimanhas de Mefistófeles e acabou por matar, sem querê-lo, à Baucis e Filemon, os únicos personagens a habitar ainda as terras que haviam sido concedidas a ele pelo Imperador, simplesmente porque atrapalhavam sua vista. Amargurado pelo mal que fez, confundido por Mefistófeles, em seus últimos segundos de vida se redime e nega tudo aquilo que vivenciou com Mefistófeles pelo bem dos homens e do esforço humano, retornando assim para uma espécie de busca, quase ínfima, pelo eterno-feminino.
Já morto, Mefistófeles crê ter conseguido sua alma e chama os Lêmures para cavar sua cova e enterrá-lo. No entanto, enquanto isso fazem, chega uma Legião Celeste à reclamar por Fausto. Acontece uma guerra entre os demônios e os anjos e, em fim, Fausto sobe aos céus onde é recebido pelos anjos, os três Paters e, no nível mais celestial, a Mater Gloriosa e a Penitente (outrora chamada Margarida) que servirão como seu guia.
O que torna esse final um tanto quanto ambíguo ou mesmo paradoxal é o colapso entre dois mundos que até então não haviam se tocado: O mundo dual no qual se realiza a aposta entre O Altíssimo e Mefistófeles; e o mundo de potencial liberdade existencial, no qual pactuam Mefistófeles e Fausto.
Uma das chaves para o paradoxo pode ser a figura do Mefisto, que terá duas missões a serem cumpridas na obra e que, em determinado momento, poderiam vir a aniquilar-se. Uma das missões é a estabelecida com o Altíssimo, com o qual aposta poder fazer com que Fausto deixe de servir aos céus, ou seja, mantê-lo o mais distante possível do eterno-feminino que ali jaz. A outra missão é a estabelecida com Fausto, ao qual promete satisfazer todos os desejos, que acabarão todos por ir justamente em direção ao eterno-feminino. Encontra-se pois Mefistófeles em uma situação aniquiladora que conseguiu sobreviver apenas por conta da perspectiva de Fausto, da qual tratamos anteriormente, que, por medo de enfrentar sua responsabilidade existencial, acaba por nunca atingir sua máxima completude, que seria também máxima satisfação.
É essa máxima completude nunca alcançada em vida que torna ambíguo o final. Indo ao céu, isento já de um corpo, e sendo abraçado pela máxima figura do eterno feminino que seria a Mater Gloriosa e o que seria Margarida após a morte, Fausto supostamente deveria atingir sua completude. No entanto, sendo tal real, essa completude se deveria a um ato determinístico e não a sua própria escolha, o que faria de sua permanência ali algo paradoxal.
A provável saída para tal paradoxo seria o paradoxo ainda maior que ocorreria mesmo se Fausto de fato houvesse alcançado a completude quando vivo. Então haveria um conflito entre as apostas entre Deus e Mefisto, e Mefisto e Fausto. Sendo que, ao atingir a completude em vida, Fausto estaria perdendo a aposta para Mefistófeles, que, no entanto, perderia para Deus. Havendo pois Fausto de estar tanto no céu como no inferno, cuja única saída seria traçar a linha perpendicular entre ambos e viver, portanto, na responsabilidade pelos trajetos tomados entre ambos os mundos.
Como essa última possibilidade não é a que ocorre, verificamos como de fato o que se escreve em "Fausto" é um mero vislumbre do que viria a ser o homem contemporâneo, posto que necessitada uma resolução, optou antes por conviver com o paradoxo de uma liberdade determinística, do que por assumir tal liberdade por completo.

BIBLIOGRAFIA
GOETHE, Wolfgang. Fausto vl1 e vl2. São Paulo: Martins, 1970
CENTENO, Yvette. A Alquimia e o Fausto de Goethe. Lisboa: Arcádia, 1983
SHARPE, Lesley. The Cambridge Companion to Goethe. Cambridge: Cambridge University Press, 2002
ROSENFELD, Anatol. História da Literatura e do Teatro Alemães. São Paulo: Perspectiva, 1993
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Lisboa: Editorial Presença






















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