Experiências libertárias: diferentes movimentos sociais na (re)criação curricular

June 4, 2017 | Autor: C. Riadigos Mosquera | Categoria: Social Movements, Education, Anarchism, Libertarianism, Curriculum, Pedagogia Libertaria
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VII COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES  Políticas de Currículo e Formação: desafios contemporâneos

EXPERIÊNCIAS LIBERTÁRIAS: DIFERENTES MOVIMENTOS  SOCIAIS NA (RE)CRIAÇÃO CURRICULAR   

  MOSQUERA, Carlos Riádigos2  ESTEVES, Suzana Martins3    RESUMO  A educação e todo aquilo que a compõe como sistema para formar a seres humanos é  em si mesma uma malha ideológica e social que ao mesmo tempo esta inserida dentro  de  diferentes  sociedades,  as  quais  interagem  com  ela  em  maior  ou  menor  medida.  Para compreender estes processos de interação precisamos entender as dinâmicas de  pensamento  e  ação  tanto  das  próprias  escolas  como  de  seu  meio,  o  que  supõe  aprofundar  a  nível  epistemológico  e  social  para  encontrar  elementos  constituintes  e  provocadores  de  práticas  e  ações.  Partindo  disto,  se  pretende  em  este  trabalho  entender  como  distintas  experiências  libertárias  existiram  e  existem  em  diferentes  movimentos sociais, e como estas podem influenciar o processo de criação curricular,  entendendo–as como inseridas numa rede de  saberesfazerespoderes que movimenta  o  cotidiano  escolar.  Sendo  assim,  faz­se  necessário  encontrar  e  articular  práticas  cotidianas, talvez influenciadas pelas experiências libertárias, pensando também como diferentes movimentos sociais contemporâneos interagem com estas.    Palavras­chave:  Currículo.  Cotidiano.  Educação  Libertária.  Democracia.  Movimentos  Sociais.      ABSTRACT    Education and all that which makes up as a system to form human beings is in itself an  ideological  and  social  network  and  at  the  same  time  is  inserted  within  different  societies,  which  interact  with  it  to  a  greater  or  lesser  extent.  To  understand  these  processes of interaction we need to understand the dynamics of thought and action of  both  the  schools  themselves  as  their  midst,  which  means  deepening  the  epistemological  and  social  level  to  find  constituents  and  provocative  practices  and  action  elements.  From  this,  it  is  intended  in  this  work  to  understand  how  distinct  libertarian experiences existed and exist in different social movements, and how these  2

  (Pós­doutorando  do  Programa  de  Pós­Graduação  em  Educação/Faculdade  de  Educação,  UFV  –  Universidade  Federal  de  Viçosa,  Grupo  de  Estudos:  Cotidianos  em  Devir,  coordenado  pelo  professor  Doutor Eduardo Simonini Lopes, MG, Brasil, email: [email protected]

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 (Mestra pelo Programa de Pós­Graduação em Educação/Faculdade de Formação de Professores, UERJ  –  Universidade  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro,  Grupo  de  Estudos:  Redes  de  conhecimentos  e  práticas  emancipatórias no cotidiano escolar, coordenado pela Professora Doutora Inês Barbosa de Oliveira., Rio  de Janeiro/RJ, Brasil, e­mail: [email protected])   674  ISSN 18089097  GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

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can  influence  the  process  of  curriculum  creation,  understanding  them  as  a  knowledges­doings entangled network that moves the school routine. Therefore, it is  necessary  to  find  and  articulate  everyday  practices,  perhaps  influenced  by  the  libertarian  experiments  also  thinking  how  different  contemporary  social  movements  interact with them.    Key  words:  Curriculum.  Daily  life.  Libertarian  education.  Democracy.  Social  movements.      Pensamento­ação libertário: movimentos sociais contemporâneos e educação     

O  relato  pós­colonial  (Dussel,  2008;  Santos,  2007)  veio  a  marcar 

significativamente  as  identidades  nos  movimentos  dos  anos  60,  que  sacudiram  a  algumas  sociedades  ante  diferentes  injustiças  globais  deixando  o  discurso  nacional  e  de utilidade (Rawls, 2002) em um segundo plano. Nos Estados Unidos, os movimentos  hippie e pacifista fizeram questão de relacionar as intervenções militares com a busca  de lucro por parte da indústria armamentística, com a guerra de Vietnã como exemplo  paradigmático.  Esta  atividade  serviu  como  ponto  de  referência  para  o  movimento  estudantil europeu de 68, que junto aos incipientes sucessos feministas, antirracistas e  indígenas podiam presagiar grandes e iminentes mudanças.   

Os  movimentos  sociais  contemporâneos  bebem  de  correntes  culturalistas  e 

pós­coloniais e nutrem­nas ao mesmo tempo. A isto lhe acompanha uma perspectiva  neomarxista  e  fenomenológica  em  frente  a  análises  mais  estruturais  e  marxistas  de  décadas  anteriores,  pelo que  as  subjetividades  coletivas,  as  redes  de  pertence,  a  relação entre o local/global ou as redes sociais digitais jogam um papel de crescente  relevância  (Gohn,  2012).  São  portanto  novas  formas  de  organização  do  protesto  e  a  ação  coletiva,  com  elementos  definitórios  como  (Gohn  &  Bringel,  2012,  p.  9):  a)  aparecimento  de  um  ativismo  internacional  e  multinacional  multiescalar  com  novas  temáticas,  relações  e  instrumentos  de  ação;  b)  uma  renovação  dos  atores  sociais,  desde posições de esquerda e opostos a regimes militares, para o ativismo indígena e  rural ou em defesa da diversidade cultural e sexual; c) o paradoxo democrático de que  os povos exigem a cada vez mais democracia e ao mesmo tempo que a representação  675  ISSN 18089097  GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

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institucional  é  a  cada  vez  mais  questionada;  d)  as  grandes  mudanças  no  palco  internacional  e  no  regional;  e)  a  crítica  ao  eurocentrismo  e  ao  "ocidocentrismo",  abandonando  discursos  como  primeiro e  terceiro  mundo  ou  centro  e  periferia,  para  outros como norte­sul, local­global, ou inclusive o "glocal".   

A  influência  exercida  pela  corrente  libertária  nestes  movimentos 

contemporâneos é importante e não pode ser deixada de lado à hora de aprofundar  sobre as raízes do pensamento dos mesmos. E é que estes desejos libertários não têm  data  de  início,  vêm  acompanhando  ao  ser  humano  desde  sempre.  Assim,  o antiautoritarismo pode ser visto no pensamento socrático, a filosofia estoica, a cultura  do taoísmo e inclusive no budismo.     As  mesmas  tensões  éticas  e  culturais  podem  ser  encontradas  na  revolução  de  Espartaco;  nas  lutas  medievais;  na  organização  comunal  italiana;  nos  elementos  mais  radicais  da  revolta  dos  camponeses  em  Alemanha  no  século  16;  nas  revoluções americana e francesa no final do 18; nos amplos setores do iluminismo;  na  dimensão  mais  acentuada  e  radical  da  unificação  italiana;  Na  organização  das  comunidades  camponesas  na  Rússia  zarista;  E  todas  as  revoluções  e  formas  de  rebelião  individual  e  coletiva  que  reivindicam  uma  maior  autonomia  e  uma  liberdade mais ampla. (Codello, 2007, p. 16)  

 

Estas novas formas de pensamento e organização social emergentes situam o 

debate  não  só  nos  aspectos  econômicos,  senão  também  nos  relacionados  com  a  própria  forma  de  viver  e  nos  organizar,  possibilitando  que  sejam  focados  desde  diversos  campos  de  conhecimento.  Desde  sua  heterogeneidade,  se  vislumbra  um verdadeiro  ressurgimento  de  qualidades  como  a  compaixão,  a  solidariedade e  uma  ética perigosamente igualitária (Davis, 2012), brindando caminhos muito interessantes  para pensar a nível educativo desde uma perspectiva democrática baseada na justiça  social (Riádigos Mosquera, 2015).   

As contribuições à justiça social de muitos desses movimentos contemporâneos 

são  importantes  para  ampliar  as  concepções  que  sobre  esses  dois  conceitos  se  manejam  tanto  a  nível  social  como  acadêmico.  Compartilham  uma  clara  tendência  para a equidade, entendendo que  “a justiça social pode e deve ser equitativa, o que implica  que  possa  ser  parcial,  dado  que  obriga  a  prestar  mais  atenção  e  ajuda  às  pessoas e coletivos sociais mais desfavorecidos” (Riádigos Mosquera, 2015, p. 11). Esta forma de entender a justiça social vê na democracia não só um sistema de organização  676  ISSN 18089097  GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

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social baseado em leis e instituições, senão também um conjunto de ideias e intenções  relacionadas  com  a  solidariedade,  a  cooperação,  a  paz,  a  interculturalidade,  a  ecologia… e em definitiva valores que suponham  um  benefício  social  que  caminhe  principalmente  em  duas  direções:  1.  Centrar  nas  maiorias  sociais,  as  mesmas  que  se  têm  que  conformar  com  o  60%  dos  recursos  mundiais  já  que  o  1%  controla  o  40%  restante  (Stiglitz,  2011);  2.  Superar  a  ideia  de  benefício  unicamente  sujeita  aos  bens  materiais, ampliando a mesma para dimensões como a felicidade e o bem­estar geral,  a  bondade,  o  altruísmo  (Kourilsky,  2012),  etc.  Estes  movimentos  propuseram  importantes  contribuições  nesta  direção,  fazendo  que  sua  horizontalidade  e  heterogeneidade  constituintes  sejam  também  propostas  políticas  a  discutir  para  implementar no resto da sociedade, baseando nessas ideias.   

Uma base comum destas mobilizações em diferentes continentes é o desejo de 

que  o  núcleo  das  decisões  e  debate  sociopolíticos  se  centrem  em  todos  os  seres  humanos  e  situem  o  benefício  econômico­financeiro  ao  serviço  das  populações  e  de  forma  sustentável  com  o  planeta.  Seu  permanente  processo  de  reinvenção  e  sua  heterogeneidade  intra e  intergrupal,  conformam  outros  dois  rasgos  definitórios;  esta  diversidade, apesar de marcar diferenças locais e/ou culturais entre pessoas e grupos,  pode ser entendida como uma fortaleza democrática que não perde de vista essa base  comum contra o domínio hegemônico financeiro.   

Recolhem  ademais  alguns  aspectos  dos  movimentos  antiglobalização, 

protagonistas  a  partir  de  momentos  como  o  levantamento  zapatista  de  1994,  as  manifestações de Seattle em 1999 contra a OMC e em 2000 contra o FMI, e de Génova  em  2001  contra  a  reunião  do  G8,  experiências  que  marcaram  uma  nova  forma  de  protestar,  mais  diversa  e  global,  com  identidades  translocais  e  em  movimento,  escapando  da  exclusividade  do  contexto  nacional  (Carballo  da  Riva  &  Echart  Muñoz,  2012).   

Compartilham  uma  série  de  reivindicações  de  mudança  ante  situações  que 

consideram  incompatíveis  com  a  democracia  baseada  na  equidade.  Apesar  de  suas  diferenças, têm em comum, em todos os casos, a preocupação pelo caminho que suas  sociedades estão tomando baixo a influência neoliberal. Suas demandas expressam­se 

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habitualmente em plataformas tanto do espaço público real como virtual, através de  assembleias, ocupações, manifestações, conferências, grupos de trabalho, foros, sites,  wikis, blogs, redes sociais, etc., e que se encontram na maioria dos casos a disposição  de  qualquer  pessoa  para  sua  consulta  através  de  internet,  por  exemplo.  Para  estruturar  estas  demandas,  e  por  ser  dos  movimentos  de  maior  complexidade  logística, tomaram­se como referência Democracia Real Ya (DRY) e o 15M (movimento  dos “Indignados”)  em  Espanha,  Occupy  Wall  Street  e  Anonymous:  1.  Direitos  e  liberdades: básicos, individuais e grupais fundamentados na equidade; 2. Participação  democrática:  direta  e  contínua,  apartidista, horizontal  e  assembleária;  3.  Economia  e  fiscalidade:  equitativa,  com  controle  estatal  e  cidadão,  e  com  empoderamento  dos  governos face ao capital; 4. Mudanças legislativas: leis eleitorais equitativas, separação  de poderes real, abolição de leis contrárias aos Direitos Humanos, e aplicação de leis  para  a  proteção  social;  5.  Dignificação  da  política:  perseguição  da  corrupção,  eliminação  de  mordomias,  democratização  dos  partidos  políticos,  obrigação  de  programas políticos vinculantes; 6. Serviços sociais públicos: universais e de qualidade,  com  serviços  de  proteção  social  efetivos;  7.  Mundo  trabalhista:  medidas  contra  o  desemprego,  partilha  do  trabalho,  condições  trabalhistas  e  salário  mínimo  dignos;  8.  Cultura  de  paz:  inclusão  como  pauta,  empoderamento  das  minorias,  os  saberes  tradicionais,  cumprimento  das  leis  de  memória  histórica  e  luta  contra  todo  tipo  de  violência,  exploração  e  discriminação;  9.  Meios  de  comunicação:  democratização  em  sua posse e fortalecimento dos meios públicos, com liberdade, ética e veracidade de  jornalismo  independente;  10.  Ciência,  tecnologia  e  propriedade  intelectual:  cultura  e  ciência  públicas,  abertas,  livres  e  independentes,  apoiadas  em  plataformas  como  Copyleft  e  software  livre;  11.  Consciência  planetária:  democratização  e uso  ecológico  dos  recursos  naturais,  justiça  climática  energética,  reforma  agrária  e  garantia  de  soberania alimentar; 12. Desmilitarização: contra as guerras e o colonialismo, redução  da despesa militar, fechamento das fábricas militares.   

Estas reivindicações conjuntas estão relacionadas em maior ou menor medida 

com uma série de elementos constituintes da corrente libertária. Assim, as diferentes  propostas  dentro  da  cada  movimento  foram  se  construindo  colaborativamente 

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durante  meses  através  da  rede  e  de  forma  autônoma  e  autogestionada,  algo  que  começou a aparecer e crescer especialmente em Maio do 68. “No núcleo da proposta da autogestão acha­se a ideia, muito cara a nossos avôs libertários, de que o mundo  pode funcionar sem padrões mas não pode o fazer sem trabalhadores… A autogestão promove  a  organização  de  todos  e  não  uma  organização  acima  de  todos".  (Taibo,  2013, p. 84). Assim mesmo, se mostram apartidários mas sim políticos, apostando pela  democracia  direta  e  recusando  como  únicas  a  delegação  e  a  representação,  procurando  ao  mesmo  tempo  crescentes  cotas  de  descentralização  e  redução  do  tamanho  das  comunidades  políticas  para  seu  adequado  funcionamento  democrático  mediante  o  ciudadanismo  e  a  soberania  popular.  Defende­se  também  a  necessidade  de aprofundar nos valores democráticos, criticando por isso o uso que destes fazem as  democracias  liberais  nas  que  o  poder  econômico  está  sobre  o  político  e  a  vontade  popular. Certos posicionamentos anticapitalistas também são comuns, na luta contra a  exclusão  e  a  exploração,  a  desigualdade  e  a  marginalização,  e  a  ordem  única  da  propriedade  privada,  imaginando  um  novo  tipo  de  sociedade   (Errejón,  2011)  desmercantilizada. O caráter pacifista e antimilitarista, contrário não só aos exércitos,  senão fundamentalmente à violência estatal e estrutural, como a do empresário sobre  o(a)  trabalhador(a),  a  do  homem  sobre  a  mulher,  a  da  polícia  contra  as  pessoas  imigrantes  etc.  São  também  internacionalistas  e  localistas,  pelo  que  acham  que  é  necessário  atuar  localmente  pensando  globalmente.  Ademais,  utilizam  o  conceito  de  rede  para  a  construção  espacial  e  intelectual,  pelo  que  a  interconexão  múltipla  assembleária e a horizontalidade são elementos constituintes, recusando o tradicional  papel  das  lideranças  como  única  fórmula  de  articulação  coletiva.  Também,  o  forte  caráter ecologista marca a cercania para correntes como a animalista e a vegana.   

Para que os diferentes contextos educativos possam colaborar e se beneficiar 

dos  avanços  sociais  e  em  matéria  de  direitos  e  liberdades,  é  necessário  apostar  por  formação  humana,  ética,  solidária,  atual,  de  qualidade,  e  sobretudo  crítica,  e  que  recolha as necessidades dos discentes, de modo que tenha acordos por aceitação das  condições e não por coerção. Este último ponto é necessário para evitar a desconexão  dos discentes do que sucede dentro das escolas e as salas, para o qual precisam gozar 

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de  autonomia  e  cotas  de  participação  efetiva  dentro  dos  diferentes  conselhos  e  assembleias  escolares,  para  legitimar  assim  acordos  habitualmente  debilitados  pela  ausência de equidade participativa entre os diferentes coletivos. Para lutar contra isto  se  utilizam  ferramentas  como  a  coeducação,  a  transmissão  universal  dos  saberes,  a  instrução  integral,  a  relação  igualitária  entre  docente  e  discente,  a  confiança  na  investigação científica... que são aspectos habituais na pedagogia libertária e que estão  agora  presentes  em  muitas  teorias  pedagógicas,  apesar  de  não  se  reconhecer  essa  influência libertária.   

Apostando  por  esse  tipo  de  educação,  esta  poderia  obter  suas  raízes 

epistemológicas  de  fontes  diversas,  de  forma  que  se  exercite  uma  filosofia  inclusiva  dos  saberes,  e  que  tenha  seus  princípios  fundamentados  em  modelos  fortemente  baseados  na  solidariedade  e  a  benevolência,  para  o  qual  é  necessário  voltar  a  enfrentar  as  questões  morais  com  valentia  à  hora  de  fazer  frente  às  lógicas  utilitaristas.  Neste  sentido,  Santos  (2007)  sustenta  que  a  enorme  diversidade  do  mundo não é atendida por sua diversidade epistemológica, que está por ser construída  através do que denomina Ecologia de Saberes. É fundamental nela o reconhecimento  da  pluralidade  de  conhecimentos  heterogêneos  para  construir  uma  nova  forma  de  perceber  o  mundo,  através  por  exemplo,  do  estudo  das  injustiças  e  a  história  da  dominação,  bem  como  de  possíveis  caminhos  de  entendimento  e  colaboração  para  sua  solução.  Uma  educação  comprometida  com  outra  forma de  lembrar,  de  pactuar  entre seres humanos para conviver, tem que ter estes elementos muito em conta. O  respeito e valorização de diferentes formas de ser, conhecer e aprender é fundamental  para  uma  paz  social  verdadeira  e  não  imposta,  uma  paz  baseada  na  justiça  epistemológica.   

A  melhora  e  potencialização  da  educação  é  um  dos  elementos  fundamentais 

das  reclamações  globais,  o  que  inclui  uma  elaboração  e  negociação  curricular  para lutar por um mundo com democracias que se articulem na justiça social. Apesar de que  na listagem conjunta das demandas todas as categorias podem estar relacionadas de  uma  ou  outra  forma  com  a  educação,  por  ser  esta  o  meio  social  básico  para  a  aculturação,  há  alguns  pontos  que  estão  especialmente  unidos  com  ela  e  que  se 

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apoiam  pontualmente  em  trabalhos  teóricos  prévios  (Apple  &  Beane,  2005;  Connell,  1997;  Dubet,  2005;  Nussbaum,  2006;  Rawls,  2002;  Riádigos  Mosquera,  2015;  Rudduck  &  Flutter,  2007;  Santos,  2007;  Sen,  2010;  Simons,  1999;  Torres  Santomé,  2011; Young, 2011). Serão esses pontos os que se desenvolverão a seguir: 1. Direitos e  liberdades:  educação  pública  de  qualidade,  dotação  de  recursos  equitativa,  garantia  das  liberdades  básicas  dos  diferentes  membros  nas  comunidades  educativas;  2. Participação  democrática:  direta,  real  e  comprometida,  legislação  e  interações  pessoais  horizontais,  colaboração  da  sociedade  na  escola,  inclusão  de  todo  tipo  de  vozes  e  coletivos;  3.  Mudanças  legislativas:  recentralização  em  direitos  e  descentralização  na  prática  educativa,  favorecimento  da  autonomia  e  autogestão,  avaliação  democrática;  4.  Dignificação  da  educação:  eliminação  de  mordomias  por  cargo, democratização da vida escolar e o curriculum, docentes com alta formação e  permanente,  minimização  burocrática,  melhora  de  canais  e  vias  para  a  comunicação,  corresponsabilidade  comunitária;  5.  Serviços  sociais  públicos:  ensino  primário,  secundário  e  universitário  universais,  de  qualidade  e  públicos,  reforço  do  espaço  público,  sistema  de  bolsas  e  ajudas;  6.  Cultura  de  paz:  convivência,  entendimento,  diálogo,  negociação,  tolerância  e  interculturalidade  como  vias  para  a  paz,  empoderamento  de  pessoas  e  coletivos  minoritários,  educação  anticlassista,  antirracista  e  antipatriarcal,  diversidade  e  inclusividade  curricular  e  cotidiana;  7.  Ciência,  tecnologia  e  propriedade  intelectual:  aposta  por  habilidades  como  a  análise  crítica  do  discurso  e  a  aprendizagem  em  rede,  promoção  do  conhecimento  e  ciência  públicos,  abertos,  e  independentes;  8.  Consciência  planetária:  valores  ecológicos,  alfabetização  cívica  em  defesa da  justiça  energética,  a  sustentabilidade  e  cuidado do  planeta, democratização e uso ecológico dos recursos naturais e a soberania alimentar.    Repensar o currículo: práticas libertárias     

No  final  do  século  XIX  e  início  do  século  XX  no  âmbito  educacional,  os 

movimentos  libertários  chamavam  a  atenção,  para  a  mentira  que  era  uma  escola  governamental  que  dizia  pretender  formar  indivíduos  livres,  pois,  para  as  elites  não 

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seria  necessário  formar  indivíduos  com  vontades  próprias,  questionadores,  que  construam  seus  próprios  pensamentos  e  definam  seus  caminhos  como  queiram.  A  educação tinha que mudar já que era muito classista e governada para os interesses do  Estado (Codello, 2007). Ferrer y Guardia (Sáfon, 2003) não acreditava que a escola do  governo  fosse  criar  um  modelo  pedagógico  que  revolucionasse  o  sistema  social  e  melhorasse  as  condições  de  vida  dos(as)  trabalhadores(as).  Esta  escola  iria,  sim,  ensinar as pessoas pobres a aceitar a estrutura social vigente, e ensinar que só se pode  conseguir  melhorias  com  o  esforço  próprio  e  dentro  da  classe  social  à  que  elas  pertencem.  Esses  indivíduos  seriam  assim,  considerados  uma  ameaça  ao  sistema  dominante  vigente,  que  só  formaria  aos  discentes  de  acordo  com  seus  planos  de  manutenção da ordem social.   

As  ideias  libertárias  continuam  vivas,  e  não  se  pode  conhecer  a  configuração 

atual  da  educação  sem  reconhecer  as  influências  provenientes  das  propostas  libertárias. Questões como a participação escolar, a educação não formal, a autonomia  dos  centros  educativos,  a  educação  popular  não  podem  ser  compreendidas  em  toda  sua profundidade se não se vislumbram as abordagens feitas pelas teorias libertárias  da educação.   

A primeira reflexão que fez Ferrer y Guardia (Sáfon, 2003) sobre a educação é 

que  esta  é  um  problema  político.  Os  modelos  pedagógicos  daquele  momento  (educação estatal laica ao estilo francês ou ensino religioso) não lhe satisfaziam porque  no  seu  pensamento  obedeciam  aos  interesses  do  Estado  e  do  clero.  A  preocupação  dos  governos  em  estender  a  educação  às  camadas  populares  se  devia  sobretudo  à  necessidade de mão de obra qualificada para que as empresas pudessem melhorar a  produção.  Assim,  a  escola  estatal  seria  percebida  como  um  meio  de  dominação  burguesa para controlar a mentalidade da classe operária, e a escola confessional (ou  catequese) um modo de seguir com a religião para evitar a libertação do povo.   

Assim,  os(as)  libertários(as)  consideravam  a  ação  educacional  imprescindível 

para  a  transformação  das  relações  sociais  e  econômicas.  As  práticas  pedagógicas  libertárias pretendiam que os discentes fossem capazes de tomar decisões e que assim  se responsabilizassem por seus atos. Não há democracia, liberdade e equidade, se não 

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contarmos com pessoas conscientes, capazes de pensar e decidir por si mesmas. Nesta  concepção,  faz  parte  do  processo  educativo  a  liberdade,  para  que  os(as)  alunos(as)  possam  demonstrar  livremente  o  que  pensam  e  serem  reconhecidos  em  sua  individualidade.  O  ensino  tradicional  burguês  interessa  àqueles(as)  que  desejam  reforçar na escola as desigualdades sociais e econômicas, sendo assim um espelho da  sociedade.  O(a)  aluno(a)  é  recompensado(a)  pela  obediência  e  estimulado(a)  a  não  pensar.   

Francisco Ferrer y Guardia (Sáfon, 2003) deixou claro em suas afirmações que a 

promoção  da  autonomia  do(a)  aluno(a)  é  fundamental  para  o  desenvolvimento  de  todas as suas potencialidades, assim como a liberdade e a felicidade do ser humano.  No  pensamento  libertário  de  Godwin  (Codello,  2007),  a  política  e  a  educação  são  fundamentais  para  entender  ao  ser  humano  e  sua  história  de  dominação.  Para  este,  todos(as) somos iguais por natureza. Porém, o domínio de um ser humano sobre outro  só poderia ser entendido por meio do autoritarismo. No âmbito da educação defendia  que  nada  poderia  ser  imposto  à  força,  os  discentes  deveriam  se  guiar  por  sua  curiosidade e não por uma imposição. Em sua principal obra, afirmava que a felicidade  é  o  principal  objetivo  das  pessoas,  a  qual  não  se  conseguiria  sem  liberdade,  razão  e  justiça.  E  para  sermos  seres  mais  justos  em  nossas  ações  cotidianas  necessitamos  melhorar nossa razão, que depende fundamentalmente do conhecimento. Portanto, o  verdadeiro  objetivo  da  educação  é  provocar  a  felicidade  individual,  e  em  seguida  a  coletiva. Promover condições para que as pessoas se sintam úteis, sendo assim que a  educação se basearia em três pilares: felicidade, virtude e sabedoria.   

Portanto,  a  pedagogia  racional  libertária  possibilitaria  o  pensar  livre  do  ser 

humano, sem interferências doutrinárias e ideais preconcebidos, fazendo da escola um  lugar  em  que  não  se  reproduz  a  lógica  da  exclusão.  E  esse  é  o  objetivo  da  educação  libertária: emancipar o indivíduo, para que este seja capaz de transformar a sociedade.  Nessa perspectiva, Paul Robin (apud GALLO, 1997) afirma que a educação integral,    [...] se esforça por facilitar a eclosão e o desenvolvimento de todas as faculdades da  criança,  para  permitir­lhe  o  conhecimento  de  todos  os  ramos  do  conhecimento  humano e de sua atividade, de modo que ele não faça outras aquisições que não  sejam aquelas baseadas na verdade científica. No entanto, depois de haver dado a  todos esta base indispensável de realidade objetiva, deixa a cada um o cuidado de  683  ISSN 18089097  GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

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continuar seu desenvolvimento, de levá­lo a fundo, segundo os acontecimentos, as  necessidades e das capacidades especiais somente nos ramos dos quais dependa a  satisfação de suas necessidades físicas e psíquicas (ROBIN, s/d apud GALLO, 1997,  s/p.)   

 

A  experiência  escolar  em  que  a  autonomia  é  vivida  intencionalmente, 

possibilita o surgimento de um novo tipo de  indivíduo, que rompe com as estruturas  hierarquizadas  e  que  possui  capacidade  para  fazer  germinar  um  novo  tipo  de  sociedade;  por  isso  a  importância  do  coletivo.  Para  Proudhon  (Codello,  2007),  a  educação tem papel fundamental e precisaria de mudanças significativas, já que esta  era  classista  e  governada  de  acordo  com  os  interesses  do  Estado,  logo  das  elites.  A  principal  função  da  escola  seria  assim  preparar  as  pessoas  para  o  trabalho,  desde  o  crescimento pessoal e da felicidade. Pois, o trabalho não seria alienado nas fábricas, e  si  uma  instrução  politécnica  o  trabalho  manual  como  fonte  de  formação.  Para  Proudhon,  igual  como  se  passa  na  ciência,  no  trabalho  tem  mais  valor  quem  experimenta  do  que  quem  o  pensa.  Não  existe  portanto,  conhecimento  sem  a  experiência.   

Como o conhecimento se tece em rede (Santos, 2001), partimos desta premissa 

para  entendermos  como  a  experiência  do  diretor  Orlando  Corrêa  Lopes  nos  movimentos sociais, da Escola Visconde de Mauá, se fez importante em seu processo  de (re)criação do currículo da escola que dirigiu. Segundo Kropotkin (Codello, 2007), a  anarquia  era  a  organização  da  solidariedade  e  o  Estado  era  o  reino  do  egoísmo.  Portanto,  a  divisão  hierárquica  do  trabalho  apoiada  na  divisão  do  trabalho  manual  e  intelectual  é  um  dos  principais  assuntos  das  desigualdades  sociais,  e  para  combater  esta desigualdade a formação integral era naquele momento a que mais contemplava.  Dentro  desta,  a  ciência  e  a  tecnologia  seriam  fundamentais  para  igualar  as  desigualdades verticais.   

O pensamento libertário considera a individualidade, aquilo que torna cada ser 

único,  como  um  aspecto  importante  da  humanidade,  reconhecendo  que  não  existe  individualidade  fora  da  sociedade,  pois  cada  pessoa  necessita  das  outras  para  se  desenvolver.  E,  portanto,  os  sujeitos  crescem  dentro  e  por  uma  sociedade  que,  ao  mesmo  tempo  que  forma  esses  sujeitos  é  por  eles  modificada.  E  para  tanto,  a  liberdade é essencial, pois estar sob o domínio do outro é ser privado de desenvolver a  684  ISSN 18089097  GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

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própria  individualidade.  Pois,  se  a  liberdade  é  essencial  para  o  desenvolvimento  da  individualidade, a equidade é essencial para que exista a verdadeira liberdade. Não há  liberdade real em uma sociedade hierárquica, com desigualdades sociais.   

No início do século XX, o Brasil estava em um processo de mudanças cruciais, e 

neste momento foi criada pelo Estado do Rio de Janeiro, a Escola Profissional Visconde  de  Mauá,  no  bairro  de  Marechal  Hermes.  Uma  escola  profissional  onde  apenas  se  admitia  alunos  do  sexo masculino,  e  que  em  determinado  momento,  foi  dirigida  por  um  militante  anarquista  da  época,  Orlando  Corrêa  Lopes.  Este,  ao  assumir  a  direção  desta  escola  participava,  concomitantemente,  de  assembleias  e  comícios  em  prol  de  melhores  condições  de  trabalho  dos  operários,  experiências  essas  que  na  concepção  de Proudhon (Codello, 2007) podem ser importantes ao diretor de uma escola técnica,  não esquecendo que assembleias eram o principal meio de participação para tomadas  de decisões do movimento libertário.   

Considerando  o  movimento  anarquista  como  espaço­tempo  de  formação, 

refletimos  sobre  a  perspectiva  reducionista  do  conceito  moderno  de  produção  de  conhecimento. A experiência social em todo mundo é muito mais ampla e variada do  que o que a tradição científica ou filosófica ocidental conhece e considera importante.  Assim,  para  combater  o  desperdício  da  experiência  social  não  basta  tentar  dar visibilidade  a  esses  diferentes  espaços  que  são  marginalizados,  mas  também  se  faz  necessário propor um diferente modelo de racionalidade, ou seja, novas maneiras de  conceber e conhecer o mundo (Santos, 2001).   

Sendo assim, pode exemplificar uma notícia do periódico Correio da Manhã do 

dia  8  de  outubro  de  1910,  com  textos  na  íntegra  para  poder  desinvisibilizar  indícios  (Ginzburg,  2001)  de  como  os  currículos  praticados  dessa  escola  estavam  enredados  pelos saberesfazeres de Orlando Corrêa Lopes, que também fazia parte de uma série  de movimentos libertários em prol de melhores condições de trabalho dos operários,  em congressos anarquistas defendendo a liberdade e solidariedade do ser humano.   

No periódico A RUA, de 24 maio de 1915, com o título de “Os anarchistas

querem a paz sem vencidos nem vencedores”. Congresso a realizar­se no  Rio  –  Uma  palestra com o Dr. Orlando Lopes. 

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Foi  quasi  de  surpreza  que  se  soube  estar  para  reunir–se  nesta  cidade  um 

congresso  de  anarchistas  sul–americanos,  cujos  intuitos  principaes  são  o  de  acabar  com  a  guerra  que  ensanguenta  a  Europa  e  a  organização  definitiva  desse  partido  de  ideias avançadas no nosso continente… Essa paz não deve ser entretanto,  uma  paz  firmada  pelos  governantes  à  revelia  do  povo,  mas  uma  paz,  sem  vencedores  e  nem  vencidos, imposta justamente pelo povo, de modo a não continuar o regime militarista  actual… (A RUA,1915, p. 1)   

No periódico GAZETA DE NOTÍCIAS (RJ), de 21 de julho de 1917, sob o título de 

“A cultura das terras do Distrito Federal: O ensino prático da agricultura”. O prefeito faz observações e visita a Escola Profissional Visconde de Mauá.   

...Parece,  a  primeira  vista,  que  o  Dr.  Amaro  Cavalcanti  foi  apenas  visitar  por 

curiosidade, a escola Visconde de Mauá...   

A SOPA 

 

A sopa é uma nova medida creada pela Escola Visconde de Mauá. Como parte 

dos alumnos não podem frequentar as aulas, pela manhã, por não possuírem dinheiro  para  acquisição  de  alimentação,  devido  ao  estado  de  pobreza  em  que  vivem  o  Dr.  Orlando  Lopes  adotou  essa  allegação  e  resolveu  fazer  uma  sopa,  com  elementos  colhidos da lavoura da escola, boa batata, bom aipim e boas verduras.   

A  cozinha  para  preparar  essa  alimentação  já  foi  construída  pelos  alumnos  da 

profissão de pedreiro e será inaugurada brevemente, com isso a frequência aumentará  consideravelmente. (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1917, p. 1)   

Esta  notícia  acima  conta  a  medida  que  foi  adotada:  fazer  uma  sopa  com  os 

próprios alimentos cultivados e produzidos pelos(as) alunos(as). Esta é uma tentativa  clara de trazer à escola esses que não podiam se manter por falta de dinheiro. Mesmo  com  as  disciplinas  fechadas  em  disciplinas  técnicas,  o  grupo,  diretor  e  discentes,  abriram uma brecha para a compreensão das experiências que nascem à margem do  que é colocado como “verdade” e norma, foram capazes de reinventar formas alternativas ao que é instituído. Os possíveis combinados ilegíveis e invisíveis à lógica  da  fragmentação  científica  dão  novos  sentidos  a  partir  de  outros  interesses,  não  menos conflitantes e provisórios, fazendo emergir novas formas de conhecer e intervir 

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no mundo. Como esse diretor que “contaminava” com suas experiências de luta nos sindicatos  em  prol  dos(as)  trabalhadores(as),  esses  discentes,  que  seriam  possíveis  trabalhadores(as)  e  militantes  em  busca  de  seus  direitos,  e  de  outros  sujeitos  em  outros 

espaços/tempos. 

Portanto, 

os 

mecanismos 

de 

consolidação 



institucionalização  das  disciplinas  escolares  eram  reformulados  em  virtude  de  objetivos  e  interesses  múltiplos  situados  no  campo  social.  Assim,  a  escola  articulava  seu  trabalho  em  prol  de  uma  formação  das  classes  dos(as)  trabalhadores(as),  contribuindo  na  construção  de  suas  identidades,  enquanto  sujeitos  inseridos  em  diferentes espaços estruturais na sociedade.   

Desinvisibilizando essa prática da “sopa”, como elemento do cotidiano que

evidencia  práticas  e  diálogos  entre  conhecimentos  para  além  das  normas  (Santos,  2001),  podemos  proporcionar  a  possibilidade  de  perceber  não  apenas  o  óbvio  das  monoculturas hegemônicas, mas também os seus outros. Nas práticas emancipatórias,  como  esta  da  sopa,  há  situações  exemplares  de  ruptura  com  as  monoculturas  que  caracterizam a sociedade contemporânea, apresentando evidências de pluralização de conhecimentos e culturas em relações menos hierárquicas e mais ecológicas, nas quais  o reconhecimento mútuo emerge (Santos, 2004).   

Essa  horizontalidade  almejada  pode  ser  encontrada,  embora  de  modo 

marginal,  na  pluralidade  de  conhecimentos,  valores  e  crenças  presentes  nas  ações  cotidianas,  na  perspectiva  de  que  a  ideia  de  pluralidade  pressupõe  os  princípios  de  autonomia,  liberdade,  solidariedade,  respeito  às  diferenças  e  principalmente,  o  reconhecimento  do  outro  como  legítimo  outro  (Maturana,  2002)  e  que  o  cotidiano  pesquisado  é  portador  de  múltiplos  sentidos,  múltiplas  riquezas,  sendo  impossível  encontrarmos nele apenas uma ‘verdade’. Na multiplicidade do real, fazem­se  presentes muitas ‘verdades’. Assim, a inclusão educativa exige entender que devemos avançar desde a multiculturalidade para chegar a interculturalidade, entendendo esta  última não como uma opção, mas sim como um feito, já que é a própria natureza das  culturas,  híbridas  e  amplamente  mescladas  (Bhabha,  2011)  durante  séculos,  e  agora vivem esse processo multiplicado nas sociedades globalizadas.  

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A forma de produzir um currículo democrático está associada ao modo como os 

sujeitos  praticantes  dessa  escola  vivem  suas  experiências  e  concebem  a  democracia.  As  maneiras  de  fazer  sempre  plurais,  e  coletivas,  inventam  práticas  capazes  de  produzir  conhecimento  próprio.  Compreendendo  a  escola  como  um  campo  social  plural,  do  qual  participam  diferentes  vozes  que  se  caracterizam  pela  interação  e  hibridização de ideias, modelos institucionais e práticas. Há que se considerar que esse  espaço coletivo produz diversidades e desigualdades. Porém esse conjunto de diretor,  contramestres,  professores(as)  e  discentes  que  se  unem  em  prol  da  construção da  escola  para  todos(as)  é  constituído  do  múltiplo,  diverso  e  heterogêneo,  e  se  caracteriza  pela  possibilidade  de  potencializar  a  diferença  dos  grupos  sociais.  O  currículo  praticado  na  diferença  requer  dos(as)  praticantes  o  desprendimento  de  si  pela impossibilidade de totalidade do “eu”, ou seja, há uma comunidade de vontades e perspectivas que se afetam e se colocam em transformação.      Conclusões     

A  atual  efervescência  de  movimentos  sociais  marcados  por  sua  crescente 

heterogeneidade  e  em  contestação  às  ameaças  ao  bem­estar  social,  vem  acompanhada pelas lógicas diferenças internas relacionadas com aspectos geográficos,  linguísticos ou culturais, mas destacando as suas muitas similitudes e possibilidades de  confluência,  que  podem  ser  reforçadas  à  hora  de  imaginar  uma  resposta  cívica  e  democrática à tentativa de enfraquecer o conseguido em matéria de redistribuição de  bens e oportunidades. Não só é possível o entendimento intercultural e baseado em  princípios libertários, senão também é desejável a nível estratégico pensando em uma  alternativa verdadeiramente democrática à que cresce sem parar na atualidade.   

Os  sistemas  educativos  e  todos  os  membros  que  os  compõem  têm  uma  boa 

oportunidade  para  jogar  um  papel  importante  para  ser  um  dos  mecanismos  de  contestação à ideologia e práticas neoliberais a partir da elaboração curricular. Podem  beber  de  seu  meio  e  dos  movimentos  sociais  para  fortalecer­se  internamente  e  devolver  à  sociedade  formação  cívica,  democrática  e  libertária,  em  um  processo  de  688  ISSN 18089097  GT 04: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E FORMAÇÃO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS 

 

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retroalimentação  que  deveria  ser  natural  em  uma  concepção  ecológica  dos  saberes.  Para  isto,  pode  estabelecer  pontes  e  vias  de  negociação  e  diálogo  com  seu  contexto  local e também global, empoderar­se através de um esforço conjunto e coordenado a  nível interno e também social, para poder ter peso e participação em um projeto de  construção social e internacional de democracias participativas e justiça social.   

A possibilidade de participação e decisão coletiva implica o diálogo na equidade 

e  na  conciliação  dos  pontos  de  vista.  Encontrar  o  outro,  trabalhar  juntos(as),  e  cooperar para a melhoria da escola são indícios de um currículo praticado pautado na  equidade e na democracia, que não está descrito no currículo formal.   

A prática da participação coletiva, indicada na notícia do jornal, é uma forma, 

mesmo  que  indireta,  de  luta  pela  democratização  dos  processos  escolares.  A  autonomia  e  a  participação  são  princípios  fundamentais  para  esse  objetivo.  As  dificuldades e lutas cotidianas em busca de relações mais equitativas vão imprimindo  seu  caráter  complexo  e  dinâmico,  ampliando  a  possibilidade  de  ações  em  microespaços  sociais  como  a  escola,  em  que  praticantes  da  vida  cotidiana,  com  seus  modos  particulares  de  compreender  e  realizar  o  que  lhes  parece  permanente,  produzem  outros  novos  conhecimentos  capazes,  mesmo  que  minimamente,  de  resolver seus problemas. Portanto, o currículo inclui práticas emancipatórias, à medida  que  em  seu  cotidiano,  o  professorado  pode  experimentar  e  transmitir  valores  potencializadores  de  dinâmicas  sociais  democráticas.  A  teoria  formulada  por  Boaventura  Santos  dialoga  satisfatoriamente  com  as  perspectivas  de  democracia  encontradas nos currículos praticados, transpassando o currículo instituído.      Referências    APPLE, M. & BEANE, J. A. Escuelas Democráticas. Madrid: Morata. 2005    BHABHA,  H.  O  bazar  global  e  o  clube  dos  cavalheiros  ingleses.  O  entrelugar  das  culturas. Rio de Janeiro: Editora Rocco. 2011.   

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VII COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES  Políticas de Currículo e Formação: desafios contemporâneos

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