Extremamente volátil: estilo e Stimmung no piloto de Breaking Bad

June 15, 2017 | Autor: João Araújo | Categoria: Breaking Bad, Ficção Seriada Televisiva, Atmosfera, Television Style
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Descrição do Produto

ANAIS DE TEXTOS COMPLETOS

Realizado de 7 a 10 de outubro de 2014 Na UNIFOR – Universidade de Fortaleza

ESTUDOS DE CINEMA E AUDIOVISUAL SOCINE – Anais de Textos Completos do XVIII Encontro SOCINE –

Capa A partir de arte gráfica de Bianca Benedicto

Projeto Gráfico e Diagramação Débora Rossetto

1a edição digital: abril de 2015 SÃO PAULO

© Socine - Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual

XVIII Estudos de Cinema e Audiovisual Socine – Anais de Textos completos – São Paulo: Socine, 2015. Organizadores: Afrânio Mendes Catani, Antonio Carlos Amancio da Silva, Alessandra Soares Brandão, Mauricio Reinaldo Gonçalves, Ana Leopoldina Macêdo Quezado, Nílbio Thé.

854 p.

ISBN: 978-85-63552-16-7

1.Cinema. 2. Cinema brasileiro. 3. Cinema latino-americano. 4. Documentário. 5. Teoria (Cinema). 7. Produção (Cinema). 8. Audiovisual. I Título.

CDD: 302.2

SOCINE Diretoria Afrânio Mendes Catani - Presidente Antonio Carlos Amancio da Silva - Vice-Presidente Alessandra Soares Brandão - Secretária Acadêmica Mauricio Reinaldo Gonçalves - Tesoureiro

Conselho Deliberativo Erick Felinto (UERJ) - Esther Hamburger (USP) - Fabio Uchoa (UFSCar) Gilberto Alexandre Sobrinho (Unicamp) – Luíza Beatriz Melo Alvim (UNIRIO) Marcel Vieira Barreto Silva (UFPB) - Luiz Augusto Rezende Filho (UFRJ) Mariana Baltar (UFF) - Gustavo Souza (UFSCar) - Rodrigo Octávio D’Azevedo Carreiro (UFPE) - Patricia Rebello (UERJ) - Rafael de Luna Freire (UFF) Ramayana Lira de Souza (UNISUL)

Discentes Marina Costa (UFSCar) – Jamer de Mello (UFRGS)

Conselho fiscal Paulo Menezes (USP) – Rogério Ferraraz (UAM) – Rubens Machado Jr. (USP)

Comitê Científico Alexandre Figueirôa (UFPE) - César Guimarães (UFMG) - Genilda Azeredo (UFPB) - Maria Dora Mourão (USP) - Miguel Pereira (PUC-Rio) - Sheila Schvarzman - UAM

Organização Editorial Afrânio Mendes Catani - Antonio Carlos Amancio da Silva - Alessandra Soares Brandão - Mauricio Reinaldo Gonçalves - Ana Leopoldina Macêdo Quezado Nílbio Thé

EVENTO Organização Local Ana Leopoldina Macêdo Quezado Nílbio Thé Maria Clara Bugarim Fátima Matos Bete Jaguaribe

Assistência de Produção Adízio Rodriguês Caio Mota Diego Camelo Thaís Bandeira Marcos Riedel

Programação Paralela Nílbio Thé Caio Mota Diego Camelo Bete Jaguaribe Programação Cultural Thiago Braga Martins Marcelo Nogueira Sales

Comissão de Certificados Marcos Riedel Jorge Alencar

Comissão de Lançamentos Ângela Julita Raquel Gondim Nílbio Thé

Assessoria de Comunicação Adriana Santiago Beatriz Santos Maria Navarro Maria Julia Giffoni Douglas Pinto Ramille Freire Laís Tavares

Projeto Gráfico Bianca Benedicto Breno Furtado

Hotsite Lima Júnior Nílbio Thé

Webmaster Samuel C. Carneiro

Mídias Sociais Olavo de Oliveira

Comissão de Fotografia, audiovisual e Streaming Gilles Sampaio Lima Junior Valdo Siqueira

Transporte Gilles Sampaio Nílbio Thé

Coordenação de eventos Ikone Eventos Micheline Camarço Magda Lima

Agência de Viagens Oficial Naja Turismo

Expediente Curso de Audiovisual e Novas Mídias Coordenadora: Ana Leopoldina Macêdo Quezado

Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas- Unifor Coordenador: Fátima Matos

Apoio: Capes Vila das Artes – Escola de Audiovisual Prefeitura de Fortaleza Instituto Íris Porto Iracema das Artes Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura Instituto Dragão do Mar

ENCONTROS ANUAIS DA SOCINE I

1997

Universidade de São Paulo (São Paulo-SP)

II

1998

Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro – RJ)

III

1999

Universidade de Brasília (Brasília – DF)

IV

2000

Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis – SC)

V

2001

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre – RS)

VI

2002

Universidade Federal Fluminense (Niterói – RJ)

VII

2003

Universidade Federal da Bahia (Salvador – BA)

VIII

2004

Universidade Católica de Pernambuco (Recife – PE)

IX

2005

Universidade do Vale do Rio Dos Sinos (São Leopoldo – RS)

X

2006

Estalagem de Minas Gerais (Ouro Preto – MG)

XI

2007

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (RJ – RJ)

XII

2008

Universidade de Brasília (Brasília – DF)

XIII

2009

Universidade de São Paulo (São Paulo – SP)

XIV

2010

Universidade Federal de Pernambuco (Recife - PE)

XV

2011

Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro RJ)

XVI

2012

Centro Universitário Senac (São Paulo - SP)

XVII

2013

Universidade do Sul de Santa Catarina (Palhoça – SC)

XVIII

2014

Universidade de Fortaleza (Fortaleza – CE)

APRESENTAÇÃO

O XVIII Encontro da SOCINE foi sediado pela Universidade de Fortaleza - Unifor, localizada em Fortaleza, Ceará. O Novíssimo Cinema Latino-americano foi o tema escolhido para nortear o Encontro de 2014, que buscou discutir o modo particular como a produção contemporânea do audiovisual se dá em novos parâmetros técnicos, estéticos e políticos na América Latina. A partir dessa temática, o Encontro acolheu reflexões sobre a constituição deste novíssimo cinema, sistemas de distribuição, preservação, linguagens, possibilidades estéticas, história e suas insignificance dentro de um novo contexto. Tudo isso no intuito de estimular o debate em âmbito internacional no contexto específico da América Latina. Desse modo, o Encontro representou a consolidação da SOCINE como fórum privilegiado para o intercâmbio de pesquisas, principalmente ao eleger como tema de seu encontro uma das questões mais relevantes para os estudos de cinema contemporâneos nacional e internacionalmente.

Extremamente Volátil: estilo e Stimmung no piloto de Breaking Bad1 Extremely Volatile: style and Stimmung in Breaking Bad’s pilot episode 2

João Eduardo Silva de Araújo (Mestrando – Universidade Federal da Bahia)

Resumo: Este artigo investiga como os elementos estilísticos operam na criação da atmosfera no piloto de Breaking Bad. Para tanto, lançamos mão das considerações de Aumont e Bordwell sobre estilo, as deste último adaptadas por Butler para o estudo de das séries televisivas. A atmosfera, por sua vez, é aqui entendida num sentido próximo ao que Gumbrecht dá a Stimmung, conceito que carrega a noção de que tal aspecto de um texto se constrói numa conexão íntima com seus materiais expressivos.

Palavras-chave: Estilo; atmosfera; ficção seriada televisiva; Breaking Bad.

Abstract: This article investigates the way stylistic elements operate in the creation of the atmosphere in Breaking Bad’s pilote episode. To that end, we resort to Aumont and Bordwell’s considerations on style, those of the latter adapted by Butler to the study of television series. Atmosphere, in its turn, is here understood in a sense close to Gumbrecht’s approach to Stimmung, a concept that engages the notion that such aspect of a text is built in an intimate connection to its expressive materials.

Keywords:

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Trabalho apresentado no XVIII Encontro Socine de Estudos de Cinema e Audiovisual na sessão: TELEVISÃO: formas audiovisuais de ficção e de documentário. 2 Bolsista de mestrado CNPq pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia, onde frequenta o Grupo de Pesquisa em Análise de Teleficção (A-Tevê).

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Style; atmosphere; serialized television fiction; Breaking Bad.

Introdução Os produtos audiovisuais se apresentam como um todo ao espectador no ato de apreciação, mas analiticamente é preciso decompor esses materiais, dividi-los a fim de possibilitar o seu estudo. Diversas classificações já foram propostas com esse intuito. Gomes (2004), por exemplo, propõe que se os decomponha em visuais (como planificação e movimentos de câmera), sonoros (música, som e diálogos), cênicos (atuações, cenários e figurinos) e narrativos (como enredo e ponto de vista). Outra segmentação clássica é aquela que os separa em narrativos e estilísticos, este último englobando os três primeiros elementos da classificação proposta por Gomes. Neste artigo, nos focamos nos aspectos estilísticos de Breaking Bad, posto que O estilo do filme interessa porque o que é considerado conteúdo só nos afeta pelo uso de técnicas cinematográficas consagradas. Sem interpretação e enquadramento, iluminação e comprimento de lentes, composição e corte, diálogo e trilha sonora, não poderíamos apreender o mundo da história. O estilo é a textura tangível do filme, a superfície perceptual com a qual nos deparamos ao escutar e olhar: é a porta de entrada para penetrarmos e nos movermos na trama, no tema, no sentimento – e tudo o mais que é importante para nós (BORDWELL, 2008, p. 57-58). Em Figuras Traçadas na Luz, Bordwell (2008) analisa o estilo impresso nos filmes de diretores que apostam numa encenação quase teatral (câmera parada, ampla profundidade de campo etc.), mas defendemos, conforme Butler (2010) – e o próprio Bordwell não indica o contrário –, que as noções daquele livro são perfeitamente aplicáveis ao estudo de obras do cinema hollywoodiano ou da televisão, muitas das quais herdeiras do que o próprio autor (2002) chama de continuidade intensificada, ou seja, produtos audiovisuais que contam com edição rápida, uso de lentes de dimensões variadas, planos próximos nos diálogos e câmeras que se movem muito. Ainda em Figuras Traçadas na Luz, Bordwell (2008) deixa claro que sua noção de estilo tem menos a ver com uma genialidade individual dos profissionais responsáveis por ele do que com modos de fazer históricos, e que a emergência de novos modelos se dá a partir do surgimento de problemas técnicos, orçamentários ou estéticos. É interessante notar que os modos de fazer históricos também são importantes na obra de Aumont (2008), que trata o mesmo objeto de Bordwell

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(encenação e estilo) sob uma perspectiva diferente. Ao invés de pensar nas soluções historicamente dadas a problemas surgidos dentro do próprio meio cinematográfico, o autor francês tenta ver como o cinema tomou emprestados e se libertou de constrangimentos e modos de fazer de outras mídias, como o teatro e a literatura. Nesta apreciação do piloto de Breaking Bad, associamos a análise de elementos do estilo à construção da atmosfera, aqui entendida num dos sentidos que a estética alemã dá a Stimmung, palavra que infelizmente não pode ser adequadamente traduzida para outros idiomas. Conforme Gumbrecht, A primeira tradução oferecida pelos dicionários é “humor”, no duplo sentido de, primeiramente, um sentimento tão interior e subjetivo que não pode ser transmitido por conceitos, mas também, e em segundo lugar, [sendo este o que nos interessa no artigo,] no sentido mais objetivo de “clima” (...). Pensemos em Morte em Veneza, de Thomas Mann. Nenhum leitor lembrase desta novela porque ele ou ela se surpreendeu em descobrir que Aschenbach e Tadzio não se tornariam amantes no final, ou que Aschenbach estava, de fato, destinado a morrer. Antes, é a evocação da Stimmung fin de siècle de decadência em toda sua complexidade e suas nuances, é a evocação de cheiros, cores, barulhos, e, acima de tudo, do clima em constante mudança que tornou este texto famoso (2009, p. 1073 108) . Para nós, no episódio analisado este clima é marcado por uma ambivalência, conseguida a partir da composição e contraposição de duas texturas. A primeira é ligada de modo íntimo à ambientação. Não à toa, Gumbrecht (p. 113) vê familiaridade entre o clima, de um lado, e o ambiente de outro. Apostamos que a atmosfera de Breaking Bad é pontuada marcadamente pelo desolamento da árida paisagem dos desertos da fronteira Estados Unidos/México. A segunda textura observada no clima deste episódio, por seu turno, diz respeito à glamourização associada ao universo do tráfico de drogas.

Análise Breaking Bad se inicia com três planos silenciosos (de aproximadamente 4.4, 4 e 4.2 segundos, respectivamente) do deserto do meio-oeste americano (Figuras 1, 2 e 3). Embora esses planos sejam curtos e assinalem tempos mortos, é notável que abalizem a paleta de cores de todo o

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Entendemos que Gumbrecht rejeita perspectivas hermenêuticas como a adotada aqui. Ainda assim, defendemos que nossa abordagem da atmosfera tangencia em certa medida seu conceito de Stimmung por duas razões específicas: 1) como ele, pontuamos a atmosfera como importante para a própria ontologia da obra; 2) também cremos que ela se plasma em forte relação com os materiais expressivos da obra (ainda que entendamos isso pensando em seus recursos estilísticos).

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episódio, marcada pelo marrom e/ou pelo azul que vemos nesses três quadros iniciais, mesmo em internas (Figuras 5 a 16). Também nos chama atenção a semelhança com o plano sequência que inicia o filme Paris, Texas (Win Wenders, 1984, Figura 4). O paralelo se torna ainda mais notável por conta das narrativas de ambas as obras se desenrolarem num sudeste americano contemporâneo, mas ao invés de serem iniciadas retratando personagens ou paisagens urbanas, preferirem abrir com planos do deserto sob um céu aberto que lembram mais Westerns do que produtos ambientados atualmente.

Figura 1. Primeiro plano do piloto

Figura 2. Segundo plano do piloto

Figura 3. Terceiro plano do piloto

Figura 4. Primeiro plano de Paris, Texas

A comparação não é leviana: para nós, o clima que se quer evocar com tal paisagem é semelhante nos dois produtos. Através do silêncio total na série e da música que quebra o princípio 4

da inaudibilidade no filme, a associação da massa sonora (ou sua ausência) à mostração de paisagens desertas em planos que focam o relevo e a vegetação (anterior à apresentação de personagens) tem em ambos a função de dispor a atmosfera de aridez e isolamento antes mesmo de qualquer situação dramática. O episódio, de pouco mais de 57 minutos e 11 segundos (fora créditos finais), possui ao todo 719 planos, uma média de 4.8 segundos por quadro. O seu plano mais longo (Figura 17) dura 152.9

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Segundo o qual, de modo semelhante à montagem invisível, classicamente a música deve ser imperceptível no audiovisual (GORBMAN, 1987).

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segundos, e nele a câmera não faz qualquer movimento, a não ser pelo tremular que denuncia o uso 5

de câmera na mão. O plano mais rápido, inversamente, dura menos de um terço de segundo . A duração aproximada de 4,8 segundos por enqudramento situa o piloto de Breaking Bad bem na média das séries americanas, que segundo Butler (2010, p. 9-10) varia entre 3 e 5 segundos, mas poucos planos do episódio se encontram próximos à média. Ao contrário, ele é dominado pela alternância de um estilo frenético, com cortes a cada menos de meio segundo; e outro marcado por enquadramentos mais longos e contemplativos. Nesses momentos (do segundo caso), quase toda a ação se dá em quadros bem abertos – e é curioso que exceto pelas figuras 21 a 24, mesmo nos frames que escolhemos de exemplo é visível a recorrência a planos médios e gerais, bem como a quase inexistência de closes. A abertura dos planos e o predomínio do azul e de tons terra se aliam à quase ausência de movimentos de câmera para criar a mencionada atmosfera de isolamento, aridez e monotonia, que no nível narrativo é representada pela ambientação rural fronteiriça com o México, curiosamente a mesma dos Westerns aos quais os primeiros planos fazem alusão. Mas a referência ao gênero não para por aí, e os planos americanos (Figuras 8, 10 e 19) também abundam no episódio. Ademais, exceto pela festa de aniversário surpresa do protagonista Walter White (Figura 6), quase sempre que os personagens contracenam eles estão distantes entre si (como é observável nas figuras 7, 8 e 10), o que aumenta a sensação de isolamento e alienação em relação a eles.

Figura 5

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Figura 6

A medição foi feita por nós para este artigo.

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Figura 7

Figura 8

Figura 9

Figura 10

Figura 11

Figura 12

Figura 13.

Figura 14.

Figura 15.

Figura 16.

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Tal sensação de isolamento só é potencializada pela quase ausência de música. Exceto pela cena em que Walter joga fósforos em sua piscina, nas sequências de ritmo mais lento – ou seja, naquelas não diretamente associadas às atividades do tráfico – não há, de todo, música. As vozes dos atores também não se fazem muito presentes, e as falas são pausadas, permitindo que os tempos mortos não se limitem aos três primeiros planos. Os ruídos, porém, se fazem mais óbvios. Não a ponto de ser onipresentes ou incômodos, mas o suficiente para que se os note, sejam eles passos no piso de madeira em uma loja ou um som agudo que ouvimos nos momentos em que há auricularização e o protagonista está distante, como que em outro lugar (como quando o médico lhe informa do seu câncer). Não por acaso, a composição cênica de Breaking Bad é com frequência comparada às fotografias que William Eggleston fez na mesma região no início da segunda metade do século passado. As fotografias de Eggleston são, elas também, lembradas pelo aparente isolamento e alienação de seus retratados, por terem algo de desolador e por atualizarem o Western para o século XXI a partir de um tom intimista. Venturamos neste artigo (figuras 17 a 20) duas comparações entre frames do piloto e fotografias de Eggleston, visto que em geral as comparações são feitas apenas com referências mais óbvias de episódios posteriores.

Figura 17. Plano do piloto.

Figura 18. Foto de Eggleston

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Figura 19. Plano do piloto.

Figura 20. Foto de Eggleston

Todavia, nem todo o episódio é contemplativo, e em alguns momentos o estilo parece tomar um rumo oposto. Nos primeiros minutos, logo depois dos seus três primeiros planos, somos apresentados a uma sequência bastante poluída, tanto no nível cênico – um homem dirige pelo deserto uma van, vestindo apenas cuecas e uma máscara de gás, enquanto no banco do passageiro um rapaz desacordado também usa uma máscara de gás, e no fundo do carro uma parafernália de laboratório divide lugar com dois corpos de bruços –; quanto no nível visual – se alternam planos abertos e fechados da máscara, da van dirigida no deserto, dos corpos, dos apetrechos –; e no sonoro – a música quebra qualquer princípio de inaudibilidade, a voz do protagonista ofegando e os ruídos do veículo pela estrada dominam a percepção. Há uma grande diferença no modo como é filmada essa cena em relação às partes mais contemplativas do episódio, e a maioria dos planos não passa de meio segundo. Igualmente, a cena de fabricação da droga apresenta uma construção estilística, e por sua vez uma atmosfera, que difere bastante daquela que vinha sendo descrita: nela, a música não cessa, e suprime os ruídos que seriam característicos do ambiente. Os planos são muito fechados (Figuras 21 a 24), chegando a permitir a leitura dos rótulos das substâncias (Figura 24), quase como se um programa de culinária tivesse sido editado em ritmo de videoclipe.

Figura 21

Figura 22

Figura 23

Figura 24

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Esses dois não são os únicos momentos em que o ritmo acelera, entra a música chamando atenção para si mesma, os cortes ficam rápidos e os planos se fecham. Em alguns outros pontos do episódio isso também acontece. É possível reparar, contudo, que em todos eles há alguma relação narrativa/temática com a entrada ou participação do protagonista no universo das drogas, ou com suas interações com o parceiro de tráfico, Jesse Pinkman. Nesses momentos, até no nível de como a obra move os afetos do público parece haver um câmbio, e o drama dá lugar à comédia, o isolamento dos personagens podendo ser encarado com sarcasmo. Fica clara, então, a construção neste produto da atmosfera pelo estilo, e a duplicidade da atmosfera do piloto de Breaking Bad. O caráter ambivalente do protagonista (professor fracassado com câncer terminal e perigoso traficante) contamina a atmosfera, ora dominada pela ambientação desoladora, ora pela descoberta de um mundo completamente novo pelo personagem – e pelo espectador – o da fabricação de drogas. Enquanto nos momentos em que Walter e Jesse interagem a montagem é frenética, a sonorização intermitente, os diálogos ágeis, os planos quase fetichistas (sempre fragmentando os personagens, objetos e em última instância a ação) e o espaço pouco claro; no resto do episódio, os planos se abrem, o marrom e o azul dominam a imagem, as falas tornam-se lentas e a música desaparece.

Referências BORDWELL, D. Figuras traçadas na luz: a encenação no cinema. Campinas: Papirus, 2008. ____________. Intensified Continuity: Visual Style in Contemporary American Film. Film Quarterly, Los Angeles, v. 55, n. 3, p. 16-28, 2002. BUTLER, J. G. Television Style. New York: Routledge, 2010. GOMES, W. S. La poética del cine y la cuestión del método en el análisis fílmico. Significação, Curitiba, v. 21, n. 1, p. 85-106, 2004. GORBMAN, C. Unheard Melodies: Narrative Film Music. Indiana: Indiana University Press, 1987.

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