Factos e cousas nas crônicas da revista mato-grossense A Violeta (1916-1937) - Dissertação

June 1, 2017 | Autor: Laís Costa | Categoria: History, Gender Studies, Media Studies, Feminist Theory, Press and media history
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LAÍS DIAS SOUZA DA COSTA

FACTOS E COUSAS NAS CRÔNICAS DA REVISTA MATOGROSSENSE A VIOLETA (1916-1937)

Cuiabá-MT Março-2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS Departamento de História Programa de Pós Graduação em História

FACTOS E COUSAS NAS CRÔNICAS DA REVISTA MATOGROSSENSE A VIOLETA (1916-1937)

LAÍS DIAS SOUZA DA COSTA Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História. Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria Marques

Cuiabá-MT Março-2014

LAÍS DIAS SOUZA DA COSTA

FACTOS E COUSAS NAS CRÔNICAS DA REVISTA MATOGROSSENSE A VIOLETA (1916-1937)

BANCA EXAMINADORA:

27 de março de 2014

_________________________________ Ana Maria Marques Orientadora (Presidenta) _________________________________ Ernesto Cerveira de Sena Examinador interno _________________________________ Ana Carolina Eiras Coelho Soares Examinadora externa __________________________________ Fernando Tadeu de Miranda Borges Suplente

Para citação: COSTA, Laís Dias Souza da. Factos e cousas nas crônicas da revista matogrossense A Violeta (1916-1937). 2014. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Gradução em História, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, 2014, f.152.

Cuiabá-MT Março-2014

Às cuiabanas e à Zinhas (minha “mãi”).

AGRADECIMENTOS Em sua autobiografia, a feminista francesa Madeleine Pelletier afirma que “[...] o ideal é uma ilusão, mas sem esta ilusão a vida não vale a pena”. Esta dissertação também surgiu como um “ideal” e agora, felizmente, se transformou em algo “real”. Durante estes dois anos tive o apoio de pessoas que compreenderam o “ideal” deste trabalho e acompanharam a sua “feitura”, dentre elas, agradeço a professora Marluce Scaloppe, por indicar um dos caminhos que eu poderia seguir; Yasmin Nadaf, pela generosidade em ceder as “Violetas” do seu acervo, sem as quais este trabalho não teria êxito, pelas longas e agradáveis conversas sobre a revista A Violeta e, ainda, pelos apontamentos feitos durante a qualificação desta dissertação; Stela pela companhia nas aulas e fora delas; aos amigos e familiares que compartilharam os piores e os melhores momentos até aqui. Agradeço o Programa de Pós-Graduação em História (PPGHis) e, especialmente, os professores Leandro Rust e Oswaldo Machado pela valorosa contribuição em sala de aula. Agradeço, ainda, a minha orientadora Ana Maria Marques pela paciência e por acompanhar e me guiar neste voo “fora” da asa. Ao professor Ernesto C. de Sena pela competência com que exerce o ofício de “mestre”, pelas indicações de leitura e observações durante a qualificação e defesa. Agradeço também a professora Ana Carolina E. C. Soares pela leitura atenciosa e apontamentos durante a defesa desta dissertação.

RESUMO: A revista A Violeta surgiu em 1916, em Cuiabá, capital de Mato Grosso, oriunda do Grêmio Literário “Júlia Lopes” e foi uma das revistas mais profícuas do estado e do Brasil. Circulou de 1916 a 1950, aproximadamente, e configurou-se como um significativo veículo de divulgação sobre causas femininas e feministas. A coluna “Chronica” foi publicada durante os 34 anos em que a revista circulou, e registrou diversos acontecimentos da sociedade cuiabana e mato-grossense que nos auxiliam a compreender muitas facetas da História. PALAVRAS-CHAVE: crônica; gênero; imprensa feminina; revista. ABSTRACT: The magazine A Violeta appeared in 1916, in Cuiabá, capital of Mato Grosso, deriving of the Literary Bosom “Júlia Lopes” and was one of the most useful magazines of the state and of Brazil.The magazine circulated since 1916 up to 1950, approximately, and was configured as a meaningful vehicle of divulgation about feminine and feminist causes. The column "Chronica" was published during the 34 years that the magazine circulated and registered a lot of events of the cuiabana and mato-grossense society, which helps us to understand many facets of the History. KEYWORDS: chronicle; gender; feminine press; magazine.

Sumário INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 A imprensa feminina (e feminista) como ideário moderno................................................... 13 Os grêmios literários e o “Júlia Lopes” ................................................................................. 17 CAPÍTULO I – A redefinição da “alma” mato-grossense.................................................. 25 1.1 As “outras” sertanejas ..................................................................................................... 25 1.2 A educação formal em Cuiabá ........................................................................................ 35 1.3 O “Júlia Lopes” ............................................................................................................... 46 CAPÍTULO II – “Factos” e “cousas” circunstanciadas ..................................................... 53 2.1 Pinçando acontecimentos ................................................................................................ 53 2.2 Embalando a “informação” ............................................................................................. 61 2.3 Bernardina e as duas “Marias” ........................................................................................ 68 2.4 As “cousas” miúdas e graúdas ........................................................................................ 77 CAPÍTULO III – Para além dos “factos” e “cousas” ......................................................... 82 3.1 A análise de conteúdo como metodologia....................................................................... 82 3.2 Tecendo o cotidiano ........................................................................................................ 84 3.3 Sobre a revista e o grêmio ............................................................................................... 87 3.4 “Modelos” e “representações” de mulheres .................................................................... 90 3.5 Questões trabalhistas e autonomia ................................................................................ 102 3.6 Normalistas e instrução pública .................................................................................... 109 3.7 Feminismo, civismo e questões políticas ...................................................................... 121 3.8 Discutindo feminismo e transgredindo o “sexo”........................................................... 129 Considerações finais ............................................................................................................. 142 Referências ............................................................................................................................ 145 Referências Documentais ..................................................................................................... 149

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INTRODUÇÃO Durante 34 anos o dia 25 de dezembro de 1916 tornou-se uma data significativa para algumas mulheres mato-grossenses1 por conta de outro nascimento: o do Grêmio Literário “Júlia Lopes de Almeida” e de sua revista A Violeta. A cerimônia de instalação do Grêmio e apresentação da segunda edição da revista foi realizada na noite de 24 de dezembro, no salão nobre do Palácio da Instrução, localizado no centro da cidade de Cuiabá, capital de Mato Grosso. Nasciam, assim, embalados por uma orquestra e durante as celebrações da natividade, o Grêmio e sua “pequena revista”2, envoltos por um clima em que “[...] a alegria era geral, e, sem modestia confessamo-nos sinceramente contentes com a nossa estréa, tanto mais que encontramos apoio de todos, aos quaes nos dirigimos”3 (A Violeta, nº3, p.1), como descreveram as redatoras da revista posteriormente. O lançamento d’A Violeta marcou a inserção feminina na imprensa mato-grossense e inaugurou a construção de outras representações pelas próprias mulheres que refutaram algumas características, entre elas, de serem “sonhadoras”, ao idealizarem a organização da revista e da agremiação literária que estariam mais próximas de uma utopia, ou de um sonho, na visão dos que duvidavam da sua efetivação. Na primeira edição da revista as redatoras relembram algumas críticas: Que quer? A mulher não é e não ha de ser sempre sonhadora? O homem vive a dizer que passamos o tempo a construir castellos ficticios do que mesmo a viver... Na verdade era um sonho... De todos os lados começou a surgir-nos obstaculos, que antes permaneciam como que incubados, visto que não incluiamos nas nossas phantasias (A VIOLETA, nº1, p.7).

Desde a sua criação, além dos “sonhos” e das “phantasias”, a revista tinha uma função clara: A ‘A Violeta’ será o orgam do ‘Gremio Literario Julia Lopes’, organisação esta que tem por fim unico e exclusivo, o cultivo das letras femininas e patricias, abrindo as suas columnas a todas que comnosco quizerem collaborar, para o engrandecimento moral da nossa extremecida terr” (A VIOLETA, nº1, p.1).

Ao longo deste trabalho a grafia aparece de várias maneiras, mas esta é a grafia “consagrada pelo uso”, de acordo com a Academia Brasileira de Letras. 2 A primeira edição d’A Violeta circulou no dia 16 de dezembro de 1916, mas durante a cerimônia de instalação do Grêmio Literário “Júlia Lopes de Almeida” foi apresentada a segunda edição da revista A Violeta com circulação no dia 25 de dezembro de 1916. O Grêmio também iniciou as atividades antes, e foi fundado em uma reunião no dia 26 de novembro, com a presença apenas da diretoria. 3 Optou-se manter a grafia original para preservar o estilo e a construção narrativa dos textos das redatoras e colaboradores/colaboradoras d’A Violeta. 1

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Esse “engrandecimento” foi tema de vários artigos, crônicas e cartas publicadas na revista durante o tempo em que circulou, e estava atrelado não só a “moral” e sim, a uma reflexão mais ampla sobre as relações sociais, a hierarquização dos indivíduos na sociedade e, principalmente, sobre a “questão feminina” quando a identidade e o “papel” das mulheres brasileiras foram redefinidos, nas primeiras décadas do regime republicano. Sobre esse debate, a historiadora Margareth Rago (1995) afirma que [...] a “questão feminina” no início do século, privilegiando a maneira pela qual as próprias feministas interferiram na construção da identidade feminina moderna, capaz de participar de uma esfera pública que também se definia, com o crescimento econômico e a modernização das cidades, com a industrialização e a imigração européia, e fundamentalmente com a fundação da República e da noção de cidadania (RAGO, 1995, p.18).

A Violeta se dedicou a mulher mato-grossense, às cuiabanas, “falou quase todo o tempo a essa mulher e sobre ela” (Nadaf, 1993, p.19). Mas não se limitou a divulgar somente os acontecimentos locais. A revista reverberava os pensamentos e reflexões que faziam parte do cotidiano, e ainda revelou [...] o dúbio pensamento ideológico conservador e de progresso. Suas correspondências e o intercâmbio cultural, regional, nacional e com o estrangeiro, impresso em suas páginas e nos periódicos de outras localidades, testemunham-nos o alcance de suas palavras. [...] A revista do Grêmio Literário “Júlia Lopes” contraria, assim, a “modéstia” e a “singeleza” do seu nome de batismo, tendo alçado vôos altos e conservado o seu perfume de flor que resiste à efemeridade do tempo (NADAF, 1993, p.20).

A Violeta tornou-se o segundo periódico literário feminino com maior tempo em atividade ininterrupta no Brasil4 e o principal veículo de divulgação das causas femininas e feministas das mato-grossenses durante o século XX. Além disso, configurou-se como um dos periódicos mais profícuos e relevantes produzidos em Mato Grosso, até a sua extinção, em 1950, aproximadamente, após 34 anos em circulação. Dediquei-me a compreender, neste trabalho, as estratégias e os desvios utilizados pelas redatoras da revista A Violeta, ao elegerem um periódico com características literárias como

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O jornal literário feminino O Corymbo das irmãs Revocata Heloisa de Mello e Julieta de Mello Monteiro foi o periódico com mais tempo em circulação, de 1883 a 1944, originado na cidade do Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Informação obtida em entrevista realizada com Yasmin Nadaf, em outubro de 2010. Mais detalhes sobre O Corymbo podem ser encontrados na dissertação de mestrado de Miriam Steffens Vieira: “Atuação literária de escritoras no Rio Grande do Sul: um estudo de caso do periódico Corimbo, 1885 –1925”, defendida em 1997, na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e de Carolina Bonilha, intitulado “Corymbo: memória e representação feminina nas páginas de um periódico literário”, defendida em 2010, também na Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

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instrumento de “fala” para a realização desse projeto inédito5 que ficou relegado aos bastidores da história da imprensa de Mato Grosso por muitos anos. Os periódicos ligados aos grêmios inauguraram um “fazer jornalístico”6 com características relacionadas ao contexto das primeiras décadas do século XX, da chamada “imprensa indígena” e estabeleceram novas formas de atuação, já que financiavam as edições impressas com a renda obtida em festas literárias, além das publicidades, assinaturas e vendas avulsas dos periódicos. Assim, os desvios, ao contrário do que possam parecer, são uma das alternativas escolhidas pelos “sertanejos” e “sertanejas” “[...] e proporcionam, na mata adjacente, trilha mais firme por ser menos pisada” (Taunay, 1991, p.4). Também optei caminhar por um desvio, desde 2006, quando conheci A Violeta durante uma audiência pública em comemoração ao Dia das Mulheres, na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso (AL-MT). Presenciei a leitura de uma crônica da revista e descobri, ao final, que o texto pertencia a um periódico feminino mato-grossense. A partir disso, A Violeta tornou-se minha fonte de pesquisa e inspiração, desde as primeiras atividades durante a graduação em Jornalismo, iniciada em 2007, na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), até o Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em 2010 com o título: “A repercussão do voto feminino na revista A Violeta” que foi orientado pela jornalista e docente da UFMT, Marluce Scaloppe. A revista contribuiu, ainda, para a construção da minha identidade como jornalista, ao desvendar em meio aos hiperlinks, leads, e pirâmides invertidas, outras possibilidades buscando uma autoria emancipativa, indo além de algumas técnicas do “fazer jornalístico”. Ao procurar informações sobre A Violeta encontrei o livro Sob o signo de uma flor (1993)7, resultado da dissertação de mestrado de Yasmin Nadaf, que serviu de incentivo para as pesquisas com a revista, já que a autora apresenta a catalogação das mais de 300 edições existentes d’A Violeta e indica o local pesquisado, os perfis das redatoras e integrantes do Grêmio “Júlia Lopes”, entre outras informações. Entre as pesquisas mais recentes destacam-se dois artigos da historiadora Ana Maria Marques8: “O feminismo nas narrativas de mulheres da

Em outubro de 1897 surgiu, em Cuiabá, O Jasmim, “órgão dedicado aos interesses das senhoras”, dirigido por Leonôr Galvão. O jornal tinha periodicidade quinzenal e não esteve atrelado a nenhum grupo literário, como A Violeta. Circulou por apenas alguns meses, sendo extinto em 1898. Outros detalhes sobre O Jasmim serão apresentados no terceiro capítulo. 6 O “fazer jornalístico” pode ser definido sinteticamente como um “[...] processo técnico da informação ao nível de código verbal”, utilizando como referência a jornalista Cremilda Medina (1988, p.16). Outras informações sobre a atuação dos jornalistas encontram-se no segundo capítulo. 7 NADAF, Yasmin. Sob o signo de uma flor. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1993. 8 MARQUES, Ana Maria Marques. O feminismo nas narrativas de mulheres da Revista A Violeta – Cuiabá: 1916-1950. Revista Territórios e Fronteiras. V.4 N.1. Cuiabá, Jan/Jul2011. ALMEIDA, Valdirene F. de; 5

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revista A Violeta - Cuiabá: 1916-1950” e “A conquista do voto feminino em Mato Grosso”, em co-autoria com Valdirene Felipe de Almeida que dialogam com o mesmo objeto empírico, no caso, a revista A Violeta. Apesar das diferentes pesquisas sobre a revista, a inexistência de uma abordagem específica sobre as crônicas motivou este trabalho que tem como objetivo analisar os textos dessa seção d’A Violeta sobre dois temas-eixo: feminismo e o voto feminino. Falando conceitualmente sobre o primeiro tema-eixo, a historiadora norte-americana June Hahner (1981) explica que ele “[...] abrange todos os aspectos da emancipação das mulheres e inclui qualquer luta projetada para elevar seu status social, político ou econômico; diz respeito à maneira de se perceber da mulher e também à sua posição na sociedade” (Hahner, 1981, p.28). Já o voto feminino ou sufrágio universal compreende uma dessas “lutas” relacionadas à ampliação ou, no caso, à obtenção de direitos civis e políticos das mulheres brasileiras e foi amplamente discutido no Brasil, especialmente no início do século XX, já que o direito ao voto e, consequentemente, à cidadania foi conquistado durante o governo provisório de Getúlio Vargas apenas em 24 de fevereiro de 1932, por meio de decreto-lei9. A opção pela seção “Chronicas” não foi por acaso e se justifica por dois principais motivos: em toda a existência da revista houve grande alternância de colunas e seções e não “[...] houve rigor no estabelecimento de seções fixas em A Violeta. Somente a ‘Crônica’ que abre suas páginas, e o ‘Noticiário’, que as fecha, mantiveram-se permanentemente” (Nadaf, 1993, p.32). Além disso, as crônicas eram responsáveis por uma função importante que caracterizam as revistas: a publicação de textos opinativos10 que permitem a reflexão sobre os MARQUES, Ana Maria. A conquista do voto feminino em Mato Grosso. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso / Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. n. 70. Cuiabá, 2012. 9 O artigo número 109 do decreto-lei nº 21.076, publicado em 24 de Fevereiro de 1932 determinou: “O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar.” Antes disso, as mulheres do Estado do Rio Grande do Norte tornaram-se eleitoras, em 1928, após a inclusão de uma emenda na Lei Eleitoral do Estado que não fazia distinção de sexo dos eleitores, desde que atendessem as condições exigidas na lei. A professora Celina Guimarães Vianna tornou-se “[...] a primeira eleitora, não só do Brasil mas da América do Sul. As eleitoras comparecem às eleições de 5 de abril de 1928, mas seus votos foram anulados pela Comissão de Poderes do Senado” (p.4) como explicam Patrícia Leonardo e Ana Carolina Marmo. Ver texto completo no site: www.centrodememoria.unicamp.br/arqhist/content/uploads/arquivos/pdf/votofem.pdf. Constância Lima Duarte apresenta a trajetória de Nísia Floresta, nascida no Rio Grande do Norte, 1810, e tornarse conhecida pelo seu primeiro livro: “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”, publicado em 1832. Ver: DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: vida e obra. Natal: Editora da UFRN, 1995. Ainda sobre o voto feminino, ver: NAZARIO, Diva Nolf. Voto feminino e feminismo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: 2009. Publicação original de 1923. 10 José Marques de Melo (1994) estabelece a fronteira “entre a descrição do real e a avaliação do real” (1994, p.64). O jornalista identifica o “jornalismo informativo” e o “jornalismo opinativo” como os dois lados da “bifurcação” existentes nos relatos jornalísticos. No caso dos “gêneros” jornalísticos informativos, eles “[...] se estruturam a partir de um referencial exterior à instituição jornalística: sua expressão depende diretamente da

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acontecimentos cotidianos, “as cousas miúdas”, como diria Sidney Chalhoub (2005). Mas, ao contrário do que possa aparentar, as crônicas, na verdade, testemunham os principais acontecimentos da sociedade cuiabana e nos auxiliam a compreender as facetas que a “cousa graúda” – a História – pode ter. Por conta da abrangência temporal de circulação da revista (1916-1950) tornou-se necessário delimitar o período analisado que compreende desde as primeiras edições, lançadas no mês de dezembro de 1916, até a edição número 236-237, publicada em 31 de dezembro de 1937. A data final do recorte está relacionada ao início do período denominado “Estado Novo”, quando as atividades legislativas foram suspensas pelo presidente em exercício, Getúlio Vargas, no dia 10 de novembro, frustrando, assim, as atividades políticas e partidárias exercidas pelas mulheres até esta data. Vale ressaltar que a primeira eleição com a participação das mulheres, em nível nacional, foi realizada em 1934, já que o pleito de 1933 teve como objetivo apenas a escolha dos representantes que participaram da formulação da nova constituição. Ainda assim, a convocação dos eleitores para a participação da escolha dos constituintes foi realizada desde o início do ano de 1933, em Mato Grosso, e as mulheres compareceram aos cartórios eleitorais pela primeira vez, no Brasil. Em Cuiabá, a primeira eleitora que aparece entre os cidadãos alistados é a professora Delmira Monteiro Figueiredo, como informou a Gazeta Eleitoral, na edição número 5, de 7 de janeiro de 1933. [...] filha de Crescencio Monteiro da Silva e Magarida Santos Botelho, com 38 annos de idade, nascida a 26 de Dezembro de 1894, no Livramento, casada, professora, com residencia habitual à Travessa do Arsenal de Guerra, n.1, nesta cidade, com domicilio eleitoral na secção do alistamento de sua residencia habitual (GAZETA ELEITORAL, nº5, p.5).

Após esta delimitação, as seguintes questões nortearam o início desta pesquisa: houve consenso por parte dessas mulheres, em relação ao seu “papel” na sociedade? A quais discursos confrontavam? No caso específico da revista, a quais influências esteve exposta e como “negociava” a sua posição? Como a revista auxiliou a constituição de “sujeitos” femininos inseridos na imprensa mato-grossense? Com a finalidade de responder essas – e muitas outras – questões sobre “o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo”, como explica a historiadora estadunidense Joan Scott (1995, p.72) que as feministas americanas iniciaram os estudos de eclosão e evolução dos acontecimentos e da relação que os mediadores profissionais (jornalistas) estabelecem em relação aos seus protagonistas (personalidades ou organizações). Já no caso dos gêneros que se agrupam na área da opinião, a estrutura da mensagem é co-determinada por variáveis controladas pela instituição jornalística e que assumem duas feições: autoria (quem emite opinião) e angulagem (perspectiva temporal ou espacial que da sentido à opinião” (MELO, 1994, p.64).

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gênero (do inglês gender), na segunda metade do século XX. Para a historiadora June Hahner (1981), a “[...] relação dos sexos, como a de classe e a da raça, é antes social que naturalmente constituída, com desenvolvimento próprio, variando com as mudanças na organização e na estrutura social” (Hahner, 1981, p.22). Para Scott, “[...] o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder. Seria melhor dizer: o gênero é um campo primário no qual, ou por meio do qual, o poder é articulado” (1995, p.88). Essa articulação do poder (ou dos poderes), na visão da historiadora, não é feita a partir de um consenso e nem de uma origem única, e, sim, de processos que se interconectam e podem ser explicados baseando-se no significado. “Para buscar o significado, precisamos lidar com o sujeito individual, bem como com a organização social, e articular a natureza de suas interrelações, pois ambos são cruciais para compreender como funciona o gênero, como ocorre a mudança” (Scott, 1995, p.86). Uma das alternativas para reverberar a complexidade da existência das mulheres foi o feminismo, que, de acordo com Françoise Collin (2009), “[...] introduziu não uma evolução, mas uma revolução na concepção da relação entre os sexos, revolução que não inclui um modelo factual ou ideológico prévio” (2009, p.61). Assim, neste trabalho, as mulheres apresentam-se enquanto sujeitos, que possuem identidades, “saberes”, “fazeres” e interações em vários espaços, tanto públicos como privados. Entre os fazeres específicos das mulheres nos espaços públicos destaca-se a atuação na imprensa com a elaboração de periódicos que passaram a “[...] publicizar a esfera íntima feminina” para Kátia Carvalho (1995, p.1), além dos ideais de família, de sociedade, de pátria e também reivindicaram o acesso à educação e aos direitos civis e políticos ainda inexistentes para as mulheres brasileiras.

A imprensa feminina (e feminista) como ideário moderno A presença das mulheres na imprensa, nas instituições educacionais e nos postos de trabalho representa a obtenção de novos espaços para o relacionamento pessoal e profissional, além de iniciar o rompimento de estereótipos relacionados à “conduta” feminina que teria uma “essência” própria e “natural”, em função do “sexo” biológico. A existência de uma “essência” feminina e a definição de funções e atividades destinadas às mulheres ainda aparecem em várias ocasiões no discurso dessas mulheres e demonstram a complexidade da atuação feminina e feminista em confrontar a ordem hegemônica e androcêntrica que designa os indivíduos do sexo masculino como absolutos na

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sociedade (Beauvoir, 1970). Essa designação dos homens (do sexo masculino e não do Homem) recebeu subsídios da igreja, da ciência, da história e mais recentemente dos meios de comunicação, que contribuíram para a construção de uma identidade feminina complementar ao homem, e as mulheres receberam algumas denominações, entre elas, a de segundo sexo e sexo frágil, sempre levando em consideração a diferenciação biológica. “A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo”, afirma Simone de Beauvoir (1970, p.10). No caso da ciência, a divisão de homens e mulheres em categorias estanques e contrárias foi justificada utilizando-se argumentos baseados em aspectos biológicos, principalmente relacionados às diferenças anatômicas dos corpos. A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho (BOURDIEU, 2011, p.20).

Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu (2011), “[...] a divisão entre os sexos parece estar ‘na ordem das coisas’, como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável” (Bourdieu, 2011, p.17), e complementa dizendo que a divisão entre os sexos é socialmente construída e naturalizada “[...] e adquire, assim, todo um reconhecimento de legitimização” (Bourdieu, 2011, p.17). Ainda sobre essa “naturalização”, o sociólogo francês Edgar Morin (2006) afirma que “[...] a mulher jamais foi definida sociologicamente. A infraestrutura do caráter feminino é atribuída à biologia: fêmea, está destinada à reprodução; mamífera, está destinada a cuidar dos filhos; primata, está subordinada ao seu macho” (2006, p.156). Essas funções, de acordo com Morin (2006), são determinadas “[...] pré-sociologicamente e a sociedade apenas faz variar os atributos e o modo de ser com que ela marca o mundo” (2006, p.156). Hannah Arendt (2007) também ressalta o caráter “corporal” da existência humana, em especial a dos trabalhadores e das mulheres quando comenta as mudanças ocorridas na sociedade moderna, nos espaços públicos e privados. Mantidos fora da vista eram os trabalhadores que, “com o seu corpo, cuidavam das necessidades (físicas) da vida”, e as mulheres que, com seu corpo, garantem a sobrevivência física da espécie. Mulheres e escravos pertenciam à mesma categoria e eram mantidos fora das vistas alheias – não somente porque eram a propriedade de outrem, mas porque a sua vida era “laboriosa”, dedicada a funções corporais (ARENDT, 2007, p.83).

Para Michèle Mattelart (1982), o caráter invisível do trabalho realizado em âmbito doméstico – considerado por ela como o pilar da economia de apoio – e a desvalorização

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econômica são fatores decisivos para a representação e formação da imagem das mulheres, principalmente quando veiculadas nos meios de comunicação. Tal imagem das mulheres é transmitida associada a um conjunto de valores que atuam como instrumentos ideológicos visando a explicação da “condição natural” da mulher: a de aceitação de seu status na sociedade que não deveria ser questionado e muito menos discutido publicamente. O microcosmo é considerado a referência fundamental na vida das mulheres, já que historicamente foram/são atribuídas a elas o domínio do interesse “privado” e da “reprodução”, mas banaliza-se o trabalha e o cotidiano feminino como se o desempenho das “tarefas” domésticas fosse inerente à existência feminina. “Fazer de conta que as mulheres não existiam é um comportamento que ajudava a construir a história das mulheres como seres que não tinham identidade própria, reforçando a visão da mulher complemento do homem, Eva costela de Adão”, de acordo com a jornalista Alice Mitika Koshiyama (2001, p.2). No Brasil, um dos fatores que permitiram a visibilidade da mulher na sociedade, além dos limites familiares, foi a transformação do país em sede do império português, com a vinda da família real em 1808. A permanência da corte no Brasil “[...] passou a influir na vida da mulher no Rio de Janeiro, exigindo-lhes mais participação”, afirma Dulcília Buitoni (2009, p.31). Entre as atividades desenvolvidas pelas mulheres, estão as organizações femininas literárias que se dedicavam à publicação de artigos, contos, crônicas sob a visão feminina. Além de modificar os estereótipos relacionados à conduta feminina, alguns periódicos e organizações foram alternativas de interferências no status quo porque eram destinados a conscientizar e propor ações emancipadoras que contribuíssem com a obtenção e reconhecimento de direitos sociais e políticos às mulheres. Inicialmente atrelado ao movimento sufragista, as feministas brasileiras colocaram em pauta, ainda no século XIX, o voto como direito político inerente à nova condição brasileira, de Estado republicano. Influenciadas principalmente pela atuação das americanas e de algumas feministas europeias, as brasileiras proclamaram [...] sua insatisfação com os papeis tradicionais atribuídos pelos homens às mulheres. Principalmente por meio de jornais editados por mulheres, agora esquecidos, surgidos nessa época nas cidades do centro-sul do Brasil, elas procuraram despertar outras mulheres para seu potencial de autoprogresso e para elevar seu nível de aspirações (HAHNER, 1981, p.28).

O início das publicações femininas enfrentava dificuldades, e uma delas era a analfabetização de homens e de mulheres, o público alvo destes periódicos. Mas as jornalistas

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e colaboradoras das revistas transformaram essa dificuldade em uma causa e defendiam o acesso e a disponibilização de escolas para mulheres. De um modo geral, as revistas femininas tinham uma vida curta, às vezes não ultrapassavam um ano de existência. Tinham um público reduzido, porque eram poucas as mulheres alfabetizadas. Elas, nessas revistas, defendiam o acesso a escola com vistas ao aperfeiçoamento do papel feminino de mãe e esposa. Era comum as redatoras dos jornais femininos assinarem suas matérias com um pseudônimo masculino (ABREU, 2008, p. 149).

Com características próprias, a imprensa feminina pode ser considerada como o veículo do ideário moderno por Kátia Carvalho (1995) e se difere da imprensa tradicional por estar “[...] estreitamente ligada ao contexto histórico que cria razões para seu surgimento, e que interfere em cada passo de sua evolução. Jornais e revistas femininos funcionam como termômetros dos costumes de época. Cada novidade é imediatamente incorporada, desenvolvida e disseminada”, como define Dulcília Buitoni (1990, p.24). O início do século XX, especialmente, foi um dos momentos significativos para o surgimento de periódicos femininos e feministas, por conta do crescimento das cidades, o início da industrialização, a criação de escolas públicas primárias visando à alfabetização de homens e mulheres e as mudanças econômicas e estruturais advindas da “modernização” implantada nas cidades brasileiras. Nessa época, buscando negociar com a sociedade um novo lugar para si, a mulher assume definitivamente o papel tradicional de esposa e mãe, que lhe foi atribuído, ao mesmo tempo em que reivindica sua inserção na esfera pública, até então reservada ao domínio masculino. A educação se configura como o grande pilar das reivindicações femininas, passaporte de entrada das mulheres para a vida pública (ALMEIDA & BERNARDES, 1998, s/p).

Conforme Angela Almeida e Elizabeth Bernardes (1998) é notável “[...] que as defesas feitas pelos jornais femininos e pelas feministas dessa época, no que concerne à emancipação da mulher, atrelam-se à promoção da mulher como mãe e educadora dos filhos, no seio da família e da sociedade” (s/p). A promoção da mulher também estava intimamente ligada ao acesso à educação e o direito ao voto, e essas duas causas foram difundidas não só pelos movimentos feministas e imprensa das grandes cidades brasileiras, mas também por revistas femininas de locais distantes dos principais centros urbanizados do Brasil. A partir de meados do século XIX, sobretudo nas principais cidades do centro-sul, surgiram inúmeros jornais e periódicos dirigidos ao público feminino; muitos organizados e editados por mulheres. As primeiras colaboradoras assinavam com pseudônimo. Posteriormente, passaram a assinar o nome por extenso. Entre os jornais e revistas dirigidos por mulheres, podemos destacar: O Jornal das Senhoras (Rio de Janeiro,1852); O Belo Sexo (Rio de Janeiro, 1862); O Sexo Feminino, (fundado em

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Campanha, Minas Gerais, no ano de 1873 e transferido para o Rio em 1875); Ëcho das Damas (Rio de Janeiro, 1885); A Família (fundado em São Paulo em 1889 e, após um ano, transferido para o Rio de Janeiro); A mensageira (São Paulo, 1897); Revista Feminina (fundado em São Paulo no ano de 1914, foi o primeiro periódico feminista de circulação nacional) e a revista A Violeta (Cuiabá, 1916) (ALMEIDA & BERNARDES, 1998, s/p).

Os grêmios literários e o “Júlia Lopes” As particularidades que acompanhavam as reivindicações d’A Violeta estão intimamente ligadas ao cenário em que a revista surgiu e se desenvolveu, em Cuiabá, “[...] encravada no centro de Matto-Grosso, de difficil communicação com outras cidades brasileiras”, que jazia, até as primeiras décadas do século XX, “[...] ou no maior esquecimento ou muito mal comprehendida” (A Violeta, nº59, p.6).

Figura 1 – Centro da cidade de Cuiabá, em 1913. Fotografia publicada na Revista da Semana, edição nº704, de oito de novembro de 1913, p.34.

Nesse período, a capital era o espaço mais urbanizado de Mato Grosso e aos poucos algumas modificações foram surgindo por conta da execução de obras estruturais, como a

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iluminação elétrica que, a partir de 1919, foi generalizada pelas residências da cidade. As transformações faziam de Cuiabá uma cidade que compartilhava os ideais de “modernização” e “progresso” republicanos e viveu, no início do século XX, um dos períodos mais significativos de sua história com destaque para o cenário da imprensa, como descreve o historiador Lenine Póvoas (1982). Outro fator de poderosa influência na evolução cultural de Mato Grosso foi a imprensa. Sem dúvida a contribuição do jornalismo foi extraordinária para que o Estado e muito especialmente Cuiabá atingissem aquele nível de cultura que tanto impressionou Monteiro Lobato quando os visitou em 1936. Raríssimas cidades, no Brasil, com uma população de 33.678 habitantes, como era a de Cuiabá dos idos de 1920, podem se orgulhar de ter tido tantos e tão bons jornais como os que nela circularam (PÓVOAS, 1982, p.61).

Em relação à imprensa mato-grossense, Rubens de Mendonça (1970) criticou, apesar da lista de jornais apresentada por Póvoas (1982) ser extensa, a “inércia” da imprensa no estado. E não deixa de ser triste surpreendermos o contraste entre o avanço e a inércia de nossa imprensa, imprensa que, na definição sintética de Ruy “é a vista da nação”. E é Ruy que explica: “Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto, e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde olhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça”. E é ainda Ruy quem diz: “que é mediante a publicidade que os povos respiram, ajuntando esta frase de algum: a imprensa é a garantia de todas as garantias” (MENDONÇA, 1970, p.66).

Além de jornais, circularam, no início do século XX, revistas literárias originadas em grêmios que privilegiavam a produção dos “literatos”, conhecidos como “homens” das letras, e jornalistas locais, ao publicarem textos em diversos formatos, literários ou informativos, entre eles, poemas, contos, crônicas, artigos e notícias. A primeira agremiação literária cuiabana do século XX11 surgiu em 1908, intitulada Grêmio “Olavo Bilac”. Logo em seguida, em 1911, apareceu o “Álvares de Azevedo”, e em 1916, o “Júlia Lopes”. As agremiações reuniam os apreciadores e, a partir do “Júlia Lopes”, não só os “homens”, mas as “mulheres” das “letras” de escritoras e escritores brasileiros e eram um dos expoentes da produção cultural da capital. Para Yasmin Nadaf (2002), os gremistas eram

Lenine Póvoas (1994) destaca o “[...] papel importantíssimo no desenvolvimento da cultura matogrossense” (1994, p.40) exercido pelos grêmios e associações culturais, e cataloga a existência de dezoito asssociações. Dentre elas, destaca-se a “Sociedade Teatral”, fundada em 1867, pelo Dr. Lamare, durante os conflitos da “Guerra do Paraguai”, e da “Sociedade Dramática de Amor à Arte”, fundada em 1877, pelo Comendador Henrique José Vieira. 11

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[...] impulsionados pelo afã civilizatório e de refinamento sociocultural, estes produtores literários tinham um projeto de Estado soberano e grandioso, em virtude de suas riquezas naturais, capaz de vencer as maiores adversidades, decorrentes do isolamento geográfico e esquecimento por parte do governo nacional (NADAF, 2002, p.172).

As gremistas do “Júlia Lopes” foram impulsionadas não só por esse “afã civilizatório”, mas, também, pela madrinha do grêmio, que teve o nome definido após a leitura do Livro das Noivas (1896) por Maria Dimpina Lobo Duarte12 que propôs às outras integrantes do grêmio literário homenagear a escritora carioca. Júlia Lopes é considerada a primeira romancista brasileira e compartilhava “[...] os valores da burguesia em ascensão. Sua obra ficcional está marcada pelo compromisso com a mulher classe média, educada, burguesa, idealista e ambiciosa por um espaço que a reconheça como cidadã e pessoa”, como descreve Nadilza Moreira (2003, p.78). Dona Júlia, como era chamada, foi colaboradora assídua da revista A Violeta até 1934, ano em que faleceu vítima de malária. A romancista trocava desde cartas, livros e materiais sobre escolas domésticas com as redatoras da revista, até conselhos e “broncas” sobre o não recebimento das edições da revista em sua casa13, localizada no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Participavam do “Júlia Lopes” jovens normalistas e mulheres letradas da sociedade mato-grossense, sendo algumas de famílias tradicionais e pertencentes a uma elite econômica e/ou cultural da capital com inúmeras redes de sociabilidade na “primeira sociedade” mato“Maria Dimpina Lobo – depois Maria Dimpina Lobo Duarte. (Cuiabá, MT, 15 maio 1891 – 10 dez 1966). Bacharelou-se em Ciências e Letras pelo Liceu Cuiabano (1909). Exerceu magistério na Escola Modelo ‘Barão de Melgaço’ e no Colégio Particular ‘São Luiz’ [...]. Ingressou no funcionalismo federal através de concurso de postalista dos Correios e Telégrafos, obtendo o primeiro lugar entre os participantes de todo o Brasil. Foi a primeira mulher funcionária pública no Estado de Mato Grosso, uma das fundadoras do Grêmio Literário ‘Júlia Lopes’, da Escola Doméstica ‘Dona Júlia Lopes de Almeida’ e da Federação Matogrossense pelo Progresso Feminino. [...] assinou sua produção na revista como Arinapi e Marta, com as iniciais do seu nome, M.D., e com seu nome completo” (NADAF, 1993, p.59-60). 13 “Júlia Lopes de Almeida, a mais importante escritora brasileira da virada do século, morava na Chácara do Céu. Numa época em que não era de bom-tom as mocinhas escreverem, ela foge à regra e antecipa a mulher moderna. Adolescente, Júlia faz poesia e aos 19 anos se torna jornalista profissional, conquistando sua independência financeira e construindo uma extensa obra que inclui alguns trabalhos surpeendentes”, descreve fluidamente Hilda Machado (2002, p.63), em “Laurinda Santos Lobo: mecenas, artistas e outros marginais em Santa Teresa”. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002. No livro, Hilda aponta o salão do casal “Almeida”, Filinto de Almeida e Júlia Lopes de Almeida, que se conheceram na redação da revista A Semana, da qual Júlia era colaboradora e Filinto diretor da revista, como o mais romântico de Santa Teresa. Situado na atual rua Joaquim Murtinho, 587, o “Salão Verde” “[...] reunia a rodinha dos parnasianos, cultuava Eça de Queiroz e difundia Tolstói. [...] Centro de artistas consagrados, o Salão Verde era o mais romântico. Um episódio lembrado daqueles saraus lítero-musicais tem por cenário uma noite de lua cheia. Piano. E, como nos salões proustianos, tocase Sonata ao luar na sala às escuras, a luz da lua entrando pela janela. E eis que uma trepadeira que emoldurava a janela de Júlia despenca no meio de Beethoven: é uma cascata de rosas brancas” (MACHADO, 2002, p.66). Hilda afirma ainda que Júlia Lopes começou a receber os intelectuais e artistas em sua casa porque os “[...] jantares literários eram only for men: Júlia não podia ir. Ela começa então a receber” (MACHADO, 2002, p.64). 12

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grossense e brasileira. Do grêmio também surgiu a Escola Doméstica “Dona Júlia”, em 1946, em Cuiabá, e funcionou durante um curto período, até 1950, aproximadamente, com recursos públicos, como reivindicava Maria Dimpina em crônicas e artigos publicados na A Violeta. As escolas domésticas, na visão de Maria Dimpina, tinham como função principal afastar muitas jovens “[...] da ociosidade e da perdição, dando-lhes um meio pratico e seguro de subsistencia” (A Violeta, nº 177, p.1).

Figura 2 – Primeira diretoria do Grêmio “Júlia Lopes”, em 1917. Fotografia publicada na Revista da Semana, edição nº34, de 29 de setembro de 1917, p.38.

A historiadora Ana Maria Marques (2011) afirma que, nesse período, o [...] engajamento das mulheres ao feminismo passava pela ideia de que era preciso profissionalizar outras mulheres para o trabalho doméstico – não se cogitava a divisão de tarefas domésticas com os homens. Aliás, as “serviçais” bem preparadas manteriam a casa sem prejuízo ou perda daquela harmonia que “só as mulheres” podiam trazer ao lar (MARQUES, 2011, p.14).

Além da reorganização da família, correspondente ao ambiente “íntimo” e “privado” da mulher, as mato-grossenses se organizaram no espaço público e utilizaram a revista A Violeta para difundir o feminismo. Apesar da diversidade de assuntos publicados em A Violeta, onde é possível encontrar desde cartas e poesias sobre relações amorosas até reivindicações de transporte ferroviário e terrestre para Mato Grosso, a revista cuiabana dialogava com os temas abordados em publicações nacionais com as mesmas características:

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pensada por mulheres e para mulheres, já que a participação dos homens era especificamente como colaboradores ou interlocutores. Por conta dessa definição do público, muitos periódicos pertencentes a imprensa feminina adotaram o formato revista como veículo de comunicação ideal para a transmissão de informações, já que essas revistas se dirigem a um público considerado “homogêneo”, na opinião de Michele Mattelart (1982). Para Marília Scalzo (2004) “[...] a segmentação por assunto e tipo de público faz parte da própria essência do veículo” (2004, p.14) que permite conhecer o rosto dos leitores e leitoras e tratá-los/las informalmente, com intimidade. A periodicidade é uma das características da revista que, normalmente são semanais, quinzenais ou mensais e se diferem dos jornais, pois “[...] cobrem funções culturais mais complexas que a simples transmissão de notícias. Entretêm, trazem análise, reflexão, concentração e experiência de leitura” (Scalzo, 2004, p.13). Durante os anos de 1916 e 1919, A Violeta circulou duas vezes por mês, sem datas específicas para distribuição. A partir de 1920 a revista passou a ser publicada mensalmente, com algumas exceções, mas sem alteração na numeração das edições. A partir dos recados das redatoras aos leitores é possível perceber algumas dificuldades em manter a frequência das edições, com destaque para a diagramação em tipografias diferentes, por conta das alterações ao longo dos anos. Ainda assim, A Violeta foi publicada sem interrupções durante o tempo em que circulou e, atualmente, mais de 350 edições foram catalogadas e preservadas em diferentes locais, tanto em Cuiabá, como no Rio de Janeiro, especialmente no acervo da Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Em Cuiabá, é possível ter acesso à revista, em cópias originais e microfilmadas, no Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDHIR), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); no Arquivo Público do Estado de Mato Grosso (AP-MT), e no Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHG-MT). Outras edições foram consultadas no acervo particular da pesquisadora Yasmin Nadaf que realizou um mapeamento minucioso nesses locais e ainda em acervos e arquivos pertencentes a várias colaboradoras e redatoras d’A Violeta. É interessante notar a realização de pesquisas utilizando-se como fonte os periódicos mato-grossenses e, mais precisamente, os pertencentes à imprensa feminina, como no caso da revista e perceber a mudança do “estatuto” de um “objeto” para um “documento”, utilizando o vocabulário de Michel de Certeau (1982). A disponibilidade desses documentos e arquivos se abre como “[...] um mundo onde se reencontra a complexidade, porém, triada e miniaturizada e, portanto, formalizável” (Certeau, 1982, p.20). Ao folhear a revista, é possível perceber a gramatura do papel, as característica da impressão ou as marcas da tipografia, mas esses

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detalhes não garantem, no entanto, o “acesso” ao “passado”, já que este, para Certeau não é um produto “dado”, inerte ou finalizado. Pelo contrário, é um “produto” passível de transformação. O material é criado por ações combinadas, que o recortam no universo do uso, que vão procurá-lo também fora das fronteiras do uso, e que o destinam a um reemprego coerente. E o vestígio dos atos que modificam uma ordem recebida e uma visão social. Instauradora de signos, expostos a tratamentos específicos, esta ruptura não é, pois, nem apenas nem primordialmente, o efeito de um “olhar”. É necessário aí uma operação técnica (CERTEAU, 1982, p.81).

Compreender as especificidades dessa “operação técnica” e as mudanças advindas de uma “escrita da História por meio da imprensa” (Luca, 2010, p.111, grifo da autora), uma prática nova que se difere da “História da imprensa”, de acordo com a historiadora Tania Regina de Luca (2010), é um dos desafios deste trabalho. Para a historiadora, essa mudança de perspectiva é advinda das atividades realizadas pelos pesquisadores adeptos da “nova história”. A prática historiográfica alterou-se significativamente nas décadas finais do século XX. Na França, a terceira geração dos Annales realizou deslocamentos que, sem negar a relevância das questões de ordem estrutural perceptíveis na longa duração, nem a pertinência dos estudos de natureza econômica e demográfica levados a efeito a partir de fontes passíveis de tratamento estatístico, propunha “novos objetos, problemas e abordagens” (LUCA, 2010, p.112).

Ao eleger a perspectiva em que a imprensa é significativa para a escrita da História, torna-se necessário ampliar o questionamento feito por Tania Regina de Luca (2010): “[...] que lugar a historiografia brasileira tem reservado à imprensa?” (2010, p.115). Parafraseando a historiadora: que lugar a historiografia brasileira reserva à imprensa mato-grossense? Que lugar a historiografia brasileira e mato-grossense reserva à imprensa feminina e feminista? Que lugar a imprensa mato-grossense reserva aos periódicos alternativos14 e literários? Essas questões aproximam-se de provocações, já que não poderia respondê-las neste momento e correria o risco de ficar na superficialidade de um debate primordial – e complexo – para compreender as possibilidades interdisciplinares entre a Comunicação e a História no cenário mato-grossense. Para a jornalista Marialva Barbosa (2007), após mais de 30 anos de

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O jornal Alvorada, órgão da Prelazia de São Félix do Araguaia, localizada no noroeste de Mato Grosso, é o jornal alternativo com mais tempo em circulação no Brasil, de acordo com a jornalista Marluce Scaloppe. Tema de sua dissertação de mestrado, defendida em 2009, no Programa de Pós-Graduação em História da UFMT, Scaloppe recuperou a trajetória do jornal que circula ininterruptamente desde 1970. Ver o livro: SCALOPPE, Marluce. Práticas midiáticas e cidadania no Araguaia – O jornal Alvorada. Cuiabá: KCM, 2012.

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pesquisas, no Brasil, que envolvem “a relação mídia e história” (2007, p.15) alguns eixos15 se estabeleceram nesse “universo de possíveis”, e contemplam “[...] o que podemos chamar dimensão interna e externa do processo do comunicacional numa perspectiva histórica” (Barbosa, 2007, p.16). Barbosa (2007) ressalta, ainda, as “múltiplas formas de fazer história, de considerar a história [...]” (2007, p.16) e os “acessos” ao “passado” por meio de interpretações que constituem as narrativas históricas. Se o passado for visualizado como algo que pode ser recuperado, as fontes, documentos e emblemas do passado chegaram até o presente, sob a forma de rastros, serão privilegiados na interpretação. Se, por outro lado, considera-se que o que chega do passado são vestígios memoráveis, permanentemente reatualizados pelas perguntas que do presente são lançadas ao pretérito, o que será destacado é a capacidade de invenção da narrativa. Ou seja, não se pode eliminar a categoria interpretação da história, da mesma forma que a história será sempre uma narrativa (BARBOSA, 2007, p.17).

A imprensa feminina, em especial a que se configurou no início do século XX, constituiu-se de várias escritas singulares, fluídas e paradoxais que não devem ser encaradas com a modéstia reivindicada como “qualidade” ideal por algumas escritoras e jornalistas daquele período, no qual A Violeta está incluída. Ao contrário, procurou-se levar em consideração essas escritas inseridas nas “relações de poder”, como nos diz Michel Foucault (2010), e como “[...] pequenos enfrentamentos, microlutas [...]” (Foucault, 2010, p.231), a partir do momento em que inseriram o feminismo nessas “narrativas”. Para Dulcília Buitoni (2009), “[...] Sob a aparência de neutralidade, a imprensa feminina veicula conteúdos muito fortes” (Buitoni, 2009, p.21). Ao escolher o feminismo como uma das “interpretações” possíveis, a imprensa “falseia” quase sem querer o status “neutro” e “modesto” atribuído ao conteúdo publicado nos jornais e revistas. Sobre o feminismo, a historiadora Margareth Rago afirma [...] que as mulheres foram e ainda têm sido esquecidas não só em suas reivindicações, em suas lutas, em seus direitos, mas em suas ações. Suprimidas da História, foram alocadas na figura da passividade, do silêncio, da sombra na esfera desvalorizada do privado. O feminismo aponta para a crítica da grande narrativa da História, mostrando as malhas de poder que sustentam as redes discursivas universalizantes. O feminismo denuncia e critica. Logo, deve ser pensado e lembrado (RAGO, 1995, p.15). Marialva Barbosa (2007) considera “[...] a pesquisa sobre a relação dos meios de comunicação e história dustribuída em cinco grandes eixos de análise: os estudos que utilizam uma perspectiva meramente factual; os que priorizam as modificações e a estrutura interna dos jornais como fator de mudança do curso da história; os que enfocam os meios de comunicação como portadores de conteúdos políticos e ideológicos; os que enfatizam o contexto histórico, desconsiderando a dimensão interna do meio, a lógica própria do universo comunicacional; e, finalmente, um quinto grupo que considera a dimensão processual da história e da comunicação como sistema, no qual ganha relevo o conteúdo, o produtor das mensagens e a forma como o público entende os sinais emitidos pelos meios” (2007, p.16). 15

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Lembrar do “feminismo” impresso nas páginas d’A Violeta é, justamente, o objetivo do primeiro capítulo desta pesquisa, que apresenta os consensos e as divergências entre as vertentes do feminismo, incluindo o “bem comportado”, ou o feminismo “possível” e as características da “primeira onda”, difundida largamente no Brasil, especialmente pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). O “tornar-se” mulher nas páginas da revista e as reflexões sobre a existência de uma “essência” feminina são apresentadas nesse momento, a partir de artigos, notícias e notas publicadas durante os 34 anos d’ A Violeta. As representações das mato-grossenses por pessoas “de fora” aparecem no início deste capítulo e nos mostram a incompatibilidade entre o que era falado sobre elas e o que as próprias mulheres consideravam como “verdade”. A questão da “verdade” produzida pela revista e as especificidades do “fazer jornalístico” realizado pelas mato-grossenses são apresentadas no segundo capítulo que traz informações sobre o período em que A Violeta surgiu, marcado pelo “beletrismo”. As influências do jornalismo sobre a literatura e da literatura sobre o jornalismo, nas primeiras décadas do século XX e a dificuldade ao tentar delimitar o gênero crônica em uma dessas duas áreas aparecem nesse capítulo. A proximidade entre o jornalismo e a história também. E, ainda, os diálogos realizados com outros periódicos e com leitores da revista são abordados nesse capítulo, além das características gráficas d’A Violeta, as colaboradoras e colaboradores e principais interlocutores (homens e mulheres), aspectos de formatação, as colunas e os principais temas abordados na revista. O terceiro e último capítulo versa sobre as crônicas e os textos das edições da revista de 1916 a 1937 que continham os temas-eixos (voto feminino e feminismo) e permitem compreender detalhadamente as “escolhas” realizadas pelas redatoras e as especificidades das escritas das duas principais cronistas d’A Violeta. O capítulo traz ainda o posicionamento das autoras em relação aos temas publicados que foram divididos em blocos temáticos e a repercussão das escritas e atividades da revista e do grêmio em outros periódicos.

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CAPÍTULO I – A REDEFINIÇÃO DA “ALMA” MATO-GROSSENSE 1.1 As “outras” sertanejas Quando Alfredo d’Escragnolle Taunay – o Visconde de Taunay – escreve o romance Inocência16, publicado em 1872, e caracteriza a personagem que protagoniza a trama como uma donzela “sertaneja” – frágil, virgem, “uma pombinha do céu” – o autor constrói uma das representações da “mulher” mato-grossense que permanecerá por muitas décadas no imaginário dos cidadãos “de fora”. A trama do romance tem início no ano de 1860, mais precisamente no povoado de Sant’Ana do Parnaíba, na região de Camapuã, atualmente localizada no estado do Mato Grosso do Sul. Taunay apresenta o “sertão” como um local hostil e limitado ao âmbito doméstico para as mulheres, mas, para os homens, a vastidão da Província de Mato Grosso deveria ser explorada. E, no caso do “sertanejo legítimo”, desde “[...] moço, seu fim único é devassar terras, pisar campos que ninguém antes pusera o pé, vadear rios desconhecidos, despontar cabeceiras e furar matas, que descobridor algum até então haja varado” (Taunay, 1991, p.7). Algumas décadas antes da narrativa de Taunay, Damiana da Cunha, “physico robusto e espirito altruista”, desbravou o sertão de “Camapuan” quatro vezes: a primeira, em 1808, “[...] em prol da catechese da indomavel tribu dos cayapós. Nada a detinha; o sol, a chuva, os aclives ingremes das serras, as noites ao relento, emfim, obstaculos que a principio dir-sehiam insuperaveis, eram por aquella heroina abnegada, transpostos com a maior facilidade” (A Violeta, nº 8, p.4). As outras viagens foram realizadas em 1820, 1822 e a última em 1830, com duração de oito meses, acompanhada pelo marido e dois catequistas, em busca de “[...] arrancar daquella vida nomade, os seus irmãos de sangue e faser delles cidadãos uteis à sociedade e a patria” (A Violeta, nº 8, p.4). A trajetória civilizadora de Damiana da Cunha foi relembrada, no início do século XX, por outras “sertanejas” que criticaram a representação construída por Taunay das matogrossenses. Zilah Donato17, pseudônimo utilizado por Ana Luiza da Silva Prado, autora do

Taunay utiliza referências sobre os locais e descreve com minúcia as características do “sertão” naquele período, de acordo com as observações que fez durante os anos de 1865 a 1868, enquanto participou da Expedição de Mato Grosso. Taunay fazia parte da Comissão de Engenheiros durante a Guerra do Paraguai (1865-1870). 17 “Ana Luiza da Silva Prado – depois Ana Luiza Prado Bastos. (Cuiabá, MT, 24 de ago. – 7 mar. 1986). Professora formada pela Escola Normal ‘Pedro Celestino’ de Cuiabá, em 1917, exerceu o magistério em Cuiabá, 16

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artigo intitulado “A Mulher Apostolo”, publicado na revista A Violeta na edição nº8, de 31 de março de 1917, – às vésperas da comemoração da Paixão de Cristo e da Semana Santa – ressalta o heroísmo de Damiana e apresenta a “ex-selvagem” como uma das “imagens” fidedignas de Mato Grosso. Zilah destaca também a participação de outras mulheres [...] que na obscuridade da vida religiosa, dedicam-se a cathechese dos aborigines. Filhas todas ellas das mais distinctas familias cuiabanas abandonam na quadra mais seductora da vida o conforto do lar paterno, o doce convivio, da familia e o mundo com as suas ephemeras e falsas seduções para derramar o bem pregar a fé e conduzir à civilisação os rudes filhos do deserto (A VIOLETA, nº 8, p.4).

A referência a Damiana como “apóstolo” não aparece em vão, já que as semelhanças entre os cenários inóspitos do sertão e do deserto são utilizadas para ressaltar a “bravura” da “heroina do amor fraternal”, ao se dedicar à catequese e civilização dos povos “rudes” que estavam acima de suas duas “naturezas”: como mulher e como indígena. De maneira paradoxal, a primeira “natureza” não definia as atividades de Damiana, tanto que Zilah valoriza o “physico robusto” da “heroína”, ao contrário das comparações realizadas entre os corpos masculinos e femininos, que atribuíam às mulheres denominações relacionadas à fragilidade, por conta das características físicas consideradas “inferiores”. Como indígena Damiana tinha sido “libertada” da “natureza” selvagem, ao ser integrada à “civilização”, ainda criança, talvez sem alternativa de escolha e de maneira menos pacífica. A partir daí, a “ex-selvagem” passa a ser portadora das características “essenciais” para as mulheres: o amor e a fraternidade, que alimentam a sua outra “missão” de catequisar os “irmãos” de sangue. Assim como a trajetória de Damiana, o espaço que ela “desbravou” era desconhecido, na visão dos moradores de Mato Grosso, especialmente dos que residiam na capital, Cuiabá, e também pelos viajantes. Para a historiadora Laura Antunes Maciel (1992): Apesar de todo o intenso esforço civilizatório realizado pelos “observadores do novo mundo” desde o final do século XVIII, Mato Grosso e a sua capital Cuiabá ainda apresentavam-se aos olhos do próprio país e também do mundo como dois pontos perdidos no imenso espaço vazio, desconhecido e impenetrável. Até as primeiras décadas do nosso século, eram ainda fronteiras a serem ocupadas e que escapavam ao domínio da civilização (MACIEL, 1992, p.18).

As percepções da cidade de Cuiabá e seus habitantes por pessoas “de fora”, entre eles, viajantes, aventureiros, cientistas, que percorreram o extenso território mato-grossense em em Três Lagoas e em Campo Grande. [...] Em A Violeta assinou com o pseudônimo de Zilah Donato, com as iniciais do seu nome, A.L, e com o seu nome real;” (NADAF, 1993, p.53-54).

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expedições ou viagens científicas, durante os séculos XVIII e XIX, foram registradas em narrativas de viagens, crônicas e artigos, e essas imagens “[...] chegam até nós como o registro da distância, do isolamento e do atraso que caracterizariam a capital matogrossense em relação às demais cidades do país ou da Europa” (Maciel, 1992, p.19). A historiadora Lylia Galetti (2000) afirma que a “distância” de um lugar atendia a vários critérios, entre eles, “[...] a ausência de aglomerações urbanas, ou mesmo rurais, significativas na maior parte do trajeto percorrido. Chegar até ali era fazer um percurso longo do qual podia-se ver, durante semanas, uma natureza praticamente intocada, imensos espaços não habitados pelo homem civilizado e sinais da presença de inúmeros povos indígenas” (Galetti, 2000, p.88, grifo da autora). Estar “longe” era [...] algo mais que contabilizar léguas e dias, e “perto” queria dizer uma representação espacial de designava a proximidade com a cidade, seus signos de civilização e, sobretudo, com o maior mito do ideário liberal: o mercado. Para os padrões desta época, vapor, telégrafos e trens, “perto” era qualquer lugar que permitisse o fluxo ininterrupto, e num tempo relativamente curto, de mercadorias, pessoas e informações. Estar ou situarse longe significava, desse modo, privar-se de todas as experiências e possibilidades que estas transações de coisas, gentes e idéias favoreciam. E podia significar, ainda, aproximar-se da barbárie, correr o risco de perder-se para sempre em seus desertos (GALETTI, 2000, p.88).

No início do século XX, o governo estadual decidiu modificar as representações consideradas “equivocadas” das cidades, especialmente da capital, Cuiabá, e do povo matogrossense utilizando a “cinematographia” que foi incorporada rapidamente ao cenário cultural cuiabano. Assim, em 1919, visando a comemoração do bi-centenário de fundação de Cuiabá, Arthur Carrari e Gilberto Rossi, “director e photocinematographico da S. Paulo Natural Fim” foram contratados pelo poder executivo para realizar um filme18, que retrataria a “vida” e o “encanto” da capital, incluindo as mulheres cuiabanas. A escolha realizada pelo presidente da época, o arcebispo Dom Francisco Aquino Corrêa19, foi aceita positivamente pela sociedade e a eficiência da tecnologia que seria utilizada para a divulgação do estado foi justificada pelas jornalistas da revista A Violeta, em

Intitulado “Matto-Grosso em foco”, Gilberto Rossi dirigiu o longa metragem, silencioso, gravado em 35mm, e lançado em 1920, em São Paulo, local onde Rossi residia. O longa consta como “filme desaparecido” na filmografia do diretor, no site da Cinemateca Brasileira (www.cinemateca.gov.br), mas há registros na revista A Violeta de exibições do longa no Cinema Parisien, em Cuiabá. 19 Francisco Aquino Corrêa nasceu em Cuiabá, no dia dois de abril de 1885, e foi consagrado arcebispo na Arquidiocese da capital mato-grossense, em 1922. É conhecido como o “príncipe das letras” e foi o único matogrossense a pertencer à Academia Brasileira de Letras (ABL) até hoje. O arcebispo ganhou visibilidade, além dos limites religiosos, em 1917, quando foi indicado para a presidência do Estado, atual cargo de governador. Ver mais sobre esse fato nos próximos capítulos. 18

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um artigo publicado em 30 de outubro de 1919: “A cinematographia tem sido ultimamente um dos melhores agentes para a propaganda das riquezas, dos productos naturaes, do movimento social dum povo” (A Violeta, nº 59, p.6-7). O príncipe das letras, como Dom Aquino era chamado no cenário literário mato-grossense, teve participação ativa nas atividades do Grêmio como colaborador da revista A Violeta, inclusive com produções inéditas, e ainda nos saraus literários realizados pelo “Júlia Lopes”. Também partiu de Dom Aquino a iniciativa para a fundação do Instituto Histórico de Mato Grosso (IHG-MT), em 1919, e da Academia Mato-grossense de Letras, denominada Centro Mato-grossense de Letras, inicialmente, em 1921. As duas instituições culturais tinham a função de organizar e incentivar a produção literária e não-literária sobre Mato Grosso, especialmente, além de demonstrar que o Estado e seus habitantes também eram “civilizados”. E seguiam, ainda, como explica Heloisa Buarque de Hollanda (1994), as diretrizes das instituições, em nível nacional, “[...] destinadas a traçar ‘uma biografia para a nação’, organizar sua história e afirmar e consolidar uma língua e uma literatura nacionais” (1994, p.126). A revista e o grêmio, portanto, precedem a fundação das duas associações culturais, e esse fato é lembrado pelo advogado e poeta José de Mesquita, em uma das sessões da “Violeta Falada”, em 1946, quando a edição impressa da revista era lida aos participantes dos saraus literários. Notai - minhas senhoras - que em Cuiabá a Mulher foi pioneira da Cultura, como tem sido também das emprezas do Bem e da Caridade - e para isso vale apontar as datas da fundação das nossas três sociedades beletristas Grêmio Júlia Lopes, 1916, Instituto Histórico - 1919 e Academia - 1921. Antecedestes, assim, de 3 anos ao austero Grêmio de estudos históricos e de um lustro à própria Academia, a que já destes duas de vossas eminentes consocias. Abristes a pista, pela qual nós seguimos, encorajados pelo vosso exemplo, de rara tenacidade e dedicação (A VIOLETA, nº330, p.11).

Ainda no artigo sobre a “cinematographia”, as redatoras convidaram as cuiabanas para participarem da gravação, no jardim da Praça Alencastro, localizada no Centro da cidade, local onde a elite cuiabana se reunia para os passeios, também chamado footing. Entre os meses de março de 1917 a setembro de 1926 (Nadaf, 1993, p.32), inclusive, foi publicada a coluna “Na hora do footing”, dedicada a registrar os habitués que transitavam nesse espaço, considerado uma heterotopia por Michel Foucault (2009). O jardim, para Foucault (2009), é uma espécie de microcosmo das sociedades, e apresenta-se como “[...] a menor parcela do mundo e é também a totalidade do mundo” (2009, p.418). Em oposição à utopia, o autor explica como se configuram esses “outros” espaços:

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[...] lugares reais, efetivos, lugares que são delineados na própria instituição da sociedade, e que são espécies de contraposicionamentos, espécies de utopias realizadas nas quais os posicionamentos reais, os outros posicionamentos reais que se podem encontrar no interior da cultura estão ao mesmo tempo representados, contestados e invertidos, espécies de lugares que estão fora de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente localizáveis (FOUCAULT, 2009, p.15).

“Vampira”, um dos pseudônimos de Maria de Arruda Müller20, registrava os olhares entre os casais, os flertes e outros detalhes dos frequentadores do jardim. Em algumas notas os nomes são omitidos, cabendo aos leitores da revista A Violeta desvendar a identidade do/da retratado/a, de acordo com as características físicas descritas pela colunista. Outras atividades realizadas na capital também seriam registradas pelos cineastas, entre elas, os “[...] passeios equestres à Cervejaria Cuiabana; jogos, passeios em barcos, batalha de lança perfume, diversões estas que constituem as que fazemos sempre nesta cidade” (A Violeta, nº 59, p.7). O convite para as filmagens também se estendia as outras sociedades femininas em atividade na cidade, como as ligas e grupos de teatros, além das normalistas, professoras, sócias do Grêmio “Júlia Lopes” e as redatoras da revista A Violeta. Uma das “verdades” sobre o local e seus habitantes seria exposta no filme, mas com um aviso às “personagens”: “Sejamos cuiabanas. Não procuremos mostrar o que não somos, não deixando porém occultar aquillo que somos, os conhecimentos que temos; e, estou certa, muitas nuvens serão desfeitas, muitas verdades conhecidas sobre esta cidade” (A Violeta, nº 59, p.6). Ainda nesse texto as jornalistas fazem referências ao romance de Taunay e a afirmam que, se os cidadãos “de fora” [...] desta cidade já têm a certeza de que nós, cuiabanas, não somos ainda o que foi a Inocência de Taunay que representava a alma genuína da matogrossense daquele tempo, poucos também compreendem e sabem que em nossa veia também circula o sangue brasileiro, que também somos alegres... expansivas... e digamos sem fingida modéstia, civilizadas (A VIOLETA, nº 59, p.6).

“Maria Ponce de Arruda – depois Maria de Arruda Müller. (Cuiabá, MT, 9 dez. 1898 - ). Concluiu seus estudos em 1915 pela Escola Normal ‘Pedro Celestino’ de Cuiabá, e posteriormente passou a exercer o magistério em vários estabelecimentos de ensino da Capital matogrossense e do município de Poconé. Dirigiu o Grupo Escolar ‘Senador Azeredo’, lecionou música e desenho, em curto período, na Escola Normal ‘Pedro Celestino’ e foi membro do Conselho da Instrução Pública. Fundou o Abrigo dos Velhos e o Abrigo das Crianças em Cuiabá, e a Comissão Estadual da Legião Brasileira de Assistência em Mato Grosso. Foi também uma das fundadoras do Grêmio Literário ‘Júlia Lopes’ e da Federação Matogrossense pelo Progresso Feminino; membro de Academia Matogrossense de Letras e membro honorário do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. [...] Em A Violeta escreveu uma produção vasta e variada, assinando-a com os pseudônimos de Mary, Chloé, Vampira, Consuelo, Sara, Lucrécia, Ofélia e Vespertina, além do seu nome real” (NADAF, 1993, p.6162). Maria Müller faleceu em 4 de dezembro de 2003, aos 105 anos de idade. 20

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Ao ressaltarem o caráter “civilizado” das mulheres cuiabanas, as conterrâneas de Inocência enunciaram a incompatibilidade entre o modelo “daquele tempo” retratado como “ideal” e “genuíno” por Taunay, e apresentaram outras representações “fidedignas”, como Damiana, que correspondia às aspirações das mato-grossenses do Grêmio “Júlia Lopes” e da revista A Violeta. A construção desse “devir” passava pela redefinição da “alma” mato-grossense e algumas dificuldades tornaram-se evidentes: a superação do status de povo “selvagem” e “rude” seria realizada, inicialmente, pelo desenvolvimento do “gosto pelos prazeres do espirito” (A Violeta, nº2, p.10), pelo fomento de ações literárias, espetáculos teatrais e exibição de filmes para seletas “audiências” em residências, salões ou cinemas de Cuiabá. Constavam entre os cinco “fins” da agremiação, expostos no Estatuto do Grêmio “Júlia Lopes”, a organização de festas lítero-musicais com a função “de desenvolver o gosto pelas artes entre as associadas” (A Violeta, nº30, p.9). Cabe ressaltar que não era qualquer tipo de “arte” e, sim, a música erudita e instrumental, executadas por pianistas (homens e mulheres) e por bandas militares da capital, essas com menos frequência. A participação feminina na organização dessas ações era mais um dado relevante da “civilização” mato-grossense, que seguia os passos dos lugares mais “adiantados”, influenciada especialmente pela belle époque carioca, apesar da localização de Cuiabá no centro do extenso território do estado de Mato Grosso e das dificuldades para locomoção entre a capital e outras cidades por meio terrestre. Apesar da distância, alguns “costumes” da sociedade carioca (previamente influenciada pela sociedade parisiense) foram incorporados pela “elite” cuiabana. Em 1917, inclusive, alguns “cavalheiros gentis” discutiram a realização de “[...] um ‘five o clock thé’ para delicia das familias cuiabanas no aprazivel jardim Alencastro. Oxalá essa ideia dos distinctos cavalheiros encontre echo no coração de todos os rapazes porque assim poderemos em breve apreciar uma das festas mais 'chics' que fazem a maravilha do mundanismo carioca” (A Violeta, nº12, p.16). A alternativa para estar “perto” do “mundanismo” – enquanto a aviação comercial não se estabeleceu, até a década de 1930 – era navegar lentamente pelos rios nas diversas embarcações por rotas fluviais que cruzavam os países do Cone Sul – Paraguai, Argentina e o Uruguai –, até o habitual destino dos passageiros: a cidade do Rio de Janeiro, capital brasileira até 1960, “[...] e o percurso nunca demorava menos de três meses. A comunicação à distância era bastante incipiente, servindo-se Mato Grosso apenas de um telégrafo, que funcionava muito precariamente”, afirma Hilda Magalhães (2001, p.37).

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A navegação fluvial se estabeleceu no período Imperial (1822-1899) e trouxe mudanças significativas para Mato Grosso. As embarcações que chegavam e partiam de Corumbá (situada atualmente em Mato Grosso do Sul) para o Rio de Janeiro, por exemplo, eram de médio calado, de acordo com a historiadora Edil Pedroso da Silva (2002), e a cidade “[...] situada às margens do rio Paraguai, foi então transformada em principal porto, por ser passagem obrigatória e a mais importante via de acesso para o interior de Mato Grosso” (Silva, 2002, p.7). Aportavam em Corumbá navios “[...] procedentes de Buenos Aires, Montevidéu e Assunção. Em função disso, logo instalaram-se em Corumbá casas comerciais que aos poucos foram se estruturando e se transformando em estabelecimentos econômicos de grande porte, responsáveis pelo comércio da Província de Mato Grosso” (Silva, 2002, p.2). As embarcações que se destinavam a Cuiabá e Cáceres eram menores por conta do leito dos rios que margeavam as duas cidades, mais estreitos e mais rasos do que o rio Paraguai. Mas faziam a rota para o Rio de Janeiro, como no caso da empresa com sede em Corumbá, Loyd Brasileiro, que transportava os passageiros nos pequenos barcos denominados paquetes (Silva, 2002, p.8). Outras empresas sediadas em Corumbá movimentavam as rotas fluviais estabelecidas regularmente após o fim da Guerra do Paraguai, “[...] conflito armado que ocorreu no Prata entre novembro de 1864 até março de 1870”, descreve o historiador Alfredo da Mota Menezes21 (1994, p.36). A partir daí, de acordo com a historiadora Elizabeth Siqueira (2002), até “[...] 1930, essa navegação foi ininterrupta e por ela entraram em Mato Grosso muitas mercadorias, novos moradores – estrangeiros e nacionais – e idéias” (2002, p. 100). Algumas mercadorias tornam-se relevantes para compreender o cenário cultural cuiabano, como relata Virgílio Corrêa Filho: “[...] a abertura do (rio) Paraguai à navegação facilitou a importação de pianos, especialmente depois que a Alemanha se interessou por vendê-los em condições aceitáveis” (Corrêa, 1994, p.651). Entre as empresas sediadas em Corumbá, destaca-se a [...] Migueis & Cia Ltda, fundada em 1910, que contava com cerca de quarenta embarcações de diversos tipos e tamanhos; [...] além de empresas menores, que mantinham linhas bimensais de passageiros e cargas entre Montevidéu e Corumbá, com escala em Assunção, Concepción, Porto Murtinho, Coimbra e Porto Esperança. Esta movimentação foi mantida regularmente até as primeiras décadas do século XX. Contudo, a partir de 1914, a implantação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil - NOB, passando a ligar o sul de Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul) ao Sudeste 21

Ver mais sobre o conflito no livro: MENEZES, Alfredo da Mota. Guerra do Paraguai: como construímos o conflito. São Paulo: Contexto; Cuiabá, MT: Editora da Universidade Federal de Mato Grosso, 1998.

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do país, mais especificamente a Bauru-SP, fez com que Mato Grosso, antes voltado para a América do Sul, via estuário do rio da Prata, se direcionasse para o leste, via Sudeste do Brasil. A ferrovia passou a ser, naquele momento, um meio de transporte complementar á via fluvial (SILVA, 2002, p.7-8).

Percorrendo as rotas fluviais pelos rios Cuiabá e Paraguai, e um trecho da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, entre Campo Grande e Corumbá (capital e cidade situadas atualmente no estado de Mato Grosso do Sul, respectivamente), o jornalista americano Hugo Komor e a cantora lírica Bertha Majthányi de Komor estenderam a viagem até Cuiabá e ficaram algumas semanas na capital entre os meses de julho e agosto de 1917.

Figura 3 – Zona portuária da cidade de Cuiabá, em 1913. Fotografia publicada na Revista da Semana, nº704, oito de novembro de 1913, p.33.

Hugo Komor publicou uma crônica da viagem sobre os rails recém-inaugurados no jornal O Matto-Grosso, na edição nº1427, de 2 de agosto de 1917, destacando o conforto dos vagões da locomotiva “[...] conveniente para o comprido trajecto a emprehender” (O MattoGrosso, nº1427, p.3) e outras impressões do trecho entre Campo Grande e Corumbá, passando por Itaporã:

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A Itapurã a Corumbá não impressiona pelas obras de arte, que não as tem importancia, nem pelos grandes movimentos de terras, nem pelos cortes altos, compridos e trabalhosos. É notavel, porém, pelos bellissimos e estensos trechos abertos na mataria virgem, pela construcção segura da linha, pelo bem lançado das curvas e pelas rectas enormes em nivel, verdadeiras avenidas, preparadas a capricho para dar entrada à civilização para o mundo novo, até então esquecido nos fundões deste immenso paiz. Encontramos povoações que surgiram como por encanto, favorecidas pelo conforto, pelo policiamento, pelas garantias de vida e de prosperidade (O MATTOGROSSO, nº1427, p.3).

Adentrar nesse mundo “novo” surpreendeu Hugo Komor que estava percorrendo cidades brasileiras como correspondente de jornais americanos e europeus “[...] em viagem de propaganda, procurando desenvolver as relações entre a imprensa brasileira e os centros de industria e commercio do nosso paiz com os da grande Republica da America do Norte” (O Matto-Grosso, nº1426, p.2). Em Cuiabá, durante visita a redação do jornal O Matto-Grosso, Hugo Komor [...] fez as mais bondosas referencias à nossa modesta capital, onde confessa ter tido a agradavel surpreza de encontrar uma sociedade culta e civilisada, e o conforto necessario, destruindo as informações invertidas e por vezes deprimentes com que fóra do nosso Estado se pretende impressionar os que se abalançam a uma excursão a Matto Grosso (O MATTO-GROSSO, nº1427, p.2).

A existência do Grêmio “Júlia Lopes” e da revista A Violeta também causou surpresa e satisfação em Hugo Komor, ao visitar, na companhia de Bertha Majthányi, a redação da revista. Ao contrário do jornal O Matto-Grosso, as jornalistas d’A Violeta destacaram a presença de Bertha como “celebre cantora lyrica” que tinha recebido “[...] os maiores encomios do publico e da imprensa paulista e carioca” (A Violeta, nº14, p.12), durante a passagem dela e do marido pelas duas cidades. Bertha foi incorporada imediatamente ao programa das “festas de arte” realizadas pelo Grêmio no Palácio da Instrução e no Cinema Parisien22. As organizadoras da festa líteromusical incluíram Bertha na apresentação da noite de 17 de julho:

Instalado em 1912 por Manoel Bodstein, no mesmo local em que funcionou o teatro da “Sociedade Dramática Amor à Arte”, o Cinema Parisien é considerado o primeiro cinema oficial da capital, de acordo com Aníbal Alencastro (1996, p.26). As características do “Parisien” são descritas por Benedito Dorileo (1976): “A Sociedade Amor à Arte constituía-se no ponto de encontro da sociedade cuiabana. O cinema ao ar livre, com chão batido, tinha no filme mudo a atração comovente, desde 1912 [...]. As bandas militares eram convocadas e enfeitavam musicalmente as sessões; já na década de 20 organizou-se uma pequena orquestra com participação ativa de Zulmira Canavarros” (DORILEO, 1976, p.32). Zulmira Canavarros nasceu em 1895, em Cuiabá, e atuou ativamente no cenário musical e teatral mato-grossense e em vários setores como descreve Gervásio Leite no prefácio da “Egéria Cuiabana”, de Dorileo (1976): “Não houve, durante cinco décadas, em Cuiabá, no campo da música, d teatro, das atividades culturais femininas, nenhuma atividade que não contasse com a presença indispensável de Zulmira Canavarros” (1976, p.13-14). Zulmira também participou das atividades do Grêmio “Júlia Lopes”, do qual era sócia. 22

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Além das diversas senhoritas do 'Gremio', participaram do programma contribuindo para maior realce, a distincta cantora lyrica Mme. Bertha Komor que interpretou um bellissimo trecho do, 'Guarany' a opera do immortal Carlos Gomes, e os illmos cavalheiros drs, Alvaro Novis, Alvaro de Barros, Tte Caio Gracho de Lemos drs, Ottilio Gama e Floriano de Lemos com as suas mimosas e interessantes conferencias mignones” (A VIOLETA, nº 15, p.11).

Além dessa apresentação de estreia, Bertha participou de mais três festas realizadas pelo Grêmio, em Cuiabá, e a renda obtida nos concertos era utilizada para cobrir os gastos das viagens por conta da atividade autônoma exercida por Hugo, que tradicionalmente seria o “responsável” por manter economicamente a família. Em uma notícia transcrita na revista A Violeta, de um jornal paulista não identificado pelas autoras, a organização financeira e a “especificidade” do casal são registrados pelos jornalistas que destacam o comportamento de Bertha como “afetuoso”, e registram ainda os “dotes artísticos” da cantora. Hugo Komor fazia [...] sua longa viagem a sua custa visto que seu trabalho só tem remuneração devida quando apresentado em original para ser dado a estampa, conforme seu contracto. Nessas condições, sua exma. esposa que é uma cantora de grande valor, presta-lhe o seu affectuoso concurso, dando concertos nas cidades cultas que visita (A VIOLETA, nº14, p.12).

Hugo Komor atuava como correspondente de vários jornais, mas recebia a remuneração pelos trabalhos quando apresentava o texto final aos editores, e isso poderia demorar meses, já que o casal residia em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Como Bertha e Hugo não seguiam uma organização familiar “tradicional”, por conta da instabilidade das atividades dos dois e das constantes viagens esse “detalhe” talvez tenha sido considerado mais uma “licença poética” e uma possibilidade de “emancipação” da mulher do que um “defeito” moral. A estadia da “artista de elite” Bertha e do “confrade de imprensa” Hugo alterou a dinâmica cultural da imprensa e das festas literárias realizadas pelo Grêmio “Júlia Lopes” durante algumas semanas, principalmente porque os cidadãos “de fora” reconheceram na sociedade cuiabana os “indícios” e “valores” de civilização tão almejados pelos que viviam no meio do “Mato”. A crônica escrita por Mary, outro pseudônimo utilizado por Maria de Arruda Müller, na edição nº15 da revista A Violeta, de 31 de julho de 1917 dimensiona essa constatação: Magnifica, resaltando do habitual, marcando epocha nos annaes mundanos desta cidade verde, desejara a chronista que fosse a festa do dia 26, em que o Gremio Julia Lopes fez o seu beneficio. As nossas festas, não somos nós os que dizem – têm um attractivo especial, lembram qualquer cousa dos centros mais civilisados, naquelle desfilar de senhores e senhoras em toilletes finas

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que sobem e descem as escadarias illuminadas do Palacio da Instrucção, satisfeitos nesse rendez-vous social que nós as do ‘Gremio’ sabemos proporcionar (A VIOLETA, nº15, p.1-2).

A festa lítero-musical do dia 26 de julho também foi noticiada no jornal semanal O Matto-Grosso, na edição publicada no dia 2 de agosto de 1917: Abrindo a sessão, proferiu um magnifico discurso a senhorinha Francisca de Figueiredo, que agradeceu o comparecimento do avultado numero de pessoas da nossa primeira sociedade, que alli se achavam. O variado programma foi desempenhado com perfeição, tendo ainda havido, além da passagem de uma fita cinematographica, um outro numero extraordinário, que também muito agradou à assistencia e que consistiu no canto de uma aria da opera Guarany, interpretada por madame Bertha Majthànyi (O MATTO-GROSSO, nº 1427, p.2).

A partida de Hugo e Bertha também foi assunto das páginas do jornal O MattoGrosso, da edição de 9 de agosto de 1917. Os jornalistas cuiabanos lamentaram o retorno do casal aos Estados Unidos sem a finalização da crônica escrita por Hugo que teve a primeira parte publicada no jornal e descrita acima. Em clima de despedida, os redatores ressaltaram os esforços realizados por Hugo para [...] divulgar fora do nosso meio alguns aspectos da nossa vida social, deixando entrever o futuro promissor do nosso grande Estado, ainda tão pouco conhecido no estrangeiro. Aos estimaveis viajantes que nos deixaram fundas sympathias, desejamos muitos triumphos e muitas felecidades, tendo a lamentar que até este momento não nos fosse entregue a continuação do artigo do Sr. Komor e cuja remessa nos avisou ao trocarmos as despedidas no porto de embarque (O MATTO-GROSSO, nº 1428, p.4).

O roteiro percorrido pelo casal nesse cenário “mundano” apresenta, por meio de uma fresta, as atividades iniciais do Grêmio e d’A Violeta nos seis primeiros meses de existência, desde a cerimônia de instalação da agremiação e apresentação da revista, realizada no dia 25 de dezembro de 1916, no salão nobre do Palácio da Instrução, um dos locais onde Bertha também foi aclamada. O êxito alcançado em tão pouco tempo está vinculado diretamente aos outros “fins” do Grêmio, e indiretamente à instalação da Escola Normal “Pedro Celestino”, em 1911, na capital.

1.2 A educação formal em Cuiabá A “primeira” sociedade que comparecia aos eventos da agremiação e tinha acesso à revista A Violeta se distinguia, inicialmente, por uma característica: era alfabetizada. Essa informação torna-se significativa após o acesso aos dados de dois censos populacionais realizados em Mato Grosso, um no ano de 1890, no início do período republicano, e outro

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trinta anos depois, em 1920, que registraram informações detalhadas sobre os moradores das áreas urbanas e rurais dos municípios mato-grossenses. A capital registrou altíssimos índices de analfabetismo nas duas ocasiões. Vital Baptista de Araújo, 38 anos, jornalista, branco e casado residia em Cuiabá, no ano de 1890, era um dos poucos que respondeu positivamente aos questionamentos realizados pelos recenseadores sobre alfabetização. De casa em casa, os recenseadores visitaram as famílias dos dois distritos que formavam a área urbana da capital e totalizavam menos de duas mil casas. No primeiro distrito, Freguesia da Sé, que abrangia a região central da cidade, foram contabilizados 6.836 habitantes e 1.385 casas. Os cidadãos responderam as seguintes questões durante o censo: nome, idade (meses e anos), profissão, raça, estado civil, religião, nacionalidade, instrução (sabe ou não ler; frequenta ou não a escola) e “defeitos” físicos. Infelizmente, os dados estatísticos finais do primeiro distrito não estavam disponíveis no arquivo original, consultado no Arquivo Público de Mato Grosso (AP-MT). No caso do segundo distrito, a Freguesia de São Gonçalo, os dados estavam completos. A Freguesia tinha 597 casas, 2.392 habitantes, destes 954 sabiam ler e 1.438 cidadãos eram analfabetos. Em 1920, constatou-se o seguinte: a população havia triplicado em 30 anos. Passou de 9.228 habitantes em 1890 para 33.687 habitantes em 1920. Do total de habitantes da capital em 1920, 21.653 cidadãos não sabiam ler nem escrever, e estes números refletem a situação educacional da capital: a maioria das escolas de ensino primário – responsáveis pela alfabetização – era particular. As outras, de ensino público, eram pouco frequentadas e não apresentavam condições favoráveis para o funcionamento, entre outros problemas herdados ainda do período imperial. A educação pública recebeu atenção especial a partir de 1910, com a realização da Reforma da Instrução Pública em Mato Grosso que resultou na criação de escolas e grupos escolares ou em reformas estruturais das instituições existentes, tanto na capital como em várias cidades do interior. Em Cuiabá, o “Liceu Salesiano São Gonçalo”, fundado em 1894, recebeu um terreno do Estado para a construção do prédio onde funciona até hoje, ao lado da Paróquia de Nossa Senhora Auxiliadora, em uma das avenidas centrais da cidade, a Tenente Coronel Duarte, conhecida como Avenida da Prainha. Naquele período, o Salesiano foi considerado um dos centros educacionais mais importantes do País porque oferecia, além dos cursos primários e secundários, cursos profissionalizantes em diversas áreas como “[...] oficina de carpinteiro,

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ferreiro, sapateiro, alfaiate, de impressão e encadernação”, afirma Lenine Póvoas (1982, p.51). Outro destaque no cenário educacional da capital era o “Liceu Cuiabano”. Instalado em 1880, oferecia curso superior e “ginasial” que atraía jovens de todo o estado e de territórios vizinhos, como narra Carlos Trubiliano (2008): Após terminar o curso primário, os filhos das famílias de posses sulmatogrossenses iam estudar nos grandes centros da época ou, geralmente, em Cuiabá, onde existia a única escola “ginasial” do estado - o Liceu Cuiabano. Já as moças não tinham como prosseguir seus estudos, pois naquele tempo era quase impossível imaginar uma garota morando longe de sua família, mesmo que fosse para estudar (TRUBILIANO, 2008, p.2).

A alternativa para as mulheres eram os colégios religiosos, entre eles, o “Externato do Sexo Feminino”, fundado em 1889, segundo Póvoas (1982), “[...] o primeiro estabelecimento dedicado exclusivamente ao ensino do sexo feminino, que se tem notícia” (Póvoas, 1982, p.51). Além da orientação religiosa, as estudantes desses colégios necessitavam se “adequar” a alguns “padrões” tradicionais da sociedade. Logo, a função do colégio caracterizou-se por oferecer às educandas instrução voltada para o refinamento cultural e social, afim de preocupar-se em torná-las aptas ao convívio social como mulheres virtuosas, polidas e religiosas convictas, atendendo assim às expectativas das famílias que desejavam ver suas filhas como futuras “damas da sociedade”. Exatamente por isso, na grade curricular do Colégio Auxiliadora constavam cursos de “costura, piano e de pintura; preparação para a primeira comunhão e crisma” (TRUBILIANO, 2008, p.4).

No caso das mulheres que tinham alguma intenção de exercer uma profissão, um dos caminhos era o magistério. “Vale informar, que as primeiras escolas normais para a formação de professores no Brasil foram criadas entre 1835 e 1880, oferecidas, a princípio, somente aos homens, havendo a inclusão feminina nos primeiros anos da República” (Trubiliano, 2008, p.4). Em Cuiabá, houve uma Escola Normal que preparava homens e mulheres para o magistério, em 1875, mas a iniciativa não foi bem sucedida, de acordo com Virgílio Corrêa Filho (1994, p.651). A referência a “antiga” Escola Normal também aparece no jornal A Provincia de Matto Grosso, na edição nº112, de 20 de fevereiro de 1881, em um aviso assinado pelo secretário da “Instrucção” e publicado com data de 28 de dezembro de 1880, informando uma das professoras da “extinta” Escola Normal a disponibilidade da sua vaga ou “cadeira” por mais quatro meses, em outra escola primária destinada ao sexo feminino da capital. No mesmo jornal, na edição nº118, de 3 de abril de 1881, é divulgada a publicação de um ato do presidente da província de Mato Grosso determinando a reorganização da Escola Normal.

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As dificuldades para a manutenção das escolas primárias, da “Normal” e do “Liceu Cuiabano” em funcionamento são relatadas pelo próprio presidente da Província, José Maria de Alencastro, em um relatório publicado em três edições no jornal A Província de Matto Grosso, no ano de 1882. Nas edições nº185 e 186, de 16 de julho e 25 de julho, respectivamente, o presidente ressalta a obrigatoriedade do ensino primário, tido como preceito legal na província [...] mas não tem passado de uma theoria escripta para simples advertencia aos pais de familia pelo grave erro que commettem condemnando a prole a ignorancia. Urge, pois, fazer-se effectiva a obrigatoriedade dentro de certos limites que devem ir-se alargando à medida que o forem permittindo as condições a que esse preceito tem de subordinar-se (A PROVÍNCIA DE MATTO GROSSO, nº185, p.1).

Alencastro relata a situação da educação pública na Província, apesar dos esforços de alguns diretores e professores. Em visitas que fiz às escholas primarias desta capital, reconheci que algumas dellas deixam muito a desejar para o aproveitamento do ensino dos alumnos, em razão da pouca dedicação dos respectivos professores, não menos que da pouca observancia das regras e preceitos pedagogicos e de methodologia moderna. Essa tibia dedicação e taes professores procede certamente da falta de vocação para o magisterio, pois não ha duvidar (sic) que deste requesito depende boa parte o bom desempenho do serviço a seu cargo. Da regularidade do ensino ministrado na eschola normal, e do rigor dos exames dos seus alumnos depende a melhora da instrucção primaria, visto que então esta só será professada por individuos que possuirem realmente as habilitações exigidas pelo regulamento (A PROVÍNCIA DE MATTO GROSSO, nº185, p.1).

Cita, ainda, as duas principais dificuldades para executar a obrigatoriedade do ensino primário: a primeira “[...] que os pais se julguem com isso offendidos no direito discrionario que ainda se attribuem sobre os filhos. Mas admittidas as convenientes restricções, com prudente energia, esse salutar preceito irá pouco a pouco tornando-se realidade: e a pratica converterá em habito para todos o dever de mandar os filhos à eschola” (A Província de Matto Grosso, nº185, p.1). A outra dificuldade “[...] à execução da medida em questão: é a escassez de meios nos cofres municipaes e provincial para ocorrer à consquente despeza com roupa para os alumnos notoriamente pobres” (A Província de Matto Grosso, nº185, p.1) e sugere a criação de um recurso destinado às despesas com livros e uniformes para os alunos pobres. Alencastro deixa a critério do governo imperial e dos legisladores a efetiva execução da obrigatoriedade do ensino primário “[...] da qual principalmente depende a propagação da instrucção elementar por todas as camadas da sociedade matto-grossense” (A Província de Matto Grosso, nº185, p.1). Destaca, ainda, a função da instrução “[...] como elemento de

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ordem e de progresso, para constituir-se um direito, um dever do Estado. O alto gráo de desenvolvimento intellectual a que hão attingido os povos que têm adoptado o ensino obrigatorio, atesta as vantagens que lhe são inherentes” (A Província de Matto Grosso, nº185, p.1), citando países europeus, e a Alemanha, em especial. Alguns anos depois, às vésperas do século XX, o cenário educacional brasileiro e, por consequência, o mato-grossense sofreu algumas alterações que definiram os novos rumos educacionais, afinados com os ideais republicanos. Em São Paulo, de acordo com Rosa Fátima de Souza (2006), ocorreu a constituição do moderno “aparelho de ensino” que foi implantado em outros estados e cidades brasileiras. [...] os republicanos paulistas incorporaram boa parte dos elementos implicados na modernização educacional em voga, em circulação nos países considerados civilizados, valendo-se, também, das experiências acumuladas no país durante o Império e das iniciativas implementadas no final desse período. Não obstante, negando a continuidade que lhe era intrínseca, buscaram romper com o passado imperial, erigindo as iniciativas republicanas como símbolo de modernização e progresso, contrapondo-se ao atraso das instituições e o regime monárquico. À educação popular foi atribuído o importante papel de formação do cidadão republicano, consolidação do novo regime e promoção do desenvolvimento social e econômico. Ancorado nesses princípios, o sistema escolar paulista fundamentou-se na formação dos professores e na renovação dos processos de ensino (SOUZA, 2006, p.112).

A instalação da Escola Normal “Pedro Celestino”, no dia 1º de fevereiro de 1911, no Palácio da Instrução, em Cuiabá, efetivou a reforma do ensino público, em Mato Grosso, com a implantação do modelo paulista de sistema educacional, baseado na criação de Grupos Escolares como nova alternativa para a organização da escola primária e aplicação de outras metodologias de ensino. Para dirigir a Escola Normal, o então Presidente do Estado, Pedro Celestino, contratou dois educadores paulistas “[...] Leowegildo de Melo (seu primeiro Diretor) e Gustavo Kuhlmann, trazidos de São Paulo pelo Presidente Pedro Celestino Côrrea da Costa especialmente para orientarem a profunda reforma da instrução pública estadual levada a efeito em seu Governo” (Póvoas, 1982, p. 52). Gustavo Kuhlmann, na verdade, foi diretor da Escola Modelo, que funcionava no mesmo prédio da Escola Normal e tinha uma função complementar e primordial para as atividades da Escola Normal, como explica Rosa Fátima: A Reforma da instrução pública iniciou-se pela Escola Normal, mais especificamente pela criação da Escola-Modelo, considerada o coração da reforma. Destinada à prática de ensino dos alunos-mestres da Escola Normal, a Escola-Modelo funcionou como um campo de experimentação. Além de promover a formação técnica dos professores, atuou como centro

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de irradiação dos novos métodos de ensino - propriamente o método intuitivo ou lições de coisas - e, ainda, como referência de organização da escola primária (SOUZA, 2006, p.113, grifo da autora).

Em Cuiabá, dois Grupos Escolares foram instalados, um em cada Distrito, que eram as antigas “Freguezias”. O primeiro Grupo Escolar compreendia a Escola Normal e a Escola Modelo com sede no Palácio da Instrução, no centro da capital. O segundo Grupo Escolar, denominado “Senador Azeredo”, estava instalado no segundo Distrito da capital, na região do Porto, ou da “Freguezia de São Gonçalo”. Os dois grupos estavam alicerçados nos três principais fundamentos da educação republicana: “gratuidade, laicidade e obrigatoriedade”, de acordo com Nailza Gomes (2009, p.50). A primeira turma da Escola Normal tinha 47 estudantes matriculados, sendo 17 homens e 30 mulheres. Classificada como ensino profissional e “pedagógico”, o curso “normal” tinha a duração de quatro anos e constava na grade inicial cinco disciplinas: Português; Francês, Caligrafia e Desenho, compiladas e lecionadas por apenas um professor; Matemática, Geografia e “Corographia” e Pedagogia. O quadro docente no primeiro ano de funcionamento da Escola era de dez professores: nove homens e uma mulher, de acordo com os dados do censo educacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE)23. Apesar do censo do IBGE apontar uma professora entre os docentes, no relatório enviado pelo diretor da Escola Normal, Leowigildo Mello, ao governo estadual, em 1911, e apresentado pela historiadora Nailza Gomes (2009) não consta o nome da professora entre os docentes. Apenas sete professores, todos do sexo masculino, são apresentados no relatório com suas respectivas disciplinas. Possivelmente, o censo deve ter sido realizado após a entrega do relatório, ou algumas disciplinas dedicadas ao “sexo feminino” não foram citadas pelo diretor, já que em nota publicada no jornal O Matto-Grosso, em 1917, a professora Gertrudes Machado Ribeiro é parabenizada pelo aniversário e apresentada como “[...] competente professora de Musica e trabalhos domesticos da Escola Normal” (O MattoGrosso, n° 1403, p.3). Algumas mudanças curriculares foram percebidas com a entrada das mulheres nos cursos profissionais, entre elas, [...] curriculares, com a “introdução da disciplina Prendas Domésticas e Trabalhos com Agulha, cursada apenas pelas alunas”. Tais disciplinas possibilitavam às educandas organizar seu enxoval para o futuro lar. Deste Dados disponíveis na seção de “Estatísticas do Século XX” do site do IBGE (http://seculoxx.ibge.gov.br/populacionais-sociais-politicas-e-culturais/busca-por-temas/educacao). Acessado em 13 de abril de 2013. 23

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modo, a Escola Normal procurava priorizar a educação feminina visando preservar a moral e a instrução da mulher para o espaço doméstico. [...] Portanto, o ensino Normal tornava-se uma complementação da educação adquirida na família, contribuindo para que a mulher tivesse uma sólida formação religiosa baseada nos preceitos cristãos, destacasse sua posição social de elite, ou seguisse os caminhos da “natureza” feminina através do “dom” de ser professora e, acima de tudo, mãe (TRUBILIANO, 2008, p.4).

Nailza Gomes (2009) explica a feminização do magistério, em Cuiabá, apresentando o quadro docente da Escola Modelo, responsável pela alfabetização de meninos e meninas e um trecho do relatório escrito por Leowigildo, que reafirma a determinação “natural” das mulheres para cumprir a missão de “mãe” ou de “mãe-professora”. Anexado no mesmo documento da Escola Normal, o quadro da “Modelo” apresentou outros dados, de acordo com Nailza: “Vê-se que com a criação dos Grupos Escolares o ensino ficou dividido em dois segmentos distintos, ou seja, a ‘ala feminina’, com 100% do corpo docente feminino, e a ‘ala masculina’, que era atendida majoritariamente por homens (apenas 37,5% do quadro docente era constituído por mulheres)” (Gomes, 2009, p.54). A presença de apenas três professoras na “ala masculina” é justificada pelo diretor da Escola Normal. Sendo as primeiras classes as mais diffíceis e aquellas onde affluem maior número de creanças em tenra edade, devem ser dirigidas, de preferencia, por mulheres, pois o resultado do ensino alli, depende exclusivamente da paciência, do carinho e da dedicação da mestra para com os alunos. E com orgulho affirmo, o Grupo Escolar conseguiu ser, para seus educandos a continuação da família (RELATÓRIO, 1911, Apud GOMES, 2009, p.54).

Movidas pelo “dom” e pelo amor que emanam da sua “natureza”, as professoras foram consideradas responsáveis pela alfabetização dos estudantes, enquanto os professores do sexo masculino ocupavam as “cadeiras” nas escolas secundárias e dos cursos profissionalizantes e superiores, tanto de bacharelado como licenciatura. Em Cuiabá, vários professores dividiam a atuação entre a Escola Normal e o Liceu Cuiabano. Em uma carta enviada ao jornal O Matto-Grosso, assinada apenas por “Um prejudicado”, o cidadão denuncia uma situação enfrentada por alunos do “Liceu Cuiabano”. Segundo o “prejudicado”, Os proprios alumnos declaram francamente ser a causa do atrazo no ensino alli ministrado, ou que deve ser ministrado, a falta quasi absoluta de assiduidade por parte dos lentes. É de notar que alguns lentes do Lyceu, que o são tambem da Escola Normal, compareçam assiduamente às aulas d'este ultimo estabelecimento, emquanto que descuram completamente das aulas do outro. Querem talvez, um paulista para director? (O MATTO-GROSSO, nº1127, p.2).

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Outros professores acumulavam cargos no governo estadual, como no caso de “[...] Malaleel Marinho Rego e Amarilio Novis, aquelle inspector de hygiene do Estado e este director da Gazeta Official” (O Matto-Grosso, n°1276, p.3). E até um delegado da capital lecionava na Escola Normal: UM PAU POR UM OLHO O sr. dr. Manoel Amaro Lopes Pereira delegado de policia da capital, obteve do governo do sr. Costa Marques, trinta dias de licença para tratamento de sua saude. Entretanto, continúa s.s. regendo a cadeira de geographia de que é professor na Escola Normal. É que sua doença é só quanto ao cargo de delegado (O MATTO-GROSSO, nº1282, p.2).

Além da diversidade de ocupações acumuladas pelos professores, é interessante perceber a maneira como eram nomeados os ocupantes das “cadeiras” nas escolas, em Mato Grosso. As mulheres não aparecem nas disputas por “cadeiras” da Escola Normal e do Liceu, porque os locais “destinados” a elas eram as séries iniciais, e não as escolas que ofereciam cursos

profissionalizantes

ou

bacharelado/licenciatura,

estes

mais

prestigiados

“intelectualmente” do que as de ensino primário. No quadro de criação da Escola Normal, apenas o diretor tinha graduação em Pedagogia, de acordo com Gomes (2009). As indicações para as escolas eram “negociadas” com os governantes como fica evidente em alguns trechos publicados no jornal O MattoGrosso, órgão vinculado ao Partido Republicano Mato-grossense (PRMG), que, naquele instante, se opunha ao presidente do Estado, Joaquim da Costa Marques. O lado moral do zelo dedicado pelo sr. Costa Marques à instrucção, se mede pela nomeação do sr. Anysie Cardoso para professor da escola normal e pela conservação do sr. Waldomiro de Campos no cargo de director do grupo escolar de Poconé. Quem quer que conheça a idoneidade e os precedentes de taes pedagogos, sentir-se-á horrorisado pela instrucção da nossa mocidade, maxime se investigar as dissensões e a anarchia que lavram entre os professores e directores dos estabelecimentos secundarios de ensino, e a competencia da maioria dos professores designados para as escolas isoladas do interior, tendo sido alguns delles repellidos pelos paes de familia, indignados com o menospreso de s. exc. pela educação de seus filhos (O MATTO-GROSSO, nº1294, p.1).

Em outra nota a filiação partidária do professor teria sido a causa de sua demissão, da Escola Normal. “Foi nomeado professor interino da Lagunita, no municipio de Ponta Porã, o nosso distincto e intelligente amigo José Maria da Conceição Santos que com muita proficiencia exercia o cargo de amanuense da escola normal, donde foi violentamente demittido pelo crime de pertencer ao nosso partido. Parabens” (O Matto-Grosso, n°1320, p.2, grifo da redação).

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Apesar dessas interferências partidárias e das alterações na presidência do Estado, a primeira turma da Escola Normal colou grau no dia 22 de janeiro de 1914, em uma cerimônia realizada no Palácio da Instrução. No ano seguinte, em 1915, a segunda turma recebeu a diplomação no dia 19 de novembro, também no salão nobre do Palácio. Dessa vez, os nomes e as notas dos estudantes foram publicados no jornal: Concluiram o curso da Escola Normal desta capital, sendo diplomados por occasião das festas realisadas no palacio da instrucção no dia 19 do corrente, os professorandos que, nos exames finaes do 4º anno, obtiveram as seguintes approvações: Alfredo Monteiro - approvado com distincção, gráo 11; Benedicto Bruno da Silva - approvado com distincção, gráo 10; Maria Ponce de Arruda - approvada plenamenteo, gráo 9; Benedicta Ribeiro - approvada plenamente, gráo 9; Anna Marcondes de Oliveira - approvada plenamente, gráo 8; Laurinda Ribeiro - approvada plenamente, gráo 8; Maria da Gloria de Figueiredo - approvada plenamente, gráo 8; Amelia de Arruda Lobo approvada plenamente, gráo 8; Maria de Camargo - approvada simplesmente, gráo 7. Por absoluta falta de espaço deixamos de dar o resultado dos exames de outros annos do curso normal (O MATTOGROSSO, nº1318, p.2).

A mudança nas “cadeiras” das escolas públicas ocorreu efetivamente no ano seguinte, precisamente no dia 25 de abril de 1916, quando, por meio de um despacho do presidente Caetano de Albuquerque, [...] foram exonerados diversos professores interinos de escolas primarias e de grupos escolares e nomeados para substituil-os alguns dos normalistas diplomados pela nossa escola normal. É digna de applausos e de encomios essa iniciativa do governo do Estado, procurando aproveitar aptidões e capacidades dos nossos profissionaes e refundindo, assim, o magisterio publico do Estado, provido, na sua grande maioria, por individuos incapazes, sem a menor instrucção e falhos de todo e qualquer requisito para o desempenho de tão ardua funcção. [...] Não é justo e nem admissivel que se lance mão de elementos extranhos, sem cultura e conhecimentos especiaes, como tem acontecido, com o proposito de agradar a este ou arrimar aquelle outro, quando os procuraram habilitar-se em um curso official de quatro annos, com aproveitamento mais que satisfactorio, ficam esquecidos e preteridos, de uma maneira mais que clamorosa (O MATTO-GROSSO, nº1341, p.2).

Outra mudança no fim de 1916 alterou o cotidiano da Escola Normal: o diretor e “fundador”, o paulista Leowegildo Mello, foi exonerado pelo governo estadual, no dia 19 de dezembro. Em seu lugar tomou posse Cesário Alves Corrêa. Meses depois, em abril de 1917, Leowigildo requereu a reintegração ao cargo, alegando que a rescisão do contrato era ilegal. O episódio é narrado pelos jornalistas d’O Matto-Grosso que ironizam o ex-diretor por anunciar o retorno ao cargo, antes da decisão oficial. Leowigildo [...] não se limitou a esperar pacientemente o despacho do seu requerimento. S.S. vivia pelos cafés e por toda parte a annunciar a sua reintegração. Encommendou champagne gelada, comprou cabrito, perú, mandou fazer

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doces, projectou um baile, fez convites para a festa que daria pela sua volta à Directoria da Escola Normal. Ha duas semanas que nos dias de despacho collectivo, reunia os amigos em grupos pela rua de cima, aguardo a esperada reintegração. A champagne duas vezes foi para o gelo e duas vezes sahiu. Afinal o penultimo numero da Gazeta Official trouxe o seguinte despacho do integro Sr. Interventor Federal ao seu requerimento: ‘O acto do Governo do Estado, n°905, de 11 de Dezembro de 1916, completo e acabado, diz respeito a relações contractuaes entre as partes. As requerente só assiste o direito de, sendo illegal a rescisão, pedir ao judiciario as compensações cabiveis.’ Foi agua na fervura do Sr. Leovigildo. Felizmente para os cabritos e perús, elles ainda não tinham suado na faca (O MATTO-GROSSO, nº1401, p.3, grifo da redação).

Para além das disputas políticas e partidárias por “cadeiras” e cargos, algumas estudantes e professoras das Escolas Normal e Modelo utilizaram o espaço escolar e as “redes” de sociabilidade construídas nos primeiros anos de funcionamento dos grupos escolares como uma engrenagem para a formação de uma intelligentsia feminina24 que atuaria também em outros cenários, talvez mais “mundanos”. As duas escolas foram as estruturas dessa “rede”, a partir do instante em que reuniram as “intelectuais”, potencializaram a atuação das mulheres na esfera pública e interferiram diretamente na opinião pública mato-grossense. Jurgen Habermas (2003) utiliza o exemplo da burguesia para explicar que a “[...] esfera pública aparece naturalmente à opinião pública como una e indivisível” (2003, p.73), e afirma que a “opinião pública” nasce “[...] da força do melhor argumento demanda aquela racionalidade moralmente pretensiosa que busca conjuminar o certo com o correto. A opinião pública corresponde à ‘natureza das coisas’” (Habermas, 2003, p.72). Tendo a “razão” como principal critério para se estabelecer, Habermas descreve a formação de uma “esfera pública literária” que era “[...] dotada de um público possuidor de suas próprias instituições e plataformas de discussão” (2003, p.68), e dialogava com a “esfera pública política”, por meio da “mediatização” e do processo “[...] ao longo do qual o público constituído pelos indivíduos conscientizados se apropria da esfera pública [...]” (2003, p.68).

Intelligentsia remete a “intelectuais” que podem constituir vanguardas artísticas, sociais ou políticas. Entendida como unidade social, a intelligentsia pode impor normas ou códigos. Morin (2006) cita três condições que formaram as bases dos avanços das mulheres no século XX: “1. A existência e a ação de uma intelligentsia feminina. 2. A socialização maciça da mulher (sobretudo com o desenvolvimento do regime assalariado). 3. O desenvolvimento de uma cultura e de uma ideologia femininas” (MORIN, 2006, p.161). “A intelligentsia permite a constituição de um “povo” feminino”, continua Morin (2006), e a “[...] ação de uma intelligentsia: esta se dedica à defesa, à salvaguarda e à reabilitação da identidade coletiva, segrega a ideologia emancipadora, sente-se responsável pelo destino da comunidade. [...] uma intelligentsia feminina desempenha papel-chave na formação e no desenvolvimento do feminismo. 2. O papel da intelligentsia feminina não têm podido ser eficaz senão com a socialização da mulher. Essa socialização se desenvolve essencialmente com a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho, a constituição de uma multidão de assalariadas femininas. [...] A socialização se acentua com a entrada das mulheres na política geral (direito ao voto) e com sua entrada no circuito da comunicação de massa. 3. O desenvolvimento de uma cultura específica e de uma ideologia feminista é a terceira condição fundamental” (MORIN, 2006, p.162). 24

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Em Mato Grosso, as duas esferas eram “mediatizadas”: a “política” tinha dois partidos, que se revezaram nos cargos até a década de 1930, o Republicano Mato-grossense (PRMG), e o Partido Republicano Conservador (PRC). Cada partido tinha um jornal, do PRMG era o O Matto-Grosso, e do PRC, O Republicano, que se digladiavam publicamente e fermentavam as disputas eleitorais, especialmente na capital. Na esfera “literária”, as revistas e jornais ligados aos grêmios se destacaram, antes da fundação da Academia Mato-grossense de Letras, que passou a mediar os interesses comuns dos participantes dessa “esfera”. Duas migrações da “esfera íntima” familiar, que Habermas (2003) considera como o cerne da “esfera privada”, para a “esfera pública” se deram em 1909, dois anos antes da criação da Escola Normal. As duas “microlutas” apareceram no cotidiano da capital matogrossense, e uma das protagonistas foi Maria Dimpina Lobo, diplomada, aos 18 anos, como “bacharel” em “Ciências e Letras”, pelo Liceu Cuiabano, em uma cerimônia realizada no dia 13 de junho, no Palácio da Instrução. A solenidade foi noticiada no jornal O Pharol com um detalhe: “[...] Seguiu-se a collação de grao aos bacharelandos Srs. Antonio Alce Portella, Juliano José da Silva e Lindolpho P. Cuiabano, e também à alumna Maria Dimpina de Arruda Lobo, que prestou os exames do 6º anno em 1907 e requereu agora à investidura do título que pela primeira vez é conferido a uma senhorita em Matto Grosso” (O Pharol, nº 202, p.3). No mesmo ano, Zulmira Canavarros fundou o Grupo Feminino de Teatro Amador25, em Cuiabá, com o apoio de uma equipe formada somente por mulheres. Apesar de significativas para o período, eram iniciativas isoladas, mas anunciavam mudanças definitivas na sociedade mato-grossense. Os inúmeros arranjos do “ecossistema” constituído a partir de 1911 poderiam ser apresentados de várias maneiras. A mais simples, talvez, para compreender como essa “rede” se formou é identificar os “itinerários” do núcleo central desse “meio intelectual” e o seu “pequeno mundo estreito”, utilizando o vocabulário e a “metodologia” do historiador JeanFrançois Sirinelli (2003), mas evitando “generalizações apressadas e as aproximações duvidosas” (2003, p.247). Sirinelli defende a análise dos itinerários e dos “personagens” levando em consideração [...] duas acepções do intelectual, uma ampla e sociocultural, englobando os criadores e os “mediadores” culturais, a outra mais estreita, baseada na noção de engajamento. No primeiro caso, estão abrangidos tanto o jornalista como o escritor, o professor secundário como o erudito. Nos degraus que levam a esse primeiro conjunto postam-se uma parte dos estudantes, criadores ou “mediadores” em potencial, e ainda outras categorias de “receptores” da cultura (SIRINELLI, 2003, p.242). 25

NADAF, Yasmin. Presença de mulher: ensaios. Rio de Janeiro, 2004, p.16.

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1.3 O “Júlia Lopes” Almira de Mendonça era uma das professoras da “ala feminina” da Escola Modelo, casada com o advogado Estevão de Mendonça, que atuava ainda como professor, historiador, geógrafo e jornalista, em Mato Grosso, e integrava a Sociedade de “Geographia” de Lisboa, entre outras atividades. Em um relato publicado no O Matto-Grosso, Estevão de Mendonça, que fazia parte da redação do jornal, relembra a visita “[...] de uma gárrula commisão de mocinhas da nossa elite social”, em uma manhã de novembro, quando [...] Regina da Silva Prado, em nome das outras companheiras, disse-me o fim dessa embaixada. – Alumnas da Escola Normal, com o concurso de elementos varios, haviam resolvido a fundação de um gremio literario. Pediam-me conselhos e orientação, e desde logo fizeram inclusão da minha filha como socia. Na vida toda a gente tem o seu calcanhar de Achillles, e a Bartira foi sempre o meu ponto vulneravel. Porque occultar as cousas como as cousas são? A ideia de organisação do gremio, por si mesma, conquistaria o meu apoio; a gentileza daquelle gesto, todo expontaneo e captivante, prendeu-me inteiramente. Puz mão à obra, e as sessões, em minha casa, foram concorridas e numerosas. A denominação e os estatutos tiveram approvação unanime. Desse modo surgiu o Gremio Julia Lopes, que a 25 de Dezembro de 191626 punha em circulação A Violeta (O MATTO-GROSSO,

nº 2132, p.1). Estevão de Mendonça descreve o início das atividades do Grêmio Literário “Júlia Lopes” e da revista A Violeta, mas não explicita os “elementos varios” que motivaram a organização desse grupo de “intelectuais”. A aceitação da filha do advogado como sócia também era um indício da credibilidade das “mocinhas” que o procuraram para dar início a “embaixada”. Apenas o “microcosmo” (entendido como espaço) do Grêmio fica evidente quando o advogado cita o ambiente escolar, compartilhado pelas alunas da Escola Normal e professoras da Escola Modelo. Para Sirinelli (2003), esses grupos são organizados e atuam “[...] em torno de uma sensibilidade ideológica ou cultural comum e de afinidades mais difusas, mas igualmente determinantes, que fundam uma vontade e um gosto de conviver” (2003, p. 248). A revista funcionava como outra engrenagem da “sociabilidade” das mulheres com a função de consolidar o “microclima” que caracterizaria as ações, as normas e os códigos da intelligentsia feminina oriunda da agremiação.

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Estevão de Mendonça se refere, na verdade, a segunda edição da revista, já que a primeira circulou no dia 16 de dezembro de 1916. A segunda edição foi lançada no Palácio da Instrução, na cerimônia descrita na Introdução deste trabalho.

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Os cinco “fins” elencados no primeiro artigo do Estatuto do Grêmio determinaram os rumos dessa intelligentsia: Do Grêmio e seus fins. ARTIGO 1º. O Grêmio “Julia Lopes de Almeida” fundado nesta capital a 26 de novembro de 1916 é uma associação que terá os seguintes fins: 1º. Promover o desenvolvimento intelectual das suas associadas, por meio de conferencias, discussões de theses, sobre assumptos cívicos, moraes e instructivos. 2º. Manter uma revista de publicação bimensal, onde collaborem as suas associadas ou qualquer outra escriptora desde que não trate de questões políticas, religiosas ou aumosidades particulares. 3º. Promover festas litero musicais com o fim de desenvolver o gosto pelas artes entre as associadas. 4º. Manter uma bibliotheca composta de boas obras de literatura, jornaes e revistas nacionaes e estrangeiras. 5º. Crear, quando a directoria julgar conveniente , tudo o que for necessário para o desenvolvimento intellectual da mulher matto-grossense (A VIOLETA, nº30, p.9).

O Estatuto foi publicado em quatro partes, nas edições nº30, 31, 32 e 33 d’A Violeta, no ano de 1918, e definia, ainda, as funções dos cargos da diretoria e os valores da mensalidade do Grêmio que variavam entre 2$000, para as sócias “contribuintes”, e, ao menos, 50$000 para os donativos realizados pelas sócias “benfeitoras”. A única exceção era a sócia “honorária” do Grêmio, a escritora Júlia Lopes de Almeida, considerada a “ilustre patrona” da agremiação. “Dona Júlia” estava situada no interior desse “arranjo” como referência principal para o Grêmio. Por meio de cartas, trocava conselhos e despertava as jornalistas para o “engajamento” em algumas “frentes” de batalha. Sobre as transmissões culturais entre os “intelectuais”, Jean-François Sirinelli (2003) destaca o caráter geracional das “redes” de sociabilidade “[...] sempre por referência a uma herança, como legatário ou como filho pródigo: quer haja um fenômeno de intermediação ou, ao contrário, ocorra uma ruptura e uma tentação de fazer tábua rasa, o patrimônio dos mais velhos é portanto elemento de referência explícita ou implícita” (2003, p.255). Na primeira carta enviada ao Grêmio, publicada na íntegra na edição n°7, de 23 de março de 1917, “Dona Júlia” agradece a homenagem e afirma que a criação da agremiação é “[...] uma prova bem evidente do valor moral e intellectual da mulher matogrossense, de cuja iniciativa e justos desejos de aperfeiçoamento espiritual é atestado expressivo” (A Violeta, nº7, p.3). Júlia Lopes finaliza a carta comentando a primeira edição da revista e os ideais em comum visando o mundo das “letras”.

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Li com muito prazer a vossa “Violeta”, cativando-me a oferta do seu 1º numero. É esta, minhas Amigas e Senhoras, a mais doce consolação de quem trabalha com ardor na dura lida das letras: sentir atraves da distancia pulsar a simpatia de corações patricios, na concordia dos mesmos ideais. Se um dia eu puder irei pessolmente levar-nos a todas o meu abraço fraternal e as palavras de acoroçoamento pelo vosso Trabalho. A vós todos a gratidão de Julia Lopes de Almeida Rio, 11 de Fevereiro 1917 (A VIOLETA, n°7, p.3).

Outros “ideais” foram repassados por Júlia Lopes ao Grêmio de maneira direcionada e explícita nas cartas, nos livros da escritora, escolhidos e enviados pessoalmente para a biblioteca da agremiação. A segunda correspondência da romancista foi enviada quatro meses depois e revela esse “direcionamento”, absorvido pelas jornalistas d’A Violeta. Rio, 12 de Julho de 1917. À Directoria do Gremio 'Julia Lopes'. Minhas Amigas Para inicio da Bibliotheca do Gremio, dei ordem ao meu editor para vos enviar um exemplar de cada uma das minhas obras, lamentando faltarem algumas, de edições já exgotadas. Acompanho com o natural interesse o admiravel esforço do vosso empreendimento e o meu desejo é que elle encontre sempre incentivo e apoio na sociedade cuiabana e que seja cada vez maior a vossa energia e o mesmo o vosso ideal. Se me fosse dado lembrar-vos alguma cousa, lembrar-vos-ia a campanha na vossa revista por alguma grande idéa de utilidade patricia, como por exemplo a fundação na vossa cidade de uma 'Escola Maternal' como as da Suissa, em que se apuram as faculdades intellectuais da mulher e aprimoram as suas qualidades morais. Seria esta obra filha da vossa, e contribuindo para a felicidade da familia, Matogrossense, irradiaria brilho e bençãos para a vossa iniciativa. A literatura feminina não se contenta nesta hora de transição só com o ser belo, quer tambem ser util, e nas pelejas da imprensa a pena ainda é uma das armas conhecidas de maior valor, quando se bate com insistencia e com justiça. E ha tantos assuntos de interesse vital no Brazil! Não vos parece? Emfim o meu desejo é que o perfume da vossa Violeta seja cada vez mais intenso e penétre em todos os lares! Julia Lopes de Almeida (A VIOLETA, n°14, p.1-2, grifo nosso).

Para Hilda Machado (2002), a “[...] difusão da cultura erutida e o elogio de valores nacionais caracterizam a obra de Júlia Lopes de Almeida” (2002, p.69). Além disso, Machado (2002) reitera que [...] a educação feminina foi sua grande preocupação. Novamente os esforços buscam disciplinar e adequar a papéis não questionados. [...] As posições edificantes de Júlia com relação à mulher não se resumem à sua obra de não ficção. Os romances e novelas são instrumentos dessa campanha, o que não quer dizer nunca, em se tratando de Júlia, que não escondam audácias e dialoguem com outros textos literários seus contemporâneos (MACHADO, 2002, p.68).

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As mulheres estavam no “controle”, mas também eram o “objeto” da intelligentsia. A preocupação com as faculdades intelectuais e qualidades morais era compartilhada pelas instituições familiares, governamentais e por organizações feministas. Os leitores também questionavam e interferiam nas discussões da revista A Violeta, especialmente quando a “elevação” das mulheres estava em pauta. Desde o início, a educação foi tratada como primordial para a emancipação feminina, e mesmo utilizando as palavras “feminismo” ou “feminista” com parcimônia, nas edições dos primeiros anos da revista, a discussão sempre esteve presente em artigos, crônicas, cartas, notícias e notas, e se referia, inicialmente, ao desenvolvimento intelectual das mulheres. A palavra “feminista” aparece pela primeira vez em uma nota na edição n°47, publicada em oito de abril de 1919, e explica ao leitor considerado o “mais anti-feminista” dos conterrâneos da Lais, pseudônimo utilizado por uma das redatoras da revista, os fundamentos da “lucta” das mulheres e faz um questionamento. “A mulher procurando evidenciar sua individualidade não hostiliza o sexo forte. Notae o fundo dessa lucta de emancipação: ‘Vencer para ser egual ao homem’. Porque pois se revolta tanto?” (A Violeta, nº47, 15). Nesse período, as feministas reivindicaram o reconhecimento como “cidadãs”, baseando-se no princípio da igualdade universal, e buscaram a obtenção de direitos políticos e sociais visando a auto-representação e autonomia política. A organização em torno desses “ideais” marcou o “feminismo” como movimento social, e a sua “primeira onda” emergiu “[...] no final do século XIX e centrado na reivindicação dos direitos políticos – como o de votar e ser eleita –, nos direitos sociais e econômicos – como o de trabalho remunerado, estudo, propriedade, herança”, como explica a historiadora Joana Maria Pedro (2005, p.79). As mulheres brasileiras e mato-grossenses declararam sua insatisfação com a “identidade feminina” que havia sido estabelecida, e reivindicaram “[...] o direito à educação, ao trabalho e à participação no mundo público em igualdade de condições com os homens”, conforme explica a historiadora Margareth Rago (1995, p.19). Seguindo os preceitos do liberalismo clássico, essas feministas definiram [...] a mulher como símbolo da regeneração moral, como lugar do Bem e do futuro promissor, as feministas liberais trabalhavam num alto nível de generalização, fazendo das mulheres da elite e das camadas médias, que podiam ter acesso à cultura e à política, as responsáveis exclusivas pelo reerguimento moral da sociedade (RAGO, 1995, p.21).

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Ainda no Estatuto do Grêmio consta no item que trata da colaboração para a revista a orientação para que as “[...] associadas ou qualquer escriptora” não tratassem “[...] de questões políticas, religiosas ou aumosidades particulares” (A Violeta, nº30, p. 9). A concepção de “política” pelas mato-grossenses estava relacionada, naquele período, a atuação partidária, ao contrário do que afirma Hannah Arendt (2011) quando conceitua, em um sentido mais amplo, que a “política surge no intra-espaço e se estabelece como relação” (Arendt, 2011, p.23). Na interpretação de Claude Lefort (1991) sobre o conceito de política de Arendt, “[...] apenas existe política lá onde se manifesta uma diferença entre um espaço no qual os homens se reconhecem mutuamente como cidadãos” (Lefort, 1991, p.67). Joan Scott (2002) utiliza a palavra paradoxo para caracterizar a atuação política de algumas mulheres, inseridas na história do feminismo, que interferiram ou desafiaram os discursos hegemônicos e as ordens sociais, culturais e econômicas estabelecidas nas sociedades ocidentais. Scott emprega o termo paradoxo “[...] para significar uma opinião que desafia o que é dominantemente ortodoxo, que é contrária à tradição (literalmente: transgride a doxa). O paradoxo marca a sua posição de enfretamento à tradição, acentuando as diferenças entre ambos” (Scott, 2002, p.28). Essa atitude estaria ligada principalmente às “[...] práticas discursivas de política democrática que igualaram individualidade e masculinidade” (Scott, 2002, p.29). As mato-grossenses praticaram o feminismo “bem comportado”, uma das tendências identificadas nos movimentos brasileiros, de acordo com Céli Pinto (2003). A historiadora classifica essas tendências em três vertentes: A primeira delas, a mais forte e organizada, é a liderada por Bertha lutz, que tem como questão central a incorporação da mulher como sujeito portador de direitos políticos. Esse feminismo constituiu um verdadeiro movimento com alcance nacional, chegando a uma institucionalização surpreendente. Porém, como veremos mais adiante, tem limites muito precisos: nunca define a posição de exclusão da mulher como decorrência da posição de poder do homem. A luta pela inclusão não se apresenta como alteração das relações de gênero, mas como um complemento para o bom andamento da sociedade, ou seja, sem mexer com a posição do homem, as mulheres lutavam para ser incluídas como cidadãs. Esta parece ser a face bem-comportada do feminismo brasileiro do período (PINTO, 2003, p.15).

As mulheres que faziam parte do Grêmio praticaram esse “feminismo possível”, influenciadas pelo liberalismo – considerado mais moderado e menos subversivo do que as feministas anarquistas, por exemplo –, e por duas representantes brasileiras: a escritora carioca Júlia Lopes de Almeida e a advogada paulistana Bertha Lutz.

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Bertha Lutz não mantinha uma relação tão próxima e informal com as escritoras da revista como D. Júlia, e era tida, na verdade, como uma autoridade quando se falava em defesa dos direitos das mulheres nos âmbitos políticos, educacionais e sociais. Entendendo a relação de autoridade como definiu Hannah Arendt (2009), que é realizada por meio do consenso entre os sujeitos, de maneira voluntária e em várias direções, as mulheres matogrossenses aderiram o discurso proferido em várias ocasiões por Bertha Lutz, que fundou, em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), responsável pela institucionalização comentada por Céli Pinto (2003). Após 1922, Bertha Lutz definiu estratégias de atuação visando a obtenção dos direitos destinados as mulheres e a Federação foi o órgão responsável por colocá-las em prática. O primeiro objetivo realizado foi a instalação de filiais da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino em várias capitais e cidades brasileiras iniciando-se, assim, a expansão formal de uma organização que atuava politicamente e se inseria nos espaços públicos em busca de resultados formais, como o direito ao voto. De acordo com Hahner (1981), a causa sufragista brasileira teve inspiração na atuação das feministas americanas e foi [...] expressa pela primeira vez no final do século XIX, mas negada pela Assembleia Constituinte de 1891. Surgiam organizações formais pelos direitos da mulher à medida que a causa sufragista ganhava aceitação limitada entre os setores da elite brasileira que tomaram conhecimento da aquisição do direito de voto pelas mulheres na Europa ocidental e nos Estados Unidos. Ao analisar a natureza evolucionária do pensamento feminista e o movimento pelos direitos da mulher no Brasil, devemos determinar como o movimento tornou-se mais conservador e respeitável na medida em que expandiu suas bases de sustentação entre as classes superiores (HAHNER, 1981, p.28).

Apesar dessa face “bem comportada” não romper com os modelos políticos tradicionais, a prática desse “feminismo” alterou as relações de poder e as determinações dos locais que deveriam ser ocupados pelas mulheres, de acordo com sua “natureza”. Mesmo seguindo alguns preceitos definidos pela FBPF, especialmente após o ano de 1934, quando foi fundada na capital mato-grossense uma filial da Federação, o Grêmio se organizou em “múltiplas frentes” mantendo um grupo coeso, desenvolvendo seus “fins” e expressando “[...] as vivências de cada mulher”, utilizando a referência de Branca Moreira Alves e Jaqueline Pitanguy (1989, p.9) sobre a atuação dos movimentos feministas. Essas experiências singulares, de acordo com as autoras, fortalecem as relações de solidariedade dos grupos, mesmo os pequenos, como o “Júlia Lopes”. “Os pontos de vista e as iniciativas são válidos não porque se originem de uma ordenação central, detentora de um

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‘monopólio da verdade’, mas porque são fruto da prática, do conhecimento e da experiência específica e comum das mulheres” (1989, p.9), afirmam as autoras. Se nos primeiros anos da revista A Violeta a discussão sobre a emancipação da mulher não enfatiza sua face “política”, utilizando o conceito de Arendt (2011), após a concessão do sufrágio universal, em 1932, a característica “bem comportada” é suprimida, em alguns momentos. Respondendo a crítica de um amigo, por meio de uma carta, publicada na edição nº196, de 31 de março de 1932, Mary explica porque o seu feminismo estava “exaltado”, apesar de se considerar uma feminista “moderada”. Sou – disse-o já na profissão de fé que foi o meu discurso de posse no “Centro M. Grossense de Letras”27, pelo fraccionamento do feminismo em dois campos – O feminismo activo e combatente e o feminismo passivo, neutralizante. Numa, essa pleiade formidavel de mulheres intelectuaes, formadas, funccionarias, que se agitam em região por este Brasil, afora. Noutro as abnegadas sacerdotisas do lar, as que se sentem bem no aconchego sagrado da família, que querem permanecer ignoradas e ignorantes do tumulto que reina cá fora... [...] E quem, senão a mulher, a parte prejudicada, cujos argumentos decisivos não mais sendo letra morta, poderão restituir o equilibrio no equitatismo social? É por isso que o meu feminismo anda exaltado, si bem que eu seja uma feminista moderada e conciliadora (A VIOLETA, nº196, p.3 e 4).

Maria Dimpina e Maria Müller, em suas crônicas, representam um modo de pensar o feminismo, cuja forma política não envolvia a disputa de papéis culturalmente entendidos como masculinos e afirmavam que as mulheres brasileiras “[...] todas, de Sul a Norte de Leste a Oeste mantendo cada vez mais forte a familia” (A Violeta, nº199, p.4) deveriam compreender “[...] que o exercicio do seu direito de cidadão será um prolongamento da sua missão na sociedade e que a Patria seja um lar de paz e de harmonia” (A Violeta, nº199, p.4).

Maria Müller foi a primeira mulher eleita para a “Academia Mato-grossense de Letras”, fundada, inicialmente, com o nome de “Centro Mato-Grossense de Letras”. Mais sobre esse fato no segundo capítulo. 27

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CAPÍTULO II – “FACTOS” E “COUSAS” CIRCUNSTANCIADAS 2.1 Pinçando acontecimentos Uma “bandeira nacional bordada em seda e ouro” protagonizou a cerimônia cívica realizada na manhã do dia 12 de outubro de 1918, no Bosque Municipal de Cuiabá como noticiou O Matto-Grosso, na capa da edição nº1514, publicada no dia seguinte ao “acontecimento”. Naquele dia, “[...] começaram affluir desde as primeiras horas da manhã, familias, cavalheiros, civis e militares, representantes de todas as classes populares, anciosos por assistir a encantadora festa em que se ia offerecer a bandeira ao disciplinado Tiro 623” (O Matto-Grosso, nº1514, p.1). Dez minutos antes do início da cerimônia chegaram ao Bosque outros protagonistas: As oito horas em ponto quando alli chegaram encorporadas as socias do Gremio litterario Julia Lopes, acompanhas de uma comissão do ‘Baptista das Neves’ que lhes fora ao encontro no Jardim Alencastro, já se achava presente S. Exc. Revma. D. Aquino Côrrea, Bispo de Prusiade e Presidente do Estado, chegando uns minutos antes, em companhia dos Drs Secretario da Agricultura, Chefe de Policia, Official de Gabinete, ajudante de ordens e muitas pessoas gradas, entre ellas os representantes do Tiro 623, que haviam acompanhado S. Exc. desde a residencia presidencial (O MATTO-GROSSO, nº1514, p.1).

A aluna da Escola Normal e gremista do “Júlia Lopes” Ercila Ponce de Arruda discursou durante a cerimônia representando o Grêmio, “[...] centro de recreio e de instrucção em que as vossas patricias illustram o espirito e cultivam as virtudes, desempenha-se hoje, com intraduzivel satisfação, da honrosa incumbencia que se impuzera: offertar-vos a sagrada Bandeira da nossa Patria!” (A Violeta, nº41, p.6). A bandeira materializava a “honra da Patria” e reunia nos quatro cantos da seda “[...] a mais sublime concepção histórica que esboça a terra, a raça e sua evolução, numa synthese genial e inegualavel, vae ser entregue à guarde do vosso patriotismo e ao amor e zelo dos vossos jovens corações” (A Violeta, nº41, p.7). Algumas “circunstâncias” que permeiam esse “acontecimento” podem ser descritas em ordem cronológica: cinco meses antes dessa cerimônia, no dia 13 de maio, as integrantes do Grêmio ofereceram a mesma bandeira ao Tiro de Guerra “Baptista das Neves”, em uma cerimônia menos “concorrida”. Posteriormente, o Tiro mato-grossense foi incorporado a Confederação do Tiro Brasileiro que denominou o antigo “Baptista das Neves” como “Tiro 623”.

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Figura 4 – Uma das cerimônias realizadas pelo “Tiro”, em 1918, na capital. Fotografia publicada na Revista da Semana, edição nº20, de 20 de junho de 1918, p.20.

A crônica escrita por Mary (pseudônimo de Maria Müller) na revista A Violeta do dia 30 de abril de 1918, edição n°31, antecipa a realização da cerimônia de oferecimento da bandeira ao “Tiro”, realizada no dia 13 de maio. A data, para Mary, era “[...] de alegria intensa não só pelo que elle é”, referindo-se à comemoração da abolição da escravatura no mesmo dia, [...] como porque marcará a data solemne do restabelecimento do poder legislativo a tanto tempo desorganisado no nosso Estado. A mulher cuiabana que sabe soffrer e alegrar-se de accordo com o sentimento popular, representada pelo nosso Gremio e pelas escolas femininas da capital se unifica com o povo para offerecer ao “Tiro” o pendão auriverde que flammejará orgulhoso por sobre as cabeças heroicas dos soldados (A VIOLETA, n°31, p.2).

Ao citar o restabelecimento do poder legislativo, em Mato Grosso, a cronista remete os leitores à posse de Dom Aquino Corrêa, como presidente do Estado, em 1918, após várias

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sucessões conturbadas28 de presidentes e interventores federais na esfera estadual. Alheio às disputas políticas, a posse de Dom Aquino “[...] arraigou de esperanças o cenário políticoadministrativo do Estado” (Corrêa, 1994, p.612). A existência de uma representação da “mulher” cuiabana também aparece nesse trecho da crônica. Mary destaca as gremistas do “Júlia Lopes”, estudantes e professoras das escolas femininas de Cuiabá, nesse caso, a “Normal” e a “Modelo”, pertencentes à intelligentsia feminina da capital como as representantes “[...] do sexo fragil”. A entrega da bandeira por uma delas significaria “[...] tudo quanto possa haver de bello, grandioso, puro na alma e no coração humano” (A Violeta, n°31, p.2). Ao fazer referência ao “povo”, a cronista situa a “mulher” cuiabana – representação “construída” a partir das atividades do Grêmio, incluindo a revista A Violeta e das escolas – unida e não inclusa nessa “categoria” social. Apesar disso, as interlocutoras, quando se falava em conflitos militares nacionais ou internacionais, eram sempre as mulheres que participaram das “guerras”, como enfermeiras nos campos de batalha, enviando seus filhos para os combates ou oferecendo aos soldados a bandeira da “Pátria”, mas tendo certeza de que “[...] O amor patriotico só é comparavel ao amor maternal”, de acordo com Júlia Lopes de Almeida, em carta destinada às mães dos soldados brasileiros (A Violeta, n°32, p.4). A participação da “mulher” cuiabana nas atividades do “Tiro” foi destacada mais uma vez no jornal O Matto-Grosso, na edição nº1516, publicada no dia 20 de outubro, dias após a segunda cerimônia realizada com a bandeira “de gala” doada pelo Grêmio ao “Baptista das Neves” ou “Tiro 623”. Um telegrama enviado pelo tenente coronel João Heliodoro de Miranda, comandante do 18º Regimento, situado na cidade de Corumbá, atualmente no território de Mato Grosso do Sul, foi publicado no jornal. Dirigido à diretoria do Grêmio, o telegrama do tenente e a resposta do Grêmio ao militar diziam o seguinte: “Directoria Gremio Julia Lopes – Cuiabá. Felicitações pela attitude elevada e civica cabal comprehensão do nobre papel da mulher na educação da mocidade. Respeitosas saudações.” O Gremio Julia Lopes correspondendo à nimia gentileza do correcto official, respondeu aquelle despacho nos seguintes termos: “Tent. Cel. Heliodoro de Miranda, Dignissimo Commandante do 18 Regimento – Corumbá. As associadas do ‘Gremio Julia Lopes’, por meu intermedio, vêm agradecer ao illustrado conterraneo, ornamento lidimo do nosso glorioso Exercito Nacional, o delicado Eleito por sufrágio direto, em 1915, Caetano Manoel Faria de Albuquerque foi o protagonista da “caetanada”, “[...] vocábulo que se designou a luta do General Caetano de Albuquerque, Presidente legal, agora apoiado pelo partido oposicionista, contra cuja permanência no poder se revoltaram os correligionários que o elegeram, em luta acirrada, com tôdas as armas possíveis”, afirma Virgílio Corrêa (1994, p.607). Após esse conflito, ocorreu a intervenção federal no Estado com o objetivo de organizar as eleições. Em acordo realizado no Rio de Janeiro, de acordo com Corrêa (1994), os chefes dos partidos Conservador e do Republicano Mato-grossense escolheram candidatos “[...] alheios às competições partidárias” (1994, p.611). 28

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telegramma contendo conceitos que muito nos sensibilisaram a proposito da modesta offerta ao sympathico ‘Tiro de Guerra Baptista das Neves’. Saudações. (assig.) Maria Luiza Pimenta, vice-presidente em exercicio” (O MATTO-GROSSO, nº1516, p.3).

Esses fragmentos revelam algumas características dos jornais e revistas, entre elas, a “seleção” dos assuntos publicados nos periódicos, que são pinçados de emaranhados de “acontecimentos” advindos do “material mutante” do qual o Jornalismo e a História se alimentam: do “[...] espetáculo das atividades humanas”, para o historiador Marc Bloch (2001, p.44). E, especificamente, do “[...] ser humano, imprevisível e impreciso como é, transmite às ciências que o estudam um tom mercurial, palpitante, inacabado e fecundo”, para o jornalista Alberto Dines (2009, p.43). A “circunstância”, entendida como “condição” ou “particularidade” que se relaciona a um acontecimento ou um fato, é apontada por Dines (2009) como uma das afinidades entre o Jornalismo e a História. Para ele, “[...] Jornalismo e historiografia são primos – quando se pratica um deles com proficiência, chega-se, inevitavelmente, ao outro” (Dines, 2009, p.31). Sobre o Jornalismo, afirma que “[...] Se a seleção de circunstâncias for apropriada, se a relação entre elas for consequente, se o seu encadeamento for lógico, se a sua exposição for inequívoca, estaremos diante de excelente jornalismo [...]” (Dines, 2009, p.31). Na História, [...] o culto da circunstância circunstanciada, isto é, o mergulho vertical em busca dos pequenos elementos que compõem a realidade, foi a tônica da escola de historiadores agrupada, desde 1922, em torno dos Annales, na França, que trocou a aflição determinista e factualista pelo ato de debruçarse sobre situações cotidianas e insignificantes, mas tão minuciosamente devassadas que tornam-se lapidares sobre a época e as próprias forças da história (DINES, 2009, p.31, grifo do autor).

No Jornalismo e na História, a “circunstância” também se refere a “tempo” e “espaço”. Se para Marc Bloch (2005), considerar a História uma ciência destinada a estudar o “passado” é uma ideia “absurda”, relegar o Jornalismo ao tempo curto como se os periódicos tivessem interesse apenas nos “[...] medíocres acidentes da vida ordinária”, como faz o historiador Fernand Braudel (2005), também não é ideal para compreender a “temporalidade” e as especificidades de cada área. A jornalista Marialva Barbosa (2007) cita Paul Ricouer (1994) e afirma que “[...] o caráter temporal é o comum da experiência humana” (Barbosa, 2007, p.19). Para ele, só se pode reconhecer o processo temporal porque é narrado. A nossa experiência no mundo se desenvolve no tempo. E através da vida elaboramos, como os meios de comunicação (espécies de síntese da contemporaneidade), textos ficcionais e outros tantos com pretensão à verdade. Como na vida, os textos também são embaralhados. Afinal,

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nenhum de nós ocupa apenas um lugar no mundo (BARBOSA, 2007, p.1920).

A pretensão à verdade citada por Marialva Barbosa (2007) é relacionada aos “gêneros plurais” advindos das “[...] inúmeras definições do ato de narrar” (2007, p.19). Ela apresenta “[...] uma dicotomia entre os textos: de um lado os com pretensão à verdade (o discurso da ciência, incluso o da história, e do jornalismo, por exemplo) e de outros as narrativas ficcionais, sejam elas as que utilizam a linguagem escrita (a literatura), sejam as que utilizam a imagem” (2007, p.19). A utilização da palavra “pretensão” por Barbosa (2007) dialoga com as objeções feitas pelo historiador José Carlos Reis (2003) quando fala sobre a efetividade da “verdade” na história. Para Reis (2003), “O conhecimento histórico está ligado à época de sua produção, ao presente do historiador, que é sempre novo. Se o presente é sempre novo e reinterpreta de forma nova o passado, a verdade do passado será também sempre nova, pois dominada pela novidade do presente” (2003, p.151). Podemos incluir o jornalismo na mesma discussão, já que o “parentesco” entre as duas áreas diz respeito ao mesmo “objeto”: “[...] o mundo humano, caracterizado por intenções e ações, e ao qual pertence o próprio sujeito. Seu objeto é subjetivo” (Reis, 2003, p.151). Nem a história, nem o jornalismo possuem “[...] um valor cognitivo estável, necessário e universal” (2003, p.152). Reis afirma ainda que “[...] Se o sujeito é uma subjetividade e o objeto é uma subjetividade, não há distanciamento ente sujeito e objeto, mas mistura, aproximação, intimidade, fusão” (p.151). Interpretando a tese kantiana sobre a “verdade”, o historiador explica que [...] a verdade é o resultado de uma relação cognitiva, sendo formulável em linguagem humana. Ela depende e decorre de uma relação sujeito-objeto, da iniciativa construtiva do real pelo sujeito. Não há uma verdade que se autoapresente e que dispense a construção e o discurso. Se há discurso, há sujeito. Se há sujeito, há construção (REIS, 2003, p.155, grifo do autor).

Para Dines (2009), “a busca de circunstâncias” (p.30) fundamenta a atividade jornalística. A escolha da cerimônia de entrega da bandeira ao “Tiro” pelos jornalistas do O Matto-Grosso e da revista A Violeta, em detrimento de outros “acontecimentos” ou “fatos” contemporâneos, apresenta algumas dimensões do “fazer jornalístico”, enquanto “[...] processo técnico da informação ao nível de código verbal” (Medina, 1988, p.16). A partir da observação da “realidade” pelos repórteres, surgem algumas “representações” que são codificadas em mensagens formatadas para serem impressas nos periódicos (Medina, 1988, p.73).

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Analisando os “[...] elementos do processo de codificação de uma mensagem” (1998, p.73), Cremilda Medina (1988) afirma que toda “[...] matéria jornalística parte de uma pauta que pode ser intencional, procurada ou ocasional (acontecimento totalmente imprevisto) e essa pauta tem em si a primeira força do processo, que pode ser chamada de angulação” (1988, p.73, grifo da autora). Sobre a angulação, Medina (1988) explica as “[...] relações muito estreitas dos três níveis gerais de comunicação numa sociedade urbana em industrialização ou pós-industrializada: o nível-massa, o grupal e o pessoal” (1988, p.73). Assim, o nível grupal é perceptível Quando a mensagem é angulada para de pauta se transformar num processo de captação, a componente grupal se identifica com a caracterização da empresa jornalística onde essa pauta vai ser tramitada. A empresa que, por sua vez, está ligada a um grupo econômico e político, conduz o comportamento da mensagem da captação do real à sua formulação estilística (MEDINA, 1988, p.73).

Na revista A Violeta, a vinculação ao Grêmio Literário “Júlia Lopes” facilita a percepção dessa angulação no nível grupal, já que a atuação da revista era delimitada pelos “fins” da agremiação, apresentados no primeiro capítulo deste trabalho. “Essa angulação do nível grupal se manifesta muito clara, é evidente, em todas as mensagens opinativas das páginas editoriais”, explica Cremilda (1988, p.74). Como A Violeta não publicava editoriais, os assuntos contemplados nas finalidades da agremiação cumpriam, inicialmente, a função de apresentar as “intenções” aos leitores e assinantes. Posteriormente algumas restrições que constavam no Estatuto foram superadas, como a que tratava sobre a publicação de conteúdos do campo “político”. Menos evidente, a primeira vista, são as redes de sociabilidade entre o Grêmio e outros grupos da sociedade. Destacam-se algumas “trocas” mais significativas para identificar a “angulação” d’A Violeta e as relações construídas ao longo dos anos, com o poder militar, por exemplo, representado pelos oficiais das altas patentes do exército mato-grossense. Para compreender como essas relações se constituíam e estabeleciam, é fundamental citar a participação de oficiais nas festas lítero-musicais e outros eventos (beneficentes ou não) realizados pelo Grêmio, e ainda as relações de parentescos entre oficiais e sócias da agremiação que alargavam as possibilidades de atuação e “aceitação” das ações do “Júlia Lopes”,



que

as

famílias

apoiavam

e

participavam

das

atividades

das

esposas/filhas/sobrinhas/irmãs/primas etc. A revista também dialogava diretamente com políticos que exerciam cargos nos poderes executivos em nível local e estadual, e apesar de não declarar vinculação direta a

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nenhum partido político, em conteúdos opinativos ou informativos, os governantes (alguns homenageados e tratados como personalidades) eram citados, cobrados, e criticados, principalmente, quando a “civilização” de Mato Grosso ou o “progresso” do Estado estavam ameaçados. Aqui as relações de parentescos também interferem diretamente nas ações do Grêmio, em alguns casos. Por exemplo, quando Clorinda de Albuquerque, presidente eleita para o “Júlia Lopes”, em reunião realizada no dia 15 de agosto de 1917, abandonou o cargo três meses depois, em novembro, porque deixou a capital, às pressas, em direção ao Rio de Janeiro na companhia do marido, Caetano de Albuquerque, protagonista da “caetanada”. Se a vinculação a partidos era menos evidente, a preferência pela igreja católica era unânime entre as gremistas, jornalistas, escritores e escritoras que colaboravam com a revista. Entre 1918 e 1922, período em que Dom Aquino Corrêa presidiu o Estado de Mato Grosso, as questões políticas e religiosas se convergiram. Mas, antes de ocupar o cargo de presidente, o religioso que também era reconhecido nacionalmente como escritor e poeta já colaborava com A Violeta, com textos inéditos, escritos para serem apresentados nas festas literárias. A primeira contribuição foi publicada na edição nº11, de 22 de maio de 1917, com o título “O Natal da Patria” e recitado por Ercila Ponce de Arruda, uma das sócias do Grêmio, durante um sarau realizado no dia 3 do mesmo mês. Dom Aquino dialogava com as mulheres diretamente em alguns sermões realizados nas igrejas da capital, e em outras ocasiões, como na colação de grau de professoras da Escola Normal “Dom Bosco”, em dezembro de 1934, localizada em Campo Grande, atualmente capital de Mato Grosso do Sul. No discurso, direcionado às mulheres, o arcebispo falou abertamente sobre a relação conflituosa entre o cristianismo e o feminismo. Para ele, o cristianismo [...] reconduziu a mulher a um novo paraiso terrestre. Mas assim como no antigo eden, não lhe faltára a tentação, assim tambem neste. A velha serpente não deixou de sêr a mais astuta das alimarias. Insinuou-se outróra no paraiso, e disse a Eva: “sereis como deuses!”. Insinua-se agora nest’outro jardim de delicias, e diz à mulher christã: “sereis como homens!”. Daquella primeira seducção nasceu o peccado, desta segunda nasceu o feminismo (CORRÊA, 1935, p.23-24).

No discurso, o arcebispo reconhece o “feminismo” como “[...] uma doutrina, que pretende elevar a mulher, mais do que o fez o christianismo, e tornal-a, de todo em todo, egual, se não superior ao homem” (Corrêa, 1935, p.24), mas criticava o que a “doutrina” e seus defensores propunham “[...] realizar a favor da mulher, fóra e além dos principios do christianismo” (1935, p.24). Dom Aquino direcionava a atuação das/dos feministas que reivindicavam a “liberdade feminina” dentro dos limites da “moral catholica”, que seriam dois

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principais: “[...] para as casadas o cuidado da familia, e para todas a honestidades do sexo. Emancipar a mulher destes deveres e destas conveniencias, ao invés de a elevar, seria degradal-a” (Corrêa, 1935, p.25-26). Atuando dentro desses “limites”, as gremistas também se dedicavam a campanhas natalinas para arrecadar alimentos, brinquedos e roupas, e patrocinavam festas literárias visando a destinação da renda para hospitais dirigidos por membros da igreja católica, como a Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá ou para a Cruz Vermelha de Portugal, durante os conflitos da Primeira Guerra Mundial. O primeiro evento com renda destinada ao hospital foi denominado “Festival da Caridade”, e obteve êxito, sendo destaque na crônica e no noticiário da edição número 9, publicada no dia 15 de abril de 1917. Constituiu, sem duvida, um facto de excepcional relevo, nas chronicas mundanas de Cuiabá, o attrahente festival litero-musical, realizado no sabado de Alleluia, nos luxuosos salões do Palacio da Instrucção, em beneficio do Hospital da Santa Casa da Misecordia e patrocinado pelo “Gremio Julia Lopes” (A VIOLETA, nº9, p.10).

A presidente em exercício do Grêmio, Maria Ponce de Arruda (nome de solteira de Maria Müller) discursou na abertura da festa literária realizada e destacou que aquela festa proporcionaria “[...] um bem maior do que o costumam fazer as outras emoções e os outros risos” (A Violeta, n°9, p.10). E finalizou dizendo: Nunca emoção valeu tanto, por certo, porque ella vae concorrer directamente para o bem estar dos infelizes; e nunca o riso teve tanto direito de ecoar num salão culto, porque aqui, meus senhores e minhas senhoras, emquanto o labio abre a sua flor de alegria, o coração tambem desata o seu calice de bondade (A VIOLETA, nº9, p.10).

As ações beneficentes organizadas pelo Grêmio e amplamente divulgadas na revista A Violeta contribuíram para o reconhecimento das gremistas como “caridosas”, preocupadas com os “infelizes”, pobres”, com o “povo”. No natal de 1918, as associadas ao grêmio intermediaram uma doação Dum distincto Sr. cujas qualidades excelsas de um coração magnanimo, o faz merecedor de fervorosas preces ao Creador para a sua sempre crescente felicidade, ofertou a vinte e cinco pobres, desta capital, a quantia de dois mil reis a cada um por intermedio do Gremio Julia Lopes, ao festejar o seu segundo anniversario. Em nome dos mesmos pobres e do Gremio, levamos ao distincto Sr. um aperto de mão, signal de reconhecida gratidão (A VIOLETA, nº43, p.20)

O apoio às missões salesianas também eram evidentes na revista. Na edição nº63, do dia 15 de janeiro de 1920, uma nota sobre o recebimento de um livro ou cartilha sobre o método de catequização de índios boróros é publicada na seção “Noticário”. Sobre o

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livro/cartilha, as jornalistas consideram “[...] uma interessante obra mostrando-nos o meio pratico porque a util Missão Salesiana ensina aos nossos indígenas, os preceitos da religião. Agradecidas pela offerta, elogiamos os auctores deste optimo serviço de cathechese” (A Violeta, nº63, p.8). Anos mais tarde, as relações familiares também seriam tecidas entre Maria Dimpina Lobo Duarte e a igreja católica, além das atividades do Grêmio descritas anteriormente. Um dos quatro filhos de Dimpina, Firmo Duarte, tornou-se sacerdote vinculado a ordem salesiana. Durante algumas missões realizadas por padre Firmo, como era conhecido, e os salesianos pelo interior de Mato Grosso, Maria Dimpina também participou da catequização dos índios, como fez Damiana nos sertões de Camapuã. Dimpina defendia a catequização e relembra um diálogo estabelecido com alguns indígenas, durante o período em que residiu na cidade de Lageado (atual Guiratinga), na companhia da família e do esposo, o telegrafista Firmo Duarte. Estes dialogos têm por fim mostrar o grao de desenvolvimento intellectual dos bororos e a independencia em que vivem, não escravisados pela ignorancia ou como si ignorantes fossem. Estava eu distrahida em meus afazeres no interior da casa quando ouvi, nos fundos atraz, da cosinha, umas palmas que me parecem aristocraticas. Sahi, ligeira, para attendel-as. Um indio bonito, ainda moço, disse-me em muito bom portuguez e até com elegancia de modos: - Minha Senhora, o telegraphista está? - Está trabalhando, respondi-lhe. O Sr. deseja fallar com elle? - A Sra. não pode informarme si os boróros apanharam laranjas aqui e si foi com licença do telegraphista? A chegada deste mudamos de assumpto e comprehendi que elle queria saber do telegraphista, como o chamava, e não de mim, informações sobre um indio velho que desconfiava tivesse transgredido dos preceitos atenciosos que devei ter em torno da nossa morada a principiar pela colheita das laranjas das arvores do nosso terreiro. - Este é o Thiago! Voulez vous parler, français, avec moi? perguntei-lhe. Eu não fallo o francez respondeu-me. - Ce n'est pas vrai; vous parlez mieux que moi. Voulez vouz être mon professeur? - Já me esqueci. Não sei para mim quanto mais para ensinar. - Como não sei sustentar uma palestra francez, continuei, falo na minha lingua (A VIOLETA, nº227, p.5).

2.2 Embalando a “informação” A angulação em nível-massa, para Medina (1988), é notada [...] especialmente na formulação dos textos, nos apelos visuais e linguísticos, na seleção de fotos, a preocupação em corresponder a ‘um gosto médio’ ou, em outros termos, em embalar a informação com ingredientes certos de consumo (MEDINA, 1988, p.75).

Do tipo almanaque ou gibi, A Violeta media

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[...] aproximadamente 15,5 x 22,5cm, com fachada que variou no decurso de sua existência: capas com ilustração, outras sem ilustração, umas com sumário, outras com publicidade e diagramações as mais diversificadas para cada exemplar. Apresentou-se, também, em cores variadas, ora em tons pastéis de bege, branco e rosa, amarelo e verde claros, ora em tonalidades fortes de vermelho, verde, amarelo, azul, cor de rosa, laranja e roxo (NADAF, 1993, p.29).

Figura 5 – Capa da revista A Violeta, edição número 195, de janeiro de 1932.

Com duas colunas em cada página, a revista utilizou uma diagramação padrão que oferecia mobilidade para transformar as duas colunas em uma quando eram publicados poemas, por exemplo. Com relação a capa, é interessante salientar que A Violeta não possuía logomarca e nem ícones como ocorre normalmente em publicações deste formato. Mas era facilmente identificada pelo tamanho e por uma “moldura” que apresentava na capa.

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A capa tinha esta “moldura” que dividia as informações em três partes. Na primeira, apresentava o título em caixa alta, centralizado no topo que informava ainda a origem da revista “Orgam do Gremio Literario ‘JULIA LOPES’” e indicava a periodicidade da revista. Abaixo do título, na segunda parte, as redatoras informavam o endereço da “Redacção”, nesse caso, situada na rua 1º de Março, nº 13, em Cuiabá, Capital do estado de Mato Grosso. Mas A Violeta não tinha uma sede e se instalava, preferencialmente, nas residências das presidentes do Grêmio ou diretoras da revista. As fontes utilizadas na capa e nas seções da revista não sofreram muitas alterações, apenas alguns textos eram diagramados no formato itálico ou ainda os títulos, subtítulos e outros trechos eram destacados com fontes maiores ou cores diferentes. Os preços dos exemplares avulsos e das assinaturas na capital Mato Grosso e fora dela também eram informados na capa, já que A Violeta circulava por outras cidades do interior de Mato Grosso e capitais brasileiras. A partir de 1918, a distribuição da revista também passou a ser feita pelos Correios como aparece na edição número 32, que circulou no dia 15 de maio de 1918. “[...] Pela primeira vez que tentamos uma distribuição da nossa revista pelo Correios, ficamos contentissimas com a rapidez do serviço. Esperando que assim seja sempre, felicitamos a administração dos correios pelo zelo com que se houve” (A Violeta, n°32, 12). Antes disso, a revista era entregue aos assinantes da capital e ainda para assinantes em potencial que deveriam devolver a revista, se não tivessem interesse na assinatura. Em dezembro de 1917 as revistas começaram a ser distribuídas nas cidades do interior de Mato Grosso, Como tomamos a deliberação em vista d'alguns pedidos, de remetter “A Violeta” para algumas pessoas das cidades e villas do Estado, pedimos o favor de devolvel-a com urgencia, caso não desejem ser assignante. Este aviso é porem inutil assim esperamos pois o nosso publico que nos acata deve ser de accordo comnosco em tornar conhecido no nosso Estado não um fructo de intellegencia que não possuimos, mas o producto de uma vontade tenaz de prosperidade do nosso querido Matto-Grosso (A VIOLETA, n°25, p.16).

Em 1919, um leitor que residia em Niterói, no Rio de Janeiro, enviou uma carta solicitando uma edição da revista publicada no mês de abril, que comemorava o bicentenário de Cuiabá. Do Illmº Sr. Dr. Jorge Maia, residente em Niteroi, recebemos uma gentillissima carta pedindo-nos a remessa de um exemplar da “A Violeta” commemorativa do bi-centenario de Cuiabá. Com prazer enviamos ao distincto sr. não só esse, como alguns outros numeros da nossa modesta revista. Cumpre-nos porem, pedir-lhe desculpas das muitas lacunas que se deparam, visto que principiantes somos e é ainda com muito timidez que nos apresentamos (A VIOLETA, nº49, p.15).

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Além dos pedidos individuais para o envio d’A Violeta, alguns assinantes compartilhavam as edições da revista com outros leitores, como no caso do “Centro Mattogrossense”, localizado no Rio de Janeiro. Presume-se, ainda, que as edições eram enviadas, trocadas e distribuídas por pessoas que transitavam entre Cuiabá e a cidade do Rio de Janeiro. Em uma carta enviada a diretoria do Grêmio, o secretário do “Centro”, o médico Benjamim Duarte Monteiro, afirma que [...] O CENTRO MATTOGROSSENSE é visitado, diariamente, por dezenas dos nossos conterraneos que avidamente, procuram noticias dahi. A imprensa de Matto Grosso é, justamente, uma das fontes de consulta dos nossos consocios que querem acompanhar a vida do nosso Estado. Occorre que os jornaes que, gentilmente nos mandaes, em numeros accumulados, chegam aqui com muito atrazo, perdendo grande parte das noticias a sua opportunidade (A VIOLETA, n°197, p.5).

O médico também propõe o envio de informações à seção “Noticiário” como contrapartida. Desejavamos, pois, que tivesseis a bondade de providenciar essa remessa, com a brevidade possivel, à medida da publicação feita. O CENTRO sobre ficar agradecido, vos mandaria por intermedio da sua Secção de Informações o noticiario social da nossa colonia e demais assumptos que digam respeito aos interesses do Estado. A actual Directoria vem promovendo as medidas capazes de desenvolver a utilidade desta Casa e de elevar o prestigio e o nome de Matto Grosso (A VIOLETA, nº197, p.5).

Ainda na capa eram informados os valores das assinaturas d’A Violeta, como explica Yasmin Nadaf (1993). Segundo se anuncia em sua capa, cobrou-se mensalmente por A Violeta a importância de 1$000 para a Capital matogrossense, e 1$200 para outras localidades, e 1$200 pelo exemplar avulso, do início de sua circulação até junho de 1935 (revista número 225). Supomos que posteriormente a distribuição deva ter sido gratuita pois deixou-se de se anunciar a cobrança de assinatura nos exemplares (NADAF, 1993, p.31)

Em relação a outros aspectos como número de páginas, presença de publicidades ou ilustrações nas edições da revista A Violeta, também não houve mudanças significativas, com exceção do número de páginas, que surge com oito e passa de 20, em algumas edições. A utilização de fotografias na capa ou no interior da revista não seguia uma linearidade, mas as fotos surgiam e recebiam diagramação especial quando a redação destacava uma personalidade, tanto homens, no caso de políticos e religiosos, ou mulheres, como a escritora Júlia Lopes, e gremistas que tinham seus retratos publicados nas datas natalícias. No caso das publicidades e ilustrações, elas eram dispostas pelas páginas de maneira aleatória com exceção de uma publicidade, a do Xarope São João, que aparece sempre na

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última página da revista. Nas edições publicadas em 1932, por exemplo, era a única que continha ilustração.

Figura 6 – Publicidade do Xarope São João na edição número 219, de dezembro de 1934, da revista A Violeta.

Acima da ilustração pode-se ler “Larga-me... Deixa-me Gritar!...” e abaixo a frase “O Xarope São João É O MELHOR PARA TOSSE E DOENÇAS DO PEITO” e ainda os seis benefícios após a utilização do xarope. No fim do anúncio existe a identificação e o endereço postal da fábrica do xarope “Alvim e Freitas”, com sede em São Paulo. As publicidades mais recorrentes na revista eram, justamente, os anúncios publicitários de remédios, além do Xarope São João também foram publicados os anúncios do “Xarope Alcaçus Rabello: Efficaz nas tosses, bronquites e rouquidão”. Da mesma fábrica Rabello ainda era produzido o remédio “Viburnia: regulador e sedativo. Para insonia, dores de cabeça, nervosismo”. Outro anúncio sobre remédios, mas desta vez dedicado às mães era o da “Calcehina”: “A Calcehina evita a

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tuberculose e as infecções intestinais e não permite a proliferação de vermes nos intestinos das creanças”. A “Garage Avenida” também foi uma das publicidades mais constantes nas edições da revista e apesar de não utilizar ilustrações, era a única que fornecia um número de telefone para contato e trazia o seguinte anúncio: “Instalada a rua 13 de julho, dispõe de carros confortáveis, e attende chamados a qualquer hora. TELEPHONE n. 137”. Finalizando as informações que constavam na capa da revista, no “pé” da página, as redatoras indicavam que a revista era de “Cuiabá” e a tipografia que havia sido impressa. De acordo com Nadaf (1993), durante toda a existência, a revista foi impressa em onze diferentes tipografias da capital. Em seu longo tempo de existência, as páginas de A Violeta foram impressas em onze diferentes gráficas de Cuiabá: TIPOGRAFIA J.PEREIRA LEITE, TIPOGRAFIA DA LIVRARIA GLOBO, TIPOGRAFIA DO O JORNAL, TIPOGRAFIA DE A. EVANGELISTA, TIPOGRAFIA MODELO, TIPOGRAFIA EMÍGDIO LIMA, TIPOGRAFIA DAS ESOLCAS PROFISSIONAIS SALESIANAS, TIPOGRAFIA OFICIAL (depois IMPRENSA OFICIAL), TIPOGRAFIA D’NORTE, TIPOGRAFIA D’O MOMENTO E TIPOGRAFIA DA ESCOLA APRENDIZES ARTÍFICES (depois TIPOGRAFIA DA ESCOLA INDUSTRIAL). Algumas dessas gráficas cobraram pelo serviços, outras não, conforme nos informou a escritora Maria de Arruda Müller, sócia-fundadora e Presidente do Grêmio Literário “Júlia Lopes”, em conversa que mantivemos em julho de 1990 (NADAF, 1993, p.32).

Além dos aspectos “externos” da revista, Cremilda Medina (1988) cita como pertencentes à “angulação” nível-massa, o processo de escolha e captação dos fatos “extraídos da realidade”. As funções eram divididas entre as redatoras da revista, no entanto, não houve uma redação fixa durante a circulação da revista, até por conta da circulação de “intelectuais” advindas das escolas “Normal” e “Modelo” que participavam ativamente do “Júlia Lopes”. A inexistência do “expediente” especificando as jornalistas que participaram de cada edição prejudica a compreensão das funções de cada redatora. Ainda assim é possível identificar alguns detalhes do “fazer jornalístico” d’A Violeta. Durante o curto mandato de Clorinda de Albuquerque como presidente do Grêmio, foi realizada, no dia 5 de agosto de 1917, uma reunião na residência de Clorinda, situada na rua Pedro Celestino, que passou a sediar a redação da revista. Na ocasião, além da posse das diretoras da Grêmio foram definidas as redatoras da próxima edição da revista: “[...] Marianna Povoas, Wanderlina Botelho, Maria Dimpina Lobo, Maria de Arruda, Francisca de Figueiredo e Elvira Pacheco” (A Violeta, nº16, p.12).

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No dia 22 de maio de 1927, após uma reunião na casa da sócia do Grêmio, Altayr Cardoso, conduzida pela presidente em exercício, Maria Müller, [...] ficou difinitivamente resolvido que, a nossa revista será preparada mensalmente com o concurso de quatro socias que se encarregarão de todas as secções ficando a revisão para a directora. Para Junho entranto, foram escolhidas as Stas. Nadyr Neves, Altayr Cardoso, Maria J. Pereira Leite e Elza D. Monteiro. Contribuirão todos os mezes com trabalhos: D. D. Maria Müller, Maria Dimpina L. Duarte, Bernardina Rich; Stas. Sylvia Coêlho, Altayr Cardoso e Sylvia Pompêu de Barros (A VIOLETA, nº147, p.9).

Mesmo sem especificar quais eram as seções de cada jornalista, as funções ficaram definidas, em alguns momentos, como no caso de Maria da Glória que ficou “[...] encarregada do Noticiario dos acontecimentos” do 2º Distrito da cidade de Cuiabá (A Violeta, nº24, p.10). Além das jornalistas “nomeadas” para cada edição da revista, uma seção denominada “Caixa d’Violeta” foi criada em dezembro de 1917, “[...] para tratar de assumptos do nosso gremio, da nossa revista e bibliotheca organisou-se esta pequena secção” (A Violeta, nº24, p.10). Em tom de “cobrança”, algumas sócias do Grêmio foram “convidadas” para continuar ou iniciar a colaboração para A Violeta. Nesta seção, Marina Brandão foi a primeira: “[...] M. Brandão - Antes, a boa consocia nos distinguia com as suas collaborações, agora está em falta. Porque? Esperamos que continue a nos remmeter seus apreciados trabalhos” (A Violeta, nº24, p.10). Yasmin Nadaf (1993) destaca a multiplicidade de colaboradores e colaboradoras da revista. Nela assinaram escritoras e escritores matogrossenses, escritoras e escritores de outros Estados e do estrangeiro. Alguns tiveram participação efetiva na revista; outros, esporádica. E muitos fizeram nela a sua estréia nas letras, e se fixaram, através dela, na carreira jornalística e literária [...] (NADAF, 1993, p.51).

Entre as escritoras mato-grossenses, Nadaf (1993) destaca “[...] os nomes de Amélia de Arruda Lobo, Ana Luiza da Silva Prado, Antídia Alves Coutinho, Benilde Borba de Moura, Maria Dimpina Lobo, Maria Ponce de Arruda e Maria Santos da Costa” (p.52) que se estabeleceram como escritoras ou jornalistas. Além das sócias do Grêmio, outros matogrossenses ou pessoas que residiram em Mato Grosso colaboraram efetivamente com A Violeta, entre eles, destaca-se Dom Francisco de Aquino Côrrea, Franklim Cassiano da Silva, Floriano de Lemos, José de Mesquita, Lamartine Ferreira Mendes e Raimundo Maranhão Aires. Durante as comemorações do primeiro ano do “Júlia Lopes” e da “A Violeta”, foi publicado, na edição do dia 15 de dezembro de 1917, o hino dedicado ao Grêmio por José de Mesquita, que compôs a letra e Francisco Mendes, a melodia.

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Júlia Lopes de Almeida e Andradina de Oliveira também dialogaram com A Violeta, por cartas, artigos, poemas e outros textos literários, no caso da primeira, ou com produção inédita para a revista, como fez Andradina e, posteriormente, sua filha, Lola de Oliveira. Após o falecimento de Dona Júlia, em 1934, os filhos e o esposo da escritora, Filinto de Almeida, também contribuíram para A Violeta. Mas Andradina e Lola estabeleceram vínculos mais intensos com as sócias do Grêmio e redatoras da revista porque residiram em Cuiabá de novembro de 1917 ao mês de abril/maio de 1919. Durante esse período, as trocas entre Andradina e Lola com as mato-grossenses foram inúmeras, com destaque para as conferências realizadas por Andradina durante as festas lítero-musicais realizadas pelo Grêmio. Durante o mês de maio de 1918, Andradina dedicou ao Grêmio a conferência intitulada “A mulher não é inferior ao homem” em três ocasiões: nas festas dos dias 1º, 14 e 30 de maio.

2.3 Bernardina e as duas “Marias” O último aspecto proposto por Cremilda Medina (1988) para analisar a “angulação” versa sobre o nível “pessoal”. Nele, [...] se, por um lado, se dilui bastante numa criação cada vez mais anônima, por outro, quando aflora, tem muita valorização. É o caso dos astros das salas de redação. O público não chega a configurar muitos nomes ou matérias anguladas pela criação pessoal, mas as redações se encarregam de mitificar certos repórteres ou redatores e transformá-los em êmulos de todo o ambiente, verdadeiros modelos de “grande jornalista” (MEDINA, 1988, p.76).

Na revista A Violeta pode-se destacar três nomes “mitificados” pelas sócias e redatoras: Bernardina Rich, Maria Dimpina e Maria Müller. Apesar das mudanças na redação da revista a cada edição, como exemplificado acima, Bernardina, Maria Dimpina e Maria Müller tornaram-se as representantes do “núcleo duro” do Grêmio e da A Violeta com participação definitiva durante as atividades da agremiação e do periódico. As três contribuíram para a fundação do “Júlia Lopes” e eram umas das “abelhas-mestras” da agremiação e da revista. Em um discurso de encerramento de um dos seus mandatos anuais na presidência do Grêmio, Maria Müller, na edição nº224, de 31 de maio de 1935, relembra a trajetória do Grêmio e da revista e afirma Sem entrar em consideração dos factores multiplos que concorreram para irse paulatinamente desertando a colmêa, vemos ficar unicamente as abelhas mestras - quaes vestaes - conservando a pyra sagrada do ideal. A estas, o

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nosso respeito e a nossa homenagem. Bernardina Rich e Maria Dimpina Lobo Duarte, são duas figuras empolgantes. Amabas são o amparo do Gremio “Julia Lopes” (A VIOLETA, nº224, p.4).

Bernardina atuava como normalista na capital, lecionando em escolas primárias, em período anterior a 1888, quando participou de um concurso29 para uma vaga efetiva na 3ª Escola Primária do Sexo Feminino, localizada na capital. Bernardina Rich, de acordo com as notas anuais dedicadas ao seu aniversário, publicadas na revista A Violeta, tinha “[...] um nome já formado na sociedade mattogrossense, conquistado pela vida do magisterio que exerce ha muitos annos com distinção, e pela finesa de trato que sabe ter, viu-se por isso mesmo cercada esse dia de amigos e admiradores”, no dia 10 de março de 1918 (A Violeta, n°29, p.11). No aniversário de 1917, a popularidade de Bernardina fica mais evidente. Na nota publicada na revista, a movimentação em torno da aniversariante altera o cotidiano de alunas e ex-alunas. Desde manha a sua residencia affluiu um grande numero de crianças alumnas e ex-alumnas senhoras e senhoritas que ali foram felicital-a. À noite depois de um lauto jantar, iniciaram-se as dansas que se prolongaram até muito tarde concorrendo para isso um grande numero de cavalheiros e senhoritas da nossa melhor sociedade (A VIOLETA, nº7, p.11).

A normalista também exerceu cargo de direção no colégio particular “8 de Dezembro”, em Cuiabá, e lecionou na Escola “Modelo”, também na capital. Bernardina teve [...] dedicada existencia, em proveito da infancia, da mocidade e da patria, começou a contar a nobre professora. D. Bernardina de todos é conhecida; e os seus trabalhos de longos annos, desde muito jovem ainda, está patente nessa grande quantidade de alumnos que conta, a quem com o sacrificio de uma vida toda consagrada ao magisterio, soube espalhar luzes do saber, em profusao. Socia do Gremio Julia Lopes, é do numero das que emprega a sua actividade em beneficio da associação. Assim comprehenderam as suas collegas, que em boa e feliz hora escolheram-na para o espinhoso cargo de thesoureira, cujas funcções actualmente desempenha com tino e criterio. Redactora desta revista, é a companheira incansavel, que não poupa esforços, e não esmoerece na lucta (A VIOLETA, nº46, p.7).

Além de redatora e tesoureira, Bernardina, assim como Maria Dimpina e Maria Müller, dirigiu a revista A Violeta durante vários anos e era reconhecida como uma “autoridade”, “[...] é a bússola que nos indica a rota; é a conselheira que nos acompanha em nossos triunfos, em nossos trabalhos, sofrendo e ensinando-nos a sofrer” (A Violeta, n°274,

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Ver mais detalhes sobre o concurso e a vida de Bernardina na dissertação de Nailza Gomes (2009), intitulada “Uma professora negra em Cuiabá na Primeira República: limites e possibilidades”, e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ainda sobre Bernardina, ver o livro: CAMBARÁ, Isa. “Cambará. Memórias de presente”. Rio de Janeiro, 2009.

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p.3). O carisma de Bernardina era reiterado em vários textos como uma das “marcas” da personalidade da normalista que circulava em vários espaços (escolares ou não) e cultivava a amizade e o respeito de alunas, ex-alunas, professoras, independente da idade. Atuava nos “bastidores” e não assinava suas produções na revista, ao contrário de Maria Dimpina e Maria Müller, por isso, é impossível determinar a extensão de sua “angulação” na revista porque as seções assinadas pela “redação” eram informativas ou traziam os aniversariantes do mês, falecimentos, nascimentos, casamentos etc. “Dona” Bernardina participou ainda como representante da A Violeta durante a criação da “Associação da Imprensa Mattogrossense”, fundada no dia 12 de janeiro de 1934 e ocupou o cargo de 2ª secretária na primeira diretoria eleita para a entidade de classe. Era a única mulher na diretoria da Associação e tomou posse no mês de fevereiro de 1934, em uma cerimônia que “[...] revestiu-se de empolgante e distincta simplicidade, tendo a ella comparecido o escól da intellectualidade cuiabana. Os oradores, vivamente applaudidos, estiveram à altura da nossa cultura e patriotismo” (A Violeta, nº214, p.10). A “angulação” no nível pessoal é desvendada ao analisar a produção de Maria Dimpina e Maria Müller, consideradas as cronistas da A Violeta. Quando nenhuma delas enviava sua criação à redação da revista eram relembradas por outras jornalistas que assumiam temporariamente o “papel” das duas. “Déa” foi uma delas, e na edição da revista do mês de abril de 1929, lamentou a falta das cronistas. “[...] Pena é, que não possam ser aqui narrados esses acontecimentos com a fina causerie das nossas festejadas chronistas – as duas Marias -, que motivos de força maior impedem neste momemnto de virem occupar o lugar de destaque merecidamente conquistado nesta revista” (A Violeta, nº166, p.1). Parcialmente apresentada ao longo deste trabalho, Maria Dimpina era uma mulher ativa, inquieta, e reconhecida como uma mulher inteligente, uma intelectual. Essas características são descritas na revista A Violeta em várias notas comemorativas e em outras ocasiões em que Maria Dimpina atuou como oradora do Grêmio, posto que assumiu “oficialmente” após vários eventos organizados pelo “Júlia Lopes”. Além de ser a primeira bacharel em Ciências e Letras pelo Liceu Cuiabano, título requerido em 1909, Maria Dimpina “[...] Ingressou no funcionalismo federal através de concurso para postalista dos Correios e Telégrafos, obtendo o primeiro lugar entre as participantes de todo o Brasil. Foi a primeira mulher funcionária pública do Estado de Mato Grosso” (Nadaf, 1993, p.59) e defendeu o acesso ao funcionalismo público e a educação profissional para as mulheres fervorosamente. Em comemoração ao seu aniversário de 1919, no dia 15 de maio, uma nota ocupa as páginas da A Violeta e reitera as características apresentadas brevemente acima:

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Companheira inseparavel, em todas as nossas lides intellectuaes e materiaes, a sua inquebrantavel acquitividade nos traz novos alentos quando nos sentimos abatidas na pesada tarefa que tomamos sobre os nossos fracos hombros. Redactora e chronista da nossa revista, é a alma mater d’A Violeta; a sua efficacissima cooperação se faz sentir em todas as secções do nosso jornal. Socia fundadora do Gremio Julia Lopes, muito tem por elle trabalhado, e, ao vel-a incansavel, heroica no seu posto, nós humildes companheiras, nos sentimos ufanas por tel-a sempre ao nosso lado, occupando o lugar de destaque a que tem incontestavel direito (A VIOLETA, nº49, p.12, grifo da redação).

Enquanto jornalista, Dimpina passou a ser conhecida como “[...] Chronista de pulso, [...] collaboradora assidua desta revista em diversas secções e sob diversos pseudonymos” (A Violeta, nº.167, p.2), e tinha um “[...] estylo fino, nervoso e originalmente ironico”, como escreve “Chloé” (pseudônimo de Maria Müller), ao convidar Maria Dimpina para responder algumas questões na “Sessão Recreativa” (A Violeta, nº17, p.4). Assinando como Maria Dimpina, Dimpina, M.D, Maria Dimpina Lobo Duarte (nome após casamento com o telegrafista Firmo Duarte), Arinapi e Martha, publicou artigos, crônicas e textos em prosa sobre assuntos variados, tanto na seção “Crônica” como “[...] pelas cartas ficcionais sob o título ‘Correspondência de D. Marta’” (Nadaf, 1993, p.59). Respondendo aos questionamentos de Chloé, “Dimpina” disse que tinha “[...] a alma voltada mais a vida da realidade, sou humilde, despida da arte de escrever agradavel, tenho emfim os dotes intellectuais inteiramente iguaes ao physico, sem graça” (A Violeta, nº18, p.4). E continua dizendo, Vivi sempre afastada das festas e das pompas sociaes, de sorte que sou incapaz de responder-vos com um estylo fino, como disses-tes. Dos bondosos leitores peço o perdão; sei que vou empanar o brilho desta secção que d'antes fulgurou com o lampejo de tantas pennas, que sabem exprimir o bello com o bello; e de vós, cara consocia, uma dsculpa e um conselho - para outra vez fazei melhor escolha (A VIOLETA, n°18, p.4-5).

Sobre a pergunta feita por Chloé: “[...] Quaes são as qualidades physicas e moraes que Mlle julga indispensaveis no homem?” (A Violeta, nº17, p.4), Maria Dimpina responde: “[...] Eu podia dizer-vos a respeito do dote physico, por exemplo: gosto de um homem alto, bonito, porte varonil, etc., e mais tarde ser obrigada a elogiar as graças (porque o amor é lisongeiro) dum pygmeo, e então me seria bem difficil, (dado a natureza do meu temperamento) atirar um desmentido formal, para ser-lhe agradavel” (A Violeta, nº18, p.5-6). Quanto aos [...] dotes que moraes que prefiro, são: o gosto para uma das artes seguintes: poesia, pintura ou musica; uma educação esmerada e uma impertinencia para tudo quanto é concernente à familia. O verdadeiro amante das bellas artes é amoroso, tem o espirito elevado e colloca o bello culto intellectual acima da

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mesquinhez material. [...] O homem que fôr impertinente com a sua familia, sabe tratal-a, sabe zelar, sabe emfim que sendo o lar domestico um templo, elle, o sacerdote, precisa ser digno de penetrar nesse templo para adorar com fé a esposa (que deve ser bôa) e os seus filhos aos quaes deve o culto santo de um bom exemplo (A VIOLETA, nº18, p.6).

Esse trecho, em especial, revela a concepção familiar para Maria Dimpina, que destinava ao homem o “papel” de sacerdote do templo, no entanto, as mulheres também tinham outras “missões”. Para ela, caberia às mulheres “[...] a mais espinhosa das missões humanas – a educação dos sentimentos. Não é necessario ser fóco de sabedoria para ser educada a par do seu sagrado mister” (A Violeta, n°1, p.2), afirma na primeira edição da A Violeta, no artigo “A educação da mulher”, publicado sob o pseudônimo “Arinapi”. Em outro texto intitulado “A verdadeira missão”, Arinapi reitera que “[...] quando todas as mães souberem comprehender que são ellas as melhores mestras teremos o pharol da sciencia illuminando a nossa sociedade, o progresso e a civilização engrandecendo a nossa patria” (A Violeta, nº31, p.4). Em uma carta publicada na revista na edição nº62, de 25 de dezembro de 1919, Dimpina, enquanto diretora da revista reitera os objetivos da revista e destaca o protagonismo das mulheres na sociedade brasileira. Lucto pela existencia da revista porque, si é a mulher aquella a quem cabe grande responsabilidade social como educdora, ella não póde assistir impassivel a lucta de reformas social e physica desta terra bemdicta sem que tambem pudesse dizer ao homem: como a filha carinhosa que assiste inseparavel e boa as luctas paternaes, como a amorosissima esposa que acompanha os trabalhos e as glorias do seu idolatrado esposo com o cerebro e com o coração, assim tambem trabalhei comvosco, quando a nossa cidade e ainda mais a nossa sociedade reclamavam o concurso de seus filhos (A VIOLETA, n°62, p.5).

Nas crônicas, [...] revela um acompanhamento dos fatos contemporâneos e um espírito de luta pelo progresso da região, tal como a que reivindica a implantação de uma Escola Doméstica em Cuiabá (nºs 138, 145, 177, 304, 305, 317 e 318); ou a que luta pela construção de uma Estrada de Ferro para o Norte de Mato Grosso, e outras rodovias (nºs 109a, 110, 116, 149, 210, 222, 254, 276); ou a que se ocupa de questões urbanísticas e de saneamento para a Capital matogrossense (nºs 37, 38, 69, 143, 158, 161, 171ª e 342c); ou a que censura a guerra (nºs 256, 271, 286 e 303); ou a que defende o trabalho da mulher fora do lar (nºs 94, 113 e 134); ou, ainda, a que faz um apelo à prática da caridade a diversos segmentos carentes (nºs 51, 84, 106 e 107, 196, 201, 266 e 315). A “Correspondencia de D. Marta”, escrita em mesmo estilho e publicada esporadicamente do número 39 ao número 265, também assinala preocupação com os fatos circunstanciais, ora registrando as necessidades prementes para o desenvolvimento do Estado de Mato Grosso, ora expressando conselhos morais de conduta à mulher (NADAF, 1993, p.5960).

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Dona Martha tinha o “estilo” mais informal, já que a carta permite uma escrita mais solta, em tom de conversa, mas recorria aos outros assuntos ligados ao “progresso” da “civilização” de Mato Grosso e da cidade de Cuiabá, até quando tinha pesadelos. Em uma das epístolas publicadas na revista, a anciã teve insônia “[...] em uma destas quentes noites de Outubro” e recordou [...] de tantos serviços e idéas em projecto nesta cidade, alguns destes até pelas meninas do Gremio Julia Lopes, como seja a arborisação de ruas, aulas nocturnas, reuniões litterarias de leitura, etc. É verdade, dizia eu, commigo mesma, embalando-me na minha alva rede de algodão livramentense, aqui tudo morre, tudo acaba em principio de vida ou mesmo na casca como alguns pintos que não se sentem com força para romper o envolucro onde se geram e morrem (A VIOLETA, nº130, p.4).

Às seis horas da manhã, [..,] não tinha conseguido despertar-me bem, mas ouvia, meio dormindo, meio acordada, os apitos da hydráulica e da fabrica de sabão e sonhava que ali pertinho de onde eu me achava, no segundo districto, levantava-se uma acreditada fabrica de tecidos de algodão e eu não podia mais aproveitar-me deíla porque, infelizmente, os meus momentos estavam contados, eu ia morrer em consequencia de grave enfermidade. As minhas amiguinhas visitavam-se trazendo-me tecidos bem bonitos da fabrica e eu que não a pudera visitar tive um unico consolo - que a minha mortalha seja de um tecido da fabrica cuiabana! disse já com voz sumida. Já quasi nas ultimas, indago de Maria de Arruda e Maria Dimpina que chegavam afim de tratar de assumptos do Gremio Julia Lopes: - O Dr. Mario Corrêa será a favor da Estrada de Ferro? (A VIOLETA, nº130, p.4-5).

Talvez consciente da referência a obra de Machado de Assis, Martha continua a carta relatando uma experiência similar ao de Brás Cubas com riqueza de detalhes do cenário e até do trajeto fúnebre que a levou ao cemitério do 2º distrito de Cuiabá. Em relação aos escritores e escritoras favoritos, além de Júlia Lopes, Dimpina já tinha citado Olavo Bilac em alguns textos e no questionário publicado na edição nº50, de 15 de junho de 1919, ela cita mais dois: “[...] João do Rio na Alma encantadora das ruas e Raymundo Corrêa no Mal Secreto” (A Violeta, nº50, p.9). Entre caricias de minhas amiguinhas morri. - A minha sepultura seria no Cemiterio do 2º districto. Contractarem o serviço funerario com o Sr. Tenuta que levou um carro bem arranjadinho. O meu espirito jazia ali-era guarda avançada do meu corpo alquebrado, inerte, sem vida, no caixão mortuario e não sei porque com elle sentia todos os abalos pelas quaes passava o carro. Aquelles solavancos da estrada que ainda é pessima não deixaram que o enterro fosse como desejavam que fosse. E eu tive a vontade de ressuscitar para pedir ao Conorel Néco Moreira mandar concertar aquella estrada em beneficio dos moradores do 2º districto. Um forte abalo na rede acorda-me. Lili a minha trefega sobrinha indagava: “porque tia Martha está a chorar e a fallar dormindo?” Desejo, minha filha, que tem a tua tia, mesmo sonhando,

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ainda depois de morta talvez, de ver o progresso de Cuiabá! (A VIOLETA, nº130, p.5).

“Maria de Arruda” ou Maria Müller que aparece no pesadelo de Dona Marta para tratar de assuntos do Grêmio também compartilhava as preocupações de Maria Dimpina quanto ao “progresso” da “civilização”. Para ela, o desenvolvimento da “arte” seria um dos indícios do “progresso”. Na crônica escrita por “Mary” sobre o “Festival de Caridade”, realizado pelo Grêmio em benefício da Santa Casa de Misericórdia, no mês de abril de 1917, descreveu o sucesso do evento como “[...] uma apotheose! E a victoria do gosto pela arte, sobre a apathia que ameaçava invadir a alma já por si nostalgica do cuiabano. Em realidade para que já podemos gritar bem alto que Cuiabá progride” (A Violeta, nº9, p.1). Mary cita a instalação de bondes elétricos na capital que percorreriam 12 quilômetros entre as [...] principaes ruas da nossa urbs verde, passando uma linha pelo gracioso Bosque Municipal, e mais tarde talvez outra que se estenda até o Coxipó. Como será bom, então, numa dessas insipidas noites de verão dar-se um giro de bond e depois ficar-se lá pelo Bosque até muito tarde, saboreando um sorvete ou uma limonada em mesinhas redondas dispersas aqui e ali pelas alamedas extensas, onde a aragem, balouçando arvores frondosas, vem traquinas brincar com os nossos cabellos e arrepiar num fremito bom a nossa pelle sequiosa por se deleitar... (A VIOLETA, nº9, p.1).

Finaliza a crônica com mais um elemento para o progresso: a instalação do Cinema Parisien em um novo espaço “[...] com toda comodidade e conforto, que poderá tambem ser transformado num palco à disposição dos que queiram trabalhar pela arte de Thalia, será certamente o ponto de reunião da gente chic, e um grande passo avançado no caminho do progresso” (A Violeta, nº9, p.2). Das três, Maria Müller é a que mais se aproxima do caráter “literário” impresso na revista A Violeta e tem o estilo “educado e fino”, de acordo com Maria Dimpina (A Violeta, nº76, p.2). Assinando suas produções [...] com os pseudônimos de Mary, Chloé, Vampira, Consuelo, Sara, Lucrécia, Ofélia e Vespertina, além do seu nome real. Foram crônicas, discursos, contos, narrativas ficcionais, composições poéticas e entretenimentos atinentes à vida social da época. Sua “Crônica” atesta um conhecimento diversificado e um engajamento aos fatos momentâneos[...] Sua produção literária se ocupou de temas românticos, versados em linguagem fluente e sentimental (NADAF, 1993, p.61-62).

Se dedicou ao magistério na capital e no interior de Mato Grosso, após cursar a Escola Normal “Pedro Celestino”, em Cuiabá. Finalizou o curso em 1915, formando na segunda turma, aos 17 anos. No Grêmio era considerada, no primeiro ano de atividade, em 1917, “[...]

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uma das mais perfumadas violetas, já trabalhando com afinco em qualquer occasião que os seus serviços sejam reclamados, já como collaboradora da ‘A Violeta’” (A Violeta, nº24, p.11). No aniversário de 1918, comemorado no dia 10 de dezembro, Maria Müller foi homenageada pela redação da revista e teve seu primeiro retrato publicado. Como nos casos de Bernardina e Maria Dimpina, as notas de aniversário publicadas anualmente ressaltam as “qualidades” e as características da personalidade das redatoras, aos olhos das “companheiras” do Grêmio e da A Violeta. Se Bernardina era tida como a “conselheira”, e Maria Dimpina como “ativa”, Maria Müller era um “[...] Espirito naturalmente inclinado à arte, é de ver-se como Maria Ponce sabe aproveitar os momentos de folga que o arduo mister de professora lhe concede, para applicalos com vantagem ao culto da literatura e da musica” (A Violeta, nº43B, p.7). Para as “companheiras”, ela tinha “herdado” o “mal das lettras” da família, especialmente de sua mãe, Adelina Ponce de Arruda “[...] que a nossa elite tanto admira e estima” (A Violeta, nº43B, p.7). Na cerimônia de entrega da bandeira ao “Tiro”, Maria representou a mãe, ao lado do presidente e arcebispo de Cuiabá, Dom Aquino Corrêa. Adelina era a paraninfa da cerimônia. Além das “lettras”, Maria Müller “herdou” a “política” do avô, Generoso Ponce, ex-presidente do Estado de Mato Grosso durante dois mandatos, um em 1892 e o outro em 1907. E depois se casou com Julio Strubing Müller, em 1919, na época ainda era diretor de um grupo escolar na cidade de Poconé, interior de Mato Grosso. Julio também foi eleito governador pela Assembleia Constituinte em 1937, e depois foi nomeado interventor federal pelo presidente Getúlio Vargas, até 1945. No dia 25 de maio de 1930, Maria Müller foi eleita para a “cadeira” número 15 do “Centro Mattogrossense de Letras”, sociedade literária que posteriormente foi denominada Academia Mato-grossense de Letras. Na edição da revista A Violeta do mês de junho, publicada no dia 20, as redatoras publicaram a “proposta” para a candidatura de Maria ao “Centro”. O autor, professor Philogônio Corrêa, relata a discussão entre os fundadores do “Centro” a respeito da admissão de mulheres na sociedade literária. “[...] O resultado da discussão foi a inclusão, como fundadora, da senhorita Anna Luiza da Silva Prado, cujo casamento e consequente mudança de residencia, privou-nos da collaboração effectiva do elemento feminino”, justifica Philogônio Corrêa (A Violeta, nº179, p.4). Maria Müller seria, então, a primeira mulher eleita para o “Centro”, após a participação de Anna Luiza nas atividades do “Centro” de letras como tesoureira (Nadaf, 1993, p.53).

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Philogônio continua com a defesa da candidatura e reitera que “[...] A presente proposta é, pois, não só uma eloquente homenagem por nós prestada a intellectualidade da mulher cuiabana, mais ainda o justo reconhecimento dos elevados meritos da nossa illustre candidata” (A Violeta, nº179, p.4). Cita os “méritos” de Maria Müller como normalista, como mulher e como esposa e ainda o “[...] o seu cuidadoso e elegante trato da lingua materna e sua imaginação creadora e rica, já então observados nas suas correctas provas e composições escolares” (A Violeta, nº179, p.4). Diplomada normalista a sua actividade multiforme desdobrou-se em todos os aspectos onde pode actuar a mulher na sua missão formadora e moralisada da sociedade. Na escola sempre foi a professora intelligente e cuidadosa, distribuindo com amoroso carinho o valioso thesouro intellectual que soubera accumular, afim de que, como ella soube dizel-o na sua chronica sobre o nosso bi-centenario, “à arvore nascida não se poupe o sol do patriotismo nem o alimento da razão, para que não a vejamos morrer secca e amarelecida antes mesmo que nos dê a saborosidade dos seus fructos sasonados” (A VIOLETA, nº174, p.4).

Outras crônicas escritas por Maria Müller na revista A Violeta também revelam o “estilo” elegante de sua escrita. Publicada na edição número 209, do dia 25 de agosto de 1933, a crônica com o título “Em cinco dias e meio” extrapolou as poucas páginas destinadas à seção e tornou-se uma das crônicas mais marcantes de sua produção para a revista. Mary apresentou detalhes de sua primeira viagem de avião para a cidade de Campo Grande, atual capital do estado de Mato Grosso do Sul, a bordo do hidroavião “Blumenau”. A partida foi embalada por uma valsa executada pela banda policial, Maria e amigos saíram da capital em uma fria manhã de agosto a bordo “[...] do bello passaro mecanico adquire a velocidade necessaria para aquecer o motor. Começa a decolagem. Quarenta minutos longos e sentimos emfim, librando o ar. O ‘Blumenau’ singra com garbo a correnteza aérea. Não se sente o mais leve trepidar. Surprehendente!...” (A Violeta, nº209, p.2). Mary descreve aos leitores o panorama inédito materializado em suas retinas: “[...] Aquelle filamento prateado que lá embaixo serpeia é o Cuiabá. Que labyrintos apertados formam os meneios dessas aguas a se afigurarem cá do alto, pasmadas, somnolentas...” (A Violeta, n°209, p.2). Durante o primeiro pouso realizado pelo “Blumenau” na cidade de Porto Jofre, localizada no pantanal mato-grossense, Mary apresenta a família Costa Marques e descreve um contratempo durante a partida do hidroavião. A família vivia em uma fazenda [...] que é um hiato de civilisação entre brenhas. Olguinha, a graciosa e vivaz pequerrucha completa o quadro de felicidade que ahi se contempla. Café com leite, pão e manteiga, queijos, bolos, tudo preparados pela gentil fazendeira, alvoroçam ainda mais o apetite já aguçado. Toma a kodak o aviador Lins e, antes de “partir” apanha-nos em instantaneo. Partir... nesse dia! Não, o avião não quer! Depois de 100 minutos de experiencia não

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decóla mesmo. Ha agua nos fluctuadores, um dos quaes represado, devido a pequeno arrombamento (A VIOLETA, n°209, p.2).

A cronista apresenta outros registros das “circunstâncias” do cotidiano, dia após dia, até o retorno para a capital de Mato Grosso. A crônica rendeu elogios em outros jornais matogrossenses no mês de agosto e setembro de 1933. O Jornal do Commercio, de Campo Grande, publicou uma nota sobre as impressões de viagem de Mary, que foi transcrita na A Violeta e publicada no dia 24 de setembro de 1933. As impressões de uma talentosa escriptora cuyabana Mme. Mary Ponce de Arruda Müller, é, sem favor, um dos mais bellos espiritos da moderna intellectualidade cuyabana. Poetisa e escriptora impressionista, a talentosa belletrista mattogrossense acaba de publicar, na interessante revista literaria “A Violeta”, curiosas impressões da sua viagem aérea de Cuyabá a Campo Grande. São dessas impressões de tão sintillante colorido os brilhantes tópicos que vamos transcrever. [...] Somos gratas ao illustre collega pelas elogiosas referencias feitas à presidente do nosso gremio literario e devotada collaboradora desta revista (A VIOLETA, nº209, p.11).

2.4 As “cousas” miúdas e graúdas Arinapi e Mary incorporaram em suas narrativas a principal característica da crônica: registrar o circunstancial, de acordo com Jorge de Sá (2006). As crônicas registram os “acontecimentos” cotidianos, “as cousas miúdas”, como diria Sidney Chalhoub (2005). Mas, ao contrário do que possa aparentar, as crônicas, na verdade, testemunham os principais acontecimentos da sociedade, suas mudanças, desde a primeira viagem de avião até a utilização de câmeras fotográficas compactas como a Kodak utilizada pelo piloto do “Blumenau” para registrar a viagem. Considerando a crônica como “um gênero do jornalismo contemporâneo”, de acordo com a definição do jornalista José Marques de Melo (2002), é necessário delinear os percursos desse gênero opinativo no jornalismo brasileiro. Com raízes na história e na literatura, Melo (2002) afirma que os [...] primeiros textos históricos são justamente as narrações de acontecimentos, feitas por ordem cronológica, desde Heródoto e César a Zurara e Caminha. A atividade dos “cronistas” vai estabelecer a fronteira entre a Logografia – registro de fatos, mesclados com lendas e mitos – e a história narrativa – descrição de ocorrências extraordinárias baseadas nos princípios da verificação e da fidelidade (MELO, 2002, p.139).

As crônicas “históricas” assumiram “[...] o caráter de relato circunstanciado sobre feitos, cenários e personagens, a partir da observação do próprio narrador ou tomando como

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fonte de referência as informações coligidas junto a protagonistas ou testemunhas oculares” (Melo, 2002, p.140). “Na literatura, a crônica afigura-se como texto primário, produzido por espectadores privilegiados - os viajantes ou epistológrafos - que traduzem para leitores distantes as suas impressões de paisagens vistas e gentes desconhecidas” (Melo, 2002, p.140). Herdeira dos folhetins (escritos ficcionais), que eram publicados nos rodapés dos jornais, a estreia da crônica folhetinesca, no Brasil, aconteceu em 1846, de acordo com Yasmin Nadaf (2002, p.54). “Coube ao contista e dramaturgo Martins Pena a responsabilidade de inaugurar a crônica folhetinesca seriada no Brasil, oferecendo textos semanais, restritos a espetáculos líricos, para o rodapé do sempre pioneiro em novidade jornalísticas Jornal do Commercio” (Nadaf, 2002, p.54). Como a crônica passa a ser considerada um gênero jornalístico? Com “aparente” simplicidade, para Jorge de Sá (2006), as crônicas surgem nos jornais [...] herdando a sua precariedade, esse seu lado efêmero de quem nasce no começo de uma leitura e morre antes que se acabe o dia, no instante em que o leitor transforma as páginas em papel de embrulho, ou guarda os recortes que mais lhe interessam num arquivo pessoal. O jornal, portanto, nasce, envelhece e morre a cada 24 horas. Nesse contexto, a crônica também assume essa transitoriedade, dirigindo-se inicialmente a leitores apressados, que lêem nos pequenos intervalos da luta diária, no transporte ou no raro momento de trégua que a televisão lhes permite (SÁ, 2006, p.10).

Para “[...] diferenciá-la de ‘outras crônicas’, anteriores e posteriores ao jornalismo como atividade de comunicação social” (Melo, 2002, p.141), Melo cita a definição do espanhol Martin Vivaldi: O característico da verdadeira crônica é a valoração do fato ao tempo em que vai se narrando. O cronista, ao relatar algo, nos dá sua versão do acontecimento; põe em sua narração um toque pessoal. Não é a câmara fotográfica que reproduz uma paisagem; é o pincel do pintor que interpreta a natureza, imprimindo-lhe um evidente matriz subjetivo (MELO, 2002, p.141).

Permeado pela “[...] subjetividade dos escritores-jornalistas, cuja atuação pública incorpora inegavelmente os traços culturais das sociedades em que vivem e que produzem através da imprensa” (Melo, 2002, p.142), Mary reflete sua “função” como cronista e confirma, na crônica da edição número 180, publicada em 31 de julho de 1930, o que Jorge de Sá (2006) diz sobre a observação direta como “[...] ponto de partida para que o narrador possa registrar os fatos de tal maneira que mesmo os mais efêmeros ganhem uma certa concretude” (2006, p.6). A responsabilidade dos chronistas literarios da actualidade, focalisando factos e cousas do momento que passa, vae engrandecendo dia a dia, graças a documentação viva e farta que os processos mechanicos e electricos

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multiplicam: desde as revistas ilustradas, onde os clichés excellem cada qual mais primorosa na confecção, nalgumas banidas mesmo os emolduramentos da palavra impressa, bastando à guisa de commentario uma ou duas phrases que pela sua perfeição e justesa lembram illuminuras, até o cinematrographo com sua ultra moderna adaptação e modalidade registrando a voz humana e os sons nas suas mais delicadas cambiantes, ao mesmo tempo que fixa para estudo da posteridade as expressoes physionomicas, os gestos, a indumentaria e o ambiente, essa ambiente formidavel que o seculo 20 desenhou para a humanidade. Nós, porém, os pobres chronistas de aldeia, ou vindo de longe o ariar da grande machina do progresso, temos que nos contentar com o pouco que já é muito – a imprensa – comparado aos meios de que se serviram os coévos de Vaz Caminha. E por isso mesmo, para desempenhar e esculpir a epoca maravilhosa que atravessamos, com a mesma fidelidade dos meios mechanicos aperfeiçoadissimos, a penna do chronista contemporanea ha que ser acima do buril e do cinzel, um instrumento de precisão norteado pelo mais claro e verdadeiro senso de observação... (A VIOLETA, nº 180, p.2).

As revistas ilustradas citadas por Mary marcam o jornalismo brasileiro das primeiras décadas do século XX. Maria Dimpina sonhava com o momento em que a revista A Violeta seria publicada nos moldes das revistas ilustradas (A Violeta, nº18, p.6). Nesse período, de acordo com Nelson Werneck Sodré (1999), As revistas ilustradas, aparecendo na fase em que imprensa e literatura se confundiam e como que separando, ou esboçando a separação entre as duas atividades, submeteram-se, inicialmente, ao domínio da alienação cultural então vigente, buscando emancipar-se depois, ao tornarem principalmente mundanas, e até femininas umas, e principalmente críticas outras. Salvo-as, sem a menor dúvida, a arte da caricatura, que teve, nessa época, grandes nomes a praticá-la e a dar-lhe um sentido, um conteúdo e uma qualidade de execução, uma forma, insuperáveis. É o grande, profundo e significativo aspecto que apresentam. Limitadas à literatice, teriam sido inócuas e não teriam alcançado a penetração relativa que alcançaram (SODRÉ, 1999, p.302-303).

Com a função de “ordenar a sociedade”, a jornalista Marialva Barbosa (2010) define o “novo jornalismo” colocado em prática a partir de 1880, inicialmente no Rio de Janeiro. Os periódicos pretendiam “[...] sobretudo, informar, com isenção, neutralidade, imparcialidade e veracidade, sobre a realidade” (Barbosa, 2010, p.121). Essa mudança é advinda de um “[...] novo tempo em que ordem, progresso, disciplina e, sobretudo, modernização são verdadeiras palavras de ordem” (Barbosa, 2010, p.116). Entre as estratégias dos jornais e revistas “[...] para criar o hábito de consumo urbano junto a um público mais vasto” (Barbosa, 2010, p.126), os periódicos utilizaram “[...] do prestígio e das linguagens dos literatos, acrescentam à divulgação do folhetim outros tipos de textos literários ao gosto do público. Crônicas, poesias, contos e peças teatrais ganham destaque,

sobretudo,

nas

edições

dominicais

[...]”

(Barbosa,

2010,

p.126).

Os

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“emolduramentos da palavra impressa” referem-se a essa fase do jornalismo concentrado “[...] no estilo, na frase, na palavra. O beletrismo, na ocasião, não era ainda restritivo (como tudo muda!), e o jornal vivia como o repositório de uma atitude geral e natural que considerava o bonito e o bem-acabado como meta final”, afirma o jornalista Alberto Dines (2009, p.44). Nos jornais e nas revistas ilustradas se refugiaram “os homens de letras” “[...] que buscavam encontrar no jornal o que não encontravam no livro: notoriedade, em primeiro lugar; um pouco de dinheiro, se possível”, afirma Sodré (1999, p.292). Outro fato que atraiu os literatos para a imprensa era o preço mais acessível dos jornais e revistas, ao contrário dos livros que tinham altíssimos preços e inviabilizavam a produção constante dos escritores. Teresinha Del Fiorentino (1982) destaca a diferença entre os valores de um livro e as assinaturas anuais dos periódicos, em São Paulo. Tomando como amostra representativa duzentos e setenta e três livros, verifica-se que 63,02% custavam entre 2$000 e 4$000, sendo que 33,71% tinham um preço entre 3$000 e 4$000. Analisando, por outro lado, o preço dos periódicos, vê-se que a assinatura anual mais frequente custava 10$000. O periódico satisfazia gostos variados pois oferecia, entre outras seções, atualidades, esportes, e mesmo seções especializdas em cozinha, artes domésticas, moda etc. (DEL FIORENTINO, 2002, p.219).

Vários escritores iniciaram suas colaborações para os jornais e revistas gratuitamente. Teresinha Del Fiorentino (1982) cita o caso de Monteiro Lobato quando, em 1908, o escritor anunciou “[...] ao amigo Rangel: ‘Temos jornal. Tito assumiu a redação da Tribuna de Santos com setecentos por mês. Promete pagar a minha colaboração. Havemos todos de mamar na vaca’” (1982, p.39). Não encontramos registros sobre remuneração para jornalistas e colaboradores na revista A Violeta. A imprensa e a literatura compartilham as páginas das revistas e dos jornais, já que os escritores são arrebatados para as redações e tinham “[...] a possibilidade de atingir mais leitores” (Barbosa, 2010, p.141) por conta da “popularidade” dos periódicos. Estabelece-se verdadeira cumplicidade entre literatos e jornais, com os primeiros percebendo os periódicos como via de divulgação de sua obra e, em consequência, de ascensão social. Os jornais, por outro lado, utilizam esse profissional com a expectativa de alcançar um público maior, conseguindo, com isso, mais anunciantes, prestígio e poder (BARBOSA, 2010, p.142).

Além disso, os escritores-jornalistas se aventuraram para a difusão de suas produções em jornais e revistas “independentes”, e muitos deles, vinculados a grêmios e outras associações literárias, como no caso da revista A Violeta. O surgimento do jornal A Patria, em Cuiabá, é comemorado por Arinapi na crônica publicada na edição nº25B, de 24 de janeiro de

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1918: “É uma necessidade a manutenção dum orgam como esse nesta sociedade onde ha uma falta sensivel de um jornal independente onde possam collaborar tantos moços intelligentes e que não encontram um vasto campo no jornalismo, aqui onde quase todos os jornaes são orgãos politicos e religiosos” (A Violeta, nº25B, p.2). O “acento lírico” impresso nas crônicas dos periódicos (literários ou não) distingue a crônica dos outros gêneros jornalísticos opinativos para Melo (2002). Quando Mary fala sobre sua “função” enquanto cronista também assinala o processo de “produção” da crônica tendo como elemento norteador o “senso de observação” que, independente do acesso dos “cronistas da aldeia” aos meios “mecânicos” e outras parafernalhas midiáticas, não substitui a subjetividade dos cronistas. No Brasil, a crônica de costume “[...] – que se valia dos fatos cotidianos como fonte de inspiração para um relato poético ou uma descrição literária – e a crônica moderna – que figura no corpo do jornal não como objeto estranho, mas como matéria inteiramente ligada ao espírito da edição noticiosa [...]” (Melo, 2002, p.149) se estabeleceram nas páginas dos jornais e revistas e no cotidiano dos leitores. Reiterando a crônica como um gênero opinativo, Melo (2002) afirma que apesar [...] do lirismo que o cronista emprega ao resgate de nuanças do cotidiano, sua matéria contém ingredientes de crítica social, donde o seu caráter é nitidamente opinativo. É o palpite descompromissado do cronista, fazendo da notícia do jornal o seu ponto de partida, que dá ao leitor a dimensão sutil dos acontecimentos nem sempre revelada claramente pelos repórteres ou articulistas (MELO, 2002, p.150).

Cremilda Medina assinala o “ambiente histórico de transição” do jornalismo brasileiro do início do século XX e cita João do Rio, um dos escritores favoritos de Maria Dimpina, como o representante desse período de transformação e transição histórica. Apesar das controvérsias sobre a produção de João do Rio (ou Paulo Barreto), Medina (1988) ressalta o consenso dos críticos sobre um aspecto: “[...] Paulo Barreto é cronista e o repórter do 1900 no Rio de Janeiro, centro dessa atividade no Brasil na época” (Medina, 1988, p.54). As cronistas da “aldeia” também incorporaram algumas características desse novo “fazer jornalístico” inaugurado por João do Rio que contribuiu para a definição moderna do jornalismo, ao realizar a “[...] observação direta e palpitante. Repórter que vai à rua e constrói sobre o momento a história dos fatos presentes” (Medina, 1988, p.58).

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CAPÍTULO III – PARA ALÉM DOS “FACTOS” E “COUSAS” 3.1 A análise de conteúdo como metodologia Para o desenvolvimento dos objetivos propostos, optou-se pela análise de conteúdo como metodologia de pesquisa, que de acordo com a definição de Heloisa Herscovitz (2008) é um [...] método de pesquisa que recolhe e analisa textos, sons, símbolos e imagens impressas, gravadas ou veiculadas em forma eletrônica ou digital encontrados na mídia a partir de uma amostra aleatória ou não dos objetos estudados com o objetivo de fazer inferências sobre os conteúdos e formatos enquadrando-os em categorias previamente testadas, mutuamente exclusivas e passíveis de reaplicação (HERSCOVITZ, 2008, p.127).

A análise de conteúdo é um dos métodos utilizados nas pesquisas das Ciências Socais Aplicadas e no Jornalismo, em especial, pois permite [...] detectar tendências e modelos na análise de critérios de noticiabilidade, enquadramentos e agendamentos. Serve também para descrever e classificar produtos, gêneros e formatos jornalísticos, para avaliar características da produção de indivíduos, grupos e organizações, para identificar elementos típicos, exemplos representativos e discrepâncias e para comparar o conteúdo jornalístico de diferentes mídias em diferentes culturas (HERSCOVITZ, 2008, p.123).

Para Laurence Bardin (1979), além da possibilidade de descrever, também citada por Herscovitz (2008), a análise utiliza a inferência como objetivo ou função principal. No entanto, “[...] a atitude interpretativa continua a existir em partes na análise de conteúdo, mas é sustentada por processos técnicos de validação” (Bardin, 1979, p.16). A análise de conteúdo já não é considerada exclusivamente com um alcance descritivo (cf. os inventários dos jornais do princípio do século), pelo contrário toma-se consciência de que a sua função ou o seu objetivo é a inferência. Que esta inferência se realize tendo por base indicadores de freqüência, ou, cada vez mais assiduamente, com a ajuda de indicadores combinados (cf. analise de ocorrências), toma-se consciência de que, a partir dos resultados da análise, se pode regressar às causas, ou até descer aos efeitos das características das comunicações (BARDIN, 1979, p.23).

A compreensão das tendências e intenções presentes nos textos, sons, imagens e símbolos podem ser estudados utilizando a análise de conteúdo e vão além do aspecto fenomênico. Para Karel Kosik (1979), “[...] captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa em si se manifesta naquele fenômeno, sem a sua manifestação e revelação, a essência seria inatingível” (1979, p.12).

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Este pensamento vai ao encontro do que Bardin (1979) considera como a “ilusão de transparência dos factos sociais”, e assim, torna-se necessário recusar ou tentar “afastar os perigos da compreensão espontânea” (1979, p.30). Mas a análise de conteúdo utiliza o que a autora chama de “processos técnicos de validação”, entre eles, estão os aspectos quantitativos e qualitativos. Na análise quantitativa, o que serve de informação é a freqüência com que surgem certas características do conteúdo. Na análise qualitativa é a presença ou a ausência de uma dada característica de conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem que é tomada em consideração (BARDIN, 1979, p. 23).

A utilização de aspectos qualitativos e quantitativos na mesma pesquisa é a opção mais usada atualmente, como diz Herscovitz (2008). A tendência atual da análise de conteúdo desfavorece a dicotomia entre o quantitativo e o qualitativo, promovendo a integridade entre as duas visões de forma que os conteúdos manifesto (visível) e latente (oculto, subentendido) sejam incluídos em um mesmo estudo para que se compreenda não somente o significado implícito, o contexto onde ela ocorre, o meio de comunicação que o produz e o público ao qual ele é dirigido (HERSCOVITZ, 2008, p. 126).

Assim, em se tratando do aspecto quantitativo, a frequência foi utilizada como regra de enumeração para perceber como as unidades de registros – que são os temas-eixos feminismo e voto feminino – apareceram nas crônicas publicadas na revista entre o período de 1916 a 1937. Foram consultadas, no total, 186 edições da revista A Violeta, disponíveis nos acervos da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) e do Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDIHR-UFMT), em microfilme; no Arquivo Público do Estado de Mato Grosso (AP-MT), no Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHG-MT) e no acervo particular da pesquisadora Yasmin Nadaf tivemos acesso às edições originais ou escaneadas. Ainda sob o aspecto quantitativo, identificamos o número de crônicas publicadas, assim como as autoras e os temas recorrentes em suas escritas. Bardin (1979) defende a validade da análise qualitativa “[...] na elaboração das deduções específicas sobre um acontecimento ou uma variável de inferência precisa, e não em inferências gerais” (1979, p.141). O aspecto qualitativo permite ainda a elaboração de inferências sobre o contexto em que as mensagens foram produzidas, recebidas e ainda as suas condições de produção, permitindo esclarecer as intenções e objetivos das mensagens veiculadas. Para isso, outros textos publicados na revista A Violeta, além das crônicas, mas que continham os temas-eixos foram utilizados, assim como outros periódicos que circularam em nível local ou nacional e ampliaram a discussão proposta pelas gremistas.

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3.2 Tecendo o cotidiano

A segunda edição da revista A Violeta publicada no dia 25 de dezembro de 1916 inaugura a seção “Chronica” com as observações de Magnolia, pseudônimo utilizado por Thereza Lobo, sobre o período chuvoso, a preparação dos presépios para as festas natalinas e a repercussão da primeira edição da revista, que circulou no dia 16 de dezembro de 1916. As crônicas reúnem as “miudezas” e apresentam-se aparentemente de modo randômico, mas em nenhum momento desconexo do cotidiano, que foi tecido fio a fio pelas cronistas. Para tornar o material analisado “cronicamente viável” foi necessário listar as edições da revista A Violeta publicadas de 1916 a 1937 e identificar as crônicas com os temas-eixos feminismo e voto feminino. Esses dados foram reunidos na tabela a seguir: Ano

1916 1917 1918 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 Total 21 anos

Número de edições da revista A Violeta consultadas 2 23 19 19 12 4 1 6 1 10 11 9 2 10 10 8 7 8 6 9 1 8 Total 186 edições

Número de crônicas com os temas-eixos 1 (nº2) 6 (nº3, 15, 16, 22, 23 e 24) 7 (nº26, 30, 31, 33, 34, 35 e 43B) 5 (nº45, 46, 52, 56 e 59) 1 (nº76) 2 (nº80 e 86) Não houve 2 (nº108 e 112) 1 (nº113) 6 (nº121, 123, 125, 126, 127 e 129) 3 (nº134, 138 e 141) 2 (nº145 e 152) 2 (nº155 e 162) 3 (nº165, 169 e 170) 3 (nº176, 177 e 183) 2 (nº189-190 e 191-192) 1 (nº202) 2 (nº204 e 212) 4 (nº213, 217, 218 e 219) 4 (nº220-221, 223, 227 e 228) 1 (nº229) 1 (nº230) Total 59 crônicas

Tabela 1 – Edições das revistas e crônicas

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Levando-se em consideração os resultados obtidos nesta parte essencialmente quantitativa cabe fazer algumas observações, a partir da tabela. Entre 1916 e 1919, as diretoras do Grêmio e da A Violeta seguiram o Estatuto da agremiação e publicaram a revista duas vezes por mês. Em 1919, uma nota foi publicada na edição nº44, de 20 de janeiro com a resolução da tesoureira do Grêmio informando aos leitores e assinantes que a revista seria publicada apenas uma vez por mês para equilibrar “[...] as finanças do mesmo Gremio. Sendo assim a revista só sahirá a 20 de cada mez” (A Violeta, nº44, p.12). Apesar dessa nota, a publicação mensal teve início efetivamente no ano seguinte, em 1920, com algumas exceções nos meses de dezembro quando foram publicadas duas edições, sendo uma regular e outra “especial”, que circulava sempre no dia 25. Alguns anos também merecem ser mencionados, entre eles, os de 1917 e 1936. O primeiro teve o maior número de edições publicadas durante todo o tempo de circulação d’A Violeta, de 1916 a 1950, aproximadamente, e um dos poucos anos que tivemos acesso a todos os números, já que o acervo da revista encontra-se disperso por vários acervos públicos ou particulares. É importante ressaltar ainda a dedicação das diretoras, redatoras, sócias e colaboradoras da revista e da agremiação – especialmente nos anos iniciais – visando a efetivação da “missão” do “Júlia Lopes” e do seu “orgam”. Em uma carta publicada na edição nº35, de 30 de junho de 1918, Maria Dimpina revela o número de sócias-contribuintes30 do Grêmio que seria “perto de cem” e ainda a inserção da escritora de Andradina de Oliveira como “sócia bemfeitora”. Na mesma correspondência Dimpina expõe as dificuldades da tesoureira para manter a situação financeira do Grêmio positiva quando a lista de sócias não era tão animadora. Em 1936, vinte anos após a fundação da agremiação e da revista outras dificuldades apareceram ou se intensificaram culminando na publicação de apenas uma edição d’A Violeta e expondo fissuras causadas pela concentração das atividades nas representantes do “núcleo duro”, pelos atrasos e altos custos das tipografias, além das alternâncias na presidência do Grêmio e na direção da revista. No ano anterior, em 1935, Bernardina Rich e Maria Dimpina dirigiram a revista ficando sob a responsabilidade da cronista a direção em 1936, mas, na única edição daquele ano, a de nº229, publicada no dia 30 de abril, Dimpina se despede da redação da revista porque estava de mudança para a cidade de Lageado (atual Guiratinga), no interior de Mato Grosso. A revista voltou a circular no mês de maio de 1937 sob a direção de Benilde Moura, As sócias “benfeitoras” pagavam a mensalidade de, ao menos, 50$000, enquanto as sócias contribuintes pagavam a mensalidade de 2$000. 30

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que assumiu também a função de cronista em algumas edições e de Marianna Póvoas, uma das fundadoras da agremiação e d’A Violeta. Apesar disso, a participação de Maria Dimpina foi a mais intensa nas 59 crônicas que reverberaram os temas feminismo e voto feminino conforme o gráfico a seguir. Além de “Arinapi”, o pseudônimo de Maria Dimpina utilizado nas crônicas; a “chronista”, “Célia”, “Fernanda”, e “Lucy”, autorias não identificadas; “Magnolia”, pseudônimo de Thereza Lobo e “Mary”, pseudônimo de Maria Müller, inseriram assuntos de “mulher” em quase todos os anos pesquisados, com exceção da única edição encontrada do ano de 1922, que não contemplava nenhum dos temas-eixos.

Autoras das crônicas com os temas-eixos 10

1 1

1

Arinapi - 43 crônicas Célia - uma crônica

2

Chronista - uma crônica

1

Fernanda - uma crônica Lucy - uma crônica Magnolia - duas crônicas 43

Mary - 10 crônicas

Gráfico 1 – Autoras das crônicas dos anos de 1916 a 1937

Pela frequência das crônicas, ao menos uma por ano, é possível identificar alguns assuntos pertencentes aos temas-eixos, além dos textos que tratavam especificamente do “feminismo” e do “voto”. Optou-se pela organização das 59 crônicas em seis blocos temáticos determinados a partir da análise de conteúdo das edições da revista A Violeta que traziam textos sobre as atividades do Grêmio e da revista; “modelos” e representações de mulheres; questões trabalhistas e autonomia financeira; normalistas e instrução pública, e feminismo, civismo e questões políticas. A análise em ordem cronológica tornou-se inviável pelas características da crônica como gênero opinativo com narrativas apressadas, e das cronistas d’A Violeta que “pinçaram”

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os acontecimentos de acordo com as observações do cotidiano. As crônicas acompanham a transitoriedade do cotidiano, mas a preocupação com a “questão” feminina é evidente e as narrativas cumprem funções variadas que vão desde esclarecer os objetivos da “campanha feminista” a criticar a legislação sobre o divórcio. Ao organizar as crônicas nos blocos temáticos percebe-se a inserção das gremistas em debates que iam além das “efemeridades” narradas nas primeiras páginas da revista, e apresentavam “modelos” ou em outros casos, “normas” de comportamento para as mulheres “civilizadas”.

3.3 Sobre a revista e o grêmio Abrir “picadas”, lançar “marcos” em territórios desconhecidos e “[...] por vezes escabrosos” (A Violeta, n°162, p.2) foram as primeiras ações das fundadoras do Grêmio “Júlia Lopes” e da revista A Violeta na visão de Arinapi, comparando-as aos bandeirantes. As incertezas, dúvidas, e a timidez apavoraram as “bandeirantes” “[...] com a probabilidade de um fracasso” (A Violeta, n°162, p.2), relembra Arinapi na crônica da edição especial nº162, de 25 de dezembro de 1928, treze anos após o início das atividades da agremiação. Maria da Gloria de Figueiredo, normalista e redatora da revista A Violeta, é considerada a chefe da “bandeira”, já que foi dela “[...] a idéa da creação de um jornal, escripto pelas normalistas, idéa que encontrou applausos e enthusiasmos em muitas outras, entre as quaes, si bem me lembro, Francisca de Figueiredo, Amelia e Thereza Lobo” (A Violeta, nº162, p.1). Apesar dos temores iniciais e da mudança de um jornal para a revista, seguindo os conselhos do “mentor” do Grêmio, o advogado Estevão de Mendonça, a “idéa” foi bem recebida, após a publicação da primeira edição da revista, em 16 de dezembro de 1916. Na crônica escrita por Magnólia, que aparece no início deste capítulo, a receptividade da “idéa” materializada na A Violeta trouxe conforto e estímulo e mostrou que a sociedade cuiabana, especialmente as pessoas alfabetizadas, tinha interesse nos “assumptos das lettras”. Magnolia esclareceu, ainda, que a revista não pretendia “[...] nem mais nem menos que desenvolver o gosto pelos prazeres do espirito” (A Violeta, nº2, p.10). As festas também estavam inclusas nesses “prazeres”, e após a primeira delas, no dia 25 de dezembro de 1916, Célia externou na crônica publicada na edição nº3, de 15 de janeiro de 1917, a animação das gremistas movidas por “[...] um desejo de levarmos sempre avante a nossa missão” (A Violeta, nº3, p.1).

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Realizadas nos salões do Palácio da Instrução e no Cinema Parisien, no centro da capital, as festas literárias (beneficentes ou não) marcaram o cenário “mundano” e uma das formas de sociabilidade das gremistas como ficou evidente no primeiro capítulo deste trabalho, mas tornaram-se raras após alguns anos. Na mesma crônica em que fala das “bandeirantes” que iniciaram o grêmio e a revista, Arinapi lamenta pelas “companheiras” “[...] que ingrata e injustificadamente abandonaram a obra inicial” (A Violeta, nº162, p.3) e faz um pedido às colaboradoras e a nova diretoria que tinha tomado posse: Que voltem a abrilhantar a nossa sociedade as reuniões litterarias e musicaes; que as paginas da “A Violeta” sejam adornadas pelas producções variadas e bellas, tanto de suas antigas collaboradoras, como das modernas; que, emfim, o Gremio continue a lançar nesta sociedade a semente do Bem, semente que deve germinar, crescer, produzir, para honra nossa e felicidade da terra em que vivemos (A VIOLETA, nº162, p.4).

Em 1935, quando Maria Dimpina assumiu mais uma vez a diretoria da revista A Violeta, um dos objetivos das “novas” colaboradoras era reorganizar a “vida activa” do Grêmio, especialmente “[...] os seus saráos littero-musicaes e impulsionando outros commettimentos literarios, cumprindo assim um dos motivos determinantes da sua fundação” (A Violeta, nº223, p.1). Arinapi rememora ainda sobre “[...] os saráos littero-musicaes que eram como que a alma social da agremiação. Estes, por motivos alheios à nossa vontade, estiveram durante algum tempo suspensos” (A Violeta, nº223, p.3). Mesmo sem mencionar os motivos é possível ter noção da amplitude e da organização requerida para a realização dos saraus ao analisar o balancete publicado na revista A Violeta, em 1925, com a prestação de contas da festa que reuniu mais de cem pessoas no Cinema Parisien, no dia 14 de junho, na capital.

Figura 7 – Balancete publicado na edição nº126, de 15 de julho de 1925, p.13.

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Se as dificuldades limitaram algumas ações do Grêmio, a revista, no entanto, mantevese “[...] firme e inabalavel no desempenho do seu bello programma”, relembra “Fernanda”, pseudônimo de uma das redatoras d’A Violeta, na crônica da edição especial nº112, publicada no dia 25 de dezembro de 1923. Para ela, É cousa rara em Cuyabá uma publicação do genero de nossa Revista com tantos annos de vida sem mostrar desfallecimentos, sustentada pela tenacidade intelligente de uma aggremiação distincta, em que as nossas dilectas associadas porfiam em elevar bem alto o nosso ideal, qual o de bater-nos pelos direitos e prerrogativas que o sexo feminino vem conquistando em todos os paizes civilizados (A VIOLETA, nº112, p.3).

O “sexo feminino” era o elemento de “distinção” da agremiação e a revista A Violeta foi destacada por Mary, na crônica da edição nº152, de 31 de dezembro de 1927 como “[...] orgão da unica associação literaria feminina em nosso estado, e, si motivo nenhum à benemerencia tivesse, esse de ser a iniciadora do feminismo, essa inquebrantavel energia que a tem sustentado através as vicissitudes, bastaria para sagral-a” (A Violeta, nº152, p.2). Além de enaltecer a atitude “vanguardista” das gremistas, esse trecho escrito por Mary revela a percepção das próprias redatoras da A Violeta sobre a “função” do “feminismo” na sociedade, enquanto “energia” que poderia contribuir para o “engrandecimento” da mulher cuiabana e mato-grossense. Ainda sobre o “sexo”, Arinapi fala na crônica da edição especial nº 43B, de 25 de dezembro de 1918, sobre a “fraqueza” das mulheres advindas da inexperiência nas “lides” da imprensa, mas cita algumas forças poderosas que contribuíram para o triunfo da agremiação e da revista, como a escritora Júlia Lopes, homenageada nessa edição com a publicação do retrato na capa, e outras forças como a [...] do querer, animando a nossa fraqueza, nos prepara uma energia para luctar, para proseguir, para agir, afim de que tambem a mulher cuiabana deixe marcada em pról do engrandecimento desta patria de quem temos a felicidade de ser filhos, uma parcella, minima embora, de trabalho productivo e honroso. É honroso sim, caras consocias, nobres patricias, esta lucta a que vos tendes atirado si, della resultar a união da família mattogrossense, o cultivo intellectual da mulher que é ou será mãe, - o pedestal da sociedade (A VIOLETA, nº43B, p.3).

A mulher-mãe permaneceu como a referência fundamental para as gremistas e algumas mulheres nas primeiras décadas do século XX, apesar da inserção no mercado de trabalho e da definição de outras “missões” para o Grêmio, após dezoito anos em atividade, mas, para Arinapi, a mulher ainda tinha “deveres” e características próprias do “sexo”. A cronista relembra o cenário em que a agremiação surgiu no dia

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[...] 26 de Novembro de 1916 a mulher cuiabana não havia sahido do ambiente do seu lar para outro cargo publico além do de educadora. Hoje, que ella vem conquistando cargos publicos e direitos politicos, justo é que se prepare para a grande missão que lhe está destinada, talvez, na vida do Estado. E, que pode haver de melhor que o Gremio Julia Lopes, com o seu bello programma que busca a cultura feminina, sem tirar à mulher as graças e os deveres inherentes ao seu sexo? (A VIOLETA, n°223, p.2).

Para Dimpina, a “elevação” ou o “engrandecimento” das mulheres não prejudicaria a “missão” feminina determinada pelas características biológicas do seu “sexo” ou ainda de uma “essência”. Em uma crônica anterior a essa, Arinapi considera a revista “[...] o echo que leva os nossos desejos de progresso femenino, em prol da Patria Mattogrossense e da Familia Cuiabana, aos outros pontos de Norte e Sul da União Brasileira” (A Violeta, nº76, p.2). E finaliza a crônica da edição especial nº76, de 25 de dezembro de 1920 reiterando o compromisso da agremiação [...] perante o alto sacrosanto da Patria e da Familia juremos de novo que redobraremos nossos esforços para que o Gremio sempre floresça com ideaes nobres de progresso que não tira à mulher o encanto de ser a “rainha do lar” mas que lhe orna o espirito do brilho das virtudes necessarias a uma boa filha, affectuosa irmã, dedicada esposa e mãe intelligente (A VIOLETA, nº76, p.3).

Percebe-se nesse trecho da crônica a aproximação entre o “feminismo possível” colocado em prática pelas gremistas e o “feminismo” limitado pelo “christianismo”, como defendia Dom Aquino Corrêa, em seu pronunciamento às normalistas, em 1934. Mas, as gremistas e redatoras da revista A Violeta saíram, em vários momentos, dos “limites” delimitados pelo arcebispo, já que não tinham uma vinculação institucional do Grêmio com a igreja católica. As gremistas seguiam os “fins” determinados pelas “consocias”, e determinavam as mudanças, de acordo com os “acontecimentos” do cotidiano.

3.4 “Modelos” e “representações” de mulheres Ainda sobre o “catolicismo”, Mary, pseudônimo de Maria Müller, fala de um dogma cristão na crônica da edição nº16, de 15 de agosto de 1917 – “Faças o bem sem olhares a quem” – para definir um dos “sentimentos nobres” da humanidade: a caridade. A cronista cita esse sentimento em um momento que pareceria absurdo, a seu ver, por conta dos conflitos bélicos da Primeira Guerra Mundial, e caracteriza os lados opostos estabelecidos na guerra e na vida: o mal e o bem. Também utilizaremos essa dicotomia para apresentar os “modelos” e as “representações” ideais de mulheres na visão das gremistas.

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Se o mal era visto pela cronista como um “vendaval furioso” que cobria o “solo de sangue e ruinas” e destruía “a obra edificante do Amor e da civilisação”; o bem era representado pelas “heroinas da Guerra”: as enfermeiras da Cruz Vermelha. Para Mary, ao contrário do vermelho, do sangue, e do sofrimento, as enfermeiras distinguiam-se “[...] sobre o solo coberto de mortos e feridos um extenso cortejo branco semelhante a um bando de garças” (A Violeta, nº16, p.1). No fim da crônica, Mary convida os leitores para a festa beneficente realizada pelo grêmio, no Cine Parisien, na capital, no dia 21 de agosto de 1917 cuja renda foi revertida para a Cruz Vermelha de Portugal. O balancete referente a essa festa foi publicado na edição nº19, de 5 de outubro de 1917 e registra a presença de mais de 200 pessoas. Com faturamento de 1.087$000, quase o dobro do balancete mostrado anteriormente, destaca-se a solidariedade com as famílias que direta ou indiretamente sofreram perdas com os conflitos e a “comoção” provocada nos brasileiros, através dos relatos e notícias publicados nos jornais e revistas nacionais e internacionais. Ainda sobre a Primeira Guerra Mundial, Mary repercute uma “[...] noticia largamente espalhada nos diarios do Rio” na crônica da edição nº22, de 15 de novembro de 1917. Na cidade de Oliveira, no interior de Minas Gerais, “[...] o sexo feminino representando mães, esposas e filhas, invadira o edificio da Camara Municipal arrombando secretarias e communicando fogo a todos os papeis de alistamento militar a que alli se procedia”, escreve Mary (A Violeta, nº22, p.1). A cronista fala ainda dos “echos” nos jornais, após a publicação da notícia e da classificação do ato como “patriótico” por alguns homens e “[...] como mulheres achamol-o razoavel e uma reacção natural. Já que não dispomos das mesmas prerogativas e das mesmas disposições do outro sexo, deixem-nos ao menos a liberdade de demonstrar as nossas faculdades emotivas. E dessa maneira não teremos tambem civismo?” (A Violeta, nº22, p.12). Mary não utiliza as mulheres de Oliveira como interlocutoras e reproduziu o discurso de militares do exército sobre o acontecimento publicado em jornais. Se para alguns o ato daquelas mulheres configurou-se como antipatriótico, em plena campanha de alistamento, o discurso foi modificado pela cronista e o ato político das mulheres da cidade do interior de Minas Gerais foi minimizado sendo retratado como um ato de amor, tanto à família como à pátria. Mary afirma que homens e mulheres trabalham pelo mesmo ideal e questiona: “O amor não é nosso lema, o nosso estandarte? O homem não serve à Patria para demonstrar-lhe

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o seu amor? Quem é que desde o berço vem incutindo coragem, altivez, energia e bondade aos servidores da Patria? Não é a mulher?” (A Violeta, nº 22, p.2). E finaliza ressaltando o “papel” da mulher-mãe que não deveria ser julgada já que o “erro” tinha sido praticado por amor. Qual seria a mãe do passado ou do presente que assistisse impassivel sem lhe doer, no intimo a partida do filho para a caserna? Nenhuma! Algumas são resignadas e calam-se, outras porem, como acontece com as de Oliveira que foram impacientes e levaram ao fim um acto de insensatez... Mas por isso não as condemnemos. Ellas merecem a nossa veneração porque são mães, e o que fizeram é perdoavel como é perdoavel todo o erro praticado pelo amor (A VIOLETA, nº22, p.2).

Após o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1919, Magnolia, pseudônimo de Thereza Lobo, comentou na crônica da edição nº52, de 15 de julho de 1919, além dos “tormentos” trazidos pelos conflitos bélicos, alguns “aperfeiçoamentos” das indústrias, das “ciências”, e da “[...] victoria do homem conquistador do espaço infinito pela aviação perfeita, do homem que dominou o oceano immenso, ou sobre as suas ondas glaucas cortadas em toda a direcção pelos enormes bojos dos encouraçados ou sob o abysmo profundo das aguas, minado pelo trabalho mortifero dos submarinos” (A Violeta, nº52, p.1). As heroínas da guerra também são ressaltadas como personagens, mas por sua “coragem sublime e resignada” que [...] mostrou o quanto pode a sua alma feita para todas dores e para todos os sacrificios. Mostrou a abnegação daquellas verdadeiras heroinas que, com o coração sangrado pela dor, se debruçavam com o sorriso no rosto, as doces palavras de consolo nos labios, a suavisar o atroz soffrimento dos feridos, a tornar mais calma a agonia dos moribundos (A VIOLETA, nº52, p.1-2).

As “verdadeiras” heroínas que atuaram durante os conflitos da Primeira Guerra Mundial permaneceram no anonimato, ao contrário de outras mulheres que foram apresentadas aos leitores e leitoras da A Violeta como legítimas representantes do “sexo” feminino. Andradina de Oliveira e Bertha Lutz são as duas principais, além de “Dona Júlia”, nas crônicas analisadas, já que Andradina residiu na capital mato-grossense durante os anos de 1917, 1918 e 1919 e participou ativamente das atividades da agremiação e da revista, e Bertha direcionou a atuação do movimento feminista por meio da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e suas filiais. Arinapi fala na crônica da edição nº23, de 30 de novembro de 1917 do assunto predominante na segunda quinzena daquele mês, na capital: a chegada de Andradina e a possibilidade de realização da primeira conferência por uma representante do “sexo” feminino. O jornal O Matto-Grosso também repercutiu a chegada de Andradina e de sua filha

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Lola, em Mato Grosso. As duas desembarcaram em Corumbá e de lá Andradina enviou mensagens pelo telégrafo dando “pistas” de sua trajetória até chegar a capital. Na edição nº 1451, de 15 de novembro de 1917, a primeira mensagem de Andradina foi publicada no jornal com uma breve apresentação da escritora pela redação: “A talentosa e muito apreciada conferencista D. Andradina Oliveira cuja visita a nossa capital vae ter a honra de receber, nos dirigiu de Corumbá o seguinte despacho, que com muito prazer publicamos: ‘Corumbá, 13. - Saudações. Sigo ‘Nioac’ - Andradina Oliveira’” (O Matto-Grosso, nº1451, p.2). Dez dias depois, na edição do jornal nº1454, de 25 de novembro de 1917, a redação do jornal comemora a chegada de Andradina e Lola e ressalta que a escritora riograndense tinha “[...] conquistado em sua excursão litteraria pelo paiz, os mais calorosos applausos. Muito gratos à gentileza da distincta patricia que nos enviou ao chegar attencioso cartão de cumprimentos, saudamos a brilhante escriptora que o desejo de conhecer e de estudar, trouxe de(?)odamente ao nosso Estado” (O Matto-Grosso, nº1454, p.2). A notícia também foi recebida pelo telégrafo pelas gremistas e despertou curiosidade e ansiedade nos “espíritos cultos” e na “mulher cuiabana”, que desconhecia alguns aspectos do “movimento litterario brasileiro”. Arinapi confessa que [...] quasi nada temos ouvido da mulher illustrada, da mulher que assoma a tribuna para fazer uma conferencia; é facil de imaginar-se o quanto será applaudida a illustre visitante pois ella dirá como verdadeira mulher, como verdadeira mãe a essa mocidade que aqui vive esperançosa a sorrir, no desejo ardente de que a nossa Cuiabá vá se elevando mais e mais até que alcance como as outras suas irmãs o gráo em que deve se elevar-se a capital dum dos Estados da grande Patria Brasileira (A VIOLETA, nº23, p.1-2).

Ser “mulher” ou “mãe” não tornava Andradina inferior ou incapaz de subir a uma tribuna ou se destacar no cenário literário brasileiro, na visão de Arinapi. Receber uma “verdadeira” mulher era uma maneira de se “elevar” por meio da convivência, e das trocas simbólicas e talvez materiais que seriam realizadas. Por isso, a estadia de Andradina na capital foi mais significativa para as gremistas e “literatos” mato-grossenses do que a visita de outras pessoas de “fora”, a do casal “Komor”, por exemplo, tanto pelo período mais prolongado como pela interferência direta na dinâmica “cultural” da cidade. Quando a primeira das três conferências de Andradina se realizou, no mês de janeiro de 1918, Arinapi comentou na crônica da edição nº26, publicada no dia 8 de fevereiro de 1918, do “espetaculo raro” presenciado por uma “concurrencia diminuta” no Cine Parisien, “[...] o primeiro feito por uma mentalidade feminina” (A Violeta, nº26, p.2).

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Apesar da participação de poucas pessoas na estreia de Andradina, na capital, Arinapi afirma que o “triumpho da oradora foi completo” e caracteriza a escritora e conferencista como “[...] verdadeira oradora, maneja com tanta facilidade a sua palavra, tornando-a triste, enthusiastica, engraçada arrogante ou amavel, segundo a exigencia do assumpto” (A Violeta, nº26, p.2). Se Andradina era reconhecida em “outras partes, mesmo além das fronterias do nosso territorio”, disse Arinapi, a partir da estreia ela “[...] obteve a coroa de louros, honra justa ao seu merito; hoje, com orgulho digo, é tambem aqui admirada e conhecida como verdadeiro talento” (A Violeta, nº26, p.3). Arinapi coloca-se como “admiradora de Mme. Andradina”, e apesar de ser cronista com “phrases simples e modestas” considerava Andradina a “[...] honra e gloria da mulher brasileira que se dedica às letras, a saúde” (A Violeta, nº26, p.3) que tinha “[...] seu merito já adquirido e reconhecido pelas pessoas competentes”, pelas pessoas de “fora”. Arinapi partilhava a opinião “d’alguem” que disse na conferência de estreia: “‘Descerrae, mme. os vossos labios, para decantar a gloria do Brazil’ e nesse momento lembrae-vos muito de Cuiabá, a cidade dos bandeirantes, onde hoje, anciosos de progresso vivem os seus habitantes, esperando e recebendo de braços abertos o concurso dos fortes” (A Violeta, nº26, p.3). O progresso em suas várias facetas – moral, intelectual e econômico – também foi venerado na mesma crônica, já que o recém-eleito presidente do Estado, Dom Francisco de Aquino Corrêa31, havia chegado na capital, “a sua ‘Cidade Verde’” e “[...] appareceu, qual estrella radiante, aqui, onde se fazia necessario o concurso forte dum verdadeiro mattogrossense”, de acordo com Arinapi (A Violeta, nº26, p.3). Se antes os cidadãos “de fora” eram supervalorizados, desde os “bandeirantes” até alguns imigrantes que passaram por Mato Grosso, considerados fundamentais para o desenvolvimento da agricultura e povoação de algumas áreas, a chegada de Dom Aquino causou “verdadeiro delirio” nos mato-grossenses. Na biografia do arcebispo intitulada “Dom Aquino Corrêa, arcebispo de Cuiabá: vida e obra”, e publicada em 1994, pelo padre Pedro Cometti, alguns fatos desse período (1918-1922) são descritos: “No terceiro ano do Governo, o Partido Republicano Conservador, que apoiara o Presidente, fez-lhe entender que, ao aproximaremse as eleições, deveria ser contemplado com melhores cargos no Governo e, assim, ter mais garantida a vitória. O presidente, cuja consciência era de uma delicadeza e retidão a toda a prova, fez claramente entender que, de maneira nenhuma, seria isso possível. Continuaria fiel aos compromissos assumidos de Presidente de conciliação, custasse o que custasse. Pressões e mais pressões, ameaça de rompimento, hostilidade aberta, ataques violentos pela Imprensa não conseguiram que o Presidente cedesse. Rompera-se o frágil equilíbrio de forças políticas. Agora, só o Partido Republicano apoiava o Presidente. Ao alvorecer do quarto ano, era natural que o Partido Conservador, que apoiara o Governo, dele exigisse, em troca, a máquina governamental para as iminentes eleições. Encontraram a mesma adamantina resistência: não era possível que o Presidente de conciliação favorecesse mais um Partido que outro, pois, agindo assim, não conciliaria mas dividiria. [...]E aconteceu o imprevisto: ambos os Partidos se coligaram e, de adversários irredutíveis, uniram-se contra o Bispo Presidente, e formaram a ‘Fusão Mato-grossense’. Fácil de imaginar o que deve ter sido último ano de governo. Governou com a oposição persistente, odienta, dos dois Partidos coligados, tendo apenas a seu lado quatro deputados amigos chamados ‘aquinistas’, ínfima minoria” (COMETTI, 1994, p.160-161). 31

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O bispo retornava do Rio de Janeiro, após a indicação e aprovação de seu nome para a presidência do Estado pelos partidos Republicano Conservador (PRC) e Republicano Matogrossense (PRMG) que se digladiavam há alguns anos pelos cargos “políticos”. No dia 4 de abril de 1918 Andradina realizou a segunda conferência literária, na capital, com o tema “O Mar”, dedicada ao presidente Dom Aquino Corrêa e patrocinada pelo Tiro de Guerra “Baptista das Neves”, o mesmo que recebeu a bandeira do Brasil doada pelo Grêmio “Júlia Lopes”. Antes da conferencista subir ao palco do Cinema Parisien, a banda policial executou a “symphonia do ‘Guarany’”, de acordo com a notícia sobre o evento publicada no jornal O Matto-Grosso na edição nº1485, de 7 de abril de 1918. Em seguida dirigiu-se para o palco do Cinema a Srª D. Andradina, acompanha do Sr. Tenente Coronel Firmo Rodrigues, presidente do “Tiro de Guerra Baptista das Neves” sob cujos auspícios organisou-se aquella festa, bem como o Sr. Leowigildo Martins de Mello, que em nome da mencionada sociedade apresentou a distincta escriptora ao selecto auditorio (O MATTOGROSSO, nº1485, p.3).

Talvez o patrocínio do “Tiro” e a divulgação da segunda conferência nos jornais e revistas de Cuiabá tenha aumentado a “concurrencia” do evento, em relação à primeira conferência, já que a notícia menciona apenas as reações da plateia durante a apresentação de Andradina que provocou “[...]

por duas occasiões, palmas enthusiasticas por parte da

assistencia, palmas essas que se repetiam ao dar D. Andradina, ao cabo de quarenta minutos, por concluida a sua dissertação, em que à belleza da forma litteraria alliavam-se os surtos arrebatedores de um espirito verdadeiramente elevado e patriotico” (O Matto-Grosso, nº1485, p.3). A participação de Lola de Oliveira, filha de Andradina, também foi destacada na notícia do jornal e encerrou a conferência com a apresentação do retrato do “[...] inesquecível mattogrossense contra-almirante Baptista das Neves, que foi gentilmente offerecido pela expositora à nossa sociedade de tiro” (O Matto-Grosso, nº1485, p.3). Na revista A Violeta, Arinapi também fala da segunda conferência de Andradina e da participação de Lola no evento na crônica da edição nº30, de 15 de abril de 1918. Se a mãe havia comovido a plateia ao apresentar histórias sobre o [...] thema “O mar” dicto com intelligencia pela distincta escriptora. Não menos agradavel foi a exposição dos quadros da modesta mas primorosa artista Lola de Oliveira, que deixa em Matto-Grosso como lembrança de sua passagem pelo Estado, o retrato, (offerecido à sociedade de tiro “Baptista das Neves”) do grande Contra-Almirante que foi aquella energia não vulgar, que em Novembro de 1910 succumbiu a golpes de machadinhas, no Minas Geraes, o vaso que lhe servia de orgulho, o mesmo que devia servir-lhe de leito mortuario - Baptista das Neves (A VIOLETA, nº30, p.2).

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Arinapi finaliza a crônica repercutindo o desejo do professor Leowigildo de Mello, orador da noite e um dos colaboradores do Grêmio e da revista A Violeta, de que a “energia” e a “palavra” da escritora gaúcha não fossem “[...] em Cuyabá sementes cabidas em terreno esteril” (A Violeta, nº30, p.2, grifo da cronista). A cronista complementa dizendo que “[...] a par do progresso e da civilisação a mulher cuyabana deve ser o encanto do lar mas tambem uma incansavel trabalhadora em prol do desenvolvimento das sciencias, das lettras e isto conseguir-se-ha cultivando o espirito, estudando, trabalhando” (A Violeta, nº30, p.2), e apresenta, mais uma vez, o que as mulheres “deveriam” ser. Apesar de se considerar uma “simples rabiscadora de uma modesta revista” Arinapi caracteriza a “era” que as mulheres atravessavam “[...] em que as opiniões a respeito” do que as mulheres deveriam “saber” ou o que deveriam “ser” eram divergentes. Nessa crônica, publicada na edição nº126, de 25 de julho e 1925, Arinapi cita Bertha Lutz como “um exemplo dignificante” e uma das “lucidas intelligencias” do país. A cronista repercute uma notícia publicado no Jornal do Norte, de Santos, cidade no interior de São Paulo, sobre a visita de Bertha ao congresso dos Estados Unidos no mês de maio daquele ano. Sobre as opiniões divergentes do que as mulheres “deveriam” ser ou saber a cronista argumenta a favor da “variedade” de “[...] sentimentos moraes, psychicos e intellectuaes como os há no mundo physico. Quem negará que há homens que adoram a sua mulher pela pequenez de estatura que outros detestariam? Assim o intellecto!” (A Violeta, nº126, p.1). E alerta que se alguns homens “[...] sentem-se tão satisfeitos pelo cultivo intellectual da sua companheira, outros se orgulham de ter em mãos, presa, uma verdadeira boneca, que não sabe dizer sim ou não senão pelos labios dirigentes do esposo” (A Violeta, nº126, p.1-2). A cronista também manda um recado aos homens que criticavam as mulheres de “espírito culto” dizendo que ao lado delas “[...] os maridos não serão menos felizes, ellas saberão muito tambem da vida domestica, serão virtuosas e cordatas” (A Violeta, nº126, p.2). Nas crônicas e em outras publicações na revista A Violeta, Dimpina estabeleceu a posição de mediadora e sempre tranquilizou os homens sobre a compatibilidade entre a mulher educada e culta e suas “funções” dentro do lar. Ela se tornou um desses “exemplos”, apesar da modéstia com que falava de si mesma. Arinapi considerava Bertha Lutz um exemplo para as meninas que eram [...] as flores preciosas, a desabrocharem, na sociedade cuiabana. Cultivae, tanto quanto puderdes a vossa intelligencia que nada tendes a perder, que tudo tendes a ganhar, quer o destino vos chame como a Bertha Lutz para representar a vossa cara Patria, quer sob aquelle tecto, que for o vosso tecto, tenhaes necessidade de ser a mestra dos vossos filhos (A VIOLETA, nº126, p.2).

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Ainda sobre exemplos “dignificantes” de mulheres, Arinapi apresenta resumidamente o objetivo da instalação, em Cuiabá, da Liga das Senhoras Católicas32, na crônica publicada na edição nº125, de 30 de maio de 1925. Após participar de uma reunião da Liga, Arinapi fala da “utilidade pratica” que a associação teria, ao atuar na defesa dos “[...] nossos costumes tradiccionaes, historicos mesmos, do recato e da modestia, da virtude do zelo da mulher brasileira” (A Violeta, nº125, p.1), indicando que concordava com as “características” idealizadas nos limites dos mandamentos cristãos. A Liga teria a função de “salvar” a “[...] mocidade, ameaçada pela inexperiencia, a perder a singela flor da sua innocencia, virtude que orna, fulgurante, a fronte das donzellas, principalmente” (A Violeta, nº125, p.1). A preocupação com a “vadiagem” dos jovens que vagueavam pela rua, considerada o “lodaçal de miasmas moraes” por Arinapi, “[...] sujeitos aos aprendizado do vicio, da jogatina, do fumo, da bebida alcoolica”, e aos “máos exemplos” que as moças estariam expostas seriam resolvidos “pela Moral e pela Religião”, que constituíam o “escopo” da Liga das Senhoras Católicas. A cronista responsabilizava os pais para cumprirem uma “[...] campanha sanatoria, retirando dos jogos das ruas, onde vão encontrar a perdição os seus filhos aos quaes lhes cumpre formar para Deus, para a Familia e para a Sociedade”, na crônica publicada na edição nº229, de 30 de abril de 1936. Aos indivíduos que não fossem “enquadrados” pela família, caberia, na opinião da cronista, a inclusão das crianças “[...] em Estabelecimentos de ensino, onde, a partir da moral christã, a criança aprenda para ser homem e se divirta porque é criança” (A Violeta, nº228, p.1). Outra “Liga” feminina foi proposta por Arinapi na crônica da edição nº129, de 30 de outubro de 1925, mas, dessa vez, o objetivo seria combater os exageros da “moda”, entendida pela cronista como os costumes relacionados aos “modos”, “trajes” e “danças” absorvidos pelas mulheres cuiabanas de “culturas modernas”, como a estadunidense e a francesa. Para ela, a revista A Violeta não deveria se “calar” em relação a essas mudanças já que “[...] se propoz a discutir e a tratar dos assumptos referentes à mulher e à sociedade cuiabana” (A Violeta, nº129, p.1). A criação da Liga pelas próprias mulheres teria a função de contrapor a “repressão” do “sexo forte” aos costumes que estavam se “tornando livres” – grifo da cronista. Arinapi insere as leitoras na discussão e questiona:

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Ver mais sobre a Liga no artigo "Casadas, caridosas e comportadas: o discurso da Liga das Senhoras Católicas de Cuiabá (1924-1935)", de Darlene Socorro da Silva Oliveira. Disponível no site da Revista Brasileira de História das Religiões, http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html.

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Não achaes vós carissimas leitoras, distinctas mães de familia e moças prudentes que me lêdes, que a nós, só a nós, competia reprimir o exagero da moda? Porque o homem, elle, por quem cabecinhas irreflectidas, põe em pratica astucias mil para agradar-lhe, nos diz - é demais - esses modos, esses trajes, essas danças, estão exageradas. Não vos queremos mais assim, que sejam mais modestas as nossas filhas, as nossas irmãs (A VIOLETA, nº129, p.1).

A definição do que as mulheres “deveriam” ser, para Arinapi, era uma discussão que dependia das representantes do “sexo” feminino e elas “deveriam” defender a “virtude” considerada pela cronista o [...] melhor, o mais valioso thezouro da mulher, e combatamos as danças exageradas, a moda de despir, e outras inumeras novidades, que, se parece que nos fazem atractivas servem tambem para que sejamos attingidas pela luva de um desafio como o da idéa da criação da liga contra a moda, e o que é mais, desafio que nos deixa quiétas... caladinhas. E porque?! Não temos razão (A VIOLETA, nº129, p.1-2).

Se os cabelos cortados à la garçonne incomodavam alguns homens e mulheres, e para outros grupos o “exagero” não era só da “moda”, mas de outros costumes que estavam em modificação na sociedade brasileira, a reação foi proposta pelo Ministro de Educação do presidente Getúlio Vargas, Gustavo de Capanema, que teve o apoio da Igreja Católica. O “Estatuto da Família” foi elaborado por Capanema, mas não foi assinado por Getúlio Vargas na data prevista, o dia sete de setembro de 1939, porque despertou críticas de vários setores da sociedade brasileira. De acordo com Simon Schwartzman (2000), o “Estatuto” [...] era um documento doutrinário que buscava combinar duas idéias para ele indissociáveis: a necessidade de aumentar a população do país e a de consolidar e proteger a família em sua estrutura tradicional. Segundo o texto, a prosperidade, o prestígio e o poder de um país dependiam da sua população e de suas forças morais: a família era a fonte geradora de ambos (SCHWARTZMAN, 2000, s/p).

Com a aprovação do projeto, as mulheres “emancipadas” seriam as principais prejudicadas, já que um dos artigos “[...] previa que ‘o Estado adotará medidas que possibilitem a progressiva restrição da admissão de mulheres nos empregos públicos e privados. Não poderão as mulheres ser admitidas senão aos empregos próprios da natureza feminina, e dentro dos estritos limites da conveniência familiar’” (Schwartzman, 2000, s/p). Para Schwartzman (2000), o decreto-lei não foi aprovado “[...] pelo fato de que o governo Vargas preferia sempre a legislação pragmática e casuística à legislação doutrinária e ideológica. Não faltaram, além disso, outras vozes discordantes” (2000, s/p).

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Além da discussão sobre a “questão feminina” e a interferência estatal na esfera íntima, a revista não poderia se “calar” sobre a “questão do divórcio”, que havia entrado em pauta, mais uma vez, no Congresso Nacional, em 1926. Arinapi diz, na crônica da edição nº141, de 31 de outubro de 1926, que a revista “[...] sahiria fóra do seu programma calandose, porque, nos propuzemos, a par dos nossos ensáios na vida jornalistica, trabalhar pelo progresso moral e intellectual da mulher. Ora, a lei a que me refiro e como a querem alguns, desmorona os alicerces de muitos lares ou vêm destruir muitos lares pelos alicerces” (A Violeta, nº141, p.1). A cronista argumenta contra a possibilidade de o divórcio tornar-se lei e lamenta que após a efetivação dos “laços matrimoniais” alguns casais utilizaram o argumento de “incompatibilidade de genios” para a obtenção do divórcio. Ainda questiona se as pessoas favoráveis ao divórcio tinham filhos que seriam um dos alicerces da família. [...] - Tendes filhos? E si os tendes sentir-vos-heis felizes ao verdes os vossos filhos adoptados por outro pae ou outra mãe? Penso que por mais desamoroso que o homem seja, elle jamais sentir-se-ha feliz diante de tamanha dôr. E não será sómente a incompatibilidade de genios, o motivo para o divorcio – a moléstia incuravel e outros (A VIOLETA, nº141, p.1-2).

Aqui também vemos a oposição entre o amor que seria uma característica “natural” das mulheres e a “virilidade” dos homens, responsável por extrair dos corpos masculinos esse sentimento “feminino” mesmo quando se falava da “família nuclear”, considerada o alicerce dos lares. A definição dos “papeis” também valia para eles, mas com menos “rigor” porque os homens eram “sempre mais livre” (A Violeta, nº141, p.2). Arinapi discorda do argumento utilizado pelos favoráveis a Lei de que as mulheres seriam protegidas, no caso do divórcio, e classifica algumas esposas como “criminosas” porque evitavam “procriar”. Fingida protecção! Ella servirá para cabecinhas loucas na avenida, dos vestidos curtos, das que se casam para ter que as conduza ao braço para os theatros, para o salões; servirá bem para as esposas que criminosamente evitam à procreação dos filhos. Para estas, tudo está bem... mas não é esta a verdadeira moral do matrimonio que consiste em conquistarem-se, um ao outro, os esposos, para que a união seja realmente, indissoluvel (A VIOLETA, nº141, p.2, grifo nosso).

Utilizando mais um argumento contrário a Lei, a cronista alerta para os “abusos” que aconteceriam com a aprovação da legislação, “[...] quer da parte do homem quer da mulher, e estes convem evitar, não protegendo francamente assim os criminosos” (A Violeta, nº141, p.2). Para Arinapi a “sociedade” não aprovava e não admitia as uniões “ilegais”, já que considerava a “Lei do Divórcio” uma proteção para “[..] uniões, que digo, fingidas,

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ephemeras, para não lhes dar peiores qualificativos” (A Violeta, nº141, p.2), as uniões que estavam fora dos limites da “religião” e da “moral”. Em 1933 a “questão” do divórcio surge novamente na crônica nº204, de 31 de março. Dessa vez, o assunto era uma das reformas que seria realizada na constituição brasileira que estava em discussão no congresso e concederia o direito “[...] aos desquitados de contrahirem novas nupcias”, explica Arinapi (A Violeta, nº204, p.1). Enquanto cronista, Arinapi se vale “[...] da penna para combater a idéa. Não posso, mãe que sou, nem ceder as minhas palmas aos defensores dessa causa; nem, em mudez criminosa, deixar sem um protesto a idéa louca e desvairada do divorcio dando aos divorciados o direito de contrahirem novas nupcias” (A Violeta, nº204, p.1). Os argumentos utilizados por Arinapi nessa crônica dialogam diretamente com o artigo de Ruy Barbosa publicado após o texto da cronista, intitulado “O divorcio na Inglaterra” e com um sub-título, talvez inserido pela redação da revista: “O Divorcio e o Anarchismo”. Ruy Barbosa explica a inserção do divórcio na lei britânica, em 1857, e enaltece a atuação do “legislador inglez” que “[...] não acceitava senão o adulterio como elemento dissolvente do casamento, e, ainda circumscriptos os motivos de sua dissolução a essa, o restringia, o difficultava com reservas, clausulas e excepções consideravelmente limitativas” (A Violeta, nº204, p.4). Ruy Barbosa cita a tese de um “inglez”, Gladstone, publicada em 1857, que “[...] esmagou o divorcismo, estudando-o, com uma riqueza de erudição, de logica e de colorido, que ainda hoje faz desse trabalho uma das mais bellas defezas da santidade do casamento, à luz da exejese biblica, da historia sagrada e da moral humana, exploradas com a sciencia do legislador e o criterio do estadista” (A Violeta, nº204, p.4, grifo nosso). No fim do artigo a redação traz um questionamento: “E si Gladstone na Inglaterra dizia assim que diremos nós no Brasil?” (A Violeta, nº204, p.4). Arinapi responde: Há um outro remedio muito melhor que o divorcio. A christianisação da familia; o doce nome de papae e de mamãe nos labios de uma creança que é o fructo de um amor que já existiu e que vae se apagando. E, si a moral de Christo e o amor filial não são bastantes para apertar os laços matrimoniaes, a sociedade é uma mentira, os deveres paternaes uma chimera, a familia um nada, o homem um animal bruto com muito menos responsabilidades que alguns irracionaes que criam e defendem os filhos para exemplo dos que tem um raciocinio e que são dados ao abuso da liberdade que Deus lhe concedeu (A VIOLETA, nº204, p.2-3).

Causava admiração na cronista as mulheres que desejavam “ardentemente o divórcio”. Ela admitia o divórcio “[...] como remedio a um mal incuravel tal como elle existe nas nossas leis, prohibindo o desquitado de contrahir novas nupcias, - ferida que sangra sempre como

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castigo àquelles que não quizeram se impôr ao sacrificio das pequenas concessões” (A Violeta, nº204, p.3). As consequências apresentadas por Arinapi pela metáfora das “chagas” causadas nos divorciados que não conseguiram ou quiseram manter o matrimônio se aproximam da conclusão da tese de Gladstone sobre o divórcio apresentada por Ruy Barbosa: “[...] a novidade impendente ao regimen do matrimônio seria ‘um fardo intolerável para à consciência individual’” (A Violeta, nº204, p.4). O casamento sem as “pequenas concessões” poderia ser um sofrimento, para Arinapi, que abrangia “uma victima e um algoz”, no caso, mulher e homem, e provocaria alguns “infortúnios”, mas não levaria “[...] a mulher a ser explorada pelos que desejam fazer experiencia de mulheres. E é contra o atentado ao pudor que devemos protestar”, referindo-se ao divórcio e a possibilidade dos “desquitados” se casarem (A Violeta, nº204, p.3). E finaliza a crônica utilizando um argumento cristão: “E si Christo que tinha a todo o pecador uma palavra de perdão, condemnou o divorcio porque o apoiarmos nós que nos dizemos christãos?” (A Violeta, nº204, p.3). Mas havia quem apoiasse o divórcio, e uma das defensoras mais convictas era a escritora Andradina de Oliveira, que, inclusive, publicou um livro com o títutlo “Divórcio?”, em 1912, quando ainda residia em Porto Alegre, capital do Rio de Grande do Sul. Na apresentação do livro, Andradina convidou os leitores a abrirem o livro “[...] sem medo: é um livro moral. Moral porque é sincero; moral porque é todo um grito de piedade por infinitas mágoas; moral porque o vivifica um intenso e nobre ideal; moral porque é puro, oriundo de uma das nossas mais dolorosas necessidades sociais...” (Oliveira, 2007, p.27). A “questão” do divórcio era o tema de várias cartas escolhidas por Andradina, que tinha a esperança de tornar os leitores “[...] menos inofensivos ao divórcio e mais apiedados da mulher – a grande vítima dos absurdos e opressores preconceitos sociais” (Oliveira, 2007, p.27). Ao encarar positivamente o divórcio, a escritora criticou a argumentação dos “conservadores” que “[...] empurram para a frente os velhos chavões da dissolução da família, da situação dos filhos, da depravação dos costumes, dos motivos religiosos” (Oliveira, 2007, p.28), e ressaltou que os antidivorcistas mais “ferozes” eram relacionados às “cortes religiosas”. Andradina diverge da opinião de Arinapi questionando se Condenar a mulher e o homem, já divorciados, e que experimentam um novo afeto, a passar a vida sem gozar a ventura de se unirem legalmente, publicamente, moralmente ao ente querido, não é um monstruoso crime, cometido em nome da mais sublime das religiões – a religião do Amor e do Perdão?!... (OLIVEIRA, 2007, p.29).

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Não consta na revista A Violeta nenhuma palestra ou discussão sobre esse livro de Andradina ou sobre o divórcio, no período em que a escritora e sua filha Lola residiram na capital mato-grossense. A escritora riograndense antecipou o debate sobre uma das mais “dolorosas necessidades sociais”, mas a instituição do “divórcio”, com a dissolução do vínculo matrinomial, só foi realizada em 1977, com a publicação da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro. A historiadora Ana Carolina Soares (2007) explica que antes desta lei, [...] a única possibilidade de terminar o casamento era através do desquite, instituído em 1916, em que apenas a sociedade conjugal era extinta, pondo fim aos deveres de coabitação, fidelidade e ao regime de bens. Mas o vínculo conjugal estabelecido com o casamento, só era rompido ou com a nulidade, anulação, morte de um dos cônjuges, ou com a Declaração da Ausência (SOARES, 2007, p.105).

A historiadora Ana Silvia Scott também cita outra mudança na legislação brasileira, com a publicação da legislação trabalhista, em 1943, “[...] que concedeu permissão para a mulher casada trabalhar fora de casa sem a ‘autorização expressa do marido’. A situação de dependência e subordinação das esposas em relação aos maridos estava reconhecida por lei desde o Código Civil de 1916” (Scott, 2012, p.23). No código, explica Scott (2012), “[...] o status da mulher casada era equiparado ao ‘dos menores, dos silvícolas, e dos alienados’, ou seja, ‘civilmente incapaz’” (Scott, 2012, p.23).

3.5 Questões trabalhistas e autonomia “Preparae-vos”, aconselhava Arinapi, pseudônimo de Maria Dimpina como cronista, quando falava de “trabalho”, na revista A Violeta. Inicialmente, Arinapi e Mary faziam referências ao “trabalho” relacionado à “instrucção” das mulheres e aos “trabalhos” manuais confeccionados pelas alunas e professoras das escolas municipais da capital e expostos no fim do ano escolar. Alguns “acontecimentos”, no entanto, modificaram definitivamente o espaço de atuação das mulheres cuiabanas e das gremistas que conquistaram outros “meios de ganhar a vida”, além do magistério. Bertha Lutz e Maria Dimpina são as duas principais representantes da nova “era” trabalhista, que inaugurou outras possibilidades de atuação no setor público em nível nacional, no caso de Bertha e local, no de Dimpina. Mas estas mudanças são perceptíveis apenas a partir de 1919. Antes disso, a concepção de “trabalho” para Arinapi ainda era

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limitada e estreitamente ligada ao espaço escolar. Nesse caso, a apresentação das crônicas em ordem cronológica permite compreender o porquê dessa mudança. Em dezembro de 1917, Arinapi comenta a instalação de uma escola superior, em Cuiabá, na crônica da edição nº24, de 15 de dezembro de 1917. Nela, Arinapi menciona a intenção dos “devotos” da educação em busca de qualificação, em especial as mulheres “[...] porque nem sempre nos é facil deixar os nossos lares extremecidos em busca de satisfação dos nossos ideaes” (A Violeta, nº24, p.2). Naquele momento os ideais ainda estavam ligados ao “verdadeiro mistere” das mulheres: “[...] educar sempre, com amor, com carinho, com exemplos, quer sejam os seus filhos, quer aquelles que necessitem do seu concurso” (A Violeta, nº24, p.2). A função de “normalista” era a principal referência de “trabalho” para Arinapi e somente quando houvesse a necessidade desse “meio de subsistencia”. Para Mary, o “trabalho” das mulheres era o resultado da aplicação de algumas técnicas em diversos materiais e envolvia habilidade e não “dom” ou “missão”, como no caso do magistério. Uma das maneiras de valorizar a “[...] hábil manufactura feminina, trabalhos de agulhas e passamanaria, pintura, pyrogravura, confecção de floras artificiaes, albuns de ‘pensamentos’ e de ‘lembranças’ caprichosamente trabalhados” (A Violeta, nº31, p.2) seria a criação de uma seção para as mulheres cuiabanas durante a exposição do bi-centenário da “descoberta” de Cuiabá, que seria realizado em abril de 1919. Mary falou sobre o “trabalho” feminino em duas crônicas, na edição nº31, de 30 de abril de 1918, quando fez a sugestão à comissão que organizava as comemorações do bicentenário, e na edição nº33, de 30 de maio de 1918, sobre a criação da “secção feminina de trabalhos manuaes”. Na primeira crônica, Mary ressaltou o “clima” que envolvia os matogrossenses por conta das comemorações: [...] é de notar-se o despertar de uma febril animação que faz palpitar num accorde unisono todas as veias e todos os corações matto-grossenses. Verdadeiramente é assim que se pode notar o grande amor, a acendrada affeição deste povo a esta terra. Oh! Matto Grosso! Como o teu orgulho deve ser extraordinário!... Cuyabá, será a sede dos festejos, que constarão de múltiplos e variados actos, os quaes pelo programma se deprehende, serão magnificos (A VIOLETA, nº31, p.1).

A cronista relembra a idealização dos festejos “[...] por um grupo de abnegados e enthusiastas conterraneos” que almejavam fazer “[...] uma revolução geral de caracter social, moral, intellectual e material” (A Violeta, n°31, p.1). Apesar de não citar os nomes, a atitude das pessoas desse grupo havia despertado no “povo”

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[...] o valor, o civismo e o altruismomatto-grossense. De agora sim, que um motor poderoso soube accionar num só impulso tudo quanto é vitalidade, tudo quanto é emoção e sentimentos dos filhos desta terra. Salve! pois, queridos e heroicos iniciadores da commemoração do bi-centenário da terra de Paschoal Moreira Cabral (A VIOLETA, nº31, p.1-2).

A sugestão para a criação da seção feminina foi aceita pela comissão dos festejos “num gesto de infinita gentilesa”, segundo Mary, e uma outra “comissão de senhoras e senhorinhas da nossa elite” foi criada para organizar os trabalhos das “gentis cuyabanas tão caprichosas e delicadas” (A Violeta, nº33, p.2). Percebe-se a definição do público que poderia participar dessa seção, já que a exposição deveria ser “[...] digna do nosso sexo, do nosso gosto artistico, emfim digna de nós” (A Violeta, nº33, p.1), e a renda das “manufacturas” seria revertida para a própria exposição, e não para as mulheres. Nesse caso, a exposição dos “trabalhos” tornou-se mais relevante para valorizar os “fazeres” das cuiabanas do que contribuir para a “subsistência” das famílias. A partir de 1919, alguns “acontecimentos” retratados por Arinapi modificam as discussões sobre o tema e alteram a concepção de “trabalho” da cronista – e, consequentemente, das gremistas e leitoras – que passa a relacionar as atividades das mulheres com o feminismo, e em outros espaços, além do escolar. O primeiro “acontecimento” é desencadeado após o recebimento do telegrama publicado na revista A Violeta: “Foi nomeada a Srta. Bertha Lutz para o cargo de secretaria do Muzeu Nacional, tendo tirado o primeiro logar no concurso. (Telegramma vindo para a Gazeta Official). Mais uma victoria feminina!”, comemora Arinapi nas primeiras linhas da crônica publicada na edição n°56, de 15 de setembro de 1919. Para Arinapi, o “triumpho” de Bertha partia de outros lugares “civilizados” como a Europa e a “America do Norte - terra da independencia e da liberdade” que influenciavam diretamente o Brasil na resolução dos “grandes problemas sociaes”. A cronista fala da igualdade “entre os dois sexos” como “necessaria para o progresso da sociedade” e esclarece a ideia de “igualdade” dizendo que a “direcção domestica” era desempenhada “naturalmente” pela dona de casa, mas as mulheres não deveriam ser coibidas “[...] doutros mistéres cujo desempenho lhe facilitaria mais o meio de ganhar a vida para si ou para auxilio de seu lar, onde muitas vezes, o concurso exclusivo do homem, é defficiente” (A Violeta, nº56, p.1). Quando Arinapi fala de “igualdade”, ela alerta os “antifeministas” sobre as ocupações próprias de cada “sexo” no âmbito familiar, já que nos lares em que as mulheres fossem educadas os homens não precisariam desempenhar suas “funções”, mesmo quando elas atuavam profissionalmente além dos “[...] limites das quatro paredes de uma casinha ou nas

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officinas de costura, engomagem e lavanderia” (A Violeta, nº56, p.1). Arinapi faz referência ao fim da Primeira Guerra Mundial e a queda não só da Alemanha como também do “[...] carrancismo dessa superioridade indistincta do sexo masculino” (A Violeta, nº56, p.2). Relembra que o “triumpho” não foi exclusivo dos países aliados: [...] triumphou a igualdade da mulher perante a sociedade que será a chave, a base fundamental do verdadeiro progresso. Porque a mulher perante a Constituição é inferior ao homem, ella é mais docil? Não; sacrificae-a em sua liberdade revolta-se; e nesta revolta nascem muitas vezes crimes, crimes que não dar-se-híam, si ella tivesse na sociedade um logar fixo, igual nunca inferior, ao homem (A VIOLETA, nº56, p.2).

A procura de um lugar fixo, como o alcançado por Bertha Lutz no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, poderia ser motivada tanto pela “vocação”, “meio de vida” ou “habito”, de acordo com Arinapi, que se dedicava ao magistério, mas o “trabalho” seria um “dever” para as mulheres quando houvesse necessidade da “manutenção licita” do lar (A Violeta, nº56, p.2). A cronista fala ainda do “direito de igualdade de intelligencia” que proporcionaria o aparecimento de outras “luzes femininas”, inclusive em Cuiabá, seguindo o exemplo de Bertha Lutz, “[...] já que temos um estabelecimento digno de instrucção femenina, como é a Escola Normal; já que as portas do Lyceu Cuyabano não foram fechadas, e que podemos ter ingresso nas aulas de instrucção superior!” (A Violeta, nº56, p.2). O “desejo” de Arinapi tornou-se realidade dois anos após essa crônica e Maria Dimpina foi a primeira “luz feminina” do serviço público mato-grossense quando foi aprovada em primeiro lugar no concurso realizado pelo “Correios e Telégraphos” no mês de outubro de 1921. Além de Dimpina, mais quatro “senhoritas” foram aprovadas na seleção que reuniu uma “pleiade de conterraneos”, de acordo com a notícia publicada na revista A Violeta, na edição nº86, de 27 de outubro de 1921. A aprovação das “senhoritas” no concurso foi descrita na notícia como um “[...] rasgo de coragem das nossas patricias, as primeiras que ousam alçar o vôo, para outras regiões, que não as do professorado exaustivo” (A Violeta, nº86, p.12). As redatoras também ressaltam as mudanças provocadas após a inserção das mulheres nessas “outras regiões” e avisam [...] que os humbraes das repartições públicas estão abertos para recebel-as, urge que se candidatem aos concursos que se foram abrindo, nos cargos compativeis com o seu sexo e delicadeza; e não se deixem esmorecer como succedia até agora. Em todos os Estados, as Sras tem obtido permissão para occuparem cargos importantes: tem mesmo obtido nos concursos os melhores lugares, porque não obterão aqui, onde graças a Deus não nos falta intelligencia e bôa vontade? (A VIOLETA, nº86, p.12).

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Após esse “acontecimento”, Arinapi dedica a crônica publicada na edição nº108, de 24 de julho de 1923, às conterrâneas que “[...] activaram-se, na sua maior parte, declarando, umas com timidez e outras não o desejo de se occuparem de um emprego dos que dantes não eram permittidos ao sexo fraco, isto é, um cargo público” (A Violeta, nº108, p.1). Maria Dimpina tornou-se referência para as mulheres que não se identificavam com o magistério e outras profissões consideradas “apropriadas” para as mulheres. A cronista incentivava as mulheres a ter uma profissão e havia alterado sua concepção de “trabalho” apenas como “meio de vida” quando houvesse necessidade. Andaes muito bem em quererdes trabalhar para conquistardes um emprego que vos garanta um futuro; andaes muito bem, porque a independência relativamente ao modo de viver é uma das mais bellas prerogativas dos seres. Porque serei eu uma pessima costureira quando posso ser uma optima lavadeira? E porque definhar-me, enervar-me na escolha dos figurinos, quando da penna me vem melhores e mais commodos resultados? Cada qual para o que lhe convem, mas... a educação e a comprehensão dos deveres devem ser collocadas sobre todas as cousas... está bem comprehendido (A VIOLETA, nº108, p.1).

Arinapi afirma que as mulheres “activadas” pelo desejo para ocupar um cargo público estavam “[...] procurando, honradamente, conquistar algo para o seu bem e dos seus, são honestas, procedem com virtude. E, podeís ficar certas de que é o trabalho que honra, é o trabalho que ennobrece, é o trabalho que vivifica” (A Violeta, nº108, p.2). E relembrou que na época da fundação do Grêmio “Júlia Lopes” [...] nem cogitávamos ao menos dessa permissão que mais tarde iria abrirnos as portas das Repartições Publicas; e não é bem verdade que a vida pratica demonstra que andavamos acertadas quando defendíamos esta causa? Hoje a quasi nós todas cabem as responsabilidades maternaes e no emtanto não é a penna ou o emprego que nos prejudicará si um dia faltarmos aos nossos deveres (A VIOLETA, nº108, p.2).

Para Arinapi, a inserção das mulheres no serviço público deveria ser realizada quando elas estivessem preparadas e destacou que o “[...] preparo não vos fará esposa infiel e má; estudae, porque se estudardes não podereis, só por isso, deixar de ser mãe zelosa e boa... antes, a instrucção vos ensinará a enfrentardes serenas e calmas todos os vossos deveres, tendo a comprehensão nitida dos vossos direitos” (A Violeta, nº108, p.3). Na crônica da edição nº113, de 30 de janeiro de 1924, Arinapi repercute um artigo publicado na Revista Feminina, de São Paulo, assinado por Mme. Remember afirmando que “[...] no trabalho e não na baixa profanação do amor que a mulher [terá] a sua liberdade, a sua superioridade. Nada mais justo! Que ha um certo conforto para a mulher quando ella sabe que não é uma inutil, que Ella tambem pode e quer concorrer para a felicidade moral e material da

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sua casa, digam todas as que têm a felicidade de experimentar esse conforto” (A Violeta, nº113, p.1). A cronista fala da mudança de costume e aponta o erro cometido antes quando a [...] moça era preparada para ser mais tarde somente a esposa acariciada e protegida pelo marido. E si às vezes, o que frequentemente succedia, falhavam essa caricia e essa protecção, eil-a, clamando a sua inferioridade ou atirando-se a uma outra vida menos honesta e muitas vezes, pobres, pelo temor de quem dia viesse a lhes faltar o necessario, o pão aos seus filhos. Em vez, si todas se preparassem para exercer um cargo ou uma profissão que lhes garantisse a independencia, esse emprego ou essa profissão mesmos, seriam um escudo aos revezes da sorte e não uma justificação da deshonra (A VIOLETA, nº113, p.1-2).

Se antes as moças eram preparadas para uma profissão em especial, o “casamento”, Arinapi afirma que várias mulheres conversaram com ela sobre a busca por uma “collocação” que pudesse garantir o futuro, e finaliza a crônica concordando com Mme. Remember que as mulheres deveriam trabalhar para sair da inferioridade. E foi isso que as mato-grossenses fizeram seguindo os conselhos de Arinapi e Mme. Remember. Nas duas últimas crônicas sobre “trabalho”, publicadas nas edições nº121, de 31 de janeiro de 1925 e nº134, de 28 de março de 1926, a “chronista”, pseudônimo não identificado, e Arinapi falam sobre a aprovação de outras mulheres, incluindo várias gremistas, em concursos posteriores do “Correios e Telégraphos”. Em 1925, “[...] dentre as candidatas approvadas em primeiro e segundo lugares, figuram os nomes de duas nossas amiguinhas”, comemora a “chronista” (A Violeta, nº121, p.1). A “chronista” lembra que as mullheres haviam conquistado outros espaços em três órgãos públicos federais localizados em Mato Grosso e diz que com esse resultado poderiam provar a “[...] falta de razão dos inimigos do feminismo” (A Violeta, nº121, p.1). E responde aos antifeministas e pessimistas que criticavam a inserção das mulheres no serviço público e às mulheres que tinham intenção em “fazer carreira em uma repartição” (A Violeta, nº121, p.1) dizendo que os “[...] factos em toda parte como aqui, tem desmentido cabalmente esse conceito pouco lisonjeiro ao nosso sexo” (A Violeta, nº121, p.1). Cinco anos após a aprovação de Maria Dimpina no “Correios”, Arinapi felicita as futuras colegas aprovadas em mais um concurso realizado, no ano de 1926, e apesar do entusiasmo por ter várias “senhoritas da sociedade” entre as selecionadas, a cronista apresenta-se receosa. Enthusiasmada porque fui sempre favoravel à idéa da mulher agir conforme os seus recursos intelectuaes para obter um meio de vida que lhe garanta o futuro, preservando-a da necessidade de viver sempre dependente de outrem para manter-se, favor que compra às vezes em lar que não é seu, a custa de

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muitos sacrificios, até da sua propria dignidade. Receiosamente porque, para ser funccionaria, para penetrar no recinto de uma Repartição publica onde vai gozar as mesmas regalias que são concedidas aos homens, é preciso, fallo por experiência propria, que seja dedicada ao trabalho, e que se revista de muita coragem (A VIOLETA, nº134, p.1-2).

A pedido da redação da revista A Violeta várias mulheres enviaram respostas a pergunta: “Qual a profissão ou trabalho a que vos dedicaes com mais prazer?”, dentre elas, duas colegas de trabalho de Maria Dimpina no “Correios”. As respostas foram publicadas na edição nº121, de 31 de janeiro de 1925. Iris Nogueira disse “[...] que dentre as occupações que tenho tido, todas domesticas, dedico-me com mais prazer à que tenho actualmente na Administração dos Correios por ter ali um distincto Chefe e varias companheiras, entre as quaes corre o trabalho diario mais agradavelmente” (A Violeta, nº121, p.4). Zoelina Galvão declarou que “[...] de todos os empregos, prefiro o publico, que humildemente venho exercendo na Administração dos Correios, visto contribuir da mesma maneira que os outros para a grandeza material da Republica Brazileira” (A Violeta, nº121, p.4). As duas colegas também citadas na resposta de Maria Dimpina, remetem a mesma pergunta. Dimpina apresenta os “argumentos” de acordo com as mudanças na sua vida familiar e nos “deveres” adquiridos após o casamento e o nascimento dos filhos. Gosto da Repartição. Quando solteira, isto reunia para mim o util ao agradável – eram uma boa maneira de matar o tempo sem desperdiçar as horas, quero dizer – distrahir ganhando. Nessa quadra da vida eu, como Odilza, esperava às 11 horas da manhã, anciosa para sahir. Hoje, porém, isto aborrece-me. Comprehendo a distincção do meu chefe, a agradabilidade da convivencia com as companheiras, como a Iris, mas quizera encontral-as noutra parte onde eu não estivesse obrigatoriamente e sujeita ao “ponto” (A VIOLETA, nº121, p.4-5).

Após quatro anos no “Correios” a sensação de quando era solteira e “distraía ganhando” havia passado definitivamente. Dimpina apresenta o principal motivo para deixar diariamente a casa e os filhos: Conto muito particular e minuciosmente. – Terminada a minha verba do mez anterior, logo que principia a 2ª quinzena, ouço: “a requizição já foi para a Delegacia!”, é um dos collegas que exclama, alegre batendo nos ombros do outro. Finda o mez! [...] Si logo em principio do mez vejo o sr. Egydio entrar risonho, já vou adivinhando: esfrega o dedo index em o pollegar e diz: “hoje temos!”. Então, aguardo o final da felicidade. O sr. Amorim mandar chamarme e trocar pelas cubiçadas “notasinhas” a folha de pagamento que momentos antes me entregara o Chefe da Secção. Está porque gosto, adoro mesmo, o meu emprego e não quero deixal-o custe-me embora um grande sacrificio deixar diariamente a minha casa e os meus filhos, principalmente (A VIOLETA, nº121, p.5).

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Além da fonte das “notasinhas”, o “Correios e Telégraphos” e os vários órgãos públicos transformaram-se em outros espaços de sociabilidade das mulheres mato-grossenses que expandiram a atuação da intelligentsia feminina iniciada nas dependências das escolas Normal e Modelo. Apesar da “migração” de algumas normalistas para as repartições públicas, a “preparação” para a vida pública não deveria ser descartada e seria alcançada por meio da “instrução”, da educação social e profissionalizante, como sempre aconselhou Arinapi.

3.6 Normalistas e instrução pública Além das funcionárias do “Correios” outras mulheres participaram do questionário proposto pelas redatoras da revista A Violeta sobre a profissão ou trabalho que se dedicavam com mais prazer. Mesmo se considerando “[...] moça ainda, sem traquejo algum da vida publica”, a normalista Veronica Palma enviou um depoimento para a revista contando sobre o cotidiano como “educadora de crianças” que era sobrecarregado de “encargos e responsabilidades”. Veronica se dedicava [...] com prazer, procurando por todos os meios corresponder à confiança daquelles que me incumbiram da guarda e educação de seus filhos. E para esse fim é certamente necessario que, de minha parte, se alliem à bôa vontade, o prazer e a dedicação para o desempenho, senão completo, pelo menos satisfatorio dessa nobilitante missão (A VIOLETA, nº122, p.3-4).

Apesar da inserção das mulheres no serviço público e em outras “frentes” de “trabalho”, o magistério não foi descartado como profissão e “meio de vida” porque extrapolava a “questão” trabalhista, sendo considerado uma das “missões” femininas, como descreve Veronica. Lucy, pseudônimo de uma das redatoras d’A Violeta, relaciona a “missão” da “mulher” na crônica publicada na edição nº35, de 30 de junho de 1918, à “paz” e ao “trabalho” visando “[...] o progresso da nossa terra combatendo os males que corrompem a sociedade, educando os espiritos que se formam na comprehensão exacta dos deveres, no amor ao trabalho que fortalece o corpo e purifica a alma” (A Violeta, nº35, p.1). Lucy afirmava que a instrução era como uma “[...] luz que atravez dos seculos tem guiado os passos do homem para os factos grandiosos do progresso; onde o povo é educado e instruido a civilisação está mais diffundida” (A Violeta, nº35, p.2). Arinapi vai além e classifica algumas normalistas que foram para o interior de Mato Grosso, em 1918, como “heroinas da civilisação” na crônica publicada na edição n°34, de 15 de junho de 1918. “Verdadeiras heroinas, digo, porque venceram tudo, ao deixarem seus lares, mas exemplificaram o cumprimento do dever. [...] Foram levar a instrucção aos seus jovens

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coestadoanos, transmitir os ensinamentos que receberam na escola que as preparou para o magisterio”, esclarece a cronista (A Violeta, nº34, p.1). Mas a vinculação do magistério a uma “missão” feminina e civilizadora não eliminava o preconceito contra as mulheres que trabalhavam “fora” do ambiente familiar. Arinapi fala sobre esse assunto nessa crônica, onde afirma que, em Mato Grosso, “[...] os preconceitos têm impedido a marcha do progresso e da civilisação” (A Violeta, nº34, p.1), e defende a ida das normalistas para o interior contribuindo com o progresso da instrução e dando “[...] exemplo magno do cumprimento do dever. Que esse exemplo seja seguido pelas outras para o verdadeiro progresso do nosso Estado” (A Violeta, nº34, p.1). A situação das normalistas que trabalhavam e, infelizmente, esse cenário ainda se reproduz atualmente, em cidades do interior não tinha nada de “heróico”, e sobreviver em muitos locais era uma verdadeira “odisséia”, de acordo com Firmo Rodrigues, que conviveu com as gremistas no período em que comandou o “Tiro Baptista das Neves”, na capital. Em suas crônicas Firmo reproduz o relato de duas professoras que seguiram para o interior do Estado. Uma delas fala sobre o “desconforto” encontrado, ao chegar em uma fazenda, onde a habitação era [...] anti-higiênica e alimentação deficiente. Se ela se hospeda na residência de um morador da localidade, dão-lhe para morada um quarto pequeno, que também serve de depósito de feijão, milho, etc. A dona de casa, embora tenha boa vontade, cozinha mal, desconhece asseio, pita e cospe o dia inteiro, para todos os lados. A água escontra-se (sic) numa talha comum, onde pequerruchos ranhetos se servem com o copo também comum (RODRIGUES, 1959, p.53).

Aos poucos as normalistas também abriram “picadas” e pisaram em outros locais, e talvez nem estivessem almejando o “progresso” e, sim, o ingresso no magistério e a possibilidade de transitar legitimamente no espaço público, como afirma a historiadora Diva Muniz (2005). Diva fala ainda sobre as mulheres que atendiam ao “modelo” de professora e, em alguns casos, se “enquadrar” [...] foi tática utilizada por muitas professoras para se manterem em um setor do mundo do trabalho, onde os homens predominavam. Definir-se e produzir-se em consonância com o modelo prescrito foi estratégia engendrada para romper com a exclusão, ainda que essa ruptura tenha ocorrido sob a forma de movimento sutis, silenciosos, quase imperceptíveis (MUNIZ, 2005, p.96).

Mary, pseudônimo de Maria Müller, fala na crônica da edição nº45, de 20 de fevereiro de 1919 das mudanças nos costumes familiares e na sociedade brasileira que resultou na inserção das mulheres nas salas de aula em maior “frequência” “[...] que a de outro sexo. É

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que os nossos Paes comprehendem emfim o dever de ministrar à mulher todos os conhecimentos profundos e vastos a que já chegou o engenho humano. Para o lar não necessita saber ler, mas, para ser a rainha do lar, é mister saber mais que lêr” (A Violeta, nº45, p.1). Ela também cita a participação dos grêmios literários nessa mudança e a reforma educacional iniciada no fim do século XIX, quando o [...] Brasil seguindo exemplos da grande Republica de Wilson, procurou difundir escolas primarias e secundarias para ambos os sexos por toda a immensidade do seu territorio. Bemdicto pois o seculo XX o seculo da liberdade, que abriu um horisonte mais amplo e cheio de luz à mulher brazileira. Bemdictos os Gremios, os espiritos inventivos que crêam para conhecimento a recreação dos mortaes (A VIOLETA, nº45, p.1).

Em 1929, Arinapi relembra na crônica da edição nº169, de 31 de julho, as mudanças que provocaram uma alteração nas salas de aula: as “moças” afluiam nos cursos secundários “[...] em busca de instrucção que as habilite a ter tambem um meio mais seguro de manutenção propria. Si bem que não esteja isenta de opposicionistas esta maneira de proceder, ella não deixa de ter a sua razão de ser” (A Violeta, nº169, p.1). Para a cronista, a alteração fundamental ocorreu quando “[...] as filhas também comprehenderam a necessidade de agir, a esposa e mãe de prestar o seu auxilio à familia”, principalmente quando o “chefe de familia” estava sobrecarregado com as “despezas superiores às suas forças” (A Violeta, nº169, p.1). Mas essa alteração foi gradual: Primeiramente surgiu só a idéa de ser professora; e, com vocação ou sem ella, lançava-se ao desempenho do magisterio, unico salvavidas que a mulher encontrava nas ondas adversas da necessidade. Depois surgiram outros meios, procuraram candidatar-se aos serviços das repartições publicas; e, a possibilidade de um emprego, a victoria de algumas, animavam às outras e dahi um affluxo sempre crescente de mulher aos cargos publicos (A VIOLETA, nº169, p.1).

Ainda nessa crônica Arinapi comenta a instalação da primeira Escola Normal em Campo Grande, atualmente capital de Mato Grosso do Sul. A notícia foi recebida com “justos e calorosos applausos” pelas gremistas e mato-grossenses porque difundiria a “instrução” profissionalizante no interior do estado, dando oportunidades para homens e mulheres se tornarem, talvez, os próximos heróis e heroínas da “civilização”. Apesar da inserção das mulheres no magistério e nas repartições públicas, Arinapi lastima “o descaso” que as moças “vão tendo às profissões domésticas”, na crônica da edição nº145, de 31 de março de 1927. Para ela, colocar o cultivo da inteligência – com as moças afluindo nos cursos secundários – em oposição aos afazeres domésticos era inconcebível.

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Maria Dimpina considerava primordial o domínio da educação doméstica, independente da atividade que as mulheres exerciam, ou da classe social, e localizava na figura feminina a responsabilidade pela transmissão dos conhecimentos “do lar”. Para ela, as mulheres eram “[...] baluartes da sociedade; da sua educação depende muito a educação nacional, e é preciso accordar-se em quanto é cedo”, afirma na crônica da edição nº177, de 30 de abril de 1930 (A Violeta, nº 177, p.1). Enquanto umas [...] frequentam o colegio com bastante menospreço pelos serviços de casa; outras se entregam cedo à vadiagem, como recurso para alimentar suas desordenadas vaidades, indo muitas vezes bem cedo, ainda quando a idade lhes sorri, pagar na miseria, na tysica, em outros males peiores, o fructo colhido desse descaso pelo trabalho que deveriam procurar (A VIOLETA, n°145, p.1).

A vadiagem, para a cronista, “[...] é a grande fabrica do depauperamento physico e moral da nossa raça” e complementa o argumento a favor da educação social dizendo, na crônica da edição nº176, de 30 de março de 1930, a respeito “[...] da mulher, que não encontra um meio de adquirir conhecimentos que a tornem apta para o desempenho da honrosa missão que, na sociedade, lhes cabe. Rica ou pobre, ella, de ha muito não encontra meio facil de applicar-se aos serviços domesticos” (A Violeta, nº176, p.2). Arinapi afirmava que a “mulher” deveria ser eficiente para administrar o lar, seja como dona de casa ou como “meio de vida” tanto para cumprir a função das mulheres que trabalhavam “fora” ou ainda para evitar a “vadiagem” de outras mulheres. Uma das maiores dificuldades, de acordo com a cronista, era “[...] acquisição de pessoas competentes para o serviço domestico” (A Violeta, nº138, p.1) e destacava, na crônica da edição n°138, de 25 de julho de 1926, que o domínio dos “afazeres” domésticos era uma necesidade para mulheres ricas e pobres, “[...] quer precisem trabalhar ou dirigir o lar, ensinando, deveriam ter o preparo necessario para bem administrar uma casa” (A Violeta, nº138, p.1). Essa escassez de pessoas competentes não havia atingido apenas alguns “[...] lares, somente, onde a onda impetuosa do modernismo ainda não conseguiu arrastar as boas regras de uma educação domestica” (A Violeta, nº213, p.2), disse Arinapi na crônica da edição nº213, de 31 de janeiro de 1934. Arinapi era temerosa não só pela transição das mulheres entre o espaço familiar e o público, mas entre “a menina e a moça”, que ocorria bruscamente, “com raras excepções”. A cronista descreve essa transição na crônica da edição nº177, de 30 de abril de 1930. Estudemos esta transição sob dois aspectos: 1 – as que estudam, as que se dedicam ao magistério, às funcções publicas. Estas, na sua quasi totalidade,

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não aprendem, porque julgam inuteis as profissões domesticas. Há excepções, não ha duvidas, mas estamos na épocha da realidade, e o caso requer regras e não excepções. 2: Ha uma outra classe, e esta maior e mais interessante, a daquelas que não estudam, que nada aprendem e, ou são as carregadeiras de crianças em pequenas, ou são as filhas das cosinheiras que as deixam como guardas de casa, trazendo-lhes as refeições, das casas onde estão ajustadas. Estas, si mais tarde quizerem ganhar, não sabem, no emtanto, trabalhar, e felizes serão si encontrarem, nas primeiras casas onde procurarem trabalho, uma dona de casa capaz de lhes ensinar: senão, patrôa e creada, titubeando ambas, vão se conformando com o que podem arranjar (A VIOLETA, nº177, p.2).

No caso das primeiras, a cronista reiterava na crônica da edição nº 189-190, de 31 de julho de 1931, que o “[...] cultivo, mesmo o intellectual, não tira o dom de umma mulher devidamente educada. E essa educação, que se recebe no lar, e que faz da mulher um ente capaz da direcção domestica da sala ao quintal, é aquella mesma que não se oppõe à intellectual, antes a completa, a eleva, a dignifica” (A Violeta, nº189-190, p.2). O “gosto” pelas profissões domésticas estava em escassez em todas as camadas sociais, de acordo com a cronista, especialmente pelos efeitos do “modernismo”, e destaca na crônica da edição nº213, de 31 de janeiro de 1934 que a “lacuna” era [...] tanto maior na classe do operariado, na qual, é bem dificil, encontrar-se uma moça apta para o desempenho das mais communs e rudimentares occupações domesticas. No entanto, levadas pela necessidade, buscam um emprego que não são capazes de desempenhar conscientemente, e desse serviço mal feito geram todos os desgostos e reclamações da patrôa malservida e da empregada, que a ignorancia humilha e não quer ainda sujeitar-se ao mando (A VIOLETA, nº213, p.1).

A solução, para a cronista, seria “a creação de uma boa Escola Domestica feminina, que é o complemento da educação nacional” (A Violeta, nº213, p.2). A escola doméstica seria “pratica, profissional” e teria “[...] por base as proprias necessidades do lar, da familia e que preparasse a mulher para ser mãe, dona de casa, por meio de um programma que satisfizesse as exigencias necessarias, dirigida por mestres habilitados e competentes” (A Violeta, nº 177, p.1). Para Arinapi, as escolas domésticas afastariam muitas jovens “da ociosidade e da perdição, dando-lhes um meio pratico e seguro de subsistencia” (A Violeta, nº 177, p.1), já que a ociosidade era incompatível com a emancipação econômica e intelectual da mulher. A dificuldade para encontrar “pessoas para o serviço domestico profissional” poderia ser resolvida a partir da “creação do curso especial para esse fim”, afirma na crônica da edição nº138, de 25 de julho de 1926.

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Se as outras conterrâneas ainda não estavam convencidas da necessidade da escola doméstica, Arinapi argumenta sobre alguns aspectos considerados fundamentais e básicos para a manutenção do lar, como a “cosinha”. O serviço mais natural e mais necessario para a mulher - o da cosinha infelizmente toma entre nós proporções assustadoras de decadencia. A cosinha, da qual directamente depende a nossa saúde e a dos nossos; a cosinha que, melhor que a Medicina e que com mais razão que a Gymnastica, destina-se a ser o ponto de partida da nossa educação phisica (A VIOLETA, nº213, p.1-2).

A cronista se aproxima das leitoras ao narrar sua trajetória dentro e fora de casa como trabalhadora desde quando era “moça”, na crônica da edição nº213, de 31 de janeiro de 1934. Das precisões da dona de casa saber occupar-se conscientemente dos serviços domesticos, da felicidade de haver sahido diversas veses de posições embaraçosas pelo costume de trabalhar desde a adolescencia; apta para dizer sobre o assumpto ou seja pela obrigação que tenho de occupar-me fóra do lar de um serviço do qual não posso me esquivar; e ainda pela necessidade repetida que encontro de cuidar dos serviços domesticos na falta de serviçaes de toda esta lucta emfim, que me faz observadora experimentada, é que nestas poucas linhas digo o fructo da minha longa pratica (A VIOLETA, nº213, p.2).

E finaliza a crônica enviando um recado às conterrâneas, especialmente às que [...] passam folgadamente o dia a ler romances no divam e que acharão, talvez, antiquada a minha idéa, guardem-na para um dia, quando suas forem as responsabilidades do lar, quando lhes faltarem o auxilio das mamães, quando, emfim, experimentarem que é bem melhor aprendermos quando não temos necessidade, do que sermos obrigados a fazer, ignorantes, por necessidade - uma das maneiras bem duvidosas de exito (A VIOLETA, nº213, p.2).

Mesmo defendendo a educação das mulheres desde o início de sua atividade como cronista na revista A Violeta, Arinapi não havia apresentado uma solução concreta e viável para a educação doméstica, mas encontrou uma aliada para militar nessa “causa”. Em uma das cartas enviadas a revista A Violeta, em 1918, a escritora Júlia Lopes sugeriu que as gremistas criassem uma escola profissional feminina na capital mato-grossense visando “[...] o preparo da dona de casa”, de acordo com Arinapi, na crônica da edição especial nº43B, de 25 de dezembro de 1918. Por falta de “recursos materiaes” o Grêmio não conseguiu organizar a escola feminina proposta por Dona Júlia, mas a “[...] municipalidade quiz dota, em um gesto de interesse pelo bem da Familia” fundar a primeira escola doméstica feminina, em Cuiabá, no mês dezembro de 1918 (A Violeta, nº43B, p.3). A escola ficou sob a direção de Maria Dimpina e começou a funcionar no dia 1º de março de 1919, com 51 alunas matriculadas, que tinham aulas de leitura e costura. A

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cerimônia de inauguração foi descrita em uma notícia do jornal O Matto-Grosso, publicada na edição nº1553, de 6 de março de 1919 que registrou a presença de várias autoridades como o intendente geral do munícipio – função similar a de prefeito – Coronel Alexandre Magno Addor e do presidente da Câmara Municipal de Cuiabá, Coronel João Celestino Cardoso. Os dois eram considerados os responsáveis pela fundação da escola, apesar das dificuldades financeiras do município naquele período. A escola “[...] foi installada em um confortável predio, sito à rua ‘7 de Setembro’ desta cidade, e é dirigida pela provecta professora D. Maria Dimpina de Arruda Lobo. As aulas de trabalho estão a cargo da distincta adjuncta, D. Arminda Rodrigues, esposa do nosso presado amigo Sr. João Victor Rodrigues” (O Matto-Grosso, nº1553, p.1). A diretora da escola também teve os “meritos de intelligencia e de coração” citados na crônica escrita por Mary no mês em que a escola foi inaugurada. A cronista também observou outras pessoas que participaram da cerimônia de instalação, mas não foram citadas pelo jornal O Matto-Grosso, que trouxe uma lista somente com as autoridades masculinas. Assistindo a instalação, tivemos occasião de apreciar, com grande jubilo, um numero bastante regular de educandas entre moças e meninas de varias classes sociaes, irmanadas e compenetradas daquelle subilme ideal que é o de educar-se. [...] Mlle Maria Dimpina Lobo, querida Directora da “A Violeta”, é das mais activas e emprehendedoras entre as nossas consocias. Motivo duplamente de jubilo à nossa Revista que um pouco vaidosa vê realisar-se um dos ideaes por que mais se batia (A VIOLETA, nº46, p.1).

Maria Dimpina acreditava que a educação “social e doméstica” deveria atingir todas as mulheres, sem distinção de idade ou classe social, e considerava essa “obra” “[...] a mais propria do movimento feminista”, na crônica da edição nº59, de 30 de outubro de 1919 (A Violeta, nº59, p.1). Essa “instrução” precedia a escolha de uma profissão, a de normalista, por exemplo, porque estava relacionada diretamente ao ambiente familiar, mas não deixava de ser uma ciência, na opinião de Arinapi. “E que pode haver de mais util ou de mais proveitoso que instrui-la nessa sciencia, a melhor de todas as sciencias, nessa arte, a melhor de todas as artes - a educação da mulher para aquilo que ella sempre tem necessidade de ser - a dona da casa?” (A Violeta, nº59, p.1). Além de “dona de casa”, a educação doméstica era necessária para “[...] saber criar os seus filhos, saber ser mulher enfim” (A Violeta, nº59, p.1). A cronista critica as mulheres que minimizavam a necessidade desse tipo de “instrução” insinuando que em algum momento da vida elas precisariam dos conhecimentos “domésticos” mais do que os de “[...] pintura, musica, desenho, dança e sciencias” (A Violeta, nº59, p.1).

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As escolas domésticas seriam, então, “[...] a resolução dum grande problema de engrandecimento patrio, porque a nação que quiser progredir deve educar as mulheres” (A Violeta, nº59, p.1). A Escola Doméstica de Natal, na capital do Rio Grande do Norte, era considerada ideal por Júlia Lopes de Almeida, madrinha do Grêmio, que enviou para as gremistas o programa da escola. Na escola de Natal havia aulas [...] de educação social, Português, Arithmetica, Historia, Medicina do lar, Lavanderia, Culinaria, Francês, Musica, Agricultura, Geographia, Puericultura etc. Nella, a mulher certamente não faz outra cousa senão aprender para fazer do seu lar o paraizo terrestre, pela ordem, pela economia, que são as bases intelligentes da prosperidade (A VIOLETA, nº59, p.1).

A escola doméstica instalada em Cuiabá tinha um programa mais modesto e funcionou por dois anos, até o dia 1º de abril de 1921, quando as aulas foram suspensas por determinação da nova gestão da intendência municipal, que substituiu a do Coronel Alexandre Addor. Uma crise financeira foi a justificativa para o suspensão das atividades, que seria temporária, inicialmente, mas para Arinapi era “[...] preciso não haver, como a chronista, assistido a scenas emocionantes de corações bem agradecidos pelos beneficios recebidos naquelle estabelecimento” para negar “a grande messe bens dessa escola” (A Violeta, nº80, p.1). Uma scena emocionou-me um dia: - Era uma senhorita de vinte annos a quem eu ensinava o Primeiro Livro de Leitura. Difficultosamente ia ella, num heroísmo maximo, esforçando-se para ler uma historieta. Terminada esta, olhou-me com um destes olhares expressivos que tanto bem fazem à gente e me disse: “quando me ponho a pensar que me falta pouco para ler, peço a Deus para ajudar a Srª”. – Peça por aquelle que fundou o Collegio, respondi-lhe; eu sou somente a professora! (A VIOLETA, nº80, p.1).

Maria Dimpina lecionou e dirigiu a escola por 18 meses, e se orgulhava desse período por ter acompanhado “[...] o estudo de moças de mais de vinte annos até, e que se sentiam contentes em decifrar os mysterios da leitura que só dão felicidade aos que têm a dita de não serem analphabetas” (A Violeta, nº80, p.1). “E si um orgulho tinha, confesso, é que entre aquellas dezenas de moças, que a par de uma profissão, cultivavam o espirito, accompanhando as minhas aulas com vivo interesse, muitas e dignas mães de família sahiriam”, relembra, com pesar, a cronista (A Violeta, nº80, p.1). Maria Dimpina não encerrou as discussões sobre instrução pública com o fechamento da escola doméstica porque afirmava que “[...] a base da felicidade nacional está na instrucção da mulher” (A Violeta, nº80, p.1). As atividades da escola eram acompanhadas pela madrinha do Grêmio, a escritora Júlia Lopes, além do apoio incondicional de Dona Júlia e das gremistas

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Arinapi relembra que a “idéa” da escola doméstica “[...] encontrava sympathia em todos os cerebros cultos” de Mato Grosso (A Violeta, nº80, p.1). Para Arinapi, a formação profissional dos jovens tornou-se “quasi nulla” na capital mato-grossense, após o fim das atividades da escola doméstica. Em 1925, na crônica da edição nº127, de 30 de agosto, a cronista cita algumas ações da assembleia legislativa para auxiliar financeiramente jovens que frequentavam os colégios salesianos por meio do pagamento de pensão e confecção dos uniformes. Arinapi também relembra os resultados dos trabalhos realizados pelas alunas da escola doméstica que dirigiu e viu, em uma das exposições realizadas, “[...] que o remendo, o serzido, a confecção de roupas já estavam sendo executada com vantagem”, mesmo com várias dificuldades para manter a escola, como as “[...] pecuniaras, materiaes e outras” que “[...] eram barreiras e barreiras difficeis de transpor” (A Violeta, nº127, p.1). A cronista interpela os vereadores e outros legisladores para o “pagamento dessa divida”, ou seja, o fim da escola doméstica, com a manutenção de algumas moças no colégio “[...] das Irmãs Salesianas, para que estas boas e dedicadas Irmãs, que por certo não se negarão, as preparem boas e exemplares donas de casas, quer ministrem nas suas proprias quer hajam necessidade desse meio de vida para o seu sustento individual” (A Violeta, nº127, p.2). A partir de sua experiência como diretora de escola, não só da escola doméstica instalada em Cuiabá, em 1919, Dimpina defendia a viabilidade de uma escola profissional para o “sexo” feminino com o financiamento público. Como estabelecimento particular, é impraticavel, dispendiosa, mas com o auxilio do governo, não. O difficil é o inicio, a creação, porque da base depende a solidez do edificio e as bases precisam ser lançadas com preferencia e será perdida uma despesa que se fizer com o preparo da propria formação do carater nacional (A VIOLETA, nº 177, p.1).

Para a cronista, a “formação do carater nacional” dependia da ação efetiva dos poderes públicos e criticava ações que pudessem trazer pouco proveito para o Estado, “nenhum para a sociedade” e sacrificasse algumas pessoas, como no caso dos jovens que teriam que pagar pelo ensino secundário, de acordo com uma proposta de lei apresentada em 1934. Arinapi afirma na crônica publicada na edição nº217, de 31 de maio de 1934, que a proposta não retiraria “[...] das escolas os sem vocação, os vadios, os de dificil intelligencia, mas, e infelizmente, os que não tiverem dinheiro, e esta é a desvantagem primordial, o joio que virá matar o bom trigo” (A Violeta, nº217, p.3).

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“Descongestionar” as escolas secundárias era a justificativa dos favoráveis ao pagamento da mensalidade pelos alunos dos cursos profissionais, mas, para Arinapi a alternativa seria “[...] a dispensa criteriosa dos inaptos e isso já seria bastante para a diminuição de alumnos vadios que, enfim, só servem para tomar tempo e lugar daquelles que estudam” (A Violeta, nº217, p.4). Fallo com a esperiencia que me emprestam os annos, a pratica do magisterio em um meio pobre e, porque não dizer? a mesma necessidade individual. Filha, acompanho no presente as reminicencias preteritas que a cada passo me mostram as dificuldades e os sacrificios dos meus paes para darem uma modesta instrucção, simultaneamente, pode-se dizer, a seis filhos que constituiram a sua ardua missão na terra e o porque de todos os seus perseverantes trabalhos e esforços inauditos (A VIOLETA, nº217, p.3).

Mesmo sem o ensino “remunerado”, a cronista apresenta algumas dificuldades nas escolas secundárias e profissionais, entre elas a “Normal”, que estaria cheia de alunos “[...] que depois de passarem aos empurrões, fazendo um anno escolar em dois letivos, formam-se profissionaes (porque profissional é a Escola Normal), sem aptidões e vocações, dons preciosos e imprescindeveis para o exercicio do magistério” (A Violeta, nº217, p.3). A favor da educação pública e gratuita, Arinapi chama os leitores e governantes para criarem “[...] cursos profissionaes, obriguemos a infancia descuidada a se preparar para a vida, mas não embaracemos com dificuldades e barreiras a vontade e capacidade de tantos pobres, que desejam e podem ser intellectuaes, para o nosso bem e para o nosso orgulho” (A Violeta, nº217, p.4). No início do ano de 1946, Maria Dimpina anunciou em um artigo publicado na edição nº327-328, de janeiro e fevereiro, a instalação de outra escola doméstica, em Cuiabá, a “Dona Júlia”. Dessa vez a escola dedicada à profissionalização do “sexo” feminino foi criada por iniciativa do Grêmio, como sugeriu a patrona e homenageada pela agremiação, a escritora Júlia Lopes, em uma das cartas enviadas a diretoria. Quase vinte anos depois da primeira escola doméstica que funcionou entre 1919 e 1921, várias coisas haviam mudado na sociedade brasileira, entre elas, Dimpina destaca as “normas” educativas. As mulheres se deparavam [...] com um outro sistema que forma a mulher moderna, a que concorre com o homem para os cargos públicos, a que enfrente os concursos das repartições, a que, enfim, cursando escola superiores, conquista altas colocações na sociedade, o que, no entanto, a prática já demonstrou, não dirime as funções que lhe são atinentes de esposa e mãi porque o coração dita leis às quais o cérebro se subordina (A VIOLETA, nº327-328, p.5).

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A Escola de Natal, no Rio de Grande do Norte, ainda era referência quando se falava em curso doméstico, no Brasil. Outras cidades também utilizaram a escola como “molde” e com a “Dona Júlia” não seria diferente. Apesar das dificuldades financeiras para colocar em prática o “estabelecimento modelar”, Dimpina acreditava que a escola irradiaria nos lares cuiabanos “[...] esse gosto pela casa, que vai fugindo aos poucos do programa da educação feminina” (A Violeta, nº327-328, p.11). Fundada no dia 26 de novembro de 1946, a escola “Dona Júlia” oferecia o curso doméstico com duração de três anos, e uma grade curricular organizada a partir da escola doméstica de Natal. A escola cuiabana oferecia [...] matérias indispensáveis à educação da mulher: língua nacional, aritemética, geografia, históra pátria, educação moral e religiosa, cívica e social, economia doméstica, higiene de alimentação, noções de puericultura, corte e costura, trabalhos manuais, culinária prática e ordem doméstica compreenhendendo higiene e arranjo do lar, consêrtos de roupas, horticultura, jardinagem, criação (A VIOLETA, nº347, p. 16).

A instalação da escola foi financiada, inicialmente, pela Legião Brasileira de Assistência com o intermédio de Maria Müller que atuou como presidente da entidade, em Mato Grosso, e ainda como primeira dama do Estado de 1937 a 1945. O jornalista Filinto de Almeida, esposo e viúvo da escritora Júlia Lopes de Almeida, também contribuiu financeiramente para a instalação da escola que homenageava a esposa. Mas, apesar do apoio financeiro, “[...] a Escola Doméstica Dona Júlia estava ameaçada de extinguir-se logo ao terminar do seu primeiro ano de vida”, relembra Maria Dimpina no artigo publicado na edição nº347, de 29 de junho de 1949. A partir daí, a direção da escola solicitou recursos às esferas legislativa e executiva da capital e do Estado para manter as atividades da escola doméstica “Dona Júlia” com dinheiro público, como sempre reivindicou Maria Dimpina. Treze mulheres concluíram a primeira turma do curso, no dia 21 de dezembro de 1949, e participaram de duas cerimônias comemorativas: uma realizada na sede da escola e outra religiosa, na catedral, em Cuiabá. Talvez as cerimônias tenham sido as últimas reuniões entre alunas e professoras da escola que interrompeu as atividades no ano seguinte, em 1950, antes de ser oficializada pela Secretaria de Estado de Educação. A oficialização estava nos planos da diretoria do Grêmio que tomou posse no fim do ano de 1949, mas não foi concretizada. Na última edição da revista A Violeta encontrada, a de nº333, publicada em 31 de março de 1950, e possivelmente a última que circulou, as redatoras publicaram uma notícia sobre a posse da nova diretoria do Grêmio “Júlia Lopes” que teria como “presidentas” de honra a cronista Maria Müller e a gremista Menodora Fialho de Figueiredo. No discurso

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proferido por Dimpina, que empossou a professora Maria de Lourdes Figueiredo como “presidenta” do Grêmio, Maria Dimpina inventariou os “bens” materiais e imateriais do “Júlia Lopes” e destacou a escola doméstica como “[...] um patrimônio especial, um patrimônio vivo” (A Violeta, n°333, p.19). Ela representa a realização dos primeiros conselhos que nos deu D. Júlia, ela representa a arvore de uma semente que nos ofertou Filinto de Almeida dando-nos para seu inicio uma valiosa quantia. Ela, é o esforço conjugado, permitam-me que não tenha fingida modestia, de minha constancia em escrever sôbre o assunto desde o primeiro número de “A Violeta” e de D. Maria Muller quando Presidente da Legião Brasileira de Assistência, neste Estado dando o carater de utilidade às nossas idéias garantindo-nos para sua realização o amparo material e pecuniário da benemanita Presidente da Legião. A Escola Doméstica não é uma obra completa, bem reconheço. Mas, é uma obra consolidada benemérita e que vem alcançando o amparo dos Poderes Públicos (A VIOLETA, n°333, p.19).

O amparo dos poderes públicos não foi suficiente para manter a escola doméstica em funcionamento. As dificuldades financeiras também atingiram a revista A Violeta, após trinta e quatro anos em atividade ininterrupta. No discurso da posse, a ex-presidente, Maria Dimpina, esclarece que as sócias do Grêmio “[...] mantinham uma contribuição mensal de dois mil reis o que hoje não permite nem a publicação de A Violeta por falta de recursos para manter a sua despesa” (A Violeta, n°333, p.24). E faz um apelo à sociedade cuiabana para ir “[...] ao encontro do Grêmio que promete, e deve cumprir, continuar suas atividades por Mato-Grosso, pela sua Cuiabá da qual já constitue uma das benemerências dignas de ser conservada” (A Violeta, n°333, p.24). A última informação encontrada sobre o Grêmio “Júlia Lopes” foi publicada entre anúncios de advogados, vendedores de leite, e concertos de piano, na edição nº1920, do jornal A Cruz, no dia quatro de junho de 1950. O balancete foi elaborado no dia 28 de abril de 1950, pouco mais de um mês após a posse da nova diretoria, presidida pela professora Maria de Lourdes, e pode ter sido o ponto final das mais de três décadas de atividades da agremiação e da revista A Violeta.

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Figura 8 – Balancete do Grêmio referente ao mês de abril de 1950. Publicado no jornal A Cruz, edição nº1950, de quatro de junho de 1950.

3.7 Feminismo, civismo e questões políticas Na edição nº63 da revista A Violeta, do dia 15 de janeiro de 1920, as redatoras publicaram um texto escrito pela cuiabana M.L para o jornal O Jasmin, primeiro periódico feminino mato-grossense que circulou entre os anos de 1897 e 1898. No texto, intitulado “Entre a agulha e o fogão”, M.L., cuja identidade não é revelada pelas redatoras da revista, sendo identificada apenas como “[...] uma Senhora muito conhecida e distincta dessa sociedade” (A Violeta, n°63, p.5), defendia a instrução feminina, mas considerava a ideia da emancipação política das mulheres “[...] demasiada prematura a epocha” (A Violeta, n°63, p.6). Para M.L, às vésperas do início do século XX, A emancipação ser-nos-hia fatal, e a sorte que nos aguardava alcançando-a podia ser comparada a de um cego que se propuzesse percorrer uma cidade desconhecida! Trabalhemos com coragem pela instrucção, seja a nossa preoccupação constante a idéa de melhorar as condições de nossa intelligencia e deixemos aos homens o direito de votar e ser votado (A VIOLETA, nº63, p.6).

Um questionamento da redação d’A Violeta é direcionado à M.L, no fim da transcrição: “Uma curiosidade – M. L. é uma Senhora que sabe a Administração do lar. Hoje tem sob sua direcção numerosa familia. Pensará ainda com as mesmas idéas sobre o voto? É o que deseja saber” (A Violeta, nº63, p.6).

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“Deixar” o exercício do voto exclusivo aos homens não foi somente a opinião de M.L. Durante as discussões para a elaboração da primeira constituição brasileira, em 1891, alguns membros da “Comissão dos 21”, que representavam o governo provisório do período, elaboraram uma emenda que concedia o sufrágio às mulheres diplomadas, solteiras, e que tivessem autonomia financeira. De acordo com Walter Costa Porto (1989), que utilizou os anais das sessões constituintes como fonte, os [...] adversários do voto feminino declararam que, com ele, se teria decretada “a dissolução da família brasileira”; que a mulher não possuía capacidade pois não tinha, “no Estado, o mesmo valor que o homem”. E se indagava: “A mulher pode prestar o serviço militar, pode ser soldado ou marinheiro?” A proposta do voto feminino era “anárquica, desastrada, fatal” (PORTO, 1989, p.144-145).

Após a aprovação do texto final da Constituição de 1891, “[...] pareceu que os constituintes quiseram deixar a solução à lei ordinária já que, se não foi dado, desde logo, o direito de voto à mulher, não se declarou que ela não poderia se alistar, nem a incluíram entre os inelegíveis” (Porto, 1989, p.145). Os defensores e os adversários do voto feminino se revelaram durante os debates da Constituição de 1891, mas as discussões e reivindicações a favor do sufrágio universal se intensificaram e foram desencadeadas por mulheres e homens, especialmente durante as três primeiras décadas do século XX. Uma dessas reivindicações teve início no dia seis de junho de 1922, quando a estudante de Direito da Universidade de São Paulo, Diva Volf Nazário, se dirigiu ao cartório eleitoral da capital de São Paulo, e requereu o alistamento para a eleição daquele ano. Acompanhada do pai e carregando uma caderneta com diversos documentos, a estudante causou espanto nos funcionários pela atitude inédita e ousada. No dia marcado, quando meu pai me apresentou como sendo o candidato, notei o grande espanto daquelle senhor que logo resignou toda interferencia no andamento do meu processo eleitoral. Baldadas foram as minhas explicações e as apropriadas e prestes consultas da lei que, ao mesmo tempo, elle fez. Mostrava-se convencido da faculdade que me conferia, mas impotente e sceptico no encaminhar com sucesso os meus documentos. Resolvi então prosseguir só (NAZÁRIO, 2009, p.37).

O juiz eleitoral Affonso José de Carvalho indeferiu o pedido de alistamento de Diva alegando que não se reconhecia “[...] ainda, no Brasil, a capacidade social de mulher para o exercicio do voto. As restrições que se lhe impõem na ordem civil têm um reflexo na ordem politica. É certo que não existe em nossas leis uma exclusão expressa a esse respeito” (Nazário, 2009, p.38). E continua o despacho relembrando a decisão dos representantes que

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elaboraram a Constituição de 1891 “[...] que, embora se deixasse aberta a porta a possiveis futuras innovações, não era ainda o momento de romper com as tradições de nosso direito segundo as quaes as palavras ‘cidadão brasileiro’, empregadas nas leis eleitoraes designam sempre o cidadão do sexo masculino [...]” (Nazário, 2009, p.38). A estudante apresentou um recurso alegando que o juiz [...] não quiz todavia tomar a iniciativa de um despacho inedito. [...] O M. Juiz apoia-se em dous pontos principaes: 1º tradições sentimentaes, e 2º o não reconhecimento da mulher como ‘cidadão brasileiro’. Acho, pois, poder dividir minhas considerações em duas partes distinctas: 1º lado philosophico e sentimental, e 2º lado legal e positivo (NAZÁRIO, 2009, p, 39).

Um dos argumentos apresentados por Diva na primeira parte do recurso versa sobre a Constituição. Para ela, se durante a constituinte, os representantes não negaram o direito ao voto “[...] foi por conveniencia puramente politica do momemnto ou porque não se lhe apresentou necessario fazel-o em face dos textos da Constituição, pois não se estabelecem leis para indicar o que seja permittido, sinão para fazer sobresahir o que seja prohibido” (Nazário, 2009, p.40). Na conclusão do recurso, Diva apresenta um cenário contemporâneo ao da cuiabana M.L., onde algumas mulheres estavam “emancipadas”, pelo menos economicamente e culturalmente das “funções” ligadas unicamente ao lar. Negar o direito de voto à mulher, é negar a utilidade da mulher em tantas occupações onde só o homem era visto antes; no correio, no telegrapho, no commercio, na industria, na lavoura, deveria ser excluida a legião de mulheres que desempenha, a contento geral, um trabalho honesto e muito vantajoso para o progresso e o engrandecimento do Paiz, sem ser unicamente na tranquilidade do lar, cuidando da ordem domestica. [...] A mulher brasileira tem direito de ser eleitora quando ella o quizer, sem lei especial, mas pela propria força da Constituição Federal (NAZÁRIO, 2009, p.44, grifos da autora).

Mesmo sem obter o registro eleitoral, Diva foi vitoriosa, já que conseguiu inserir a discussão sobre a cidadania das mulheres em diversos jornais e revistas da capital e do interior de São Paulo, além do Rio de Janeiro e, consequentemente, em periódicos de outras cidades brasileiras, por conta da dinâmica das redações que enviavam os jornais pelo Correios, além de informações pelo telégrafo. Diva participava das reuniões organizadas por Bertha Lutz, em São Paulo, e também conviveu com a escritora Júlia Lopes de Almeida durante as conferências feministas realizadas no Rio de Janeiro, que antecederam a fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPB), em dezembro de 1922. Antes de iniciar o processo requerendo o alistamento eleitoral, a estudante já participava de reuniões feministas e integrava a “Alliança Paulista pelo Suffragio Feminino”, fundada no dia oito de janeiro de 1922. Na “Alliança”

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Diva foi eleita para o cargo de secretária geral da primeira diretoria e costumava proferir discursos nas reuniões. Além disso, as feministas paulistas, especialmente as ligadas a Bertha Lutz, atuavam junto aos parlamentares do Congresso e outros políticos que poderiam influenciar favoravelmente as discussões sobre o voto feminino no Brasil. Um desses políticos foi o senador e, posteriormente, governador do Estado do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine. Diva enviou uma correspondência ao senador, em 1922, expondo o processo iniciado por ela e o resultado final. Em resposta, Lamartine, que era presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Congresso e um dos apoiadores do sufrágio universal, listou os cinco principais argumentos dos adversários a proposta do voto feminino. Eles alegavam, [...] entre outras, a seguintes razões, para lhes negar o seu apoio: a – A divisão do trabalho. O progresso da Civilisação tende a especialização e a divisão do trabalho. Seria, pois, um movimento regressivo, extender às mulheres o direito do voto. B – Imposto do sangue. As mulheres não devem aspirar à cidadania porque não pagam o tributo do sangue. Os direitos politicos representam uma recompensa do serviço militar. C – As mulheres serão menos acatadas e perderão sua influencia social tonando-se eleitoras. D – Inopportunidade da medida no Brasil. E – Inconstitucionalidade do projecto em face do nosso direito (NAZÁRIO, 2009, p.57, grifos da autora).

Na revista A Violeta, as redatoras não só questionaram outras mulheres sobre o que pensavam sobre o voto, como refutaram vários argumentos defendidos pelos adversários do projeto, e atuaram ativamente a favor do sufrágio universal, enquanto jornalistas, ao publicarem textos problematizando a emancipação política feminina, e posteriormente como afiliadas da Federação Mato-grossense pelo Progresso Feminino. Ao contrário da cuiabana M.L. que temia a emancipação política das mulheres, as redatoras da revista A Violeta comemoraram a aprovação do sufrágio feminino na Inglaterra na edição n°19, de cinco de outubro de 1917. Na seção “Noticiário”, a “questão” do voto feminino aparece pela primeira vez na revista cuiabana em uma nota com o título “De tudo para todos”. A primeira frase da nota destaca a emancipação da “mulher”; em seguida, um relato sobre a “[...] luta frenetica nos ultimos dois annos antes da guerra, movida pelo elemento feminino” (A Violeta, n°19, p.9) que não temeu o conflito, em alguns casos violentos, durante as reinvindicações pelo voto. Apesar da conquista, a redatora ressalta que “[...] as mulheres inglesas vão finalmente ter voto, mas voto a favor de deputados masculinos” (A Violeta, n°19, p.9). Mesmo com a restrição para a candidatura das mulheres, era “justo” que elas votassem, para a redação d’A Violeta. Algumas questões também foram inseridas nessa nota e revelam a concepção das

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feministas cuiabanas sobre os direitos “universais” que seriam fundamentados na “igualdade” e não na “diferença” entre os sexos. Não se regem pelas mesmas leis? Não pagam elas os mesmos impostos e não estão elas sujeitas às mesmas penalidades dos codigos? Vem a proprosito dizer que n'aquelle paiz ha muitos anos que, para a eleição de vereadores municipaes, as mulheres teem o direito ao voto, e o que é mais é que nenhuma abdica dos seus direitos (A VIOLETA, n°19, p.9).

Antes da conquista da emancipação política no Brasil, as redatoras e cronistas da revista A Violeta exploraram diversos assuntos relacionados ao feminismo, civismo e outras questões do âmbito político. Os cinco argumentos apresentados por Lamartine e defendidos pelos adversários do voto são refutados durante os 34 anos de circulação da revista. A questão do “imposto de sangue”, considerada pelos opositores do sufrágio um dos requisitos para a cidadania das mulheres, não foi ignorada pelas gremistas. Na verdade, as cronistas destacaram a participação ativa do “sexo” feminino durante conflitos bélicos nacionais e internacionais e em outras ocasiões onde a pátria foi exaltada. Arinapi relembra uma das ocasiões na crônica da edição nº86, de 27 de outubro de 1921 quando o grêmio realizou uma campanha visando financiar a confecção da bandeira brasileira bordada a ouro que foi entregue ao Tiro de Guerra “Baptista das Neves”. Com a extinção do Tiro, que se transformou no “Tiro de Guerra 623”, a bandeira seria colocada à venda, de acordo com a cronista. O fato causou comoção não pelo valor material da bandeira, para Arinapi, “[...] mas pelo significa: pendão sacrosanto, symbolo sagrado da Patria Brazileira” (A Violeta, nº86, p.1). Algo havia mudado em poucos anos, e Arinapi destaca o sentimento das conterrâneas: “Naquelle tempo, a vossa voz, ao exercicio, entoando a canção do soldado, arrebatava-nos e talvez que si partisseis para a lucta encontrasseis muitas das vossas conterraneas solicitas, de boa vontade, para ajudar-vos enconrajando-vos, servindo-vos, emquanto defendieis a honra desse sacrosanto pendão” (A Violeta, nº86, p.1). E relembra a manhã de 12 de outubro quando as gremistas entregaram o “auriverde pendão” ao Tiro e sentiram a “alma em sobresalto”. A participação das mulheres durante os conflitos da “Revolução de 30” também é registrada por Arinapi, na crônica publicada na edição n°183, de 31 de outubro de 1930. Enquanto os homens estavam em um “campo de batalha” e carregando armas, as mulheres mesmo sem pegar “[...] nas armas materiaes para a lucta” se empenhavam, para a cronista, [...] em uma outra maior - lucta de espirito e de coração, porque não somos tristes só quando vemos nos campos de batalha os nossos paes, esposos, filhos e irmãos, mas soffremos geralmente pelos horrores da guerra, amantes que somos da Patria - mãe commum. Elles, os homens, nos encontrarão

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sempre em nossos postos para o seu auxilio nesses transes de lucta como o somos na harmonia do lar (A VIOLETA, nº183, p.2).

Para Dona Martha, pseudônimo utilizado por Maria Dimpina na coluna que trocava cartas com leitores (imaginários ou não), a obrigatoriedade do serviço militar como um dos requisitos para a conquista dos direitos políticos seria uma maneira irônica de “amedrontar” as mulheres brasileiras. Martha contrapõe a hipótese do amedrontamento e cita o “heroísmo” de Clara Camarão e Maria Quiteria que mesmo antes dessa discussão relacionada ao voto foram “excepções” e defenderam “[...] a Patria pelas armas” (A Violeta, nº217, p.6) Utilizar armas “imateriais” para lutar em outro campo de batalha, o do espaço público, foi uma das alternativas para as gremistas do “Júlia Lopes” que não deixaram de ser patriotas e não comprometeram a “harmonia do lar”. Ainda assim, o comportamento moderado e conservador das gremistas não ceifava a criticidade das cronistas quando falavam de política e, especificamente, do voto feminino. Em 1925, Arinapi falou sobre o voto feminino pela primeira vez, na crônica da edição n°123, de 31 de março, além da sucessão estadual para a presidência, atualmente corresponde ao cargo de governador (a). No início do texto a cronista insere a “questão” do voto feminino: “Embora não nos seja, a nós mulheres, dado o direito de votar, feliz ou infelizmente, não sei bem, assiste-nos o de interessar pela escolha acertada dos depositarios dos destinos do nosso Estado. Problemas de magno interesse surgem, palpitantes, à vista de todos, e por todos os lados. A quem caberá o destino de resolvel-os?” (A Violeta, n°123, p.1). Ao colocar em dúvida se era feliz ou infelizmente, Arinapi não se posiciona contra o voto, mas descortina e condena algumas práticas eleitorais “naturalizadas”, em Mato Grosso, entre elas, o voto de “cabresto”. Se as mulheres não votavam, pelo menos estavam afastadas desses “problemas”, aí, sim, felizmente. Ao longo da crônica Arinapi nos apresenta o cenário político mato-grossense e várias “práticas” que, indubitavelmente, não foram causadas pelo “destino” e, sim, pelos partidos políticos que privilegiavam, para a cronista, apenas os afiliados durante as escolhas das candidaturas para as eleições. “A massa popular, ou a plebe, como vulgarmente se diz, não apresenta candidato. Si assim é, para que dizermos que temos em Matto-Grosso nomes conhecidos dentre os homens de outrora, pelos serviços já prestados para que apontarmos tantas intelligencias promissoras?”, questiona Arinapi (A Violeta, nº123, p.1). A impossibilidade da reeleição é apontada por ela como um “impecilho” que não permite a recondução ao cargo de presidentes honestos e trabalhadores, como no caso de Estevão de Arruda, governador em exercício naquele ano, que tinha favorecido as “[...] vias

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de comunicação, um dos maiores, senão o maior de todos os nossos problemas” (A Violeta, nº123, p.1). A cronista afirma, ainda, que “[...] não gostaria de votar”, apesar de se interessar “[...] pelas eleições dos presidentes e demais representantes do Estado, desejando-os intelligentes, honestos, criteriosos e trabalhadores, porque a felicidade do meu berço natal é tambem a minha” (A Violeta, n°123, p.2). Arinapi se revela desiludida e contrariada, mas afirma que a “mulher” “[...] tambem vive, tambem pensa, tambem raciocina, e como os outros nutre o sentimento do amor patrio” (A Violeta, nº123, p.2). E finaliza dizendo que “[...] si o voto fosse realmente o que deve ser, não occupa tempo. Aqui, não, uns minutos apenas, receber a chapa e assignar o nome. Sendo assim, julgo que, como eu, as outras não quererão votar” (A Violeta, nº123, p.2). Além das “práticas” políticas, Arinapi criticou, na crônica nº228, de 25 de dezembro de 1935, a “[...] paixão arraigada pelas luctas partidarias, que, infelizmente está o motivo da ruina de Matto Grosso, o porquê de ter sido este Estado até hoje, um simples enteado na grande e rica Patria Brasileira” (A Violeta, nº228, p.2). Mas destacou que alguns “patriotas” trabalhavam verdadeiramente para mudar o “scenario dos partidarimos politicos”. O “destino” do estado de Mato Grosso também aparece na crônica de Mary, na edição nº155, de 30 de abril de 1928. Ela tinha uma “[...] intuição segura do seu progresso para dias não muito longiquos! Vive em nós um optimismo que nunca esmorece, e, quando o derrotismo dos scepticos procura assediar-nos, exorcisamol-o com a magia das nossas convicções” (A Violeta, nº155, p.2). E faz uma comparação entre a saúde dos indivíduos e do estado que naquele instante estava “[...] pobre, depaupaerado pelas luctas fraticidas, pela auzencia de braços productores, de conforto, roido pelo amarellão, o organismo social, resente-se e aniquilla-se...” (A Violeta, n°155, p.2). Uma das soluções propostas pela cronista seria contrair empréstimos “[...] em typos de juros mais ou menos elevados”, como faziam outros estados brasileiros. Mas Mary apresenta alguns questionamentos que explicitam a “imagem” de Mato Grosso aos olhos das pessoas “de fora”. “Que especie de gente sómos nós, incapazes de applicar honestamente os dinheiros publicos, sem permittir o avança dos gananciosos, e a falta de escrupulos dos insaciaveis?... [...] Precizamos desconfiar menos e trabalhar mais, procurando erguer sempre e cada vez mais os nossos creditos de Estado civilizado e independente...” (A Violeta, n°155, p.2). Um dos fatores que poderiam creditar o Estado como “civilizado e independente” seria reverter “[...] essa campanha derrotista e inconfessavel” com o “optimismo” e

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Mesmo que os futuros dirigentes de Matto-Grosso, illaqueando a bôa fé do seus concidadãos, se desviem da rota traçada por muito dos seus antecessores, entre os quaes o nosso actual presidente tem logar de destaque, aqui estão as mulheres mattogrossenses para dar-lhes mais uma vez uma licção de civismo! (A VIOLETA, n°155, p.3).

Mary insere as mulheres na “governança do Estado” e não só nas discussões políticas, já que ela previa uma participação ativa das mulheres nos trinta anos seguintes e finaliza a crônica com uma oposição entre as características “naturais” dos escrúpulos das mulheres e dos homens. Para Mary, os homens veriam “[...] que, pelo natural escrupulo e actuação de eximias financistas, (as mulheres) encontrarão meios de desobrigar os cofres publicos dos seus vultuosos compromissos” (A Violeta, n°155, p.3). Arinapi também apresentou algumas características “naturais” das mulheres cuiabanas ao vice-presidente do Senado Federal, Antonio Francisco de Azevedo, que esteve em Cuiabá, em 1929. Na crônica publicada na edição nº165, de 31 de março de 1929, a cronista afirma que as gremistas do “Júlia Lopes”, representadas pela revista A Violeta, não eram inconscientes ou [...] esquecidas dos deveres que o nosso sexo impõe, e louca e imprudentemente a reclamar direitos que não nos competem na politica. Somos, porem, quasi todas, educadoras – mães ou mestras – com obrigações que a propria sociedade nos impõe e tem o direito de reclamar de nós, qual o de formar os espiritos dos nosso filhos e dos nossos educandos para o engrandecimento da Patria Brasileira, da qual Matto-Grosso é diamante sem mancha, a espera do lapidador laborioso que o faça refulgir na constellação patria (A VIOLETA, nº165, p.1).

Um desses lapidadores poderia surgir durante a eleição presidencial que seria realizada em 1930, mas, alguns meses antes, Arinapi falou na crônica da edição n°170, de 31 de agosto de 1929 sobre a sucessão do ano seguinte, e alertou para uma possível “revolta”, porque haveria “[....] opposicionistas ao candidato apresentado, e a opposição dar-se-ha por parte dos Estados fortes na politica nacional, o que fez receiar nova revolta, que, mesmo não triumphando, perturbará a ordem harmonica necessaria ao progresso” (A Violeta, n°170, p.1). Arinapi tranquiliza as leitoras e afirma que não transgrediu “[...] do meu modo de ver e que tambem vos abandonando a tradicional fragilidade do meu sexo, que não dá este direito às mulheres, fazer politica. Mil vezes, não; continúo, mesmo não fazendo politica, a ser patriota”, afirma (A Violeta, nº170, p.1). A cronista revela que sua preocupação concentravase na sucessão presidencial “[...] procurando o que della possa servir a Matto-Grosso” porque era filha “[...] de um grande Estado, immenso pelo seu territorio, grandioso pelo seu passado, futuroso pela sua posição geographica, rico pelas suas produções naturaes, e no entanto,

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comparativamente aos outros, sacrificado pela falta de recursos industriaes, que só poderia ter alliando-se o auxilio da Federação aos recursos do proprio Estado” (A Violeta, n°170, p.1). As perdas “materiaes e moraes” de uma “revolta” aterrorizavam a cronista [...] porque Matto-Grosso é o alvo das revoluções, Estado confiante que é com S. Paulo, Minas, etc. [...] E si a questão vae até à lucta, eis-nos de novo a braços com os revoltosos, vendo paralysada, sacrificada, abatida mesmo pelos alicerces, a nossa vida economica. Ao envez, si se fizer a successão presidencial sem luctas, si bem que ficaremos esquecidos, que os Poderes da União não se lembrem dos beneficios que o nosso Estado carece, mas, ao menos, teremos paz (A VIOLETA, n°170, p.2).

E destaca o aspecto geográfico de Mato Grosso afirmando que o Estado “[...] tambem é Brasil, possuindo, como parte do seu territorio, a grande fronteira brasileira, e no entanto só é lembrado nos momentos perigosos da vida nacional” (A Violeta, n°170, p.2). A notícia da prisão do presidente da República naquele período, Washington Luís, chegou pelo rádio, na noite do dia 24 de outubro, de acordo com Estevão de Mendonça (1973). O único fato registrado pelos jornais, em Mato Grosso, após a o fim da “revolução” foi o “empastelamento” “[...] das oficinas do ‘Jornal do Comércio’, dirigido pelo Dr. José Jaime Ferreira de Vasconcellos” (Mendonça, 1973, p.226), que fazia oposição a Getúlio Vargas, conduzido à presidência do Brasil provisoriamente.

3.8 Discutindo feminismo e transgredindo o “sexo” O comportamento moderado e afastado de “transgressões” das gremistas foi criticado por um dos leitores da revista A Violeta, em uma entrevista concedida ao jornal A República, de Campo Grande. A falta de representantes do Grêmio “Júlia Lopes” durante o segundo Congresso Feminista Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro, em 1931, foi considerada “desagradável” por Estácio Trindade, [...] mas, confio em que as minhas coestaduanas se compenetrem dos seus deveres para com a grande campanha feminista, levada a efeito pela “Associação Brasileira pelo Progresso Feminino”. Não serão as senhoras mattogrossenses que hão corroborar a má impressão que nos Estados litoreanos se avoluma sobre negligencia do espirito feminista nos Estados centraes (A VIOLETA, n°191-192, p.2).

Outros “deveres” deveriam fazer parte do cotidiano das “senhoras mattogrossenses”, na visão do leitor, que acabou suscitando uma discussão sobre feminismo e voto feminino na crônica escrita por Arinapi, na edição n°191-192, de 24 de setembro de 1931. Arinapi considerava a questão “melindrosa” para ser tratada por ela, mas não se absteve da discussão “[...] pelo dever de chronista da ‘A Violeta’” e esclareceu nas primeiras frases da crônica que

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se sentia “[...] muito contente ao ver que a mulher tenta e consegue galgar na sociedade moderna o logar que lhe compete de igualdade nos direitos que cabem aos homens, sejam os direitos politicos, sejam os administrativos. E nem podia ser outra a resolução dos legistas em toda a parte onde a sociedade se civilisa” (A Violeta, n°191-192, p.2). Arinapi relembra o período em que as mulheres eram educadas “sómente para os misteres domesticos” e quando “[...] o seu mandato não devia ultrapassar os limites dos seus conhecimentos - o lar e no lar” (A Violeta, nº191-192, p.2). Após a inserção das mulheres nas escolas, nos liceus, e nas repartições públicas “[...] e, uma vez aptas para exercerem os cargos, que exercem os homens porque lhes negar esse direito?”, questiona. Arinapi explica que era uma “questão melindrosa” para ser debatida na crônica “[...] porque, esposa, mãe e funccionaria vou abordar o assumpto no verso e no reverso da moeda, dizendo qual elle seja em toda a sua nudez, sem confeitos que o pintem” (A Violeta, nº191-192, p.3). Em relação ao trabalho na repartição pública, a cronista afirma que “[...] não é um desejo somente de conquistar posições e querer masculinisar-me, mas, um meio de vida como o seria a costura ou outra profissão propria de mulher que eu tentasse exercer” (A Violeta, nº191-192, p.3). Ela classificou as mães que exerciam funções em órgãos públicos como “heroínas” e distinguiu dois perfis de mulheres: as que não necessitavam “trabalhar” e tinham “[...] a garantia do vosso futuro e o dos vossos filhos”, Arinapi aconselhava a ficarem “[...] na placidez tranquilla dos vossos lares, entregues somente ao amor da vossa familia”; mas, as que necessitavam desses recursos para sustentar a família, deveriam trabalhar [...] para a vossa independendia e a dos seus; e esse trabalho, qualquer que elle seja, professora ou modista; comerciante ou funcionaria; vos afastará algumas horas dos vossos filhos, da mesma forma, mas não vos tirará do coração esse amor que vos leva ao sacrificio e a luta - o amor materno; e, ao tornardes, depois do trabalho, ao lar, reunireis aos vossos filhos contentes e amorosas, como zelosas e prudentes fostes na escolha de quem vos substituisse na vossa ausencia. Depende da vossa educação (A VIOLETA, nº191-192, p.4).

No caso do voto feminino, só a educação não bastava. Para ela, independente do sexo, os eleitores deveriam ser “competentes”, e afirma que “[...] uma mulher consciente dos seus deveres e dos seus direitos, conhecedora das principaes mentalidades do seu Paiz, não poder votar e esse direito ser gozado por todos os homens, mesmo pelos quasi analfabetos, é ridiculo, é contraproducente” (A Violeta, nº191-192, p.4). Em resposta “a alguem infelismente mulher”, a cronista afirma que as mulheres não entrariam em luta corporal umas com as outras após a conquista do voto feminino porque acreditar nessa sentença era “[...] fazer má idéa de si mesma!” (A Violeta, nº191-192, p.4).

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Votar conscientemente não é politiquear. E para isto, para evitar que se interprete mal o direito do voto, elle deveria ser exercido pelo homem ou pela mulher, com requesitos superiores a esses que geram a baixa politicagem e intriguinhas de porta de rua, intriguinhas que muitas mulheres (e até homens) sem direito de votar exercem, infelizmente, para atestarem à primeira a unica fraquesa do sexo, fraquesa que uma boa educação ha de combater (A VIOLETA, nº191-192, p.4-5).

A cronista também cita o primeiro artigo do Estatuto da “Federação Brasileira pelo Progresso Feminino” que visava, entre outras ações, “Promover a educação da mulher e elevar o nivel de instrucção feminina”, a principal “luta” empreendida por Maria Dimpina e definida como prioridade no Grêmio “Júlia Lopes”. Ao citar o Estatuto, Arinapi também “prova” ao leitor que as mato-grossenses conheciam as ações da “grande campanha feminista” e não se abstiveram dos seus “deveres”, enquanto feministas porque não participaram do Congresso, no Rio de Janeiro. O Segundo Congresso Feminista também aparece em algumas páginas após a crônica, na seção “Noticiário”, com destaque para a participação das duas principais “mentoras” do Grêmio: Bertha Lutz, “devotada campeã” do feminismo no Brasil, e Júlia Lopes de Almeida, que fez um “[...] apello fraternal e fremente pela concordia e união dos filhos desta grande patria” (A Violeta, nº191-192, p.10). Além de destacar a presença de Bertha e Júlia, as redatoras apresentaram algumas resoluções definidas pelas feministas, entre elas, a criação de “uma commissão de illustres damas da nobilitante cruzada” que “[...] procurou o horando dr. Getulio Vargas no sentido de pleitear perante a primeira autoridade da nova Republica, a inserção do direito do ‘voto feminino’, recebendo a grata nova, de que já S. Excia. incumbira o Exmo. Snr. Dr. Assis Brasil, de estudar essa possibilidade” (A Violeta, nº191-192, p.10). Na edição nº195, publicada no dia 31 de janeiro de 1932, a própria Bertha Lutz explica o “[...] projecto de lei eleitoral, que acaba de ser apresentado à opinião pública pela subcomissão de direitos políticos, que permite o direito ao voto as mulheres que possuem economia própria, abrindo horizontes promissores à colaboração cívica feminina na vida política de nosso paiz [...]” (A Violeta, nº195, p. 4). No artigo, que faz parte da seção “5 Minutos de Feminismo”, e foi veiculado originalmente na Rádio Sociedade do Rio Janeiro, mas transcrito na íntegra para a revista A Violeta onde aparece no formato de um artigo, Bertha Lutz argumenta a favor do voto feminino utilizando exemplos de países “mais adeantados do mundo” em que mulheres já votavam “perfazendo um total de cento e sessenta milhões de eleitoras” (A Violeta, nº 195, p. 5). A autora afirma que apesar dos “[...] adversários da emancipação da mulher considerarem o voto feminino uma inovação insólita e perigosa”, este direito já havia sido

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conquistado em outros países e, no caso do Brasil, no Estado do Rio Grande do Norte através de lei estadual33. Bertha Lutz ressalta a colaboração das mulheres em países como “Allemanha” e “Finlandia”, onde “[...] fazendo recahir a sua escolha sobre os partidos do centro, socialistas democraticos liberaes e catholicos, mantiveram o equilibrio interno que teria soffrido uma ruptura violenta com a victoria brusca de um dos partidos extremistas: o facismo e o comunismo [...]” (A Violeta, nº195, p.5). Por fim, apesar de não “[...] entrar desde agora nos pormenores do projecto de lei eleitoral [...]”, Bertha Lutz afirma que as mulheres, tanto as que foram contempladas pelo projeto ou ainda as que não estavam inclusas como beneficiárias dele deveriam ter consciência de sua importância na sociedade, já que “[...] Ao ver do feminismo ellas representam altos valores economicos e sociaes [...]” (A Violeta, nº195, p. 5). Além do voto feminino, ela ressalta a necessidade de “aperfeiçoamentos na legislação civil” que possam contribuir com a “affirmação da personalidade econômica da mulher”, ou seja, que a mulher possa exercer o comércio ou alguma profissão que receba remuneração. E entre esses aperfeiçoamentos estaria a “separação de bens como regime normal do casamento” (A Violeta, nº 195, p. 5), que foi aprovado unanimemente no Segundo Congresso Internacional Feminista, realizado em 1931, no Rio de Janeiro. A autora utiliza argumentos relacionados à obtenção de direitos políticos, sociais e econômicos pelas mulheres para que não haja distinção econômica entre elas, sendo este um dos pontos ou “pormenores” do projeto de lei eleitoral brasileiro que receberam críticas. Apesar de utilizar argumentos a favor do feminismo, Bertha Lutz, em dois momentos do artigo deixa evidente características recorrentes na atuação e nos programas feministas brasileiros, além de deixar explícita sua posição ideológica. As brasileiras almejavam obter direitos inexistentes, mas não pretendiam romper com o status quo político e familiar brasileiro. Estes aspectos ficam evidentes quando a autora diz que com a atuação feminina e sua escolha por partidos “do centro, socialistas democráticos liberaes e catholicos” o “equilibrio interno” foi mantido e não sofreu “ruptura violenta” se, por acaso, um dos partidos “extremistas”, no caso, “o fascismo e o communismo” ganhassem as eleições (A Violeta, nº 195, p. 5). O texto de Bertha Lutz antecede efetivamente a promulgação do sufrágio universal ou voto feminino em forma do decreto-lei nº21.076, de 24 de fevereiro de 1932. Maria Eugenia 33

O governador do Estado no período era Juvenal Lamartine, o mesmo que enviou a carta a estudante de Direito Diva Nazário explicando os “motivos” defendidos pelos adversários do sufrágio.

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Celso, 2ª vice-presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, é a primeira mulher a falar sobre o voto na revista A Violeta, na seção “5 Minutos de Feminismo”. O texto foi publicado na edição nº196, de 31 de março de 1932, e assim como o artigo de Bertha Luz na edição anterior, o texto transcrito foi originado do discurso da feminista e veiculado pela Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. No artigo que ocupa uma página da revista, Maria Eugenia fala sobre o cumprimento da “promessa expontanea e solemne” do governo provisório em incluir o voto feminino no projeto de lei eleitoral. “O projecto de lei eleitoral incluindo o voto feminino entre os arrigos da futura legislação, nada mais fez senão render justiça a todas as provas de capacidade intellectual, de actividade emprehendedora, de que as brasileiras vêm dando ha muito, o meritorio exemplo” (A Violeta, nº196, p. 6). As organizações feministas brasileiras como a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e a campanha pelo voto feminino foram citadas por Maria Eugenia no artigo que traz ainda um aspecto da recepção masculina quanto às reivindicações das mulheres. Após dez annos de uma campanha que, se não foi sangrenta, foi áspera, difficil, renhida e, principalmente, heróica de inabalável perseverança, as mulheres começam a ver coroados os seus esforços e, prol da própria mulher. Suas reivindicações tão justas tão altivas, tão dignificantes, encontraram echo entre homens, finalmente esclarecidos sobre o valor da sua collaboração e a necessidade dia a dia mais presente, da sua actuação directa no campo da política e da administração pública (A VIOLETA, nº196, p. 6).

Além do voto feminino, o artigo permite perceber como o movimento feminino e feminista ganhava espaço e visibilidade na esfera pública, e ainda os aspectos em transformação na sociedade brasileira, entre eles, a “mentalidade masculina”. A confiança que esta inclusão no caracter, na competência das futuras eleitoras constitue para ellas não só um motivo de nobre ufania como além da prova mais cabal do quanto progressivamente se foi effectuando uma radical evolução na mentalidade masculina do paiz, um poderoso incentivo para não desmerecer desta confiança e justificar plena e victoriosamente as esperanças que latejam no cumprimento deste compromisso (A VIOLETA, nº196, p.6).

Arinapi também falou sobre o voto feminino, “feminismo” e avaliou o projeto eleitoral brasileiro na crônica publicada na edição especial nº202, de 25 de dezembro de 1932. Para ela, O direito que as nossas leis concedem às mulheres de votar, com os homens, quando devem ser escolhidos os detentores dos Poderes Públicos da União, é o caso de maior monta atualmente para ser tratado em um órgão como o nosso que durante dezesseis anos precisos vem trabalhando, sem esmorecimentos, por tudo quanto e concernente à família, à sociedade e à

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pátria, das quaes é a mulher mãe, esposa, irmã ou educadora a energia principal (A VIOLETA, nº202, p. 2).

Em relação ao “feminismo”, a autora declara não ser: [...] adepta intransigente de um feminismo amasculinado, que vive às tontas depois de gerado em cerebros inconscientes. Como sempre as ideas que nascem encontram duas correntes antagonicas: uma, a daquelles que sabem que estão aptos para comprehendel-a; e a outra, a dos que, sem interpretal-as devidamente, pregam nas aos tortos e aos direitos, desvirtuadas e despidas de seus fins primordiaes. E o feminismo não escapou, como as outras, dessas duas correntes antagonicas (A VIOLETA, nº202, p. 2).

Para a autora, uma das correntes do feminismo seria a “masculinização” das mulheres ao utilizar trajes e gestos “[...] e ainda mais tomar para si os direitos e deveres dos homens e deixar os seus, não sei porque e para quem...” (A Violeta, nº202, p. 2). Arinapi considerava este pensamento uma interpretação inadequada do feminismo já que a mulher passaria a votar, mas os homens não teriam que fazer os “serviços” realizados pelas donas de casa. Esta associação entre a masculinização das mulheres com a luta por direitos políticos e sociais, de acordo com Arinapi, era um dos fatores que contribuiam para a má compreensão do feminismo e suas causas. Para a médica francesa e feminista, Madeleine Pelletier, se vestir com trajes masculinos não era uma interpretação inadequada do “feminismo”, mas outra, diferente. A historiadora americana Joan Scott (2005) afirma que para Pelletier, “[...] não ser uma mulher significava [...], ser um homem, ‘socialmente’. E isso significava vestir-se como um homem a fim de indicar sua intenção de ser igual. Mas, na prática, isto nem sempre funcionava tão bem porque havia contradições que não podiam ser eliminadas” (Scott, 2005, p.27). O “feminismo” de Pelletier se distinguia do “feminismo” das gremistas porque a francesa considerava fundamental o distanciamento “[...] das considerações vagas sobre o valor social da mãe e da dona-de-casa, sobre o paralelo entre as virtudes femininas e os vícios masculinos” (Pelletier, 2005, p.46). Mas se aproximavam em dois pontos: quando a francesa afirmava não eram “[...] as inimigas dos homens, queremos igualdade, e isso é tudo. Uma questão prima sobre todas as outras, o direito ao voto, é para ele que se deve orientar a ação feminista” (Pelletier, 2005, p.46). A “ação” executada por Pelletier também se divergia das mato-grossenses. Em um dos protestos organizados pela médica, ela e outras “companheiras” jogaram pedras nos vidros de uma seção eleitoral, em Paris, “[...] gritando ‘A mulher de votar’” (Pelletier, 2005, p.56). Pelletier e outra ativista foram detidas e liberadas em seguida, e após o julgamento e

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pagamento de uma multa, a feminista avaliou que “[...] foi a primeira vez que o feminismo aparecia num Tribunal de Justiça” (Pelletier, 2005, p.57). Mesmo mantendo a atuação “bem comportada”, as mato-grossenses se inseriram, inclusive, nas convenções políticas realizadas em 1933, antes da eleição que escolheu os constituintes. Demonstrando o “vivo interesse feminino” pelas “questões políticas”, as delegadas Claudia Gomes Pereira e Gertrudes Machado Ribeiro foram as únicas mulheres enviadas à convenção política que se realizou na cidade de Corumbá, situada nas margens do Rio Paraguai, e localizada atualmente em Mato Grosso do Sul. De acordo com as redatoras da notícia sobre a convenção, publicada na edição nº204, de 31 de março de 1933, as duas “[...] deram com as suas presenças àquella memoravel assembléa uma nota de requintada espiritualidade e alto civismo” (A Violeta, nº204, p.9), mas apesar da “estrepitosa salva de palmas” com que os correlegionários saudaram as “companheiras”, a imprensa cuiabana e mato-grossense silenciou o fato “[...] numa unanimidade desconcertante” (A Violeta, nº204, p.9). E não só isso, já que em uma das notas publicadas no jornal O Matto-Grosso, na edição nº2296, de cinco de março de 1933, a delegada eleita para representar as cuiabanas em Corumbá, Gertrudes Machado Ribeiro, é apresentada como professora do Grupo Escolar “Pedro Celestino”, na capital, e estaria em Corumbá “[...] em goso de ferias annuaes”. Na mesma nota, os jornalistas citam o prefeito do município de Diamantino, “[...] o Snr. Coronel Caetano Dias” que também retornou no mesmo paquete “[...] da viagem que fizera a Corumbá, afim de tomar parte na Convenção politica” (O Matto-Grosso, nº2296, p.3). Enquanto alguns homens ignoravam a inserção das mulheres nos partidos políticos, Arinapi comemorava na crônica da edição especial nº212, de 25 de dezembro de 1933, a eleição de Carlota Pereira de Queiroz34 para o Congresso brasileiro, “[...] a primeira representante do sexo fragil que conseguiu alcançar tão alta investidura” (A Violeta, nº212, p.1). Carlota participaria ainda das discussões para a elaboração da Constituição de 1934, considerada por Arinapi como “[...] a arvore bemfazeja que distribue os fructos que saciam, a sombra que ampara o viajor que passa, exhausto, no caminho da vida” (A Violeta, nº212, p.2). Arinapi acreditava que a Constituição resolveria “[...] os destinos de milhões de habitantes que são os brasileiros do Amasonas ao Prata”, e fez um alerta as “companheiras do Grêmio Júlia Lopes”, “[...] que sois as representantes legitimas da mulher cuiabana: preparaevos para, também vós contribuirdes para o soerguimento da Patria” (A Violeta, nº212, p.2). E 34

Bertha Lutz ficou na suplência para a Câmara Federal, e assumiu o mandato por um curto período, em 1937, antes da interrupção nas atividades parlamentares pelo início do Estado Novo.

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finaliza a crônica pedindo para as gremistas não abdiquem do “[...] dever que é vosso desde quando, em condições muito menos necessarias para a Patria que as de hoje, fundastes em 1916 o nosso Gremio para o engrandecimento da moral da nossa extremecida terra” (A Violeta, nº212, p.3). Ainda sobre a Constituição, a cronista afirma na crônica nº227, de 30 de setembro de 1935, que a legislação era “[...] o alicerce da sociedade”, e esperava que os políticos discutissem “[...] os altos interesses do Estado” e elaborassem “[...] leis em beneficio da collectividade mesmo que preciso seja suffocar um interesse particular” (A Violeta, nº227, p.2). Arinapi ressalta na crônica da edição especial nº219, de 25 de dezembro de 1934, a importância do ano de 1934 para a “chronisa historica”, especialmente porque naquele ano ficou “consignado com lettras aureas” a promulgação da Constituição que alterou algumas práticas políticas “naturalizadas”, em Mato Grosso. No estado [...] como em todo o Paiz, a vida politico administrativa deu um salto de gigante na esphera da civilisação – o povo provou a sua capacidade vencedora derrubando o poder absoluto dos que abusam da auctoridade, sem precisar de derramamento de sangue, na paz silenciosa do gabinete indevassavel do voto, uma das nossas mais brilhantes e seguras conquistas sociaes (A VIOLETA, nº219, p.1-2).

E continua avaliando a “nova constituição” como [...] uma grande victoria da mulher, da familia, da religião, das instituições de benemerencia e si não bastassem essas conquistas geraes e quizesseis particularisar a vida do Estado vereis a fundação e a officialisação de uma promissora faculdade de direito em franco progresso, o entrelaçamento do Sul e do Norte do Estado (A VIOLETA, nº219. p.2).

O ano de 1934 também ficou marcado na “chronica historica” por dois “factos” que afetaram diretamente o Grêmio e suas associadas: o falecimento da escritora Júlia Lopes de Almeida e a criação da Federação Mato-grossense pelo Progresso Feminino. Pesarosas pela perda, as redatoras da revista A Violeta anunciaram o falecimento de “Dona Júlia”, vítima de malária, na edição nº217, de 31 de maio de 1934. “Cobrem-se de crepe as letras brasileiras, com o desaparecimento da insigne escritora, que em meio século de fecunda atividade literária, lega-nos hoje impereciveis joias de arte e saber” (A Violeta, nº217, p.1). Com uma foto da “patrona” na capa, as gremistas lamentaram o falecimento de “Dona Júlia” a cada frase publicada, e reiteraram a importância da escritora como [...] simbolo da inteligencia e tenacidade femininas, foi um espirito altamente combativo e creador. Desde muito moça estreou-se nas letras, no campo já difícil, já ingrato do jornalismo. Em crônicas para revistas e alguns dos maiores diários do paiz, fazia-se notar pela simplicidade habol de estilo,

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como pela elevação e fluência da linguagem. Salientou-se mais tarde em obras educativas didáticas ou não, a par de primorosos e inúmeros romances, todos moralistas, instrutivos e nacionalistas, desenrolando-se sempre os seus enredos na inegualavel paisagem brasileira (A VIOLETA, nº217, p.1).

As comemorações realizadas no dia 24 de setembro, aniversário de Júlia, data “[...] em que se ufanava o nosso gremio e a ‘A Violeta’ engalanando-se, saudava sua veneranda e nobilissima patrona pelo seu natalicio, poderá trazer-nos aos lábios e aos corações as palavras de alegria e as vibrações de entusiasmo” (A Violeta, nº217, p.1). E recordaram “[...] a sua carissima e maternal assistência, sua inequivoca e impressionante predileção pela revistasinha que a 18 anos mantemos” (A Violeta, nº217, p.2). Após o falecimento de “Dona Júlia”, as gremistas mantiveram contato com os familiares da escritora, especialmente com o esposo, Filinto de Almeida, que colaborou com várias poesias para a revista e a filha da escritora, Margarida Lopes de Almeida. Na mesma edição, a engenheira Nidia Moura explicou os objetivos da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, considerada por ela como “orientadora do movimento feminino no Brasil” e publicou os “fins” da Federação. A Federação, de acordo com Nidia, era a “[...] a coordenar e orientar os esforços da mulher no sentido de elevar-lhe o nivel de cultura e tornar-lhe mais efficiente a actividade social, quer na vida domestica, quer na vida publica, intellectual e politica” (A Violeta, nº217, p.12). E finalizou o texto fazendo um convite às mulheres brasileiras e mato-grossenses que desejavam “[...] obter condições de vida mais acessiveis para as vossas familias, que almejaes opportunidades mais equitativas de prover a vossa susbsistencia, que aspiraes à felicidade de vossos lares e de vossas filhas pela realização de nossos ideaes alevantados, vinde todas para o recesso da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino!” (A Violeta, nº217, p.13). Ao chegar em Cuiabá, no mês de abril de 1934, Nidia organizou a fundação da “Liga Feminina Pró Alistamento” antes de efetivar a instalação da filial, na capital e o “[...] movimento desusado em nossa pacata urbs vem se notando desde os primeiros dias do mez”, avaliaram as redatoras da revista (A Violeta, nº217, p.17). O patriotismo feminino rompre vigorosamente as peias do carrancismo e manifesta-se em toda sua plenitude, levando aos cartorios innumeras senhoras, que, comprehendendo os seus direitos e deveres, habilitam-se a concorrer ao grande pleito de que deveremos sahir triumphantes (A VIOLETA, nº217, p.18).

Três meses depois, na noite de 27 de julho, a Federação Mattogrossense pelo Progresso Feminino foi instalada, no Salão Nobre do Palácio da Instrução, no Centro da capital, local onde as gremistas realizavam os saraus nos anos iniciais do Grêmio. A notícia

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sobre a instalação da Federação foi publicada na revista A Violeta, na edição nº218, do mês de outubro de 1934, e revelou o modus operandi das representantes da Federação, considerada pelas redatoras “[...] a expressão do feminismo nacional orgasiado ha doze annos sob a direção de Bertha Lutz” (A Violeta, nº218, p.9). Como representante da Federação no Estado de Matto Grosso e em articulação com o Rio, Nidia Moura, vinha desenvolvendo, desde Abril, com o apoio e a colaboração de varios elementos femininos desta Capital, um trabalho continuado junto à Assembléa Nacional Constituinte ainda em elaboração, dirigido preferencialmente à bancada mattogrossense, visando conseguir a inclusão em a nova carta constitucional dos pontos fundamentaes da ideologia feminista (A VIOLETA, nº218, p.9).

Durante o discurso na cerimônia de instalação da Federação mato-grossense, a engenheira classificou o “feminismo” como uma “força nova desconhecida” que se estabeleceu durante o “momento universal” que as pessoas viviam nas primeiras décadas do século XX. Para ela, [...] o observador da realidade politica sente-se atordoar ante o rumor confuso de vozes accusadoras, denunciadoras, desesperadas, a que se diria falta uma absoluta aparencia de sentido. Nesse cháos predomina, no entanto, o fragor das derrocadas estrepitosas de doutrinas de principio coordenadores e guias. É nelle que a Mulher presentindo pela sua intuição maravilhosa o perigo, obtem a participação na vida publica (A VIOLETA, nº218, p.9).

Para Nídia, ao conquistar a inserção na vida pública, as mulheres eram guiadas “naturalmente” “[...] pelos seus maternaes instintos vem com o amor procurar salvar na criança o futuro da humanidade e com o seu abnegado esforço e eficiente trabalho a propria civilisação. Porque é exactamente por altruismo quando desperta à noção de suas proprias responsabilidades que a mulher concebeu a idéa feminista” (A Violeta, nº218, p.9). A desconfiança com a “força nova desconhecida” era compreensível para a feminista, “[...] e por isto devo explicar que si houve nella muito de revolta contra a situação subalterna, ha muito mais de abnegação e de interesse”, afirma Nidia (A Violeta, nº218, p.9). Nidia cita o voto feminino e explica o contexto da época que “comportou” o nascimento do “[...] movimento feminista organisado, que teve no Brasil desde 1922, sua expressão maxima na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e cuja filial Mattogrossense constituimos” (A Violeta, nº218, p.10). [...] o voto é apenas o involucro protector do individuo abandonado em face do Estado: seu direito, entretanto, hoje encarado como um dever obrigatorio, porque o abalo da grande guerra trouxe ao mundo a noção nova de que o bem estar geral devia ser promovido pelo Estado, e organisar este Estado para o cumprimento dessa missão interessar-se por esta organisação era um dever de todos. Foi precisamente quando estas noções se concretisavam e o mundo era abalado pela hecatombe da guerra que as mulheres revelaram a

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sua capacidade de trabalhos, amparando toda a humanidade sofredora. Restabelecia a paz a eficiencia e a necessidade dessa colaboração era um facto e as mulheres se agremiaram para consagral-o na esphera do direito dentro das organisações legaes (A VIOLETA, nº218, p.9-10).

Além de Nidia, a oradora oficial do Grêmio, a cronista Maria Dimpina, discursou na cerimônia e afirmou que as mato-grossenses não poderiam “[...] negar a sua contribuição para essa obra grandiosa, porque negal-a seria um injusto impatriostimo, e, ainda mais, uma vil fraquesa” (A Violeta, nº218, p.13). A cronista destaca o momento decisivo e grave para as mulheres brasileiras por conta da inserção na vida política “da nossa Patria”. E explica: Decisivo, digo, porque, promulgada a Constituição desta segunda phase da Republica Brasileira e nos sendo nella outorgados os direitos da cidadania, estamos por isto mesmo de parabens, mas obrigadas a nos prepararmos para que possamos cumprir conscienciosa e intelligentemente estes mesmos direitos. É tambem um momento grave, permitti-me que acentue bem esta palavra, porque as flores que nos são oferecidas naquelles artigos que se nos referem na CARTA CONSTITUCIONAL, são rosas, minhas Sras, e as rosas apesar de bellas tem os seus espinhos, e é com cautela que as devemos colher (A VIOLETA, nº218, p.13, grifo da autora).

Dimpina chamou a atenção das mato-grossenses para não se iludirem com “palavras encorajadoras” enviadas por Bertha Lutz e lidas por Nidia “[...] pensando que poucas são as responsabilidades que pensa sobre nós”, e citou as conquistas na Constituição como incentivos para as “[...] lutas que periodicamente irão surgindo, e para nellas sermos vencedoras, minhas Sras. precisamos estar preparadas para entrarmos no logo bem escudadas afim de que não nos queimem as fagulhas que se desprendem das chammas” (A Violeta, nº218, p.14). Para Dimpina, a Carta Constitucional “[...] foi um brado de vitoria para a campanha feminista”. E esclareceu que a [...] Federação Brasileira pelo Progresso Feminino não é um partido politico e nem deve fazer politica na acepção vulgar da palavra. Ella foi creada para a defesa dos direitos da mulher: e esta defesa nós a faremos sómente si nos sentirmos verdadeiramente prejudicadas. Não teremos candidatos politicos, escolheremos, dentre os que se candidatarem ou forem candidatados aquelles que não nos queriam prejudicar nos direitos que já temos conquistado ou que se interessam a nós collectivamente (A VIOLETA, nº218, p.14).

Em Mato Grosso, “[...] dois espiritos progressistas e lucidos” apoiaram a fundação da Federação mato-grossense e aprovaram a emenda “[...] n. 1842 referente à Ordem Economia e Social, da autoria do Deputado Generoso Ponce e o Decreto n.374 assignado pelo Dr. Leonidas de Mattos, digno Interventor Federal” (A Violeta, n°218, p.20). A emenda garantia a “entrega”, “de preferencia à mulher habilitada”, “[...] os serviços de amparo à maternidade e à infancia, bem como os referentes ao lar, ao trabalho feminino, assim como a fiscalisação e

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orientação das leis a ellas concernentes", e “naturalizaram” os serviços de cunho “social” como pertencentes às mulheres. No decreto autorizado pelo interventor indicado por Getúlio Vargas para Mato Grosso, Leônidas de Mattos, “[...] figura a igualdade absoluta dos sexos ao acesso aos cargos publicos, bem como a dispensa da funcionaria gestante, por tres mezes, com os vencimentos integraes; considerando que esta conquista feminina attende às necessidades da mulher funccionaria, não devendo por isso mesmo, ser retardada a sua applicação” (A Violeta, n°218, p.20). A “igualdade absoluta” entre os sexos era considerada uma “[...] das mais modernas reformas sociaes”, para Arinapi, mas quando se falava de representação política, ela se concretizou efetivamente com a nomeação, em 1935, da primeira mulher para uma prefeitura mato-grossense, a da cidade de Araguayana, atualmente a cidade de Barra do Garças, situada no leste do estado. A cronista comemorou o fato na crônica da edição nº220-221, de 20 de fevereiro de 1935, e esperava que a prefeita “[...] comprehendendo que o beneficio à sua terra natal só pode ser feito com o melhoramento das estradas, deixe, honrando o nome da mulher mattogrossense, o seu nome ligado com fartas messes de bençãos, ao franco progresso dessa rica zona, cujo governo lhe foi confiado” (A Violeta, nº220-221, p.2). Mary afirmava que “havia homem ao leme”, na crônica da edição nº230, de 31 de maio de 1937, ao se referir ao trabalho realizado pelo interventor federal no Estado, mas agora esse “leme” não era exclusividade dos homens, e mesmo que a conquista da prefeitura de Araguayana tenha sido por meio de uma nomeação, a hegemonia masculina havia se dissipado, pelo menos por alguns instantes. Nessa crônica, que encerra o período estudado, Mary cita a “hora trágica” vivida pelos espanhóis, por conta da Guerra Civil que enlutava a Espanha e ameaçava [...] cahir como avalanche sobre o mundo civilizado - triste é confessar - é a medonha consequencia de lamentaveis erros humanos; é a falta de precisão nas sensações e nas idéias da época, é a desfocalisação da intelligencia, que contorce a imagem visual e, deturpa a percepção dos problemas da vida... E não sei si neste declive onde já principiamos a rolar, ha geito de retroceder ou parar... (A VIOLETA, nº230, p.2).

No caso do Brasil, o declive se aprofundou no dia dez de novembro de 1937, quando “[...] Vargas implantou uma ditadura no país, o chamado Estado Novo, dissolvendo o Congresso. Tal fato contribuiu para que os movimentos sociais, inclusive aqueles de mulheres, não pudessem se manifestar, ao menos de forma plena”, avalia a historiadora Rachel Soihet (2012, p.228). Soihet (2012), no entanto, destaca a participação das mulheres nas mobilizações durante a Segunda Guerra Mundial, “[...] especialmente em São Paulo e no

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Rio de Janeiro, organizaram-se comitês com diversas finalidades: enviar roupas de lã para os soldados brasileiros que estavam na Itália, lutar contra a elevação do custo de vida e o câmbio negro e manifestar-se contra o nazi-fascismo” (Soihet, 2012, p.229). A historiadora destaca que naquele momento, “[...] os movimentos de mulheres não se preocupavam propriamente com as questões ligadas ao desenvolvimento de uma consciência feminista, ou seja, a percepção da desigualdade social, ainda existente, entre homens e mulheres” (Soihet, 2012, p.229). Com o fim da guerra e a deposição de Vargas, em 1945, terminou também o refluxo das ações feministas de diversas organizações brasileiras que se reuniram em um encontro nacional, em 1946, e discutiram, entre outras coisas, “[...] temas considerados de interesse das mulheres, como saúde, criança e até a questão agrária” (Soihet, 2012, p.229-230). O cenário pós-guerra e a definição de “outras” lutas, como a que priorizava a reforma agrária no país, “[...] bandeiras assumidamente de esquerda [...] e a significativa presença do Partido Comunista (que voltava à legalidade e procurava impor suas teses) fizeram muitas mulheres recuarem sua participão e apoio, entre elas a famosa Bertha Lutz” (Soihet, 2012, p.230).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando Alfredo d’Escragnolle Taunay – o Visconde de Taunay – escreve o romance Inocência, publicado em 1872, e caracteriza a personagem que protagoniza a trama como uma donzela “sertaneja” – frágil, virgem, “uma pombinha do céu” – o autor constrói uma das representações da “mulher” mato-grossense que permanecerá por muitas décadas no imaginário dos cidadãos “de fora”. E se as mulheres mato-grossenses não tivessem reinventado “outras” representações sobre si? Estariam sendo caracterizadas como “pombinhas do céu” quando, na verdade, queriam se inserir nas repartições públicas? Se, no início, cultivar as letras femininas era um projeto de mulheres sonhadoras, como criticaram algumas pessoas, as gremistas implodiram os “castelos fictícios” e escaparam de alguns “modelos” hegemônicos, considerados ideais para manter a “ordem” familiar. Escaparam de alguns, mas criaram outros “modelos”, singulares, já que estavam relacionados aos “fazeres” locais das mulheres mato-grossenses, especificamente das cuiabanas e que residiam na capital. Por conta da dimensão territorial do estado, as definições de “perto” ou “longe” se reproduziam em nível local, surgindo o “modelo” da “mulher cuiabana”, por exemplo, definido e enaltecido pelas gremistas. As “outras” cuiabanas que não desfilavam nos salões do Palácio da Instrução ou dos cinemas estavam “perto”, em relação à distância, pois moravam na capital, mas “longe” do “modelo” porque não “atendiam” a algumas características dessa “mulher cuiabana” que era alfabetizada, preocupada com o progresso da “civilização”, discursava em cerimônias militares e havia conquistado sua autonomia financeira. As mato-grossenses que não residiam na capital estavam “longe” e acompanhavam de “longe” as mudanças da “mulher cuiabana”, mas algumas se inseriram no processo desencadeado pelo “Júlia Lopes” e fundaram outras associações femininas nas cidades do interior, nos moldes do grêmio. Apesar dos envios da revista A Violeta para assinantes no interior de Mato Grosso, o diálogo da “mulher cuiabana” com as outras mulheres era limitado, mas não chegava a ser ineficiente porque vários assuntos transcendiam as questões territoriais. Heloisa Buarque de Hollanda (1994) destaca a “[...] violência de um projeto de homogeneização nacional sentido como necessário para a representação ‘moderna’ da nação” (1994, p.127), que definia a “mulher” brasileira como “[...] ícone nacional por excelência” (p.127). Mas, os “ícones” eram determinados pelos escritores, como no caso de Taunay, da “Iracema”, de José de Alencar, e as escritoras raramente “[...] se identificaram com a missão da ‘construção nacional’”, já que tinham “[...] um profundo sentimento de exclusão ou até

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mesmo

de

perda

de

indentidade,

determinados

pelas

ideologias

modernizantes,

homogeneizantes e nacionalistas” (Buarque, 1994, p.128). As escritas das mato-grossenses que utilizaram a revista A Violeta contribuíram para o rompimento de vários “monópolios” masculinos: na literatura, ao organizarem uma associação feminina; no jornalismo, no mercado de trabalho, na política etc. As gremistas conseguiram produzir, ao longo de quase quarenta anos, o que Gilles Deleuze (1997) denomina de “devir-mulher”, e através das escritas criaram “[...] átomos de feminilidade capazes de percorrer e de impregnar todo um campo social, e de contaminar os homens, de tomá-los num devir. Partículas muito suaves, mas também duras e obstinadas, irredutíveis, indomáveis” (Apud Murgel, 2010, p.28). Atuaram nas margens, nesse campo social, que Deleuze fala, e apresentaram várias facetas de si e das “sociedades” cuiabanas, das décadas de 1910, 1920, 1930, 1940 e 1950. Inauguraram novas formas de sociabilidade, de fazer jornalismo e literatura, em um mesmo periódico, e ressignificaram as “possibilidades” para as mulheres, sendo elas feministas ou não. Discutiram e questionaram publicamente o “status” da “mulher” nas páginas da revista e fora delas e se tornaram proprietárias de uma “história”. Utilizar as categorias de “gênero” e de história “por meio da imprensa” foi um desafio, não porque pareçam distantes, pelo contrário, se aproximam em vários aspectos quando possibilitam enxergar relações sociais, “fazeres”, “devires”, além de dualidades, das coisas “visíveis”, “concretas”. Estudar a revista A Violeta foi ir além do uno, do duplo. Encontrei os “plurais”, as mulheres “plurais”, que não tinham (ou não deveriam ter) caminhos traçados, marcados no chão, e apagaram alguns, mas desenharam outros. As gremistas encerraram as atividades sem dar adeus, e sem uma explicação para o fim. Floriano de Lemos, médico e um dos participantes das atividades do Grêmio “Júlia Lopes”, que conseguiu a “honra” de ser integrado ao Grêmio como “sócio honorário” (Floriano e Palmiro Pimenta foram os únicos homens admitidos no Grêmio como sócios honorários), talvez soubesse o porquê do “fim”, mas não se conformava. Floriano residiu em Cuiabá entre 1917 e 1920, e participou das atividades iniciais das gremistas, além de colaborar com a revista A Violeta, mas se mudou para o Rio de Janeiro, local onde se estabeleceu como médico e cronista. Em uma das crônicas publicadas no jornal carioca Correio da Manhã, na edição nº19.250, de 25 de janeiro de 1955, ele relata uma viagem de weekend à capital matogrossense, onde encontrou Maria Dimpina, no salão da sua casa, comemorando com os amigos e familiares a primeira missa de seu filho sacerdote, o “padre” Firmo.

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Mas, vendo-me ali, Dimpina parece que se lembrou do Gremio antigo e, mostrando-me o piano que estava quieto num canto do salão, pediu-me que o fizesse falar... E no mesmo momento, como 35 anos antes, o teclado do velho instrumento, valendo-se dos meus dedos, colaborava na alegria daquela festa cuiabana (CORREIO DA MANHÃ, nº19.250, p.10).

Ao longo deste trabalho, algumas partículas do cotidiano das gremistas foram escritas, há quase um século, e coube a mim, enquanto pesquisadora, organizá-las e apresentá-las. Compartilho a percepção da historiadora Ana Carolina Murgel (2010), quando afirma que, “[...] quando começamos a trabalhar com algumas mulheres, milhares de outras nos chamam, ouvimos suas vozes, tropeçamos em seus passos. Elas escapam da invisibilidade dos discursos, da morfossintaxe excludente dos plurais masculinos. São tantas, tantas vozes” (Murgel, 2010, p.231). Em vários momentos, algumas situações e as escritas das mato-grossenses soaram como gritos, porque era impossível não ouvi-las quando elas decidiram “falar”, e falaram. Falaram sob pseudônimos, falaram com as iniciais dos seus nomes, falaram nos saraus, falaram nas crônicas, notícias, artigos e notas da revista A Violeta, e falaram aos homens e às mulheres, seus leitores ou não. Falaram para nós, que chegamos a elas bem depois, mas chegamos, e talvez para outros que ainda chegarão.

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