Fé e missão em rede e para além dela

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FÉ E MISSÃO EM REDE C

e PARA ALÉM DELA

omo afirmou o papa Francisco (1936-) em sua Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações de 2014, a presença da Igreja no mundo da comunicação é importante “para dialogar com o homem de hoje e levá-lo ao encontro com Cristo: uma Igreja companheira de estrada sabe pôr-se a caminho com todos”. Segundo o pontífice, a revolução comunicacional que vivemos hoje é“um grande e apaixonante desafio que requer energias frescas e uma imaginação nova para transmitir aos outros a beleza de Deus”. O ambiente digital, assim, apresenta-se como um importante ambiente para a vivência da espiritualidade e para a missão da Igreja no mundo de hoje. Em termos gerais, a experiência religiosa pode ser entendida como a percepção da presença de Deus. Ou seja, é o “dar-se conta”, o “tomar conhecimento” das manifestações de Deus que ocorrem na vida pessoal e que nos levam a uma relação interior com O Mensageiro de Santo Antônio

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Novembro de 2015

Ele. Essa experiência acontece em todos os lugares e em toda a história, embora suas expressões sejam cultural e historicamente condicionadas. Tomando como exemplo a vida de tantos santos e santas que nos antecederam, vemos que é possível experimentar Deus sempre e em qualquer situação. O sagrado manifesta-se em sua “graça” total, literalmente como, quando, onde e se “Deus quiser”, diante de uma pessoa que a Ele se abra profundamente. Mesmo que o sagrado possa manifestar-se em uma sarça – como no caso de Moisés –, não se venera a sarça como tal: essa árvore sagrada “revela” algo que já não é árvore, mas Deus. Da mesma forma, podemos dizer que Deus também pode se manifestar nos bits e nos pixels da internet. O fiel, onde quer que esteja, quando quer que seja – até mesmo diante de um aparelho eletrônico –, pode desenvolver um vínculo com o transcendente e com sua comunidade, e, assim também, um novo ambiente de culto. E vemos isso

no ambiente católico em inúmeros serviços religiosos on-line existentes: versões on-line da Bíblia e de orações; orientações via internet com líderes religiosos ou grupos de discussão em redes digitais; grupos e pedidos de oração via internet; “capelas virtuais”, entre muitas outras opções. Deus, em Sua “encarnação em bits”, revela-se e ganha sentido nas interações com o fiel, que são totalmente livres, íntimas, misteriosas. O que sabemos é que, quando o fiel se coloca livremente diante de Deus, quando e onde quer que seja, algo ocorre, e algo sagrado. Também em bits e pixels, Deus pode se revelar e é descoberto mediante a abertura de coração e a experiência de vida do fiel. Se os fiéis de hoje, como o Moisés bíblico, sobem a “montanha digital”, é porque viram uma “sarça ardente” em seu topo. Contudo, na experiência religiosa on-line, é preciso reconhecer uma distância e uma diferença entre o digital e a “realidade última” de Deus, que vai além

de toda e qualquer mediação, seja de uma sarça, seja de um bit. A sarça e o bit podem revelar algo de Deus, mas não são Deus. Toda experiência religiosa – na internet ou fora dela – é “incompleta”, pois sempre acarreta mediações (e talvez até deturpações) culturais e históricas. Deus é sempre um Mistério maior que nos ultrapassa: é a Realidade absolutamente transcendente, o totalmente Outro, “interior intimo meo et superior summo meo” (mais íntimo do que o que há de mais íntimo em mim e maior do que o que há de maior em mim), como diria Santo Agostinho de Hipona (354-430). Portanto, a “montanha digital” da internet deve ser vivenciada como um ponto de partida experiencial do qual pode surgir o ato da fé. A experiência de Deus é muito mais complexa, ampla e exigente. Vai além da própria “montanha digital”, em uma longa “busca pela Terra Prometida”. Assim, a experiência religiosa on-line é um ponto de partida para uma experiência que deve ir além de toda e qualquer mediação, abrindo-se ao horizonte amplo e desafiador da busca pela libertação do povo de Deus e de construção do Seu Reino. Nas redes digitais, símbolos, textos, imagens, áudios, vídeos, tudo pode servir como mediação religiosa e expressar um sentido religioso que possa levar o usuário ao encontro com Deus. Formam-se, assim, novas modalidades de percepção e de expressão do sagrado em novos ambientes de culto. E, para vivenciar essa experiência religiosa on-line, são necessárias novas percepções de leitura e de reconhecimento das realidades materiais, agora digitalizadas. Essa nova configuração do espaço, do tempo e da matéria em rede provoca alterações na experiência religiosa tradicional, como sua fragmentação, sua desterritorialização, sua aceleração, sua expansão. Agora, graças à internet, as possibilidades de experiência religiosa dispersam-se e se ampliam em meio a diversas alternativas comunicacionais, não mais dependendo de um ritual ou templo específicos. E, por sua abrangência, as mídias digitais envolvem um público cada vez mais amplo em termos de alcance, o que estimula uma oferta mais diversificada de serviços e produtos religiosos, gerando um verdadeiro “mercado religioso”. Por isso, como Igreja, nossa responsabilidade diante das pessoas

isso não apenas por limitações tecnológicas, que buscam uma forma de viver a fé no mas principalmente por determinações e esambiente digital é muito maior, para que colhas dos programadores, dos responsáveis realmente encontrem o “Deus vivo e verdadeiro”, e não apenas teologias baratas e pelos sistemas. experiências religiosas individualistas e “à É preciso superar a sensação de que, la carte”, sem a experiência da comunidade na internet, e até mesmo nos ambientes e o sentido da comunhão eclesial. O desafio católicos digitais, Deus fala “diretamente” é enfrentar essa realidade a nós. Ao contrário: sabemos com responsabilidade pasque há mediações que não toral crítica, sem anacronissão neutras. Portanto, que A “montanha mos, nem deslumbramentos, imagem de Deus e de Igredigital” da internet percebendo na digitalização ja queremos construir no deve ser vivenciada ambiente digital? Os sites uma complexificação do como um ponto católicos e seus serviços fenômeno religioso – não religiosos conseguem pronecessariamente sua simde partida mover – embora com suas plificação, muito menos sua experiencial do limitações e na tentativa solução diante dos desafios qual pode surgir séria de superá-las – um do mundo contemporâneo. o ato da fé. A pouco da koinonia (‘comuO mais importante é nhão fraterna’) evangéliperceber a ação de mediação experiência de ca, desafiando os fiéis a dos sistemas digitais. Ou Deus é muito mais construírem um ambiente seja, os aparelhos tecnolócomplexa, ampla gicos, seus aplicativos, suas comum de irmãos e irmãs e e exigente. Vai a se doarem reciprocamente interfaces, seus softwares, pelo próximo, especialmennada disso é “neutro”, nem além da própria te pelos mais pobres? “caiu do céu”. São constru“montanha Nesse sentido, o Direções humanas, empresariais digital”, em uma tório de Comunicação da e, portanto, respondem a longa “busca pela Igreja no Brasil, de 2014, desejos, a necessidades e a indica um critério valioso: interesses de pessoas e insTerra Prometida” “Em um ambiente marcado tituições específicas – que pela rapidez da informação e nem sempre são os mesmos pela abrangência do contato, o testemunho desejos, necessidades e interesses que nós, do Evangelho por parte de todo o povo de cristãos e cristãs, temos. Isso também vale Deus não deve se basear em critérios como para a imensidão de sites católicos espapopularidade, celebridade, aceitabilidade, lhados por aí. Como usuários desses sites, persuasão, atratividade. A verdade do Evanprecisamos estar atentos para o tipo de exgelho não é algo que possa ser objeto de periência cristã que eles propõem, que não passa só por seus conteúdos, mas também consumo ou de fruição superficial, mas dom por sua interface, pelo imaginário religioso que requer uma resposta livre” (n. 194). neles presente, por sua usabilidade. E os Toda experiência religiosa não se enceradministradores dos sites católicos precisam ra em si mesma, mas se consuma em sua estar ainda mais atentos e ser ainda mais comunicação aos demais, no testemunho, também em rede. Um circuito comunicaciocríticos com aquilo que oferecem aos fiéis, nal que interliga Deus, o fiel e também um porque são uma presença cristã pública no “outro”, a quem o fiel narra sua experiênambiente digital e detêm uma responsabicia. Trata-se, justamente, da missão e do lidade eclesial e social. anúncio – na rede e para além dela. Ou seja, em cada sistema digital (site, perfil em rede social, aplicativo, software, entre outros), há possibilidades e imposMoisés Sbardelotto sibilidades para a expressão da fé; facetas de Deus e de Igreja que podem se manifestar mais, Jornalista, autor do livro E o verbo se fez bit: a comunicação e outras que podem se manifestar menos; e a experiência religiosas na experiências religiosas que podem ser fointernet (Santuário) mentadas, e outras que não o podem. E tudo O Mensageiro de Santo Antônio Novembro d e 2 0 1 5

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