Feminismos e música independente: disputas no fandom online de Amanda Palmer a partir da canção/videoclipe Oasis

May 31, 2017 | Autor: Beatriz Medeiros | Categoria: Fandom, Amanda Palmer, Feminismos, Performatividade, Música Independente
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE ESTUDOS DE MÍDIA

Feminismos e música independente: disputas no fandom online de Amanda Palmer a partir da canção/videoclipe Oasis.

Apresentado por: Beatriz Azevedo Medeiros

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: Beatriz Brandão Polivanov

Niterói, julho/2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE ESTUDOS DE MÍDIA

Feminismos e música independente: disputas no fandom online de Amanda Palmer a partir da canção/videoclipe Oasis.

apresentado por Beatriz Azevedo Medeiros

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Estudos de Mídia à banca examinadora composta por

_____________________________________________________________ PROFª. DRª. Beatriz Brandão Polivanov (UFF) Orientadora

_____________________________________________________________ PROFª. DRª. Simone Pereira de Sá (UFF)

_____________________________________________________________ PROFª. ME. Melina Aparecida dos Santos Silva (UFF)

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"Por vezes a palavra representa um modo mais hábil de se calar do que o silêncio." Simone de Beauvoir

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AGRADECIMENTOS Aos meus pais, pelo conforto e apoio, mas principalmente a minha mãe, por ser mestre e inspiração. Gratidões eternas à brilhantíssima orientadora Beatriz Brandão Polivanov, pela persistência na dificuldade, pela credibilidade e paciência ao longo do processo deste trabalho. Aos professores do curso de Estudos de Mídia. Verdadeiros guias. Ao meu noivo, Felipe. Obrigada pelos textos de madrugada, por quebrar a cabeça comigo e por aguentar minha bipolaridade sem, em nenhum momento, perder a razão. Aos meus amigos e apoiadores morais. À Equipe Metal Ground (Mel e Natalie, parceiras), Clarissa, Pérola, Marina, Juliana e Ana. A torcida de vocês foi o que me manteve segura. Sou eternamente grata. Aos meus colegas de curso pelos momentos inesquecíveis. Mas principalmente a Louise Carvalho e Rita Silveira, pelos conselhos e incentivos. E finalmente, muitos agradecimentos à super banca examinadora deste TCC, professoras Simone de Sá e Melina dos Santos.

5 Sumário Resumo..........................................................................................................................................6 Abstract.........................................................................................................................................7 Lista de figuras.............................................................................................................................8 Introdução.....................................................................................................................................9 Capítulo 1 Identidade, performance e artista: crônicas da indústria cultural contemporânea............................................................................................................................14 1.1 Construção da identidade (artística).......................................................................................15 1.2 Contextualizando performance...............................................................................................16 1.3 Performance e identidade online............................................................................................19 Capítulo 2 - Cenas musicais e fandoms online.........................................................................23 2.1 Fandoms Unite!: para entender o que são fandoms.............................................................24 2.2 Sobre cenas musicais..............................................................................................................30 2.2.1 "Indie rock'n'roll, it's time!": Música independente a cena...............................................................................................................................................32 2.2.2 Cenas musicais em territórios virtuais..........................................................................................................................................36 2.3 Problemas no paraíso: embates dentro de cenas e fandoms musicais....................................38 Capítulo 3 - Performatividades de Amanda Palmer e disputas no fandom online da artista...........................................................................................................................................42 3.1 We can do it!: Feminismos entram em cena...........................................................................43 3.1.1 We ALL can do it!: A terceira onda do feminismo..............................................45 3.1.2 Discursos feministas...............................................................................................46 3.2 A análise: categorização emergente e as disputas no fandom de AFP.............................48 3.2.1 Primeira categoria: Corpos Femininos...................................................................51 3.2.2 Segunda categoria: Ideologias Feministas............................................................52 3.2.3 Terceira categoria: Lugares de Fala.......................................................................57 3.2.4 Quarta categoria: Interpretação da Temática da Música...................................59 Considerações finais..................................................................................................................64 Referências bibliográficas.........................................................................................................66

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Resumo O presente trabalho pretende problematizar questões referentes às interações que acontecem dentro de um fandom musical online e às discussões que surgem em torno da performance feminista da artista Amanda Palmer. Os fandoms online contemporâneos parecem apresentar uma grande importância para artistas, mais principalmente para aqueles que não se veem ligados a agentes intermediadores como grandes gravadoras. Duas particularidades de Amanda Palmer são a intensa atividade que ela apresenta online, através, por exemplo, de sites de redes sociais, assim como a adesão à ideologia feminista, que se faz presente não somente no discurso da mesma, mas também nas suas performances e músicas. Por causa disso, observamos que ela acaba influenciando uma interação maior entre os próprios fãs, mas também entre antifãs e haters, sujeitos críticos com relação ao trabalho de Palmer. Escolhemos duas plataformas que estimulam a interação para podermos analisar os comentários dos críticos e defensores de musicista novaiorquina. Ao fazê-lo, observamos que diferentes sentidos de feminismos estão em disputa, bem como a ideia do corpo feminino, os lugares de fala e as interpretações da performance musical realizada. Palavras-chave: performatividade; feminismos; fandom; música independente; Amanda Palmer

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Abstract This work intends to problematize issues relating to the interactions that take place inside an online musical fandom and the discussions that arise around the feminist performance of the artist Amanda Palmer. Contemporary online fandoms seem to be of great importance for artists, mainly for those who do not wish to be connected to intermediary agents such as majors. Two particularities of Amanda Palmer are the intense online activity by means of platforms as social networking sites, as well as her adherence to feminist ideology, which appears not only in her discourse, but also in her performances and music. Thereat we noted that she eventually influenced a higher interaction between her fans and also anti-fans and haters, critical subjects of Palmer's work. We choose two platforms that encourage interaction in order to analyze the comments of the New Yorker singer's critics and defenders. In doing so, we noted that different forms of feminism are in dispute, as well as the woman's ideal of body, speech's place and the different interpretations of the musical performance held.

Keywords: performativity; feminisms; fandom; independent music; Amanda Palmer

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LISTA DE FIGURAS Figura 1: Figura 1 – Take do vídeo clipe "Oasis", p. 49. Figura 2: Gráfico de categorias de análise, p. 50. Figura 3: Corpos femininos 18/06/2015, p. 52. Figura 4: Corpos femininos 18/06/2015, p. 52. Figura 5: Ideologias Feministas 18/06/2015, p. 55. Figura 6: Ideologias Feministas 18/06/2015, p. 55. Figura 7: Ideologias Feministas 22/06/2015, p. 55. Figura 8: Ideologias Feministas 18/06/2015, p. 56. Figura 9: Ideologias Feministas 22/06/2015, p. 56. Figura 10: Ideologias Feministas 18/06/2015, p. 56. Figura 11: Lugares de Fala 16/06/2015, p. 58. Figura 12: Lugares de Fala 18/06/2015, p. 58. Figura 13: Lugares de Fala 22/06/2015, p. 58. Figura 14: Lugares de Fala 22/06/2015, p. 59. Figura 15: Interpretação da temática da música 17/06/2015, p. 61. Figura 16: Interpretação da temática da música 17/06/2015, p. 62. Figura 17: Interpretação da temática da música 16/06/2015, p. 62. Figura 18: Interpretação da temática da música 17/06/2015, p. 62.

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Introdução O estudo de cenas musicais por muito tempo vem ganhando evidência em meio a pesquisadores que têm como objetivo compreender o comportamento de um grupo de fãs de determinado gênero ou artista. Will Straw designa uma cena musical como um "espaço cultural em que uma variedade de práticas coexistem" (1991, p. 373); os participantes da cena interagem entre si, fazendo com que o processo de comunicação aconteça pela troca de propósitos, marcando alianças musicais bem como limites (STRAW, 1991). Esse conceito se aproxima da ideia de fandom, descrito por John Fiske como um grupo inserido na sociedade que demonstra devoção e interação com seu objeto de adoração, geralmente um signo da cultura popular que inspira fidelidade (FISKE, 1992). Podemos dizer, portanto, que fandoms se mostram como um grupo incluso nas cenas musicais, apresentando certa ligação conceitual e de participação do público. Observamos que tanto o termo cena musical, quanto o termo fandom musical, vão inspirar a ideia de um grupo de pessoas que se articulam em torno de um objeto de adoração tentando se aproximar de alguma forma deste. Assim como no grupo de fãs de ficção científica, por exemplo, conseguimos vislumbrar fandoms crescentes, diante a um grupo de fãs de música, conseguimos enxergar fandoms equivalentes a determinadas bandas ou artistas. Observamos também a existência de conflitos e disputas simbólicas e materiais tanto dentro desses grupos, como entre grupos de fãs distintos. Não apenas fãs de um determinado produto cultural frequentemente debatem entre si, como também há aqueles que podem ser chamados de antifãs e até haters ("odiadores"), por serem contra determinado/a artista por exemplo, ou seu próprio fandom. No fandom online da artista novaiorquina Amanda Palmer pudemos perceber uma série de conflitos que fazem da performer um interessante objeto de pesquisa. Palmer é uma artista que revisita a ideia do corpo que se torna arte, empregada pela primeira vez nos anos 60 por artistas como Yoko Ono, Marina Abramovic, Laurie Anderson, entre outros (SALGADO, 2013). Seu desprendimento perante a indústria tradicional pode ser lido como a tentativa de desvinculação desses artistas do universo conceitual com o setor econômico da sociedade capitalista. Amanda Palmer faz uma releitura da arte pela arte, e para manter sua ideologia quase anárquica, ela precisa que seu público colabore economicamente, de certa forma sustentando-a.

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Pelas ideologias defendidas pela mesma e pelo tipo de arte que produz, a musicista criou para si um nicho estreito de fãs dentro da internet. Fãs que consomem o que ela produz, que cantam suas músicas, leem seus textos e que compartilham e discutem os pensamentos dela entre si e, em muitos casos, com a própria Amanda. Percebemos um grande número de fãs de Palmer que se colocam como feministas e, por causa das ideologias e bandeiras levantadas por ela, também notamos que essas fãs são as mais participativas dentro do fandom musical. Elas se mostram como prós e contra algumas atitudes da artista e debatem constantemente sobre ações de Amanda Palmer. Conforme apontamos, como uma característica de artistas considerados independentes, Palmer é muito dependente do seu fandom para a manutenção de si mesma como artista1, por isso ela está em constante contato com esse grupo de pessoas, fazendo-se mais presente do que os músicos que optam por contratar uma empresa que faça o intermédio dos contatos com o público. Assim como ela está propensa a receber elogios diretamente, também não está protegida daqueles que não concordam com suas opiniões e fazem discursos inflamados. No entanto, poderíamos dizer que esses/as não fãs também irão auxiliar na manutenção do fandom, pois eles/elas se veem dentro das disputas do mesmo, interagindo com os/as fãs e, inevitavelmente, colocando em evidência o objeto que eles/elas odeiam (MONTEIRO, 2013). No caso da Amanda Palmer, isso funciona com clareza, como iremos ver mais adiante, uma vez que ela apresenta uma gama de antifãs tão extensa quanto a de fãs. Antes de prosseguir com a explicação, algo precisa ser deixado claro com relação ao objeto e pesquisadora: meu envolvimento com Amanda Palmer não é algo recente e nem mesmo não íntimo. Sendo eu fã e participante do fandom de Palmer já estive envolvida em muitos dos embates entre os fãs e não fãs da artista. Na realidade, não é nem mesmo a primeira vez que ela despertou minha atenção como um bom estudo acadêmico. Meu interesse pelas falas feministas e aparências polêmicas de Amanda Palmer, para fins de análises acadêmicas, se iniciou em uma aula no curso de Estudos de Mídia, "Identidades Culturais na Contemporaneidade", ministrada pelo professor Marildo José Nercolini, onde fiz uma compilação de vídeos de Amanda Palmer discutindo sobre seu envolvimento com a mídia no caso da reportagem do jornal 1

É importante termos em mente que um artista sempre irá realizar as performances para alguém, sem um público não é possível que ele seja visto. Por isso, para sua existência como ser artístico, é importante que ele seja consumido. Vemos, portanto, que um artista nunca é completamente independente, ele irá sempre depender do seu público. Não importando a forma de comunicação, desde que ela exista.

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britânico Daily Mail2. Logo em seguida, meu projeto de iniciação científica/CNPQ, sob orientação da professora Mariana Baltar, intitulado "Ativismo em Performances: Imagem, Música e Gênero", permitiu-me analisar músicas de Amanda Palmer, bem como videoclipes, todos com o olhar voltado para as relações entre a artista e o feminismo3. Com relação a esta pesquisa, buscaremos nos debruçar sobre as seguintes questões: de que modo as performances da artista Amanda Palmer geram disputas dentro de seu fandom online, principalmente no que tange a diferentes construções de ideais feministas? Que valores exatamente estão em disputa e como se dão as articulações de fãs, antifãs e haters nos ambientes digitais? Para tal, trataremos sobre a questão da performance artística online, afinal, ela é parte constituinte do/da artista e daquilo que ele/a é capaz de fazer e provocar em seu público. Isto é, se performance pode ser estudada enquanto "qualquer atividade humana" (SCHECHNER, 2006, p. 29) devemos incluir em nossa análise um olhar não apenas sobre a performance da artista no palco, mas também as performances cotidianas de interação e autoapresentação em ambientes online. Performances seriam entendidas aqui, portanto, como os comportamentos sociais, sejam em casa, perante um grupo de amigos, no ambiente de trabalho, no meio artístico, ocorram elas em ambientes on ou off-line. Performances e recepções artísticas já vêm sendo praticadas e estudadas por muito tempo. Entre os anos 60 e 70, esses estudos foram voltados, por exemplo, para manifestações como Happenings e performances artísticas que aconteciam em praças públicas, em que os corpos dos performers eram instrumento e arte. É por volta dessa época que surge o termo Performance Art, com a necessidade de uma delimitação no campo da performance que entende as formas que as palavras de um discurso podem possuir (SALGADO, 2013). Atualmente, com a comunicação através da internet e suas ferramentas, artistas como Amanda Palmer repensam seu posicionamento mercadológico e de contato com fãs. Vemos uma crescente interação entre artista e público, constituindo o que Jenkins (2006) vai chamar, ainda que um pouco ingenuamente, de "cultura participativa". As relações comunicacionais entre as duas esferas da indústria cultural se dão de forma

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O vídeo ainda se encontra disponível na minha conta no YouTube. "A construção do feminismo no mapa da Tasmânia". Link de acesso: https://www.youtube.com/watch?v=FkyWnLibhYw. 3 Presentes no site #Performatividades. Link de acesso: https://performatividades.wordpress.com/.

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mais rápida e quiçá mais próxima. Um(a) artista pode possuir uma conta pessoal no Twitter, por exemplo, e por ali falar diretamente com seu fandom, sem a necessidade de outro intermediário (que não o próprio site de rede social). Amanda Palmer usa muitas redes para promoção própria, desde ferramentas para comunicação e interações diretas, como blogs e o Facebook, até sites de sistema de suporte a artistas como Kickstarter e Patronage. Isso se dá em parte pela reforma que vive a indústria fonográfica, que trouxe mudanças no relacionamento entre produtor e audiência e também nos modos dos/das artistas divulgarem seus trabalhos. Por isso, as ferramentas usadas para interação entre artista, fãs e antifãs serão analisadas neste trabalho, tendo em vista seu importante papel de mediação. Aparentemente, para alguns artistas os canais digitais seriam meios que permitem uma interação mais "humana" e menos desgastante com (potenciais) fãs, através do qual supostamente podem se expor e travar diálogos com pequenas comunidades de pessoas interessadas em seu trabalho (PALMER, TED talk, 2013). Essa sensação de proximidade é um dos elementos que instigam, estimulam e perpetuam a indústria fonográfica. No primeiro capítulo, problematizaremos os conceitos de identidade artística e performance. Para tal Stuart Hall (1992), Simon Frith (1996), Paul Zumthor (2000) e Richard Schechner (2006) serão consultados diversas vezes, levando em consideração a importância e relevância desses pesquisadores para as áreas sugeridas. No entanto, mergulharemos também na formulação da teoria de performatividade, introduzida por Judith Butler (1993) como forma de suprir a necessidade de entender que uma performance não se dá somente para o público, mas para o próprio performer e que esta irá afetar tanto ele(a) mesmo(a) quanto sua audiência. No segundo capítulo, debateremos sobre os conceitos que permeiam cenas musicais e fandoms. Abordando as cenas musicais, contemplaremos mais questões relacionadas à indústria fonográfica considerada independente e à ideia de virtualização dessas cenas. Para tanto, autores como Will Straw (1991), Bennet e Peterson (2004) e Simone Pereira de Sá (2013) serão fundamentais para entender a importância e a própria existência das materialidades dentro das cenas musicais. Quanto aos fandoms, usaremos, principalmente, Henry Jenkins (1988), John Fiske (1992) e João Freire Filho (2013) para buscar responder a pergunta: o que são fandoms? E autores mais atuais como Pedro Curi (2010), Adriana Amaral (2003, 2013) e Camila Monteiro (2011, 2012) para uma atualização analítica sobre a mesma

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pergunta. Veremos, também, as relações entre fãs, antifãs e haters no fandom musical virtual estudado e como esse convívio, ora mais ora menos pacífico, solidificará a ideia de uma comunidade online que corrobora para a promoção de um/a artista. Um/a músico/musicista irá performar não somente para seus/suas fãs, mas também para os/as haters, figuras que irão criticar o/a artista e, por causa disso, colocálo/a em visibilidade mesmo sem querer (MONTEIRO, 2011). Isso será fundamental para uma artista como Amanda Palmer, afinal ela precisa do seu fandom, e eles irão se configurar justamente através das disputas entre a tríade fã, antifã e hater. Monteiro (2011) discorre sobre isso em seu artigo sobre disputas dentro do fandom da banda Restart e resalta que a forma como fãs e antifãs performam em prol ou contra um artista é o que definirá determinado grupo e a hierarquia dentro dele. Aprofundando essas questões, estaremos prontos para, enfim, chegarmos ao terceiro capítulo que buscará dar conta do último ponto da fundamentação teórica: o movimento feminista, cujas ideias foram os primeiros impulsionadores dessa pesquisa. A importância de tal organização ideológica e social não será minimizada e exploraremos seu debate histórico através do entendimento da Terceira Onda do feminismo e das teorias dos discursos feministas, propositalmente nos referindo a “feminismos” no plural, indicando as diferentes visões e leituras sobre o mesmo. Por fim, nossa análise mais minuciosa sobre o objeto será feita com base na música "Oasis", de Amanda Palmer, que descreve, de modo irônico e cômico, uma história de estupro seguido de aborto4. A canção foi proibida de ser transmitida por rádios britânicas e a emissora MTV recusou a veiculação de seu videoclipe, tendo em vista seu conteúdo considerado demasiado polêmico e ofensivo. Quando descobriu a recusa da veiculação de sua música Palmer publicou, em seu blog, uma carta aberta contestando tal decisão, suscitando uma série de comentários de seu fandom. Desse modo, mais especificamente nossa análise recairá sobre os diversos comentários que a canção recebeu no YouTube e no blog da artista, alternando-se entre críticas e defesas, elogios e ofensas. Queremos explorar justamente esses conflitos, acreditando que assim chegaremos a indicativos de respostas para nossas questões.

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O videoclipe da canção pode ser visto em: https://www.youtube.com/watch?v=8C17yfGyJjM.

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Capítulo 1: Identidade, performance e artista: Crônicas da Indústria Cultural Contemporânea Neste capítulo, pretendemos tentar compreender a construção da identidade artística, tendo como base o uso do conceito de performance. Para tal entendimento, será necessária a explicação do termo identidade e como ela é construída pelo sujeito contemporâneo. Antes de tudo, é preciso entender que a identidade artística – bem como qualquer concepção de identidade – não é formada apenas por um elemento. Stuart Hall (1992) irá complexificar o conceito ao mostrar que a identidade só pode ser entendida enquanto fragmentada e múltipla, principalmente para o sujeito pós-moderno, que lida com diferentes papéis sociais. Outros autores como Holly Kruse (2012), Simon Frith (1996) e Theodore Gracyk (2001) irão colocar em voga a ideia de construção da identidade artística, ou seja, como ela é formada pela performance do/a mesmo/a, como o/a artista lida com aquilo que o/a constrói e é criado/a por si mesmo/a. Temos, assim, o/a artista contemporâneo/a como um sujeito pós moderno, com sua identidade fragmentada e que será modificada conforme mude o ambiente em que ele/a performa (se é a internet, se é em um show) ou para que público ele/a estará performando. Enfim, veremos como identidade artística e performance estão fundamentalmente ligadas. Após o entendimento da performance como elemento compositor de uma identidade, será necessário explorar o termo próprio "performance". Para isso, textos como "What is performance?" de Richard Schechner (2006), "Performance, recepção, leitura" de Paul Zumthor (2000), "Boddies that Matter"(1993) e "Performative Acts and Gender Constitution: An Essay in Phenomenology and Feminist Theory" (1988) ambos de Judith Butler, já introduzindo a ideia de "performatividade" serão fundamentais. Feito isso, dialogaremos sobre a performance artística, ou, sendo mais específica, a performance musical. Autores da área de música como Colin Lawson e Robin Stowell (1999), mesmo que estejam voltados para a música clássica e a performance erudita, se mostram muito coerentes ao tratar de performance musical no geral. A etnomusicóloga Kiri Miller (2010) também será utilizada para a compreensão de como é formada uma performance musical e, para além disso, como essa performance será recepcionada pelo público alvo.

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Por fim, introduziremos a ideia da performance online, fechando o capítulo com o entendimento de que os modos através dos quais os sujeitos se apresentam em ambientes online e interagem com outros podem ser considerados atos performativos. A discussão sobre performances, cultura online e a construção artística tem por objetivo nos auxiliar no entendimento de como músicos independentes contemporâneos lidam com a remodelação da indústria fonográfica usando mídias online como aliadas.

1.1 - Construção da identidade (artística) Antes de nos atermos à formação da identidade de um artista, é preciso entender o que é identidade. Como ela colabora com a criação da sensação de "pertencimento" a determinado espaço ou grupo social. Stuart Hall (1992) exprime bem essa concepção de formação de identidade do sujeito, argumentando que para entender o conceito de identidade deve-se ter em mente diferentes concepções do sujeito, quais sejam: o sujeito do Iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós moderno. É através disso que podemos analisar a identidade do que chamaremos de "sujeito pós moderno", já que nos encontramos na época da modernidade tardia, ou "reflexiva" (GIDDENS, 1997), em um sentido de que nos encontramos hoje na fase em que: [o] indivíduo reflete sobre o mundo em que vive e exerce uma análise racional das consequências de fatos passados, as condições atuais e a probabilidade de perigos futuros, procurando, assim, minimizar os perigos à medida que esse futuro vai se tornando presente (...) (LUVIZOTTO, 2010, p. 59).

O entendimento do processo de criação de identidade do sujeito pós moderno, segundo o próprio Hall (1992), é muito mais complexo e diversificado. Isso ocorre pois, diferentemente do que se acreditava nos estudos modernos, a sociedade não interferirá somente em uma parte do processo de construção identitária, mas em todo ele. Sabendo que a sociedade e seus estímulos exteriores são figuras mutáveis e não fixas, a identidade do indivíduo se torna aquilo que é chamado de "celebração móvel" (HALL, 1992, p. 02), pois ela se encontra em constante transformação. Seria, então, impossível dizer que uma determinada pessoa apresenta apenas uma identidade, afinal "o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um 'eu' coerente" (ibidem). Portanto, é possível dizer que a construção identidária do sujeito pós moderno não é fixa, mas está em constante mudança. Isso faz com que ele/a não tenha somente

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uma "identidade", mas várias, desempenhando diversos papéis sociais dependendo das situações e locais em que esse mesmo indivíduo se encontre. Isso não é diferente quando falamos de identidade artística ou musical, ela é formada justamente com as experiências vividas em sociedade, corroborando com a estruturação do/da artista e suas produções (GRACYK, 2001). Para Simon Frith (1996), mais do que ser representação da identidade de determinado indivíduo, a música é uma contribuição para a formação de outras identidades. Justamente por ela ser construída por pessoas, a música vem a possuir uma vida própria, capaz de influenciar o público que a escuta. Ele concorda com Stuart Hall quando afirma que a identidade é algo móvel, e completa dizendo que "música, como a identidade, é performance e história, descreve o social no individual e o individual no social" (FRITH, 1996, p. 109), ou seja, é algo não fixo, por isso a música, seus rituais e artistas estão em constante mudança. Tal concepção será importante para analisarmos nosso objeto de estudo no terceiro capítulo deste trabalho.

1.2 - Contextualizando performance Conforme dito acima, utilizaremos o conceito de performance tanto para pensar as apresentações ao vivo de Palmer, como também sua performance na internet, meio que facilita potencialmente o contato entre artista/consumidor, ampliando a ideia de interação. Schechner afirma que o ato de "realizar uma performance" é o "mostrar fazendo" com excelência, sendo no cotidiano, nas artes, nos negócios, esportes ou, até mesmo, no sexo. Performatizar seria, na opinião do autor, um ato de "ser", "fazer" e mostrar um ato (2006, p. 28). O autor afirma que uma das funções da performance é a de "formar ou modificar uma identidade" (2006, p. 47), portanto ambas estão atreladas uma à outra. A performance não é fixa, assim como a identidade (e ainda mais sua percepção para o sujeito pós moderno) também não é. Ela é mutável de acordo com seu meio ou sua forma de se mostrar. Paul Zumthor (2000) concorda com essa ideia ao dizer que a performance é, na realidade, um marco da comunicação, que só acontece quando ocorre a passagem da mensagem e essa mensagem é entendida. Ela é performatizada diversas vezes, por isso se transmuta todas as vezes que é repetida. Com a repetição constante para públicos variados, muda-se o sentido da recepção de quem a assiste.

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A performance seria uma representação de ações aprendidas socialmente (SALGADO, 2013), portanto, assim como essas ações apresentam um significado para quem a performatiza, apresentarão também um significado para quem a assiste, o que faz com que ela nunca possua um sentido exato ou fixo. Isso é explicado por Schechner (2006), quando afirma que muda o sentido da performance com a mudança temporal, do estado físico e emocional do performer e também com o estado do público. Ainda assim, isso não a torna menos significativa, ao contrário. Mais do que mutatória, a performance está fundamentalmente ligada ao corpo. Para a filósofa Judith Butler (1988), identidade seria uma resposta da ação de performance que induz o público a acreditar no que representa um determinado corpo, sendo que "o que é chamado de identidade de gênero é a realização performativa compelida pela sanção social e o tabu" (BUTLER, 1988, p. 520). Paul Zumthor prolonga essa ideia ao comentar que a performance "realiza, concretiza, faz passar algo que eu reconheço da virtualidade à atualidade" (2000, p. 31), no sentido que ela torna físicos e “reais” discursos e sentidos. Isso só ocorre com um corpo que realiza a ação da performance e um público que observa e interage com a mesma. Nesse sentido, a troca entre artista e público é essencial. A comunicação que ocorre entre o performer e aqueles que interagem com a ação realizada por ele/a se dá na troca entre ambos, resultando em uma espécie de coprodução de sentidos, com ações que (re)significam palavras e o próprio corpo (SALGADO, 2013). Tento

isso

em

mente,

é

possível

compreender

porque

o

termo

"performatividade", introduzido por Butler, parece-nos tão coerente para a definição das ações de performance realizadas pela artista que será analisada neste trabalho. "Performatividade", mais do que apenas a ação de performar, é a "reinteração de uma prática situacional pela qual o discurso produz os efeitos que nomeia" (1993, p. 02). Ou seja, performatividade é a prática de performar e mostrar para o público aquilo em que se acredita, afetando performer e espectadores. Isso só é possível quando o corpo exprime todo o poder intrínseco através da linguagem oral (ZUMTHOR, 2000) e corporal (BUTLER, 1993). Por isso esse termo é mais confortável para o nosso uso, já que pretendemos entender como está estruturada a performatividade de Amanda Palmer e qual a resposta do público fã (e hater) que acompanha a carreira da artista. Como estamos lidando com um tipo específico de performatividade deveríamos entender um pouco como é construído esse tipo de ação. Inicialmente, falaremos sobre como ocorre a performance artística. Schechner (2006) indica que, independentemente

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do tipo de performance que é realizado - cotidiana, ritualística ou artística - ela está fundamentalmente ligada à lógica da repetição. Para que uma performance aconteça, é preciso que ela seja elaborada, ensaiada e, por fim, exposta. Também é entendido que a performance artística, e principalmente a musical, está ligada com certa atitude mental, mais do que apenas o que o corpo se limita em demonstrar (LAWSON & STOWELL, 1999). Ou seja, em uma "performatividade" artística é necessária a repetição prática de ensaios, mas também um profundo envolvimento psíquico e afetivo. Além disso, a performance artística também dependerá veementemente do público. Performance estaria fundamentalmente ligada com a noção de autenticidade. Daniel McKinna (2014) correlacionará a performance visual e musical realizada por um artista ou banda como elementos importantes para a construção da sensação de autenticidade, no entanto, essa sensação não será passada se o público nem o/a artista não acreditarem na performance que está sendo realizada. Este julgamento dependerá tanto de quem consome, quanto de quem realiza uma performance. Poderíamos dizer, portanto, que um fandom detém o poder de decisão sobre a “veracidade” do/da artista que ele idolatra e isso pode vir a ser uma causa de embates entre fãs e, até mesmo, entre aqueles/as que se colocam fora do grupo, os/as antifãs e haters. Portanto, assim como temos o conhecimento de que a comunicação não acontece por si só, sem que exista alguém que construa uma mensagem com outro alguém (BORDENAVE, 1997), é possível dizer que a performance não existe sem alguém que a exprima, bem como não existe se ela não é assistida. A ideia de performatividade ultrapassa esse sentimento de cooperação mútua, dando sentido à afeição e aproximação crescente entre aquele que performatiza e aquele que assiste e interage, trocando laços de afetividade para com a ação que artista e público dividem. Quanto à performance musical, nós podemos ir além ao dizer que, não somente ela também se utilizará da interação performer/espectador, como também precisa que o corpo performático esteja em ativa. Kiri Miller justifica dizendo que "a expressão musical está enraizada nas estruturas cognitivas humanas e se concretiza por intermédio da mobilização do corpo humano" (MILLER, 2010, p. 112). Portando, desde que esteja fazendo uso de sua voz ou de seu corpo para expressar sua música, o/a artista musical performatiza, pois está construindo sua mensagem com alguém e está fazendo isso com o seu corpo em conjunto com a sua produção, deixando a mostra seu "eu" para um público que verá na performance realizada sua própria interiorização. Tais ideias serão importantes para a posterior análise do nosso objeto que, apesar de não recair

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necessariamente nas apresentações ao vivo de Palmer, mas sim nas disputas entre seu fandom sobre valores do feminino e do valor artístico, serão fundamentais para entender os conflitos envolvendo o lugar do corpo e performance da artista. A performance se coloca, assim, como um canal de interação entre um artista e seu público alvo. Com a veiculação e a expansão das ferramentas tecnológicas, essa interação se intensificou de uma forma nunca antes vista. A própria Amanda Palmer mantém um contato direto (no sentido de que não há alguém contratado por ela para dialogar com seu público) com seus fãs através de redes sociais como Twitter, Facebook e Tumblr. Por isso, focaremos agora na ideia de "performance cotidiana" e identidade online.

1.3 - Performance e identidade online Henry Jenkins apontará para o fato de que com o avanço tecnológico as interações sociais, que já existiam, ampliaram seu alcance, expandindo a ideia que se tinha por comunidade. O "cidadão médio" passa a ser ouvido por um público muito maior do que anteriormente e a compartilhar informações sobre variados assuntos de forma mais alargada (JENKINS, 2006). A interação que acontecia numa cena5 local, por exemplo, pode ter sua ampliação em uma cena musical virtual, mesmo que não carregue as mesmas dinâmicas como o contato físico ou a importância da observação dos gestos corporais, dando supostamente mais valor à interação escrita e o envolvimento mediado com o objeto de adoração (LEE E PETERSON, 2004). Essa interação que ocorre nas cenas virtuais é uma propriedade da chamada web 2.0. O termo é explicado por Jenkins da seguinte forma: termo cunhado por Tim O'Reilly para se referir a novos tipos de empresas de mídia que utilizam redes sociais, conteúdo gerado pelo usuário ou conteúdo moderado pelo usuário. O'Reilly considera essas empresas como criadoras de novos tipos de valor, através o suporte da cultura participativa e da exploração da inteligência coletiva de seus consumidores. (JENKINS, 2006, p. 388)

Entendendo como se dá a web 2.0, podemos dizer que artistas como Amanda Palmer se encontram inseridos nessa lógica já que eles, por estarem conectados e em

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Cenas musicais estão ligadas à territorialidade, mas não somente. Elas se formam com a união de espaços geográficos e identidade cultural, ao mesmo tempo, esses espaços são deslocados pela comunidade cultural, mas conseguem perpetuar os significados das músicas graças aos históricos geográficos (STRAW, 2010).

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constante troca com o seu público, estimulam a participação e irão pensar justamente na reestruturação que a tecnologia possibilitou para a relação produtor/consumidor. Conforme argumentado acima, a identidade deve ser entendida como algo sempre inacabado, em construção, multifacetado e complexo e, claro, identidades construídas online também o são. Montarto e Araújo (2013) irão correlacionar a construção da identidade online com as práticas de consumo no mesmo meio. Citando Barbora (2004), eles afirmam que o consumo nas redes sociais irá incitar a descoberta da identidade e subjetividade. Ao falar de consumo na web, Montarto e Araújo inevitavelmente citarão a lógica da performance online como uma semelhante. Para justificar essa analogia, eles defendem que nas redes é possível se "mostrar o que se consome" (2013, p. 477), o que nos remete a como Schechner entende o que é performance, o "se mostrar fazendo" (2006). Polivanov irá complementar ao reafirmar que "através do consumo (...) os indivíduos livres constroem a si mesmos e mostram suas visões de mundo" (2012, p. 56). Montarto e Araújo usarão Richard Schechner para entender a performance dentro da mídia e da internet, que são capazes de colaborar para as "sequências de performances conectadas" (SCHECHNER apud MONTARTO e ARAÚJO, 2013, p. 479). Podemos então observar que a performance e o consumo constroem a todo momento a identidade, esta que não é fixa e está mudando conforme mudam-se os hábitos de consumo e as performances online e será incorporada não somente pelo/a artista, mas também pelo fandom que o/a cerca. O desejo que o público apresenta ao/à performer e sua identidade é que ele/a seja o/a mais "autêntico/a" possível, como uma forma de provar para aqueles que o/a “consomem” da proximidade que pode existir entre ambos, mesmo que na intimidade o/a artista não seja aquilo que está demonstrando ser em cima do palco (GOFFMAN, 1956). A importância do quanto o/a performer irá convencer o seu público da sua autenticidade é o que irá fazer parte da sua formação identitária. Online, a performance cotidiana terá talvez uma maior importância, envolvendo como um/a artista lida com os/as fãs pelo meio das mídias sociais, como ele/ela responde àqueles/aquelas que o/a procuram. Assim a proximidade pode ser estreitada ou alargada. O pesquisador Thiago Soares (2011) fala sobre essa interação entre artista musical e comunidade fã e ressalta que existe um pacto entre os ambos que permite a "encenação", explicada por Goffman através da metáfora teatral. Esses pactos estabelecidos são de certa forma estendidos com a web 2.0, em comparação com a

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interação performer e audiência que já existiam anteriormente. Outrora, o reforço se dava através da exploração do “ao vivo”, a performance de palco dos/das artistas e, até mesmo, através da troca de cartas ou por intermédio da mídia de massa (como revistas, jornais, fanzines, etc.). Atualmente, o/a artista possui o seu próprio site e perfis em sites de redes sociais que ele/ela vem a administrar ou não, estreitando os pactos assumidos com os/as fãs. Em verdade, tais práticas não necessariamente são substituídas umas pelas outras, podendo coexistir. As performances ao vivo obviamente não perderam a sua importância, muito pelo contrário, elas ainda apresentam grande evidência e influência principalmente em se tratando de um artista musical. O que ocorre com a performance artística ou cotidiana online é uma facilitação no "mostrar fazendo", no processo da comunicação entre performer e espectador, através das ferramentas da tecnologias como computadores, celulares e gadgets6, que contribuem para produções de sentidos mais imediatas e compartilhamentos em tempo real. Os/As artistas se utilizam desses dispositivos para divulgarem suas performances e a si mesmos (GOLDBERG apud SALGADO, 2013), promovendo a ideia do "performer transmídia" e aumentando o contato com sua rede de fãs e consumidores. Fazendo uma rápida correlação, Soares usa o termo de Henry Jenkins "narrativa transmidiática" (2006) para entender o processo que ocorre entre os/as artistas atuais, que se envolvem com seus fãs através da internet e devem a permanência do seu trabalho por causa da mesma. Jenkins explica a transmídia como algo que surge em "resposta à convergência das mídias" (JENKINS apud SOARES, 2011, p. 60). Cada subnarrativa renova sua harmonia e se adapta em cada canal que se estabilizará, sobrevivendo individualmente, mas todas direcionando para a plataforma principal. Para que isso aconteça, é necessário que o/a consumidor/a acompanhe e destrinche plataformas para se aprofundar em determinado caso. Artistas como Lady Gaga (que fez parte da pesquisa de Thiago Soares) e como Amanda Palmer funcionam de forma semelhante às narrativas transmidiáticas, pois montam suas identidades artísticas através de suas produções musicais, as transmitem por diversos canais e precisam da ajuda de fãs para que possam manter em atividade suas "narrativas". Ao assumirmos que alguns artistas acabam por se tornar plataformas transmidiáticas, pois podem existir em diferentes canais, também entendemos que eles

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Aparatos eletrônicos portáteis.

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não possuem a influência dentro de determinada cena musical sem essas ferramentas das quais se utilizam para provar sua autenticidade e envolvimento com a gama de fãs (SOARES, 2011). Soares irá entender, assim, os sites de redes sociais como estruturas sociais compostas por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que partilham de valores e objetivo comuns (...) A conexão fundamental entre as pessoas se dá através da identidade, gerando expectativa, confiança e lealdade. (2011, p. 61)

Isso quer dizer que quanto mais um/a artista se utiliza dos sites de redes sociais para aumentar sua proximidade com o público, mais a sensação de "expectativa, confiança e lealdade" será aumentada. Simon Frith (1996) diz que o problema encontrado pelos/as artistas na hora de fazer a performance ao vivo é que a ferramenta usada para a ação é o próprio corpo, com seus defeitos e limitações que o tiram do patamar de "star persona". Aos nossos olhos, quando os/as artistas se propõem a se expor nos momentos de maior intimidade através de ferramentas como Twitter e Facebook, eles/as também expõem seus próprios defeitos e humanidades, borrando as fronteiras entre espetáculo e realidade. "Assumir-se como monstro (...) parece ser condição para atitudes de legitimação de corpo performatizado" (SOARES, 2011, p. 62).

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Capítulo 2: Cenas musicais e fandoms online Neste capítulo, teremos como um dos objetivos discutir sobre como podem ser entendidos os fandoms musicais online, isto é, grupos de admiradores de determinados artistas do universo da música que se articulam através de sites e plataformas online para fins diversos, como o compartilhamento de informações sobre o/a artista, suas produções, shows etc., bem como trocas de experiências, contato, dentre outros. Discorremos, portanto, inicialmente sobre a lógica do fandom. O que ele é? Quem o forma? Alguns autores como John Fiske (1992), Henry Jenkins (1988) e João Freire Filho (2013) apresentarão papel fundamental para a contextualização e conceptualização da ideia da cultura fã. Veremos que para a existência de um fandom será necessária a participação de indivíduos como o/a próprio/a fã, haters e anti fãs (o conceito desta tríade veremos mais a frente). O objetivo neste tópico, portanto, será entender que um fandom, mesmo sendo mediado pela web 2.0, é formado por pessoas, e que tais pessoas não formam grupos homogêneos de adoradores de certos/as artistas, mas sim redes em disputa permanente. Iremos nos debruçar também sobre a importância que um/a artista terá em contato com esse grupo de pessoas, seja provendo respostas e estabelecendo uma comunicação mais próxima com elas ou mesmo compartilhando material criativo, como músicas, performances ao vivo e vídeos. É também nosso objetivo aqui debater sobre o conceito de cenas musicais. Para tal, precisaremos problematizar esses termos - "fandom musical" e "cenas musicais" - e correlacioná-los, buscando entender como conseguimos visualizar a ideia de fandom como algo intrínseco na lógica de grupo social das cenas musicais. Entendemos que um rápido levantamento histórico será necessário, remetendo brevemente à Escola de Frankfurt e à Escola de Birmingham como duas instituições pioneiras nos estudos de cultura juvenil e afins. Para tal, o texto "Systems of Articulation, Logics of Change: Communities and Scenes in Popular Music" de Will Straw (1991) será indispensável, pois várias pesquisas que tratam sobre cena musical irão se referenciar a ele como um marco para categorização do que vêm a ser cenas musicais, como elas são geradas e como sobrevivem. Feito isso, voltaremos nosso foco para uma ideia de virtualização das cenas musicais, por um lado, e para uma discussão sobre cenas musicais independentes, por outro, de modo que possamos entender melhor o objeto de estudo dessa monografia, centrado no fandom da performer Amanda Palmer, considerada uma artista

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"independente", não vinculada a gravadoras e cuja divulgação e circulação de trabalhos se dá de forma autônoma através da internet primordialmente. Argumentamos que tais cenas estão, contemporaneamente, muito ligadas à internet e aos sites de redes sociais, uma vez que percebemos que muito do desenvolvimento, divulgação e contato com o público que o/a artista ou banda constrói se dá justamente pelas vias online, por conta da facilidade e economia que elas proporcionam, permitindo potencialmente alcançar o nicho de público desejado, como é o próprio caso da Amanda Palmer. Por fim, após destrincharmos conceitos importantes para o entendimento de fandom, cena musical indie (independente) e as relações de ambos com as vias online, apresentaremos o fandom online de Palmer sobre o qual realizamos nossa investigação levando em conta os embates, participações e ferramentas utilizadas pelo grupo de pessoas ligadas de forma afetiva à musicista.

2.1 - Fandoms Unite!: para entender o que são fandoms. "Fandom é um termo em inglês surgido da mistura de duas palavras: fan (fã) e kingdom (reino). É utilizado para designar as comunidades de fãs de um determinado produto cultural, geralmente aportadas na internet." (SOUZA e MARTINS, 2012, p. 5)

Como explicitado acima, a palavra fandom possui um significado específico relacionado a uma construção cultural de compartilhamento de interesses, que oferece aos participantes do mesmo uma sensação de pertencimento em uma comunidade unida, ou um reino. É importante entender que o termo traduzido por "reino do fã" é complexo. De acordo com John Fiske (1992), o fandom é formado quando um determinado grupo de pessoas que compartilha do mesmo gosto ligado à cultura popular, interage e adota certas práticas que o integra e cria, assim, uma cultura própria. Essas interações acontecem por causa do elo passional que pessoas do fandom dividem. Afetações “positivas” e “negativas” são o que farão com que sejam conferidos "tom, dinamismo, colorido e significados às interações e aos projetos humanos" (FREIRE FILHO, 2013), fazendo com que fãs tenham o poder de apoiar algum signo da cultura, bem como dando a eles o poder de construir suas identidades a partir da afiliação simbólica e consumo de produtos da indústria cultural. Pela apropriação que os/as fãs fazem de objetos culturais, eles/elas tomam a liberdade de produzirem e "expandirem" um universo da forma que acharem melhor. Henry Jenkins (1988) trata sobre releituras textuais de fãs de ficção científica e fantasia,

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observando que esses/as fãs não se prendem em apenas uma leitura de um universo do gênero adorado, mas a diversas. Esses/as mesmos/as fãs irão produzir extensões das histórias lidas ou assistidas (se for o caso de produtos audiovisuais) para suprimir um desejo de participação gerado pela afeição. O fandom e a sua cultura seriam, então, o lugar onde um/a fã que consome e produz suas próprias releituras narrativas ficaria confortável para compartilhar suas ideias e opiniões, interagindo com pessoas que consomem determinado produto midiático e também, em muitos casos, produzem seus conteúdos. O fandom irá se manter justamente por conta dessas relações interpessoais, inicialmente, face a face, atualmente tendo como facilitadores sites de redes sociais e as ferramentas de comunicação online que não prescindem da experiência do contato físico nas conversas e discussões, extrapolando barreiras físicas (BAYM, 1998). Além disso, o laço afetivo que é criado com a relação entre as pessoas dentro de um fandom é notável. Por gostarem de um mesmo/a artista podem acabar descobrindo que possuem outras semelhanças. Assim, pode-se criar uma espécie de entendimento mútuo e empatia com o outro. A afinidade partirá desse sentimento, bem como a sensação de fazer parte de um grupo: "O vínculo social funciona a partir de uma lógica de identificação, na qual a cultura do sentimento é a consequência da atração" (AMARAL, 2003, p. 3). Sabendo que o vínculo que acontece entre os/as fãs será aquilo que deixará o reino "vivo" (AMARAL, 2003), cada indivíduo poderá levar para o grupo questões afetivas e ligadas às suas experiências próprias. Um/a fã poderá se identificar com um/a personagem, com uma história ou um produto cultural ao articularem suas experiências privadas para entender um objeto (BAYM, 1998). Isso faz com que um/a fã possa efetivamente produzir, ao se apropriar de determinado objeto cultural, podendo criar um novo sentido para ele/ela (CURI, 2010). De certa forma, a dupla fã e produtor/a de cultura precisarão trabalhar em conjunto para que consigam, o/a primeiro/a, consumir e, o/a segundo/a, produzir. Nancy Baym (1998), ao falar de fãs de novela, explica que muitos/as deles/as vêm as situações das personagens no drama e especulam sobre os sentimentos das mesmas através de uma espécie de transferência daquilo que o/a fã vive e que, de certa forma, faz com que o papel interpretado se torne mais real, mais próximo do grupo de fãs dedicado à personagem, ao ator ou atriz, ou até mesmo ao próprio conteúdo audiovisual. Adriana Amaral (2003) também aponta em seu texto sobre fãs gaúchos de U2 uma peculiar aproximação identitária por parte dos/as fãs para com a banda. Essa

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aproximação acontece devido ao "mergulho em uma cultura 'U2zística'" (p. 11), ou seja, os/as fãs não apreciam somente a música, mas compram as mesmas causas, levantam as mesmas "bandeiras" e, até mesmo, gostam das mesmas bandas e artistas que foram influências para os irlandeses. Essa demonstração de afeto pode estar relacionada a um sentimento de aproximação que o público tem para com seu/sua ídolo(a). É o incentivo ao "comprometimento íntimo com determinados valores e instituições, rituais e atitudes" (FREIRE FILHO, 2013, p. 4). A partir dos exemplos acima, podemos argumentar que uma das razões que motiva um/a fã é a afetividade e é por causa da mesma que ele/a se dedica a um ou mais determinados tipos de artistas, construindo sua própria identidade de acordo com os produtos diversos da indústria cultural com os quais ele/a se liga emocionalmente. A influência poderá aparecer no estilo de roupa que essas pessoas usam, nos lugares que frequentam, nos grupos políticos dos quais participam (ou propositalmente não participam), no jeito que elas falam, sobre o que elas falam, entre outros signos que distinguem esses sujeitos e o/a produtor/a cultural que eles cultuam (FISKE, 1992). Para um fandom musical isso é ainda mais constante, afinal os músicos e bandas dependem da sensibilidade e da participação, mesmo que indireta, daqueles que consomem sua produção musical. Por causa disso, a lógica de construir e produzir um/a artista para que ele, ou ela, inspire a identificação e simpatia do público é muito anterior ao que conhecemos hoje por indústria fonográfica. O pesquisador Daniel Cavicchi relata esse tipo de produção artística (ou do/a artista) em 1850, com uma cantora de ópera suíça chamada Jenny Lind, que conquistou palcos e o público estadounidense por causa da sua aparente fragilidade e simplicidade física, que era desconstruída assim que começava a cantar, mostrando todo seu potencial, "força" e talento (2007, p. 239). A aproximação com o público foi o que fez com que um grande número de pessoas se vissem como fãs da performer, mesmo que o termo "fã" não fosse empregado na época. A partir do momento em que pessoas que adoram Jenny Lind se identificam com ela, com a música dela, se encontram para partilhar o interesse mútuo e observar a artista, podemos dizer que se criou o que temos hoje por fandom musical. Conforme explica o autor: Aparte por estarem 'star struck', amantes musicais também eram atraídos pela pura novidade e pelo poder da experiência auditiva (...) Igualmente, amantes musicais estavam enamorados por ouvirem a projeção confiante da voz dele ou dela ou do som do instrumento dele ou dela para uma grande audiência, uma situação acústica única e memorável. (CAVICCHI, 2007, p. 239-240, tradução nossa)

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Contemporaneamente, os/as fãs de Amanda Palmer não são tão diferentes daquelas pessoas que acompanhavam a carreira de Jenny Lind através de matérias de jornais, indo a shows e tentando um contato físico mais próximo com a artista. A projeção do envolvimento com o/a artista aumentou gradualmente, principalmente se falarmos sobre aqueles/as que buscam evidência dentro do cerco da independência em relação à indústria musical massiva, mas que, assim como eles/as, estariam inseridos em uma lógica do "star system". Edgar Morin (2005) fala sobre esse interesse humano por criaturas reais, que passam a emergir com força maior no século XX, com a revolução industrial e a popularização do sistema de estrelato com o rádio, o cinema e a televisão, configurando o que o autor vai chamar de "terceira cultura" (p. 14). Como explica o autor, a cultura nacional, desde a escola, nos imerge nas experiências míticovividas do passado, ligando-nos por relações de identificação e projeção aos heróis da pátria (...) A cultura religiosa se baseia na identificação com o deus que salva, e com a grande comunidade maternal-paternal que constituiu a igreja. (MORIN, 2005, p. 15)

Dinâmica similar se dá na cultura de massa, através da inspiração à identificação oferecida pela construção dos ídolos (MORIN, 2005) que poderão exercer grandes influências sobre as massas (MARTIN-BARBERO, 1987) e, de certa forma, poderão uni-las ou separá-las pelas vias da afetividade. Essa identificação pode se dar de diversas formas, pela empatia, pela performance de gosto (HENNION apud AMARAL e MONTEIRO, 2013) ou pela suposta "invasão" à vida privada do/a artista (MORIN, 2005). Como veremos mais a frente, para artistas como Amanda Palmer que dependem da sua fan base7 para se manter artisticamente, essas três formas de aproximação com o público serão fundamentais. Por isso, a busca se dará pela empatia no compartilhamento de ideologias, no caso dela, feministas, pela apreciação das artes feitas por ela e pelo contato mais direto e próximo entre aqueles que a apoiam como, por exemplo, respondendo pessoalmente a comentários em blogs ou revistas online. Nesse momento, é importante entender que um fandom musical irá se manter justamente por causa da fidelização do público, que é gerada pela sensação de proximidade e envolvimento com o/a artista admirado/a e as relações interpessoais que surgem entre pessoas que dividem os mesmos gostos. Isso transforma um/a artista,

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Base fã, tradução literal.

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portanto, em uma espécie de "conector" para o diálogo entre sujeitos participantes de um fandom. Podemos dizer, por fim, que fãs e artistas são fundamentais para construir um fandom musical. O/a produtor/a8 irá oferecer um material, através de suas produções e performances, que poderá possibilitar o interesse das pessoas que consomem essas obras e que irão potencialmente se unir graças ao compartilhamento de experiências e ao nível de envolvimento que obtêm com o/a artista e com o que ele/a cria e expressa. Assim, o fandom de Amanda Palmer, por exemplo, irá apoiá-la quando falarem, ou escreverem, sobre a mesma nos sites de redes sociais e o trabalho que ela realiza gerando certa promoção para a artista -, além de comprar seus álbuns e músicas e comparecer a shows. Essas ações de suporte à artista podem ser compartilhadas entre os/as integrantes do fandom, possibilitando a identificação como partes integrantes do grupo que gira em torno da mesma. Assim, não apenas os/as fãs são importantes para a construção do fandom, mas também a presença do/a artista, seja em contato com esses ou essas fãs ou com a simples ação de realizar uma performance para o público. No entanto, não podemos ignorar os outros dois elementos que também se mostram fundamentais para a categorização e, quiçá, validação da ideia de fandom: os/as haters e antifãs, isto é, aqueles/as que demonstram comportamentos de ódio e/ou não aceitação para com determinados/as artistas, fandoms, gêneros, cenas musicais e outros elementos da indústria do entretenimento. É importante, nesse ponto, que diferenciemos o que são haters e o que são antifãs. Mesmo que os discursos de ambos grupos sejam calcados no ódio ou ao menos repulsa por algo, suas dinâmicas vêm a ser distintas. A diferença estaria justamente no nível de envolvimento com que cada "grupo" tem com o produto cultural, e, para entendê-la, Jonathan Gray (2003) é um autor importante. Ele apresenta antifãs, como o nome mesmo sugere, como uma espécie de antagonistas aos fãs, ou ao fandom. O grupo de antifãs irá se mobilizar, consumindo aquilo que o/a artista produz, criando argumentos contra ele/a, se envolvendo de forma afetivamente negativa e sendo tão mobilizado e conhecedor do/a artista quanto os/as próprios/as fãs que compõem seu fandom. Os/As antifãs odeiam não somente o/a artista, mas os/as fãs do/a mesmo/a,

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Aqui, utilizo a expressão produtor/a para designar um/a artista, tendo em vista que este sujeito é um/a produtor/a de sentidos e de cultura.

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incitando a mobilização para a defesa, por parte dos/as fãs, do objeto de adoração, fazendo com que os/as integrantes de um fandom se mobilizem, articulem e se unam para oferecer o devido amparo e suporte ao/à músico/musicista, ou banda, adorado/a (MONTEIRO, 2012). Já o grupo de haters não se "fideliza" e se organiza tanto para expressar seu ódio, pois seu objetivo está mais relacionado à aversão ao/à artista (GRAY apud MONTEIRO, 2012). O/A hater se mostra, portanto, um/a crítico/a quanto ao trabalho que é produzido, mas não despende muito tempo ou energia em busca da desqualificação de um grupo ou um produto cultural como fazem os/as antifãs. Essas articulações que ocorrem entre fãs, antifãs e haters são explicadas por Adriana Amaral e Camila Monteiro (2013) como "performance de gosto", termo utilizado por Hennion (2007, 2010) e que tem como cerne o gosto, e a ideia de que ele se constrói e media disputas através da cultura material, estando relacionado às afetações entre sujeito e objeto adorado, enquanto performance cotidiana. A partir desse conceito, elas investigam a participação de sujeitos dentro de fandoms, e a importância que cada um/a irá representar. A performance de gosto estaria, portanto, vinculada às ações que cada indivíduo pratica (dentro ou fora do fandom9), mas que remete diretamente aos gostos imbricados com o objeto de adoração (ou ódio). Além das práticas específicas, a performance de gosto também está ligada aos espaços em que elas são realizadas. A ideia sugerida é a do "vínculo entre os sujeitos e os objetos técnicos como plataformas, ferramentas, os espaços e as práticas" (AMARAL e MONTEIRO, 2013). Ou seja, não apenas a representação, defesa ou crítica a um/a artista devem ser vistas como elementos da performance de gosto, mas também os espaços onde ocorrem essas atuações e a forma como são feitos. Como um rápido exemplo, podemos correlacionar o envolvimento de Amanda Palmer com fãs e antifãs na plataforma Twitter. Essa prática é constante na interação da artista com o público10, mas é interessante ver como essas interações podem se dar de forma mais imediata através desse site, configurando portanto a performance de gosto dos participantes do fandom de Palmer: pessoas potencialmente interativas umas com as outras, se utilizando de ferramentas da internet que possibilitam agilidade e sentimento de proximidade. Tanto fandoms quanto cenas musicais podem ser construídos por questões afetivas - de aproximação ou repulsa - e podem transmitir uma sensação de pertença e 9

Cabe ressaltar que o autor não utiliza o conceito de "fandom". Iremos aprofundar esse relacionamento no capítulo seguinte.

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comunidade (BAUMAN, 2012), para quem nele está inserido. Além disso, como veremos mais a frente, as cenas musicais também se utilizarão das produções de quem estiver inserido/a nela como uma forma de compartilhamento de experiências e, eventualmente, conexão entre cada indivíduo. Por isso, entendemos fandoms como partes representativas e de importância dentro das cenas musicais.

2.2 Sobre cenas musicais O conceito de cena musical nos remete aos idos dos anos 1930, em Frankfurt, quando o interesse no estudo das culturas de massa foi evidenciado. Instigados pela teoria marxista, o desenvolvimento dos meios de comunicação e, consequentemente, a ideia de massificação cultural, Max Horkeimer e Theodor Adorno começam a desenvolver estudos para problematizar a indústria cultural e sua popularização. Os teóricos acreditavam que a generalização da "baixa" cultura seria um alienador para aqueles indivíduos que a consumiam. Esse público consumidor seria, portanto, a maior vítima da indústria cultural que teria como objetivo apenas o lucro próprio (SOUZA e MARTINS, 2012). Um pouco mais tarde, entre os anos 60 e 70, a teoria da Escola de Frankfurt é questionada pela Universidade de Birmingham. O Centre of Contemporary Cultural Studies (CCCS) passa a investigar grupos sociais formados pela união de indivíduos que compartilham de interesses em comum quanto a um produto cultural. Através de construções teóricas e estudos de campo, pesquisadores como Stuart Hall tentam entender as práticas de convívio, lógica de hierarquização e construção de identidade do sujeito (pós) moderno. O objetivo era "legitimar a vida subcultural juvenil, compreendendo-a como um comportamento social razoável e coerente, e não como um sintoma de demência ou iniquidade" (FREIRE FILHO e FERNANDES, 2005). O CCCS buscava entender, ao estudar os grupos jovens de contra cultura, como aconteciam as relações entre classe e resistência dentro do universo da cultura (POLIVANOV, 2012). Em contexto histórico, a Europa enfrentava um duro período pós Segunda Guerra Mundial que não beneficiava aos jovens - principalmente do proletariado - e precisava, de alguma forma reerguer os países que foram destruídos entre batalhas. Grupos ligados a subculturas começam a questionar seu posicionamento social e as hierarquias impostas, como o punk que passa a acreditar nas ideologias "No Future” e

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"Do it Yourself", como forma de embate, resistência e sobrevivência (MCNEIL e MCCAIN, 2013). É também nesta época que se começa a caracterização e nomeação dos grupos de subcultura. Rockers, teds, mobs, punks, a maioria deles parecia ter forte ligação com a música. No entanto, é apenas em 1991 que o termo "cena" passa a caracterizar grupos de pessoas e circuitos de lugares envolvidos com certos tipos de gênero musical. Will Straw, em seu trabalho "Systems of Articulation, Logics of Change: Communities and Scenes in Popular Music" caracteriza o que é cena musical e a desvincula da ideia de comunidade. Ele afirma que uma cena musical poderia ser entendida como uma espécie de agregação onde diversos tipos de práticas da arte da música coexistem. Além disso, a cena musical seria um espaço em que as práticas econômica e midiática estariam invariavelmente em atividade junto com os participantes da mesma. É justamente nesse ponto em que se diferenciam cenas musicais e comunidades musicais. Enquanto as comunidades estariam conectadas - discursivamente - muito mais por questões locais e históricas, sem necessariamente depender do capital para existir, cenas musicais também se utilizariam de questões locais, mas dependeriam muito mais da afetividade dos indivíduos, bem como do lucro que a indústria fonográfica, de um modo geral, consegue movimentar através delas (STRAW, 1991). Uma cena musical precisa, portanto, igualmente da extensão econômica, da mídia e do público para existir. A interação humana será, na realidade, um causador e resultante desses três elementos (STRAW, 2002). Através deles, as pessoas interagem, podem se encontrar, dividir experiências e se identificar umas com as outras. A cena se manterá por causa desses acordos feitos com base na afetividade gerada pela socialização, o que permite que cenas musicais possam transpassar a ideia do território geográfico, borrando barreiras locais, como veremos mais a frente. Peterson e Bennet (2004) vão afirmar que cenas musicais não devem ser analisadas como subculturas, pois diferentemente das subculturas, as cenas não irão, necessariamente, se contrapor a uma "cultura mãe". João Freire Filho e Fernanda Fernandes (2005) tocam no mesmo ponto ao discorrerem que, diferentemente dos grupos analisados na Escola de Birmingham, as cena musicais não possuem necessariamente o objetivo de chocar nem causar impacto na sociedade ao questionarem culturas, por assim dizer, massivas, mas apresentam características muito mais relacionadas às culturas de consumo e à interação interpessoal entre seus/suas participantes.

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A cenas musicais independentes vêm a se mostrar refletores dessa forma de quererem se "libertar" da mídia de massa, mas sem necessariamente se rebelar contra a cultura de massa - como a música pop, por exemplo (FREIRE FILHO e FERNANDES, 2005). O objeto de estudo dessa monografia - construído a partir da artista Amanda Palmer - parece-nos estar vinculado a uma noção de cena musical independente, pois se posiciona fora do "espaço comum" das gravadoras11, além de não utilizar nenhum mediador humano (como agentes e produtores/as) para entrar em contato com a sua fan base ou, até mesmo, com a mídia12. Desse modo, é importante compreender as especificidades desse tipo de cena musical. 2.2.1 "Indie rock'n'roll, it's time!" 13: Música independente - a cena O consumo musical dentro de cenas de música consideradas independentes é tido como diferenciado, muitas vezes ligados a uma ideia de música alternativa, ou, no nosso caso, rock alternativo, que recebe esta nomenclatura pela estética e sonoridades que renegam os antigos signos do rock "clássico", sem, no entanto, necessariamente negar a lógica popular da indústria fonográfica, mesmo que se prefira - nessa diversificação do gênero - se promover por selos menores (WALD, 1998). No entanto, quando observado por um ponto de vista crítico, percebemos que muitas das bandas que são rotuladas como "indie", independentes, flertam com gêneros como o pop14, que apresentaria letras de fácil adesão e o convite à utilização pública (FRITH, 2001). Isso gera, portanto, tensões sobre a cena musical indie como uma "não subcultura", pois não irá de encontro à cultura de massa (FREIRE FILHO e FERNANDES, 2005), mas ainda assim existiria a busca da contraposição a uma produção musical industrializada. Inicialmente chamavam-se "independentes" aqueles/as artistas que possuíam certo desligamento com a produção musical realizada pelas grandes empresas fonográficas, também conhecidas como majors (FONSECA, 2011). O discurso de não

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Amanda Palmer se desligou da gravadora Roadrunner, por causa de algumas divergências com a questão do corpo dela no vídeo clipe da música "Leeds United", em 2010. Vide: http://blog.amandapalmer.net/free-at-last-free-at-last-dear-roadrunner-records/. Acessado em: 16/06/2015 12 Vide a carta resposta da artista para a resenha do jornal inglês Daily Mail: http://blog.amandapalmer.net/20130713/. Acessado em: 16/06/2015. 13 Trecho retirado da música "Glamorous Indie Rock & Roll", da banda The Killers. Foi lançada dia 8 de outubro de 2005. 14 Estamos tomando aqui o pop como um gênero musical. No entanto, sabemos que tal discussão está longe de ser encerrada. Ver, por exemplo, SÁ, Simone Pereira de; CARREIRO, Rodrigo; FERRAZ, Rogerio (orgs.) "Cultura Pop". Salvador: EDUFBA, 2015.

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imposição e submissão a um capital de massificação sempre esteve presente na lógica de produção musical independente. No entanto, como vimos anteriormente o/a artista musical indie não se contrapõe necessariamente à cultura de massa. Ele/a muitas vezes até poderá se utilizar de signos e da propaganda de massa que o colocam em um patamar parecido com o de um/a artista pop. O que caracteriza, portanto, um/a artista ou uma banda independente são, pois, os círculos pelas quais elas circulam, a estética, o selo que é escolhido (ou não) e as políticas de envolvimento (causas sociais, ideologias, assuntos os quais são debatidos por esses/as artistas, etc.) (GALLETA, 2014). Mesmo com "regras de conduta" para circular em uma cena independente, as relações dentro delas são muito complexas, no sentido de não apresentar uma linearidade, possuindo características musicais diversas. Indie é, portanto, "um estado mental", não sendo "necessariamente um som particular ou uma atitude concreta" (BLANQUEZ e FREIRE apud HERSCHMANN, 2011). Na dissertação de Rafael Fonseca (2011), sobre a cena indie de Belo Horizonte, o autor faz um mapeamento das bandas e artistas da cidade que fazem parte de tal circuito. Muitos artistas se encaixavam dentro do rótulo do que poderíamos designar como rock (ligados aos subgêneros como grunge, stoner e punk), mas também apresentavam-se artistas ligados à música pop, MPB e ao rap, por exemplo (p. 28, 29, 30). Isso comprova a pluralidade presente em uma cena musical independente, fazendo com que percebamos que, mesmo sendo musicalmente diferentes, as cenas tidas como independentes compartilhariam de um mesmo princípio básico: o desligamento das majors. Os/As artistas da cena musical indie irão se identificar, portanto, com gravadoras fora do circuito mainstream geralmente, selos pequenos e que não são conhecidas por grandes parcelas da população. Ainda assim, muitos desses selos são apenas pequenas ramificações de grandes gravadores que se utilizarão dos mesmos para a entrada no circuito independente e, eventualmente, a descoberta de novos/novas artistas (ALBORNOZ e GALLEGO, 2012)15. Muitos/as artistas preferem não se "prender" a nenhum tipo de gravadora para os representar, nem para distribuir seus trabalhos. O fato de um/a artista se ver preso a uma gravadora pode vir a ser um desconforto, pois ele/a precisará ceder parte do dinheiro

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Um bom exemplo disso em solo nacional é o selo "Vigilante", que agencia artistas inseridos/as na cena independente, como Agridoce, Vanguart e Vivendo do Ócio, mas tem ligação com a gravadora Deck Disc.

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que ganha à empresa e, além disso, o contato com o público pode ser restringido dependendo do tipo de contrato exigido (FONSECA, 2011). Em contrapartida, contemporaneamente, a opção de se utilizar da tecnologia para produção e divulgação de si mesmo/a ou da banda em que faz parte beneficiou muitos/as dos/as artistas que não querem depender de grandes gravadoras. A popularização da internet beneficia a popularização de artistas independentes que, antes, só conseguiam divulgar seus trabalhos através do público ao vivo. Download16 e streaming17 se mostram importantes para a divulgação de artistas que não estão vinculados a grandes empresas (GALLETA, 2014). É seguindo essa lógica que a cena musical de Amanda Palmer se baseia, estando fora da dependência direta de uma gravadora. Os trabalhos realizados pela artista são divulgados por ela mesma e por seu público consumidor, fazendo de Palmer artista, produtora e propagandista, mas ainda dependente da base de fãs para consumir e divulgar seu material. Essa "autossuficiência" artística é possibilitada pelo barateamento de custos tecnológicos para produção e divulgação de material musical. Com MP3, sites de redes sociais especializados em música e vídeos (LastFM, SoundCloud, YouTube, Vimeo) e meios online que possibilitam promoção própria (Facebook, Twitter, fóruns, blogs), muitos/as artistas relutam em entregar todos os seus direitos nas mãos de produtores, fazendo deles/as, portanto, artistas mais independentes de selos e gravadoras e mais dependentes do público em si (ALBORNOZ e GALLEGO, 2012). Podemos refletir sobre a performer Amanda Palmer e a cena musical em que ela está inserida como um bom exemplo de expressão de antagonismo à indústria fonográfica massiva, marcando o que seria uma cena tida como independente da lógica tradicional dessa indústria. Afinal, não apenas sua cena, que poderíamos chamar de dark cabaret ou punk cabaret,18 está calcada na negação à indústria de massa, na valorização do trabalho de artistas independentes e na constante negociação com o grupo de fãs 16

"Baixar", tradução literal. É uma prática que envolve a cópia de uma informação ou arquivo (músicas, vídeos, imagens, etc.) de um computador para outro. 17 Prática que consiste em distribuir informações de áudio ou vídeo pela Internet. 18 O dark cabaret é um subgênero musical proveniente do rock que explodiu nos anos 70 e mistura o estilo gótico, com a musicalidade do punk rock e as performances burlescas do cabaré de Weimar. O selo Projekt lançou, em 2005, uma coletânea intitulada "A Dark Cabaret" que reunia vários artistas que se encaixavam no gênero como o The Dresden Dolls, Nicki Jaine e Black Tape for a Blue Girl (fonte: http://www.projekt.com/store/product/PRO00176/ e http://en.wikipedia.org/wiki/Dark_cabaret). O termo se popularizou com a The Dresden Dolls, antiga banda de Amanda Palmer com o baterista Brian Viglione, mesmo que ela tenha caracterizado Dresden como punk cabaret em uma entrevista, para que eles se distanciassem da cena gótica (fonte: http://www.smashedchair.com/interviews/dd/amanda.html). A partir de então, não existe uma certeza de categoria do gênero musical, algumas vezes sendo chamado de dark cabaret, outras de punk cabaret. Links acessados em: 03/05/2015.

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através de canais que possibilitam um contato mais aproximado com o mesmo, como ela também terá uma movimentação econômica própria, através de práticas como o crowdfunding19 e a colaboração do público para a divulgação do/da artista ou banda. Isso significa que a cena pode estar desvinculada de uma massificação industrial, atrelada aos meios de comunicação de massa, mas não é excluída do fato de que precisa de uma economia que a movimente para que ela se mantenha em funcionamento. A cena se mostra, portanto, como um lócus no qual se dá uma importante troca de bens simbólicos e materiais em uma comunidade produtiva (STRAW, 2002). Isso não é exatamente uma novidade nem exclusividade da performer. Nos anos 90 o coletivo Riot Grrrl20, originado em Washington, Estados Unidos, chamou atenção da mídia estadounidense pelo grande envolvimento com o público através das músicas e de fanzines - essas produzidas por integrantes de bandas da cena e também por aquelas participantes que não se aventuravam ao palco (SCHILT, 2004). O envolvimento entre os/as integrantes iam desde músicas que convidavam aqueles/as que as escutavam a se rebelar quanto aos padrões sociais da época e os valores patriarcais, até com a participação mais direta dos/as mesmos/as, que escreviam músicas para as bandas, produziam fanzines e organizavam shows. De certa forma, a Riot Grrrl apresenta essa semelhança marcante de representação com a cena musical que identificamos também em Amanda Palmer. O envolvimento e o convite para participação mais efetiva do público, a lógica punk rock do Do It Yourself e até mesmo a sensação de "mal estar" ou incômodo deixado na mídia de massa ao não entender como essas relações de troca entre artista e público acontece e por causa disso, não sabendo lidar com o envolvimento entre ambos. Sabendo que as cenas musicais se colocam, então, como mais do que comunidades territoriais, iremos discutir sobre as cenas musicais virtuais, isto é, aquelas que extrapolam o contato "face a face" (KRUSE, 2010, p. 636) e se dão (também) através de ambientes online como sites de redes sociais, fóruns, blogs, etc.

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Prática de angariar fundos através da internet para "iniciativas de risco", como trabalhos artísticos, pesquisas científicas, entre outros. O envolvimento requer a participação da população (crowd) para levantar dinheiro (funding) para o projeto apresentado pelos seus organizadores (PALMER, 2014) (COCATE e PERNISA, 2011). 20 "São jovens garotas que, ao associar música e política, questionam, denunciam e desconstroem as relações desiguais de gênero e suas consequências, em especial as relativas à juventude, e constroem, a partir de uma linguagem e de práticas, uma identidade feminista" (DE MELO, 2008, p. 10).

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2.2.2 Cenas musicais em territórios virtuais Na apresentação do livro "Cenas Musicais", os pesquisadores e organizadores da obra Simone Pereira de Sá e Jeder Janotti Junior (2013) introduzem brevemente não somente o conteúdo presente no trabalho, mas também a ideia de cenas musicais e seu "reposicionamento" com o advento da internet. Um trecho nos chama atenção: De uma maneira pouco surpreendente, as cenas musicais, ao contrário do que poderia se pensar - quando a internet começava a tensionar os modelos de produção e apropriação da música - não perderam sua energia. Se no início do século XXI se imaginava que as cenas se transformariam em comunidades virtuais, hoje, junto com vários processos de digitalização cultural, é um aprofundamento das relações entre práticas da internet e presença da música (e sociabilidades que gravitam em torno da mesma) na urbe. (JANOTTI e SÁ, 2013, p. 5)

A internet, então, não faz a cena musical perder força, mas auxilia na propagação da mesma e no aprofundamento dos relacionamentos que coexistem dentro dela. As interações humanas podem vir a ser aperfeiçoadas com essa ideia de expansão da cena. A partir do momento em que a cena passa a existir no ambiente digital ela pode sofrer mudanças em suas características básicas - por exemplo, a troca de cartas que acontecia na cena de heavy metal e que foi substituída pela comunicação digitalizada depois da popularização da web (CARVALHO, 2013). Muitos pesquisadores se debatem atualmente para tentar entender as reconfigurações das cenas musicais no ambiente online, bem como qual é o papel dos/as artistas nesse tempo onde trocas de as informações são rápidas e constantes. Os fandoms podem ajudar no entendimento dessas mudanças, já que parecem estar muito mais ligados às tecnologias que aproximam o global, com seu grupos utilizando a internet, desde o início da sua popularização. Isso tanto acontece que existe a percepção de que por causa da internet "os fandoms tornaram-se globalizados e visados" (MONTEIRO, 2012, p. 3), e também podemos pensar que uma das reconfigurações que são oferecidas à cena musical é a de redimensionamento midiático. Essa expansão poderia favorecer os contatos e relacionamentos dentro da cena musical, bem como a noção de espaço geográfico ao qual ela aparenta estar presa (STRAW, 1991). A popularização da internet, portanto, oferece uma facilitação não apenas de relacionamentos, mas também de consumo musical. As ferramentas e aplicativos que surgem em números crescentes são fundamentais para essas mudanças de práticas de consumo. Hoje conseguimos compartilhar músicas e vídeos pelo Facebook e Twitter,

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por exemplo. Dessa forma acabamos por vezes segmentando o grupo de pessoas com quem dividimos os mesmos gostos, através de ações como o "curtir", "favoritar" e o compartilhamento de conteúdos (POLIVANOV e SOUZA FILHO, 2014). Podemos ouvir a música que desejamos e dividir essas experiências com outras pessoas que possuem o mesmo gosto (afinal, é por causa disso que se formam os processos sociais como cenas musicais). Buscando entender o sistema local/global das cenas, Andy Bennet e Richard A. Peterson organizaram o livro "Music Scenes: Local, Translocal, and Virtual" (2004). Em uma tentativa de caracterizar cenas musicais e entender como se dão as reconfigurações das mesmas com o avanço e popularização da internet e de suas tecnologias, os autores caracterizam cenas locais como espaços onde atividades sociais com relações aproximadas entre si (como, por exemplo, um determinado gênero musical) acontecem; cenas translocais que se utilizam do mesmo espaço e contato físico das cenas locais, mas também passam a migrar para internet, aprofundando o relacionamento entre os integrantes da mesma, a medida que a intercomunicação é aumentada; e, por fim, cenas virtuais, ou seja, cenas que existem nas vias online, reconfigurando a lógica geográfica. Essa visão nos daria uma noção básica de por onde poderíamos começar a entender a virtualização das cenas musicais. No entanto, Simone Pereira de Sá (2013) irá dialogar com esses dois autores e irá apontar os problemas na categorização dos mesmos. Essa categorização de cenas, nas palavras da pesquisadora, "parece pouco produtiva para lidar com a complexidade das articulações das cenas no ambiente das redes virtuais na atualidade" (2013, p. 31-32). Assim como a identidade do homem pós moderno, a cena musical contemporânea é líquida, está se modificando a todo momento, e, ainda assim, mantém características básicas de sua construção. Com a popularização da internet, é impossível dizer que cenas atuais não terão contato nenhum umas com as outras, ou que não irão migrar, em algum sentido, para a internet. Sá usará o exemplo da cena funk carioca que seria, por Bennet e Peterson, uma cena local. No entanto, principalmente quando analisamos adventos dessa cena como a febre do Passinho, que se viralizou com o compartilhamento de vídeos filmados pelos integrantes da cena na internet (2013, p. 33), vemos que a tipologia perde força, já que por ser uma cena local - o funk não deveria ter características de uma cena virtual. Uma outra questão evidenciada por Simone de Sá é a da materialidade das cenas. Segundo a mesma, Bennet e Peterson não problematizam os meios pelos quais os integrantes de uma cena musical se comunicam e, ao não fazê-lo, acabam por

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simplificar demais o que é uma cena musical. Lembrando o que vimos anteriormente, cenas musicais são parcelas sociais altamente comunicativas. Ou seja, para que elas existam, é necessário que exista a comunicação entre os indivíduos integrantes da mesma, chamando nossa atenção para uma série de mediadores - como sites de redes sociais - que tornam tal comunicação possível. É nesse ponto que é calcada parte da crítica da pesquisadora Simone de Sá. A falta do olhar para com os atuantes não humanos causa certo incômodo. E são também esses agentes que darão vida às cenas musicais online, que têm por mediadores não apenas seres humanos, mas também ferramentas como a internet e suas plataformas, como os sites de redes sociais e fóruns. Ainda sobre a dimensão online da cena musical, Amaral (2013) faz uma nota quanto ao conceito de "audiência invisível", termo retirado do texto da autora danah boyd (2008) e que categoriza as audiências da internet. Amaral evidencia que o conceito seria difícil para elucidar uma "consciência de audiência projetada" (AMARAL, 2013, p. 97) nos sites de redes sociais e na própria internet. Essa dificuldade se dá justamente na complicação do que autora chama de "viralização" do conteúdo espelhado na rede, isso faria com que outros agentes entrassem em cena, agentes inesperados e que se envolvem com os atores comuns da cena musical, como é o que acontece com Amanda Palmer. Seguindo essa lógica, é interessante pensarmos que a viralização de determinado/a artista, banda ou, até mesmo, cena ou fandom musical é um dos elementos que articula os embates entre os mediadores. "A cena 'acontece' ou é construída, a partir do espaço onde ocorrem as trocas, hábitos e práticas sócio-comunicacionais" (AMARAL, 2013, p. 98). De certa forma, esse trecho justifica a virtualização das cenas musicais e, principalmente, das cenas musicais independentes, que vivem as relações de comunicação, trocas e práticas econômicas e sociais dentro da nova Ágora, a internet.

2.3 Problemas no paraíso: embates dentro de cenas e fandoms musicais Entendemos aqui que as interações entre os agentes são complexas e tortuosas, sendo capazes, no entanto (ou justamente por isso), de criar cenas e estabelecer vínculos uns com os outros. Essas formas de convívio gerarão conflitos entre os indivíduos com diferentes experiências de vida, afetividades e ideologias. O fandom que se forma em torno de Amanda Palmer não deixará de possuir essa característica, que é percebida constantemente dentro de fandoms e cenas musicais.

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Novamente recorremos aqui à Amaral (2013), quando a autora utiliza o conceito de Hennion, "performance de gosto" (p. 447), para entender os embates que ocorrem entre fãs, antifãs e haters. No contexto das relações mediadas pela internet podemos observar as interações entre a tríade de fãs, antifãs e haters, como essas pessoas se organizam para aclamar, criticar e (muitas vezes) desqualificar e desmerecer um trabalho ou o/a próprio/a artista. Monteiro (2012) afirma que é através dessas performances que poderemos perceber como funciona a hierarquia dos fandoms. Defendemos que tal hierarquia também irá existir dentro da cena musical, mas, no caso da Amanda Palmer, envolvendo o/a artista mais diretamente. As disputas não envolverão somente os consumidores, mas também o/a próprio/a artista, que por vezes irá se expor aos fãs, antifãs e haters com o objetivo de autodefesa de críticas e agradecer ais fãs pela confiança. Parte dessas disputas podem ser vistas como a potencial liberdade que o consumidor possui de atribuir valores e sentidos para as mensagens que chegam até ele (SOUZA e MARTINS, 2012). A mesma mensagem, portanto, será interpretada de diferentes formas, abrindo caminho para negociações de sentido que invariavelmente acarretarão em disputas dentro de um grupo social (AMARAL, 2013). Cabe a nós entendermos quais e como as mensagens estão sendo construídas para o público e quais embates serão travados ao entorno desta, o que faremos no último capítulo. Frith (1996), ao discutir sobre performance em seus estudos, fala sobre a performance artística e como o/a artista se constrói para que o público o/a enxergue não somente como o meio em que a mensagem será passada, mas também a própria mensagem em si. Portanto, na performance artística, o/a performer se torna meio e mensagem. Nas palavras de Marshall MacLuhan, "O meio é a mensagem", isso quer dizer que sem um meio de comunicação, a mensagem não existiria e que o própria mensagem é também o meio na qual está inserida, com sua linguagem própria. O corpo do ou da performer se mostra muito mais complexo que apenas um mero objeto, mas quem irá lê-lo como um meio ou uma mensagem será o público que consome, como explicitado no trecho de Frith: "E tal uso do corpo (...) depende da habilidade da audiência de entendê-lo ambos como um objeto (...) e como um assunto, que é, um objeto com vontade ou forma, um objeto com significado" (1996, p. 205)21.

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"And such a use of the body (...) depends on the audience's ability to understand it both as an object (...) and as subject, that is, as a willed or shaped object, an object with meaning" (nossa tradução).

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Quem significará o corpo artístico como meio e mensagem, será justamente para quem o/a artista fala; sua audiência. A ação realizada pelo público de entender, interpretar e interagir também pode ser percebida enquanto performance. Esta forma de performance estaria ligada ao que Schechner chama de "comportamentos restaurados" (2006, p. 31), a qual ele discorre como sendo a performance realizada no dia a dia (do cotidiano, diária) e que é repetida diversas vezes, conforme discutimos acima. Frith (1996) irá afirmar que será necessária, para construção da performance artística, a prática da "performance of the everyday" (p. 206), ou performance do cotidiano, que carrega o mesmo conceito que os "comportamentos restaurados" de Schechner. E será justamente nesse tipo de performance em que as brechas para o embate sobre o corpo performático surgirão. O corpo do artista, privado na perspectiva de que ele é um indivíduo, passa a se tornar público quando ele se transforma em meio e mensagem, legitimando, de certa forma, as críticas e defesas ao entorno dele. O que significa, por sua vez, que o corpo-em-comunicação na performance artística mantém em tensão não apenas o assunto e o objetivo (a questão artística), mas também o privado e o público (a questão do cotidiano) (Frith, 1996, p. 206)22

Observando mais detalhadamente a performance praticada por Amanda Palmer, entendemos que, mesmo ao se tratar de assuntos como a campanha do Kickstarter23, ou seu casamento com o escritor britânico Neil Gaiman24, dois elementos entram sempre em evidência: o fato de ser mulher e, além disso, ser declaradamente feminista. Isso ocorre porque seu corpo privado como indivíduo (mulher), carregando suas ideologias próprias (feministas), está sempre aberto para os embates dentro do seu fandom ou cena musical, já que ela, se utilizando da performance artística, se põe claramente como meio e mensagem para que, assim, possa ser vista e entendida pelo público. Portanto, é apenas inevitável que o posicionamento dela seja por vezes questionado e ridicularizado

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"What this means, in turn, is that the body-in-communication in performance art holds in tension not simply the subjective and the objective (the art question), but also the private and the public (the everyday question)." Nossa tradução. 23 No dia 30 de abril de 2012, Amanda lançou no site de crowdfunding, o Kickstarter, um projeto pedindo ajuda financeira para gravar e lançar o álbum que ela estava produzindo juntamente com sua banda (The Grand Theft Orchestra), "The theater is evil". A campanha foi a mais bem sucedida da página, chegando a mais de um milhão de dólares. Mais tarde, a musicista foi cobrada por um bom número de pessoas, pois, tecnicamente por ter ganhado um milhão de dólares, ela ainda assim pedia para que os fãs músicos - que quisessem - fossem até seus shows para tocar junto com ela em cima do palco. 24 Gaiman e Palmer se casaram em 2010. Muitos haters afirmam que o casamento - por parte dela - tem certo interesse e que ela se utiliza da fama do escritor para auto promoção.

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por haters e antifãs, mas também seja tão defendido pelos/as fãs, que se propõem a entrar na lógica de repetição da defesa - principalmente - da ideologia pregada pela artista. Isso faz com que exista uma caracterização dos/as alimentadores/as de conflitos no cerco Palmer. Querendo ou não, os/as antifãs irão levantar questões que têm correlação com as características da artista. Por exemplo, a permissão para a escuta de músicas de graça ou o fato de ela permitir que sua fanbase pague o quanto quiser pelo material que ela disponibiliza (autoral ou não). Os/as antifãs irão criticar essas ações, fazendo com que os/as haters reproduzam esses discursos, o que obriga aos/às fãs de Amanda a conhecerem mais desses assuntos, entenderem a mente por trás deles para, por fim, defenderem a musicista. A mesma coisa acontece com o fato de Amanda Palmer ser feminista. Ao se declarar abertamente feminista, valorizando seus pelos, seus "defeitos" e sua liberdade corporal, gera certa visibilidade a ela mesma dentro do nicho do feminismo contemporâneo. Isso causa certo desconforto para o público quanto a algumas escolhas da artista, com relação às músicas, aos videoclipes e à forma como ela protesta, e também para as próprias feministas, levando em consideração que esse é um grupo social complexo e fragmentado, algo que iremos abordar no capítulo seguinte.

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Capítulo 3 - Oasis: feminismos em disputa no fandom online da artista No dia 16 de setembro do ano de 2008 Amanda Palmer lança seu primeiro álbum solo, Who killed Amanda Palmer?25. Dentre as 12 faixas uma chamou mais atenção do público e, principalmente, do fandom da artista, pelo tema polêmico, pouco discutido e, por muitos, considerado tabu: a música "Oasis", que trata a história de uma adolescente que sofre um date rape26, descobre que está grávida e resolve realizar um aborto. "Oasis" possui todos os elementos para ser uma música sórdida, triste, impactante e extremamente polêmica, porém, dessas quatro características, apenas duas parecem se adequar de fato: o impacto e polêmica. A canção tem uma batida musical no melhor estilo pop rock "Beach boys" – guitarras repetitivamente em Sol-Ré-Dó, sincronizadas, refrão "chiclete" e ba ba ba backing vocals – e a letra retrata que a jovem não se importa com tudo que está passando, porque conseguiu mandar uma carta para sua banda favorita, Oasis ("Oh, I've seen better days, but I don't care./ Oasis got my letter in the mail."27). Em fevereiro de 2009 "Oasis" - escolhida como single do álbum, juntamente com "Leeds United" - ganhou um videoclipe, o que chamou mais atenção para a música, por parte da mídia28 e do público. No mesmo mês, "Oasis" foi proibida de ser tocada nas rádios britânicas, como apontamos. Por causa disso, Amanda Palmer escreveu em seu blog um post explicando a situação e externando toda sua indignação e aborrecimento com o fato. Esse post gerou um grande número de comentários de pessoas dentro e fora do fandom de Palmer; ele atraiu fãs que se sensibilizaram, antifãs criticando e, novamente, fãs com a missão de defender a musicista. Igualmente, no canal do YouTube de Amanda Palmer, o vídeo de "Oasis" mobilizou uma quantidade considerável de espectadores: mais de um milhão e trezentas mil visualizações29. Seguindo esse contexto, pudemos perceber uma semelhança no conteúdo dos

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O título é uma referência ao seriado estadounidense dos anos 1990, Twin Peaks, que se desenrolava ao entorno do assassinato da jovem Laura Palmer. 26 Termo utilizado para definir estupros em que a vítima conhece o agressor (LIPOVETSKY, 1997, p.68). Também é comum o uso dessa terminologia para indicar estupros que acontecem em festas de faculdade, por exemplo, onde existe um alto consumo de álcool. 27 "Oh, eu tive dias melhores, mas não me importo./Oasis recebeu minha carta no correio." Nossa tradução. 28 Vide a notícia do L.A.Times, http://latimesblogs.latimes.com/music_blog/2009/02/on-amandapalme.html, acessado em: 22/06/2015; e do The Telegraph, "Amanda Palmer fights for her right to offend" http://blogs.telegraph.co.uk/culture/neilmccormick/8290218/Amanda_Palmer_fights_for_her_right_to_of fend/, acessado em: 21/06/2015. 29 Dado atualizado em 05 de julho de 2015.

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comentários nas duas plataformas: existe uma quantidade significativa de pessoas que tocam na questão do feminismo e seus discursos. Seja por conta do conteúdo da música (estupro e aborto), seja pela ideologia feminista de Palmer, essas manifestações não podem ser ignoradas. Para poder entender o conteúdo desses discursos, será necessário discutir o que vem a ser o discurso feminista em si. Primeiro, é importante deixar claro que não acreditamos em apenas uma forma de feminismo, mas em diversas formas do mesmo, principalmente se conciliarmos movimento feminista e identidade pós moderna. Assim como o sujeito pós moderno pode possuir várias identidades, como já vimos, o feminismo irá se configurar de diversas formas diferentes: "a pluralidade de ideias na luta pela igualdade e fim da opressão nos permite pensar em feminismos" (DE ALCANTARA e MARTINS, 2012, p. 100). Iremos, assim, buscar entender, através dos comentários, como o fandom musical de Amanda Palmer pode se unir, ou não, quando o assunto é algo fundamental para a própria artista em si, o feminismo; e como se dão as disputas simbólicas entre fãs, haters e antifãs quando o discurso é algo multipolarizado.

3.1 We can do it!: Feminismos entram em cena Em meados do século XVIII na Europa, um grupo de mulheres se mostra cansado com as diferenciações sociais embasadas nas divergências de gênero que eram pregadas desde a época do Iluminismo30, legitimadas, posteriormente, por estudos médicos, psicológicos e psiquiátricos que "preconizavam a existência das diferenciações corporais e de vivência" (DE ALCANTARA e MARTINS, 2012, p. 100). Começa, nessa época, o que vem mais tarde ser chamado de primeira onda do feminismo. Neste momento, a luta recorrente instigava as mulheres a se posicionarem como indivíduos passíveis de decisões. Munidas com teorias socialistas e nacionalistas de igualdade de gênero, as mulheres passam a lutar pelos seus direitos básicos (como o voto) e contra as imposições do patriarcado que auxilia apenas o homem. No início do século XX, o movimento feminista passa a crer que para poder combater a opressão patriarcal, era necessária a conscientização. A polaridade opressão e dominação entra em pauta no discurso feminista para que, através da percepção 30

Foram excluídas, nesse momento, as opressões sofridas pelo feminino antes do Iluminismo (como na Grécia antiga, onde elas não eram consideradas membros da sociedade por não serem indivíduos com função maior que a de procriar) pelo recorte ser muito extenso e complexo para ser debatido de forma rápida.

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lógica, as mulheres pudessem lutar contra o falocentrismo. Neste momento, começou a inclusão das mulheres (em países mais desenvolvidos, principalmente) e de meninas no sistema educacional. Ainda assim, como ressaltou Almeida (2000), a inclusão da mulher na educação não findou o seu posicionamento na sociedade patriarcal de "esposa/mãe", já que as "escolas normais e liceus, criados para dar instrução e profissionalizar as jovens, repetiam as normas e a imagética social de uma educação feminina voltada para o espaço doméstico" (ALMEIDA apud DE ALCANTARA e MARTINS, 2012, p. 102). A "domesticação" feminina foi sendo desconstruída apenas no pós Segunda Guerra, quando as mulheres se viram obrigadas a saírem de casa e se tornarem os "chefes de família", além da industrialização e a popularização do cinema, que introduziram uma nova rotina e prática a serem seguidas e que conferia certa "liberdade" aos seres femininos. Foi apenas nos anos 1950, no entanto, com o que é considerada a segunda onda do feminismo, que a ideia de "identidade de gênero" surge. Em oposição, crescia no meio científico a lógica do determinismo biológico. O feminismo, nesse momento, passa a se envolver com os estudos de construção social (ÁVILA E COSTA, 2005), tendo como um dos maiores nome Simone de Beauvoir e sua obra clássica "O Segundo Sexo" (1949), que discute, justamente, o posicionamento social da mulher, bem como sua construção. É desta obra que é retirada a frase: "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher", clamada pelo movimento feminista até hoje e que resume que a luta feminista não está centrada apenas na mulher biológica, mas naquelas que se identificam como mulher e passam por experiências sociais que as legitimam como seres femininos. Um outro lema usado comumente pelas feministas da segunda onda é "O pessoal é político", caracterizando a face desse feminismo mais intervencionista nas questões de legislatura e na denúncia ao poder falocrático. A ambiguidade homem versus mulher significava o mesmo que opressor versus oprimida. A mulher percebe seu lugar não apenas como o domesticado e o de "plano de fundo" para o "palco central" que era o ser masculino. Ela se impõe e passa a lutar por espaço e o direito de se inserir no mercado de trabalho, o direito de escolher não ter filhos e até mesmo a denúncia contra a violência doméstica. "Nos anos 60-70, o feminismo esforçava-se por emancipar a sexualidade das normas, por fazer recuar o domínio social sobre a vida privada" (LIPOVETSKY, 1997, p. 72). No entanto, é notável que a participação e inserção nesse feminismo um tanto quanto ocidental privilegia principalmente a mulher branca da classe média. Questões

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como classe social e etnia acabaram sendo esquecidas por um movimento que se elitizou de uma forma geral. Todas as mulheres não eram, na realidade, todas as mulheres, mas aquelas que podiam, de alguma forma, lutar pelos seus direitos por não serem parte de uma minoria social (DE ALCANTARA e MARTINS, 2012). É justamente nessa brecha que nasce a terceira onda do feminismo.

3.1.1 We ALL can do it!: A terceira onda. Liberdade, empoderamento e igualdade de gênero. "Tudo é política". O feminismo da terceira onda31 é marcado por embates mais diretos e diversificados e permeados por diferentes grupos e linhas de pensamento que beneficiaram partes antes esquecidas pelo movimento feminista dos anos 1960. Nos anos 1990, o feminismo ganha uma característica muito mais legislativa (DE ALCANTARA e MARTINS, 2012), conseguindo incluir em diversos países leis que concedam uma punição para o assédio sexual, o incesto e a violência. O início dessa "nova cara" de movimento é marcado por conflitos que rejeitam e reprovam também a produção e distribuição pornográfica, mas que garantem a escolha de reprodução pela mulher (LIPOVETSKY, 1997). Junto com a terceira onda, é possível ver surgir o feminismo estruturalista, que consiste em conceber a mulher (e por mulher, tem-se apenas o ser biologicamente feminino) como uma potencial vítima, bem como o homem, o ser falocrático, como um potencial agressor. Essa forma de pensamento, que foi majoritária no início do século XXI, se mostra um tanto quanto anacrônica, já que repete os vícios mantidos na segunda onda e não beneficia aquelas mulheres que não são determinadas por cromossomos (BUTLER, 1990; 2009). O feminismo estruturalista também é visto por alguns/algumas pensadores/pensadoras (BUTLER, 1998; LIPOVETSKY, 1997; LIMA COSTA, 2002; LOURO, 2003) como algo que vai de encontro com a modernização feminista, afinal a vitimização32 da mulher a colocaria, automaticamente, em um 31

É importante ressaltar aqui que entendemos que a Terceira Onda não abriu discursos apenas para questões de violência, aborto e liberdade de expressão, mas também beneficiou e descentralizou a discussão do foco da mulher, branca e de classe média. No entanto, neste trabalho não teremos espaço o suficiente para discutir tais teorias em tons aprofundados, tendo que deixar, infelizmente, questões como etnia e classe social de lado. Para saber mais sobre essa discussão, aconselhamos a leitura de HOOKS, Bell. "Postmodern blackness." Postmodern Culture 1.1, 1990 e LORDE, Audre. "The master’s tools will never dismantle the master’s house." In: This Bridge Called my Back: Writings by Radical Woman of Color. p 94-101. New York, Table Press. 1983. 32 E aqui uso esse termo de forma negativa com o sentido de mostrar a mulher como um símbolo fragilizado e vítima de uma sociedade machista, aceitando seu posicionamento intimidado perante a ação intimista do homem.

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patamar abaixo do ser homem opressor. No entanto, o estruturalismo não pode ser visto apenas de forma negativa. Essa linha de pensamento foi importante para a implementação das leis que auxiliaram e asseguraram as mulheres de seus posicionamentos sociais como indivíduos. Ainda assim, o estruturalismo não se mostra o movimento ideal se a busca é pela equidade de gêneros. Mais atualmente, essa terceira onda do feminismo vem apresentando características mais eloquentes da ideia de liberdade. Com algumas características do estruturalismo ainda presentes, muitas outras nuances foram perdidas, mas também novas surgem. Carvalho (1998) aponta para o viés do feminismo de diferenças, que vem ganhando espaço não somente no âmbito acadêmico, mas também dentro do próprio movimento. É o feminismo que busca não excluir mulheres cisgênero, lésbicas ou trans, reconhecendo que todas passam por experiências semelhantes quando se tratam de estarem inseridas numa sociedade que ainda preza o patriarcado (DE ALCANTARA e MARTINS, 2012). O questionamento da polarização homem e mulher, com uma abertura maior para tratar sobre sexualidade, a pornografia (SARMET, 2014) e a libertação contra a opressão violenta (física ou mental), são alguns dos discursos empregados pelo feminismo contemporâneo e que complementam outras questões originais e que não foram tiradas da pauta feminista, levando em consideração que o feminismo ainda não chegou para todas.

3.1.2 Discursos feministas Levando em consideração o que foi explicado acima, queremos deixar claro nesse momento sobre o que pretendemos falar quando vemos um discurso como feminista ou não. Isso será importante, pois na nossa análise muitos dos/das comentaristas não levantam bandeiras ideológicas, mas ainda assim apresentam forte tendência ao "ser feminista". Primeiramente, consideramos como um discurso com características feministas aqueles que apresentam certa denúncia a práticas opressoras do machismo e do patriarcado. Nas palavras do filósofo francês Gilles Lipovetsky: as mulheres não viram as costas aos ideais de autonomia, mas antes prolongam-nos ao fazerem valer uma exigência superior de respeito e de segurança, ao denunciarem as violências masculinas, ao insurgirem-se contra as normas de socialização recebidas, ao apelarem com seus votos a novos códigos de comportamento entre sexos. (1997, p.74)

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As mulheres, após a revolução feminista, começam a não aceitar algumas imposições (principalmente as feitas pelos sujeitos de sexo masculino) e críticas com relação a elas ou aos assuntos que elas pretendem abordar. Nos comentários existem várias defesas a Amanda Palmer com relação ao fato de ela poder criticar o ato do estupro do homem para com a mulher. Há a defesa da liberdade de se expressar, principalmente vindo de uma pessoa que passou pela mesma experiência. O que nos leva à segunda característica desse discurso feminista: a quebra do muro de silêncio (LIPOVETSKY, 1997). Com os avanços do movimento e da teoria feminista, o número de violências contra mulher e de feminicídio em determinados países mostrou uma queda. No Brasil, por exemplo, após a implementação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2004) o número de homicídios contra mulheres teve a diminuição em 10%, no período entre os anos 2000 e 201133. Isso pode significar que, quanto mais se fala e se denuncia a violência, seja ela física ou mental, a probabilidade da diminuição existe. A terceira característica observada é a defesa ao empoderamento da mulher para com o seu próprio corpo. Uma das características mais interessantes dos comentários que cercavam Palmer (e nesse momento, feitos mais no YouTube), foi a observação do corpo feminino. Detalhes que sempre chamam atenção para a artista, como o fato de não ter sobrancelhas, foram percebidos, comentados e criticados. Aqui, então, observamos que a mulher fazer o que ela quiser com o corpo dela foi defendido, e essa defesa está caracterizada nos discursos feministas. A liberdade da apropriação do corpo feminino pela própria mulher está em debate no feminismo desde os primeiros escritos (HOUBRE, 2003), o que é trazido à tona pelos interagentes em seus comentários no YouTube ou no blog de Amanda Palmer. Por fim, a quarta e última característica que conseguimos listar nos comentários e que carregavam noções feministas foi a questão da evidência à igualdade de gênero, ou a tentativa da desmistificação de que apenas a mulher sofre vítima do patriarcado. Costa (2002), citando a pós estruturalista Teresa de Lauretis, afirma que a igualdade de gênero só seria alcançada se as ideias de diferenciação de gênero fossem perdidas. Lauretis irá afirmar que o que ainda mantém a divergência e conflitos entre gêneros -

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Informação presente no site do IPEA ( fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=24610&catid=8&Itemid =6, acessado em: 26/06/2015).

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mantendo de forma viciosa a lógica machista - é justamente a ideia de que existem gêneros diferentes. Essa percepção, um tanto quanto utópica, carrega alguns problemas vitais. Para esquecer a heterogeneidade, dever-se-ia esquecer todas as lutas que estiveram embutidas não apenas no movimento feminista, mas no próprio feminino. Costa (2002) prolonga essa discussão e afirma que, na realidade, o problema não é ser homem ou ser mulher. O problema está em, quando o homem trata sobre feminismo, colocar novamente o ser feminino em uma posição secundária. Ela diz que o feminismo tem como o essência o feminino, portanto esse não poderia ser esquecido, mas deveria ser igualado com o ser masculino, que vem sendo tratado em muitas sociedades com supremacia. O empecilho para o fim das desigualdades de gêneros, portanto, se encontra justamente na hierarquização do sexo.

3.2 A análise: categorização emergente e as disputas no fandom de AFP34. O vídeo da música "Oasis", no canal oficial da cantora, gerou 1.936 comentários35, incluindo as interações interpessoais. Selecionamos 154 comentários para serem analisados, seguindo a opção "mais relevantes", presente no próprio YouTube. O número de comentários no blog da artista foi significantemente menor, 33636. Escolhemos 26 falas / comentários do blog, também seguindo a opção "best" (que traduzimos como algo parecido com "mais relevante") presente no site. Mantivemos, assim, uma proporção aproximada de 8% da amostra total de comentários em cada plataforma. Por causa do grande número, não iremos apresentar todos os comentários recolhidos, fizemos uma apuração daqueles que pareciam mais apropriados de exposição no presente trabalho e que melhor exemplificavam a análise feita. Os comentários foram estudados e selecionados entre o dia 16 até o dia 24 de junho de 2015.

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Uma abreviação de Amanda F*cking Palmer, apelido dado pelos fãs da artista que acabou se tornando assinatura da mesma. 35 Até 22/06/2015. 36 Até 24/06/2015. Dado compreensível, tendo em vista a popularidade da plataforma YouTube.

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Figura 1 – Take do vídeo clipe "Oasis". Link de acesso: https://www.youtube.com/watch?v=8C17yfGyJjM

É importante deixar claro que este trabalho não segue uma abordagem quantitativa, mas qualitativa, já que criamos as categorias apresentadas mais a frente a partir de uma análise textual dos comentários nas plataformas escolhidas. No entanto, utilizaremos percentagens e a utilização de alguns gráficos para podermos fornecer uma ideia da "distribuição" que cada assunto apresentou. Conseguiremos situar, então, o nível de importância que cada assunto possui para o fandom de Amanda Palmer. Atentamos em procurar, inicialmente, comentários relativos ao feminismo, no entanto, nem todos os internautas assumiam uma posição diretamente em relação à essa ideologia, mesmo carregando em seus discursos influências do movimento (como sendo a favor da legalização do aborto). Por isso, nos limitamos em encontrar comentários com apoio, ou não, aos discursos feministas (liberação do corpo feminino, legalização do aborto e cultura do estupro), além de alguns comentários sobre a própria Amanda Palmer não referentes à forma com que ela produz a sua música (não pudemos deixar de lado as observações sobre as sobrancelhas dela ou o fato de ela não se depilar). Outros comentários que também despertaram nossa atenção foram a comparação da artista com outros músicos ou bandas (todos masculinos), que também gravaram e lançaram músicas sobre estupro e aborto, mas não receberam tanta negatividade quanto Palmer atentamos para esse fato, principalmente porque essas músicas não foram tão rejeitadas pela mídia quanto "Oasis". Dentro dessas falas pudemos ver surgir quatro categorias: a) Corpos Femininos;

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b) Ideologias Feministas; c) Lugares de Fala; d) Interpretação da Temática da Música. A categoria a) Corpos Femininos, ficou com 11 comentários; a categoria b) Ideologias Feministas totalizou 43 comentários; a terceira categoria, c) Lugares de Fala, foi a com maior número de comentários, 88; por fim, a categoria d) Interpretação da Temática da Música conseguiu 32 comentários. Totalizando o número de comentários, conseguimos distribuí-los da seguinte forma:

Figura 2 – Gráfico de categorias de análise

No segundo capítulo deste trabalho buscamos diferenciar conceitualmente o que são fãs, haters e antifãs. A segunda e a terceira classes possuem diferenças muito singelas, impossibilitando que conheçamos o nível de esclarecimento que essas pessoas possuem com relação ao trabalho da artista apenas em alguns comentários. Ainda assim, veremos abaixo alguns comentários de não fãs de Palmer que parecem conhecer os trabalhos da artista, sugerindo a ideia de que, de fato, os antifãs se mostram presentes dentro deste recorte. Veremos também que as escolhas de Amanda Palmer (mais especificamente sua carta aberta e a forma com a qual ela lidou com a mídia) não agradou alguns fãs. Veremos que em um dos comentários, um ex fã se pronuncia, dizendo que o conteúdo

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da música e forma de retratação de Amanda Palmer fizeram com que ele não sentisse mais confiança na artista. Vimos que alguns autores (AMARAL, 2013; CAVICCHI, 2007; MORIN, 2005) argumentam sobre como será importante a identificação entre fã e artista para que essa relação se perpetue, portanto, a partir do momento que essa identificação é quebrada por uma perda de confiança ou qualquer outro motivo aparente, perde-se a adoração. Passemos, agora, portanto, às categorias de análise dos conteúdos.

3.2.1 Primeira categoria: Corpos Femininos. Nesta categoria, buscamos analisar as críticas e defesas referentes ao corpo de Amanda Palmer se tratando dos pelos que ela mantém nas axilas e as sobrancelhas que ela decide depilar para pintar, geralmente estilizando arabescos no lugar. Isso gerou um número de interações entre fãs e haters que apoiavam e criticavam a escolha da estética corporal da artista. No entanto, observamos que o número de críticas quanto a esta preferência de Palmer não veio apenas de haters, mas também por parte de alguns/algumas fãs. Parte dessas críticas pode vir daquilo que assistimos da repulsa por aquilo que se mostra diferenciado dos padrões estipulados socialmente, ou aquilo que é visto como grotesco. Como discorre Bakhtin (1999), o grotesco é a percepção de que existem corpos reais no mundo midiatizado. A estranheza, portanto, de ver um corpo feminino com pelos, diferente daqueles que são vendidos em propagandas e filmes, estimula as críticas. Também podemos dizer que isso acontece em parte por causa das ideologias feministas de Amanda Palmer. Como vimos anteriormente, o corpo feminino é o centro de batalha feminista, ele se torna a expressividade e por onde as mulheres tentam se empoderar, pois, como podemos ler na história, é através do corpo que o feminino sofre a opressão, seja por causa da capacidade de ter filhos ou não, ou por questões biológicas como o tamanho do cérebro, a aparente fragilidade e, indo ao encontro dos primeiros estudos psicanalistas, por causa da maior facilidade e propensão à histeria e à loucura (CARDOZO, 2014; DE ALCANTARA e MARTINS, 2012; HOUBRE, 2003; PERROT, 2003). O que obsevaremos abaixo é um comentário de um/a fã, a qual ela/e critica o fato de Palmer não se depilar, o que causa um estranhamento até mesmo dentro do âmbito mais "seguro", ou o meio de idolatria da artista mantido pelos seus seguidores.

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Isso pode ser visto como uma prova de que os/as fãs não são seres que possuem uma escassez de senso crítico quanto ao/à artista adorado/a, mas se mostram como pessoas capazes de definir suas preferências, mesmo que isso coloque em cheque as mensagens e ideologias defendidas pelo ídolo. O segundo comentário é uma defesa de um/a fã em resposta a crítica de um/a hater. Pelo comentário escrito, entende-se que o/a fã compreende o propósito de Amanda Palmer ao não se depilar, que a artista se sente confortável com seu próprio corpo e não vê a necessidade de se habituar aos padrões de beleza estipulados. O comentário, apesar de não aparentar um apoio à ideologia de Palmer, mostra que o/a fã se sente bem com aquilo que prega a cantora.

Figura 3 - Corpos femininos 18/06/2015

"Eu a amo, mas ela precisa se depilar, ugh"

Figura 4 - Corpos femininos 18/06/2015

"Ela não acredita nos padrões de beleza. Em outra música ela fala sobre seus pelos pubianos estarem ficando grisalhos. Ela se apresenta na forma em que se acha atrativa."

3.2.2 Segunda Categoria: Ideologias Feministas É importante deixar claro que Amanda Palmer não é a única artista declaradamente feminista, inclusive esse vem sendo um assunto muito discutido no mundo da música. Artistas ícones do mundo pop, como Beyoncé e Miley Cyrus 37 vêm aderindo a causas feministas, declarando a liberdade da mulher, valorizando a equidade de gêneros e criando músicas que denunciam práticas do patriarcado38. Ainda assim, Amanda Palmer - talvez por ter um fandom menor e mais centralizado - parece inspirar 37

Ambas cantoras assumidamente feministas, vide: http://www.huffingtonpost.com/rosecourteau/feminism-beyonce-miley_b_5160202.html, acessado em: 26/06/2015. 38 A cantora Beyoncé lançou a canção "***Flawless" em 2013, em que ela incluiu trechos do TEDxEuston da escritora e ativista feminista Chimamanda Ngozi Adichie, "We should all be feminists" (fonte: http://blog.ted.com/beyonce-samples-chimamanda-ngozi-adichies-tedx-message-on-surprisealbum/, acessado em: 25/06/2015). Fonte para o TED: https://www.youtube.com/watch?v=hg3umXU_qWc, acessado em: 25/06/2015).

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discussões sobre detalhes mais específicos quanto à questão do feminismo, principalmente por escrever músicas que falam sobre estupro, assédio sexual, aborto, pelos pubianos, etc. Incluímos nessa categoria aqueles comentários que faziam referências às lutas e discursos feministas. Como já vimos anteriormente, percebemos como discursos feministas as falas que possibilitam o protagonismo da mulher na sociedade como uma contraposição às práticas delimitadoras de gênero acionadas pelo patriarcado, além disso, serão importantes as próprias denúncias ao machismo e ao patriarcado, a liberdade de expressão e a liberdade corporal e a defesa do empoderamento da mulher. A mulher, nesse momento, não é vista por nós como apenas a ideia do gênero feminino, aqui a colocamos como uma construção social. Ser mulher tem relação com como ela se identifica, como se caracteriza, constrói e se engaja. A mulher define-se mulher, portanto, para além gênero, define-se pela identidade que deseja assumir (LIMA COSTA, 2002). Não é possível falar de feminismo sem citar os conflitos que permeiam esse movimento. Como vimos anteriormente, existem diferentes linhas de feminismos. Por não ser um grupo homogêneo, o feminismo não é formado apenas pela categoria "mulher", mas por feministas "'negras', ‘de cor’, ‘mestiças’, ‘terceiro-­mundistas’, ‘asiáticas’, ‘lésbicas radicais’" (RIBEIRO, COSTA e SANTIAGO, 2012, p. 225), dentre outras, e é também por causa dessas diferenças e do reconhecimento da existência delas que o feminismo não é apenas um, mas vários. Essa diferenciação gera oposições e, consequentemente, gerará o diálogo. E é justamente dele que mudanças podem surgir. Nesta categoria, também notamos um número de divergências com relação à lógica de feminismo. Também conseguimos recolher um número de comentários expressando o repúdio à ideologia feminista. Poderíamos dizer que provavelmente essas pessoas não conhecem o histórico sentido da palavra "feminismo". Esta preconiza uma igualdade de direitos entre homens e mulheres, ou uma equidade do mesmo: "A equidade entre homens e mulheres é a bandeira dos feminismos" (DE ALCANTARA e MARTINS, 2012, p. 107). Muitas dessas pessoas confundem o feminismo com o que Lipovetsky (1997) irá chamar de "Feminismo Vitimário", ou "ultrafeminismo". Mas, nesse sentido, o autor mesmo desmistifica os termos e os aproxima da ideia de feminismo estruturalista, como vimos anteriormente.

54 O que afirma o ultrafeminismo senão a autonomia do feminino em relação ao masculino? (...) A despeito dos seus ataques contra o universalismo dos direitos do homem e do encerramento de tipo tradicional das mulheres numa essência de natureza que ele veicula, o feminismo diferencialista alimenta-se subterraneamente dos ideias modernos da pessoa. (p. 71)

O autor ainda complementa essa diferenciação dizendo que no chamado ultrafeminismo, as mulheres se veem desejando um afastamento do masculino em locais públicos. Isso é uma das críticas ao movimento feminista estruturalista, dessa forma, a equidade estaria se afastando e algumas práticas machistas continuariam a serem perpetuadas (LIMA COSTA, 2002). Apresentamos em seguida, seis comentários que irão demonstrar o conhecimento que cada indivíduo se dispôs a expressar no espaço cedido pela plataforma Youtube e pela própria Amanda Palmer em seu blog. Observamos uma defesa às ideologias feministas, bem como à liberdade do corpo feminino. A figura 5 mostra que, mesmo que não se declare feminista, a pessoa que comenta acredita nas ideologias feministas, ela não estipula um gênero que sofra violência sexual (conotando à crença na equidade entre gêneros) e faz o trabalho de defesa a vítima de estupro, culpando o agressor. Em seguida, observamos a fala de um/a fã de Palmer que se apropria da ideologia feminista e entra em disputa com um hater da artista que vai de encontro ao feminismo. As figuras 6 e 7 são ambas críticas direcionadas à artista feitas por pessoas que se apropriam das ideologias feministas. Isso demonstra como a divergência das formas de luta dentro do movimento feminista, podem se colocar a mostra mesmo numa análise crítica de uma canção de um/a artista. As figuras 8 e 9 não são uma crítica direta a Amanda Palmer, mesmo que tecnicamente o espaço online oferecido tenha como propósito estimular a interação dos espectadores entre si ou com a cantora (levando em consideração que o comentário 8 foi retirado do blog da artista e o 9, do Youtube). As críticas se constroem justamente ao entorno do conceito de ideologia feminista, enquanto o primeiro enxerga o feminismo como uma manobra de manipulação para impedir o crescimento econômico, confundindo termos como a ideologia marxista e não levando em conta os feminismos não inseridos na teoria de Karl Marx; o segundo faz uma crítica às feministas ativistas e

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às mulheres em si, ao afirmar que parte dos estupros acontecem por uma falta de responsabilidade da vítima.

Figura 5 - Ideologias Feministas 18/06/2015

"Se alguém andar sozinho a noite, não será estuprado. Se alguém beber álcool, não será estuprado. Se alguém tiver vários amigos/amigas, não será estuprado. Se alguém se vestir de forma provocativa, não será estuprado.

Alguém só será estuprado se encontrar um estuprador."

Figura 6 - Ideologias Feministas 18/06/2015

"Feministas são "obcecadas" com estupro porque ainda é uma acontecimento corriqueiro... E porque, francamente, pessoas como você continuam tentando diminuir o significado e o dano do estupro, e continuam usando uma linguagem de culpabilização da vítima, e diz bobagens como "eu entendo o conceito de "responsabilidade pessoal" porque tenho um trabalho que requer muita responsabilidade geralmente feministas não têm". Isso é 50% de ignorância e 50% egoísmo. Mas continue acreditando no que você quiser."

Figura 7 - Ideologias feministas 22/06/2015

"Você diz que quer 'direitos iguais' mas não é uma feminista. Eu sugiro que procure a definição de feminismo."

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Figura 8 - Ideologias Feministas 18/06/2015

"Se você não entende como isso é ofensivo então você não é um aliado do feminismo e nem mesmo é Sra. Palmer!"

Figura 9 - Ideologias Feministas 22/06/2015

"Feminismo: "Uma tentativa de mistura social com o Marxismo dos anos 1970 por um grupo de professores da Universidade de Columbia que acreditavam que o sucesso pessoal dos outros (EX capitalismo) era desnecessário se eles não pudessem de alguma forma se beneficiar com isso. O sucesso do feminismo se dá inteiramente por dois fatores: A ignorância do público com relação a economia, e a crença cultural implícita de que nós devemos proteger as mulheres a todo custo."

Figura 10 - Ideologias Feministas 18/06/2015

"Bom, eu já sabia disso. Conhecimento e educação soam razoáveis. Então porque feministas não fazem isso, ao invés de balançar cartazes bobos que não fazem nada de verdade? A coisa mais importante que deve ser percebida é que não se pode NUNCA acabar com 100% dos estupros de acontecerem. É por isso que é dito para mulheres que elas devem tomar ações necessárias para ajudar a prevenir os estupros de acontecerem. De novo, não é culpabilização da vítima - apenas *responsabilidade pessoal*."

Os comentários escolhidos para a ilustração da análise mostram como, ao mesmo tempo em que as disputas feministas nem sempre são compatíveis dentro do próprio movimento, mas também certa consciência do que pode vir a ser o feminismo na visão daqueles que rejeitam a ideologia. A pluralidade desses comentários, que por

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vezes mostraram interação entre indivíduos, mostra que Amanda Palmer e sua produção artística, podem influenciar no debate entre espectadores e auxiliar na popularização de conceitos políticos como o próprio feminismo, mesmo que a artista não fale abertamente sobre o assunto. 3.2.3 Terceira categoria: Lugares de Fala. Nesta categoria buscamos aqueles discursos que se mantiveram no âmbito pessoal. Aqui vemos um número grande de impressões com relação à identificação com a música e, em alguns casos, com a artista. Nesta categoria, os embates entre fãs e haters pareceram mais constantes. Neste momento, as emoções se dão ao entorno das crenças pessoais, fazendo com que as ofensas migrem da música e da artista para atingir o patamar de público versus público. No entanto, também percebemos um número grande de críticas às escolhas de Amanda e sua trajetória, isto é, para além de "Oasis". Podemos relacionar essas críticas com a liberdade que a própria Amanda dá ao se expor ao público com suas performances, resgatando ideias de Frith (1996) e Schechner (2006) de que um/a performer torna seu corpo em meio e mensagem, e assim ele/a dá aberturas para ser adorado/a e também criticado/a pelo público que o/a consome. Veremos abaixo três comentários de pessoas que, aparentemente, conhecem a trajetória da artista e, a partir da música, buscam colocarem as opiniões próprias, seja em forma de elogio ou crítica. As figuras 11 e 13 mostram duas pessoas que se identificam com a música, pois ambas afirmam já terem vivido situações semelhantes ao do vídeo clipe. Elas entendem que a música lhes ofereceu o empoderamento da fala, sendo vítimas que se sentiam caladas ao tentarem contar suas próprias histórias. A persona na figura 13 vai além e afirma que o processo de cura necessita do humor, Amanda Palmer estaria, portanto, fazendo o papel de emissora das formas que auxiliam as pessoas que passaram por experiências traumáticas em suas vidas. A figura 12 já apresenta uma crítica. O comentarista vai além da música "Oasis", relembrando uma das polêmicas vividas por Amanda Palmer, sinal que pode ser uma amostra de como os antifãs de Palmer também gostam de mostrarem suas opiniões sobre a artista em quaisquer canais disponíveis para tal. A última figura apresentada neste tópico é de uma mensagem de um/a ex fã direcionada à artista. Amanda Palmer, ao tratar em sua carta aberta aqueles sujeitos que não compreenderam seu complexo sarcasmo, como pessoas não muito inteligentes,

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provavelmente não mediu como isto poderia chegar até seus próprios fãs. Relembrando o que foi dito por Amaral (2013), a identificação é um importante laço de conexão entre artista e público. Esta manutenção por parte do/a performer se dará da forma com que ele trata seus fãs e também em como ele se apresenta e se comunica com os agentes comunicacionais, como a mídia de massa. Quando Palmer se mostrou um pouco mais agressiva em sua resposta, um/a fã concedeu um feedback demonstrando sua frustração com a falta de sensibilidade da cantora avisando-a que não se engajaria com as questões relacionadas à mesma. Ou seja, quando ocorre uma falta de cuidado por parte do/a artista e a quebra de contrato da identificação entre ele e parte do público, o/a artista corre o risco de perder indivíduos da sua fanbase, como foi o caso.

Figura 11 - Lugares de Fala 16/06/2015

"Eu estou tão feliz que isso existe. É muito comum para sobreviventes de abuso (me incluindo) ter muita dificuldade em lidar com suas situações, então eles minimizam na tentativa de se distraírem... Mas as pessoas não falam sobre esses tipos de reações. Eu me sentia como uma "vítima ruim" por responder da forma que eu respondia, e essa música me dá algum conforto. É definitivamente humor negro, mas não vejo como desrespeitoso."

Figura 12 - Lugares de Fala 18/06/2015

"Essa é a mesma traficante cobiçadora que fez um milhão no kickstarter e depois procurou por músicos que apoio que tocassem de graça. Desprezível."

Figura 13 - Lugares de Fala 22/06/2015

59 "Como alguém que já passou por todos os tipos de problemas durante a infância e a adolescência, eu me identifico muito com essa música. Distração e risos é como nós superamos. Quase todo humor vem da escuridão. Da forma que eu vejo, é assim Coisas Ruins Acontecem -> Escuridão -> Humor -> Cura -> Participação ativa na vida. Fico feliz em ver esse retweet hoje."

Figura 14 - Lugares de Fala 22/06/2015 "Eu passei muito tempo disseminando todos os pensamentos com relação a ironia, humor, escuridão, estupro e corpo e o controle de problemas para qual este blog tentou endereçar. Muitas coisas foram descartadas. A verdadeira questão foi perguntar o que seria efetivo para cruzar o meu ponto, então por favor não desconstrua isso como uma forma de fala desconexa de um transeunte bêbado. No nome de todas as pessoas, me incluindo, que não entendem a ironia na sua música, nós não merecemos ser chamados de pessoa que tem a inteligência dois pontos acima de uma fortunella. Eu não irei mais ler o seu blog. Arranjei outras leituras. Nem irei participar de nenhum outro evento ou merchandising envolvendo Amanda Palmer. Obrigada por me dar a oportunidade de lidar com você diretamente através dessa seção de comentários. Isso foi muito atencioso da sua parte. Toda sorte com o futuro."

3.2.4 Quarta categoria: Interpretação da Temática da Música. A última categoria emergente desta análise foram os comentários que debatiam as diferentes interpretações da música "Oasis". Esta foi composta por Palmer com a intenção de mostrar como uma garota que sofre um estupro resolve se submeter a um aborto e pode superar esses momentos se prendendo a pequenas situações cotidianas que dão esperança de que o mundo não é apenas um lugar sombrio. Para isso, ela usa a tática humorística. A questão sobre a necessidade da "piada" ou do estímulo ao riso é levantada por Lipovetsky (1997). O autor escreve:

60 O poder de replicar, a força da réplica e da ironia são objectivos que as mulheres deveriam almejar para se afirmarem, pelo menos em alguns dos seus conflitos com os homens. Rir do masculino (...), não consiste em reabilitar as respostas individuais aos problemas da condição feminina, mas antes apelar a uma reorientação da cultura feminista para uma maior apropriação do poder irónico. (p. 84)

Também dissertando sobre o humor, Montebello (2007), em seu texto "A mulher mais perigosa da América", citando a anarquista, revolucionária e feminista Emma Goldman, afirma que o humor, a ironia e o sarcasmo são importantes ferramentas para o discurso libertário do feminismo, já que essas tendem a serem escondidas pela máscara da mulher pura, sem expressividade e que se submete às determinações do patriarcado. Amanda Palmer, como ela mesma disse, fez uma piada, mas não uma piada em como as vítimas de estupro são fragilizadas ou se dobram ao vitimário, ela fez uma piada com duas situações que ainda são pouquíssimo discutidas, porque em geral não se sabe o que dizer a uma vítima de estupro, ou a uma mulher que sofre um aborto. Nas palavras da artista: "When you cannot joke about the darkness of life, that's when darkness takes over"39. Palmer parece estar em sintonia com os autores acima, ela faz piadas de situações que podem ser traumáticas se olhadas apenas com a negatividade da situação. No entanto, usar uma música, em tom feliz e dançante, mas com o conteúdo lírico sendo algo extremamente problemático e, ainda por cima, com um vídeo clipe colorido, onde as personagens se mostram caracterizados e o tom é de que uma grande festa está acontecendo, pode não ser uma boa experiência para muitas pessoas. Cada um lida com seus problemas e traumas de formas diferentes. Aquelas pessoas que conseguem passar pela fase mais sombria do trauma causado pelo estupro, conseguindo falar sobre o mesmo sem medo, parecem ter conseguido entender o tema da música. No entanto, para muitas pessoas, esta foi uma afronta de Amanda, pois ela tratou do assunto de forma muito leve, além de rebater as rádios britânicas e a MTV (que vetaram a música e o videoclipe, pois acharam o conteúdo ofensivo) novamente com humor e duvidando da capacidade mental dos mesmos: "If you cannot sense the irony in this song, you’re about two intelligence points above a kumquat"40.

39

Quando você não pode fazer piadas com os lados escuros da vida, é quando os lados escuros assumem o controle. Nossa tradução. 40 Se você não consegue sentir a ironia nesta música, seu nível de inteligência está dois pontos acima da de uma fortunella. Nossa tradução.

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Os comentários apresentados a seguir cobrem, justamente, essas interpretações diversas que surgem ao entorno da música "Oasis". É importante lembrar que, quando Amanda Palmer performa a música composta por ela, tendo o objetivo de passar alguma mensagem, ela está se colocando a frente de um grupo de espectadores que podem a vir interpretar suas músicas da forma que bem entenderem. Essa pluralidade de interpretações pode ser o causador das disputas entre fã e antifã/hater ou público/artista (AMARAL, 2013). A figura 15 mostra uma compreensão da mensagem passada no vídeo clipe que combina com a interpretação oferecida por Amanda Palmer, o apego às coisas boas na vida como uma tentativa de superação dos obstáculos. Na figura 16, a preocupação do/a comentarista é sobre a casualidade que a música oferece. O medo é que pessoas mais novas vejam o vídeo – principalmente vítimas de abuso sexual ou estupro – e se sintam mal, fazendo com que a mensagem da artista não seja bem interpretada. Já a figura 17 a pessoa se sente desconfortável com a dicotomia da música (uma letra mórbida e um ritmo divertido), além de ter uma tendência feminista não expressada, mas compactua com a ideia apresentada em "Oasis" que discorre que mesmo que coisas ruins aconteçam, não é necessário que a pessoa se abata. A última figura, a figura 18, já é bem mais crítica que as anteriores. A interpretação feita pelo/a comentarista é de que Amanda Palmer só quisesse chamar atenção ao compor e performar uma música que fale sobre um tem que, naturalmente gera controvérsia e discussões. A leitura deste indivíduo foi a de uma simples tentativa de ser enxergada por parte da artista.

Figura 15 - Interpretação da temática da música 17/06/2015

"Não é realmente fazer piada com estupro. A garota na letra da música deveria estar supostamente na idade do ensino médio e é escrita com a perspectiva de uma menina de 15-17 anos. Mais do que isso, é sobre alguém que foi uma vítima que se utiliza de outros métodos além o do se fazer de vítima. Ao invés de se afogar em na tristeza e se transformar em uma chorona, ela encontra algo positivo para se focar: Receber a sua carta do Oasis."

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Figura 16 - Interpretação da temática da música 17/06/2015

"Eu sei que isso é irônico mas porque o estupro é não casual nesse vídeo? Talvez garotas mais jovens não entendam a artista. Muitas garotas que eu conheço se sentiram culpadas e com vergonha com relação aos seus abortos o que talvez seja um processo natural dessa experiência antes da aceitação. Esse tipo de fala sobre aborto e estupro é construtivo?"

Figura 17 - Interpretação da temática da música 16/06/2015

"Sim, não é na verdade uma música feliz. Além disso eu não gosto dessa coisa com a Melissa, mulheres deveriam empoderar umas as outras ao invés de rebaixar. Mas o que eu amo nessa música é a atitude 'não importa o que aconteça, eu ainda posso ser feliz/ou pelo menos bem/'."

Figura 18 - Interpretação da temática da música 17/06/2015

"Além de fazer pouco caso de coisas chocantes, qual é o ponto disso? Eu não entendo o propósito de fazer uma música feliz sobre estupro e aborto. Parece uma tentativa desesperada de ser controverso e ganhar atenção - a qualquer custo. Não há ponto em apenas ser elegantemente deselegante."

Os comentários, portanto, apresentam como uma performance pode ser lida de diversas maneiras, principalmente quando veiculada em uma plataforma como o Youtube, que garante a visibilidade do material produzido para milhões de espectadores no mundo inteiro. Isso significa que uma performance nunca será lida ou entendida da mesma forma, pois cada indivíduo terá uma identidade diferenciada e que terá um peso relevante na hora de interpretar uma mensagem passada por um performer. Com esta análise conseguimos perceber que as questões que se decorrem ao entorno da performance do/a artista, no caso as discussões sobre corpos femininos e as ideologias feministas, irão gerar a resposta do público que disputa por seus lugares de fala para justificar as interpretações próprias. Amanda Palmer, se utilizando da internet

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para se promover, aparenta abrir um espaço maior para que essas interações entre membros do fandom e antifãs ou haters possam interagir e disputar sentidos em suas próprias falas. Além disso, a artista, ao incrementar suas produções com suas próprias crenças ideológicas, produz um espaço onde abre-se a discussão sobre a política do corpo feminino, atraindo pessoas que corroboram ou repudiam as textualidades ao entorno deste assunto. Estes também são lugares de fala despertados pela artista, mesmo que ela não tenha abordado clara ou literalmente o seu ativismo feminista com relação ao assunto da música. Por isso, as disputas por esses lugares se darão ao entorno da interpretação que cada indivíduo fará da performance da artista e na suposição da mensagem que ela pretende passar para quem a consome.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Vimos ao longo deste trabalho como se dão as interações de integrantes dentro de um fandom musical, de uma artista "independente" que carrega consigo a ideologia feminista em suas performances e discursos, Amanda Palmer. Focamos nossa atenção em algumas teorias que permeiam o conceito do próprio movimento, de fandom e de performatividades que podem vir, ou não, a estimular conversas entre os participantes de grupos sociais. Para isso, nos aprofundamos em discussões sobre identidade e performance artística, lançando um olhar mais direcionado ao uso do termo performatividade, como uma forma de ampliar o entendimento de experiências e afetações. Em seguida, buscamos entender o que são fandoms e cenas musicais, as semelhanças e diferenças, o que aproxima o fandom musical de uma cena, bem como os embates que se desdobram dentro de cada um - talvez a maior semelhança que eles aparentam carregar - e a virtualização de ambos. Levamos em consideração que nenhum/a artista é “verdadeiramente” independente. Se ele/a não depender de gravadoras ou da mídia de massa, a probabilidade é que dependa de um certo nicho (fandom ou cena musical) para se promover, se fazer ouvir ou ver e, por fim, vender suas produções. Esses nichos, como observamos, estão cada vez mais inseridos nas vias digitais. A facilidade de conexão e o desenvolvimento de sites de redes sociais auxiliam nesse crescimento e adesão e pode vir a auxiliar o engajamento de fãs, antifãs e haters (esses dois últimos elementos também mostraram ser importantes para a divulgação de determinado/a artista). Por fim, articulamos a história do feminismo com o objetivo de entender o conceitos de "discursos feministas" apresentados aqui como categoria de análise. A ideia da prática de discursos feministas, mesmo que o/a narrador/a não se identifique com o movimento ou não se declare abertamente como parte deste, inclui alguns signos mais específicos como a reprodução de pautas dentro da política de equidade de gêneros, a liberdade da mulher de decidir o que fazer ou não com o próprio corpo e o repúdio à violência do corpo feminino. Vimos, no entanto, que o feminismo não apresenta apenas uma linha de pensamento, mas várias. A análise foi feita em cima de um caso (a música "Oasis" de Amanda Palmer), usando duas plataformas, o canal do Youtube da artista, onde o videoclipe foi armazenado, e o blog da mesma, onde escreveu uma carta aberta para as rádios

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britânicas e para a MTV que baniram a música e o videoclipe, respectivamente. Dentro desses dois meios, analisamos alguns comentários levando em consideração quatro categorias: Corpos Femininos, Ideologias Feministas, Lugares de Fala e Interpretação da Temática da Música. Inicialmente, notamos que sempre existiram disputas dentro do cerco de fãs online. No entanto, as mesmas não eram travadas somente entre si, mas com aqueles indivíduos que faziam questão de se desligar do grupo de adoradores de Palmer, como os/as haters e os/as antifãs. Podemos, portanto, provar que em um fandom não cabe apenas a relação de fãs em concordância, como foi explicitado por Monteiro (2012), mas também o sistema de disputas simbólicas e essas estiveram presentes em todas as categorias. Uma segunda constatação foi como o simbolismo feminino/feminista pareceu sempre estar presente. Não apenas a disputa de gosto entrava nas relações conflituosas entre fãs, antifãs e haters, mas também as questões mais ideológicas onde eram envolvidos os discursos feministas. Observamos um alto nível de envolvimento com a ideologia (mesmo que de forma ingênua) tanto para crítica e deslegitimação, quanto para a defesa e certo enaltecimento de Amanda Palmer. A questão do feminismo, portanto, se mostrou um dos pontos principais de disputas e discussões dentro do fandom musical da artista e os/as integrantes do mesmo demonstraram capacitação e conhecimento sobre o assunto. Isso pode ser uma amostra de como artistas influenciam não apenas o seu grupo de fãs, como Amaral (2013) evidencia, mas também aquelas pessoas que se comunicam e interagem com este grupo. Buscamos, portanto, acrescentar aos estudos que visam os embates e debates dentro de fandoms de artistas independentes, mas ressaltando a ideia de como o lugar da mulher artista ainda precisa ser mais discutido, assim como de que modos são vistas e toleradas a performance, o corpo e a liberdade do ser feminino na indústria musical. Por fim, sugerimos que o papel de mulheres feministas dentro da música sejam mais estudados e debatidos. Entendemos que esta é uma crescente na academia, no entanto, existem muitas questões que carecem de olhares analíticos, como a recepção dessas artistas por parte do próprio grupo consumidor e os atravessamentos, discussões e os impactos gerados pelo mesmo grupo.

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