Fernando Álvaro Pessoa de Campos

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ORGANIZAÇÃO

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© 2015, Autores e Edições tinta-da-china Edições Tinta-da-china Rua Francisco Ferrer, n.º 6-A 1500-461 Lisboa Tels.: 21 726 90 28/29 E-mail: [email protected] www.tintadachina.pt Título 1915 — O Ano do Orpheu. Autores António Apolinário Lourenço, Arnaldo Saraiva, Cecília Barreira, Ellen W. Sapega, Fernando J.B. Martinho, Filipa Lowndes Vicente, Filomena Serra, Giorgio de Marchis, Jerónimo Pizarro, João Pedro George, Jorge Uribe, José Barreto, José Carlos Seabra Pereira, Manuel Villaverde Cabral, Márcia Seabra Neves, Nuno Júdice, Pablo Javier Pérez López, Patrícia Silva McNeill, Pedro Eiras, Ricardo Vasconcelos, Rui Sousa, Sofia Narciso, Steffen Dix Organização Steffen Dix Revisão Tinta-da-china Composição e capa Tinta-da-china (Pedro Serpa) 1.ª edição: Março de 2015 ISBN 978-989-671-251-8 DEPÓSITO LEGAL n.º 387252/15

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ÍNDICE

Nota Prévia e Agradecimentos

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INT RODUÇ ÃO O Ano de 1915. Um Mundo em Fragmentos e a Normalização dos Extremos Steffen Dix

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CONT E X TO Os Anos Incendiários. Uma Narrativa Cruzada Manuel Villaverde Cabral 1915. O Ano de Todas as Rupturas Nuno Júdice O Ano do Orpheu em Portugal José Barreto Em Torno do Orpheu. A Outra Literatura José Carlos Seabra Pereira Mulheres Artistas. As Possibilidades de Criação Feminina no Portugal de 1915 Filipa Lowndes Vicente A Ideia Nacional. Algumas Confluências Modernistas e Nacionalistas Cecília Barreira

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CONFLUÊ NCI AS Orpheu e Paris. Ecos Cubistas na Poesia de Mário de Sá-Carneiro Ricardo Vasconcelos Orpheu e Blast. Intersecções do Modernismo Português e Inglês Patrícia Silva McNeill As Tentativas de Propaganda Órfica em Espanha Pablo Javier Pérez López

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PROT A GO NI STAS José Pacheco. Relações Sociais e Legitimação Artística do Grafismo Português João Pedro George António Ferro. O «Editor Irresponsável» José Barreto Luís de Montalvor. O Rasto Discreto de Um Dandy da Palavra Poética Fernando J.B. Martinho Mário de Sá-Carneiro. «Perdido. Solitário e Pelos Cafés Baratos.» Giorgio de Marchis Presença(s) de Ronald de Carvalho em Portugal Rui Sousa Fernando Álvaro Pessoa de Campos Jerónimo Pizarro Alfredo Guisado. Um Modernista Acidental? António Apolinário Lourenço Almada, Europa, 1915-1917 Pedro Eiras A Vocação de Armando Côrtes-Rodrigues Jorge Uribe «Estes Versos Antigos Que Eu Dizia». A Tragédia de Ângelo de Lima no Contexto do Orpheu. Sofia Narciso Eduardo Guimaraens. Entre a Quimera e o Orpheu Rui Sousa Raul Leal (Henoch). O Mais Louco dos Loucos do Orpheu e Profeta Maldito Márcia Seabra Neves «Il n’y a pas de hors-texte». Guilherme de Santa-Rita, Um Artista Sem Obra? Filomena Serra O «Frustrado» e Abençoado Orpheu Arnaldo Saraiva «Não posso viver sem sol». O Regresso de Amadeo de Souza-Cardoso à Pátria Ellen W. Sapega

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Cronologia 1915 Steffen Dix

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Índice Onomástico Notas Biográficas

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Fernando Álvaro Pessoa de Campos Jerónimo Pizarro

Álvaro de Campos, meu caro amigo, não é maior com certeza que Fernan‑ do Pessoa, mas consegue ser mais interessante do que ele. Mário de Sá­‑Carneiro (2003, II: 132)

Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis terão surgido pra­ ticamente no mesmo dia, um dia triunfal de Março de 1914, segundo o célebre relato de uma carta de 13 de Janeiro de 1935 que Jorge de Sena incluiu numa antologia (Páginas de Doutrina Estética) sob o nome «carta sobre a génese dos heterónimos» (Pessoa, 1946: 14). Mas se Campos, Caeiro e Reis — pela ordem inversa — surgiram como esboços mentais em 1914, ou mesmo antes (Reis terá sido esboçado em 1912), verdade é que apenas Campos foi apresentado ao público em 1915 pelo seu criador e editor, Fernando Pessoa, nas páginas da revista Orpheu. Recorde­‑se que Caeiro, embora fosse o mestre do «drama em gente» (Pessoa, 2013: 639), teve de esperar até 1925 para ser publicado na revista Athena, numa altura em que o divulgador do paganismo, António Mora, estava já praticamente inactivo; e que Reis apenas em 1924 viu impressas algu‑ mas das suas odes na mesma revista neoclássica (passe o oximoro). A vida pública de Álvaro de Campos teve, portanto, início um ano depois da sua invenção e foi bem mais notória do que a existência de Alberto

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1915 · O Ano do Orpheu

Caeiro, que Pessoa «fez morrer» em 1915, ou a de Ricardo Reis, que Pes‑ soa «enviou» para o Brasil em 1919. Ainda que Caeiro ou Reis tivessem almejado essa existência pública — e nada seria mais oposto ao buco‑ lismo do primeiro e ao aristocratismo do segundo —, a sua biografia, forjada por Fernando Pessoa, não o permitiria: Caeiro terá morrido jovem, à la manière de Mário de Sá­‑Carneiro; Reis terá passado a sua vida no exílio, ficando em 1919 mais silencioso do que antes. Dos três heterónimos, em suma, apenas Álvaro de Campos se deu a conhecer em 1915, tendo acompanhado Pessoa até ao fim da sua vida. Este parece­‑me um óptimo motivo para centrar o artigo na figura do engenheiro naval, visto que o presente volume colectivo tem por objectivo coligir uma série de aproximações às realidades sociais, culturais e políticas coevas dos protagonistas da geração do Orpheu em 1915, e que apenas Campos teve uma participação directa em muitas dessas realidades, e não só, visto que nunca deixou de ser interventivo. Convém esclarecer que não estou a desvalorizar leituras «socioculturais» da obra caeiriana ou da obra ricardiana, mas, a meu ver, um guardador de pensamentos nomi‑ nalistas e a reincarnação portuguesa de um Horácio tendem a ser epíto‑ mes de isolamento e anacronismo, isto é, são figuras que não pertencem por completo à sua época. Só Campos quis ser absolutamente moderno, tal como Rimbaud; só Campos procurou ser um super­‑Marinetti, como um vanguardista; só Campos terá privado com Almada Negreiros, do mesmo modo que Pessoa. A história começa, de facto, em 1915, aquando da publicação, a 24 de Março, do nº 1 da revista Orpheu, que inclui os primeiros textos atri‑ buídos a Álvaro de Campos: «Opiário» e «Ode Triunfal». Campos vem a público sem que os directores da revista mencionem qualquer tipo de filiação a Pessoa, embora no índice se leia «Opiário e Ode Triunfal — duas composições de Alvaro de Campos publicadas por Fernando Pes‑ soa». Um leitor atento teria de se ter questionado porque seria Pessoa, e não António Ferro, então editor do Orpheu, quem publicava Álvaro de Campos, e porque apenas ele, que tinha um livro em preparação, intitulado Arco de Triunfo, de entre todos os colaboradores do primeiro número, recorria a outrem para ser publicado. Em rigor, quem quisesse acusar de imoral o Campos triunfalista, aquele dandy opiómano que se despe sado­‑masoquistamente na sua ode vitoriosa, teria de endereçar uma carta aos directores da revista, Luís de Montalvor e Ronald de Car‑ valho, ou de procurar Fernando Pessoa, isto é, o colaborador que estava por trás das duas composições, ou ainda de atacar a revista no seu con‑ junto por meio da imprensa. Hoje em dia, não sabemos se a direcção da

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revista recebeu cartas de leitores indignados nem se Pessoa foi procu‑ rado para obter mais informações sobre esse dandy desassossegado, mas sabemos que muitos jornalistas e personalidades diversas ataca‑ ram os órficos em nome da moral, essa mesma moral que Walter Pater, Oscar Wilde, André Gide e Fernando Pessoa, entre outros, e em diver‑ sos momentos, tentaram apartar da arte. O curioso é que os artistas do Orpheu não foram apenas acusados de imoralidade — imoral podia ser o canto de filhas de oito anos masturbando homens «de aspecto decente nos vãos de escada» (Orpheu 1, 1915: 81) — nem somente de exóticos, futuristas, contraditórios, escandalosos ou mesmo «creaturas de maus sentimentos» (Pessoa, 2012: 256) — ficando esta última acusação a dever­‑se, em particular, ao facto de Álvaro de Campos ter celebrado um acidente de Afonso Costa, ainda que, em igual sentido, nenhum republi‑ cano parecesse ter achado de mau gosto que Campos cantasse o regi‑ cídio de 1908 (Orpheu 1, 1915: 79). Na realidade, os modernistas foram também tidos como doidos e, mais exactamente, paranóicos. Pessoa ficou incomodado e não só tentou contextualizar a recepção da revista (a 6 de Abril lembrou a incompreensão de que foram vitimas os génios de Wordsworth e Coleridge [Pessoa, 2009: 40]; e por volta da mesma altura escreveu: «Fomos recebidos como o foi Anthero, à gargalhada» [Pessoa, 2009: 55]), como tomou uma decisão que ainda hoje pode ser considerada totalmente inédita. Foi à procura de um doido «a sério», de um doido «certificado» e internado num manicómio, e publicou no segundo número do Orpheu uma série de poemas inéditos desse maluco, chamado Ângelo de Lima. Tal aconteceu, porém, em Junho, e antes de avançar de Março a Junho, do n.º 1 ao n.º 2 do Orpheu, é necessário analisar outros aspectos relativos à recepção da revista, atendendo a que essa recepção levou Pessoa a uma violenta crítica da psiquiatria portuguesa e, nomeada‑ mente, da psiquiatria aplicada à literatura. Depois do dia 24 de Março, Pessoa e Sá­‑Carneiro começaram a ler e a discutir as críticas aparecidas na imprensa portuguesa, e Sá­‑Carneiro foi recortando e colando esses textos em páginas de cadernos pauta‑ dos (Pessoa, 2009: 663­‑668): «Literatura de Manicómio», «A Caminho do Manicómio», «Os Bardos do ‘Orpheu’ são doidos com juízo», são algu‑ mas das linhas que figuram nos cabeçalhos dessas colunas. Alguns jornalistas, apoiando­ ‑se nas declarações de conceituados alienistas, como Júlio de Matos — autor de estudos que Pessoa tinha lido na juventude (Pessoa, 2006, II: 648­‑652; Pizarro, 2007: 122­‑124) —, trataram os órficos como desequilibrados, ou, na linguagem da época

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Recortes d’A Capital, 30 de Março de 1915. (BNP/E3, 155­‑7v e 8r)

— empregada por Miguel Bombarda no seu diagnóstico de Ângelo de Lima, por exemplo —, como «degenerados» com princípios de «loucura moral», como loucos cujas criações seriam manifestações de «delírios alucinatórios» ou pelo menos «alcoólicos» (in Lima, 2003: 138). Antes de Pessoa, já Antero havia sido estudado a partir de uma perspectiva psi‑ copatológica, tal como o haviam sido Nietzsche, Strindberg, Van Gogh e tantos outros filósofos, escritores e artistas. Ora, para a imprensa portuguesa, quais eram os loucos do Orpheu? A resposta é simples e significativa: os loucos seriam justamente os colaboradores mais origi‑ nais da revista, Mário de Sá­‑Carneiro e Álvaro de Campos, e não neces‑ sariamente o Fernando Pessoa d’«O Marinheiro» ou o José de Almada Negreiros de «Frisos», entre outros. E porque seriam loucos esses dois «malogrados»? Apenas e simplesmente porque Sá­‑Carneiro e Campos escreviam «como loucos»: numa espécie de «gongorismo sobrio e expli‑ cavel», nas palavras de Pessoa (2006, I: 393); numa «algaravia ás vezes brilhante, mas sempre grotesca e tumultuaria», nas palavras de Júlio de Matos, registadas num recorte de jornal coleccionado por Mário de Sá­‑Carneiro num dos seus cadernos (BNP/E3, 155­‑7v). Daí o balanço que Pessoa faz em 1915: «As relações da psychiatria com a literatura não teem sido felizes»; daí a conclusão a que chega: «A ignorancia e incom‑ petencia dos nossos criticos, a incultura e a stupidez do nosso publico, a indisciplina mental e o charlatanismo scientifico dos nossos pretensos homens de sciencia — n’este meio caiu ‘Orpheu’» (2006, I: 393­‑394); e

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MÁRCIA SEABRA NEVES Licenciada em Ensino de Português e Francês pela Universidade de Aveiro. Doutorou-se em Ciências Culturais, na mesma instituição, com uma tese intitulada «Da Francofilia no Imaginário Presencista: Da NRF à presença» (2013). É investigadora integrada do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional da Universidade Nova de Lisboa e do Centro de Línguas, Literaturas e Culturas da Universidade de Aveiro.

JOSÉ CARLOS SEABRA PEREIRA Doutorado pelas Universidades de Poitiers e de Coimbra, é Professor na Faculdade de Letras de Coimbra e na Universidade Católica. É coordenador científico do Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos, membro do Conselho Geral da Universidade Coimbra e director da revista Estudos. Publicou numerosos ensaios, estudos monográficos, e edições críticas. É membro de vários júris dos principais prémios literários, nomeadamente do Prémio Camões e do Grande Prémio Leya.

JERÓNIMO PIZARRO Enquanto tradutor, crítico e editor, publicou, nos últimos anos, uma parte significativa das novas edições e séries de textos de Fernando Pessoa em Portugal. É professor da Universidade dos Andes e titular da Cátedra de Estudos Portugueses do Instituto Camões na Colômbia. Em 2013 recebeu o Prémio Eduardo Lourenço. É co-editor da revista Pessoa Plural — Revista de Estudos Pessoanos e dirige actualmente a Colecção Pessoa na Tinta-da-china.

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Foi composto em caracteres Cheltenham, P22 PanAm e Verlag, e impresso na Guide, Artes Gráficas, sobre papel Coral Book de 80 g/m2, no mês de Fevereiro de 2015.

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