Fernando Brízio: Para uma metodologia quotidiana do humor

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exposição

Fernando Brízio

FERNANDO BRÍZIO POR RITA FERRÃO

Rita Ferrão – [email protected]

e Artes Aplicadas, abolindo o entendimento

ticas autorais. Práticas que não só dão conta da

dos como design. Durante a primeira metade

hierárquico herdado do século XIX e dá ori-

necessidade de comunicar diferentes pontos de

da década de 90, anos em que desenvolve o

gem ao conceito modernista de design.

vista perante a resolução do mesmo problema,

seu percurso académico no Curso de Design

A ideia de que o design não resolve neces-

como também, ao carregarem de significados

de Equipamento da FBAUL, predomina no

sariamente problemas e mesmo quando os re-

os objectos, contribuem decisivamente para

contexto que o envolve abundante informação

solve é inevitavelmente responsável pela cria-

a criação de relações emocionais e afectivas

e interesse pela arte contemporânea, tornando

ção de outros só é inteiramente assumida no

com os seus utilizadores.

esta área de acção particularmente estimulan-

pós-modernismo. Em 1975, na revista Icono-

A obra do designer português Fernando Brí-

te. No início da sua carreira, chega a participar

graphic, o designer e teórico Victor Papanek

zio tem-se afirmado, nos panoramas nacional

com algumas peças de instalação em exposi-

analisa, com alguma ironia, um conjunto de

e internacional, como geradora de discussões

ções de artes plásticas, evidenciando uma ób-

ideias preconcebidas, enunciando dez mitos

em torno da definição de design. A sua abor-

via proximidade às linguagens artísticas. Estas

associados ao design. Entre estes, constam já

dagem à criação de objectos está, para alguns,

experiências terão contribuído para uma toma-

o mito de que o design soluciona problemas ou

muito mais próxima da criação artística do que

da de consciência sobre qual o lugar a ocupar

O problema da indefinição de fronteiras en-

o mito de que o design satisfaz necessidades,

da actividade de designer. A reabilitação dos

enquanto autor – “Eu quero criar objectos que

tre práticas artísticas atravessa o século XX.

revelando a consciência de que as práticas têm

problemas identificados pelo Arts and Crafts

possam ser usados pelas pessoas e que possam

A necessidade de criar uma nomenclatura or-

consequências que extravasam largamente os

no final do século XIX, faz-se na actualidade

ser produzidos industrialmente.”

ganizativa para as artes, não só por questões

seus pressupostos teóricos. Através de uma

perante a produção em massa de objectos a

O problema da classificação - designer ou

metodológicas, mas também pela perpetuação

perspectiva crítica, Papanek, defensor de um

baixo custo e de pobre qualidade, que chegam

artista que age no campo do design auto-de-

dos estatutos de poder que lhe estão associa-

design social e ecologica-

nominando-se

dos, está na origem de vários equívocos ao

mente responsável, dava-

- assume um valor deter-

longo da história das artes. O diálogo entre

nos uma antevisão do que

minante na definição da

as Belas Artes e as chamadas Artes Aplica-

viria a ser o panorama do

obra de Brízio. Através

das foi maioritariamente dominado por uma

design na actualidade. Na

da subjugação da disci-

visão hierárquica, suportada por um sistema

obra “Artista e Desig-

plina/design a um filtro

valorativo, que, durante o século XIX, com o

ner”, onde Bruno Munari

pós-duchampiano,

processo de industrialização, será inevitavel-

pretendeu

sistematizar

monstra que a obra está,

mente redefinido.

designer

de-

uma distinção entre as

em primeiro lugar, depen-

Desde os primórdios do seu aparecimento,

duas disciplinas, sendo

dente das escolhas clas-

o conceito de design está associado à melho-

ele praticante de ambas,

sificativas do seu autor.

ria das condições de vida, insistindo na “cor-

dirá: “Actualmente, as

A aceitação exterior vem

recção” dos objectos que a povoam. Com as

confusões neste campo

posteriormente, ainda que

teorias de John Ruskin e William Morris na

são frequentes, não sen-

origem do movimento Arts and Crafts, nasce

do ainda clara a transição, que na nossa época

diariamente ao continente europeu, vindos do

abertura de um espaço anteriormente desco-

um aparente conflito entre o mundo dos ob-

tem lugar, de valores subjectivos para valores

Oriente. Brízio acredita que a única forma da

nhecido. A sua posição configura uma espécie

jectos comuns, dominados pela produção in-

objectivos. Numa sociedade avançada já não

Europa fazer frente a esta invasão é criar pe-

de teimosia apostada em conquistar para o de-

dustrial, a que todos temos acesso e usamos,

existem valores subjectivos (o «como eu vejo

quenos sistemas de produção de objectos par-

sign valores humanos por vezes insondáveis

e o mundo dos objectos “desenhados”, consi-

o mundo»), mas valores objectivos que ten-

ticulares, construídos com materiais e manu-

num sistema dominado pela tecnologia. Estes

derados perfeitos e possuidores de qualidades

dem a predominar, até porque o método sub-

factura de qualidade. O papel desempenhado

valores não são do domínio da antropometria

especiais, a que só alguns têm acesso. Este

jectivo não leva muito longe. (…) A primeira

pelos autores é o de promover a criação destes

ou da ergonomia, são do domínio do pensa-

conflito perpetua-se, extravasando o contex-

diferença que ressalta desta análise é que o ar-

pequenos sistemas de produção, de modo a

mento e da emoção, para Brízio a única possi-

to socioeconómico. Com o advento dos mo-

tista trabalha de um modo subjectivo, para si

servir a sua visão de cada objecto. Só assim

bilidade de atingir o conforto.

vimentos modernos, torna-se um fenómeno

próprio e para uma elite, enquanto o designer

se poderá agradar não às massas, mas a cada

Ao percorrer naturalmente o seu caminho,

político e ético, a insistência em corrigir o que

trabalha em grupo para toda a comunidade,

indivíduo em particular, sobrevivendo de uma

Brízio encena uma blague, conduzindo o sis-

está errado toma a forma de afirmação de po-

com o fim de melhorar a produção, quer no

multiplicidade de nichos de público.

tema a absorver um corpo estranho, a pedra

der pela implementação de modelos que criam

01

dificuldades de adaptação, fomentando muitas

para isso seja necessária a

sentido prático quer no sentido estético. E, por

Para Fernando Brízio, a diferença entre a sua

passa a fazer parte do sapato. Esta espécie de

consequência, os dois métodos de trabalho são

atitude autoral e a de um artista reside sobre-

estratégia humorística assenta na aceitação do

vezes um sentimento de infelicidade no uti-

de entender todas as formas e necessidades:

aplicação metodológica do saber, que parecia

diversos.” Esta perspectiva, certamente válida

tudo na escolha do campo de acção. Esta deci-

erro como parte integrante do processo criati-

lizador. O arquitecto alemão Walter Gropius,

não por ser um prodígio, mas porque sabe

potenciar a resolução de todos os problemas

no pós-guerra, será contrariada por boa parte

são, a escolha de actuar no espaço atribuído ao

vo, atribuindo-lhe um valor determinante na

fundador da Bauhaus, afirma: “O designer é

como abordar as necessidades dos homens de

da vida moderna, traz consigo uma visão utó-

da produção de design contemporâneo, que

design, foi tomada em função de um interesse

definição da condição de humano. Na peça

uma nova espécie de artista, um criador capaz

acordo com um método bem definido.” Esta

pica, preconiza a unificação entre Belas Artes

evidencia a subjectividade decorrente das prá-

por dispositivos tradicionalmente classifica-

Inhabited Drawing Video (2007), Brízio es-

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exposição

Fernando Brízio

FERNANDO BRÍZIO POR RITA FERRÃO

Rita Ferrão – [email protected]

e Artes Aplicadas, abolindo o entendimento

ticas autorais. Práticas que não só dão conta da

dos como design. Durante a primeira metade

hierárquico herdado do século XIX e dá ori-

necessidade de comunicar diferentes pontos de

da década de 90, anos em que desenvolve o

gem ao conceito modernista de design.

vista perante a resolução do mesmo problema,

seu percurso académico no Curso de Design

A ideia de que o design não resolve neces-

como também, ao carregarem de significados

de Equipamento da FBAUL, predomina no

sariamente problemas e mesmo quando os re-

os objectos, contribuem decisivamente para

contexto que o envolve abundante informação

solve é inevitavelmente responsável pela cria-

a criação de relações emocionais e afectivas

e interesse pela arte contemporânea, tornando

ção de outros só é inteiramente assumida no

com os seus utilizadores.

esta área de acção particularmente estimulan-

pós-modernismo. Em 1975, na revista Icono-

A obra do designer português Fernando Brí-

te. No início da sua carreira, chega a participar

graphic, o designer e teórico Victor Papanek

zio tem-se afirmado, nos panoramas nacional

com algumas peças de instalação em exposi-

analisa, com alguma ironia, um conjunto de

e internacional, como geradora de discussões

ções de artes plásticas, evidenciando uma ób-

ideias preconcebidas, enunciando dez mitos

em torno da definição de design. A sua abor-

via proximidade às linguagens artísticas. Estas

associados ao design. Entre estes, constam já

dagem à criação de objectos está, para alguns,

experiências terão contribuído para uma toma-

o mito de que o design soluciona problemas ou

muito mais próxima da criação artística do que

da de consciência sobre qual o lugar a ocupar

O problema da indefinição de fronteiras en-

o mito de que o design satisfaz necessidades,

da actividade de designer. A reabilitação dos

enquanto autor – “Eu quero criar objectos que

tre práticas artísticas atravessa o século XX.

revelando a consciência de que as práticas têm

problemas identificados pelo Arts and Crafts

possam ser usados pelas pessoas e que possam

A necessidade de criar uma nomenclatura or-

consequências que extravasam largamente os

no final do século XIX, faz-se na actualidade

ser produzidos industrialmente.”

ganizativa para as artes, não só por questões

seus pressupostos teóricos. Através de uma

perante a produção em massa de objectos a

O problema da classificação - designer ou

metodológicas, mas também pela perpetuação

perspectiva crítica, Papanek, defensor de um

baixo custo e de pobre qualidade, que chegam

artista que age no campo do design auto-de-

dos estatutos de poder que lhe estão associa-

design social e ecologica-

nominando-se

dos, está na origem de vários equívocos ao

mente responsável, dava-

- assume um valor deter-

longo da história das artes. O diálogo entre

nos uma antevisão do que

minante na definição da

as Belas Artes e as chamadas Artes Aplica-

viria a ser o panorama do

obra de Brízio. Através

das foi maioritariamente dominado por uma

design na actualidade. Na

da subjugação da disci-

visão hierárquica, suportada por um sistema

obra “Artista e Desig-

plina/design a um filtro

valorativo, que, durante o século XIX, com o

ner”, onde Bruno Munari

pós-duchampiano,

processo de industrialização, será inevitavel-

pretendeu

sistematizar

monstra que a obra está,

mente redefinido.

designer

de-

uma distinção entre as

em primeiro lugar, depen-

Desde os primórdios do seu aparecimento,

duas disciplinas, sendo

dente das escolhas clas-

o conceito de design está associado à melho-

ele praticante de ambas,

sificativas do seu autor.

ria das condições de vida, insistindo na “cor-

dirá: “Actualmente, as

A aceitação exterior vem

recção” dos objectos que a povoam. Com as

confusões neste campo

posteriormente, ainda que

teorias de John Ruskin e William Morris na

são frequentes, não sen-

origem do movimento Arts and Crafts, nasce

do ainda clara a transição, que na nossa época

diariamente ao continente europeu, vindos do

abertura de um espaço anteriormente desco-

um aparente conflito entre o mundo dos ob-

tem lugar, de valores subjectivos para valores

Oriente. Brízio acredita que a única forma da

nhecido. A sua posição configura uma espécie

jectos comuns, dominados pela produção in-

objectivos. Numa sociedade avançada já não

Europa fazer frente a esta invasão é criar pe-

de teimosia apostada em conquistar para o de-

dustrial, a que todos temos acesso e usamos,

existem valores subjectivos (o «como eu vejo

quenos sistemas de produção de objectos par-

sign valores humanos por vezes insondáveis

e o mundo dos objectos “desenhados”, consi-

o mundo»), mas valores objectivos que ten-

ticulares, construídos com materiais e manu-

num sistema dominado pela tecnologia. Estes

derados perfeitos e possuidores de qualidades

dem a predominar, até porque o método sub-

factura de qualidade. O papel desempenhado

valores não são do domínio da antropometria

especiais, a que só alguns têm acesso. Este

jectivo não leva muito longe. (…) A primeira

pelos autores é o de promover a criação destes

ou da ergonomia, são do domínio do pensa-

conflito perpetua-se, extravasando o contex-

diferença que ressalta desta análise é que o ar-

pequenos sistemas de produção, de modo a

mento e da emoção, para Brízio a única possi-

to socioeconómico. Com o advento dos mo-

tista trabalha de um modo subjectivo, para si

servir a sua visão de cada objecto. Só assim

bilidade de atingir o conforto.

vimentos modernos, torna-se um fenómeno

próprio e para uma elite, enquanto o designer

se poderá agradar não às massas, mas a cada

Ao percorrer naturalmente o seu caminho,

político e ético, a insistência em corrigir o que

trabalha em grupo para toda a comunidade,

indivíduo em particular, sobrevivendo de uma

Brízio encena uma blague, conduzindo o sis-

está errado toma a forma de afirmação de po-

com o fim de melhorar a produção, quer no

multiplicidade de nichos de público.

tema a absorver um corpo estranho, a pedra

der pela implementação de modelos que criam

01

dificuldades de adaptação, fomentando muitas

para isso seja necessária a

sentido prático quer no sentido estético. E, por

Para Fernando Brízio, a diferença entre a sua

passa a fazer parte do sapato. Esta espécie de

consequência, os dois métodos de trabalho são

atitude autoral e a de um artista reside sobre-

estratégia humorística assenta na aceitação do

vezes um sentimento de infelicidade no uti-

de entender todas as formas e necessidades:

aplicação metodológica do saber, que parecia

diversos.” Esta perspectiva, certamente válida

tudo na escolha do campo de acção. Esta deci-

erro como parte integrante do processo criati-

lizador. O arquitecto alemão Walter Gropius,

não por ser um prodígio, mas porque sabe

potenciar a resolução de todos os problemas

no pós-guerra, será contrariada por boa parte

são, a escolha de actuar no espaço atribuído ao

vo, atribuindo-lhe um valor determinante na

fundador da Bauhaus, afirma: “O designer é

como abordar as necessidades dos homens de

da vida moderna, traz consigo uma visão utó-

da produção de design contemporâneo, que

design, foi tomada em função de um interesse

definição da condição de humano. Na peça

uma nova espécie de artista, um criador capaz

acordo com um método bem definido.” Esta

pica, preconiza a unificação entre Belas Artes

evidencia a subjectividade decorrente das prá-

por dispositivos tradicionalmente classifica-

Inhabited Drawing Video (2007), Brízio es-

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exposição

Fernando Brízio

tabelece uma ligação directa ao universo de

em série, tirando partido das suas potenciali-

que, no protótipo, as patas do banco foram pa-

na-se fundamental encontrar algum conforto,

uma visão particularmente actual sobre a defi-

sobre lápis, interferem com o espaço preexis-

Buster Keaton, o lendário comediante de ros-

dades para fazer os seus objectos chegarem

cientemente esculpidas pelo autor ao longo de

um espaço onde se possa preservar a individu-

nição da individualidade. Na obra de Brízio, o

tente, deixando um rasto/risco à medida que

to impassível. Numa passagem do filme “The

a um maior número de pessoas. No entanto,

vários meses, tendo por modelo um presunto

alidade, escapando à aniquilação.

valor do corpo na sua relação com os objectos,

vão traçando o seu próprio percurso até atin-

High Sign” (1921), Keaton pinta na parede um

este número de pessoas não se pretende muito

pata negra que o acompanhava diariamente

A Casa é para ambos os autores a mais po-

tem vindo a ganhar peso ao longo do tempo.

girem o local que lhes foi destinado. Apesar

cabide onde de imediato pendura o chapéu.

alargado, apenas aquelas que manifestem real

nas suas viagens de carro para a oficina e com

derosa representação de conforto, imagem

Os aspectos lúdicos e a criação de diferen-

do traçado, previsto no projecto inicial, não se

Seguidamente Brízio entra em cena e pinta

ciados níveis de significação já estavam cla-

ter concretizado devido a problemas de pro-

Keaton atingiu com os seus gags uma espé-

de tal, que, uma vez finalizado o projecto, foi

legiado de intervenção. Keaton cria um uni-

ramente visíveis no banco Male and Female

dução, o projecto incompleto foi continuado

interesse em possuir cada objecto.

um banco, pousando sobre ele a mesma lata de tinta usada antes por Keaton.

o qual estabeleceu uma relação de proximida-

e símbolo, é simultaneamente espaço privi-

cie de automatismo, à época muito admirado

particularmente difícil desfazer-se do presun-

verso fascinante de cenários que se transfor-

(1999) ou em Eaten Plate (2000), prato mor-

pelo designer, dando origem a HB Drawing

Será interessante analisar esta entrada na obra

pelos performers avant-garde, que, assente

to, que acabou por ficar “ergonomicamente”

mam e adereços fora de escala, com os quais

dido pelo autor. Mais recentemente em peças

Shelf (2005), pequena consola que dá a ilusão

do outro, identificando nas posturas dos dois

numa aparente ausência de emoções, dá a ilu-

guardado dentro de uma caixa de guitarra até

o humano se relaciona de modo a solucionar

de vestir como Restarted Dress (2005-2008)

de traçar na parede o seu caminho até atingir

autores um discurso humorístico de carácter

são do não reconhecimento da máquina. A an-

se tornar insuportável. Esta relação particular

os seus problemas, ainda que de forma provi-

ou nas saias que lhe dão origem, Clothes

a localização certa, ou Sketching Door (2007)

subversivo perante o mundo industrializado.

tropomorfização do inanimado foi largamen-

e pessoal com os objectos que utiliza quotidia-

sória, também aqui as soluções originam uma

Makeup (2005), o corpo físico ou as funções

que transforma a parede numa enorme página

O trabalho de Keaton centra-se no retrato de

te explorada pelos cineastas do modernismo

namente está na base da sua acção enquanto

quantidade de outros problemas. A Casa, lar

corporais tomam maior peso metafórico, con-

pautada, riscando-a sempre que é aberta ou fe-

personagens esmagadas pela

designer, suportando um espí-

de intimidade e de rotinas, é explorada como

ferindo evidência à leitura sexual, já latente de

chada. No trabalho de Brízio, o traçado de um

complexidade da sociedade

rito crítico sediado num refi-

espaço simbólico, o lugar da acção. O come-

forma subtil em muitas das peças anteriores.

percurso é muitas vezes reflector do processo

moderna, particularmente por

nado sentido de humor, e re-

diante leva esta ideia ao limite em “One Week”

Retomando Inhabited Drawing Video, encon-

criativo. A obra que melhor traduz esta ideia

máquinas que parecem desu-

flecte, ainda que de forma não

(1920), onde a casa assume o protagonismo

tramos referências à obra de Helena Almeida,

é Journey (2005), onde um conjunto de peças

manizar a existência humana

premeditada, o seu posiciona-

do filme. Para Fernando Brízio, a casa cons-

nas séries Pinturas e Desenhos Habitados da

em porcelana fresca é transportado de carro,

sob o pretexto de a facilita-

mento perante a máquina que

titui o primeiro reduto de

tomando forma nas defor-

rem. Ninguém funde melhor

o envolve. De Keaton, conta

acção e acaba por condi-

mações provocadas pela

as ameaças e as promessas do

o biógrafo Rudi Blesh que

cionar tanto a escala dos

mundo industrializado, umas

construiu dentro do seu bun-

objectos como determina

vezes vítima, outras vitorio-

galow na MGM um aparelho

a sua escolha. Nas peças

so, Keaton, tal como Brízio,

absurdo (parente próximo dos

Window, apresentadas em

lida com este ambiente inu-

cartoons de Rube Goldberg)

2005, no Pavilhão Branco

manamente organizado. Em-

chamado “O Quebra-nozes”,

do Museu da Cidade em

bora nenhum dos dois autores

em que uma noz era transpor-

Lisboa, Brízio materiali-

tenha manifestado posições

tada através de uma multipli-

za um jogo cenográfico

políticas, as suas obras sus-

cidade de mecanismos até ser

que poderia integrar um

tentam visões críticas sobre o

finalmente esmagada por uma

filme de Keaton, sidebo-

mundo mecanizado, ou uma

empilhadora. Para Blesh, a

ards ilusórios emolduram

sociedade dominada por siste-

leitura é simples, “O Quebra-

surpreendentes

mas digitais no caso de Brízio,

nozes” representava o pode-

para os jardins. Em 1997,

um mundo em que o homem

roso estúdio americano e a

no candeeiro Casa, uma pequena casa vis-

década de 70. O desenho materializa a acção

pondente às palavras lamp e vase deu origem

tem que reaprender a mover-

noz era Buster Keaton. Atra-

ta de fora, iluminada por dentro, com toda a

do corpo no espaço, desta vez não na tela ou

aos objectos equivalentes construídos em cha-

se, trabalhar, pensar e amar

vés dos seus filmes, Keaton

significação que acarreta, Brízio revela-nos a

no papel, mas no espaço fílmico, abrindo-o ao

pa de alumínio recortada e a palavra bombom

segundo um novo ritmo, de

projecta não a liberdade cria-

visão daquele que será por excelência o seu

exterior. Brízio considera esta peça uma me-

ao objecto construído em chocolate. De todas

modo a manter-se em sintonia

“E ENTÃO VEDES QUE, POR VEZES, PARA MINAR A FALSA AUTORIDADE DE UMA PROPOSIÇÃO ABSURDA QUE REPUGNA À RAZÃO, TAMBÉM O RISO PODE SER UM INSTRUMENTO JUSTO. “

janelas

UMBERTO ECO, “O NOME DA ROSA”

acidentada viagem, no fim da qual, durante a cozedura, adquirem configuração definitiva. Em Sound system (2003), o designer define um processo de trabalho que, no limite, se adequaria a todas as situações. Como num passe de mágica, bastaria pronunciar a palavra e teríamos a formulação do objecto. O gráfico de som corres-

tiva, mas sim a luta do homem

espaço operativo, recriando posteriormente

táfora para a função do desenho no processo

as suas obras, talvez esta seja a que melhor

com organismos desadequados às exigências

russo e alemão durante os Anos Vinte, criando

moderno para tentar encontrar, entre o caos do

muitos dos objectos que tradicionalmente o

de design, dar matéria à ideia, ou melhor, ao

prefigura uma estratégia subversiva assente

humanas. O interesse pela desmontagem do

uma nova dramaturgia em que objectos e má-

trânsito em movimento e da maquinaria de-

habitam: copos, garrafas, pratos, mesas, toa-

desejo de concretizar. O valor do desenho no

no humor. A multiplicidade de hipóteses é in-

sistema com a intenção de o conhecer permi-

quinas passam a representar papéis principais.

moníaca, um espaço onde esteja a salvo. Não

lhas, bancos, etc. Na relação com os objectos

processo criativo, bem como o do corpo que

finita, línguas, sotaques e entoações diversas

tindo a sua subversão é comum tanto a Brízio

Num contexto temporal e com objectivos dife-

sabemos como resolveria Brízio o problema

surge o corpo, habitante primordial da casa,

o habita e lhe confere sentido, toma forma

produziriam milhares de objectos cuja forma

como a Keaton. Desmontando os mecanismos

rentes, também na obra de Brízio encontramos

da noz, ou sequer se resolveria, mas decerto

assumindo a função de mediador, torna-se o

em várias outras peças, através da utilização

dependeria da intensidade do desejo ou da

cinematográficos, o cineasta encontra o seu

vários exemplos de humanização dos objectos:

encontraria uma escapatória inesperada que

único elemento físico que dominamos na re-

do lápis como parte integrante e actuante do

emoção expressas pela palavra. O processo

lugar criando uma linguagem própria, estuda

personificação, em Tableshirt (2000), a mesa

nos faria sorrir, “Eu considero o sorriso um

lação com o exterior. Também em Keaton o

objecto. Ao conceber o núcleo Seduz da ex-

criativo não dá origem ao objecto, transforma-

o modo de funcionar da câmara, utilizando-a

“veste a camisa branca”, ou animismo, em

critério de qualidade, é uma emoção visível,

corpo é primordial, as suas personagens ten-

posição Catalysts! A Força Cultural do Design

se ele próprio em objecto.

como elemento fundamental na construção da

Pata Negra (2005), o banco assume persona-

uma reacção física que me agrada”, afirma em

tam sobreviver dentro de um sistema raciona-

de Comunicação, para Experimentadesign

Para Brízio, a valorização do processo cria-

acção e não apenas como dispositivo de regis-

lidade animal através das suas formas e quase

entrevista à revista “Intramuros” em 2003. A

lizado, partindo de princípios não racionais, o

2005 no Centro Cultural de Belém em Lis-

tivo em detrimento do objecto, ou a criação

to do desempenho teatral. Já Brízio ultrapassa

podemos imaginá-lo a correr pelo campo. A

procura da salvação através do riso é comum

corpo do comediante funciona como elemento

boa, Brízio propõe uma solução em que os

de objectos que evidenciem o processo que

os constrangimentos criativos da produção

propósito de Pata Negra, é interessante referir

aos dois autores. Num ambiente adverso, tor-

dominado e potenciador da acção, revelando

módulos expositores, aparentemente assentes

lhes deu origem, é fundamental - “O objecto

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DIRECTARTS | REVISTA DE COMUNICAÇÃO VISUAL

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exposição

Fernando Brízio

tabelece uma ligação directa ao universo de

em série, tirando partido das suas potenciali-

que, no protótipo, as patas do banco foram pa-

na-se fundamental encontrar algum conforto,

uma visão particularmente actual sobre a defi-

sobre lápis, interferem com o espaço preexis-

Buster Keaton, o lendário comediante de ros-

dades para fazer os seus objectos chegarem

cientemente esculpidas pelo autor ao longo de

um espaço onde se possa preservar a individu-

nição da individualidade. Na obra de Brízio, o

tente, deixando um rasto/risco à medida que

to impassível. Numa passagem do filme “The

a um maior número de pessoas. No entanto,

vários meses, tendo por modelo um presunto

alidade, escapando à aniquilação.

valor do corpo na sua relação com os objectos,

vão traçando o seu próprio percurso até atin-

High Sign” (1921), Keaton pinta na parede um

este número de pessoas não se pretende muito

pata negra que o acompanhava diariamente

A Casa é para ambos os autores a mais po-

tem vindo a ganhar peso ao longo do tempo.

girem o local que lhes foi destinado. Apesar

cabide onde de imediato pendura o chapéu.

alargado, apenas aquelas que manifestem real

nas suas viagens de carro para a oficina e com

derosa representação de conforto, imagem

Os aspectos lúdicos e a criação de diferen-

do traçado, previsto no projecto inicial, não se

Seguidamente Brízio entra em cena e pinta

ciados níveis de significação já estavam cla-

ter concretizado devido a problemas de pro-

Keaton atingiu com os seus gags uma espé-

de tal, que, uma vez finalizado o projecto, foi

legiado de intervenção. Keaton cria um uni-

ramente visíveis no banco Male and Female

dução, o projecto incompleto foi continuado

interesse em possuir cada objecto.

um banco, pousando sobre ele a mesma lata de tinta usada antes por Keaton.

o qual estabeleceu uma relação de proximida-

e símbolo, é simultaneamente espaço privi-

cie de automatismo, à época muito admirado

particularmente difícil desfazer-se do presun-

verso fascinante de cenários que se transfor-

(1999) ou em Eaten Plate (2000), prato mor-

pelo designer, dando origem a HB Drawing

Será interessante analisar esta entrada na obra

pelos performers avant-garde, que, assente

to, que acabou por ficar “ergonomicamente”

mam e adereços fora de escala, com os quais

dido pelo autor. Mais recentemente em peças

Shelf (2005), pequena consola que dá a ilusão

do outro, identificando nas posturas dos dois

numa aparente ausência de emoções, dá a ilu-

guardado dentro de uma caixa de guitarra até

o humano se relaciona de modo a solucionar

de vestir como Restarted Dress (2005-2008)

de traçar na parede o seu caminho até atingir

autores um discurso humorístico de carácter

são do não reconhecimento da máquina. A an-

se tornar insuportável. Esta relação particular

os seus problemas, ainda que de forma provi-

ou nas saias que lhe dão origem, Clothes

a localização certa, ou Sketching Door (2007)

subversivo perante o mundo industrializado.

tropomorfização do inanimado foi largamen-

e pessoal com os objectos que utiliza quotidia-

sória, também aqui as soluções originam uma

Makeup (2005), o corpo físico ou as funções

que transforma a parede numa enorme página

O trabalho de Keaton centra-se no retrato de

te explorada pelos cineastas do modernismo

namente está na base da sua acção enquanto

quantidade de outros problemas. A Casa, lar

corporais tomam maior peso metafórico, con-

pautada, riscando-a sempre que é aberta ou fe-

personagens esmagadas pela

designer, suportando um espí-

de intimidade e de rotinas, é explorada como

ferindo evidência à leitura sexual, já latente de

chada. No trabalho de Brízio, o traçado de um

complexidade da sociedade

rito crítico sediado num refi-

espaço simbólico, o lugar da acção. O come-

forma subtil em muitas das peças anteriores.

percurso é muitas vezes reflector do processo

moderna, particularmente por

nado sentido de humor, e re-

diante leva esta ideia ao limite em “One Week”

Retomando Inhabited Drawing Video, encon-

criativo. A obra que melhor traduz esta ideia

máquinas que parecem desu-

flecte, ainda que de forma não

(1920), onde a casa assume o protagonismo

tramos referências à obra de Helena Almeida,

é Journey (2005), onde um conjunto de peças

manizar a existência humana

premeditada, o seu posiciona-

do filme. Para Fernando Brízio, a casa cons-

nas séries Pinturas e Desenhos Habitados da

em porcelana fresca é transportado de carro,

sob o pretexto de a facilita-

mento perante a máquina que

titui o primeiro reduto de

tomando forma nas defor-

rem. Ninguém funde melhor

o envolve. De Keaton, conta

acção e acaba por condi-

mações provocadas pela

as ameaças e as promessas do

o biógrafo Rudi Blesh que

cionar tanto a escala dos

mundo industrializado, umas

construiu dentro do seu bun-

objectos como determina

vezes vítima, outras vitorio-

galow na MGM um aparelho

a sua escolha. Nas peças

so, Keaton, tal como Brízio,

absurdo (parente próximo dos

Window, apresentadas em

lida com este ambiente inu-

cartoons de Rube Goldberg)

2005, no Pavilhão Branco

manamente organizado. Em-

chamado “O Quebra-nozes”,

do Museu da Cidade em

bora nenhum dos dois autores

em que uma noz era transpor-

Lisboa, Brízio materiali-

tenha manifestado posições

tada através de uma multipli-

za um jogo cenográfico

políticas, as suas obras sus-

cidade de mecanismos até ser

que poderia integrar um

tentam visões críticas sobre o

finalmente esmagada por uma

filme de Keaton, sidebo-

mundo mecanizado, ou uma

empilhadora. Para Blesh, a

ards ilusórios emolduram

sociedade dominada por siste-

leitura é simples, “O Quebra-

surpreendentes

mas digitais no caso de Brízio,

nozes” representava o pode-

para os jardins. Em 1997,

um mundo em que o homem

roso estúdio americano e a

no candeeiro Casa, uma pequena casa vis-

década de 70. O desenho materializa a acção

pondente às palavras lamp e vase deu origem

tem que reaprender a mover-

noz era Buster Keaton. Atra-

ta de fora, iluminada por dentro, com toda a

do corpo no espaço, desta vez não na tela ou

aos objectos equivalentes construídos em cha-

se, trabalhar, pensar e amar

vés dos seus filmes, Keaton

significação que acarreta, Brízio revela-nos a

no papel, mas no espaço fílmico, abrindo-o ao

pa de alumínio recortada e a palavra bombom

segundo um novo ritmo, de

projecta não a liberdade cria-

visão daquele que será por excelência o seu

exterior. Brízio considera esta peça uma me-

ao objecto construído em chocolate. De todas

modo a manter-se em sintonia

“E ENTÃO VEDES QUE, POR VEZES, PARA MINAR A FALSA AUTORIDADE DE UMA PROPOSIÇÃO ABSURDA QUE REPUGNA À RAZÃO, TAMBÉM O RISO PODE SER UM INSTRUMENTO JUSTO. “

janelas

UMBERTO ECO, “O NOME DA ROSA”

acidentada viagem, no fim da qual, durante a cozedura, adquirem configuração definitiva. Em Sound system (2003), o designer define um processo de trabalho que, no limite, se adequaria a todas as situações. Como num passe de mágica, bastaria pronunciar a palavra e teríamos a formulação do objecto. O gráfico de som corres-

tiva, mas sim a luta do homem

espaço operativo, recriando posteriormente

táfora para a função do desenho no processo

as suas obras, talvez esta seja a que melhor

com organismos desadequados às exigências

russo e alemão durante os Anos Vinte, criando

moderno para tentar encontrar, entre o caos do

muitos dos objectos que tradicionalmente o

de design, dar matéria à ideia, ou melhor, ao

prefigura uma estratégia subversiva assente

humanas. O interesse pela desmontagem do

uma nova dramaturgia em que objectos e má-

trânsito em movimento e da maquinaria de-

habitam: copos, garrafas, pratos, mesas, toa-

desejo de concretizar. O valor do desenho no

no humor. A multiplicidade de hipóteses é in-

sistema com a intenção de o conhecer permi-

quinas passam a representar papéis principais.

moníaca, um espaço onde esteja a salvo. Não

lhas, bancos, etc. Na relação com os objectos

processo criativo, bem como o do corpo que

finita, línguas, sotaques e entoações diversas

tindo a sua subversão é comum tanto a Brízio

Num contexto temporal e com objectivos dife-

sabemos como resolveria Brízio o problema

surge o corpo, habitante primordial da casa,

o habita e lhe confere sentido, toma forma

produziriam milhares de objectos cuja forma

como a Keaton. Desmontando os mecanismos

rentes, também na obra de Brízio encontramos

da noz, ou sequer se resolveria, mas decerto

assumindo a função de mediador, torna-se o

em várias outras peças, através da utilização

dependeria da intensidade do desejo ou da

cinematográficos, o cineasta encontra o seu

vários exemplos de humanização dos objectos:

encontraria uma escapatória inesperada que

único elemento físico que dominamos na re-

do lápis como parte integrante e actuante do

emoção expressas pela palavra. O processo

lugar criando uma linguagem própria, estuda

personificação, em Tableshirt (2000), a mesa

nos faria sorrir, “Eu considero o sorriso um

lação com o exterior. Também em Keaton o

objecto. Ao conceber o núcleo Seduz da ex-

criativo não dá origem ao objecto, transforma-

o modo de funcionar da câmara, utilizando-a

“veste a camisa branca”, ou animismo, em

critério de qualidade, é uma emoção visível,

corpo é primordial, as suas personagens ten-

posição Catalysts! A Força Cultural do Design

se ele próprio em objecto.

como elemento fundamental na construção da

Pata Negra (2005), o banco assume persona-

uma reacção física que me agrada”, afirma em

tam sobreviver dentro de um sistema raciona-

de Comunicação, para Experimentadesign

Para Brízio, a valorização do processo cria-

acção e não apenas como dispositivo de regis-

lidade animal através das suas formas e quase

entrevista à revista “Intramuros” em 2003. A

lizado, partindo de princípios não racionais, o

2005 no Centro Cultural de Belém em Lis-

tivo em detrimento do objecto, ou a criação

to do desempenho teatral. Já Brízio ultrapassa

podemos imaginá-lo a correr pelo campo. A

procura da salvação através do riso é comum

corpo do comediante funciona como elemento

boa, Brízio propõe uma solução em que os

de objectos que evidenciem o processo que

os constrangimentos criativos da produção

propósito de Pata Negra, é interessante referir

aos dois autores. Num ambiente adverso, tor-

dominado e potenciador da acção, revelando

módulos expositores, aparentemente assentes

lhes deu origem, é fundamental - “O objecto

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exposição

Fernando Brízio

03 05 06

01) Painting a fresco with Giotto #3 (2005) 02) Pata Negra (2005) 03) Eaten Plate (2000) 04) Tableshirt (2000)

05) Window (2005) 06) Viagem (2005) 07 e 08) HB Drawing Shelf (2005) 09) Sketching door

04

deve reflectir o processo, o erro pode ser um

pictórica, que transpõe para múltiplos objec-

na escultura permite a reprodução em série,

elemento catalisador do processo criativo.”

tos, fazendo-os parecer o que não são. É o

ainda que limitada, dando significado à ironia

Esta assunção do erro domina a obra do autor,

caso do banco em trompe l’oeil Alice (2007),

da perpetuação do imprevisto.

dando consistência a uma construção humo-

em que a percepção que temos da peça varia

O humor apresenta-se como estratégia de

rística que assenta, muitas vezes, na memória

conforme o ponto de vista. As pernas do banco

sobrevivência e intervenção, não que o traba-

vivencial do espectador. Memórias de acções,

parecem dobrar-se, esticar ou encolher, con-

lho de Brízio configure uma piada ou anedota,

comportamentos ou imagens contribuem para

forme o espectador se movimenta. Este jogo

mas porque o humor é usado como forma de

criar situações em que o utilizador projecta

de percepção deve-se à colocação de folhas

libertação, expressando algo de essencial ao

afectividade no objecto que escolhe utilizar,

metálicas na base do objecto que reflectem as

ser humano. Tratando de forma subtil as qua-

a escolha é preferencialmente fundamentada

terminações das pernas produzindo uma ilusão

lidades anamórficas dos objectos triviais que

nessa afectividade. Por exemplo, em Restarted

de óptica. Humidity painting - invisible lands-

nos rodeiam, acaba por libertar as inerentes

Dress ou Painting a Fresco with Giotto (2005),

cape (2000), tela feita de um material sensível

qualidades emocionais que lhes atribuímos.

a memória pessoal do autor, de quando dese-

à humidade e à temperatura, que muda de cor

Nos seus objectos, encontramos imagens ou

nhava em casa da mãe e deixava um marcador

em função das alterações climáticas, remete-

sugestões que podem ser relacionadas com

destapado em cima da toalha de mesa pro-

nos para a tradição da pintura de paisagem, o

situações familiares da vida quotidiana, trans-

duzindo uma mancha, é acoplada à memória

registo romântico da natureza ou as superfí-

cendendo a banalidade da sua própria exis-

colectiva da história da pintura. No caso de

cies monocromáticas do minimalismo e da co-

tência ao serem investidos de significado. No

Painting a Fresco with Giotto, de forma mais

lorfield painting. Em Vase with roots (2007),

sideboard Presence (2005), um pano do pó,

específica, cria uma analogia entre o proces-

raízes de bronze, um dos materiais clássicos

accionado por um íman, desliza sobre o tampo

so de construção da peça e a pintura a fresco,

da escultura, extravasam um vaso de desenho

cada vez que se abrem ou fecham as portas de

ironizando com o uso das pontas de feltro da

puramente racional. O erro é tomado pelo seu

correr, repetindo uma acção quotidiana. A pre-

marca Giotto. As referências à história da arte

valor representativo, criando um paradoxo si-

sença humana é quase fantasmagórica, a peça

são abundantes na obra de Brízio, sobretudo

multaneamente irónico e poético. Nesta peça,

toma um valor representativo. Usa a estraté-

pela construção ilusória típica da linguagem

o sistema de moldes usado tradicionalmente

gia tradicional da piada, em que a percepção

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01) Painting a fresco with Giotto #3 (2005) 02) Pata Negra (2005) 03) Eaten Plate (2000) 04) Tableshirt (2000)

05) Window (2005) 06) Viagem (2005) 07 e 08) HB Drawing Shelf (2005) 09) Sketching door

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deve reflectir o processo, o erro pode ser um

pictórica, que transpõe para múltiplos objec-

na escultura permite a reprodução em série,

elemento catalisador do processo criativo.”

tos, fazendo-os parecer o que não são. É o

ainda que limitada, dando significado à ironia

Esta assunção do erro domina a obra do autor,

caso do banco em trompe l’oeil Alice (2007),

da perpetuação do imprevisto.

dando consistência a uma construção humo-

em que a percepção que temos da peça varia

O humor apresenta-se como estratégia de

rística que assenta, muitas vezes, na memória

conforme o ponto de vista. As pernas do banco

sobrevivência e intervenção, não que o traba-

vivencial do espectador. Memórias de acções,

parecem dobrar-se, esticar ou encolher, con-

lho de Brízio configure uma piada ou anedota,

comportamentos ou imagens contribuem para

forme o espectador se movimenta. Este jogo

mas porque o humor é usado como forma de

criar situações em que o utilizador projecta

de percepção deve-se à colocação de folhas

libertação, expressando algo de essencial ao

afectividade no objecto que escolhe utilizar,

metálicas na base do objecto que reflectem as

ser humano. Tratando de forma subtil as qua-

a escolha é preferencialmente fundamentada

terminações das pernas produzindo uma ilusão

lidades anamórficas dos objectos triviais que

nessa afectividade. Por exemplo, em Restarted

de óptica. Humidity painting - invisible lands-

nos rodeiam, acaba por libertar as inerentes

Dress ou Painting a Fresco with Giotto (2005),

cape (2000), tela feita de um material sensível

qualidades emocionais que lhes atribuímos.

a memória pessoal do autor, de quando dese-

à humidade e à temperatura, que muda de cor

Nos seus objectos, encontramos imagens ou

nhava em casa da mãe e deixava um marcador

em função das alterações climáticas, remete-

sugestões que podem ser relacionadas com

destapado em cima da toalha de mesa pro-

nos para a tradição da pintura de paisagem, o

situações familiares da vida quotidiana, trans-

duzindo uma mancha, é acoplada à memória

registo romântico da natureza ou as superfí-

cendendo a banalidade da sua própria exis-

colectiva da história da pintura. No caso de

cies monocromáticas do minimalismo e da co-

tência ao serem investidos de significado. No

Painting a Fresco with Giotto, de forma mais

lorfield painting. Em Vase with roots (2007),

sideboard Presence (2005), um pano do pó,

específica, cria uma analogia entre o proces-

raízes de bronze, um dos materiais clássicos

accionado por um íman, desliza sobre o tampo

so de construção da peça e a pintura a fresco,

da escultura, extravasam um vaso de desenho

cada vez que se abrem ou fecham as portas de

ironizando com o uso das pontas de feltro da

puramente racional. O erro é tomado pelo seu

correr, repetindo uma acção quotidiana. A pre-

marca Giotto. As referências à história da arte

valor representativo, criando um paradoxo si-

sença humana é quase fantasmagórica, a peça

são abundantes na obra de Brízio, sobretudo

multaneamente irónico e poético. Nesta peça,

toma um valor representativo. Usa a estraté-

pela construção ilusória típica da linguagem

o sistema de moldes usado tradicionalmente

gia tradicional da piada, em que a percepção

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exposição

Fernando Brízio 12

13

18

14

19

15

10 11 20

18) Stool in trompe l´oeil, “Alice“ (2007) 19) Clothes MakeUp 20) Painting with Giotto 21) Presence (2005)

16

Peças X, Y e Z Cortesia da Galeria ABCD

da incongruência entre as expectativas e o que realmente acontece faz nascer o sorriso. Para que essa incongruência se verifique, a construção humorística deve basear-se numa situação congruente com comportamentos estabelecidos, neste caso a rotina de limpar o pó. Como afirma Umberto Eco, o riso é um sinal de razão, na medida em que permite aceder a um conhecimento mais profundo. Quando a comédia se apresenta através de charadas intelectuais ou metáforas, em que a realidade nos é mostrada segundo formas que normalmente não

17

aparenta, obriga-nos a olhar mais de perto e questionar o que observamos, acabando por surpreender-nos com a verdade. Pondo em evidência a arbitrariedade dos rituais ou papéis sociais adquiridos, o humor dá-nos o distanciamento necessário a uma maior clarividência do real,

21

potenciando mudanças. Liberta a vontade e o desejo de mudar a situação, proporcionando uma alteração significativa, ainda que transitória, do modo como vemos a realidade. Ao desempenhar esta função, altera efectivamente o convencionado, basta que nos mostre algo que desconhecíamos sobre nós próprios. A obra de Fernando Brízio revela a profundidade do que partilhamos uns com os outros, não através de

10) Vase with roots (2007) 11) Restarted dress 2005/ 2008 12 e 13) Sound system (2003) 14) Humidity painting invisible landscape (2000) 15) Lamp Casa (1997) 16) HB Drawing Shelf (2005) 17) Inhabited Drawing Video (2007)

uma proposição teórica, mas inteligentemente através da utilização do humor. De forma calma, prática, discreta e filosófica, convida-nos a sermos espectadores das nossas próprias vidas. Fernando Brízio - www.site 08

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18) Stool in trompe l´oeil, “Alice“ (2007) 19) Clothes MakeUp 20) Painting with Giotto 21) Presence (2005)

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Peças X, Y e Z Cortesia da Galeria ABCD

da incongruência entre as expectativas e o que realmente acontece faz nascer o sorriso. Para que essa incongruência se verifique, a construção humorística deve basear-se numa situação congruente com comportamentos estabelecidos, neste caso a rotina de limpar o pó. Como afirma Umberto Eco, o riso é um sinal de razão, na medida em que permite aceder a um conhecimento mais profundo. Quando a comédia se apresenta através de charadas intelectuais ou metáforas, em que a realidade nos é mostrada segundo formas que normalmente não

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aparenta, obriga-nos a olhar mais de perto e questionar o que observamos, acabando por surpreender-nos com a verdade. Pondo em evidência a arbitrariedade dos rituais ou papéis sociais adquiridos, o humor dá-nos o distanciamento necessário a uma maior clarividência do real,

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potenciando mudanças. Liberta a vontade e o desejo de mudar a situação, proporcionando uma alteração significativa, ainda que transitória, do modo como vemos a realidade. Ao desempenhar esta função, altera efectivamente o convencionado, basta que nos mostre algo que desconhecíamos sobre nós próprios. A obra de Fernando Brízio revela a profundidade do que partilhamos uns com os outros, não através de

10) Vase with roots (2007) 11) Restarted dress 2005/ 2008 12 e 13) Sound system (2003) 14) Humidity painting invisible landscape (2000) 15) Lamp Casa (1997) 16) HB Drawing Shelf (2005) 17) Inhabited Drawing Video (2007)

uma proposição teórica, mas inteligentemente através da utilização do humor. De forma calma, prática, discreta e filosófica, convida-nos a sermos espectadores das nossas próprias vidas. Fernando Brízio - www.site 08

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