Fernando Pessoa

June 19, 2017 | Autor: Miriam Ringel | Categoria: Fernando Pessoa
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Que loucura!


Miriam Ringel


Fernando Pessoa, "Que fiz Eu da Vida?" Do português: Rami Saari e
Francisco da Costa Reis, Carmel, 583 pág.


[Publicado no diário Yediot Acharonot, de Tel-Aviv, em 30/06/2006.Tradução
de FCR]



Que fiz eu da vida? abrange toda a poesia de Álvaro de Campos que, a par de
Alberto Caeiro e Ricardo Reis, é um dos três personagens centrais da
constelação de poetas fictícios criados por Fernando Pessoa – constelação
que abarca 72 figuras! É extraordinário que Pessoa tenha criado cada uma
delas, dotadas de uma individualidade própria, como se tivessem nascido
realmente. Em Portugal, o país de Pessoa, publicam-se colectâneas de
poemas, exibindo na capa o nome do autor imaginário, como se fosse o
autêntico e não criação do espírito de Pessoa.
Numa carta a um amigo, Pessoa descreve como 'encontrou' Álvaro de Campos,
'nascido' a 15 de Outubro de 1890 na cidade de Tavira, que concluiu o
ensino secundário em Portugal e viveu em Glasgow, na Escócia, onde se
formou em engenharia naval. Campos é desprendido, simbolista ocioso, um
intelectual burguês e entediado. É a invenção de quem encara o mundo pelo
prisma dos contrastes. E que aspecto tem? É alto, de cabelo liso e usa
monóculo.
O poeta Pessoa mantém uma 'querela' com o poeta imaginário Campos por
causa de uma jovem de vinte anos, Ofélia, que Pessoa havia encontrado
realmente no escritório onde ela trabalhava. Os dois começam a estabelecer
contactos de amizade, caminham de mãos dadas, trocam cartas e bilhetinhos.
Porém Ofélia sente hostilidade crescente por parte do 'amigo' de Pessoa,
Álvaro de Campos, preocupado com a eventualidade de ele deixar a poesia a
favor de Ofélia. É possível que, por causa da influência do seu fictício
amigo, Pessoa tenha decidido pôr termo ao romance com Ofélia.
De facto, no livro, Campos graceja com os namorados que trocam
correspondência: "Todas as cartas de amor são ridículas / Não seriam cartas
de amor se não fossem ridículas" (Poema 225, pág. 510).
Num testemunho escrito depois da morte de Pessoa, Ofélia descreve nestes
termos o poeta: "Por exemplo, o Fernando era um pouco confuso,
principalmente quando se apresentava como Álvaro de Campos. Dizia-me
então: - 'Hoje, não fui eu que vim, foi o meu amigo Álvaro de Campos"… Um
dia, quando chegou au pé de mim, disse-me: 'Trago uma incumbência, minha
senhora. È a de deitar a fisionomia abjecta desse Fernando Pessoa, de
cabeça para baixo num balde cheio de agua'. E eu respondia-lhe: 'Detesto
esse Álvaro de Campos. Só gosto do Fernando Pessoa'. 'Não sei porquê',
respondeu-me. 'olha que ele gosta muito de ti…'.[1]
Campos pertence a um grupo de autores que criam sobretudo por ostentação
tipográfica. Poetas que exprimem os sentimentos através de jogos de
palavras e das mais variadas onomatopeias. Exemplo deste estilo encontra-se
nas grandes odes que escreveu, designadamente na Ode Marítima (Poema 18).
Esta ode é um poema longo e dramático, (35 páginas, na tradução hebraica),
e serve também um propósito coral. A leitura desta ode equivale à audição
de uma peça musical impregnada de sensualidade arrebatadora, onde as vozes
dos marinheiros poderiam servir de matéria para comentários
interessantíssimos.
Campos é o poeta que pretende "Sentir tudo de todas as maneiras / Viver
tudo de todos os lados / Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao
mesmo tempo / Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos…" (pág.
180, poema 26 b).
Num dos poemas, (187, pág. 458) refere-se à multiplicidade de personagens
criadas por Pessoa. Tratar-se-á de uma espécie de loucura ou de uma
patologia para a qual está ainda por achar o diagnóstico adequado?
A poesia de Campos flui de dentro para fora, revestindo, pelo menos, três
vertentes: o corpo, o sentimento e a escrita, enquanto esta constitui o
modo de absorver o corpo e de produzir o sentimento. O poeta finge e põe
uma máscara, mas isso não significa que não descreva uma realidade interior
e complexidade sentimental, sem que saia verdadeiramente para a vida.
Por ser tão variada, a poesia de Pessoa não é fácil de traduzir. Pessoa
cria por vezes, nos seus múltiplos poetas fictícios, neologismos
desprovidos de qualquer sentido, cuja beleza consiste precisamente em não
terem significado algum. Rami Saari e Francisco da Costa Reis, conseguiram
transmitir a variedade e a multiplicidade de sentidos que se encontram na
poesia de Pessoa e, assim, teve o leitor hebreu a possibilidade de travar
conhecimento com uma poesia fascinante


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[1] Obra em Prosa de Fernando Pessoa, Escritos íntimos, Cartas, e páginas
autobiográficas,Publicaçôes Europa-América, ( Ib 466, livros de bolsa), p.
270

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Fernando Pessoa
1888-1935, poeta e escritor português, um dos maiores autores do séc.XX.
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Ѐࡵᔌ嵨蹂ᘀ嵨蹂ᘎ㥨鐺䌀᱊愀᱊ᘎ嵨蹂䌀os publicados em hebraico: 'Livro do
Desassossego' e 'Todos os Sonhos do Mundo'
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