Fiel a Seus Próprios Passos

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Fiel a Seus Próprios Passos Carlos Frederico Pereira da Silva Gama

Publicado em Start Racing F1 (04/04/2017) https://startracingf1.wordpress.com/2017/04/04/porcarlos-frederico-pereira-da-silva-gama-fiel-a-seus-proprios-passos/

Rubens Barrichello chegou à Fórmula 1 como sensação do automobilismo mundial. Não foi campeão da última categoria de acesso (a F3000, ao contrário de Roberto Moreno e do rival de geração Christian Fittipaldi), mas venceu a F3 inglesa (como os campeões de F1 Emerson Fittipaldi, Nélson Piquet e Ayrton Senna), além de obter outros troféus, especialmente no kart. Barrichello manteve seus patrocinadores ao longo dos anos e assinou seu primeiro contrato na categoria máxima do automobilismo em fins de 1992, se tornando piloto da jovem e emergente equipe Jordan. A tarefa de Barrichello era suave: fazer frente ao rival Fittipaldi, então na modesta Minardi. Acima deles e todos os demais, pairava o brilho intenso de Ayrton Senna, três títulos mundiais, 36 GPs conquistados, 61 poles (recorde histórico da categoria), 18 melhores voltas. Não havia espaço para outro brasileiro no mercado da F1, tampouco nos corações e mentes dos fãs. Barrichello cumpriu parcialmente sua missão na estreia. Teve grandes performances na chuva (em Donington Park, era 3o até quebrar). Em temporada tumultuada para a Jordan (que chegou a ter pilotos como Marcos Apicella), obteve seus primeiros 2 pontos ao terminar em 5º na penúltima etapa do ano, no Japão. Para sua surpresa, naquele dia os holofotes ficaram para seu companheiro de Jordan. O estreante Eddie Irvine chegou logo atrás de Barrichello em 6º lugar, ganhou seu primeiro ponto além de sopapos do vencedor Senna (que foi – ousadia! – fechado pelo irlandês). Além de não receber os devidos cumprimentos em Suzuka, Barrichello ficou atrás de Fittipaldi no Mundial, com o sobrinho de Emerson pontuando na primeira etapa do ano, 4º na África do Sul. Ayrton Senna, por sua vez, fez de 1993 sua melhor temporada na F1. Com uma McLaren-Ford nitidamente inferior às Williams e Benettons, deu canseira em seu rival Alain Prost, disputou o título até o fim, venceu 5 GPs (inclui vitórias épicas em Donington Park e Interlagos), quebrou o recorde de Graham Hill em Mônaco ao vencer pela 6ª vez e conseguiu uma inacreditável pole na Austrália. 1994 prometia ser um ano melhor para todos os brasileiros, cada um prosseguindo em sua luta. Com a Jordan amadurecida e um motor Hart mais confiável, Rubens tinha a chance de pontuar mais vezes ao longo da temporada, junto ao irlandês maluco Irvine. Ninguém esperava mais do que isso. Christian permanecia na F1 e obteve o cockpit de uma equipe melhor que a Minardi, a Footwork (antiga Arrows). E Ayrton? Finalmente chegou ao carro de outro mundo: a Williams-Renault. “Com Senna e sem mudanças no regulamento, a Williams vencerá 16 das 16 etapas”, alertou o boquirroto chefe da Benetton, Flávio Briatore. Em seguida, o regulamento foi mudado. Colocando em perspectiva as expectativas sobre Barrichello para 1994, o que mais se esperava era uma temporada melhor que a anterior, pontuando com frequência e superando Fittipaldi na tabela. Barrichello fez tudo isso, e mais. Em Interlagos, foi o 4º colocado. Surpreendentemente, Senna errou, cedendo a vitória a Michael Schumacher (Benetton). Barrichello, por 1 corrida, era o melhor brasileiro no Mundial de F1. Algo nem tão surpreendente. Senna não pontuou na 1ª etapa em 1987, 1988 e 1989...Em 1989, inclusive, foi superado em Jacarepaguá por Maurício Gugelmin na modesta Leyton House de Adrian Newey.

Na 2ª corrida da temporada, o GP do Pacífico na pista de kart de Aida, Japão, Senna sofreu um acidente na largada. Barrichello foi ao pódio na F1 pela primeira de muitas vezes. O jovem Rubens estava em 2º lugar no Mundial de pilotos. Senna tinha três poles. Christian Fittipaldi foi 4º em Aida. Superando suas expectativas, Barrichello chegou a Imola para a terceira etapa do Mundial de 1994. Nos treinos livres, sofreu um horrendo acidente. Por um triz, não foi sua última vez num F1. Da cama do hospital, Rubens receberia notícias das primeiras fatalidades na F1 em oito anos. No sábado, Roland Ratzemberger, no treino oficial, com a frágil Simtek de Nick Wirth. No domingo, seu ídolo Ayrton Senna, na 7ª volta, ao rasgar a Tamburello com a Williams de Patrick Head. Expectativas confusas na dor da tragédia. Apoiador de Rubens, Nélson Piquet tentou colocá-lo na Williams, substituindo Senna. Mal das pernas, a McLaren ofereceu um contrato de risco. A Jordan, por sua vez, nem pensou em chamar alguém para substituir Rubens após o grave acidente de Imola. Em testes na Grã-Bretanha, o brasileiro mostrou sua recuperação e capacidade de voltar às pistas. O que deveria ter feito Barrichello nesse momento decisivo de sua carreira? Deveria abrir mão de suas próprias expectativas, que estavam se realizando pouco a pouco, e assumir as expectativas alheias (dos patrocinadores, TV Globo, parte da torcida brasileira e do próprio Max Mosley, que queria um brazuca numa equipe de ponta para calar a ausência de Senna)? Deveria arriscar a transferência para a sofrível McLaren com seu pouco confiável motor Peugeot? Deveria ficar na Jordan – e liderar uma equipe em ascensão? Antes de Imola, Rubens estava na frente de Damon Hill, a outra Williams, e das duas McLaren no Mundial. Isso tem que ser lembrado e levado em conta. Se fosse para uma Williams ainda rápida, mas tristemente mortífera e pouco confiável, a trajetória de Barrichello na F1 seria dramaticamente abreviada. Além de ganhar um cockpit de ponta e salário compatível, Barrichello teria sua capacidade como piloto imediatamente reduzida e subestimada – numa comparação injusta, nesse caso inevitável, com Senna. Barrichello seria um esparadrapo pacheco tampando a ferida aberta eterna do herói nacional. Poderia também ser um vingador – um campeão subestimado, mas sempre inferior ao herói morto – ou ainda, uma chacota, incapaz de fazer jus à comparação, indigno de respeito. Barrichello tinha, então, menos de 20 GPs nas costas. Essa escolha implicava abrir mão de sua trajetória para virar um apêndice da de Ayrton Senna. Na McLaren, a comparação seria menos dura que na Williams, mas existiria de todo modo. Senna venceu 35 de suas 41 corridas na McLaren e, em 47 delas, largou na pole position. Senna colocou a McLaren (“maquelare”) no imaginário de uma geração de brasileiros. Além de seu capacete, as cores da Marlboro eram as primeiras que vinham à cabeça quando pensamos em Senna (ainda hoje, 23 anos depois). Além disso, a McLaren estava com um pacote novo e sofrendo para não ser deixada para trás (não por Williams e Benetton, mas por Ferrari e Ligier). Escolher a McLaren em 1994 seria dar um passo para trás – num contrato de risco, sem garantia de que haveria passos adiante em 1995. Poderia ser o fim da breve carreira promissora na F1 (que fim levou Mark Blundell? A Indy).

Barrichello preferiu correr atrás da própria sombra e seguir a trajetória pretendida na jovem e ascendente Jordan. Com bons resultados e constância na pontuação, haveria natural interesse de equipes de ponta no futuro. Vencendo Irvine na Jordan e Fittipaldi na pontuação, naturalmente se tornaria o ídolo de uma nova geração de automobilistas brasileiros – uma vez que os que viram Ayrton correr jamais o trocariam por um sucessor. Sem queimar etapas, ele realizaria seus objetivos. Ainda em 1994, Barrichello fez uma surpreendente pole position, justamente na mais desafiadora pista da F1, que Senna dominou com facilidade. E na chuva. A comparação foi inevitável. Mas digna. “Rubens Barrichello fez o Brasil voltar a sonhar na F1 em Spa”, disse então Galvão Bueno. No fim do ano, Barrichello era o 6º colocado no triste Mundial de 1994. Pontuou em 6 das 15 etapas em que esteve na pista. Terminou à frente de Irvine e de Fittipaldi. Com um grave acidente que quase o vitimou cumpriu as expectativas próprias – com sobras. Chegou ao pódio e fez uma pole. Rubens desprezou os conselhos de Piquet. Preferiu ganhar menos dinheiro, GPs e elogios fáceis da mídia. Preferiu as glórias de próprio punho a escrever sua história com palavras e glórias alheias. Isso deveria ser motivo de admiração.

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