Filogenia animal: uma análise dos modernos elementos

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JORGE LINEMBURG JUNIOR

JORGE LINEMBURG JUNIOR

FILOGENIA ANIMAL: UMA ANÁLISE DOS MODERNOS ELEMENTOS

FILOGENIA ANIMAL: UMA ANÁLISE DOS MODERNOS ELEMENTOS

Trabalho apresentado ao Curso de Graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Biológicas.

Orientador: Prof. Kay Saalfeld

Florianópolis

Florianópolis

2006

2006

“Livre da relação, a representação pode se dar como pura apresentação”. Aos invertebrados

Foucault (1999)

AGRADECIMENTOS

Chegado o fim (?) da caminhada, iniciada já há algum tempo, é momento de mostrar alguma consideração por aqueles que contribuíram, direta ou indiretamente, para que o presente trabalho se concretizasse. Gostaria de expressar minha gratidão a meus pais, elementos fundamentais durante todo o processo. Ao Kay, amigo, mestre e orientador, pela sua presença, acessibilidade e, mais importante, por me apresentar os belos e instigantes diálogos de Ciência, particularmente a respeito dos animais. Ao Paulinho Pagliosa, grande amigo e primeiro orientador, pelos ensinamentos e contato com os animais do bentos. Aos professores e às professoras que tive na universidade. Aos amigos e amigas especiais, além dos supracitados, pelo apoio intenso e constante, assim como pelos bons momentos de descontração e carinho compartilhados, Aninha, Carol Garapuvú, Enadjéura, Fabiano Baixinho, Fabiano Pogononóforo, Fabinha, Flavinha, Guizão, Jú, Moniquinha Poliqueta, Rodrigão Japa e Vi(xic)tória. Ao Centro de Ciências Biológicas e à PRAC, por fornecerem as passagens para minha participação no XIX CBP/VI Congresso Latino Americano de Paleontologia. E, finalmente, aos animais invertebrados, pela perturbação constante deste sistema autopoiético.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................................9 1. CLASSIFICAÇÃO ANIMAL................................................................................12 1.1 PERÍODO DOS SISTEMAS.................................................................................15 1.1.1 O SISTEMA DE ARISTÓTELES......................................................................15 1.1.2 O SISTEMA DE LINNÉ......................................................................................16 1.2 PERÍODO DOS MÉTODOS.................................................................................18 1.2.1 A CLASSIFICAÇÃO DE CUVIER....................................................................18 1.2.2 A CLASSIFICAÇÃO DE LAMARCK...............................................................18 1.3 ESCOLAS DE TAXONOMIA...............................................................................22 1.3.1 TAXONOMIA NUMÉRICA (=FENÉTICA NUMÉRICA).............................22 1.3.2 CLADÍSTICA.......................................................................................................23 1.3.3 TAXONOMIA EVOLUTIVA.............................................................................23 2. DADOS MOLECULARES....................................................................................26 2.1 HISTÓRICO..........................................................................................................26 2.2 A NOVA FILOGENIA ANIMAL.........................................................................29 2.2.1 MONOFILIA DOS METAZOA.........................................................................29 2.2.2 CLADOS METAZOÁRIOS BASAIS.................................................................30 2.2.2.1 Porifera parafilético.............................................................................................31 2.2.2.2 Ctenophora...........................................................................................................32 2.2.2.3 Cnidaria.................................................................................................................33 2.2.2.4 Placozoa.................................................................................................................34 2.2.3 BILATERIA..........................................................................................................35 2.2.3.1 Acoela e Nemertodermatida................................................................................37 2.2.3.2 Myxozoa.................................................................................................................39 2.2.3.3 Orthonectida.........................................................................................................40 2.2.3.4 Bilateria Remanescente........................................................................................41 2.2.3.4.1 DEUTEROSTOMIA..............................................................................................41 2.2.3.4.1.1 TUNICATA.............................................................................................................42 2.2.3.4.1.2 NOTOCHORDATA.................................................................................................44 2.2.3.4.1.2.1 Craniata...................................................................................................................45 2.2.3.4.1.3 XENOTRUBELLIDA + AMBULACRARIA............................................................47 2.2.3.4.1.3.1 Xenoturbellida........................................................................................................47 2.2.3.4.1.3.2 Ambulacraria..........................................................................................................48 2.2.3.4.1.3.2.1 Hemichordata..........................................................................................................50 2.2.3.4.1.3.2.2 Echinodermata........................................................................................................51 2.2.3.4.2 PROTOSTOMIA....................................................................................................53 2.2.3.4.2.1 LOPHOTROCHOZOA...........................................................................................54 2.2.3.4.2.1.1 Ectoprocta...............................................................................................................55 2.2.3.4.2.1.2 Trochozoa...............................................................................................................56 2.2.3.4.2.1.2.1 Phoronozoa.............................................................................................................56 2.2.3.4.2.1.2.2 Annelida..................................................................................................................58 2.2.3.4.2.1.2.3 Mollusca.................................................................................................................60 2.2.3.4.2.1.2.4 Sipuncula................................................................................................................62

2.2.3.4.2.1.2.5 Nemertini................................................................................................................62 2.2.3.4.2.1.2.6 Entoprocta...............................................................................................................63 2.2.3.4.2.1.3 Platyzoa..................................................................................................................64 2.2.3.4.2.1.4 Rhombozoa.............................................................................................................68 2.2.3.4.2.2 ECDYSOZOA..........................................................................................................69 2.2.3.4.2.2.1 Scalidophora...........................................................................................................70 2.2.3.4.2.2.2 Nematoida...............................................................................................................72 2.2.3.4.2.2.3 Panarthropoda.........................................................................................................73 2.2.3.4.2.2.3.1 Pentastomida...........................................................................................................75 2.2.3.4.2.3 CHAETOGNATHA.................................................................................................76 2.3 RESUMO...............................................................................................................77 3. BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO.............................................................79 3.1 ORIGEM DA MULTICELULARIDADE............................................................81 3.2 ORIGEM DE DUAS CAMADAS GERMINATIVAS, EIXOS DE SIMETRIA DEFINIDOS, ESTRUTURAS REPETIDAS E DOS NEURÔNIOS: OS EUMETAZOA.......................................................................................................84 3.3 SURGUMENTO DE UMA TERCEIRA CAMADA GERMINATIVA, DA SIMETRIA BILATERAL, CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO NUM CORDÃO AXIAL CENTRALIZADO E ORIGEM DE UM TUBO DIGESTÓRIO COMPLETO: OS BILATERIA...................................................87 3.4 INVERSÃO DOS SISTEMAS DE PADRONIZAÇÃO DORSIVENTRAL: OS DEUTEROSTOMIA..............................................................................................92 3.5 ECDYSOZOA........................................................................................................94 3.6 LOPHOTROCHOZOA..........................................................................................95 3.7 RESUMO...............................................................................................................97 4 DADOS MORFOLÓGICOS.................................................................................98 4.1 HISTÓRICO..........................................................................................................98 4.2 CLASSIFICAÇÃO DOS ANIMALIA.................................................................100 4.2.1 METAZOA..........................................................................................................100 4.2.1.1 Clados basais.......................................................................................................100 4.2.1.1.1 PORIFERA...........................................................................................................101 4.2.1.2 Epitheliozoa.........................................................................................................102 4.2.1.2.1 PLACOZOA.........................................................................................................102 4.2.1.2.2 EUMETAZOA.....................................................................................................102 4.2.1.2.2.1 CNIDARIA............................................................................................................103 4.2.1.2.2.2 ACROSOMATA....................................................................................................103 4.2.1.2.2.2.1 Ctenophora............................................................................................................103 4.2.1.2.2.2.2 Bilateria................................................................................................................103 4.2.1.2.2.2.2.1 Deuterostomia.......................................................................................................104 4.2.1.2.2.2.2.2 Protostomia...........................................................................................................106 4.3 RESUMO.............................................................................................................110 5. O REGISTRO FOSSILÍFERO...........................................................................112 5.1 UMA BREVE HISTÓRIA DA ORIGEM DOS ANIMAIS SOBRE A TERRA “CONTADA” PELOS REGISTROS GEOLÓGICO E FOSSILÍFERO..........112 5.1.1 OS PRIMEIROS SERES VIVOS A APARECEREM NO REGISTRO FOSSILÍFERO: OS ESTROMATÓLITOS....................................................112 5.1.2 A EVOLUÇÃO INICIAL OS METAZOA......................................................112

5.1.2.1 5.1.2.2 5.1.2.3 5.1.3 5.1.3.1 5.1.3.2 5.1.3.3 5.1.3.4 5.1.3.5 5.1.3.5.1 5.1.3.5.1.1 5.1.3.5.1.2 5.1.3.5.1.3 5.1.3.5.1.4 5.1.3.5.1.5 5.1.3.5.1.6 5.1.3.5.1.7 5.1.3.5.1.8 5.1.3.5.1.9 5.1.3.5.2 5.1.3.5.2.1 5.1.3.5.2.2 5.1.3.5.2.2.1 5.1.3.5.2.2.2 5.1.3.5.2.2.3 5.1.3.5.2.2.4 5.1.3.5.2.2.5 5.1.3.5.2.2.6 5.1.3.5.2.2.7 5.1.3.5.2.2.8 5.1.3.5.2.2.9 5.1.3.5.2.2.10 5.1.3.5.2.2.11 5.1.3.5.2.2.12 5.1.3.5.2.2.13 5.1.3.5.2.3 5.1.3.5.2.3.1 5.1.3.5.2.3.2 5.1.3.5.2.3.3 5.1.3.5.2.3.4 5.1.3.5.2.3.5 5.1.3.5.2.3.6 5.1.3.5.2.3.7 5.1.3.5.2.3.8 5.1.3.5.2.3.9 5.1.3.5.2.3.10

A fauna Weng’an e as assembléias Ediacarianas............................................112 Primeiras evidências indiretas da ocorrência de animais no registro: os fósseis--traço do final do Proterozóico..............................................................118 O Cambriano e o surgimento dos planos corporais modernos......................119 O REGISTRO FÓSSIL DOS METAZOA.......................................................120 Porifera................................................................................................................120 Ctenophora..........................................................................................................122 Cnidaria...............................................................................................................124 Placozoa...............................................................................................................128 Bilateria...............................................................................................................129 DEUTEROSTOMIA............................................................................................131 VETULICOLIA.....................................................................................................131 YUNNANOZOA....................................................................................................133 TUNICATA...........................................................................................................135 CEPHALOCHORDATA.......................................................................................137 CRANIATA............................................................................................................139 XENOTURBELLIDA............................................................................................143 HEMICHORDATA...............................................................................................143 STYLOPHORA......................................................................................................144 ECHINODERMATA.............................................................................................149 PROTOSTOMIA..................................................................................................153 CHAETOGNATHA...............................................................................................153 LOPHOTROCHOZOA.........................................................................................155 Halkieriidae..........................................................................................................155 Ectoprocta.............................................................................................................157 Phoronozoa...........................................................................................................159 Entoprocta.............................................................................................................160 Sipuncula..............................................................................................................161 Nemertini..............................................................................................................163 Mollusca...............................................................................................................163 Annelida................................................................................................................167 Gastrotricha..........................................................................................................169 Platyhelminthes....................................................................................................169 Gnathostomulida...................................................................................................170 Syndermata...........................................................................................................170 Cycliophora e Micrognathozoa............................................................................170 ECDYSOZOA........................................................................................................170 Palaeoscolecida.....................................................................................................171 Priapulida..............................................................................................................172 Kinorhyncha.........................................................................................................174 Loricifera..............................................................................................................175 Nematomorpha.....................................................................................................175 Nematoda..............................................................................................................175 Onychophora........................................................................................................176 Anomalocariida....................................................................................................177 Arthropoda............................................................................................................178 Tardigrada.............................................................................................................182

GRUPOS DE AFINIDADES INCERTAS.............................................................182 RESUMO..............................................................................................................183 DISCUSSÃO........................................................................................................186 COLOCANDO OS DADOS PARA “CONVERSAR”........................................187 CLADOS METAZOÁRIOS BASAIS...............................................................187 BILATERIA........................................................................................................190 Deuterostomia.....................................................................................................192 Protostomia.........................................................................................................194 COMO FICA A EVOLUÇÃO DOS PADRÕES DE DESENVOLVIMENTO EMBRIONÁRIO INICIAL ENTRE OS GRANDES GRUPOS DE METAZOA?.........................................................................................................196 6.2.1 A ORIGEM DO DESENVOLVIMENTO ENTRE OS METAZOA.............197 6.2.2 CTENOPHORA..................................................................................................200 6.2.3 CNIDARIA..........................................................................................................202 6.2.4 PLACOZOA........................................................................................................204 6.2.5 BILATERIA........................................................................................................204 6.2.5.1 Acoela...................................................................................................................205 6.2.5.2 Nemertodermatida..............................................................................................207 6.2.5.3 Deuterostomia.....................................................................................................208 6.2.5.3.1 CHORDATA........................................................................................................210 6.2.5.3.1.1 TUNICATA...........................................................................................................211 6.2.5.3.1.2 CEPHALOCHORDATA.......................................................................................212 6.2.5.3.1.3 CRANIATA............................................................................................................213 6.2.5.3.2 AMBULACRARIA..............................................................................................213 6.2.5.3.2.1 HEMICHORDATA...............................................................................................214 6.2.5.3.2.2 ECHINODERMATA.............................................................................................217 6.2.5.4 Protostomia.........................................................................................................218 6.2.5.4.1 ECDYSOZOA......................................................................................................219 6.2.5.4.1.1 CHAETOGNATHA...............................................................................................219 6.2.5.4.1.2 PANARTHROPODA.............................................................................................220 6.2.5.4.1.3 CYCLONEURALIA...............................................................................................222 6.2.5.4.1.3.1 Introverta..............................................................................................................224 6.2.5.4.2 LOPHOTROCHOZOA........................................................................................225 6.2.5.4.2.1 PHORONOZOA....................................................................................................226 6.2.5.4.2.2 ECTOPROCTA.....................................................................................................229 6.2.5.4.2.3 SPIRALIA..............................................................................................................231 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................239 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................244 5.1.3.5.2.4 5.1.3.5.2.5 6. 6.1 6.1.1 6.1.2 6.1.2.1 6.1.2.2 6.2

INTRODUÇÃO

Atualmente, a grande maioria das espécies descritas de seres vivos pertence ao reino Animalia, ou Metazoa. Este grupo encontra-se dividido, de acordo com o número de seus planos corporais básicos, em aproximadamente 35 grandes táxons, os filos (HYMAN, 1940; NIELSEN, 2001; BRUSCA; BRUSCA, 2003). Desde que a idéia de transformação dos seres vivos se tornou amplamente difundida durante a segunda metade do século XIX, a reconstrução das relações evolutivas entre os diferentes grupos metazoários, a partir de um ancestral comum, tornou-se uma prática bastante difundida entre os naturalistas (BOWLER, 1996). O naturalista alemão Ernst Haeckel (1866) foi o responsável pela construção da primeira árvore ilustrando as relações de parentesco entre esses grandes grupos. Haeckel também foi responsável por cunhar o termo “filogenia” (HALANYCH; PASSAMANECK, 2001). Após o esquema proposto por Haeckel, diversos outros foram publicados (como, p. ex., os de Hatschek (1888) e Bütschli (1910)), com nenhum deles se sobressaindo. No início dos anos 1940, porém, a pesquisadora Libbie Henrietta Hyman exibiu uma hipótese das relações entre os diferentes filos animais (HYMAN, 1940), que viria a se tornar a filogenia mais difundida durante o século passado (ADOUTTE et al., 1999). Apesar de sua influência e fundamentação num extenso e árduo estudo de revisão entre os diferentes filos, a árvore filogenética do reino animal apresentada por Hyman, no primeiro volume de sua grande obra, não tinha por trás qualquer método mais apurado (assim como as daqueles que a antecederam), que pudesse ser testado por outros pesquisadores posteriormente. Esta falta de uma metodologia bem estabelecida se transformou num descontentamento entre alguns pesquisadores, culminando no desenvolvimento de três escolas de taxonomia, de acordo com Hickman et al. (1984): sistemática evolutiva, taxonomia numérica e cladística. A partir dos anos 1950, além das metodologias desenvolvidas, os progressos realizados em áreas diferentes do conhecimento permitiram as análises de ultraestrutura e seqüenciamento molecular, para um grande número de táxons, assim como a bioquímica e a

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biologia do desenvolvimento evolutiva (evo-devo) contribuíram com novos tipos de dados, os

deles para a evolução dos padrões iniciais de desenvolvimento embrionário, junto à incorporação

quais foram e ainda são utilizados em análises filogenéticas dos animais (NIELSEN, 2001).

destes dados.

No entanto, a filogenia de Hyman (1940) permaneceu hegemônica até o final da década de 1980, quando os estudos de filogenia para os grandes grupos animais experimentaram um forte engajamento de um grande número de pesquisadores de diferentes áreas (MCHUGH; HALANYCH, 1998; ADOUTTE et al., 1999).

Apesar da escassez, completa ou parcial, de alguns dos dados para determinados táxons, alguns padrões são reconhecidos e sintetizados numa árvore no final do capítulo 6. É discutida ainda a importância de uma análise sistêmica das relações evolutivas entre os táxons de Metazoa e da incorporação de outras técnicas, além das simples análises

Uma leva de estudos de filogenia para os filos metazoários foram realizados,

comparadas de caracteres.

utilizando diferentes tipos de dados, nas duas últimas duas décadas, como as análises de seqüências moleculares (FIELD et al., 1988; LAKE, 1990; ZRZAVÝ et al., 1998; GIRIBET et al., 2000; PETERSON; EERNISSE, 2001; GLENNER et al., 2004), da presença/ausência de fatores envolvidos no desenvolvimento inicial desses organismos (DE ROSA et al., 1999; BALAVOINE et al., 2002) e análises computadorizadas de dados morfológicos (NIELSEN et al., 1996; GIRIBET et al., 2000; NIELSEN, 2001; PETERSON; EERNISSE, 2001; BRUSCA; BRUSCA, 2003; GLENNER et al., 2004). Essas análises supracitadas sugerem, muitas vezes, agrupamentos não usuais, quando comparados à visão tradicional (HYMAN, 1940), desafiando agrupamentos que há muito se acreditava estarem bem estabelecidas. Deste modo, os estudos das relações evolutivas entre os metazoários têm passado por um período bastante conturbado. Entretanto, dados de naturezas diferentes têm concordado em alguns aspectos da história evolutiva dos Metazoa. No presente estudo, os estudos de filogenia para os grandes grupos animais (normalmente no nível dos filos), a partir dessas novas metodologias e tipos e dados, que constituem os modernos elementos, são revisados e analisados. No primeiro capítulo, são apresentados alguns esquemas de classificação e demonstrado como a classificação deixou de ser apenas um modo de organizar os animais encontrados na natureza e passou a se preocupar em refletir as relações evolutivas entre estes organismos. Os capítulos 2, 3, 4 e 5 apresentam uma extensa revisão dos dados moleculares, de biologia do desenvolvimento, de morfologia e do registro fossilífero, respectivamente. No sexto capítulo, a primeira parte (seção 6.1) traz uma discussão dos dados revisados nos capítulos 2 a 5, com a segunda (seção 6.2) mostrando algumas das conseqüências

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A classificação consiste, basicamente, no agrupamento de objetos individuais em

1. CLASSIFICAÇÃO ANIMAL

categorias e classes (MAYR, 1998). Ao se classificar algo, utiliza-se sempre o princípio de similaridade, através do qual determinados componentes são agregados dentro de conjuntos, ou “Since the enunciation of the evolution principle [...] it is conceded that animals are related to each other by descent, and consequently any scheme of classification aims to give the genealogical relationships of the group of animals under consideration” (HYMAN, 1940, p. 22).

grupos, enquanto que outros são separados (ELDREDGE; CRACRAFT, 1980). Quando se afirma que um certo elemento pertence a determinado grupo, sabe-se, conseqüentemente, alguma coisa de sua natureza - designando-se um animal por cnidário, por exemplo, saber-se-á, de partida, que este organismo possui simetria radial, apenas dois folhetos embrionários, tubo digestivo incompleto e cnidócitos -, pois nele existem os caracteres contidos na definição do

Os animais têm instigado a curiosidade humana já há muito tempo. São

grupo em questão (MATEUS, 1989).

conhecidos manuscritos antigos, de épocas anteriores a Aristóteles (384-322 a.C.), contendo muitas informações sobre estes organismos (MAYR, 1998).

A ciência da Zoologia, em seu sentido mais amplo, pode ser definida como aquela que estuda os animais, qualquer que seja o ponto de vista. Assim, é possível dividi-la em vários

Os animais apresentam formas, tamanhos, cores, hábitos e estruturas os mais

ramos. Dentre estes, pode ser encontrada a Zoologia Sistemática, que se ocupa da organização,

variados possíveis (STORER et al., 1984; HANSON, 1988; RUPPERT; BARNES, 1996). Pode-

caracterização e denominação dos grupos animais, do estabelecimento das relações de parentesco

se perguntar de que forma esta ampla diversidade estabeleceu-se e verificar que, ao longo da

entre eles, da identificação de formas já conhecidas e da descrição e denominação de formas

história da humanidade, as respostas atribuídas a tal questão são as mais variadas possíveis, indo

novas (MATEUS, 1989).

desde explicações fundamentadas em observações feitas na natureza até invocações de forças sobrenaturais (HANSON, 1988).

A Sistemática como ciência, segundo Hickman et al. (1984), possui um caráter duplo, se se considera que, por um lado ela está envolvida com a organização dos organismos,

Atualmente, são reconhecidas mais de um milhão de espécies animais viventes (RUPPERT; BARNES, 1996) e, de acordo com Hickman et al. (1984), esta quantia deve

estabelecendo um tipo de ordem no mundo natural e, por outro, procura desvendar o curso evolutivo tomado pelos mesmos.

representar em torno de 20% das espécies atuais e menos de 1% de todas as espécies animais,

Mas nem sempre foi assim. De acordo com Mateus (1989), a Sistemática divide-se

incluindo as extintas. No entanto, pode-se constatar que as estimativas sobre o número real de

em dois períodos: a Velha Sistemática e a Nova Sistemática. Durante a duração do primeiro

espécies atuais variam consideravelmente de algo entre 10-30 milhões a uma quantia entre 100-

período, os grupos eram considerados independentes uns dos outros, embora pudessem ser

200 milhões (BRUSCA; BRUSCA, 2003).

organizados por uma ordem lógica. Já no outro caso, admite-se os grupos como entidades

Das espécies atuais, mais de 95% são representadas por animais invertebrados, ou seja, destituídos de uma coluna vertebral (MEGLITSCH; SCHRAM, 1991; RUPPERT; BARNES, 1996; BRUSCA; BRUSCA, 2003).

biológicas, sujeitas a variações e ligadas por relações filogenéticas, ou seja, por relações de parentesco. Embora atualmente se procure representar os organismos de acordo com sua

Sempre que lida com uma quantidade tão grande de formas, o homem apresenta

história natural, inicialmente o principal objetivo da Sistemática era a elaboração de arranjos que

uma tendência natural a classificá-las, formando grupos que, por sua vez, divide em subgrupos.

facilitassem a tarefa de localização das espécies e a identificação das formas. Neste caso, bastava,

Ao agir desta maneira, torna mais fácil ter uma visão de conjunto, facilitando o estudo

muitas vezes, a presença ou ausência de um caráter escolhido arbitrariamente, para definir os

(MATEUS, 1989; MAYR, 1998).

grupos. Assim se formavam os sistemas, os quais deram nome à Sistemática e se caracterizavam pela definição de grupos baseada na presença ou ausência de um único caractere. Os caracteres 12

13

que definem os grupos eram escolhidos arbitrariamente pelo autor desses sistemas, levando seu

dividir em duas fases: a pré-evolucionista e a evolucionista. Esta última é a que corresponde à

nome (p. ex., Sistema de Linné, Sistema de Aristóteles). A habilidade estava na escolha de

nova Sistemática (MATEUS, 1989).

caracteres bastante expressivos, fáceis de observar em todos os representantes de cada grupo (MATEUS, 1989). Porém, com o passar dos anos, os taxonomistas foram se deparando com graves

1.1 Período dos sistemas

problemas nesses sistemas, que acabavam conduzindo a anomalias taxonômicas, as quais se caracterizam pela inclusão de um determinado animal pertencente a um grupo específico (com base em suas relações evolutivas) num outro conjunto, de acordo com sua estrutura, mais

1.1.1 O Sistema de Aristóteles

intimamente relacionada a estes do que com os de seu próprio grupo. Assim, já no século XVII, começou a surgir uma reação contra os critérios utilizados pelos sistemas de modo a tornar as classificações mais perfeitas, mais de acordo com a natureza, numa tentativa de se reduzir ao

De acordo com Mayr (1998), a história da taxonomia começa com Aristóteles.

máximo possível as anomalias taxonômicas. Desta maneira, foi ocorrendo uma substituição do

Embora muitos conhecimentos sobre plantas e animais já existissem antes dele, os poucos

critério utilizado nos sistemas, pelos critérios dos métodos, que utilizavam um conjunto de

escritos antigos de que se tem nota, não falam de classificações.

caracteres para definir os grupos, dentro das classificações (MATEUS, 1989).

O primeiro sistema zoológico se deve, pois, a Aristóteles (MATEUS, 1989). Este

Nos métodos, as classificações dos grupos eram, então, feitas pela presença ou

eminente sábio, natural de Stagira, Grécia, ficou conhecido por seus escritos sobre diversas áreas

ausência de um número maior de caracteres, e não mais baseadas em somente um único caractere

do conhecimento tais como política, retórica, ética, poética, assim como ciência natural,

escolhido arbitrariamente. Embora tenha possuído alguns precursores, como John Ray (1627-

psicologia e metafísica, entre outros tópicos (BLITS, 1999). Seus estudos sobre animais

1705), o primeiro método que foi desenvolvido em Zoologia é considerado aquele elaborado pelo

pertencentes aos mais diversos ambientes (mar, água doce e terra) são admirados por suas

naturalista francês George Cuvier (1769-1832), entre os anos de 1812-1829 (MATEUS, 1989).

descrições detalhadas, incluindo mais de 500 tipos de mamíferos, aves, peixes, répteis, anfíbios,

De início, este critério teve pouca aceitação, mas graças aos esforços de pesquisadores como Bernard de Jussieu (1699-1777), Antoine Laurant de Jussieu (1748-1836) e Michel Adanson (1727-1806) o critério dos métodos tornou-se bastante estabelecido (MATEUS,

cefalópodes, insetos e muitos outros invertebrados, fornecendo inclusive informações ecológicas (MATEUS, 1989; BLITS, 1999). Aristóteles dava extrema importância aos quatro elementos (fogo, água, terra e ar), e, assim, os atributos de calor versus frio, úmido versus seco eram de importância crucial para

1989). Posteriormente a Cuvier, os métodos têm sido amplamente aperfeiçoados, e os atuais, embora não inteiramente satisfatórios, são já muito aceitáveis como tentativas de uma classificação perfeita. Uma vez que os métodos se baseiam num número maior de caracteres que os sistemas, apresentam anomalias taxonômicas menos numerosas e menos evidentes que estes.

ele. O calor estava acima do frio e o úmido, acima do seco. Como o sangue era quente e úmido ao mesmo tempo, tornou-se uma característica de extrema importância (MAYR, 1998). Ao comparar caracteres comuns e organizações distintas, Aristóteles estabeleceu seu sistema. Separou os animais em dois grupos: os com sangue vermelho, denominados enaima,

A história da taxonomia pode, então, ser dividida em dois períodos, o dos sistemas

e os destituídos de sangue vermelho, conhecidos como anaima. Subdividiu estes dois grupos em

e o dos métodos (MATEUS, 1989). O primeiro pode ainda ser subdividido em duas fases: a

quatro subgrupos cada, com os primeiros sendo constituídos por quadrúpedes vivíparos, aves,

aristotélica e continuadores, e a lineana. O período dos métodos, por sua vez, pode também se

quadrúpedes e ápodes ovíparos e peixes; ao passo que os anaima dividiam-se dentro dos

14

15

seguintes grupos: moluscos (malaquia), malacostráceos (malacostraca), insetos (entoma) e testáceos (ostracodermata) (MATEUS, 1989).

Desde a Antigüidade, já na época de Platão e Aristóteles, acreditava-se que a natureza deveria ser constituída por uma série ininterrupta de formas ascendentes. Esta teoria foi

Os sistemas posteriores ao de Aristóteles, até o de Linné, pouco vieram acrescentar ao primeiro. Durante o século XV, a descoberta de rotas que levavam a outros

renovada e reavivada por Leibniz, cujo aforismo “Natura non facit saltus” ficou bastante conhecido (RADL, 1988; MATEUS, 1989).

continentes a partir da Europa, como a de Cristóvão Colombo (1492) para a América do Norte, a

Nessa mesma época, acreditava-se que a essência de um organismo estava em sua

de Vasco da Gama (1497-1499) para a Índia e a de Pedro Álvares Cabral (1500) para o Brasil,

forma e havia esforços para se buscar, na natureza, essa escala cada vez mais aperfeiçoada de

ampliaram as aquisições de conhecimento (MATEUS, 1989).

formas. Desde então, manteve-se também a convicção de que a classificação representava o

Ao longo dos séculos XVI e XVII, essas explorações continuaram, dando a idéia

ponto culminante do conhecimento, pois concebe a natureza na forma mais breve e lógica

de uma diversidade quase ilimitada de plantas e animais, despertando nos herbalistas e

possível. Linné, que foi o primeiro a oferecer um grande sistema da natureza, não o realizou com

enciclopedistas o interesse por tamanha variedade, fazendo ressuscitar as práticas de Theofrasto e

muita profundidade; importava a ele, não o conceito filosófico da natureza, mas sim a agrupação

Aristóteles em descrever um grande número de espécies com riqueza de detalhes. O

prática das plantas com base em suas propriedades (características) para poder reconhecê-las

desenvolvimento de aparelhos ópticos - sobressaindo-se neste campo o holandês Anton van

facilmente. No entanto, foi um trabalho executado de forma coerente e em grande escala (RADL,

Leeuwenhoek (1632-1723) e o italiano Marcello Malpighi (1628-1694)- e a fauna e flora trazida

1988).

de todas as partes do mundo, através dessas grandes expedições exploratórias, estimularam ainda

Linné também criou um sistema de animais, o qual era muito limitado devido a

mais a atração para a questão da diversidade. Já no século XVIII, coleções muito amplas foram

seus conhecimentos restritos no campo da Zoologia (RADL, 1988), que compreendia seis

montadas em boa parte dos países do continente europeu, como conseqüência da vasta

classes: Mammalia, Aves, Amphibia, Pisces, Insecta e Vermes (HYMAN, 1940; MATEUS,

quantidade de espécimes exóticos provindos de tais viagens transoceânicas. Do crescimento

1989).

incontrolável, em relação ao número de coleções, fez-se necessário algum tipo de sistematização, cujo apogeu foi atingido com Carl von Linné (MAYR, 1998).

As quatro primeiras classes constituem o grupo dos enaima de Aristóteles. A classe dos Amphibia engloba os atuais Amphibia ou Batrachia e os Reptilia. As duas últimas classes equivalem aos anaima. Dentro dos Insecta estavam todos os Arthropoda, enquanto que nos Vermes podiam ser encontrados todos os animais que não se encaixavam nas outras classes. Era, portanto, um grupo extremamente heterogêneo que se foi desmembrando com o tempo

1.1.2 O Sistema de Linné

(MATEUS, 1989). Para Mateus (1989), um dos grandes méritos de Linné é o de ter estabelecido uma Carl von Linné (1707-1778) foi um naturalista que viveu no século XVIII. Era

hierarquia entre grupos. De acordo com esta, o Reino Animal era dividido segundo a hierarquia

interessado em assuntos diversos, tais como biogeográficos e ecológicos, por exemplo. No

decrescente: classes, ordens, gêneros e espécies. No entanto, Jordanova (1984) salienta ainda uma

entanto, a classificação, particularmente das plantas, constituía seu interesse primário. Era tão

outra contribuição feita por Linné: o desenvolvimento da nomenclatura binária, onde cada planta

obsessivo por este assunto, que desenvolveu uma classificação dos botânicos em fitologistas,

ou animal recebia dois nomes, com o primeiro designando o gênero e o segundo, a espécie.

botanófilos, colecionadores, metódicos, adônicos, oradores, erísticos, e assim por diante (MAYR,

Ambas contribuições permanecem em uso atualmente.

1998).

16

17

princípio de que todos os grupos eram relacionados evolutivamente (MATEUS, 1989). Desta

1.2 Período dos métodos

maneira, Lamarck principiou a época evolucionista, equivalente à nova Sistemática. No sistema de Lamarck, datado de 1809, também estavam reconhecidos e diferenciados os animais vertebrados dos invertebrados. Estes estavam divididos em subgrupos

1.2.1 A Classificação de Cuvier

interpretados de modo muito semelhante ao atual, como os Mollusca, Cirripedia, Annelida, Crustacea, Arachnida, Insecta e Tunicata (acrescentado somente em 1815 no seu esquema). Por A classificação de Cuvier (1769-1832), apresentada após uma série de

outro lado, alguns de seus grupos foram reorganizados com o passar dos anos: Infusoria (Rotifera

aperfeiçoamentos, é considerada como sendo o primeiro método exposto em Zoologia. Dividiu o

+ alguns protozoários), Pólipos (celenterados polipóides, esponjas e alguns protozoários), Radiata

Reino Animal em quatro grandes divisões, às quais deu a designação de “embranchment”, uma

(celenterados restantes, ctenóforos e equinodermados) e Vermes (uma ampla variedade de

categoria situada entre reino e classe, equivalente, portanto, à categoria de grande grupo, grande

formas) (HYMAN, 1940).

divisão, “phylum”, ramo ou tipo. Institui, portanto, a idéia de tipo, como categoria taxonômica (MATEUS, 1989).

Posteriormente a Cuvier e Lamarck, desenvolveram-se os estudos em diversas áreas, particularmente os de Embriologia. No entanto, os sistemas destes dois naturalistas

Em sua classificação, estavam contidos os grupos de animais Vertebrados

franceses serviram de base para toda a classificação animal moderna (HYMAN, 1940).

(compostos por mamíferos, aves, répteis e peixes), Moluscos (contendo os cefalópodes,

Os caracteres embrionários foram então introduzidos nas análises, dando origem a

pterópodes, gastrópodes, acéfalos, braquiópodes e cirripédios), Articulados (incluindo os

novas classificações como as de Kölliker (1844), Leuckart (1848) e Huxley (1874) (HYMAN,

anelídeos, crustáceos, aracnídeos e insetos) e os Zoófitos ou Radiados (com os equinodermados,

1940; MATEUS, 1989). Aprimoramentos do grupo Vermes foram ainda realizados por Vogt

intestinais, acalefas, pólipos e infusórios; o restante dos invertebrados) (HYMAN, 1943;

(1851) e Gegenbauer (1859).

MATEUS, 1989). Como se trata de um sistema, Cuvier utilizou diversas características para definir os seus chamados tipos.

A divisão do reino animal em filos independentes foi uma prática que se tornou comum no último quarto do século XIX (HYMAN, 1940). Hyman (1940) expressa sua crença de

Pode-se observar que os Vertebrados correspondem aos enaima de Aristóteles e às

que “The classification of animals should be based primarily on anatomical and embryological

quatro primeiras classes de Linné, com a substituição da designação Amphibia para Répteis.

facts, and a number of important characters, not any one arbitrarily chosen feature , should be

Enquanto que as outras três correspondem aos anaima de Aristóteles e às duas últimas classes de

taken simultaneously into consideration” (HYMAN, 1940, p. 32). A autora prossegue, apontando

Linné, mostrando grande progresso. Cuvier considerava esses quatro grandes grupos

uma série de caracteres que ela julga importantes na hora de se determinar um filo: “general

independentes, ou seja, sem qualquer tipo de relação filogenética (MATEUS, 1989).

grade of construction, type of symetry, presence and kinds of body space, absence or presence of an anus, presence of segmentation, possession of appendages, presence and nature of excretory, respiratory, and endoeskelatal systems” (HYMAN, 1940, p. 32). Desta maneira, Hyman (1940) reconhece um total de 22 filos, a partir da utilização dos princípios supracitados (Fig. 1.1).

1.2.1 A Classificação de Lamarck

Diferentemente de todos os outros esquemas classificatórios, sejam da época dos sistemas ou dos métodos, Lamarck desenvolveu sua classificação do reino animal com base no 18

19

culminar, atingindo a figura de Deus: a “cadeia dos seres”. Na segunda metade do século XVIII, os naturalistas foram ignorando cada vez mais a parte metafísica contida nesta idéia. Jordanova (1990), em sua obra sobre a vida e os trabalhos de Lamarck, mostra como este grande pensador desacreditava que poderia existir uma série única na natureza, uma vez que suas observações de minerais, plantas e animais permitiam-lhe verificar profundas diferenças. Ele acreditava que a ciência natural deveria basear-se em leis derivadas de fenômenos físicos observáveis. Tal oposição em relação à metafísica foi bastante importante, favorecendo o conhecimento obtido através dos sentidos, indicando uma mudança profunda no pensamento científico, cujo desenvolvimento havia sido extremamente limitado. A taxonomia adquiriu um novo significado após o desenvolvimento da teoria transformista de Lamarck. Anteriormente, a ordem natural definia-se através de padrões de relação estáticos, mas agora significava a seqüência na qual as formas naturais haviam sido produzidas. Lamarck concluiu que os níveis de complexidade crescente e os graus de parentesco eram resultado de transformações históricas reais (JORDANOVA, 1990). Figura 1.1: Diagrama hipotético das relações entre os filos do reino animal, apresentado por Hyman (1940). Os filos radiados (em azul) são considerados uma linhagem lateral, não os ancestrais diretos de Bilateria (em verde), os quais se acredita tenham tido origem a partir de um platelminto primitivo, através de um ancestral do tipo estereogástrula. Acima deste ancestral potencial, os filos encontram-se arranjados em duas linhagens principais de ascendência (teoria difilética); os grupos com clivagem determinada e mesoderma originado a partir de células ou bandas bem definidas (Protostomia; em vermelho) e os grupos com clivagem indeterminada e mesoderma e celoma com origem na forma de sacos endodérmicos (Deuterostomia; em marrom). Dentro de Protostomia, os Aschelminthes representam um filo contendo os táxons (tratados como classes) Rotifera, Gastrotricha, Kinorhyncha, Nematoda, Nematomorpha e Acanthocephala, que juntos com os Entoprocta (não representados na figura) representam os animais pseudocelomados; Nemertina e Platyhelminthes correspondem aos animais acelomados; e os “Outros Schizocoela” incluem os filos Bryozoa (ou Polyzoa), Phoronida, Brachiopoda, Sipunculoidea e Priapuloidea. Reproduzido e modificado a partir de Hyman (1940).

Simultaneamente à proposta de sua teoria de realidade da evolução, que afirma o fato de a evolução ter acontecido, Lamarck propôs uma segunda teoria, a qual expressava a possibilidade de os organismos poderem ser classificados de acordo com a sua história evolutiva (L‡VTRUP, 1987). Desde então as unidades biológicas têm sido classificadas de acordo com a sua ancestralidade, a partir dos caracteres morfológicos. Porém, parece haver um perigo inerente aos estudos de taxonomia, devido ao tipo de raciocínio utilizado, quando as hipóteses geradas por estas aproximações são extrapoladas para as relações filogenéticas (HICKMAN et al., 1984). Entretanto, todas as semelhanças biológicas, sejam entre moléculas, organelas,

O final do século XVIII e início do XIX foram marcados por diversas discussões

tecidos ou órgãos, podem derivar a partir de um mesmo caractere, sendo designadas homologias,

entre naturalistas no continente europeu, em relação à origem das espécies (DARWIN, 1979;

ou possuírem origens distintas, sendo chamadas analogias (STORER et al., 1984; MATEUS,

RADL, 1989). De um lado, os fixistas, cuja opinião era de que as espécies haviam sido criadas de

1989; RUPPERT; BARNES, 1996).

forma independente (um ato de criação especial para cada espécie) pela divina providência e

Assim, o reconhecimento de estruturas homólogas é imprescindível para a

eram imutáveis; do outro, os transformistas começavam a expressar suas opiniões alternativas

elaboração de hipóteses filogenéticas. Elas podem ser determinadas através de estudos de

àquelas, preconizando que as espécies observadas por nós, neste momento, eram produto da

Anatomia e Embriologia comparadas. Uma vez que alguma homologia é encontrada em duas ou

variação a partir de outras, que haviam existido no passado (DARWIN, 1979).

mais espécies, pode-se supor que elas possuem um ancestral comum.

O pensamento vigente na época era que existia na natureza, uma cadeia contínua

No momento de determinar se características semelhantes, compartilhadas por

que levava da argila, passando pelos vegetais, por animais mais simples, pelo homem até

duas ou mais espécies, são homólogas ou análogas, dois critérios são normalmente utilizados pelo

20

21

pesquisador: a correspondência posicional, que determina se uma característica for homóloga nas

agrupando espécies ou grupos de outros níveis taxonômicos, de acordo com a sua similaridade

espécies sob investigação deve ocupar uma posição anatômica semelhante nessas espécies e a

(HICKMAN et al., 1984).

correspondência estrutural, segundo a qual, quando alguma característica for homóloga em duas ou mais espécies diferentes ela deverá ser semelhante em relação a sua estrutura (RUPPERT; BARNES, 1996).

1.3.2 Cladística

Durante séculos, questões tais como: qual seria a melhor maneira de se fazer uma classificação, quais deveriam ser os critérios utilizados para esta e qual poderia ser o seu objetivo final, foram extremamente debatidas (MAYR, 1998).

A cladística é um método de classificação, desenvolvido pelo entomologista

Hickman et al. (1984) consideram a existência de três grandes escolas de taxonomia: sistemática evolutiva, taxonomia numérica e cladística.

alemão Willi Hennig, em 1950, que reúne os táxons hierarquicamente dentro de grupos e subgrupos distintos. A análise cladística é composta por três processos: descoberta ou seleção de caracteres e táxons, compilação dos caracteres e determinação dos cladogramas (representação diagramática dos resultados de uma análise cladística) que melhor explicam a distribuição dos caracteres pelos táxons (KITCHING et al., 1998).

1.3 Escolas de taxonomia

Para Hennig, as classificações deveriam basear-se exclusivamente nas histórias evolutivas dos organismos. Este autor dava o nome de sistemática filogenética ao método que desenvolveu. No entanto, ele baseava-se somente em um componente da filogenia - a ramificação

1.3.1 Taxonomia numérica (=Fenética numérica)

das linhagens -, de forma que outros autores rebatizaram-no de cladística (ou cladismo) (MAYR, 1998). Michel Adanson, em 1763, desenvolveu um método de classificação, onde os

O ponto crucial da análise cladística consiste em analisar cuidadosamente todos os

táxons eram definidos por determinadas características, com os seus integrantes não necessitando,

caracteres, comparando-os entre os táxons sob estudo, de maneira tal que se possa dividí-los

entretanto, apresentar todos os caracteres contidos em sua definição, mas, antes, a maioria deles.

(caracteres) em ancestrais (plesiomorfos) e derivados (apomorfos) (AMORIM, 1997; MAYR,

Assim, os membros de um táxon eram determinados de acordo com o maior número de

1998).

caracteres possíveis e não todos, presentes na definição do grupo em questão. Embora este

Para os cladistas, existem, essencialmente, três tipos de grupos de organismos: os

esquema não infira as relações filéticas entre os táxons, ele ressurgiu, dando origem à taxonomia

monofiléticos, que se caracterizam por conter um ancestral e todos os seus descendentes, os

numérica (HICKMAN et al., 1984).

parafiléticos, os quais contêm um ancestral e alguns dos seus descendentes e os polifiléticos,

Com o surgimento do computador eletrônico, no final da década de 1950, três grupos importantes de taxonomistas surgiram, que utilizavam métodos computadorizados

caracterizados por não possuírem um ancestral imediato ou direto comum aos integrantes do grupo (STEWART; ROTHWELL, 1993).

(MAYR, 1998). A taxonomia numérica reúne o maior número de caracteres arbitrários que for possível, joga-os um em programa de computador e a análise é feita a partir de cálculos,

22

1.3.3 Taxonomia evolutiva

23

MCHUGH; HALANYCH, 1998). No entanto, nossa compreensão sobre as relações evolutivas A metodologia tradicional de classificação procura expressar tanto a ramificação

entre os metazoários tem sido alterada nas últimas décadas. Isto se deve à utilização de novas

das linhagens filéticas, quanto a sua divergência subseqüente. Assim, pode-se indicar, ao ordenar

ferramentas, tais como o emprego de dados moleculares, a observação de caracteres

os diversos táxons, o quanto os mesmos se tornaram divergentes de seus grupos irmãos. Pelo fato

ultraestruturais (através da microscopia eletrônica de transmissão), a análise cladística dos dados

de seguir as idéias de Darwin, quase que ao pé da letra, ela é também chamada de taxonomia

morfológicos (RUPPERT; BARNES, 1996; MCHUGH; HALANYCH, 1998), bem como de

evolutiva (MAYR, 1998).

estudos de padrões de expressão de genes durante o desenvolvimento (NIELSEN, 2001).

Segundo Mayr (1998), a principal diferença entre esta escola e a cladística reside

Hoje, a quantidade de dados disponíveis, que podem ser utilizados em análises

no peso considerável que se dá aos caracteres autapomórficos, aqueles que são adquiridos por um

filogenéticas, está em crescimento constante. Diversas áreas têm sido responsáveis por esta

táxon irmão, mas não pelo outro. A partir de um tratamento puramente cladístico, pode-se obter

ampliação, tais como a Morfologia, a Genética Molecular, a Biologia do Desenvolvimento e a

uma imagem falsa de parentesco, como nos casos em que uma linhagem colateral tenha adquirido

Paleontologia. Nenhuma dessas aproximações mostrou-se melhor do que outra, embora no

diversas autapomorfias e se torne extremamente distinta de seu grupo irmão. Assim, a situação de

momento de sua descoberta se pensasse dessa forma (SCHMIDT-RHAESA, 2003).

um táxon pelo método evolutivo baseia-se no peso relativo dos caracteres autapomórficos, comparados com as autapomorfias dos grupos irmãos (MAYR, 1998).

Uma característica inevitável, resultante deste grande número de dados disponíveis, pois, surge: um elevado número de hipóteses das relações entre os grupos. Schmidt-

Esta escola baseia suas classificações sobre semelhanças e diferenças entre os

Rhaesa (2003) expõe que, embora haja muitos aspectos problemáticos, existem, entretanto,

grupos de organismos, avaliados à luz de sua história evolutiva e inclui em sua análise todos os

diversas relações filogenéticas que são suportadas pela maioria das análises e devem ser

atributos disponíveis desses organismos, suas correlações, suas posições ecológicas e padrões de

consideradas como uma espécie de arcabouço principal das árvores filogenéticas.

distribuição, e procura refletir os dois grandes processos evolutivos: ramificação e subseqüente

Como exposto acima, é visível o processo de reestruturação contínua, pelo qual os

divergência dos ramos (clados). Esta escola segue Darwin nos aspectos de que uma classificação

estudos de filogenia animal estão passando. E como o biólogo alemão Adolf Remane bem

deve estar baseada na genealogia e que esta, por si só, não fornece a classificação (MAYR,

colocou, essas questões são muito complexas, e somente após um estudo completo de mais

1981).

material será possível se atribuir uma resposta definitiva (RUPPERT; BARNES, 1996). Por outro lado, a grande quantidade de dados gerada nos últimos anos parece ser suficiente, não para se atribuir uma resposta definitiva, mas para se indicar algumas relações Aparentemente, todas as três escolas citadas acima surgiram da insatisfação pela

bastante robustas entre diversos dos grupos de Metazoa.

forma em que os esquemas de classificação estavam sendo aplicados. Além delas, uma quarta vem se formando desde o final da década de 1980, devido aos avanços tecnológicos ocorridos nas áreas da Genética e da Evolução Molecular. Moore (2001) expressa dois meios pelos quais as moléculas podem ser utilizadas para esses fins: comparação de genomas entre duas espécies diferentes e o uso de moléculas particulares no lugar dos caracteres morfológicos. Grande parte do nosso conhecimento a respeito das relações entre os metazoários provém de estudos comparativos feitos por morfologistas, tanto na parte de Morfologia propriamente dita, quanto de Embriologia (RUPPERT; BARNES, 1996; MCHUGH, 1998; 24

25

qualidades, dentre as quais, sua ubiqüidade dentro do reino animal e presença de determinadas

2. DADOS MOLECULARES

regiões conservadas suficientemente para se produzir “primers” universais

(HALANYCH,

2004). As taxas evolutivas do RNAr 18S são também apropriadas para o estudo de relações filogenéticas entre grupos distantes (AGUINALDO; LAKE, 1998).

2.1 Histórico

Field et al. (1988) foram também os primeiros a utilizar algoritmos e critérios claros na construção de árvores para os metazoários, fornecendo, desta forma, uma maneira de se Nos últimos anos, estudos baseados em seqüências de elementos moleculares, tais

testar e avaliar criticamente hipóteses tradicionais das relações animais (HALANYCH, 2004).

como bases nucleotídicas e aminoácidos, têm sido publicados com as relações filogenéticas entre

Naquela época, um grande número de esquemas filogenéticos, baseados

os cinco reino definidos tradicionalmente sendo inferidas a partir deles. Tem-se tornado cada vez

tradicionalmente em dados apresentados pelo registro fossilífero e pelas disciplinas de

mais insustentável esta divisão dos organismos, com hipóteses novas e interessantes sendo

embriologia e anatomia comparadas, haviam sido propostos, na tentativa de elucidar as relações

propostas a partir dessa fonte alternativa de dados (LIPSCOMB et al., 1998).

entre os grandes grupos animais (AGUINALDO; LAKE, 1998; MCHUGH; HALANYCH, 1998;

Dentro do reino animal, podem ser citados alguns trabalhos iniciais utilizando dados moleculares como base para a reconstrução das relações evolutivas entre táxons superiores

JENNER; SCHRAM, 1999). Entretanto, pouco acordo emergiu a partir dessas hipóteses, com essas relações permanecendo controversas (FIELD et al., 1988; JENNER; SCHRAM, 1999).

(filos) (DAYHOFF 1969 apud FLORKIN, 1973; VAN THOAI, 1973). Porém, foi somente no

Alguns motivos sugeridos como possíveis responsáveis por esta condição de

final da década de 1980 que os estudos de filogenia animal testemunharam o surgimento de um

embate são a pequena quantidade de caracteres (fornecidos pela anatomia e pela embriologia

período notável, a partir da inclusão de seqüências moleculares. Num artigo publicado por Field

comparadas) utilizados para se propor os esquemas filogenéticos, assim como a ausência de um

et al. (1988), as relações filogenéticas entre representantes de dez filos animais foram inferidas,

método de análise definido rigorosamente (JENNER; SCHRAM, 1999). Pode-se acrescentar

utilizando-se como base para a análise seqüências parciais da molécula de RNAr 18S da

ainda, que além da quantidade de caracteres morfológicos ser limitada, sua homologia entre os

subunidade ribossômica menor (RNAr 18 ou SSU). Esse trabalho foi o responsável por introduzir

diferentes táxons era geralmente incerta e difícil de determinar (FIELD et al., 1988;

a “era da sistemática molecular” (HALANYCH, 2004) para categorias taxonômicas superiores de

AGUINALDO; LAKE, 1998; ADOUTTE et al., 1999). A utilização das estruturas primárias das moléculas de 18S foram sugeridas, então,

metazoários e engatilhar o ressurgimento dos estudos dessas relações (MCHUGH; HALANYCH,

como uma fonte alternativa de avaliação das relações entre os grandes grupos animais,

1998; ADOUTTE et al., 1999). Essa atividade foi beneficiada pela criação de bases de dados com acesso-livre na

independentemente de caracteres morfológicos, sendo ainda uma forma de resolver questões

Wide

Genbank,

problemáticas das filogenias clássicas (FIELD et al., 1988). Outros autores justificam a utilização

Molecular

de dados moleculares, separadamente (TURBEVILLE et al., 1992) ou combinados aos

Biology Laboratory (EMBL), http://www.ebi.ac.uk/embl; DNA Data Bank of Japan (DDBJ),

morfológicos (GLENNER et al., 2004), como uma forma de testar a homologia de caracteres

http://www.ddbj.nig.ac.jp/) e altas somas de dinheiro investidas em projetos de seqüenciamentos

morfológicos.

World

Web

(como,

por

exemplo,

http://www.psc.edu/general/software/packages/genbank/genbank.html;

European

Halanych (2004) afirma que os dados moleculares são muito mais objetivos,

genômicos. A molécula de RNAr 18S foi estabelecida como o gene primário utilizado no

estando sujeitos a um rigor extremamente maior, quando comparados aos dados morfológicos.

estudo das relações filogenéticas dos metazoários, a partir do trabalho de Field e colaboradores

Jenner e Schram (1999) apontam que a cladística, a qual vem sendo adotada de maneira uniforme

(MCHUGH; HALANYCH, 1998). Essa molécula foi escolhida na época, devido a várias

para reconstruir relações filogenéticas e processamento de dados, apresenta uma série de

26

27

problemas, como a forma de definição de caracteres e a atribuição dos estados de caractere, determinantes primordiais nos resultados dessas análises (JENNER; SCHRAM, 1999).

Entretanto, muitos se mostraram céticos a essas novas hipóteses, desde o início, provocando controvérsias (BODE; STEELE, 1989; NIELSEN, 1989; WALKER, 1989). Esse

Diferentes tipos de dados têm sido fornecidos pela biologia molecular, que podem

ceticismo tem origens na incerteza a respeito da confiabilidade dos dados moleculares, no

ser utilizados nas análises filogenéticas dos metazoários, como por exemplo EF-1Ĵ

conflito aparente entre dados de origem morfológica e molecular, ausência de sinal filogenético

(KOBAYASHI et al., 1996), DNAr 23S (ODORICO; MILLER, 1997), arranjo de genoma

robusto, falta de sinapomorfias morfológicas bem definidas e conclusões aparentemente

mitocondrial (BRIDGE et al., 1995), seqüências de genes codificadores de proteínas (revisto em

contraditórias a partir da mesma fonte de dados (HALANYCH, 2004). Apesar de tudo, alguns dos nós internos da árvore metazoária parecem estar bem

MÜLLER, 1998), LSU (MEDINA et al., 2001). Os resultados dessas análises filogenéticas dos metazoários têm dado suporte a

estabelecidos (SCHMIDT-RHAESA, 2003), com essa congruência dando origem ao que se tem

alguns aspectos das visões tradicionais mais difundidas em livros-texto de zoologia dos

convencionado chamar de a “nova filogenia animal” (ADOUTTE et al., 2000; HALANYCH,

invertebrados, como a posição basal em relação aos Bilateria dos Porifera, Placozoa, Ctenophora

2004), que emerge como uma hipótese consistente de trabalho para os filogeneticistas

e Cnidaria (COLLINS, 1998; KIM et al., 1999; BORCHIELLINI et al., 2001; MEDINA et al.,

interessados nas relações entre os grandes grupos animais.

2001), e o status monofilético de Deuterostomia (WADA; SATOH, 1994; WINCHELL et al., 2002). Porém, novas perspectivas a respeito das relações dos metazoários também vêm sendo propostas (HALANYCH et al., 1995; WINNEPENNINCKX et al., 1995; AGUINALDO et al.,

2.2 A Nova Filogenia Animal

1997; RUIZ-TRILLO et al., 1999). Essas hipóteses inovadoras têm sugerido reestruturações profundas nas hipóteses filogenéticas tradicionais, amplamente difundidas em livros-texto de língua inglesa, assim como

2.2.1 Monofilia dos Metazoa

mudanças revolucionárias para a filogenia dos filos animais (revisto em HALANYCH, 2004) e conseqüências importantes em relação ao nosso entendimento dos processos subjacentes à Uma das questões que durante muito tempo foi debatida entre os zoólogos referia-

diversificação animal (ADOUTTE et al., 2000). Boa parte dessas hipóteses foi sugerida, inicialmente, com base em dados de

se às esponjas: se estes organismos seríam protistas altamente derivados e sem qualquer relação

RNAr 18S. No entanto, um acordo tem surgido entre os filogeneticistas moleculares, em relação

com os

demais

metazoários

ou

constituintes

de

ao fato de que a utilização dessa molécula é limitada, propondo que outras evidências,

(BORCHIELLINI et al., 2001; BRUSCA; BRUSCA, 2003).

uma

linhagem metazoária

basal

especialmente um número maior de marcadores devem ser explorados (MCHUGH;

Na última década, uma série de estudos realizada aponta para uma origem

HALANYCH, 1998). Por outro lado, essas hipóteses novas vêm sendo corroboradas por algumas

monofilética do reino animal. Estas evidências vêm sendo fornecidas por diversas fontes, tais

outras fontes de dados, tais como a subunidade ribossômica nuclear maior (LSU), genes Hox,

como estudos RNAr 18S (BORCHIELLINI et al., 2001; MEDINA et al., 2001), EF-1Ĵ

ordem dos genes mitocondriais, seqüências concatenadas de genes mitocondriais e o gene da

(KOBAYASHI et al., 1996), Hsp70 (BORCHIELLINI et al., 1998) e genes codificadores de

cadeia pesada para a miosina II (HALANYCH, 2004), assim como dados combinados de

proteínas típicas de organismos multicelulares (especialmente moléculas de adesão e receptores

morfologia e biologia molecular (GLENNER et al., 2004). A congruência entre diferentes tipos

celulares- revisto em MÜLLER, 1998; ver tab. 2.1).

de dados na inferência de filogenias animais é uma forma de tornar determinada hipótese mais ou menos provável (COLLINS, 1998; ADOUTTE et al., 2000; MEDINA et al., 2001).

Müller et al. (1994) relatam a existência de moléculas importantes na determinação das relações filogenéticas das esponjas. Estes autores demonstraram a presença de

28

29

lecitina galactose-específica (envolvida na emissão de sinais extracelulares próximos), de uma

Porém, diferentemente das análises cladísticas de dados morfológicos, que tendem

tirosina-quinase (receptor de membrana), assim como um homeobox nuclear (fator nuclear

a reconstruir a filogenia metazoária num arranjo, onde ou Porifera (p.ex., NIELSEN, 2001), ou

apresentando o motivo “helix-to-helix”, conhecido por ser expresso em padrões locais), através

Placozoa (p.ex., MEGLITSCH; SCRAM, 1990) diverge primeiramente, com ambos seguidos por

de clonagem seguida de seqüencimento, na esponja marinha Geodia cydonium.

Cnidaria, e Ctenophora apresentando-se como grupo-irmão dos Bilateria, os estudos de RNAr

As seqüências de aminoácidos inferidas apresentam grande homologia em relação

18S sugerem que o táxon Ctenophora é o primeiro a divergir depois das esponjas, e os táxons

às seqüências de outros animais, incluindo vertebrados. No caso do homeobox, por exemplo, há

Placozoa, Cnidaria e Bilateria formam um clado monofilético bastante consistente (COLLINS,

um compartilhamento de 70% de homologia em relação à seqüência de homeodomíneo da

1998; KIM et al., 1999; MEDINA et al., 2001; neste último trabalho, Placozoa não está incluído

galinha (CHOX-3) e 72% à da seqüência de Antennapedia da mosca Drosophila melanogaster

nas análises).

(DHOX) (MÜLLER et al., 2004). Os autores concluíram, desta maneira, que seus dados de seqüências a partir de moléculas de adesão e homeodomínio da esponja suportam a monofilia dos Metazoa.

2.2.2.1 Porifera Parafilético Os Choanoflagellata têm sido sugeridos, já há muito tempo, como o grupo irmão

dos Metazoa, basedo em características de morfologia e ecologia. Mais recentemente, dados moleculares têm corroborado está visão (RNAr 16S, WAINRIGHT et al., 1993; Hsp70, SNELL

Normalmente, as esponjas são reconhecidas como representantes de um grupo

et al., 2001). Entretanto, algumas análises de RNAr 18S e combinadas desta molécula com

monofilético, o filo Porifera. Entretanto, apesar de sua integração ao outros metazoários estar

seqüências de RNAr 28S sugerem que um táxon compreendendo Choanoflagellata e

recebendo suporte significante nos últimos anos, como já discutido acima, estudos de RNAr 18S

Mesomycetozoa forma o grupo irmão dos Metazoa (MEDINA et al., 2001), enquanto que as de

e RNAr 28S sugerem que os Porifera representam um clado parafilético, consistindo de pelo

RNAr 28S somente suportam que os Mesomycetozoa são o grupo irmão dos Metazoa (MEDINA

menos duas linhagens metazoárias basais (COLLINS, 1998; BORCHIELLINI et al., 2001;

et al., 2001). Porém, os autores deste trabalho acreditam que uma análise profunda de caracteres

MEDINA et al., 2001).

morfológicos e ecológicos iriam sugerir os coanoflagelados como o real grupo-irmão dos Metazoa.

Algumas análises concluem que as esponjas calcárias parecem mais intimamente relacionadas aos clados Ctenophora-Cnidaria-Placozoa, que às outras classes de esponjas, com os representantes do táxon Hexactinellida sendo os primeiros a se ramificarem na árvore dos metazoários, seguidos por Demospongiae (BORCHIELLINI et al., 2001). Resultados parecidos já haviam sido sugeridos por estudos comparativos entre as seqüências inferidas de aminoácidos

2.2.2 Clados Metazoários Basais

para as proteínas Hsp70 (KOZIOL et al., 1997) e proteína quinase C (KRUSE et al., 1998). Porém, nesses trabalhos, os representantes dos Eumetazoa limitaram-se a integrantes de Dentro do Reino animal, os táxons Porifera, Placozoa, Mesozoa, Cnidaria

Protostomia e Deuterostomia. Tomadas conjuntamente, as conclusões a que chegam tais

Ctenophora são colocados, tradicionalmente, na base da árvore filogenética dos metazoários, com

trabalhos sugerem as esponjas calcárias como sendo o grupo irmão dos eumetazoários, com a

base em sua organização corporal mais simplificada. Alguns estudos moleculares vêm

exclusão das esponjas silicosas.

corroborando esta posição para alguns desses grupos (COLLINS, 1998; BORCHIELLINI et al., 2001; MEDINA et al., 2001).

A existência de um clado formado pelas esponjas silicosas é fortemente sustentada por alguns estudos de RNAr 18S e RNAr 28S (COLLINS, 1998; MEDINA et al., 2001), assim

30

31

como combinando dados morfológicos com RNAr 18S (PETERSON; EERNISSE, 2001).

Análises cladísticas de dados morfológicos tendem a sustentar uma relação de

Peterson e Eernisse (2001) indicam que Porifera é parafilético, consistindo de Silicea

grupo-irmão entre Ctenophora e Bilateria (p.ex., NIELSEN, 2001). Entretanto, esta visão não tem

(Hexactinellida + Demospongiae) e Calacarea (Tab. 2.1). Este táxon é apresentado na forma de

sido corroborada pelos estudos moleculares. Análises de seqüências de RNAr 18S (COLLINS,

grupo-irmão de Eumetazoa (incluindo Placozoa), enquanto que o primeiro é o grupo-irmão do

1998; KIM et al., 1999; BORCHIELLINI et al., 2001; MEDINA et al., 2001; PETERSON;

clado formado desta união. As análises de RNAr 18S sozinho destes autores também chegaram a

EERNISSE, 2001), combinadas de RNAr 18S e RNAr 28S (MEDINA et al., 2001) suportam que

esta conclusão.

eles são o grupo-irmão de um clado que compreende Cnidaria e Bilateria e, em alguns casos, Placozoa (COLLINS, 1998; KIM et al., 1999; BORCHIELLINI et al., 2001). Evidências fornecidas por genes Hox, assim como de estrutura secundária de RNAr 18S, suportam uma relação Cnidaria/Bilateria (HALANYCH, 2004, e referências contidas neste trabalho).

2.2.2.2 Ctenophora

Tradicionalmente, os filos Ctenophora e Cnidaria foram agrupados em Radiata,

2.2.2.3 Cnidaria

distinguindo-os dos animais de simetria bilateral, dentre outros caracteres morfológicos (HYMAN, 1940). Os estudos moleculares têm apresentado pouco suporte para a manutenção deste agrupamento, como nas análises de seqüências nucleotídicas e de aminoácidos do EF-1Ĵ

As relações entre os cnidários e outros metazoários não têm apresentado maiores

(KOBAYASHI et al., 1996), ou nenhuma sustentação, de acordo com os dados de RNAr 18S

resoluções a partir dos estudos de RNAr 18S. Resultados sustentado uma relação de grupo-irmão

(COLLINS, 1998; MEDINA et al., 2001) ou combinados de RNAr 18S e RNAr 28S (MEDINA

dos Bilateria (KIM et al., 1999) ou sugerido um clado composto por cnidários e Placozoa, que,

et al., 2001).

por sua vez, representa o grupo-irmão dos Bilateria (BOCHIELINNI et al., 2001); e, ainda, com Cnidaria como grupo-irmão de um clado formado por Placozoa mais Bilateria, evidenciam essa falta de resolução. Porém, todos estes trabalhos têm proposto um clado formado por Placozoa,

Tabela 2.1- Hipóteses filogenéticas sugeridas por dados moleculares, em relação aos grupos a

Cnidaria e Bilateria. Isto vem sendo sustentado pelos dados de genes Hox e de estrutura secundária de RNAr 18S (HALANYCH, 2004, e referências contidas neste trabalho; Tab. 2.1).

basais metazoários

Hipótese filogenética

Dados suporteb

Porifera dentro de Metazoa

18S, EF-1Ĵ, Hsp70, galactose-específica, tirosina-quinase, Hox

Porifera parafilético, Silicea + Calcarea

18S, 28S, Hsp70, proteína-quinase C, morf + 18S

Cnidaria +Placozoa + Bilateria excluindo Porifera e Ctenophora

18S, 18S + 28S, Hox, est. sec. 18S

As análises combinadas de morfologia e 18S realizadas por Peterson e Eernisse lecitina

(2001) apresentam os cnidários como grupo-irmão dos Bilateria. Entretanto, quando retiraram Acoelomorpha e Gnathostomulida de suas análises, encontraram, na análise combinada de dados morfológicos e RNAr 18S, Ctenophora grupo-irmão dos Bilateria, em favor da hipótese Acrosomata. Os estudos moleculares têm apontado com freqüência para a existência de dois

Porifera, Placozoa, Ctenophora e Cnidaria. Para obter as fontes desses dados, veja o texto para maiores esclarecimentos. Nota: Abreviações dos dados como a seguir: 18S (RNAr 18S), EF-1Ĵ (fator de crescimento 1Ĵ), Hsp70 (“Heat Schok Protein 70”), 28S (RNAr 28S), morf (dados morfológicos), est. sec. 18S (estrutura secundária de RNAr 18S).

clados principais dentro de Cnidaria: um contendo os Anthozoa e o outro compreendendo as

32

33

a

b

classes restantes, chamado Medusozoa. Esta visão tem sido confirmada com base na análise das seqüências de RNAr 18S (BRIDGE et al., 1995; KIM et al., 1999; PETERSON; EERNISSE,

2001; COLLINS, 2002), DNAr 23S (ODORICO; MILLER, 1997), análises de RNAr 28S e

Trichoplax, esses genes são expressos em células pequenas, espaçadas de maneira relativamente

combinadas de RNAr 18S e RNAr 28S (MEDINA et al., 2001), assim como combinadas de

uniforme e localizadas na zona marginal e que não parecem corresponder a nenhuma das outras

seqüências de RNAr 18S, caracteres morfológicos e da estrutura de genoma mitocondrial

quatro variedades celulares. Trox2 e genes do tipo Pax-B são expressos na zona marginal de

(BRIDGE et al., 1995).

Trichoplax e no sistema nervoso de cnidários. O primeiro desses genes é claramente relacionado

Dentro de Medusozoa, os clados Cubozoa e Hydrozoa aparecem como

aos genes Gsx/ind, que funcionam na padronização dorsiventral do sistema nervoso central em

monofiléticos, enquanto que os Scyphozoa apresentam-se parafiléticos em relação aos Cubozoa,

animais bilatérios, e ao Cnox2-Am, que é expresso diferencialmente no sistema nervoso do coral

com ambos sendo assim o grupo-irmão dos Hydrozoa, ou no que diz respeito aos Medusozoa

Acropora milepora. Células na região marginal também parecem expressar o neuropeptídio

restantes (COLLINS, 2002).

RFamida, o neurotransmissor mais abundante em cnidários. Um fato interessante foi apresentado num trabalho de Voigt et al. (2005). Estes autores sugerem, baseado em diversidade molecular, que o filo Placozoa estaria composto de mais de uma espécie. Eles chamam a atenção ainda para que os estudos de filogenia molecular

2.2.2.4 Placozoa

geralmente utilizam espécimes de uma única linhagem e que isto deveria ser revisto, incluindo-se espécimes de outras linhagens. Todas as posições imagináveis para os Placozoa entre os metazoários não

A figura 2.1 apresenta as uma síntese das relações entre os metazoários basais.

bilatérios já foram sugeridas (ENDER; SHIERWATER, 2003). Diferentes estudos feitos com base em seqüências de RNAr 18S os posicionam dentro de Cnidaria (BRIDGE et al., 1995), como grupo-irmão deste filo (BORCHIELLINI et al., 2001), ou ainda como grupo-irmão de Bilateria (COLLINS, 2002). Sua inclusão em Cnidaria não se sustenta, entretanto, a partir das análises combinadas de RNAr 18S, estrutura do DNAmt e de dados morfológicos (BRIDGE et al., 1995), e da estrutura secundária da molécula de RNAr 16S do genoma mitocondrial (ENDER; SHIERWATER, 2003). Mas, como já citado acima, apesar de toda essa incerteza persistente quanto às suas relações aos outros metazoários, análises de RNAr 18S indicam fortemente que os Placozoa estão localizados dentro de um clado monofilético contendo os Cnidaria e os Bilateria, excluindo Porifera e Ctenophora (COLLINS 1998; KIM et al. 1999).

Figura 2.1: Relações filogenéticas entre táxons metazoários basais, baseadas amplamente em dados moleculares. Detalhes são discutidos no texto.

Os dados DNAr 23S de Odorico e Miller (1997) não sustentam as relações entre os placozoários e os cnidários, sugeridas pelos estudos de RNAr 18S. Neste estudo, os Placozoa

2.2.3 Bilateria

formam o grupo-irmão dos Ctenophora, com ambos apresentando-se como o táxon-irmão dos Cnidaria. De acordo com Miller e Ball (2005), entre os poucos genes isolados de placozoários, encontram-se alguns que são expressos no sistema nervoso de cnidários. Em 34

Um grupo formado por animais de simetria bilateral, os Bilateria, apresenta-se como um táxon distinto, em contra partida a Radiata (não sustentado pelas análises moleculares), 35

há mais de um século (NILSEN, 2001). Dados moleculares os mais variados fornecem suporte

analisando dados morfológicos combinados a seqüências de RNAr 18S, apresentou

para a monofilia desse clado: RNAr 18S (GIRIBET; RIBERA, 1998; MEDINA et al., 2001),

Acoelomorpha (Acoela + Nemertodermatida) como grupo basal, seguido de dois grandes clados:

RNAr 28S (MEDINA et al., 2001), destas duas moléculas combinadas (MEDINA et al., 2001),

o primeiro contendo os briozoários como grupo irmão de (Brachiopoda+Phoronida) +

RNAr 18S combinado a dados morfológicos (ZRZAVÝ et al., 1998; ZRZAVÝ, 2003;

Deuterostomia. Em conjunto eles têm como grupo-irmão Gastrotricha-Ecdysozoa. O outro grupo

GLENNER et al., 2004), estrutura secundária de RNAr 18S (TELFORD et al., 2005), seqüências

mostrou-se constituído pelos táxons restantes, compondo os Spiralia. Um outro trabalho, realizado por Ruiz-Trillo et al. (2002), utilizando seqüências

de genes protéicos mitocondriais (RUIZ-TRILLO et al., 2004), seqüências da cadeia pesada II de

para a cadeia pesada II da miosina e de RNAr 18S aponta os Deuterostomia como irmão de

miosina combinada a RNAr 18S (RUIZ-TRILLO et al., 2002). A princípio, a maioria dessas análises tem dividido os bilatérios em três grandes

Ecdysozoa nas análises para a primeira molécula sozinha, com ambos tendo Lophotrochozoa

clados, Deuterostomia, Ecdysozoa e Lophotrochozoa (os dois últimos compondo os Protostomia),

como irmão. Porém, as análises combinadas e de RNAr 18S somente obtiveram Protostomia

com outros grupos, tais como Acoela, Nemertodermatida, Myxozoa e Orthonectida aparecendo

monofilético, tendo Deuterostomia como grupo-irmão.

basais dentro dos Bilateria (fig. 2.2). Normalmente, a posição desses táxons basais é mais

Existe grande interesse em se determinar qual dos táxons bilatérios atuais é o mais

instável, como bem exemplificado nas análises combinadas de dados morfológicos a RNAr 18S

basal. Atualmente, existem alguns candidatos principais: os Acoela, os Nemertodermatida, os

realizadas por Zrzavý e colaboradores (1998).

Myxozoa e os Orthonectida. Um resumo dos dados fornecendo suporte para a inclusão destes grupos em Bilateria é fornecido na tabela 2.2.

Tabela 2.2- Táxons bilatérios basais com base em dados moleculares Hipótese filogenética

Dados suportea

Acoela como bilatério basal

18S, 18S DNAmit

Nemertodermatida como bilatério basal

18S, 18S + 28S, 18S + morf, 18S + COI + Cytb, miosina II, 18S + miosina II, DNA mit

Myxozoa como bilatério basal

18S, Hox

Orthonectida como bilatério basal

18S

+

28S,

18S

+

morf,

miosina

II,

a

Figura 2.2: Relações entre os grandes táxons de Bilateria, baseadas amplamente em dados moleculares. Os numerais acima dos nós caracterizam os clados Bilateria (1) e Protostomia (2). Detalhes são discutidos no texto.

Para obter as fontes desses dados, veja o texto para maiores esclarecimentos. Nota: Abreviações dos dados como na tabela 2.1, exceto por: miosina II (cadeia pesada II da miosina), COI (citocromo oxidase I), Cytb (citocromo oxidade b) e DNAmit (dados referentes ao genoma mitocondrial).

2.2.3.1 Acoela e Nemertodermatida Estudos envolvendo dados moleculares, que obtiveram Bilateria monofilético, mas não com a topologia usual entre os grandes grupos (Bilateria dividido em Deuterostomia e Protostomia, com este constituído por Ecdysozoa e Lophotrochozoa) são poucos. Zrzavý (2003), 36

37

Algumas poucas análises combinando dados morfológicos e RNAr 18S

Uma série de estudos moleculares utilizando o RNAr 18S sugerem uma posição

(PETERSON; EERNISSE, 2001; ZRZAVÝ, 2003), de seqüências da cadeia pesada II de miosina

derivada dentro de Platyhelminthes para os Nemertodermatida (CARRANZA et al., 1997; RUIZ-

(RUIZ-TRILLO et al., 2002) e de genes mitocondriais que codificam proteínas (RUIZ-TRILLO

TRILLO et al., 1999; LITTLEWOOD et al., 1999b). Porém todos eles utilizaram a mesma

et al., 2004), assim como de seqüências combinadas das moléculas de RNAr 18S a RNAr 28S

seqüência para o nemertodermatídeo, o qual foi posteriormente considerado como tendo sido mal

(TELFORD et al., 2003) têm sugerido um clado onde Acoela e Nemertodermatida aparecem

identificado (LITTLEWOOD et al., 2001).

como grupos-irmãos, na base dos Bilateria. Este táxon, nomeado Acoelomorpha, é normalmente

Um outro tipo de dados, bastante interessante, que sugere uma posição basal para

reconhecido em estudos morfológicos (revisto em NIELSEN, 2001), embora esteja presente

os Acoela e Nemertodermatida em Bilateria está relacionado ao código genético mitocondrial

como um ramo basal de um táxon Platyhelminthes monofilético.

apresentado por eles, que aparentemente corresponde à condição primitiva compartilhada com

A maior parte dos estudos moleculares, porém, trás os Acoela como o grupo mais

outros invertebrados (RUIZ-TRILLO et al., 2004). Telford et al. (2000) mostraram que os

basal dentro de Bilateria, não compondo Acoelomorpha. Isto é verdade para estudos utilizando

Acoela, Nemertodermatida e Catenulida codificam os aminoácidos metionina (Met) e lisina

RNAr 18S (CARRANZA et al., 1997; LITTLEWOOD et al., 1999a; RUIZ-TRILLO et al., 1999;

(Lys), a partir dos códons AUA e AAA, respectivamente, enquanto que os Platyhelminthes senso

PETERSON; EERNISSE, 2001) e dados morfológicos combinados a RNAr 18S (ZRZAVÝ et

estrito codificam os aminoácidos isoleucina (Ile) e asparagina (Asn), a partir desses mesmos

al., 1998). Apesar de sua alta instabilidade nas análises (p.ex., GIRIBET et al., 2000), os

códons. AAA codificando para Asn é considerado uma sinapomorfia dos Rhabditophora.

Nemertodermatida aparecem como o segundo grupo mais basal dentro dos Bilateria, sendo antecedidos somente pelos Acoela, como se pode ver em diversos estudos utilizando a molécula de RNAr 18S sozinha (JONDELIUS et al., 2002; RUIZ-TRILLO et al., 2002), combinada à

2.2.3.2 Myxozoa

cadeia pesada II de miosina (RUIZ-TRILLO et al., 2002), a dados de morfologia (LITTLEWOOD et al., 1999a), ao RNAr 28S (TELFORD et al. 2003) e a dois genes mitocondriais (COI e Cytb) (JONDELIUS et al., 2002) (Tab. 2.2).

Desde sua descoberta, os mixozoários têm sido considerados como um táxon de

Uns poucos estudos sugerem os Acoela inseridos nos Platyhelminthes, como é o caso das análises de RNAr 18S e combinadas desta molécula a dados morfológicos realizadas por

protozoários. Porém, já em 1899, Štolc reconheceu sua natureza metazoária, com base na presença de esporos multicelulares (KENT et al. 2001).

Giribet et al. (2000), assim como as das seqüências do fator de EF-1Ĵ apresentadas por Berney et

Análises de RNAr 18S (SMOTHERS et al., 1994; PAWLOWSKI et al., 1996;

al. (2000). Neste caso, entretanto, o suporte estatístico é muitíssimo baixo e, ainda, Littlewood et

KIM et al., 1999) e de genes Hox (ANDERSON et al., 1998) têm corroborado a possibilidade de

al. (2001) tentaram resolver as relações entre acelos e outros platelmintes rabditóforos utilizando

uma origem metazoária para os Myxozoa, colocando-os na base dos animais bilatérios.

essa mesma molécula sem conseguir maiores resoluções. Estes autores concluíram que tal

Porém, Siddall et al. (1995 apud ANDERSON et al., 1998) realizaram análises

molécula não é apropriada para as análises em questão, uma vez que outros táxons fortemente

combinadas de RNAr 18S, morfologia e considerando o desenvolvimento das cápsulas polares de

sustentados por outras análises moleculares, como Bilateria e Deuterostomia, aparecem

mixozoários, sugerindo que eles estariam incluído nos cnidários, tendo como grupo-irmão uma

polifiléticos.

forma aberrante de Narcomedusae (Cnidaria), Polypodium hydriforme. Um resultado parecido foi Um outro estudo utilizando três seqüências de RNAr 18S de representantes dos

obtido por Kim et al. (1999), numa de suas análises. Porém, diferentemente do trabalho de

Acoela, apresentou uma delas na base dos Bilateria, enquanto que as outras duas apareceram

Siddall et al. (1995), o clado Myxozoa + P. hydriforme apareceu fora de Cnidaria, como grupo-

derivadas dentro dos Platyhelminthes restantes (CAMPOS et al., 1998). 38

39

irmão dos Bilateria. Porém, esses autores acreditam que o agrupamento Myxozoa + P.

monofilético somente num estudo de filogenia molecular utilizando seqüências de RNAr 18S

hydriforme se deve ao efeito de artefatos de ramos longos.

(GIRIBET; RIBERA, 1998).

Smothers et al. (1994) utilizaram uma série de métodos de análise filogenética

Os trabalhos de Pawlowski et al. (1996) e Hanelt et al. (1996), ambos utilizando

para dados moleculares e várias espécies representantes dos mixozoários. Este grupo apresentou

seqüências de RNAr 18S, obtiveram resultados muito parecidos, sugerindo uma posição bastante

uma espécie de nematódeo como grupo-irmão, com o clado formado desta união tendo os

sustentada na base dos Bilateria, para a espécie de ortonectídeo utilizada (Rhopalura

Bilateria restantes como grupo-irmão. No entanto, os nematódeos são sabidamente causadores de

ophiocomae), somente antecedida pelos mixozoários (PAWLOWSKI et al., 1996) ou compondo

efeitos de ramos-longos, como bem reportado no estudo de Aguinaldo et al. (1997). E uma

uma politomia com mixozoários, nematódeos e rombozoários (PAWLOWSKI et al., 1996;

topologia com os mixozoários como grupo-irmão de todos os Bilateria não pode ser rejeitada, de

HANELT et al., 1996). Entretanto, todos estes táxons apresentam ramos longos, com as relações

acordo com os autores (SMOTHERS et al., 1994).

entre os ortonectídeos a outros grupos não podendo ser resolvida seguramente, apesar de sua

Atualmente, duas classes são reconhecidas com base em análises RNAr 18S,

inclusão nos Bilateria receber bastante suporte.

dentro dos Myxozoa: os Malacosporea, abrigando duas espécies conhecidas por infectarem briozoários, em parte de seu ciclo de vida; e os Myxosporea, que infectam geralmente verme oligoquetas, num estádio do seu ciclo (OKAMURA; CANNING, 2003). Estudos de RNAr 18S

2.2.3.4 Bilateria Remanescente

têm sugerido que um verme, há muito, enigmático (Buddenbrockia plumatellae) corresponde a um estádio no desenvolvimento de Tetracapsula bryozoides, um dos integrantes dos Malacosporea (MONTEIRO et al., 2002 apud ZRZAVÝ; HYPŠA, 2003).

Tendo tratado dos bilatérios basais, passar-se-á ao restante deste táxon, que, como

Uma série de estudos ultraestruturais tem confirmado a natureza triploblástica de B. plumatellae (revisto em OKAMURA; CANNING, 2003), de modo que uma relação com os

já discutido acima, tem sido dividido normalmente em três grandes clados: Deuterostomia, Ecdysozoa e Lophotrochozoa (fig. 2.2).

cnidários parece pouco provável.

2.2.3.4.1 Deuterostomia 2.2.3.3 Orthonectida

Análises filogenéticas envolvendo dados de biologia molecular do reino animal Classicamente, os ortonectídeos são considerados juntamente aos Rhombozoa no

têm apresentado os deuterostômios na forma de um clado monofilético (GIRIBET et al., 2000;

táxon Mesozoa, um grupo de afinidades controversas dentro do reino animal, ora considerado

PETERSON; EERNISSE, 2001;GLENNER et al., 2004). Wada e Satoh (1994) reconheceram

como turbelários degenerados, ou como animais pluricelulares primitivos relacionados aos

cinco táxons principais dentro dos animais deuterostômios (hemicordados, equinodermados,

protistas ciliados (PAWLOWSKI et al., 1996).

tunicados, cefalocordados e vertebrados), baseado em análises de seqüências de RNAr 18S.

Embora todas as análises moleculares (KATAYAMA et al., 1995; HANELT et al.,

Outros trabalhos têm apresentado os mesmos resultados, utilizando esta molécula, sozinha e

1996; PAWLOWSKI et al., 1996; GIRIBET; RIBERA, 1998; KOBAYASHI et al., 1999)

combinada a dados morfológicos (GIRIBET et al., 2000; PETERSON; EERNISSE, 2001;

concordem quanto a uma posição dentro dos Bilateria para os mesozoários, o clado aparece

GLENNER et al., 2004).

40

41

Outros tipos de dados moleculares sustentando o clado deuterostômio incluem

Embora as análises de Bourlat et al. (2003) tenham sugerido uma posição basal

LSU (RNAr’s 28S e parte do 5.8S) e desta molécula combinada à de RNAr 18S (WINCHELL et

para os tunicados dentro do clado Deuterostomia, os resultados de suas análises não puderam

al., 2002), assim como seqüências da cadeia pesada II da miosina sozinhas e combinadas a de

rejeitar estatisticamente Chordata monofilético.

RNAr 18S (RUIZ-TRILLO et al., 2002) e estrutura secundária de RNAr 18S (TELFORD et al., 2005).

Winchell et al. (2002), consideram ainda a possibilidade de uma tricotomia entre os táxons Tunicata, Ambulacraria e Notochordata. As análises de RNAr 18S de Zrzavý et al.

Mais recentemente, as análises realizadas por Bourlat et al. (2003), utilizando

(1998) também sugerem este resultado.

seqüências de RNAr 18S e do gene mitocondrial COI, assim como a disposição dos genes na fita

Recentemente, análises realizadas para 71 genes apontaram para uma relação de

de DNA mitocondrial, introduziram Xenoturbella bocki, uma espécie vermiforme de relações

grupo-irmão entre tunicados e vertebrados (PHILIPPE et al., 2005). Entretanto, os autores

filogenéticas enigmáticas, no clado Deuterostomia.

incluíram poucas espécies dos táxons deuterostômios, com X. bocki e representantes do grupo

Dentro de Deuterostomia, um clado formado por Echinodermata e Hemichordata

Hemichordata não estando presentes.

(Ambulacraria), assim como um táxon composto por Cephalochordata e Craniata (Notochordata),

Dentro dos Tunicata, os Larvacea têm aparecido freqüentemente como o grupo-

vêm sendo estabelecidos, de acordo com as análises de dados moleculares (Tab. 2.3). Por outro

irmão do restante dos tunicados nas análises de RNAr 18S (WADA; SATOH, 1994; WADA,

lado, embora a inclusão dos Tunicata junto aos outros grupos deuterostômios esteja bastante

1998; WINCHELL et al., 2002), SSU e combinadas de LSU e RNAr 18S (WINCHELL et al.,

clara, suas relações a estes permanecem ainda muito difíceis de determinar.

2002). Nas análises filogenéticas realizadas por Swalla et al. (2000), os larváceos aparecem como o grupo-irmão dos tunicados restantes nas análises de NJ e ME, mas formam uma

2.2.3.4.1.1 Tunicata

politomia

junto

aos

doliolídeos,

salpídeos,

um

clado

compreendendo

os

Phlebobranchiata+Pyrossomida e os Stolidobranchiata. Assim, sua posição não pode ser definida inequivocamente (SWALLA et al., 2000). Dentro do clado Deuterostomia, o posicionamento dos Tunicata parece ser o mais

Outro resultado interessante que tem sido sugerido pelas análises moleculares é o

problemático. Várias posições já foram sugeridas pelos estudos moleculares: grupo-irmão dos

status parafilético da classe Ascidiacea (Tab. 2.3). A relação de grupo-irmão entre

Notochordata (CAMERON et al., 2000; RNAr 18S em WINCHELL et al., 2002), irmão dos

Phlebobranchiata e Thaliacea tem sido apontada por diversos tipos de análises, como as das

Craniata (morfologia + RNAr 18S em ZRZAVÝ et al., 1998; GIRIBET et al., 2000), irmão dos

seqüências de LSU e combinados de LSU e RNAr 18S (WINCHELL et al., 2002), de RNAr 18S

Ambulacraria (WADA; SATOH, 1994), ou basal aos deuterostômios, como sugerido pelas

(WADA, 1998; SWALLA et al., 2000; STACH; TURBEVILLE, 2002) e combinadas de RNAr

análises de RNAr 18S (WINCHELL et al., 2002; BOURLAT et al., 2003; GLENNER et al.,

18S com dados morfológicos (STACH; TURBEVILLE, 2002). Dados relacionados ao genoma

2004) e combinadas desta molécula a LSU (WINCHELL et al., 2002).

mitocondrial, tais como seqüências de genes codificadores de proteínas e utilização de

Análises combinadas de dados morfológicos e RNAr 18S sustentam Tunicata como grupo-irmão de um clado que se bifurca em Notochordata e Ambulacraria (GLENNER et al., 2004).

determinados anticódons em RNAt’s sustentam um clado formado por Phlebobranchiata e Thaliacea (YOKOBORI et al., 2005). Por outro lado, as ascídias apareceram monofiléticas nos estudos de RNAr 18S efetuados por Winchell et al. (2002). Porém, este resultado recebeu baixo suporte estatístico.

42

43

Na primeira análise filogenética molecular em que ascídias aplousobrânquias

dos deuterostômios, como aquelas entre as representantes de grupo-externo a este (WINCHELL

foram incluídas (STACH; TURBEVILLE, 2002), a introdução dos Larvacea na classe Ascidiacea

et al., 2002). Assim, serão tratados nesta seção somente os Notochordata, com os Tunicata

fortaleceu a hipótese da mesma ser parafilética. Uma análise de RNAr 18S (MP) colocou-os

recebendo uma abordagem, posteriormente.

como grupo-irmão dos Aplousobranchiata, enquanto que outra (NJ) posicionou-os como grupo-

Os Notochordata aparecem monofiléticos em análises de RNAr 18S (WADA;

irmão dos (Stolidobranchiata (Phlebobranchiata + Thaliacea)), com os Aplousobranchiata sendo

SATOH, 1994; CAMERON et al., 2000; WINCHELL et al., 2002; BOURLAT et al. 2003), LSU

o grupo-irmão de todos os tunicados restantes. Análises combinadas de dados morfológicos e de

e combinadas desses dados (WINCHELL et al., 2002). Glenner et al. (2004) também apresentam

RNAr 18S sugeriram a formação de uma tricotomia com um clado formado pelos

evidências para esta união, a partir de análise combinada de dados morfológicos e RNAr 18S. O genoma mitocondrial de Branchiostoma floridae (Cephalochordata) difere do

Aplousobranchiata + Larvacea, Stolidobranchiata e Phlebobranchiata + Thaliacea. Os estudos realizados por Turon e López-Legentil (2004) das seqüências nucleotídicas do gene mitocondrial COI, assim como da sua seqüência de aminoácidos deduzida,

arranjo comum encontrado em vertebrados somente pela posição de quatro genes que codificam RNAt’s (BOORE et al., 1999).

apresentaram resultados controversos para as relações dentro da classe Ascidiacea. As análises

Por outro lado, o códon AGA não é lido como códon terminal nos anfioxos, algo

realizadas para as seqüências nucleotídicas resultaram em Phlebobranchiata localizado na base,

que ocorre nos vertebrados, mas codifica o aminoácido glicina da mesma maneira que nos

com os Stolidobranchiata formando o grupo irmão dos Aplousobranchiata mais derivados. As

tunicados. Algumas seqüências de aminoácidos deduzidas a partir das seqüências nucleotídicas

análises da seqüência de aminoácidos deduzida, entretanto, sugeriram os Phlebobranchiata como

de genes codificadores de proteínas no genoma mitocondrial de B. lanceolatum apresentam maior

irmãos dos Aplousobranchiata, enquanto que os Stolidobranchiata localizariam-se mais à base.

semelhança com seus ortólogos em Paracentrotus (Echinodermata: Echinoidea) do que com

De qualquer forma, as ascídias do táxon Aplosobranchiata foram consideradas mais derivadas em

vertebrados, embora o contrário também ocorra (SPRUYT et al., 1998). Spruyt et al. (1998) só

todas as análises, embora integrantes de outras classes de Tunicata não tenham sido analisados.

conseguiram obter uma topologia convencional, analisando as seqüências de genes mitocondriais, quando utilizaram subconjuntos de sítios associados com resíduos importantes para o dobramento de proteínas.

2.2.3.4.1.2 Notochordata

2.2.3.4.1.2.1 Craniata Geralmente o filo Chordata aparece dividido em três subfilos: Tunicata (=Urochordata), Cephalochordata e Craniata. Entretanto, a posição dos tunicados tem-se mostrado bastante inconstante dentro do clado Deuterostomia, como na seção anterior, enquanto

Os dados moleculares têm mostrado com bastante freqüência que, dentro de

que a relação de grupo-irmão entre Cephalochordata e Craniata vem emergindo continuamente

Craniata, há duas linhagens principais: a dos Ciclostomata (composta por feiticeiras e lampreias)

nos estudos de filogenia molecular. Nielsen (1995) propõe o termo Notochordata para a união

e a dos gnatostomados (Tab. 2.3). Esta visão é suportada pelas análises filogenéticas de

entre esses dois grupos.

seqüências nucleotídicas dos genes LSU (WINCHELL et al., 2002), RNAr 18S (STOCK;

O único trabalho que apresentou o táxon Chordata monofilético, com suportes

WHITT, 1992; WINCHELL et al., 2002) e combinadas desses genes (WINCHELL et al., 2002),

estatísticos altos foi o realizado por Cameron et al. (2000), de acordo com Winchell et al. (2002).

de genes mitocondriais que codificam proteínas (DELARBRE et al., 2002) e uma série de genes

Este resultado só foi obtido após a exclusão de espécies apresentando ramos longos, tanto dentro

nucleares que codificam proteínas das famílias PTK (SUGA et al., 1999) e PTP (ONO-

44

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KOYANAGI et al., 2000). Análises combinadas de dados morfológicos e de RNAr 18S

os ciclostomados parafiléticos, com os Myxinoidea irmão dos craniados restantes, e outra

corroboram estas relações (TURBEVILLE et al., 1994).

considerando os ciclostomados monofiléticos.

Num trabalho analisando uma série de genes nucleares- que codificam as proteínas reticulina, isomerase triose fosfato, as subunidades maiores das RNA polimerases II e III e Mn

As relações dentro do táxon Gnathostomata são de menor interesse no presente trabalho e não serão tratadas aqui.

SOD- e numa tentativa de estabelecer as relações filogenéticas de lampreias, feiticeiras e gnatostomados, Kuraku et al. (1999) obtiveram o táxon ciclostomado em todas as suas árvores. Entretanto, somente a análise da seqüência de aminoácidos da isomerase triose fosfato apresentou

2.2.3.4.1.3 Xenoturbellida + Ambulacraria

suporte estatístico. No mesmo trabalho, os autores expõem as análises de genes que codificam as proteínas aldolase, componentes complementares do sistema imune e enolases em vertebrados. Também apresentam os ciclostomados monofiléticos, embora apenas a aldolase tenha exibido

2.2.3.4.1.3.1 Xenoturbellida

suporte estatístico. Porém, no caso das enolases, a enolase-1 das lampreias agrupou-se à dos gantostomados, enquanto que a enolase-2 juntou-se à enolase da feiticeira (KURAKU et al., 1999).

Análises iniciais de RNAr 18S realizadas por Norén e Jondelius (1997) situaram Os genomas mitocondriais das feiticeiras Myxine glutinosa (RASMUSSEN et al.,

Xenoturbella bocki num clado, junto a anelídeos, moluscos, equiúros, entoproctos, ectoproctos,

1998) e Eptatretus burgeri (DELARBRE et al., 2002) apresentam arranjos muito semelhantes aos

foronídeos, braquiópodes e nemertíneos. Neste mesmo trabalho, os autores realizaram análises

dos craniados, no que diz respeito à disposição de genes codificadores de proteínas. No caso das

das seqüências do gene mitocondrial que codifica a proteína COI. Esta análise incluiu X. bocki

lampreias, a ordem desses genes difere bastante da dos craniados restantes, incluindo feiticeiras

em um táxon junto a um bivalvo protobrânquio, dentro de Protostomia. Uma análise combinada

(DELARBRE et al., 2000). Porém, suas seqüências de genes codificadores de proteínas

dessas duas moléculas, com a exclusão dos platelmintes, apresentou o mesmo resultado que a

sustentam o táxon Ciclostomata, em dois dos três métodos de reconstrução filogenética utilizados

análise de COI. Porém, estudos desenvolvidos por Bourlat et al. (2003) demostraram que os

por esses autores.

resultados apontados pelos outros autores foram observados devido à contaminação dos

O táxon Ciclostomata aparece parafilético, com Myxinoidea irmão dos craniados restantes, nas diversas análises realizadas por Rasmussen et al. (1998). No entanto, nenhuma

espécimes utilizados, por embriões de bivalvos ingeridos em sua alimentação. As análises de RNAr 18S realizadas por Bourlat et al. (2003) colocam Xenoturbella como um ramo basal aos Ambulacraria. Análises de ordem genética mitocondrial

delas apresentou suporte estatístico. Castresana et al. (1998b) também apresentam o táxon Ciclostomata parafilético,

também suportam seu agrupamento junto aos deuterostômios. O estudo das seqüências de COI

com uma das suas metodologias de reconstrução filogenética (NJ). Porém, análises com o método

sugeriram que Xenoturbella encontra-se relacionada aos deuterostômios, embora como grupo-

ML sugerem a monofilia dos ciclostomados.

irmão dos hemicordados. Entretanto, os genes COI e COII em Xenoturbella mostram que o

Por fim, o trabalho de Delarbre et al. (2000), onde esses autores determinam a

códon ATA codifica metionina, como nos outros animais, e não isoleucina, uma apomorfia dos

seqüência do genoma mitocondrial da lampreia Lampetra fluviatilis, uma enorme quantidade de

ambulacrários. Outra característica que se opõem ao agrupamento de Xenoturbella aos

métodos empregada na reconstrução das relações filogenéticas entre feiticeiras, lampreias e

hemicordados correponde à utilização do códon AAA, o qual codifica asparagina nos

gnatostomados não foi capaz de escolher entre duas árvores mais freqüentes: uma considerando

equinodermados e se encontra ausente nos hemicordados, mas é responsável pela codificação de lisina na maioria dos animais e em Xenoturbella.

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As análises de Telford et al. (2005) realizadas para estrutura secundária da molécula de RNAr 18S sustentam fortemente o clado formado por Xenoturbella + Ambulacraria.

enorme quantidade de análises, com base numa grande variedade de dados moleculares têm suportado a hipótese Ambulacraria (Tab. 2.3). Análises de seqüências de RNAr 18S (HALANYCH, 1995, 1996a; ZRZAVÝ et al., 1998; BROMHAM; DEGNAN, 1999; PETERSON; EERNISSE, 2001; MALLATT;

Tabela 2.3- Hipóteses filogenéticas sugeridas por dados moleculares dentro do clado

WINCHELL, 2002; WINCHELL et al., 2002; GLENNER et al., 2004), de LSU e combinadas de

Deuterostomia.

RNAr 18 e LSU (MALLATT; WINCHELL, 2002; WINCHELL et al., 2002), de DNA

Hipótese filogenética

Dados suportea

mitocondrial (CASTRESANA et al., 1998a; BROMHAM; DEGNAN, 1999), combinadas de

Deuterostomiab

18S, 28S, 18S + 28S, 18S + morf., miosina II + 18S, miosina II, est. sec. 18S

DNA mitocondrial e RNAr 18S (BROMHAM; DEGNAN, 1999), assim como de RNAr 18S a

Ambulacraria

18S, 28S, 18S + 28S, DNAmit DNAmit + 18S, 18S + morf, cód. mit.

2001; GLENNER et al., 2004) suportam esta união.

Hemichordata

18S, 28S, 18S + 28S

Ambulacraria, de maneira muito elegante. Estes pesquisadores determinaram a seqüência do

Enteropneusta parafilético

18S, 18S + 28S

DNA mitocondrial de Balanoglossus carnosus (Enteropneusta). Na maioria dos animais, o códon

Notochordata

18S, 28S, 18S + 28S, DNAmit, 18S + morf

AAA no genoma mitocondrial codifica o aminoácido lisina. Nos equinodermados, ele é

Ciclostomata

18S, 28S, 18S + 28S, DNAmit, proteínas proteínas PTP, proteína isomerase fosfato, proteína aldolase

dados morfológicos (ZRZAVÝ et al., 1998; GIRIBET et al., 2000; PETERSON; EERNISSE,

Castresana et al. (1998a) apresentaram outras evidências para a hipótese

PTK, triose

responsável por codificar asparagina, encontrando-se ausente nas seqüências do DNA mitocondrial do enteropneusto. Em B. carnosus, o gene que codifica o RNAt da lisina exibe uma substituição na região do anticódon, de modo que o seu produto (RNAtLys) não consegue

Xenoturbella dentro de Deuterostomia

18S, COI, ordem genética mitocondrial

reconhecer o códon AAA, limitando-se à identificação do códon AAG. Outra característica ainda

Ascidiacea parafilético

18S, 28S, 18S + 28S, DNAmit

presente no genoma mitocondrial desses animais, é que o gene para o RNAtAsn não sofreu uma

cód. mit. a

Para obter as fontes desses dados, veja o texto para maiores esclarecimentos. b Deuterostomia senso estrito, incluindo os táxons Tunicata, Cephalochordata, Craniata, Hemichordata e Echinodermata. Nota: Abreviações dos dados como nas tabelas 2.1 e 2.2, exceto por: cód. mit. (dados do código genômico mitocondrial).

modificação que tornaria seu produto (RNAtAsn) capaz de reconhecer o códon AAA, como ocorre nos equinodermados. Assim, os autores concluem que o genoma mitocondrial dos hemicordados representa um intermediário no processo de redesignação dos códons AAA mitocondrias, onde a maioria dos metazoários apresenta a condição ancestral e os equinodermados, a situação derivada. Apesar da filogenia estimada a partir de seqüências inferidas para as proteínas

2.2.3.4.1.3.2 Ambulacraria

mitocondriais de B. carnosus sugerir uma posição de grupo-irmão dos equinodermados, seu DNA mitocondrial exibe uma mistura de características, algumas das quais são compartilhadas com os Metschinikoff (1881 apud HALANYCH, 2004) propôs a união entre os táxons

cordados e outras, com os equinodermados. Os hemicordados compartilham aspectos de seu

Echinodermata e Enteropneusta, baseando-se em semelhanças apresentadas pelas larvas destes

código genético, motivos seqüenciais na região controladora, alta similaridade dos dois genes de

dois grupos. Ele sugeriu o termo Ambulacraria para tal agrupamento. Nos últimos dez anos, uma

RNAtLeu e a presença de uma extensão N-terminal de ND5 com os equinodermados. Por outro lado, a ordem geral dos genes mitocondriais dos hemicordados é bastante semelhante àquela dos

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vertebrados, possuindo altas diferenças em relação às dos equinodermados. Análises das

tendo origem dentro deles, embora os autores afirmem no texto, que estes dois táxons apresentam

seqüências de aminoácidos deduzidas a partir de seqüências nucleotídicas concatenadas, para

relação de grupo-irmão.

doze proteínas mitocondriais, sustentam a relação de grupo-irmão entre hemicordados e equinodermados com altos valores de confiança (CASTRESANA, 1998a).

Outra questão que vem sendo apresentada pelas análises moleculares diz respeito ao status parafilético dos enteropneustos (Tab. 2.3). Análises das seqüências de RNAr 18S

Higgs et al. (2003) também fornecem evidências para o agrupamento de

(HALANYCH, 1995; CAMERON et al., 2000; WINCHELL et al., 2002) e combinadas de LSU a

Echinodermata e Hemichordata em Ambulacraria, a partir de dados do genoma mitocondrial.

RNAr 18S (WINCHELL et al., 2002) mostram os pterobrânquios surgindo de dentro dos

Neste estudo, os autores mostraram que as seqüências do gene que codifica o RNAt para leucina

enteropneustos, tendo a família Harrimaniidae como grupo-irmão. Entretanto, as análises de

do tipo L2 de todos os deuterostômios são agrupadas num mesmo ramo. Junto a este, encontram-

RNAr 28S, somente, colocam os pterobrânquios como grupo-irmão dos enteropneustos

se as seqüências, de equinodermados e hemicordados, para o gene RNAt de leucina tipo L,

(WINCHELL et al., 2002).

enquanto que os RNAt’s de mesmo tipo para os cordados são agrupados em outro ramo da árvore. Os autores concluem que uma duplicação do gene L2 ocorreu nos ambulacrários, de forma que a cópia sofreu mutação no terceiro códon, originando um do tipo L. Daí o

2.2.3.4.1.3.2.2 Echinodermata

agrupamento no mesmo ramo de sua árvore. O RNAt de Leucina original foi perdido nos Ambulacraria. A explicação sugerida pelos autores é que houve uma duplicação num ancestral comum dos ambulacrários, com o genoma mitocondrial do hemicordado não tendo sofrido

Os equinodermados atuais estão subdivididos em cinco classes: Crinoidea

muitos rearranjos, permanecendo semelhante ao dos cordados, enquanto que o dos

(Subfilo Pelmatozoa), Asteroidea, Ophiuroidea, Echinoidea e Holothuroidea (as últimas quatro

equinodermados sofreu vários rearranjos.

no subfilo Eleutherozoa). As análises de dados moleculares têm enfrentado grandes dificuldades para resolver as relações filogenéticas dentro do filo Echinodermata. A divisão entre Pelmatozoa e Eleutherozoa é sustentada por reconstruções filogenéticas baseadas em RNAr 18S

2.2.3.4.1.3.2.1 Hemichordata

(LITTLEWOOD et al., 1997; MCCORMACK et al., 2000), em LSU (LITTLEWOOD et al., 1997; WINCHELL et al., 2002) e combinadas de RNAr 18S, 28S e dados morfológicos Os hemicordados viventes estão agrupados dentro de três classes: Enteropneusta, Pterobranchia e Planctosphaeroidea, cuja única espécie, Planctosphaera pelágica, acredita-se ser

(LITTLEWOOD et al., 1997). Entretanto, as análises de RNAr 18S realizadas por Winchell et al. (2002) não apresentam suporte estatístico alto, embora concordem com este resultado.

o estádio larval de um hemicordado adulto, mais precisamente de um enteropneusto (BRUSCA; BRUSCA, 2003).

Scouras e Smith (2001) analisaram os genes mitocondriais COI, COII e COIII e observaram que os ofiuróides apresentam taxas evolutivas muito altas para estas moléculas.

A monofilia dos hemicordados dentro dos deuterostômios tem sido suportada por análises filogenéticas de RNAr 18S (HALANYCH, 1995, 1996a; CAMERON et al., 2000;

Somente quando eles são excluídos das análises, os crinóides formam o grupo-irmão dos Eleutherozoa.

WINCHELL et al., 2002), de LSU e combinadas de deste a RNAr 18S (WINCHELL et al.,

Outra relação que vem mostrando-se de maneira bastante freqüente é a de grupo-

2002). Entretanto, no trabalho de PETERSON e EERNISSE (2001), a árvore obtida a partir da

irmão entre as classes Echinoidea e Holothuroidea, formando os Echinozoa. Análises de RNAr

análise de seqüências de RNAr 18S mostra os Hemichordata parafiléticos, com os Echinodermata

28S (LITTLEWOOD et al., 1997; WINCHELL et al., 2002), RNAr 18S (LITTLEWOOD et al.,

50

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1997; MCCORMACK et al., 2000; WINCHELL et al., 2002), assim como combinadas de todos esses dados (LITTLEWOOD et al., 1997) suportam a relação de grupo-irmão entre pepinos e ouriços-do-mar. Porém, as análises dos genes mitocondriais COI, COII e COIII, realizadas por Scouras e Smith (2001), agruparam os asteróides junto aos equinóides, com os holoturóides divergindo no início dos Eleutherozoa. No entanto, o posicionamento dos pepinos-do-mar junto aos ouriços-do-mar não difere de maneira estatisticamente significante do posicionamento destes junto aos asteróideos. As análises baseadas na ordem de genes mitocondriais suportam o agrupamento entre pepinos e ouriços, embora exista uma grande variação de arranjos genéticos mitocondriais dentro deste filo, sugerindo que há uma limitação na utilização destes dados (SCOURAS; SMITH, 2001). O que fica mais difícil de se estabelecer são as relações entre Echinozoa, Asteroidea e Ophiuroidea, dentro dos Eleutherozoa. Mccormack et al. (2000) sugerem os Asteroidea como grupo-irmão de um clado contendo Ophiuroidea, com base nas seqüências de

Figura. 2.3: Relações entre os grandes táxons de Deuterostomia, baseadas amplamente em dados moleculares. Os numerais acima dos nós caracterizam os clados Deuterostomia (1), Notochordata (2) e Ambulacraria (3). Detalhes são discutidos no texto.

RNAr 18S. Littlewood et al. (1997), com base em suas análises de RNAr’s 18S e 28S, assim como de evidência total, não conseguiram escolher entre três topologias: (Asteroidea (Ophiuroidea,Echinozoa)), ((Asteroidea, Ophiuroidea), (Echinozoa)) e (Ophiuroidea (Asteroidea,

2.2.3.4.2 Protostomia

Echinozoa)). As análises de COI, COII e COIII também não puderam resolver estas relações (SCOURAS; SMITH, 2001). Scouras et al. (2004) mostraram que a resolução das relações entre as classes de

O clado Protostomia tem aparecido monofilético num grande número de análises

equinodermados, com base em seqüências nucleotídicas e de aminoácidos concatenadas, geradas

moleculares, onde tem aparecido normalmente dividido em dois grandes clados: Ecdysozoa e

a partir dos genes mitocondriais que codificam proteínas, assim como para duas proteínas com

Lophotrochozoa (Tab. 2.4). Isto é observável em análises utilizando RNAr 18S (MALLATT;

taxas evolutivas semelhantes entre as classes, não foram capazes de fornecer árvores com valores

WINCHELL, 2002), esta molécula combinada a dados morfológicos (GLENNER et al., 2004),

altos de sustentação. Em todas as árvores, os ofiuróides exibiram ramos longos. Por fim, esses

LSU (MALLATT; WINCHELL, 2002), LSU + RNAr 18S (MALLATT; WINCHELL, 2002),

autores observaram grandíssima variação entre as classes, no que diz respeito às ordens genéticas

seqüências do gene da subunidade-Ĵ da ATPase sódio-potássio (ANDERSON et al., 2004) e pela

em seus genomas mitocondriais, considerando possível eventos convergentes de arranjo dessas

presença de genes Hox específicos (DE ROSA et al., 1999).

ordenações.

Análises multigênicas (71 genes) realizadas por Philippe et al. (2005) também Uma síntese das relações entre os maiores clados deuterostômios e dos dados

fornecendo os respectivos suportes podem ser vistos na figura 2.3 e na tabela 2.3.

apresentaram forte suporte para a hipótese de um grupo monofilético de protostômios dividido em Ecdysozoa e Lophotrochozoa, embora o primeiro estivesse representado somente por Tardigrada, Nematoda e Arthropoda, e o segundo por Mollusca, Annelida e Platyhelminthes.

52

53

Algumas análises, por outro lado, não apresentam os protostômios monofiléticos,

Embora a hipótese Lophotrochozoa tenha sido proposta com base em RNAr 18S

constituído por Spiralia (Lophotrochozoa sem os filos lofoforados) que tem por irmão um clado

apenas, em seu princípio, ela tem recebido suporte de uma ampla variedade de dados moleculares

constituído de Deuterostomia (incluindo os filos lofoforados, mas que não formam um táxon

(HALANYCH, 2004; Tab. 2.4). Isto se observa em estudos utilizando seqüências da cadeia

Lophophorata) e Gastrotricha + Ecdysozoa: análises combinadas de morfologia e RNAr 18S

pesada II da miosina e desta combinada a RNAr 18S (RUIZ-TRILLO et al., 2002), de

(ZRZAVÝ, 2003).

aminoácidos e ordem genética de genes mitocondriais (HELFENBEIN; BOORE, 2004), do gene nuclear que codifica a subunidade-Ĵ da ATPase sódio-potássio (ANDERSON et al., 2004), estrutura secundária de RNAr 18S (TELFORD et al., 2005), análise quantitativa de rearranjos

Tabela 2.4- Hipóteses filogenéticas sugeridas por dados moleculares dentro do clado Protostomia. Hipótese filogenética b

Protostomia

Lophotrochozoa

genéticos mitocondriais (LARGET et al., 2005), análise multigênica (71 genes) (PHILIPPE et al.,

Dados suportea

2005), RNAr 18S combinado a morfologia (GIRIBET et al., 2000; PETERSON; EERNISSE,

18S, 28S, 18S + 28S, sub. Ĵ ATPase, Hox, an. multig. 71

2001; ZRZAVÝ et al., 2001; GLENNER et al., 2004) e presença genes Hox específicos (DE

18S, 28S, 18S + 28S, miosina II, miosina II + 18S, DNAmit, an. multig. 71, est. sec. 18S, 18S + morf, Hox

As relações dentro de Lophotrochozoa não são bem resolvidas, com comprimentos

Ecdysozoa

18S, 28S, 18S + 28S, 18S + morf, Hox, est. sec. 18S, 18S + miosina II + EF-1Ĵ + H3, HRP a Para obter as fontes desses dados, veja o texto para maiores esclarecimentos. b Protostomia composto por Lophotrochozoa e Ecdysozoa. Nota: Abreviações dos dados como nas tabelas 2.1 e 2.2, exceto por: sub. Ĵ ATPase (gene da subunidadeĴ da ATPase sódio-potássio), an. multig. (análise multigênica), H3 (histona H3), HRP (expressão neural da “peroxidase horseradish”)

ROSA et al., 1999).

curtos para os ramos de seus grupos constituintes sendo um resultado típico nas análises de RNAr 18S (HALANYCH, 2004). Mas, à medida que outros genes, que não o RNAr 18S, e uma amostragem mais ampla de táxons vêm sendo realizadas, algumas hipóteses para as relações internas em Lophotrochozoa têm surgido; embora o suporte fornecido pelos testes estatísticos seja limitado (HALANYCH, 2004). Deste modo, dois clados podem ser reconhecidos em várias análises: um, onde se encontram Brachiopoda, Phoronida, Annelida, Mollusca, Sipuncula, Nemertini e Entoprocta, chamado Trochozoa; e outro contendo os táxons Platyhelminthes (Catenulida + Rhabditophora), Gastrotricha, Gnathostomulida, Micrognathozoa, Cycliophora e

2.2.3.4.2.1 Lophotrochozoa

Syndermata (Rotifera + Acanthocephala).

Inicialmente, o clado Lophotrochozoa foi proposto com base em análises de

2.2.3.4.2.1.1 Ectoprocta (Bryozoa)

seqüências do gene RNAr 18S, para compreender os táxons lofoforados (Brachiopoda, Phoronida e Ectoprocta), Annelida e Mollusca (HALANYCH et al., 1995). Porém, pouco tempo depois, Aguinaldo et al. (1997) anunciaram a introdução dos grupos Rotifera e Platyhelminthes.

De modo geral, apesar de sua inclusão em poucas análises, os Ectoprocta

Halanych (2004), numa extensa revisão sobre a nova filogenia animal, apresenta um consenso duma série de estudos, caracterizando os Lophotrochozoa como estando compostos, além dos táxons supracitados, ainda por Sipuncula, Nemertini, Gastrotricha, Cycliophora, Entoprocta, Gnathostomulida, Micrognathozoa, Dicyemida e Myzostomida.

aparecem como o grupo mais basal de Lophotrochozoa (HALANYCH et al., 1995; HALANYCH, 1996a, COHEN, 2000). Algumas análises de RNAr 18S (ZRZAVÝ et al., 1998; COHEN, 2000) e combinadas desta molécula a dados morfológicos (ZRZAVÝ et al., 1998) unem os ectoproctos

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aos Entoprocta. Um outro estudo utilizando esta mesma molécula (WINNEPPENINCKX et al.,

(ANDERSON et al., 2004) e RNAr 18S combinado a dados morfológicos (PETERSON;

1995a) sugere os Ectoprocta polifiléticos, com os Gymnolaemata aparecendo junto de Sipuncula,

EERNISSE, 2001)

enquanto que os Phylactolaemata agrupados aos eutrocozoários (nas análises de “neighbour-

Dados do genoma mitocondrial são outra fonte de dados importante, relacionando,

joining”) e aos artrópodes (nas de parsimônia máxima). Entretanto, os autores acreditam que o

independentemente, os Phoronida (HELFENBEIN; BOORE, 2004) e os Brachiopoda (COHEN

primeiro resultado tenha se devido ao efeito de atração de ramos longos, uma vez que o

et al., 1998; STECHMANN; SCHLEGEL, 1999; SAITO et al., 2000) aos Lophotrochozoa.

gimnolemado e o sipúnculo eram as espécies que apresentavam os maiores ramos da árvore.

Alguns dos primeiros estudos moleculares incluindo os filos Brachiopoda e

A árvore de evidência total apresentada por Giribet et al. (2000) traz os Ectoprocta

Phoronida sugeriram o primeiro parafilético em relação ao segundo (HALANYCH et al., 1995;

na base dos protostômios, somente antecedidos por um clado agrupando os Chaetognatha aos

ZRZAVÝ et al., 1998). Nas análises de Zrzavý et al. (1998), os foronídeos aparecem mais

Nemerdodermatida. No entanto, Halanych (2004) argumenta que determinados genes Hox

intimamente relacionados aos braquiópodes articulados que aos inarticulados.

presentes no genoma dos Ectoprocta relacionam-nos aos Lophotrochozoa, situando-o na base deste clado.

Embora Giribet et al. (2000) tenham demonstrado que a seqüência utilizada nos estudos de Halanych et al. (1995) e Zrzavý et al. (1998), para representar o filo Phoronida estava mal identificada, as análises de RNAr 18S realizadas por Cohen (2000) também apresentam Brachiopoda parafilético em relação a Phoronida. Porém, este autor obteve uma relação mais íntima dos foronídeos aos inarticulados, fazendo parte de uma politomia e, não obstante o suporte

2.2.3.4.2.1.2 Trochozoa

estatístico tenha sido baixo (
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