FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA AMÉRICA LATINA: UMA VISÃO SOBRE AS POLÍTICAS DA ARGENTINA, CHILE E MÉXICO

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FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA AMÉRICA LATINA: UMA VISÃO SOBRE AS POLÍTICAS DA ARGENTINA, CHILE E MÉXICO

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Belmira Oliveira Bueno (USP) - [email protected] Jaqueline Kalmus (USP)- [email protected] Elaine Furlan (PUCSP)- [email protected] M. Renata C. Duran (USP) - [email protected]  

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! A partir dos anos 1990, a América Latina foi atingida por diversas reformas educacionais, provocando enormes turbulências em praticamente todos os sistemas de ensino público da região. Em face das mudanças de toda ordem que então se anunciavam, os sistemas de ensino, muitos do quais estruturados há mais de um século, foram vistos como obsoletos, pouco eficazes, de baixa qualidade e em desacordo com o que se esperava da escola para atender as necessidades e expectativas do século XXI. Foi se tornando cada vez mais evidente que as grandes transformações que atingiam a sociedade contemporânea em seu modo de viver e de se organizar eram decorrentes da nova ordem econômica, das mudanças trazidas pela revolução tecnológica e pelos novos sistemas de informação e comunicação, e a escola não fica, obviamente, à margem de tais mudanças. Ao contrário, argumentos de toda ordem, vindos dos mais variados setores sociais, eram convincentes quanto à urgência de todos os países se colocarem nessa trincheira adaptarem à nova ordem econômica, das mudanças trazidas pela revolução tecnológica e pelos novos sistemas de informação e comunicação. A idéia de globalização subjacente a essas discussões tem sido utilizada à exaustão, numa tentativa de explicar e compreender tais processos. As controvérsias a esse respeito são muitas e merecem ser aprofundadas, sobretudo, face à homogeneidade dos discursos que têm fundamentado as reformas educacionais que se multiplicam na

1! Este texto conta também com a co-autoria O presente trabalho conta com a colaboração de Alda Marin (PUCSP),

supervisora de Elaine Furlan; Marilene Proença Rebello de Souza (USP), supervisora de Jaqueline Kalmus, e Denise Trento Rebello de Souza (USP), pesquisadoras principais que também integram do Projeto Temático “Programas Especiais de Formação de Professores, Educação a Distância e Escolarização: pesquisas sobre novos modelos de formação em serviço”, apoiado pela FAPESP (proc. 08/54746-5), ao qual esta pesquisa está vinculada.

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região a partir desse período. De modo geral, as ações políticas adotadas nessa fase passam a enfatizar a necessidade de inovação das escolas, e de promoção de maior qualidade e eqüidade, na verdade, como novos discursos e estratégias para enfrentar antigos e persistentes problemas educacionais na região. Diferentemente de um passado não muito distante, em que as políticas colocavam ênfase sobre a modernização dos sistemas de ensino, as atuais reformas insistem na idéia de inovação. Competência, efetividade e descentralização passam, a serem palavras-chave das propostas que são postas em prática desde então, cujas políticas alinham-se com o espírito da reforma do Estado, que desde os anos 1980 é fortemente orientada para e pelo mercado. Praticamente, nenhum país da América Latina ficou isento dos efeitos desse vendaval de reformas, cujos processos acabaram por impor a muitos deles a alteração de sua Lei Geral de Educação: no Paraguai e a República Dominicana, isso ocorreu em 1992; na Argentina e México, em 1993; na Colômbia e Bolívia, em 1994; no Uruguai, em 1995; o Brasil, só em 1996. O Chile se pôs à frente nesse processo durante o governo Pinochet ao introduzir reformas desde 1981 e aprovar nova Lei de Educação já em 1990. Posteriormente, em alguns desses países, novas reformas desencadearam processos que resultaram na substituição dessas leis menos de 20 anos após a sua promulgação2.  

A respeito de tais reformas, análises as mais diversas têm mostrado que o Banco Mundial, atuando em sintonia e parceria com outros organismos transnacionais, tais como o Programa de Promoção das Reformas Educacionais na América Latina e Caribe (PREAL) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) tem exercido forte influência no estímulo e promoção das reformas institucionais na região, justificadas como estratégia de combate às desigualdades. Embora a implantação das reformas tenha se diferenciado de um país para outro, o certo é que as políticas reformistas têm se mostrado pervasivas em toda região latinoamericana. As explicações dadas pelos organismos internacionais a esse movimento diferem daquelas produzidas nos meios acadêmicos, embora, muitas vezes, os discursos e jargões utilizados dêem a

2 ! No Chile, a nova Lei Geral foi promulgada em XXX; na Argentina, em 2006 e no México a reforma em curso

também caminha em direção à substituição de sua legislação.

impressão de que partem dos mesmos princípios. Deste modo, busca-se neste trabalho identificar como tais justificativas aparecem nos projetos voltados à formação de professores. Dentre os numerosos aspectos analisados pelos especialistas, destacam-se: a atuação dos organismos internacionais e as políticas de mercado, com a conseqüente formação de um “mercado educacional” que, ao priorizarem o lucro, são excludentes e antidemocráticas. Tais políticas têm estimulado a implementação de programas que têm levado à privatização da educação pública em vários países. Logo no início do período em foco, o pesquisador argentino Suárez (1995, p. 26) chamou a atenção para um aspecto chave dessa lógica, o apagamento do imaginário social da ideia “de educação pública como direito social e como conquista democrática, parcialmente obtida após anos de lutas sob o slogan da igualdade de oportunidades e historicamente vinculada com o processo social de construção da cidadania”. O que está em jogo, segundo ele, é a produção de uma nova cultura, que se propõe a substituir antigos valores e representações ao estimular práticas que conduzam a um novo consenso social. No caso da educação, esse consenso diz respeito à escola e a suas (novas) funções sociais. Dentro dessa lógica economicista-instrumental, outros aspectos emergem no quadro do movimento reformista latinoamericano, dentre os quais destacamos: os sistemas nacionais de avaliação, a formação de professores com prioridade para a formação em serviço, a ênfase sobre a educação a distância e o uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC), inclusive na formação de professores, com estímulo à abertura de cursos de nível superior. A multiplicação de cursos de formação professores de níveis, extensão e modalidades diversas é uma das ênfases das políticas correntes, as quais têm favorecido, por meio de consórcios e parcerias diversas, abertura crescente para a entrada de empresas privadas no terreno antes reservado à atuação do Estado. O agravamento das condições de trabalho dos professores e a qualidade insatisfatória de muitos desses programas têm acirrado o debate entre educadores e pesquisadores sobre essa questão, entre outras razões, pelo fato de que tais políticas, mais do que democratizar a educação, têm contribuído para a produção de novas hierarquias sociais.

Trata-se, pois, de examinar de que modo tal dinâmica se processa no âmbito específico das propostas de formação de professores em serviço em curso nos países da região. Um levantamento realizado por Bello (2008) mostra que a maioria dos países da América Latina tem experimentado novos modelos de formação de professores em nível superior. A universitarização de professores do ensino primário encontra-se amplamente difundida, orientada por princípios comuns, porém, de feições heterogêneas. No Brasil, modelos diversos convivem lado a lado, não sem conflitos. Em outros países, como o Chile, a formação é oferecida quase que exclusivamente por meio das universidades, ao passo que no México e Colômbia, nas chamadas universidades pedagógicas e nas escolas normais são oferecidos cursos de licenciatura em nível superior, ainda que com caráter não universitário, que se situam em um nível intermediário entre a escola secundária e o ensino superior propriamente dito. O uso da Educação a Distância e das Tecnologias de Informação e Comunicação também têm sido recorrente, sobretudo, em países que visam atingir grandes massas de professores. A despeito dos discursos em uníssono e das orientações impostas tanto pelos organismos internacionais como pelas forças do mercado, o exame de tais políticas merece estudos aprofundados com focos diversos. Entendemos que uma análise em perspectiva comparativa poderá lançar luz sobre nossos dilemas e incertezas a respeito da formação de professores em serviço e trazer elementos que venham a orientar as políticas nesse campo. Na sequência da exposição, focalizamos as experiências da Argentina, Chile e México, ainda em caráter introdutório, visto as pesquisas que vimos realizando com esse intuito se encontrarem em fase inicial.

! Argentina

! A reforma educacional que ocorreu na Argentina na década de 1990 foi concomitante às mudanças no âmbito econômico e político que radicalizaram a implantação de medidas neoliberais iniciadas na ditadura militar que assolou o país em meados da década de 70 e que institucionalizaram o estado mínimo (Krawczyk; Vieira, 2008). O debate sobre a transformação do sistema educativo começou a ganhar força

com o estabelecimento de uma nova ordem política que busca, em 1983, buscando democratizar a vida nas escolas e foi ampliado com discussões da sociedade a respeito de temas relativos à educação e suas urgências, como no caso do Congreso Pedagógico Nacional, desencadeando o processo para a sanção da Lei Federal de Educação nº 24.195 (Argentina, 1993) definida como programa de trabalho para o desenho de um novo papel do Estado nacional. Nesse período, o governo federal argentino exerceu um papel protagonista na criação e organização de novas bases para os sistemas escolares com importante participação no financiamento da infraestrutura e aspectos voltados para a formação de professores, além de efetivar a transferência para as províncias da responsabilidade de oferta educativa e do desenvolvimento da formação docente nos diversos modelos, incluindo aqueles pautados nas experiências, para promover mudanças relacionadas ao domínio de conteúdos de ensino, enfatizando o discurso da descentralização. Nesse período, a maior parte das ações de formação de professores em serviço, na Argentina, foi organizada e financiada pelo Ministério de Cultura e Educação por meio da Rede Federal de Formação Docente Contínua (RFFDC). Essa Rede foi organizada a partir de um cenário heterogêneo de instituições e agentes – geralmente selecionados a partir de critérios da experiência e envolvimento com órgãos federais – supondo um amplo esforço para capacitar milhares de docentes em serviço em todos os níveis da educação. Embora a finalidade explicitada no discurso oficial apresentasse esta ação política como uma medida dirigida ao melhoramento do sistema educativo e da hierarquia da profissão, as propostas representavam um mecanismo de regulação da prática docente e, consequentemente, a intenção de regular os governos provinciais e as instituições que ofereciam os cursos, uma vez que na organização da rede participavam as cabeceras (coordenação provincial) dos governos provinciais – sob coordenação do governo federal– responsáveis pela capacitação3 por meio de cursos orientados a  

disseminar os conteúdos e a estabelecer mecanismos de controle (Davini, 1998). Os 3! Usa-se o termo capacitação que é oriundo da documentação, embora já tenha sido feita, entre nós, a crítica às

implicações de seu uso (Marin, 1995).

cursos oferecidos pela RFFDC poderiam ser presenciais, semi-presenciais ou a distância, porém, a grande maioria aconteceu de forma presencial, por meio de um credenciamento realizado pelos governos provinciais que se ocupavam em avaliar a consistência, viabilidade e adequação das prioridades acordadas em relação aos planos apresentados pelas instituições, solicitando, quando necessário, ajustes e adequações. Diante disso, a RFFDC gerou um mercado de capacitação até então inédito na Argentina (Gentili y Suárez, 2005). Entre as principais instituições oferentes destacamse os Institutos de Formação Docente (IFD) públicos e particulares (inclusive os religiosos), sindicatos e Organizações Não Governamentais, focalizando a formação superior não universitária; as universidades participaram pouco deste processo, principalmente pelos focos de resistência política. No início dos anos 2000 a RFFDC foi perdendo força política; paralelamente a isso as pesquisas apontavam que o problema da escola não se esgotava e não se resolvia apenas com o olhar para os conteúdos. Diante dessa percepção começaram a ser incluídos aspectos de capacitação relacionados à função docente e as questões sociais presentes no ambiente escolar e não somente aos conteúdos curriculares. As iniciativas operadas a partir de 2001 estabeleceram tanto continuidades como rupturas em relação ao período anterior (Imen, 2008). Os governos de Nestor Kirchner (2003/2007) e de Cristina Fernández promoveram aumentos nos salários docentes e sancionaram novas leis com o discurso da tentativa de superar os problemas herdados pelas reformas da década de 1990, em um contexto de significativo crescimento econômico. Dentre essas se destaca a nova Lei da Educação Nacional (Argentina, 2006) que, entre outras coisas, torna obrigatória a educação secundária. No ano seguinte foi criado o Instituto Nacional de Formação de Professores (INFD), marcando o início de um processo de revitalização, desenvolvimento e priorização da formação de professores na Argentina. Atualmente, o INFD tem entre suas funções planejar as ações políticas de formação continuada e desenvolvimento profissional baseando-se na idéia de processo articulado entre formação inicial e continuada, entendendo a prática não somente como

um campo de implementação, mas como fonte de saber, no qual os professores geram um conhecimento específico sobre o ensino, segundo seus proponentes. Ainda são muitas as experiências que ocorrem no campo da formação em serviço envolvendo as modalidades presencial, semipresencial e a distância. Algumas províncias contam com escolas próprias para esse fim, como, por exemplo, a CEPA (escuela de capacitación docente – centro de las pedagogias de antecipación). Diante desse cenário, alguns aspectos já podem ser anunciados, entre eles o da formação em serviço não focalizando a titulação dos professores primários argentinos, como vem ocorrendo no Brasil. A maior parte desse público já tinha formação superior e participava dos cursos como forma de desenvolvimento profissional e ascensão na carreira. Além disso, a modalidade dos cursos que predominou na década de 1990 foi a presencial, abrangendo 92% dos cursos (Serra, 2004). Entretanto, verifica-se o crescente uso das TIC no país, embora os a ênfase ainda seja na forma presencial para a capacitação dos professores primários em serviço.

! Chile

! Entre 1973 e 1981, o Estado chileno municipalizou todo o ensino público e franqueou às escolas privadas espaço de concorrência para sua oferta. A idéia era flexibilizar o mercado educacional, inicialmente, por meio de um financiamento público polissêmico: o Estado investia diretamente nas escolas com programas pontuais de aceleração, subsídios municipais e garantia de pessoal (Estatuto Docente) e “vouchers” aos estudantes para que estes optassem pela escola que lhes parecesse melhor. Com a livre concorrência provocada por esta medida se esperava que os melhores colégios se sobressaíssem e excluíssem do mercado aqueles considerados ruins. Deve-se destacar que alguns colégios particulares também receberiam subsídios do Estado, municipal ou nacional. Isto porque todas as escolas deveriam funcionar com a estrutura comum de um ou mais mantenedores, ou seja, agentes públicos ou privados interessados no financiamento do setor.

Neste esquema, a formação de professores ficou a cargo das municipalidades ou do próprio professor, razão pela qual, durante muitos anos foi diretamente paga pelo professor às instituições formadoras, às vezes com subsídio das municipalidades (Bellei et al., 2008). Há quem diga, todavia, que como o Estado sustenta algumas das principais universidades do Chile, geralmente órgãos responsáveis pela instrução local, ele também sustenta a formação de professores, mesmo que de forma indireta. Neste ensejo, a reforma universitária, ocorrida nos anos 1990, teve forte impacto em toda a educação chilena. Além dela, a revisão salarial e institucional promovida via Estatuto Docente, em 1990, por força da Lei no. 1.907, a implementação de projetos de melhoramento pedagógico, configurados sobretudo pelo Programa de Fortalecimiento de la Formación Inicial Docente (FFDI) em 1995 e a ampliação da autonomia escolar regulamentada por um sistema de incentivos financeiros de acordo com o desempenho das escolas, em 1997, também tiveram forte impacto. Nesta mesma linha, em 13 de novembro de 2007, estabeleceu-se o Acordo pela Qualidade da Educação, que resultaria na mais recente Ley General de Educación (LGE), promulgada em setembro de 2009. Com o sistema escolar orientado “por una lógica de mercado” em escala nacional (Bellei, 2010), o Chile conta hoje com o SIMCE, sistema de avaliação discente, como um PIB da educação, que opera como o principal meio de regulamentação da mesma. Entretanto, a avaliação das escolas públicas de ensino básico e médio não é universalizada como na maior parte dos países da América Latina, mas sim focalizada. Nesse processo de supervisão, se estabelece um grupo de escolas que represente o todo. Aos docentes, é facultado o dever/direito de participação nas avaliações. No que diz respeito à formação de professores vinculada à universidade, isso significa uma preparação profissional toda voltada para o bom cumprimento de provas e testes, o que para muitos autores é extremamente questionável do ponto de vista qualitativo. No que diz respeito à formação de professores não universitária, esta sobretudo continuada, essa política corresponde a uma multiplicação dos cursos ofertados, a uma maior autonomia do professor para gerir sua própria formação e uma miscelânea que pode resultar contraproducente tanto por dispersar a atenção quanto por

sobrecarregar seus principais personagens, os professores. De uma maneira ou de outra, as universidades chilenas se mantiveram na dianteira da oferta de cursos de formação de professores não apenas porque já possuíam uma infraestrutura articulada, brindada com as subvenções estatais e a flexibilização da burocracia e da legislação que as arregimentava, mas também porque buscaram caminhos de atualização e diversificação dos produtos ofertados, como era de se esperar num universo mercantilizado. Como se pode concluir, a carreira docente foi amplamente modificada e convertida num “conjunto de submercados ou mercados diferenciados” (Cox et Schwarzman, 2009, p. 20). Esses cursos complementares foram oferecidos, no âmbito público, na forma de programas “extraordinários permanentes”, vigentes dessa maneira até meados de 2006 e se tonaram alvos de crítica ácida, inclusive por parte daquelas instituições que os ministraram. Destarte, não houve propriamente dita, uma política única de formação continuada de professores na época, mas a oferta de cursos sob demanda acompanhada de programas de capacitação de professores para atuação em cinco ou seis grandes experiências de atualização docente e/ou esforço focalizado para reparação de situações consideradas de risco, por exemplo: o Teleduc , o P900, o MECE Urbano e Rural, o MECE Media, o Projeto Montegrande, o Enlaces, o Programa de Pasantías al extranjero, o Programa de Capacitación para el Nuevo Currículo, etc. Entre 2005 e 2006 um novo cenário se apresentou. Primeiro porque em 2006, uma nova lei de “acreditação de carreiras e programas acadêmicos” cria a obrigatoriedade, nas carreiras de medicina e pedagogia, de realização de exame para ingresso e saída dos discentes nos cursos de graduação. Depois, porque o Centro de Aperfeiçoamento, Experimentação e Pesquisas Pedagógicas (CPEIP) ganhou corpo. A maioria dos cursos do CPEIP recebe algum tipo ou porcentagem de financiamento estatal; mesmo assim praticamente todos seus cursos – realizados em Santiago ou a partir dali veiculados – são custeados pelos próprios professores, mediante pagamento de mensalidades. A cartela de serviços do Centro é variada. Desde 1990, o CPEIP é responsável pela avaliação e financiamento dos Proyectos de Mejoramiento Educacional (PME) propostos pelas escolas; em que liceus e as escolas apresentam projetos de

melhoramento que, analisados por pares especializados sob a coordenação do CPEIP, são financiados ou não pelo Estado; passando pela pelo programa Rede de Professores, em que alguns professores com experiências bem sucedidas são destacados como mentores dos demais, devido seus êxitos em sala de aula; até programas como o Programa de Perfeccionamiento Fundamental, dirigido a professores em serviço com o propósito inicial de aprofundar os conhecimentos curriculares, mas depois incrementado como uma atualização docente em relação ao novo currículo do segundo ciclo da educação básica e média. Como vimos, o Chile possui um sistema polissêmico de formação continuada de professores e, tanto para os autores especializados quanto para seus atores mais diretos, uma agenda repleta: uniformização de parâmetros de avaliação, definição de objetivos comuns para a formação e estudos aprofundados acerca das características de sua demanda.

! México

! No México, a profissão docente é considerada uma “profissão de Estado” e, nessa medida, é o Estado quem rege todo o processo de formação de professores, seja ela inicial ou continuada, definindo os currículos, programas e planos de ensino das escolas normais, instituições responsáveis pela formação inicial dos docentes, que se faz em nível superior desde 1984 (Sandoval, 2007). Assim como ocorreu em muitos países da América Latina na década de 1990, no México também foi implantada uma política de descentralização educacional – ali chamada de “federalismo educativo”. No entanto, essa descentralização parece ter ocorrido mais no campo de sua execução, que passou a ser responsabilidade dos estados, já que o planejamento, regulamentação, controle e avaliação das políticas – dentre elas as de formação inicial e continuadas de professores – permaneceu a cargo do governo federal (Krawzyc; Vieira, 2008;

Ornelas, 2010).

Além disso, existe uma verdadeira separação entre as instâncias de formação inicial e de formação continuada no interior da Secretaria de Educação Pública – o ministério da educação mexicano –, que parece obedecer mais a critérios políticos que educacionais.

Até a década de 1990 a formação continuada não era prioridade na configuração das políticas educacionais mexicanas. Aquelas que tiveram lugar durante boa parte do século XX tinham, em grande medida, um caráter de “nivelamento acadêmico”. Ou seja: ofereciam o equivalente à formação inicial a professores que já estavam em serviço, mas que não possuíam formação para tal (primeiro aos que não tinham formação em nível médio e, a partir de 1984, aos que não tinham formação em nível superior). No inicio dos anos 90, dando continuidade à demanda do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Educação (SNTE) pela “profissionalização docente” (Rosales, 2009) e a partir das discussões internacionais e das recomendações dos órgãos multilaterais, o México elaborou o Acordo para a Modernização da Educação Básica. Nele, entre outras coisas, havia a proposta de uma reforma curricular e de revalorização docente, que foi traduzida no Programa Nacional de Atualização Permanente de Professores de Educação Básica em Serviço (Pronap) o programa de formação continuada implantado em 1993 – e na configuração de uma carreira docente cuja ascensão era definida por um sistema de pontuação pelas atividades realizadas pelos professores. No Pronap, os cursos de formação continuada eram propostos e executados pelas secretarias estaduais de educação, sob a chancela da SEP. Os profissionais envolvidos nos programas de formação eram profissionais das próprias secretarias estaduais, muitas vezes professores comissionados como formadores. Em que pese a ênfase na formação continuada através de cursos que muitas vezes não resultavam em melhoria efetiva da qualidade da educação mexicana – ao contrário, acarretavam na sobrecarga do professor que desejava obter a pontuação para ascender na carreira docente – e na desigual efetivação do programa nos estados da federação, o Pronap foi considerado um divisor de águas em relação às políticas educacionais direcionadas aos professores em serviço. Em maio de 2008 é divulgada a Aliança pela Qualidade da Educação, documento-base de uma nova reforma educacional posta em marcha pelo atual governo Felipe Calderón, assinado pela SEP e pelo SNTE. O documento, que aprofunda a determinação das políticas educacionais mexicanas pelo modelo neoliberal, propõe, entre outras coisas: a modernização das unidades escolares, inclusive com participação

da iniciativa privada; mudanças na carreira docente, em que grande parte da pontuação do professor passa a ser definida pelo resultado de seus alunos nas avaliações nacionais e internacionais padronizadas; reformas curriculares e dos livros didáticos (SEP y SNTE, 2008). Além disso, propõe a ênfase na profissionalização docente – com a criação de um novo programa de formação em serviço, o Sistema Nacional de Formação Continuada e Superação Profissional de Professores em Serviço (SFCSP). No SFCSP permanece o modelo de formação continuada assentada em cursos oferecidos aos professores, com base na pedagogia das competências. O pressuposto é que seria necessário suprir uma falta de conteúdos necessários para que o docente realizasse sua tarefa educativa a contento. A cada ano letivo se realiza uma convocatória para que as instituições que desejarem – universidades e outras instituições de ensino superior, públicas ou privadas, centros de pesquisa, instituições de ensino técnico, organizações da sociedade civil, empresas etc. – ofereçam suas propostas de cursos. Essas propostas passam pela avaliação de uma comissão de especialistas designada pela SEP e assim constituem-se os Catálogos Nacionais com a oferta de cursos selecionados. As secretarias estaduais de educação elegem aqueles que dizem respeito a seu estado e os disponibilizam aos profissionais das escolas (professores, diretores e equipe técnica)4.  

A nova política de formação continuada vem sofrendo diversas críticas por parte de pesquisadores que se debruçam sobre o tema, entre elas: a) a de que foi uma política configurada e implantada pela SEP e pelo SNTE de forma vertical, sem a participação social necessária para o sucesso do programa; b) a total separação da formação continuada da formação inicial; c) a concepção de formação continuada baseada em conteúdos acadêmicos, que prescinde da própria experiência dos docentes; d) o caráter abstrato do documento que regulamenta a política, sem distinção de prioridades ou previsão para realizações de curto, médio ou longo prazo (Mercado, 2008). Mas as críticas mais contundentes ao SFCSP referem-se ao fato dele promover a entrada da

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No Catálogo Nacional para o ano letivo de 2011-2012 há 1.115 propostas de cursos, em sua maioria presenciais, oferecidas por 321 instituições (SEP, 2011).

iniciativa privada na formação continua bem como a transferência de recursos públicos para instituições privadas. Em que se pese o papel de destaque que ganha a formação continuada nas últimas décadas, o novo modelo aprofunda a responsabilização individual do professor pelas mazelas educacionais e estimula a privatização da formação docente. Ou seja, na política de formação continuada e na reforma que a sustenta estão presentes elementos comuns às políticas educacionais de outros países latinoamericanos: a implantação de políticas de cima para baixo; a ênfase na avaliação padronizada de estudantes e professores; a responsabilização individual de estudantes e professores pelos resultados negativos obtidos nessas avaliações; os processos de privatização da educação pública, em seus diversos níveis e esferas.

! Considerações Finais

! Para Carvalho (2010) a emergência de padrões ou modelos de formação docente nos últimos 20 anos demanda estudos, sobretudo, comparativos. Nesses estudos, o pesquisador não deve “evidentemente, trabalhar com modelos construídos aprioristicamente” (p.27), mas sim compreender que, como objetos culturais construídos em pesquisa, esses modelos são frutos dinâmicos de práticas sociais determinadas, que poderiam ser entendidas como dispositivos de produção, que, uma vez copiados, se não imitados, quer seja por seu sucesso ou por uma recomendação de autoridade, tornam-se parâmetros de qualidade para as práticas coetâneas. Questionando a validade desses parâmetros nos propomos aqui a iniciar um trabalho de análise de políticas públicas para formação docente em serviço ocorridos na America Latina a partir dos anos 1990, com especial enfoque para Argentina, Chile e México, pensandoos em sua relação com o Brasil. Cabe ressaltar que a compreensão que apresentamos é bastante inconclusa, lacunar, dado o momento inicial em que se encontra a pesquisa. No Brasil, a formação em serviço encontra-se predominantemente atrelada à certificação dos professores em nível superior, uma etapa que nos outros três países citados já foi cumprida há mais tempo, já que neles a formação inicial se faz em nível

superior desde as décadas de 70 (Argentina e Chile?) e 80 (México). Na Argentina assim como no Chile, esse processo ocorreu lentamente desde a década de 1970, todavia, nesse último ganhou corpo com o Programa de Fortalecimento da Formação Inicial Docente, lançado em 1990. Iniciativas como a do Teleduc, por exemplo, aproximaram o Chile desde muito cedo, do uso de TIC. Neste sentido, verifica-se que as ações políticas voltadas para formação docente em serviço na região estudada aqui tinham outros propósitos além daqueles voltados para a titulação dos professores primários; portanto, constata-se a diferença em relação ao caso brasileiro. Por outro lado, nas últimas duas décadas uma série de políticas voltadas à formação continuada passa a ser implantada nestes países, o que mostra que, apesar de diferenças marcantes de princípios e de execução, a formação continuada passa a ser considerada um dos pilares das políticas educacionais nos países da região. Essas ações políticas, apesar da fase inicial de estudo, já mostram indícios dos governos federais como protagonistas na criação e organização de novas bases para os sistemas escolares, atrelando sua participação nos financiamentos e promovendo processos de transferência da execução das propostas para os governos estaduais, municipais ou provinciais, definindo, assim, o discurso da descentralização conforme recomendação de organismos internacionais. No entanto, esse processo de descentralização não é homogêneo: no Brasil a descentralização implicou na divisão dos níveis educacionais entre as diferentes esferas governamentais (municipal, estadual e federal), inclusive no tocante a seu financiamento; no Chile, resultou na drástica redução do papel do Estado na condução das políticas educacionais, entre elas as de formação de professores; no México a descentralização deu-se apenas no nível da execução das políticas, já que seu planejamento, financiamento e avaliação continuam sob a responsabilidade do governo federal. Neste processo, a Argentina apresentou uma estrutura mais sistematizada com a criação da RFFDC a partir da sanção da Lei Federal de Educação, em 1993, com a idéia central de criar critérios comuns para a renovação dos conteúdos curriculares, considerando esse processo imprescindível e urgente para dignificar e hierarquizar a profissão docente, melhorar a qualidade da educação, além de assegurar a transformação do sistema educativo. Isso se aproxima da elaboração do

Acordo para a Modernização da Educação Básica, traduzido no Pronap que, infelizmente, não acrescentou aspectos positivos para melhoria efetiva da qualidade da educação mexicana, algo que também foi diagnosticado por Serra (2004) em relação à Argentina.[por mim tirava isso, acho que ainda está um pouco particularista. O que acham?] Outro ponto importante a ser destacado é o envolvimento das instituições responsáveis pela formação docente em serviço nos países em estudo. Verifica-se, na Argentina e México, o foco na formação superior não universitária, enquanto que no Chile as universidades têm grande relevância, principalmente após a reforma universitária. São situações que também podem ser cotejadas com o caso brasileiro que ainda conta com a participação de várias universidades, sobretudo públicas, para a formação e titulação dos professores em serviço. Da mesma forma, é notória a influência dos ditames e princípios do neoliberalismo na formulação e consecução das políticas educacionais no período, que acabam por aprofundar os processos de privatização da educação e por atrelar a formação continuada de professores a interesses mercantis. Mas a apropriação do modelo neoliberal e das recomendações dos organismos transnacionais também não é homogênea. No caso da utilização da educação a distância e no uso das TIC, tão propalados por tais organismos, por exemplo, a realidade encontrada foi muito distinta: enquanto seu uso vem sendo disseminado no Brasil e no Chile, na Argentina e no México sua utilização permanece mais no campo da intenção dos documentos oficiais do que na realidade dos programas de formação. A compreensão dessas diferenças remete às histórias locais, às disputas de poder e às representações que a educação alcança em cada um dos países. Representa um desafio para a pesquisa que se debruça sobre o tema. Na virada do século percebem-se mudanças de governos e de concepções a respeito da formação de professores, em especial em serviço em alguns lugares, desencadeando novas reformas e mudanças na legislação educacional. No México e Argentina, por exemplo, o foco está no desenvolvimento profissional docente embora existam divergências em relação à articulação da formação inicial com a continuada,

incorporada pelo INFD argentino, porém motivo de críticas na atualidade mexicana pela sua ausência. No Chile, a educação continuada não está restrita à educação e a livre concorrência de profissionais no mercado de trabalho propicia, ao mesmo tempo, maior busca dos educadores por formação e maior oferta, mais diversificada também, de cursos na área. O resultado é uma polissemia formativa que, por parte do Estado, foi minimamente conduzida, senão apenas regulamentada, até meados de 2006, quando a CPEIP iniciou uma renovação no campo da condução de políticas públicas, fomentando cursos mais direcionados para os parâmetros curriculares estabelecidos ao longo da década de 1990. Para Schwartzman e Cóx (2009) o horizonte das discussões sobre a formação de professores na América Latina deixou de ser, há alguns anos, a universitarização dessa população docente e passou a configurar-se pelo grau de coesão social que as políticas públicas nesta área podem alcançar. Esta tese se justificou pela constatação da permanência da desigualdade social mediante a descentralização do sistema educacional. A agenda política na área, seja em organismos internacionais, seja em órgãos governamentais, para esses autores, está voltada para uma discussão, muitas vezes técnica, acerca da inserção de elementos que garantissem maior eficiência da prestação desse serviço à comunidade, o que poderia ser traduzido nos termos: cobertura ampla e qualidade igualitária de oferta. À academia cabe discutir se os rumos tomados indicam o cumprimento das metas estabelecidas com estudos mais aprofundados na tentativa de entender melhor os motivos que levaram a versões não idênticas se todos os países seguiram no mesmo período os ditames e princípios do neoliberalismo. Portanto, o caminho está aberto.

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SUÁREZ,

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