Formação de cristais líquidos esféricos numa solução coloidal de um biomineral rico em carbonatos e microalgas

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Formação de cristais líquidos esféricos numa solução coloidal de um biomineral rico em carbonatos e microalgas Major, B.1, Correia, J.1, Lindo L.1, Almeida, M.B.1 & Rodrigues A.F.2 1- Universidade dos Açores/Universidade do Porto 2- Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores.

Resumo:

Este trabalho de investigação centra-se na análise dos processos físico-químicos que podem levar à formação de cristais, a partir de um biomineral. O biomineral em estudo é formado por restos de microrganismos mortos e microrganismos vivos, por moléculas orgânicas e minerais, estas últimas maioritariamente de carbonato ou bicarbonado de cálcio (Câmara et al., 2013), recolhido numa estrutura escavada no tufo vulcânico do Monte Brasil, em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, Açores, Portugal. A amostra foi sujeita a vários processos físico-químicos de tratamento, nomeadamente dissolução ácida, neutralização com uma base, irradiação com luz ultravioleta, sujeição a campos magnéticos e a campos elétricos uniformes, entre outros tratamentos. Realizaram-se várias observações do material à lupa eletrónica e no microscópio ótico, de modo a tentar perceber as alterações que alguns dos processos físico-químicos anteriormente referidos provocavam na estrutura cristalina dos cristais observados. A abundância e diversidade de cristais formados levaram a que a atenção nesta investigação se centrasse apenas num pequeno grupo de cristais: aqueles que possuíam forma esférica. Recorreu-se aos resultados da datação desta amostra por espetrometria de massa acoplada a acelerador de partículas, para tentar obter a sua idade, na tentativa de percebermos se os cristais observados resultam ou não de cinéticas químicas ou processos físicos curtos ou longos.

Palavras Chave: Cristais Líquidos, Estruturas Cristalinas, Biominerais, Espetroscopia de Massa Associada a Acelerador de Partículas, Soluções Coloidais.

1-Introdução

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A amostra de biomineral aqui estudada já foi alvo de vários estudos anteriores como o de Câmara et al., (2013) onde esses autores afirmam que o biomineral em questão não é um precipitado de sílica, mas provavelmente constituído por carbonato ou bicarbonato de cálcio e magnésio, dado que reagia com ácido clorídrico, libertando cerca de 13,6% da sua massa na forma de dióxido de carbono. Os mesmos autores ainda afirmam que a amostra revelou, por absorção atómica, ser rica em cálcio, magnésio, sódio, potássio e contendo teores relativamente elevados de ferro solúvel. Os biominerais ou minerais formados a partir de organismos vivos são compostos por moléculas orgânicas e minerais inorgânicos que desempenham uma variedade de funções em organismos microscópicos diferentes, como por exemplo nas paredes de silício de diatomáceas encontradas no mesmo biomineral de estudo, que Alves, et al., (2013) também reportaram para os biofilmes do Monte Brasil. Os biominerais são amplamente explorados pelos organismos vivos para fortalecer ou enrijecer os seus tecidos com cálcio, silício e minerais à base de ferro, sendo este último elemento o mais comum (Birkedal, et al., 2005). Alves, et al., (2013) afirmam, para um biomineral também colhido no Monte Brasil, e após revisão bibliográfica sobre o tema, que as macromoléculas são uma minoria dos componentes da amostra, mas são componentes importantes dos minerais, no entanto, o papel desempenhado por estas macromoléculas, nos estágios iniciais de formação do biomineral, bem como os seus efeitos a longo prazo no biomineral maduro, não estão ainda compreendidos. Os mesmos autores ainda afirmam que devido à complexidade dos organismos biomineralizados, é extremamente difícil ou quase impossível identificar os participantes individuais e os eventos que possam ter ocorrido durante a biomineralização. Uma alternativa para o seu estudo será recorrer a um número limitado de procedimentos, sob condições controladas, e examinar a formação, em laboratório, de biominerais modelo. O trabalho de investigação que aqui se apresenta parte desse pressuposto: foram realizados inúmeros testes sobre o mesmo biomineral, em situações física e quimicamente controladas, todavia, dada a grande heterogeneidade de materiais cristalinos presentes na amostra, a atenção teria que recair sobre o crescimento de um tipo de cristal específico. Por não se ter percebido em trabalhos anteriores, como aqueles que aqui já foram referidos sobre o biomineral alvo deste estudo, o tempo de maturação dos cristais da

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amostra, entendeu-se ser pertinente proceder à sua datação de modo a investigar estágios de biomineralização de curto e longo prazo. Uma das maiores fontes atuais de informação da cronologia de processos geológicos, evolução humana e processos biológicos são medições das concentrações de radioisótopos de longa meia vida, que se encontram na faixa entre os 103 a 108 anos (Santos et al., 1999). Quando se adicionam solutos ou solventes a um biomineral podem aparecer vários tipos de sistemas, entre os quais, soluções coloidais, também chamadas de coloides. Nestas soluções, as partículas dispersas são normalmente pequenas e não se conseguem observar a olho nu. Estas soluções podem ser micelares, moleculares ou iónicas, isto dependendo da composição da amostra de partida. As propriedades físicas de soluções coloidais como a densidade, a viscosidade e a tensão superficial não são relevantes em coloides irreversíveis (liófobos), uma vez que estes não diferem muito das respetivas propriedades do dispersante puro. Por outro lado, nas soluções coloidais reversíveis (liófilos), estas propriedades são relevantes pois variam consideravelmente com a fase dispersa e dispersante (Alves, 2005). Não se percebendo o tipo de solução coloidal que se estava a produzir, aquando da digestão ácida da amostra, ou aquando da sua neutralização com hidróxido de sódio, optou-se nesta investigação por determinar a densidade do biomineral e a tensão superficial da água, na qual se tentou dissolver parte do biomineral. Por outro lado, a carga elétrica e a adsorção de iões pode ser medida pela migração de cargas elétricas de um polo para outro mas a ionização de radicais consiste na adsorção preferencial de iões positivos ou negativos (Alves, 2005). Nesse contexto também se tentou observar o efeito da aplicação de campos elétricos às soluções coloidais obtidas. A cristalização é vista como a operação de separação, onde, partindo de uma solução de sais se obtêm cristais de um dos componentes da mistura, normalmente com 100% de pureza. Na cristalização existem condições termodinâmicas que levam as moléculas a aproximarem-se ou a agruparem-se em estruturas altamente organizadas, formando cristais. Por vezes, nas condições de manuseamento laboratorial não se conseguem obter cristais 100% puros verificando-se a existência, nesses cristais, de inclusões (impurezas) de moléculas que também têm grande afinidade com o soluto (Bernardo, 2007). No caso em estudo, as inclusões de impurezas nos cristais formados são claríssimas e abundantes daí que a designação mais adequada para esses cristais deva ser quasicristais, entre os quais se encontram cristais líquidos. Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

Um quasicristal é um sólido com um espectro de difração essencialmente discreto, como os cristais clássicos, mas com uma estrutura não periódica (Padilha, 2007). Apesar de não termos estudado os espectros de difração dos cristais líquidos ou dos quasicristais produzidos, é pela estrutura não periódica ou pelo comportamento físico que somos levados a atribuir-lhes essas classificações. O primeiro passo num processo de cristalização é a nucleação. É necessário criar condições físicas na mistura para que as moléculas se aproximem e deem origem ao início do cristal, ou seja, que comece a aparecer na solução núcleos de cristalização. Uma vez formados os primeiros cristais, os pequenos fragmentos desses cristais podem transformar-se também em novos núcleos de cristalização (Bernardo, 2007). Os cristais líquidos são caracterizados por apresentarem um grau de ordem molecular intermédio entre a orientação e a geometria dos sólidos cristalinos e a desordem observada nos líquidos isotrópicos e gases (Bechtold, 2005).

2-Procedimentos experimentais e processos analíticos

As metodologias utilizadas neste trabalho foram muito diversificadas, na medida em que se pretendeu determinar o maior número de parâmetros físico-químicos capazes de contribuir para a compreensão da formação de quasicristais ou cristais líquidos. Determinou-se a densidade do biomineral pela técnica da picnometria de sólidos, uma vez que a densidade pode fornecer-nos mais informação do que o resultado da operação aritmética de divisão da massa de um corpo pelo seu volume. Está subjacente a esse conceito o empacotamento dos átomos ou moléculas que constituem a amostra, ou inclusivamente a sua porosidade. Tal efeito físico (empacotamento de átomos ou moléculas) pode ter influência na digestão ácida do biomineral. Numa primeira fase tentou-se digerir a amostra de biomineral com ácido clorídrico, tendo-se revelado tal processo pouco eficaz, pelo que se adicionou ácido sulfúrico concentrado para que a digestão ácida do biomineral fosse completa. Antes da digestão ácida do biomineral, uma pequena quantidade de amostra foi observada ao microscópico ótico, sobre a qual se colocou uma gota de água para que as partículas que tinham sido raspadas da amostra com uma lâmina se dispersassem, e assim, se pudesse perceber os seus agregados maioritários e a sua tipologia, antes da digestão ácida do biomineral.

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Depois da digestão ácida do biomineral, uma gota da solução coloidal obtida foi colocada sobre uma lamela e observada de novo ao microscópico ótico, na tentativa de perceber que cristais tinham sido destruídos ou que seres vivos tinham desaparecido nesse processo químico. Adicionou-se azul-de-metileno a uma pequena porção da solução coloidal de modo a verificar se havia uma coloração temporária de alguma das partes microscópicas da amostra, indicadora da existência de RNA ou DNA, e também para avaliar o ambiente químico obtido, se oxidante, se redutor. Neutralizou-se em seguida a amostra da digestão ácida do biomineral com hidróxido de sódio. Em cada uma das fases do trabalho, as soluções foram sendo observadas com luz ultravioleta (UV), com frequência próxima do visível. As alterações de coloração das soluções coloidais pela ação da luz UV seriam indicadoras de transformações químicas que pudessem ocorrer, e não detetáveis por hipotéticas alterações de cor à luz visível. Suspeitou-se que a digestão ácida do biomineral, rico em cálcio, com ácido sulfúrico, pudesse levar à formação de cristais de sulfato de cálcio. De modo a percebermos se estes cristais estavam ou não presentees nas diferentes soluções coloidais e géis obtidos, procedeu-se do mesmo modo à digestão ácida de giz (sulfato de cálcio) com uma mistura de ácido clorídrico e ácido sulfúrico. Sujeitaram-se ambas as soluções coloidais, a do biomineral e a de giz, a um campo elétrico uniforme de intensidade 1,5V/cm. Também se aplicou um campo magnético estacionário às soluções para testar a presença de propriedades ferromagnéticas. Tentou-se perceber se existiam substâncias tensioativas no biomineral, tendo-se procedido à maceração da amostra e depois à sua dissolução em água e em álcool (metanol). As substâncias tensioativas possuem na sua estrutura uma parte lipofílica (ou hidrofóbica) e uma parte hidrofílica, responsável pela absorção de moléculas tensioativas na interface líquido-líquido, líquido-gás ou líquido-sólido de um dado sistema. A cadeia apolar de uma substância tensioativa é hidrofóbica e a cadeia polar é hidrofílica. Assim sendo, a presença de substâncias tensioativas no biomineral deveria alterar a tensão superficial da água e a tensão superficial do álcool. Na avaliação da tensão superficial das soluções anteriormente referidas utilizou-se o Tensiómetro de DuNouy. Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

Sendo importante perceber se os quasicristais ou cristais líquidos se encontravam em estados iniciais de cristalização ou em estágios mais maduros, procedeu-se à datação da amostra por espetroscopia de massa associada a acelerador de partículas, levado a cabo no laboratório internacional, certificado, da Beta Analytics. Tal como referido anteriormente, são os intervalos de tempo de meia vida longo, entre 103 e 108 anos, que permitem observar comportamentos biológicos específicos associados a biominerais, porém, para essas situações não é apropriada a medida de radioisótopos usando técnicas convencionais, ou seja, medindo o decaimento dos mesmos, principalmente porque, para amostras com quantidades pequenas de radioisótopos, as contagens poderiam levar meses ou anos. Para solucionar a dificuldade inerente ao método de decaimento na medida de radioisótopos de meia-vida longa, associou-se o uso de aceleradores de partículas de altas energias a analisadores de massa magnéticos e eletrostáticos, dando origem a uma técnica denominada Accelerator Mass Spectrometry – AMS (Espetroscopia de massa associada a acelerador de partículas), de medida das concentrações de isótopos raros com baixas percentagem de abundância. Nesse contexto é possível datar amostras com pequenas quantidades de carbono orgânico (0,2 a 3,0 mg) (Santos, et al., 1999). Tradicionalmente a datação por

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C determina a idade de uma amostra utilizando a

concentração residual de isótopos de 14C contida na mesma. No caso do biomineral em questão o que se datou foi o carbono associado aos carbonatos presentes na amostra e não o carbono da matéria orgânica que pudesse estar no seu interior. Crê-se que os carbonatos presentes na amostra estejam maioritariamente associados às algas observadas na amostra, uma vez que o tufo vulcânico do Monte Brasil é muito pobre nesse metal. O uso de pequenas quantidades de material para uma datação por AMS, durante a preparação das amostras, diminui a possibilidade de contaminação natural in situ que estas possam ter sofrido durante o período pós-colheita, pela possibilidade que há em separar compostos da matéria-prima mais antiga de matéria-prima muito recente (Santos et al., 1999).

3- Principais resultados

A densidade do biomineral obtida por picnometria de sólidos, representada como a média de três medições foi de 1,61g/ml±0,23g/ml. Essa densidade é similar à densidade Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

de solos secos argilosos ou arenosos, cujas densidades variam entre 1,1 e 1,6 g/ml (Hillel 1980). Tal densidade é compatível com a observação direta do biomineral que apresenta uma aspeto poroso. Apesar da densidade do biomineral ser próxima da densidade dos solos, isso só quer significar que a sua porosidade é muito semelhante à da porosidade dos solos, ou seja, o seu empacotamento é próximo daquele que se verifica nos solos argilosos. A observação do biomineral ao microscópico ótico revelou a presença de células anelares com coloração arroxeada e esverdeada, diatomáceas com forma navicular e paredes de sílica, cristais ou partes de cristais com formas heterogéneas, bactérias e cianobactérias (ver imagem 1).

Figura 1- Fragmentos do biomineral estudado (Ampliação x 100)

A morfologia do cristal romboédrico da imagem anterior é compatível com um cristal de carbonato de cálcio e as fibras presentes também são compatíveis com o mesmo material. As fibras ditas aqui como sendo de carbonato de cálcio, assemelham-se a um copolímetro poliácido que normalmente são produzidas na presença de substâncias Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

orgânicas (Cavalcante, 2009). Os copolímeros contêm duas ou mais unidades monoméricas diferentes. Casos os cristais ou quasicristais observados sejam de carbonato de cálcio, a digestão em ácido clorídrico destrui-lo-ás. Na figura 2, apresenta-se outra observação microscópica da amostra, antes da digestão ácida, onde se percebe a existência de massas informes de microalgas, bem como, na ponta do estilete, parte de uma microalga, onde é possível observar os seus contornos celulares, e por debaixo do estilete, uma microalga filiforme.

Figura 2 – Diversidade de microalgas presentes na amostra.

Após a digestão ácida, com ácido clorídrico e ácido sulfúrico, houve libertação de gás, provavelmente dióxido de carbono como referido por Câmara, et al., (2013), formandose uma solução com características de uma solução coloidal. Após uma semana de repouso, observou-se a existência de duas fases: uma mais densa e de coloração branca e outra, sobrenadante de coloração amarelada.

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O sistema foi exposto a luz ultravioleta, tendo-se observado alteração de cor: O precipitado branco adquiriu uma coloração rosa, compatível com a presença de clorofila que não fora degradada pelos ácidos e a parte sobrenadante apresentou zonas verdes fluorescentes, compatíveis com a presença de proteínas fluorescentes, tal como sugerido no trabalho de Garcia et al., (2013). Para se testar a presença de RNA ou DNA na solução ácida da digestão do biomineral usou-se o azul-de-metileno. Como as bases azotadas são muito estáveis e podem aceitar protões, é bem provável que os ácidos não tenham destruído por completo o RNA e o DNA presente na amostra. Por outro lado suspeita-se da presença de microrganismos extremófilos na amostra, capazes de supor elevados graus de salinidade e elevadas doses de radioatividade com posteriormente se explicará. Sendo o azul-de-metileno um corante catiónico, que confere uma cor azul às frações polifosfáticas das células com carga negativa (tal como o ácido ribonucleico), este seria um bom indicador desse ácido na solução. O que é facto é que a adição de azul-de-metileno à solução coloidal produziu uma coloração rosa (arroxada) indicadora de um ambiente químico muito oxidante. Todavia, quando observadas ao microscópio, algumas partículas apresentavam uma coloração azul ao seu redor, num meio líquido de cor rosa. Tal resultado pode ser indicador de algum DNA presente na solução coloidal. A adição de hidróxido de sódio à solução resultante da digestão ácida produziu um gel translúcido de elevada viscosidade. Quando se voltou o tubo de ensaio ao contrário, o gel não caiu. A adição de azul-de-metileno a esse gel produziu uma coloração azul, o que indica que o meio químico se tornou redutor. Quando observámos ao microscópico ótico o gel obtido, a morfologia dos cristais ou quasicristais nele contidos foi substancialmente diferente daquela que se tinha registado aquando da observação direta do biomineral. Predominavam as estruturas cristalinas lineares com semelhanças com cristais líquidos, designados habitualmente por mesofases, que não são mais do que fases intermédias de semissólidos por se situarem entre os sólidos cristalinos e os líquidos (Chávez et al., 2013). Na figura 3, adaptada de Chávez et al., (2013) apresenta-se uma disposição ordenada de micelas cilíndricas que compõem um cristal líquido. Uma micela é uma estrutura globular formada por um agregado de moléculas anfipáticas, ou seja, compostos que possuem características polares e apolares

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simultaneamente, que se encontram dispersos num líquido constituindo uma das fases de um coloide. No contexto que acabamos de descrever revela-se importante verificar a possibilidade da existência de micelas, ou seja, se existe a possibilidade de algumas substâncias presentes no biomineral poderem ter simultaneamente a capacidade de baixar a tensão superficial da água (substância polar) e aumentar a tensão superficial do metanol (substância apolar).

Figura 3- Disposição ordenada de micelas cilíndricas que compõem um cristal líquido (Adaptada de Chávez et al., 2013).

Na figura 4, apresenta-se a imagem dos cristais cilíndricos observados no gel produzido com o biomineral.

Figura 4 – Imagem microscópica de hipotéticas estruturas cilíndricas correspondentes à mesofase de um cristal líquido. Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

As medidas da tensão superficial da solução aquosa do biomineral, demonstrou que houve um abaixamento da tensão superficial da água (72 mN/m) para 71,2 mN/m. Tal resultado indica a existência de pequenas quantidades de surfatantes no biomineral, como tal, existem micelas no biomineral e como tal também estão presentes na solução coloidal. Em sentido contrário, a solução alcoólica do biomineral aumentou a sua tensão superficial de 23 mN/m (metanol puro) para 23,6 mN/m, o que significa que as interações dipolo-dipolo aumentaram. Pelo que se acaba de referir, e pelas propriedades físicas avaliadas, tudo indica estarmos na presença de cristais líquidos. Na figura 5, adaptada de Bechtold, et al. (2005), apresenta-se um esquema ilustrativo das mesofases líquidas-cristalinas.

Figura 5 - Esquema ilustrativo do aparecimento das mesofases líquido-cristalinas, com a variação da temperatura (Adaptada de Bechtold, et al. 2005).

De acordo com o esquema da figura 5, os cristais líquidos observados na figura 4 correspondem à mesofase nemática. Não foi possível observar qualquer orientação dos cristais lineares cilíndricos com a aplicação de campos elétricos e campos magnéticos, pois a libertação de gases aquando da aplicação do campo elétrico (começou a produzir-se eletrólise) sobrepôs-se à possibilidade de observação das orientações e a aplicação do campo magnético revelouse impraticável na observação da amostra ao microscópio. A birrefrangência dos cristais líquidos, ou seja, a propriedade que consiste no facto de certos cristais originarem raios refratados, a partir de um único raio incidente é bem patente na imagem 6. A propriedade da birrefringência observa-se em todos os cristais com células elementares que apresentem um grau de simetria relativamente baixo, isto é, em Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

praticamente todos os cristais que não tenham um sistema de simetria regular. Todos estes cristais são caracterizados pelo facto das diferentes direções espaciais não serem equivalentes. Assim sendo, é claro, pelo que se capta na imagem 6, que estamos na presença de substâncias anisotrópicas.

Figura 6- Birrefrangência dos cristais líquidos do gel de biomineral.

Dada a multiplicidade de formas cristalinas observadas, neste trabalho, centramo-nos apenas na análise de cristais líquidos esféricos, cuja transição de fase se tornava clara à medida que a temperatura ia aumentando (ver figura 7).

Figura 7- Alteração de fase, devido ao aumento de temperatura e aparecimento de cristais líquidos esféricos. Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

O elevado grau de saturação da solução coloidal permite o crescimento e agregação de cristais que são precursores amorfos ou agregados de microcristais, ou seja, são núcleos de cristalização. Observou-se, enquanto se fotografavam os microcristais e a temperatura aumentava devido à lâmpada que estava a iluminar a amostra, que se formava o amadurecimento do cristal líquido: Primeiro a formação de microcristais em forma de estrela, e depois o crescimento do líquido amarelado, em torno desse núcleo. Os cristais esféricos, distinguiam-se perfeitamente da matriz amorfa onde se encontravam encrustados (ver figura 8).

Figura 8- Aparecimento de cristais líquidos esféricos na matriz amorfa do gel em estudo.

Na figura 9 apresenta-se outro exemplo, onde se percebe que o cristal líquido esférico emerge do gel amorfo em qualquer plano, superficial ou mesmo no interior do gel. À medida que a temperatura do gel ia aumentando, como resultando do calor libertado pela lâmpada da lupa onde se processava o registo fotográfico da amostra, verificava-se que alguns cristais iam-se fundindo e outros iam crescendo.

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Figura 9- Crescimento de cristal líquido esférico no interior do gel.

Xia, et al. (2011) sugerem que os núcleos de cristalização de cristais esféricos são formados essencialmente por fósforo e cálcio, material polar, espécies químicas essas que estão na base do controlo do crescimento esférico dos cristais. Segundo esses autores, havendo proteínas presentes no gel onde se formam os cristais esféricos, estas rearranjam-se ligando-se à superfície dos núcleos por existirem aí pontos de polaridade diferentes na esfera e nas proteínas, num mecanismo semelhante ao da figura 10.

Figura 10- Cristalização em torno de um núcleo de cristalização, numa solução coloidal (Adaptada de Cacciuto et al., 2004). Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo 4 e 5 de Abril de 2014-Angra do Heroísmo

O esquema da figura 10, explica razoavelmente os resultados observados nas figuras 8 e 9, tratando-se de um processo que também ocorre numa solução coloidal, só que tal solução é completamente distinta daquela que é referida por Cacciuto et al., (2004). Os resultados da datação do biomineral foram verdadeiramente surpreendentes, pois o rácio

13

C/12C foi de -9,7 por mil, o que significa que o biomineral possui certamente

uma contaminação radioativa, pois a quantidade de carbono 14 que possui é tal que indica que a amostra ainda não “nasceu”. Não é fácil prever o efeito de doses elevadas de isótopos radioativos, associadas ao fall out radioativo da década de 60, que originou níveis elevados de trítio na precipitação dos Açores, nos materiais biológicos do biomineral quer nos materiais inorgânicos aí presentes. Por outro lado, parece existir desgaseificação vulcânica no interior da estrutura onde se formou o biomineral e níveis elevados de radão. Tais determinações são importantes para entender os resultados da datação da amostra.

4- Considerações finais

Neste trabalho de investigação, detetou-se a presença de cristais que tem comportamentos muito próximos dos cristais líquidos colestéricos, com arranjos de micelas cilíndricas típicas da mesofase nemática que por vezes assumem a forma de núcleo de cristalização com arranjos em estrela de micelas. Utilizando giz, e procedendo com ele do mesmo modo que com o biomineral, verificouse que em nada podem ser comparadas as soluções coloidais, significando isso que não estamos na presença de sulfato de cálcio. O controlo e produção de cristais líquidos semelhantes aos encontrados neste trabalho poderá ter alguma utilidade tanto a nível farmacológico como a nível das nanotecnologias, todavia, não foram devidamente identificados os fatores e elementos que são responsáveis pelo tipo de cristalização aqui enfatizado. As transições de fase nos cristais líquidos ocorrem a temperaturas relativamente baixas, estimando-se que sejam no máximo 10ºC acima da temperatura ambiente em que se processavam as análises. Uma vez que os resultados foram inesperados não houve possibilidade de avaliar quer a temperatura ambiente quer a temperatura a que a amostra de gel ficou sujeita.

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Há necessidade de se continuar com esta investigação, no sentido de se controlarem os fatores físicos capazes de promover a formação de cristais líquidos esféricos, e avaliar algumas das suas propriedades físicas.

5- Agradecimentos Agradece-se a colaboração da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, especialmente o financiamento concedido para a datação efetuada ao biomineral em estudo.

6-Biliografia

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