Fotografia Arte ou Documento

July 8, 2017 | Autor: António Peleja | Categoria: Fotografía, Fotografia Y Arte
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Vigil, Juan Miguel Sánchez, "La fotografia como documento en el siglo XXI", Documentación de Las Ciencias de la Información, (2001), número 24, 255-267 – ISSN: 0210-4210


A fotografia surgiu no contexto das transformações económicas, sociais e culturais da Revolução Industrial. Desde sempre assumiu um papel importante na inovação da informação e do conhecimento, e também como forma de expressão de arte.No entanto, se analisarmos a fotografia podemos chegar à conclusão que não é neutra, a reprodução do real pode não ser completamente fiel. A câmara fotográfica altera e reinterpreta a aparência das coisas, fazendo com que a olhemos com uns novos olhos.
A eterna questão fotografia - arte ou documento?
O autor, no texto, refere que desde a sua invenção a fotografia segue o seu caminho da representação da realidade, do natural (pessoas, objectos, paisagens, etc…) e a criação (composição / montagem). Sendo que, só em finais do séc. XX, a imprensa ilustrada acentuou esta divisão e traçou uma linha divisória entre artistas e documentalistas.
«Não é só o documento que constitui o valor da fotografia: ela tornou-se o símbolo da democracia. Será verdadeiramente um bom fotógrafo aquele que com a sua máquina, tal como o pintor com o seu pincel. For capaz de dar a ver a grandeza do burguês, enfiado no seu traje negro.» (cf. Freund, 2010, p.77).
A fotografia não é só o seu resultado final mais conhecido, uma imagem num suporte, a fotografia é todo um processo que começa no apontar da objectiva, no enquadramento e no clik final, e finalmente na sua apresentação, seja em suporte digital ou analógico.
Iniciando o estudo neste sentido diria que, antes de mais, o processo é criativo. A ideia surge na mente do fotógrafo ou por encomenda de um cliente, e a partir desse momento na mente do fotógrafo várias gavetas se abrem e lhe mostram as alternativas, a luz, o tempo de exposição, abertura do diafragma e o enquadramento, este processo é simplesmente criativo, é um processo alheio à câmara, esta só entra no processo final aquele em que o dedo do fotógrafo prime o botão, até esse preciso momento faz ainda parte desta criação.
Depois do registo, ainda aqui, o processo continua a ser de tom criativo, pois seja a saída digital ou analógica, as possibilidades de manipulação são as mais diversas, saturação, cortes, limpezas, montagens etc…
O processo criativo só pára aquando da impressão num suporte, ou a sua disponibilização digital ao público. Neste momento todo o processo criativo parou e a fotografia assume a sua forma plena de documento. Seja ele um documento artístico, ou documental.
Afirmo neste caso que toda a fotografia no seu final é um documento.
Portanto fotografia será sempre documento, pode é ser um documento artístico ou então de cariz documental.
Sebastião Salgado, é considerado por muitos um artista, e as suas obras, arte. Ele próprio contesta este rótulo afirmando, e passo a citar, «As minhas fotografias estão ligadas à economia, são documentos, não as vejo como obras de arte». Juan Miguel Sánchez Vigil questiona se a opinião de Sebastião Salgado tem o mesmo valor dado que ele difundiu a sua obra, e evidencia que as fotografias de Sebastião Salgado são documentais, pela sua evidente denúncia, pela solidariedade com os marginalizados e por outros aspectos de cariz social têm uma carga emocional que desperta interesses no espectador. Vigil lembra que antes do registo sempre se faz um exercício de composição mental, simples ou complexo, breve ou intenso, que considera criativo e associado ao conceito de arte, mais ainda, que as obras não são muitas vezes directas e pontuais, e como o espectador é plural várias formas de interpretação podem surgir dos diferentes tipos de leitura. Muitas vezes um registo que foi efectuado com uma intenção mais documental acaba por sugerir enquadramentos e técnicas, luzes que o transportam para o lado da arte.
Neste ponto de vista tenho que concordar com Vigil, as fotografias de Sebastião Salgado, numa primeiríssima fase, foram de carácter criativo / artístico, até ao momento em que se tornaram imagem fixa num suporte e aí passaram a documento, independentemente de estarem ou não sujeitas ao olhar ou contemplação de um espectador.
A definição de documento – Mensagem sobre suporte.
Continuo a não ter dúvidas que a fotografia é um Documento. O que se pode é pôr em questão o que é fotografia documental, fotografia artística ou de autor.
O que é arte?
Arte é a actividade humana ligada a manifestações de ordem estética, feita por artistas a partir de percepção,emoções e ideias, com o objectivo de estimular esse interesse de consciência em um ou mais espectadores, e cada obra de arte possui um significado único e diferente.
A arte está ligada à estética, porque é considerada uma faculdade ou acto pelo qual, trabalhando uma matéria, a imagem ou o som, o homem cria beleza ao esforçar-se por dar expressão ao mundo material ou imaterial que o inspira. 
A definição não deixa margem para dúvidas desde que existam estes pressupostos ainda que, para ser considerada arte, deve ser assumida pelos seus pares e ter representação em espaço de arte, Galerias, Museus …..
Logo a Fotografia de Sebastião Salgado, apesar da sua relutância em aceitá-la por arte, pode e deve ser considerada como tal. Dado que todo o processo anterior ao clik está dentro dos parâmetros da designação de arte, estética, enquadramento, etc… No entanto este adjectivo não lhe tira toda a sua carga de documento e até de documental, não entendo porque não podem coexistir as duas, é tudo uma questão de adjectivos.
Documento está provado que é, documental aceito a opinião do autor porque mostram desequilíbrios sociais, ataques ambientais estruturas de poder degradantes, no entanto não me choca que seja anexo o adjectivo Arte, pois em toda a sua produção existe da parte do fotógrafo esse sentido de ordem estética a partir de emoções e ideias, e com o objectivo de estimular a consciência de quem as contemple. Ora se virmos estas últimas linhas entram perfeitamente na definição do que é arte.
Superada esta fase inicial de procura do verdadeiro sentido a dar à fotografia, se documento ou arte, avançamos para a recolha dos documentos e o seu trajecto ao longo do tempo.
Marie LoupSougez indica que a primeira manifestação editorial de envergadura com documentos fotográficos foram os Álbuns de Lerebours intitulados Excursiones daguerriennes (Paris, 1841-42). Apesar de A.Keim assinalar 1850 como o ano em que se publicaram pela primeira vez fotografias com o objectivo de as difundir – a difusão é um dos aspectos fundamentais na cadeia documental.
A utilização da fotografia documental foi imediata e a prova disso mesmo foi a expedição que o governo Francês colocou em marcha MissionHelliographique, 1851.
Quando se aperceberam que a fotografia podia ser reproduzida surge então, através de André-Adolphe Disdéri, inventor da carta de visita, a clara ideia de que esses objectos se podiam vender. Começa então a recolha de imagens de obras de arte que poderia vender aos seus clientes que de outro modo nunca poderiam ter oportunidade de conhecer tais obras. Fizeram-se milhares de registos nesta altura, a fotografia como documento foi aplicada a expedições científicas do séc XIX altura em que o fotógrafo foi considerado tão importante quanto o resto da equipa.
Nestes anos foram inúmeros os projectos de registo documental que existiram. Esses documentos não eram vistos, ainda, como algo que necessitasse de um tipo específico de armazenamento. Ninguém se interessava por esses assuntos, milhares de registos perderam-se no tempo, deitados ao lixo ou esquecidos nas caves de muitos arquivos, armazenados sem condições e sempre relegados para último plano.
Foram poucos os autores que se aperceberam que estes registos com o passar do tempo iriam aumentar o seu valor e se tornariam muito importantes para o crescimento histórico das sociedades vindouras. Aqui entra o esforço das Associações Fotográficas por manter nas suas bibliotecas e nos seus arquivos os registos dos seus sócios.
No entanto alguns tinham bem presente o poder destes registos. Jean Laurent desde meados dos anos quarenta do séc. XIX que viajou por Espanha sensibilizando negativos que comercializava através de catálogos temáticos. Mais tarde contava com mais de 6.000 registos que imprimia a pedido, e pelo qual recebia o justo valor.
Ao longo dos anos a fotografia foi tomando um relevo enorme no campo documental, desde ilustrativa em jornais e revistas, passou também a grande destaque nos cartazes e propagandas políticas e outros.
Num debate sobre a fotografia como documento em que participaram a maior parte dos artistas do princípio do séc.XX. A revista CameraWork recolheu algumas entrevistas, e a maior parte reconheceu a fotografia como obra de arte, e poucos foram os que teceram considerações. Matisse deu prioridade ao valor documental: «A fotografia, nas mãos de um homem de gosto, terá aspecto de arte [mas], o fotógrafo deve […] intervir o menos possível, de modo que a fotografia não […] perca o encanto objectivo que apareça de maneira natural… A fotografia deverá registar e dar-nos documentos»
Muitas foram as utilizações da fotografia enquanto documento e muitos têm sido os trabalhos em torno do tema a fotografia como documento. Em 1923 Vicente Vera escreveu sobre a fotografia documental e a sua condição de preservar a memória, ao serviço da justiça, da meteorologia, da natureza e de outros temas.
Milhões de documentos são gerados ao longo dos anos. Em Espanha com a Guerra Civil (1936-1939), só por ela, gerou milhões de documentos dos quais ainda hoje se conservam uma grande parte em arquivos privados e públicos.
Com o aparecimento do digital um dos grandes problemas que se colocavam aos arquivistas ao momento, que era, a falta de espaço, parecia estar resolvido. No entanto, se por um lado se resolve o problema do espaço por outro surge um novo problema, o arquivo dos ficheiros digitais e a sua conservação.

O SÉCULO DO DIGITAL
"A AMEAÇA DA AMNÉSIA DIGITAL A ERA DO ESQUECIMENTO"

São muitos os problemas decorrentes do avanço vertiginoso e descontrolado da tecnologia, assinalados na agenda crítica da humanidade à espera de uma solução. Dentre eles, está o risco da perda irreversível dos estoques de informações digitais, que são cada vez mais os principais registros das actividades, de toda a natureza, das sociedades modernas."In Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST - M986 Conservação de Acervos /Museu de Astronomia e Ciências Afins-Organização de: Marcus Granato, Cláudia Penha dos Santos eCláudia Regina Alves da Rocha. — Rio de Janeiro : MAST, 2007. Pág. 184(MAST Colloquia; Vol. 9)



Não fosse esta a era digital e eu estaria a escrever este texto numa qualquer máquina de escrever ou com recurso a lapiseira, acompanhado com o texto de suporte num livro de capa semi-rígida com o cheiro característico de todos os livros, e a história marcada de todos os manuseamentos. No entanto estou na minha secretária em frente ao portátil, com um documento PDF em janela para consulta e a poderosa enciclopédia que é a NET numa outra janela, preparada para acrescentar dados à minha pesquisa.
É evidente que os riscos deste trabalho correr bem podem ser enormes, se existir uma falha de energia fico dependente da sua ligação futura para poder trabalhar, enquanto que com o processo que eu diria analógico tudo se processaria dentro da normalidade, bastando para tal a luz do dia ou uma outra fonte de luz não eléctrica, velas, candeeiro a petróleo ou outros.
Também na fotografia, tanto no processo de captura como no processo de revelação, este conjunto de factores referidos anteriormente está presente, a foto analógica depende dela própria enquanto a digital depende sempre de terceiros, sendo a energia eléctrica um factor de peso em todo o processo, não obstante existirem outros.
Já no campo da Conservação este assunto merece a mais profunda investigação e debate para não acontecer, a exemplo de outros factos ocorridos, a perda total de registos ficando assim um enorme vazio histórico / documental.
A conservação e preservação das colecções analógicas, além de ser um processo que requer grande rigor, tinham alguns sinais de perigo espalhados pelo processo e que nos alertavam para o que devíamos fazer no passo seguinte para que o processo de deterioração não evoluísse. Nesta era digital esses sinais de perigo não existem e de um momento para o outro um ficheiro pode, única e simplesmente, deixar de ser lido, logo proporcionando a perda total de toda a sua informação.
A era digital tem as suas vantagens em relação à analógica, desde logo a possibilidade de reprodução em gerações infinitas, um menor espaço de armazenamento, e outros, no entanto há que ter em atenção a sua vulnerabilidade e criar sistemas de backup eficientes que reponham e copiem mais do que uma vez os registos e os distribuam por diversos servidores de modo a poder sempre existir um local onde essa informação esteja presente.
Caso dramático seria um dia não dispormos de fontes de energia que façam trabalhar esses potentes mecanismos, isso sim seria um erro irremediável para a humanidade.

O texto anterior que desenvolvi no âmbito da conservação, enquadra-se de igual modo neste tema da fotografia enquanto documento e o seu arquivo na era do digital. Hoje, por dia são criados milhões de registos. Estes registos é evidente que sendo documentos irão ser armazenados em arquivos particulares, aos públicos só chegarão se tal o justificar, e não passam de registos causais que marcam o dia a dia, o aniversário, a foto da namorada, do cão, do gato, etc…
Estes e outros tantos registos de carácter documental gerados por agências noticiosas, por fotógrafos amadores ou profissionais, jornalistas, repórteres ou artistas vão acabar por encontrar o seu espaço nos arquivos das fototecas de um qualquer país. Como já foi dito o armazenamento na era do digital é muito mais fácil, ocupando menos espaço e permitindo uma pesquisa e visualização dos registos muito mais rápida. No entanto o problema que se coloca neste momento é a estabilidade dos ficheiros, como foi referido no capítulo O SÉCULO DO DIGITAL"A AMEAÇA DA AMNÉSIA DIGITAL A ERA DO ESQUECIMENTO".
É pois de extrema importância que se sigam os métodos de arquivo e descrição destes documentos sejam eles Fundos ou Colecções mas tendo sempre em conta a necessidade de cópias dos ficheiros e a sua reprodução espaçada para termos a certeza que tudo está funcional.
Este documento foi elaborado nunca perdendo de vista o documento de Juan Miguel SánchezVigil, no entanto é uma abordagem pessoal ao tema da fotografia no séc XXI um século que se adivinha muito promissor no âmbito das novas tecnologias. A fotografia nos últimos anos não tem sido olhada com o respeito que penso que merece dentro do panorama das tecnologias dos nossos dias, as evoluções resumem-se ao aumento do número de pixéis e pouco mais. No entanto na área do arquivo e conservação não têm existido avanços significativos, que permitam, por exemplo, assegurar a total inviolabilidade de um documento encriptado ou a impossibilidade da sua destruição assegurando assim a total integridade dos Arquivos.
Penso que é de extrema importância e urge a necessidade de serem feitos estudos no sentido de podermos ter arquivos extremamente seguros, que possibilitem o armazenamento dos milhões de documentos, que são considerados como tal, depois de uma triagem, muitas vezes natural outras por especialistas na área. O papel do conservador / arquivista pode ser muito facilitado desde que estejam assegurados os trâmites anteriores.
Um único registo (documento) pode servir todas as necessidades desde o simples "preview" até à fotografia do Catálogo de uma Exposição ou mesmo a impressão em grande formato para essa mesma exposição. Nunca esquecer os riscos dos ficheiros digitais.


António Manuel Fonseca Peleja

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