Francisco da Silva, pintor de brutesco na Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Peniche: da atribuição à contratualização – Contributo documental inédito

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Jornal da Golpilheira

. história .

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Agosto de 2016

.história. Miguel Portela Investigador

Francisco da Silva, pintor de brutesco na Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Peniche: da atribuição à contratualização - Contributo documental inédito Nas primeiras décadas do século XVIII, a região de Peniche evidenciou-se pelas várias empreitadas artísticas que foram levadas a efeito nos muitos edifícios religiosos que compunham essa vila, tendo aí afluído um conjunto significativo de artistas, - pedreiros, aparelhadores, entalhadores, pintores, escultores, azulejadores, entre tantos outros (PORTELA, Miguel, “Uma oficina de entalhadores em Serra d’El-Rei no século XVIII. Contributo para o estudo da obra de Luís Correia, mestre entalhador da tribuna da Igreja Matriz de Maiorga - parte I”, Cadernos de Estudos Leirienses- 8, Editor: Carlos Fernandes, Textiverso, 2016, pp. 287-303; PORTELA, Miguel, “Francisco dos Santos, mestre dos azulejos da Igreja de S. Sebastião de Peniche: da atribuição à contratualização - Contributo documental inédito”, Jornal da Golpilheira, Diretor: Luís Miguel Ferraz, Ano XX, Edição 228, junho - 2016, p. 25; PORTELA, Miguel, “Manuel da Silva mestre dos azulejos da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda de Peniche. Contributo documental inédito”, O Figueiroense, Edição compartilhada com O Ribeira de Pera, Diretor: Fernando C. Bernardo, II Série, N.º 24, 16 de julho de 2016, pp. 8-9). A igreja de Nossa Senhora da Conceição de Peniche evidenciase nesse enquadramento tendo beneficiado nas primeiras décadas do século XVIII de importantes obras de cariz artístico, sobretudo no que concerne à execução de um retábulo principal e outros laterais em talha dourada, assim como à pintura do tecto dessa igreja. Atribuição da pintura do tecto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Peniche No que respeita às pinturas setecentistas executadas nas igrejas de Peniche, Flávio Gonçalves, nos anos 80 do século XX, constatou: “Na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, acha-se precariamente conservada a pintura do tecto ou forro que cobre a nave e o coro – pintura efectuada em 1719. O seu autor, que nenhum documento conhecido identifica, pintou também, em Peniche, o tecto da nave e coro da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, o que se deduz da íntima conexão estilística das duas obras. Tectos, ambos, de madeira, em forma de abóbada de meio canhão, inundam-nos pletóricos ornatos naturalistas, entre os quais emerge, ao centro, uma composição figurativa.” (GONÇALVES, Flávio - “As obras setecentistas da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda de Peniche e o seu enquadramento na arte portuguesa da primeira metade do século XVIII”, Separata do Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, II Série, N.º 89, 1.º Tomo, Lisboa, 1983. In Arte em Portugal II, Instituto de História de Arte, Faculdade de Letras do Por-

to,1984, pp. 37-38). Anos mais tarde, Vítor Serrão, na sua obra História da Arte em Portugal - O Barroco, seguindo a mesma interpretação refere ter sido a pintura do tecto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Peniche executada pelo pintor Pedro Peixoto, em 1705, afirmando também, que a pintura do tecto da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda de Peniche foi executada pelo mesmo pintor, em 1719 (SERRÃO, Vítor, “ A fortuna do «Brutesco Nacional»”, História da Arte em Portugal - O Barroco, Barcarena, Editorial Presença, 2003, pp. 60-61). Em 2006, Vítor dos Reis, na sua tese de doutoramento atribui a obra da pintura do tecto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição ao pintor Pedro Peixoto, propondo 1705, como o ano da sua execução (REIS, Vítor Manuel Guerra dos, O Rapto do Observador: Invenção, representação do espaço celestial na pintura de tecto em Portugal no século XVIII, Lisboa, 2006. Texto policopiado. Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2 vols, Apêndice, p. 92). Neste contexto, e de acordo com os referidos autores, a pintura do tecto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Peniche são atribuídas ao pintor Pedro Peixoto, que as terá executado em 1705, segundo Vítor Serrão e Vítor dos Reis, ou em 1719, de acordo com Flávio Gonçalves. Francisco da Silva (de Oliveira) pintor de brutesco Sabemos agora, que em 16 de outubro de 1714, foi lavrada em Peniche uma escritura de con-

trato e obrigação entre os oficiais da Confraria de Nossa Senhora da Conceição de Peniche e Francisco da Silva de Oliveira, mestre pintor, morador no Reguengo Grande para a execução da pintura do tecto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Peniche (doc. 1). Através desta escritura reconhecemos que “os dittos officiais da Confraria de Nossa Senhora da Conseisão mandaram por em pregão a obra da igreija da dita Confraria no que respeitava a obra da pintura do tetto da ditta igreja e os seos frontepicios para se remattar a quem menos dese”. Pretendiam os confrades que fosse executada “hua trage no meio acompanhada de brutesco revestida com alguns rapazes donde os pedir com seu fillete dourado e na targe a Assunsam de Nossa Senhora e no frontepicio do arco um panel de Sam Sebastião”. Francisco da Silva (de Oliveira) comprometeu-se “a dar a ditta obra acabada the a terseira semana da Quaresma”, do ano de 1715, ou seja, decorreu a obra entre outubro de 1714 e a Quaresma de 1716. Percebemos também, através desse contrato, que esta obra fora arrematada pelo valor de 168 000 réis, asseverando-se que seria esse valor pago em “quatro pagamentos todos valores que pelo dito rematante lhe forem pedidos com declarasão que no primeiro pagamento para comesar a ditta obra lhe entregarão elles ditos offeciais outenta mil reis digo setenta mil reis”. Nesse sentido, garantiam os oficiais da Confraria de Nossa Senhora da Conceição a “entrigar a elle dito arematante a ditta quantia em quatro pagamentos hum no principio da ditta obra dois no meio della e ultimo no fim della”.

Em síntese Com os elementos aqui apresentados, revisitámos mais uma página pouco conhecida da História de Peniche, particularmente de Francisco da Silva (de Oliveira), pintor, cuja vida e obra permanece completamente desconhecida. Esperamos que a revelação deste contrato conduza à reescrita da História de Peniche e do que se tem escrito acerca da História da Arte, particularmente sobre a pintura de brutesco, que carece de uma reposição célere levando em linha de conta a verdade historiográfica dos factos alicerçados neste documento inédito, investigado e revelado pelo autor Miguel Portela.

Documento 1

1714, outubro, 16, Peniche - Contrato entre os oficiais da Confraria de Nossa Senhora da Conceição de Peniche e Francisco da Silva (de Oliveira), mestre pintor, morador no Reguengo Grande, para a execução da pintura do tecto na Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Peniche. Arquivo Municipal de Peniche, Livro Notarial de Peniche [1714-1719], Caixa 33, fl. 22v-23. [fl. 22v] Escriptura de contratto que fazem os officiais da Confraria de Nosa Senhora da Conseisão e Francisco da Silva pintor morador no Regengo Grande. Em nome de Deos Amem. Saibão quantos heste publico instromento de cartta escriptura de contrato ou como em direito milhor dizer se posa lugar haja e mais valler virem que no anno do Nasimento de Noso Senhor Jesus Christo de mil e settecentos e quatroze annos aos dezaseis dias do mes de outubro do ditto anno nesta

Pormenor da pintura do tecto da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Peniche.

villa de Peniche cazas de morada de mim taballião pareseram prezentes partes outrogantes o Padre João Domingues Pacham thezour digo Pachão escrivão da Confraria de Nossa Senhora da Conseisão desta villa e juiz em abzencia do juiz e da ditta Confraria estavam asim Gonsallo Dinis thezoureiro Domingos Quaresma procurador e os mais irmãos estando asignados e da outra partte Francisco da Silva mestre pintor morador no Regengo Grande termo da villa de Óbidos todos pesoas de mim taballiam conhecidas e logo pelo ditto Francisco da Silva foi ditto a mim taballião perante as testemunhas ao diante nomeadas e asinadas que os dittos officiais da Confraria de Nossa Senhora da Conseisão mandaram por em pregão a obra da igreija da dita Confraria no que respeitava a obra da pintura do tetto da ditta igreja e os seos frontepicios para se remattar a quem menos dese com declarasão de ser aparelhada a obra da […] digo que consta de hua trage no meio acompanhada de brutesco revestida com alguns rapazes donde os pedir com seu fillete dourado e na targe a Assunsam de Nossa Senhora e no frontepicio do arco um panel de Sam Sebastião e com effei // [fl. 23] e com effeito rematara asim a ditta obra em a quantia de cento e sesenta e outto mil reis e que asim deseram elle proprio ser boa e livre vontade e sem constrangimento de pesoa se obregava a fazer a ditta obra na forma da sua arematasão se dechar corentemente boa a contento dos ditos officiais e que sendo cazo que não o seja cappaz e terlhe alguma faltta de se emmendar a sua custa porquanto a sua vontade e tensão [sic] hera fiquar a ditta obra a contento delles dittos officiais da ditta Confraria com condisão porem que elles dittos officiais serão obrigados a entrigar a elle dito arematante a ditta quantia em quatro pagamentos hum no principio da ditta obra dois no meio della e ultimo no fim della e que sendo asim dice que tudo asim cumpriria e não para ser contra a ditta arematação não seria ouvido em juizo nem fora sem primeiro depozitar na mão dos dittos officiais todo o preço que demandar quizer sem para iso ser necesario dar fiansa para o que desde logo o abonão e hão por abonado para tudo poder receber sem fiansa e não para impedirem empretaria provisão real a qual sendo por elle empetrada desde logo a bem vazia [sic] e quer que seja havida posa se reseber como se empretada não fora pelo que deste intromento fose expreza e declarada o seguintte: Pelos dittos thezoureiro e escrivão e mais irmãos, foi ditto que todo seos mottos proprios suas boas e livres vontades sem contragimento de pesoa alguma aseitavão a ditta arematasão por a pesoa do dito arematante e se obrigavão a entreguar com o ditto dinheiro o preço porque se rematou a ditta obra com os dittos quatro pagamentos todos valores que pelo dito rematante lhe forem pedidos com declarasão que no primeiro pagamento para comesar a ditta obra lhe entregarão elles ditos offeciais outenta

mil reis digo setenta mil reis // E pelo ditto rematante foi ditto que para effeito de tudo asim comprir nomeava por seu fiador a Antonio Borges Monforte morador no dito Regengo Grande que em seo nome pareseo prezente o cappittam Pedro Franco de Barbuda desta dita villa pelo qual me foi apresentada hua procurasão que disse ser feita pelo sobredito de que o theor he seguinte § Pella prezente por mim feita e asinada considerados os meos poderes em direito necesarios com livre e geral admenistrasão ao Padre Pedro Franco da villa de Peniche para que em meu nome e como se prezente fora para se asinar hua escriptura e condesois do ajuste que Francisco da Silva pintor fas com os senhores juis escrivão e mais officiais que de prezente servem e ao diante poderão servir em igreja e freguesia de Nossa Senhora da Conseisão da villa de Peniche e assim se podera por na ditta escriptura as clauzullas e condesois que necesarias foram por hua e outra parte tanto no que o ditto ha obrar e pintar como tambem a quanto do aseitte e forma dos pagamentos e para firmeza e vallidade da ditta escriptura obriga nella e o seu cumprimento minha pesoa e bens e para tudo lhe consedo os meos poderes e o haverem por firme effeito sobre este por se cobrar Regengo Grande quatroze de outubro de seiscenttos e quatroze Antonio Jorge Monforte // e não dezia mais a ditta procurasão e treslladada como ditto he por elle cappitão foi ditto que he em nome do ditto seu constituinte aseitava esta escriptura como nella se conthem e declara afiança por fiador do dito rematante e queria que por seos bens se cobrisse toda a perda que pudese cauzar a dita obra a dita Confraria e que sendo cazo que o dito rematante falte a dita obrigasão elle por elle se obriga a tudo asim comprir como na ditta escriptura se declara com fé e testemunho de verdade asim outorgarão e de tudo pedirão a mim taballião fose feito heste intromento nesta minha notta e para tudo deserão renunsiavão juis de seu foro tem de lugar e queriãose demandar nesta ditta villa e perante quem heste for apresentado que pedirão o aseitarão e eu taballião em nome de quem tocar posa abzente como pesoa publica estipulante e aseitante. Testemunhas que a tudo forão prezentes João Simois declaro que pelo ditto arematante foi ditto que elle se obrigava a dar a ditta obra acabada the a terseira semana da Quaresma sendo prezentes por testemunhas João Simois mareante e Jozeph Ribeiro todos moradores nesta ditta villa e pessoas de mim taballião conhecidas que dou feé conheser a todos e serem os proprios que se asinarão com os dittos outrograntes de seos sinais que decerão custumavão fazer Antonio da Fonsequa taballiam que a escrevi. (a) O Padre João de Pachão (a) Escrivão Gonçalo Denis (a) João Rebelo (a) Francisco da Silva de Oliveira (a) De João Simois testemunha † (a) Jozeph Ribeiro

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