FRANK, Bruno; DIAS, Mariana; YAMAKI, Humberto. PAISAGEM ETNOGRÁFICA: O RIO TIBAGI E O LAZER NA ANTIGA FAZENDA TRÊS BARRAS PR

September 30, 2017 | Autor: Bruno Frank | Categoria: Lazer, Paisagem Cultural, Tibagi
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PAISAGEM ETNOGRÁFICA: O RIO TIBAGI E O LAZER NA ANTIGA FAZENDA TRÊS BARRAS PR

FRANK, BRUNO (1); DIAS, MARIANA (2) YAMAKI, HUMBERTO (3); 1. Mestrando em Geografia UEL, CCE. Endereço Postal: R. Mato Grosso, 815, Apto1102. Centro. CEP 86010-180 E-mail: [email protected] 2. Mestranda em Geografia UEL, CCE. Endereço Postal: R. Guilherme da Mota Correia, 3659. Jd. Shangrilá A. CEP 86070-460 Londrina PR E-mail: [email protected] 3. Docente de Pós Graduação em Geografia UEL, CCE. Endereço Postal: Rod. Celso Garcia Cid, Pr 445 Km 380- Campus Universitário Cx. Postal 6001 | CEP 86051-980 | Londrina - PR E-mail: [email protected]

RESUMO O presente artigo visa relacionar às atividades de lazer a beira rio realizado pelos imigrantes japoneses da fazenda Três Barras (atual Assaí-Pr) com as antigas vias de acesso, o relevo, e as potencialidades de lazer e a Paisagem enquanto cenário da memória. Inclui uma leitura do terreno, com base na planta da Fazenda Três Barras (1944) e em trabalhos de campo, em vistas de compreender os caminhos que levavam ao rio, realizando um paralelo com a situação atual. Teve como resultado um mapeamento que conjugando estes fatores com as potencialidades de uso para o lazer, procurando assim contribuir para uma discussão das Paisagens Etnográficas. Palavras-chave: Paisagem Etnográfica. Lazer. Rio Tibagi.

1. INTRODUÇÃO Paisagem e memória, duas palavras associadas às sensações humanas. Praças, campos de cultivo ou ruas, não importam os cenários, cada momento possui elementos únicos que podem ser reproduzidos ou não através do tempo. Momento específico: o lazer e um local: o rio Tibagi (PR). Enfoca nas atividades de lazer a beira-rio que estejam nos domínios da Companhia, tendo como fio condutor da pesquisa a estruturação antiga e atual do território. Têm-se como alvo a Cia de Colonização que atuou no norte do Paraná durante os dois primeiros quartos do século XX, incorporando à Paisagem uma nova nacionalidade: os japoneses, trazendo contigo novas vivências que viriam a transformar a região. Entendemos por Paisagem etnográfica, aquelas que contenham “uma variedade de recursos naturais e culturais que estejam associados a pessoas que a definam como um recurso herdado” (JAIN , CLANCY, 2011 p.16). A pesquisa manteve como foco principal as relações dos colonos da BRATAC (Brasil Takushoku Kumiai ou Sociedade Colonizadora do Brasil Ltda.) de capital japonês com as potencialidades de lazer proporcionadas pelo rio. O que propomos neste estudo é juntar as imagens do passado ao uso corrente do rio a fim de reconstruir em termos da lógica de ocupação e as condições de relevo e acesso, numa tentativa de compreender como foram utilizados para o lazer. 2. MATERIAL E MÉTODOS Em se tratando de uma área que foi submetida a diferentes formas de ocupação, decorrentes em sua gênese na ação de Companhias de Colonização, a Paisagem esteve sujeita a ação humana em dois níveis principais: os planejados inicialmente como suporte às dinâmicas econômicas e de ocupação e um segundo, não independente deste, mas referentes às necessidades de determinados grupos. Desta forma, apontamos os caminhos presentes nos planos originais, tais como estradas, núcleos urbanos e estradas antigas foram se sobrepondo com o tempo. A representação destes em cartas topográficas recentes(?) servem como indício do uso feito pelos imigrantes do lazer a beira dos rios. A lógica do deslocamento, por exemplo: ao pensarmos nos recursos disponíveis aos imigrantes para este fim, esbarramos no limite de 20 km dos núcleos de seções ou dos núcleos urbanos. Mais do que isso significaria um sacrifício muito grande por um bem como o lazer. Aliado a esta lógica e com a malha viária em mente, foram selecionados aqueles “spots” mais interessantes aptos ao divertimento, como os pontos onde a topografia do terreno serviria como suporte, ou nas áreas onde o ritmo das corredeiras seria mais suave, favorecendo os banhos e a pesca. Com essas informações mapeou-se com o auxilio do Google Earth, áreas de interesse, tais como “prainhas”, ilhotas e pontos onde a acessibilidade do terreno se mostra convidativa, prosseguindo para o trabalho de campo. O Segundo agrupamento diz respeito à utilização de fotografias antigas que faziam parte do acervo dos pioneiros, que conforme veremos no decorrer do texto apresentava-se como um momento diferencial, porque demandava deslocar-se do cenário cotidiano das seções, e em muitos casos, do lazer oficial das Companhias de Colonização como a BRATAC.

Fig.01. Definição dos limites das propriedades em torno do rio Tibagi . A Fazenda Três Barras, no canto inferior direito, é o foco do trabalho. Fonte: Mappa Parcial do Paraná. Mábio Palhano 1933.

Os princípios lógicos que cercearam as escolhas e a identificação dos "spots" levantados foram: 1. Evitar áreas de corredeiras 2. Formação de prainhas 3. Proximidade de vias de acesso 4. Limitação do acesso (pontos de alagamento p.ex.) 5. Ausência de cobertura vegetal nas margens (indicação de ação antrópica) 6. Proximidade de ate 15 km dos núcleos urbanos ou seções 7. Travessias de balsa (antigas) 8. Proximidades de ocupação humana

3. Potencialidades de uso O acesso a este tipo de Paisagem tinha para o pioneiro, forte ligação com questões como segurança, acessibilidade, atratividade e distância. Os dois últimos estavam entrelaçados, uma vez que o acesso a este lazer estava condicionado, não só temporalmente (dias de descanso na semana), mas às questões de deslocamento.

Fig.02. Estrada no espigão entre o Córrego Limoeiro e Ribeirão Jataizinho (1944) que leva ao Rio Tibagy. Apesar de não se enxergar a água devido o relevo, é possível identificar variedade de componentes que tornam a paisagem complexa, tais como a agricultura, a mata ciliar e os morros no horizonte, 2012.

Fig.03. Amplitude visual. Curvas do rio respectivamente a sul e a norte da Fazenda Três Barras, a partir de um ponto alto em uma estrada recente, 2012.

O fator segurança aparece em dois sentidos: no sentido de evitarem-se as corredeiras, conhecidas como pontos perigosos ao longo do Tibagi. As pequenas prainhas (formadas pelo depósito de material ao longo do curso e por afloramentos rochosos) são fatores importantes quando se busca um contato maior com a água, mas mantendo-se as devidas distâncias de eventuais riscos de acidentes.

Fig.04. “Encontro de Poetas na beira do rio Tibagi ”. Fonte: IKEDA, 1952.

Estes pontos permitiam uma gama de atividades, tais como a pesca, o banho de rio, piqueniques e atividades criativas como poesias e pinturas. A preferência por algumas corredeiras e locais onde o leito é mais profundo interessava a pesca. Essa multiplicidade de usos foi vital no processo de consolidação destas áreas, uma vez que tornava atraente à várias faixas de idade, de uso e de atividades.

Fig.05. “Local de corredeira no rio Tibagi onde os imigrantes gostavam de pescar”. Fonte: IKEDA, 1952.

4. O rio Tibagi enquanto Paisagem de Preferência “Preferência como resultado de processos complexos que incluem perceber coisas e espaços, reagindo com estes em termos de potencial de utilidade e suporte” (KAPLAN, 1985, p.241-242). Nesse sentido, podemos entender que os elementos cênicos presentes na Paisagem do rio, respondem a uma preferência não só bidimensional (no plano pictórico), mas relacionada às preferências humanas. Devemos entender que para o imigrante, além destas variáveis, o papel da acessibilidade era tão ou mais importante quanto à experiência ou a qualidade visual. Por isso, embora se apresentasse como bom suporte cênico as atividades de lazer, sua principal função residia na multiplicidade de usos e diferencial frente às formas tradicionais de lazer nos núcleos de seção.

Fig.06. Vista do rio a partir da clareira. A vista alcança até as curvas do rio, além de ver a prainha a outra margem, o skyline dos morros ora coberto por áreas de plantio ou árvores, os elementos e camadas trazem complexidade à Paisagem.

As margens dos rios, assim como as encostas são dominadas pela vegetação, com exceção de uma área de chácaras a beira-rio que surge auxiliada pelos ramais da estrada principal. A topografia elevada e a presença de corredeiras deixam poucas “margens” ocupáveis, essa lógica é seguida pelo pontilhado das estradas rurais. Ao cruzarmos os mapas de declividade com os de parcelamento, verificamos que as áreas de “clareira” e as regiões mais propícias ao lazer são aquelas em que o nível da água

permite a travessia de embarcações e/ou à formação de pequenas prainhas. A formação de chácaras, portanto define assim um uso mais permanente desta Paisagem.

Fig.07. Área de chácaras representa um lazer perene, ainda que a ocupação efetiva seja sazonal, pela privatização da margem do rio, 2012.

5 Lazer oficial e não oficial Algumas companhias de colonização na região como a BRATAC possuíam regras rígidas de organização social. Implicava o incentivo à prática de lazer dos moradores das seções. Não só eram incentivados, mas fazia parte da vida em comunidade, participar do "lazer oficial". Publicações comemorativas descrevem a vinda de grandes poetas de haikai e tankas organizando competições literárias entre as seções. Um esporte em equipe, o beisebol era bastante apreciado e anualmente eram realizados torneios entre equipes da Fazenda Três Barras e outras colônias de imigrantes em Cambará, Fazenda Pirianito entre outros. Segundo as diretrizes da Sociedade Colonizadora, o domingo era considerado um dia de descanso. Cuidar da saúde mental e incentivar os estudos faziam parte das estratégias de desenvolvimento.

Fig.08. Campeonato de Baseball, realizado dia 16 agosto de 1947 entre as equipes de Assaí e Uraí. Fonte: Álbum de Família do Sr. Koga

Em contrapartida, o rio Tibagi representava a quebra na rotina, não somente as preparações, mas o encontro com o cenário definia um caráter simbólico de espontaneidade, fazendo com que a paisagem adquira um significado. As atividades junto ao rio com o caráter “não oficial” surgiria não somente como suporte das atividades ali realizadas, como a pesca, o banho de rio ou os almoços, mas das percepções e significados da Paisagem do Rio que demarcassem momentos da vida dos colonos.

Fig.09. Piquenique no rio Tibagi com senhoras e crianças de uma Seção. Fonte: Álbum de Família do Sr. Koga, 6 de janeiro de 1952.

Fig.10. Homens caçando na beira do rio. Lazer enquanto complemento à alimentação. Mais um traço da multiplicidade dos usos do rio Tibagi. Fonte: Álbum de Família do Sr. Koga, 6 de janeiro de 1952.

6. Plano visual a partir da margem. A estrada que acompanha a margem direita e limita a porção de terra livre próxima à água, favorecendo a permanência do uso público, configurando espaços de fácil acesso tanto físico, e de preferência visual e sonora (barulho das águas da corredeira) como contraste e fuga do cotidiano. Esses espaços de permanência junto ao rio podem ser chamados de clareiras onde a proximidade da estrada e a vegetação, não muito densa, facilitam o caminho e acesso a água. Em relação ao relevo a continuidade entre o nível da margem e do rio propicia a multiplicidade de atividades para adultos ou crianças como a pesca, atracar pequenas embarcações e o banho. Atualmente podem ser encontradas nas clareias, um mobiliário alternativo como bancos e mesas feitos de troncos ou tábuas e churrasqueiras improvisadas de tijolos ou um caldeirão suspenso. Esta estrutura disponível é um indicativo que esses locais são usados com frequência, porém, não necessariamente por um mesmo grupo. Mesmo sendo um território temporário ficam evidentes as demarcações que indicam cuidado com o local.

Fig.11. Clareira próxima a Vila do Alto Pau d’alho, em local favorável à aproximação ao rio Tibagi, 2012.

Fig.12. Acesso ao rio e florescência rochosa da clareira da figura 13, acima. Durante o período de secas, em alguns trechos é possível a travessia a pé., 2012.

Fig.13. Mapa com os principais pontos levantados pela pesquisa. Nota-se como as vias de acesso, o ritmo das corredeiras e o relevo configurar a escolha dos pontos. Fonte: Planta da Fazenda Três Barras, Município de São Jerônimo, Estado do Paraná, 1944.

7. Conclusão As clareiras abertas nas áreas mais baixas, o acesso facilitado pelas estradas oficiais e não oficiais, a presença de mobiliário, como bancos improvisados, churrasqueiras e sinalizações denotam que estes locais foram e ainda são utilizados pelos homens com fins de descanso. A relação entre o lazer oficial e o não oficial conforme observamos atua como vital na transformação daqueles momentos memoráveis, e que possui na Paisagem do Rio (Riverscape) do trecho. De acordo com uma pesquisa acerca das preferências da Paisagem (SCENIC SOLUTIONS 2009), características tais como um bom contraste entre morros, água, vegetação e ocupação humana são importantes na definição de uma Paisagem de preferência. A sensação do barulho das corredeiras, a variedade no porte e na espécie das árvores é convidativa à experiência humana. Os colonos imigrantes provavelmente identificaram esses elementos no rio, criando desde então pontos em que o lazer, a memória e a paisagem interagiram desenvolvendo um elo com o novo ambiente, que são comprovadas pelas fotos antigas presentes nos álbuns de família. Essa multiplicidade de usos aliada à disponibilidade de vias de acesso, em termos de utilidade e suporte, apresentava-se como favorável à vida de uma comunidade de

imigrantes em ascensão que buscavam um lazer não oficial. Atualmente verifica-se o uso recorrente, não somente pela proliferação de chácaras, mas da existência de pontos de clareira com mobiliário rústico, demonstrando a continuidade do uso relacionado ao lazer.

Agradecimentos: Ao Laborátorio de Paisagem UEL e ao CNPQ pelo projeto Fazenda Três Barras e Patrimônio Assahilandia.

Referências IKEDA, Shigueji. Comemoração do 20º Aniversário de Fundação da Colônia Três Barras. Editora Gráfica Brasileira, 1952. JAIN, Priya. CLANCY, Goody. Preserving Cultural Landscapes: A Cross-Cultural Analysis in: The Alliance for Historic Landscape Preservation. Boston, Massachusetts: 2011 p.15-29. LEE, Michael S., Assessing Visual Preference for Louisiana River Landscapes in: SMARDON, C. Richard (Ed.) The Future of Wetlands: Assessing Visual-Cultural Values New Jersey: 1983. PARANÁ. Planta da Fazenda Três Barras, Município de São Jerônimo, 1944. TOREZAN, José. Notas sobre a vegetação da Bacia do Rio Tibagi In: MEDRI, M.E.; BIANCHINI, E.; SHIBATTA, O.A.; PIMENTA, J.A. (Ed.). A Bacia do Rio Tibagi. Londrina: 2002. p. 39-43. SCENIC SOLUTIONS. Findings of international landscape studies landscape preferences. 2009.Disponível em : http://www.scenicsolutions.com.au/Int%20studies%20preferences.html acesso em 25 de setembro de 2012.

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