Franz Brentano crítico de Franz Miklosich: considerações brentanianas acerca do trabalho Sübjektlose Sätze

July 21, 2017 | Autor: Evandro O. Brito | Categoria: Franz Brentano, Intencionalidade, Proposição, Fran Miklošič, Relação Intencional
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COMITÊ CIENTÍFICO Presidente Prof. Dr. José Lourenço Pereira da Silva Membros Prof. Dr. Frank Thomas Sautter Prof. Dr. Rogério Passos Severo Prof. Dr. Silvestre Grzibowsk Capa Estevan Garcia Poll Projeto gráfico e diagramação: Kariel Antonio Giarolo e Evandro Oliveira de Brito Revisão e correção ortográfica: Kariel Antonio Giarolo

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Textos da V Jornada Nacional de Pesquisa na PósGraduação em Filosofia da UFSM / José Lourenço Pereira da Silva, Kariel Antonio Giarolo, Evandro Oliveira de Brito (organizadores) – São José : Centro Universitário Municipal de São José, 2015. 261 p. ISBN 978-85-66306-14-9 (e-book) 1. Análise da Linguagem e Justificação 2. Ética Normativa e Metaética 3. Fenomenologia e Compreensão I. Silva, José Lourenço Pereira. II Giarolo, Kariel Antonio. III. Brito, Evandro Oliveira. IV. Título. CDD 100

Atribuição - Uso Não-Comercial Vedada a Criação de Obras Derivadas

Textos da V Jornada Nacional de Pesquisa na Pós-Graduação em Filosofia da UFSM SUMÁRIO José Lourenço Pereira da Silva (UFMS) Apresentação ........................................................................... 11 Alexandre Neves Sapper (UFPel) O estado de natureza no plano internacional sob a perspectiva de Thomas Hobbes e a impossibilidade de paz perpetua ........ 13 Andrei Pedro Vanin (UNIFESP) Scientia e contingência diacrônica e sincrônica em Duns Scotus ................................................................................................. 25 Artur Ricardo de Aguiar Weidmann (UFSM) Sartre e as relações intersubjetivas: entre o conflito e a generosidade............................................................................ 39 Dinno Camposilvan Zanella (UFPel) Linguagem sensitiva e linguagem intelectiva em Santo Agostinho ................................................................................ 57 Evandro Oliveira de Brito (UFSM) Franz Brentano crítico de Franz Miklosich: considerações brentanianas acerca do trabalho sübjektlose sätze .................. 77

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FRANZ BRENTANO CRÍTICO DE FRANZ MIKLOSICH: CONSIDERAÇÕES BRENTANIANAS ACERCA DO TRABALHO SÜBJEKTLOSE SÄTZE

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Introdução A Em 1889, Brentano publicou sua teoria ética e, abandonando definitivamente o expressivismo proposto na Psicologia do ponto de vista empírico (1874), sustentou um cognitivismo moral2 ao afirmar que este se fundamentava na descrição da consciência desenvolvida segundo os critérios de sua Psicologia descritiva, a qual seria publicada em pouco tempo (BRENTANO, 1969, p. 3-4). Essa obra sobre ética, intitulada A origem do conhecimento moral (Vom Ursprung sittlicher Erkenntnis), trouxe como apêndice uma resenha já publicada em 1883, na qual Brentano havia analisado as pesquisas do linguista Miklosich sobre os verbos impessoais nas línguas eslavas. Ora, merece uma cuidadosa atenção o fato de que Brentano iniciou sua resenha afirmando que o título, Subjektlose Sätze (Proposições sem sujeito), atribuído por Miklosich para a segunda edição, era de fato o mais 1

Bolsista de pós-doutorado CAPES/PNPD no Programa de Pós-graduação em Filosofia da UFSM. [email protected] 2 Este tema foi tratado detalhadamente em Psicologia e ética – o desenvolvimento da ética na filosofia do psíquico de Franz Brentano (BRITO, 2012). 77

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apropriado, pois “o autor não se preocupava apenas com a natureza de um grupo de línguas; ele estava preocupado com uma tese de significância muito mais extensa" (BRENTANO, 1971, p. 183). Com isso, Brentano pretendia sustentar que o novo título se adequava melhor aos propósitos do trabalho porque indicava o caminho para a grande descoberta ocorrida na linguística, lógica e teoria do conhecimento, da qual ele mesmo participara com sua teoria exposta na obra Psicologia do ponto de vista empírico (1874) e aprimorara nos trabalhos que constituíram a obra Psicologia descritiva, escritos entre 1889 e 1891. No intuito de expor a relevância do trabalho de Miklosich para a filosofia brentaniana do psíquico, tomaremos como objeto da nossa apresentação a questão principal da investigação do linguista, apontada por Brentano, quando este afirmou que Miklosich não se preocupou com a natureza de apenas um grupo de línguas, uma vez que estava interessado em uma tese de significância muito mais ampla. A saber: a tese de que uma proposição é, fundamentalmente, um conceito (concebido como uma função) e não uma síntese entre sujeito e predicado. Assim, trataremos de reproduzir alguns pontos da análise brentaniana, os quais afirmavam que a extensão universal de tal tese consistiria no fato de que toda expressão linguística estaria estruturada sobre uma única forma proposicional, ou seja, todas as proposições seriam constituídas da mesma forma lógica. As seguintes definições, apresentadas por Inwood (1992, p. 200), servirão para esclarecer, mais adiante, o ponto principal do texto, uma vez que se trata de apontar a identidade entre a forma lógica da proposição (Satz) e a estrutura formal do juízo (Urteil) que fundamentaria a lógica, tal como Brentano a concebia. Neste sentido, proposição (Satz) e juízo (Urteil) são tomados ambiguamente do seguinte modo.

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Satz deriva de setzen (assentar, colocar, por, fixar etc.) e é, pois, alguma coisa posta no chão ou posta em determinada situação ou condição. Tem grande variedade de sentidos (por exemplo, sedimento e resíduos), mas o seu significado comum em filosofia e no uso corrente é o de "sentença”, “proposição". Enquanto que Urteil consiste em conceitos, Satz consiste em palavras: é um Urteil expresso em palavras. Mas, está frequentemente mais perto de "proposição" do que de "sentença": por exemplo, o que denominamos a "LEI" ou “PRINCÍPIO" de (NÃO-) CONTRADIÇÃO é, em alemão, o Satz de contradição”.

Para tornar compreensível, então, a recepção brentaniana da teoria desenvolvida por Miklosich, nós exporemos dois pontos específicos de sua resenha, a saber: i) Miklosich segundo Brentano: como Brentano interpretou a questão fundamental do trabalho de Miklosich? ii) Brentano para além de Miklosich: como Brentano identificou os resultados da investigação de Miklosich com os resultados sua própria teoria do conhecimento? Vamos ao primeiro ponto.

1. Miklosich segundo Brentano. Com o proposito de contextualizar esta apresentação, faremos primeiramente menção a alguns elementos relevantes da biografia de Miklosich.

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Franz Miklosich3 nasceu em 20 de novembro de 1813 em RadomerŠČak, Eslovênia, e morreu em 07 de março de 1891, em Viena. Formou-se na Universidade de Graz e, entre 1850 e 1886, lecionou na Universidade de Viena. Portanto, foi colega de Brentano nessa universidade a partir de 1874. Miklosich ficou conhecido como o linguista austríaco e esloveno, pois foi o fundador dos estudos históricocomparativos de gramática em línguas eslavas. Franz Miklosich fez uma importante contribuição aos estudos eslavos com a publicação de textos eslavos medievais, incluindo Codex Suprasliensis (1851), Apostuluse codice monasterii ŠiŠatovac paleoslovenice (1853), Nestor’s Chronicle (1860) e as fontes sobre a história dos eslavos (Monumenta serbica, 1858). Ele estudou literaturas eslavas e foi o fundador do estudo comparativo da poesia épica eslava, além de ter estudado também direito eslavo e etnologia. As principais obras de Miklosich trataram da lexicologia e gramática comparativa das línguas eslavas (vols 1-4., 1852-1875). O primeiro e o terceiro volumes deste trabalho foram, mais tarde, completamente revisados e publicados na segunda edição revisada do vol. 1 (1879) e vol. 3 (1876). Ele também estudou as influências transversais das línguas eslavas e as línguas dos povos vizinhos, incluindo os húngaros, romenos, albaneses e a língua dos ciganos. Apresentados, assim, alguns dos temas vinculados ao trabalho de Miklosich, podemos retornar ao nosso ponto por meio da recolocação da pergunta que nos interessa responder na primeira parte desta apresentação. A saber: como Brentano interpretou a questão fundamental do trabalho de Miklosich? Nas palavras do próprio Brentano, esta questão foi apresentada do seguinte modo:

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As informações biográficas sobre Miklosich estão em The Great Soviet Encyclopedia e foram citadas pelo The Free Dictionary on-line. 80

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Nós queremos aqui, no entanto, considerar especialmente a questão principal e esclarecer de modo breve do que se trata realmente. É uma antiga asserção da lógica que o juízo consiste essencialmente em uma ligação ou separação, em uma relação de representações uma para com outra. Mantida quase unanimemente por mais de dois mil anos, ela também exerceu influência sobre outra disciplina. E, assim, nós encontramos com os gramáticos, desde a antiguidade, a doutrina de que não é dada e não pode se dar qualquer forma simples de expressão de juízos, além da categórica, a qual liga um sujeito com um predicado (BRENTANO, 1971, p. 184. Tradução nossa).

O núcleo do problema explicitado por Miklosich, como afirmou Brentano nesta citação, estava no fato de que tanto a lógica como a gramática afirmavam que o juízo se definia basicamente como uma ligação ou separação entre uma representação e outra. Deste modo, e exatamente por conta desse pressuposto, havia surgido a dificuldade de explicar a natureza de certas proposições, tais como es regnet (chove), es blitzt (relampeja) e es rauscht (há ruído). Em língua portuguesa, essa questão é clara. Pois, se, de um lado, estivesse o pressuposto lógico de que a estrutura proposicional teria a forma do juízo categórico (S é P), do outro lado, estariam as proposições que não se encaixariam nessa estrutura, pois elas não possuem sujeito (ou, em certos casos, predicado). Elas são exatamente as proposições que Miklosich investigou e Brentano retomou: chove; relampeja; e há ruído. Assim, ao menos em língua portuguesa, fica explícita a impossibilidade de se encontrar a forma do juízo categórico (S é P) em tais proposições sem sujeito. De modo análogo ao que se explicita na língua portuguesa, as proposições “chove” e “há ruído” evidenciaram o paralelo encontrado por Miklosich e Brentano entre a língua 81

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alemã e as línguas eslavas. Pois, tal como a língua portuguesa nos mostra, o sujeito explicitamente inexistente nas proposições “chove” e “há ruído” não poderia ser considerado como algum tipo de sujeito oculto, pressuposto pelo pronome neutro ‘es’ presente na língua alemã. Assim, o pressuposto de que uma proposição teria a forma do juízo categórico (S é P), vinculado ao modo de conceber a função do pronome neutro ‘es’ da língua alemã (ou seu correlato nas línguas ocidentais), havia ocultado algo tão evidente para todos os pesquisadores da tradição ocidental. Considerada essa a questão central, Brentano ressaltou, a partir da análise de Miklosich, algumas tentativas fracassadas de explicar a suposta existência de tal ligação entre sujeito e predicado naquelas proposições sem sujeito (Subjektlose Sätze). Seguindo o linguista, ele descreveu algumas das propostas de solução para mostrar a razão do seu fracasso. Na primeira proposta de solução destacada por Brentano, Miklosich avaliou as tentativas de se estabelecer o sujeito, tanto para a proposição es regnet (chove), como para a proposição es rauscht (há ruído). No caso específico da proposição es regnet (chove) havia a sugestão, proposta por antigos pesquisadores, a qual afirmava que o sujeito seria Zeus. Neste caso, ressaltou Brentano seguindo a recusa da solução apresentada por Miklosich, “tal como alguns pensaram, quando se diz es regnet (chove), o sujeito não nomeado, designado pelo ‘es’ indefinido, seria Zeus e o sentido seria Zeus regnt (Zeus chove)” (BRENTANO, 1971, p. 185). O problema estava no fato de que está solução simplória se tornava imediatamente falsa quando aplicada à proposição es rauscht (há ruído), pois, continuou ele, “quando se diz es rauscht (há ruído) seria evidente, então, que Zeus não poderia ser o sujeito” (BRENTANO, 1971, p. 185). Nem mesmo seria válida a segunda proposta de solução, a qual havia afirmado que “aqui o sujeito seria das Rauschen (o ruído) e, então, o sentido da

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proposição seria das Rauschen rauscht (o ruído rui)” (BRENTANO, 1971, p. 185). Se isso fosse possível, no caso da proposição es regnet (chove) tal solução estabeleceria das Regnen (a chuva) como seu sujeito, uma vez que a proposição seria, então, der Regen regnet (a chuva chove). A falha nessas tentativas de procurar um sujeito oculto para as proposições sem sujeito, como uma tentativa de justificar a forma da proposição categórica, também ficava evidente no caso das proposições es fehlt an Geld (falta dinheiro) e es gibt einen Gott (é dado um Deus ou há um Deus). A análise de Miklosich citada por Brentano é a seguinte. Quando se diz es fehlt an Geld (falta dinheiro), então consequentemente o sentido deveria ser das Fehlen an Geld fehlt an Geld (a falta de dinheiro falta dinheiro). Mas isso não é aceitável. E, então, em vez disso, se esclarece aqui que o sujeito seria Geld (dinheiro) e o sentido da proposição seria Geld fehlt an Geld (dinheiro falta dinheiro). Certamente isso seria, a rigor, uma violação mais grave contra a unidade desejada da explicação. E se, tapando os olhos, talvez se pudesse escondê-la, não seria mais possível alcançar um sentido aceitável quando se encontrasse proposições como es gibt einen Gott (é dado um Deus ou há Deus), onde novamente nas proposições einen Gott Geben gibt einen Gott (um Deus dá um Deus) ou das Geben gibt einen Gott (o Dado dá um Deus) ou, ainda, Gott gibt einen Gott (Deus dá um Deus). (BRENTANO, 1971, p. 185. Tradução nossa).

Ao apresentar a evidência manifesta pelas proposições sem sujeito enunciadas em línguas eslavas, análogas a evidência que encontramos em tais proposições quando enunciadas na língua portuguesa, a análise de Miklosich impôs à Brentano uma nova questão. Pois, afirmou ele, “seria preciso 83

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pensar, aqui, em um modo de explicação totalmente diferente. Mas onde seria possível encontrá-la?”. 2. Brentano para além de Miklosich: Como Brentano identificou os resultados da investigação de Miklosich com os resultados sua própria teoria do conhecimento? Segundo Brentano, a análise das proposições sem sujeito (tais como chove, relampeja etc.) levou Miklosich a se opor a duas teses comumente aceitas pela tradição, a saber: a tese lógica; e a tese gramatical. a. A tese lógica afirmava que “o juízo consistia essencialmente em uma ligação ou separação, em uma relação de uma representação com outra” (BRENTANO, 1971, p. 184). b. A tese gramatical afirmava que “não havia uma forma expressão mais simples do juízo que a categórica, a qual ligava um sujeito a um predicado” (BRENTANO, 1971, p. 184). Essa oposição de Miklosich, ainda segundo Brentano (1971, p. 186), estava dirigida contra aqueles que, como Steinthal, negavam toda a correlação entre gramática e lógica e refutava, ao mesmo tempo, os ataques que, precisamente em razão dessa correlação, os psicólogos e os lógicos poriam contra sua teoria. Portanto, a grande virtude encontrada por Brentano nesse ataque, levantado por Miklosich, consistia em reconhecer a verdadeira estrutura dos juízos a partir da estrutura das proposições sem sujeito, pois a ele pareceu ser falso que um conceito fosse relacionado a outro em todo juízo,

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uma vez que “frequentemente o juízo é apenas a afirmação ou negação de um fato simples” (BRENTANO, 1971, p. 187). Este era, então, o ponto fundamental da interpretação de Brentano, pois, segundo ele, a tese de Miklosich não apenas estava correta, mas ela também havia chegado às mesmas conclusões que ele mesmo chegara nas investigações psicológicas desenvolvidas em sua Psicologia do ponto de vista empírico (1874) e aprimorara nos trabalhos que compuseram sua Psicologia descritiva, elaborados entre 1888 – 1891. A tese brentaniana envolvia um conjunto de especificidades que foge aos propósitos deste trabalho. No entanto, é preciso ressaltar que ela, supondo os fundamentos da filosofia do psíquico aprimorados para a Psicologia descritiva (1888 – 1891), sustentava os três pontos seguintes, os quais permitiram recepcionar os resultados do trabalho de Miklosich. b) Toda proposição pode ser descrita na forma de um juízo existencial. c) Todo juízo existencial pode ser descrito como uma relação intencional de segunda classe (diploseenegie), sendo, portanto, um fenômeno psíquico que pressupõe uma representação (relação intencional de primeira classe). d) Enquanto relação intencional fundamental, toda representação consiste num ato intencional dirigido a um objeto imanente. Tal como analisamos pormenorizadamente em outro trabalho4, esses três pontos resultaram conjuntamente do aprimoramento da filosofia brentaniana, apresentado entre 1888-1891.

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A esse respeito, conferir BRITO (2013), especialmente o terceiro capítulo intitulado Os fundamentos da descrição dos fenômenos no contexto da obra Psicologia descritiva (p. 125-180). 85

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Nesse contexto de época, Brentano corrigiu sua primeira teoria da intencionalidade apresentada na obra Psicologia do ponto de vista empírico (1874) e chamou passou a chamar a atenção para aquela que seria a correta separação entre a classe das representações (ideae) e a classe dos juízos (judicia), tal esta como fora apresentada por Descartes à história da filosofia. Segundo a análise brentaniana, a correta separação cartesiana entre a classe das representações (ideae) e a classe dos juízos (judicia) resultava da seguinte descrição. O juízo seria descrito como um ato de afirmação ou rechaço da representação (e não mais como um ato de afirmação ou rechaço do conteúdo representado, como em 1874). Isso significava que a descrição do juízo seria orientada pela estrutura de predicação encontrada em Aristóteles, ou seja, [(A)é] ou [(A é b)é], mas, além disso, Brentano reconhecia na teoria cartesiana uma especificidade desse mesmo ato. Tratavase da afirmação ou do rechaço da relação intencional que constituiria o ato de representar, ou seja, da representação (e não do representado), pois a análise brentaniana descrevia a ideae como uma função assimétrica para redefinir a noção de representação.5

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É interessante anteciparmos uma parte do comentário de Twardowski que desenvolveremos adiante. O próprio Twardowski fez referência ao modo como Brentano concebeu essa noção de representação e, também, deixou indicada a recepção cartesiana, pois Twardowski afirmou que a noção brentaniana de objeto secundário era o ato e o conteúdo tomado em conjunto. Além disso, como veremos adiante, essa representação consistia no objeto ao qual o juízo se referia intencionalmente. “Embora Brentano designe como objeto primário o objeto da representação, tal como é feito aqui (na obra de Twardowski), ele entende por objeto secundário de uma representação o ato e o conteúdo tomados em conjunto, na medida em que ambos, durante a atividade de representar um objeto, são apreendidos pela consciência interna, e aí a representação torna-se assim consciente”. Twardowski, Kasimir. Para a doutrina do conteúdo e do objeto das representações, Uma investigação psicológica, p. 62-63, nota 2. 86

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Aqui está, então, o ponto tangencial que nos interessa nessa posição epistemológica, pois Brentano não reconhecia a noção moderna de juízo (relação entre ideias) no âmbito da teoria do conhecimento cartesiana. A análise brentaniana esclareceu que a noção cartesiana de juízo não poderia ser descrita como uma atribuição de um sujeito a um predicado [A é B]. Tal como descreve a citação a seguir, Brentano nos fez lembrar, também em 1889, que uma composição de “ideias” ou uma “ideia composta”, por si só, nada mais seria que uma parte (ou o correlato) da representação (ou do ato). Do mesmo modo, uma “ideia” simples seria também uma parte (ou o correlato) da representação (ou do ato). Isso significava que a representação, como um ato intencional, estava referida a um objeto imanente, portanto, tendo uma representação como base, um juízo seria uma referência intencional a essa representação, fosse ela um ato que se referisse a um correlato simples ou composto: Sempre que se queira, é possível juntar e referir várias representações umas às outras. Por exemplo, quando dizemos: uma árvore verde; uma montanha de ouro; um pai de cem filhos; um amante da ciência. No entanto, se nada for feito além disso, não se expressa juízo algum. Também é certo que o julgar, como o desejar, implica sempre um representar. Mas, não é certo que várias representações se refiram umas às outras como sujeito e predicado. Isto acontece quando digo: Deus é justo. Mas, não quando digo: existe um Deus. (BRENTANO, 1969, p. 17. Tradução nossa).

Esse era o ponto convergente entre Descartes e Brentano, tal como expõe a citação acima. Ora, se Brentano estabeleceu que não haveria como conceber a noção de ideia hobbesiana e lockiana em sua filosofia do psíquico, então não haveria também como 87

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conceber juízo ou conhecimento como relação entre ideias, segundo a fórmula do juízo categórico (S é P). Tendo esse pressuposto em elaboração, o trabalho de Miklosich serviu perfeitamente para corroborar sua teoria do psíquico. Conclusão Tal como expusemos, Brentano se valeu da tese fundamental de Miklosich, a qual estabelecia que, a partir da sua forma, as proposições sem sujeito explicitavam que o juízo seria apenas a afirmação ou a negação de um fato simples. Em outras palavras, Brentano utilizou o fenômeno linguístico estudado por Miklosich para corroborar sua teoria de que todo juízo sintético é redutível a um juízo tético, pois todo juízo possui a forma de ato intencional de segunda classe. Ao pressupor sua própria teoria, Brentano incorporou algumas reformulações à tese de Miklosich com o exclusivo propósito de complementá-la e consolidá-la filosoficamente, embora as tenha classificado como reformulações secundárias. De modo breve e alusivo, podemos dizer que tais complementações estabeleceriam que: a) por um lado, as proposições denominadas proposições sem sujeito também seriam, por definição, proposições sem predicado; e b) por outro lado, a forma da proposição seria, na verdade, universal e sua extensão seria ilimitada. Não poderemos analisar aqui, no escopo desta apresentação, os pressupostos e as implicações das complementações brentanianas propostas para a teoria de Miklosich, pois esta será a tarefa de um trabalho futuro.

Bibliografia

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