Freguesia de Eiras: a Sua História - do século X ao séc. XXI

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Descrição do Produto

FREGUESIA DE EIRAS A SUA HISTÓRIA

(DO SÉCULO DÉCIMO AO SÉC. XXI)

FICHA TÉCNICA

título

FREGUESIA DE EIRAS: a Sua História (DO SÉC. DÉCIMO AO SÉC. XXI)



Autor

João Carlos Santos Pinho



Editor

Junta de Freguesia de Eiras

Capa

1.º Plano: aspecto central da Fonte de Eiras na actualidade; 2.º Plano (fundo): documento do escambo de Eiras por Aveiro, 1306



O Terreiro da Fonte de Eiras em meados dos anos 50 do século passado

Contra Capa

Arranjo Gráfico

Nuno Beirão

Impressão

Tipografia Lousanense, Lda.

Tiragem

2500 exemplares (500 com capa dura)

ISBN Dep. Legal N.º

1.ª Edição

Dezembro de 2008

© Copyright 2008 Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.

JOÃO CARLOS SANTOS PINHO

FREGUESIA DE EIRAS A SUA HISTÓRIA

(DO SÉCULO DÉCIMO AO SÉC. XXI)

COIMBRA 2008

SUMÁRIO ABREVIATURAS UTILIZADAS NA OBRA......................................................................... 11 CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS E DOCUMENTAIS.............................................................. 12 COMO NASCEU E SE CONCRETIZOU ESTE LIVRO....................................................... 15 NOTA INTRODUTÓRIA......................................................................................................... 19 APRESENTAÇÃO DA OBRA................................................................................................. 23 APRESENTAÇÃO DA FREGUESIA DE EIRAS................................................................... 27 ORDENAÇÃO HERÁLDICA DA FREGUESIA DE EIRAS................................................ 28 TÁBUA CRONOLÓGICA........................................................................................................ 30 PROÉMIO AO ESTUDO DA FREGUESIA DE EIRAS: TERRITÓRIO, SENHORIO,   PARÓQUIA E FREGUESIA................................................................................................. 37          

1. Introdução.......................................................................................................................... 39 2. Um Território que pertenceu a diversos Senhorios...................................................... 39 3. Eiras no termo do Município Coimbrão........................................................................ 40 4. A Paróquia.......................................................................................................................... 40 5. Do Século XIX em diante: a Freguesia Civil de Eiras.................................................. 44

O MEIO FÍSICO E A PAISAGEM........................................................................................... 51   1. As primeiras descrições da freguesia............................................................................. 53   2. O Clima............................................................................................................................... 55   3. Geomorfologia e Geologia............................................................................................... 56   4. A Hidrografia..................................................................................................................... 58   5. A Fauna e a Flora............................................................................................................... 59   6. O Homem perante a Natureza revolta: pequena história das lutas que se trava   ram nesta freguesia........................................................................................................... 62 NO TRILHO DAS ORIGENS.................................................................................................. 69   1. O contributo da Arqueologia.......................................................................................... 71   2. Toponímia dos principais povoados da Freguesia....................................................... 76   3. Os mais antigos registos documentais........................................................................... 83    3.1. Por volta do ano mil, brilha mais intensa a luz do Mosteiro de Lorvão............ 83    3.2. No decurso do século XII: O Mosteiro de Santa Cruz emerge no território...... 85    3.3. Eiras, uma terra reguenga de origens incertas. ..................................................... 86    3.4. O Mosteiro de S. Paulo de Almaziva....................................................................... 87 O MOSTEIRO DE CELAS, O GRANDE SENHOR DE EIRAS........................................... 89   1. As Origens do Mosteiro................................................................................................... 91   2. O escambo do ano 1306: a aldeia de Eiras pela terça parte da Vila de Aveiro – o    Mosteiro de Celas torna-se Senhorio Directo de Eiras................................................ 92   3. Prenúncio de foral - A Carta de pergaminho de 1311 apresentada pelo Juiz de    Eiras em 1359..................................................................................................................... 95

  4. O processo para Foral Novo no tempo de D. Manuel I............................................... 98   5. O território do Mosteiro de Celas na actual Freguesia de Eiras e fora dela: limites    e tributos - 1306, 1311, 1518, 1740.................................................................................... 100   6. Meios de produção, rentabilidade e armazenamento das colheitas.......................... 102    6.1. Moinhos, Azenhas, Lagares e fornos....................................................................... 103    6.2. As casas de recolhimento das rendas: o celeiro do Mosteiro de Celas em Eiras... 105   7. Síntese das terras e propriedades próprias do Mosteiro de Celas na Vila de Eiras    por volta de 1740............................................................................................................... 106   8. O cadastro da propriedade em redor de Eiras: o controlo das terras e das gentes    os contratos de aforamento e emprazamento............................................................... 108   9. O Mosteiro de Celas no centro dos conflitos pelo querer e mandar na área actual    da Freguesia de Eiras........................................................................................................ 111    9.1. Nos Casais de Eiras (ou de Braga)........................................................................... 111    9.2. A polémica com a Câmara e Povo de Eiras no Tombo Novo de Eiras de 1740. 112 PARA LÁ DO MOSTEIRO DE CELAS: PODEROSOS EM ACÇÃO NO TERRITÓRIO   DE EIRAS............................................................................................................................... 115   1. Os Reguengos: da Corredoura ao Bolão........................................................................ 117    1.1. Reguengo da Corredoura.......................................................................................... 117    1.2. O Reguengo do Bolão................................................................................................ 119   2. O Mosteiro de S. Paulo de Almaziva: Eiras, Redonda, Vale de Figueiras   e Cordovão......................................................................................................................... 120    2.1. Em Eiras....................................................................................................................... 120    2.2 Na Redonda................................................................................................................. 123    2.3. Em Vale de Figueiras. ............................................................................................... 125    2.4. No Cordovão: as azenhas e o lagar de azeite......................................................... 125    2.5 Propriedades dispersas pela região.......................................................................... 128   3. A Igreja de S. Pedro da Cidade de Coimbra e o Casal do Murtal.............................. 129   4. Terras de Santa Justa: O Ingote, Panoyas, Monte Olivete, S. Miguel e Loreto (ou   Assamassa)......................................................................................................................... 131   5. O Cabido da Sé de Braga: a Quinta do Paço e os Casais de Eiras.............................. 133   6. As Confrarias/Irmandades de Eiras.............................................................................. 139 DEMOGRAFIA.......................................................................................................................... 145   1. Evolução Geral da População da Freguesia de Eiras: 1527-2001............................... 147    1.1. Até 1864: a época dos Numeramentos, Cômputos e das Informações Paro    quiais........................................................................................................................... 147    1.2. 1864 em diante: período das estatísticas organizadas e programadas............... 150   1.3. Conclusões.................................................................................................................. 151 O PODER CONCELHIO DE EIRAS....................................................................................... 155   1. Origens do Concelho de Eiras......................................................................................... 157   2. A Jurisdição: a cível e o crime.......................................................................................... 158   3. A estrutura base: a constituição de listas, a tirada das justiças, o juramento e entre   ga de varas, e a validação e fiscalização superior......................................................... 160   4. Os outros oficiais concelhios: Escrivão, Almotacés, Porteiro, Louvados e Depo  sitário.................................................................................................................................. 171   5. S  ímbolos do poder: a Casa das Sessões, o Cartório, o Brasão, a Cadeia e o Curral... 172   6. O domínio fiscal do Concelho de Eiras: Almotaçaria, o Código de Posturas, as    Coimas e o Ramo de cobrança de Sisas......................................................................... 180   7. Privilégios do Concelho: Médico, Botica, Mestre de Latim e Mestre de Ler, Escre   ver e Contar, Padre Pregador da Quaresma.................................................................. 188

  8. De 1755 a 1836: decidir, deliberar e agir no Concelho de Eiras.................................. 194    8.1. Correições aos caminhos, às bordas e aos bueiros................................................ 194    8.2. Os termos de caminho feitos na fonte e na ponte................................................. 195    8.3. Termos dos Cochinos, das Colmeias, das Aredas e de Égua de Lista................ 197    8.4. Termos de aforamento............................................................................................... 197    8.5. Termos ou decisões pontuais – mas fundamentais – na vida concelhia: águas,     serventias, pastagens ............................................................................................... 198   9. O Concelho de Eiras perante a implantação e triunfo do Liberalismo..................... 199   10. A extinção do Concelho de Eiras.................................................................................. 204   11. O pequeno concelho dos Casais de Eiras..................................................................... 206   12. As Companhias de Ordenanças de Eiras e dos Casais.............................................. 207 EIRAS ENTRE DOIS SÉCULOS: DA EXTINÇÃO CONCELHIA AOS FINAIS DA  MONARQUIA....................................................................................................................... 209   1. Breve contextualização..................................................................................................... 211   2. A continuidade do passado............................................................................................. 214    2.1. A reparação das fontes e das pontes........................................................................ 214    2.2. A conservação e reparação dos caminhos.............................................................. 215    2.3. A limpeza das ruas e caminhos da Vila.................................................................. 216    2.4. O controlo sobre o apascentamento de gado cabrum........................................... 217   3. As novas realizações estruturais..................................................................................... 218    3.1. As novas estradas, caminhos e pontes.................................................................... 218    3.2. As Escolas: da Masculina à Feminina..................................................................... 219     3.2.1. A Escola Masculina......................................................................................... 219     3.2.2. A Escola Feminina........................................................................................... 221    3.3. A Casa das Sessões da Junta..................................................................................... 223    3.4. O cemitério.................................................................................................................. 224   4. Aperfeiçoamento da assistência: a criação dos Partidos Médicos............................. 227   5. Consequências do desenvolvimento da Cidade de Coimbra: os progressos na    parte Sudoeste da Freguesia de Eiras – caminho de ferro e iluminação pública..... 228 EIRAS NUM CAMINHO CURTO: DA IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA   À DITADURA MILITAR...................................................................................................... 233   1. A implantação da República na Freguesia de Eiras .................................................... 235   2. Mantêm-se velhas preocupações: limpeza de caminhos, o pastoreio do gado, a    fonte, as dificuldades financeiras, os médicos…a escola e a caixa escolar!.............. 238   3. Novas dificuldades para resolver: a gripe pneumónica, a carestia, o patrulha   mento das ruas.................................................................................................................. 240 A FREGUESIA DE EIRAS NUM LONGO CAMINHO: DO ESTADO NOVO   CORPORATIVISTA AOS ALVORES DA LIBERDADE................................................... 243 A – 1928-1953: da Grande Crise Económica ao I Plano de Fomento................................. 245   1. Contextualização............................................................................................................... 245   2. Resolve-se, em parte, o problema da Fonte de Eiras................................................... 249   3. Cria-se uma nova estrutura, mas também um novo problema, na freguesia: a   Montureira Municipal...................................................................................................... 251   4. Ainda tempos difíceis: a ajuda aos pobres, o desemprego......................................... 251   5. Marcas de progresso: reabre-se o Posto de Registo Civil, organiza-se a distri   buição do correio, instala-se o Posto Telefónico em Eiras, estabelece-se no Alto    da Estação Velha um posto de combustíveis................................................................ 252

  6. A melhoria das infra-estruturas existentes: estradas, caminhos e a Casa da Junta. 254   7. As novas infra-estruturas: a água e a luz....................................................................... 256   8. Rumo à nova escola: os Cursos Nocturnos, a situação das velhas escolas feminina    e masculina e o Posto Escolar.......................................................................................... 257   9. O sonho tornado realidade: a Nova Escola de Eiras.................................................... 265 B – A Freguesia de Eiras do I Plano de Fomento aos alvores da Democracia (1953-1974).... 281   1. Introdução ao correr da pena.......................................................................................... 281   2. A Junta propõe a Câmara resolve: das propostas aos subsídios pela melhoria das    estruturas materiais locais .............................................................................................. 284    2.1. Estradas e Caminhos................................................................................................. 284    2.2. O arranjo do Largo da Igreja de Eiras..................................................................... 285    2.3. Remodelação e ampliação da rede de distribuição de energia eléctrica............ 286    2.4. Abastecimento de água: a mais longa luta............................................................. 286   3. 1968-1974: afirmação e renovação em Eiras – a acção do Professor Manuel de    Albuquerque Matos à frente da Junta de Freguesia..................................................... 287    3.1. Redes públicas que aprisionam: ainda o combate pela iluminação e abaste    cimento de água........................................................................................................ 289    3.2. A higienização da população e o saneamento público......................................... 289    3.3. A Melhoria das Infraestruturas rodoviárias em larga escala: estradas, ruas e     caminhos.................................................................................................................... 291   3.4. M  elhorias nos serviços públicos: transportes, rede telefónica e posto dos C.T.T. . 294    3.5. O Murtal: lugar de especiais preocupações........................................................... 296    3.6. A Valorização do património histórico da freguesia ............................................ 296    3.7. Nova sede para a Junta............................................................................................. 298    3.8. A Cidade a caminho de Eiras: transferência da Carreira de Tiro e a Variante     Norte........................................................................................................................... 300   4. A Freguesia de Eiras no pós-Albuquerque Matos: de 1972 a 25 de Abril de 1974...... 302 C – Da Industrialização à Urbanização dos espaços rurais da Freguesia de Eiras:   1926-1974............................................................................................................................ 304   1. A Cidade cresce na direcção de Eiras: as primeiras urbanizações............................. 304   2. A criação da Zona Industrial do Loreto-Pedrulha....................................................... 305   3. Transformações operadas pela nova zona industrial – Eiras dentro da Cidade B”. 306    3.1. Uma nova urbanização do espaço: a construção de bairros sociais, o aumento      da população, o incremento de habitações........................................................... 306    3.2. Consequências do progresso: o abandono da Agricultura e alterações na     população residente.................................................................................................. 317   4. Os primórdios das novas urbanizações da freguesia: Monte Formoso e Ingote..... 320 FREGUESIA DE EIRAS: DE ABRIL DE 1974 AOS PRINCÍPIOS DO SÉCULO XXI....... 325   1. Como Eiras viveu a Revolução do 25 de Abril............................................................. 326    1.1. A Junta de Freguesia depõe mandato e transmitem-se os poderes.................... 326    1.2. As sessões de esclarecimento e a acção das Comissões de Moradores.............. 327   2. As primeiras eleições livres: Assembleia Constituinte, Assembleia da República,    Presidência da República e Autárquicas........................................................................ 328   3. Melhoria das infraestruturas: a água, a luz, as estradas e a creche «Paraíso da   Criança».............................................................................................................................. 331   4. Dos anos 70 do século XX aos primórdios do Século XXI .......................................... 336    4.1. A expansão urbana..................................................................................................... 336    4.2. A Urbanização da Quinta de Santa Apolónia........................................................ 336

   4.3. Novos bairros no Ingote e na Quinta da Rosa....................................................... 340    4.4. A expansão e reconversão urbana da antiga Zona Industrial Loreto/Pedrulha/     Eiras............................................................................................................................. 343    4.5. Espaços urbanizados e estruturas de apoio em redor de Eiras, Casais e     S. Miguel .................................................................................................................... 347   5. Instituições de referência existentes na Freguesia de Eiras........................................ 350    5.1. União Clube Eirense.................................................................................................. 351    5.2. Associação de Solidariedade e Cultura Sol-Eiras.................................................. 360    5.3. Comunidade Juvenil de S. Francisco de Assis....................................................... 364    5.4. Grupo Folclórico e Etnográfico do Bairro do Brinca (Eiras-Coimbra)............... 366   6. Os últimos progressos na Freguesia de Eiras................................................................ 368    6.1. O Cearte....................................................................................................................... 368    6.2. A criação de um espaço de lazer no Escravote...................................................... 369    6.3. O Complexo de Piscinas Rui Abreu........................................................................ 369    6.4. O novo Centro de Saúde de Eiras............................................................................ 370    6.5. A Variante de Eiras..................................................................................................... 370    6.6. O Parque Empresarial de Eiras................................................................................ 371    6.7. As obras de Saneamento Básico............................................................................... 371    6.8. A Freguesia de Eiras torna-se a casa do INEM...................................................... 372 PATRIMÓNIO HISTÓRICO-ARQUITECTÓNICO DA FREGUESIA DE EIRAS............ 373 A – PATRIMÓNIO EXISTENTE.............................................................................................. 375   1. A Igreja Paroquial de S. Tiago......................................................................................... 375   2. A Igreja do Sacramento ou do Espírito Santo............................................................... 387   3. A Capela do Santo Cristo................................................................................................. 398   4. A Fonte ou Chafariz de Eiras........................................................................................... 401   5. A Capela de Nossa Senhora do Loreto........................................................................... 403   6. A ponte de Eiras-Casais, a Fonte dos Casais (Escravote) e a Fonte de Santa    Catarina, Casas Antigas, o Moinho de Vento e o Lagar das Laranjeiras................... 409 B – PATRIMÓNIO DESAPARECIDO..................................................................................... 411        

1. A antiga Igreja Matriz....................................................................................................... 411 2. A Capela de S. Domingos................................................................................................. 414 3. A Capela de Santa Catarina............................................................................................. 414 4. A Azenha das Rodas......................................................................................................... 416

NOTAS DE ETNOGRAFIA, ETNOLOGIA E CULTURA POPULAR............................... 417   1. As Festividades Sacro‑Profanas...................................................................................... 419    1.1. Festas que foram caindo em desuso........................................................................ 419    1.2. As grandiosas e antiquíssimas Festas do Espírito Santo...................................... 420    1.3. O dia da Freguesia de Eiras...................................................................................... 437    1.4. As Fogueiras de S. João, Santo António e S. Pedro............................................... 439   2. A actividade dos Ranchos Folclóricos............................................................................ 439   3. Tradições, usos e costumes:............................................................................................. 442    3.1. Pelo Carnaval: as pulhas e o enfarruscar................................................................ 442   3.2. Alcunhas...................................................................................................................... 443    3.3. Os divertimentos das crianças de ontem................................................................ 444   3.4. As Faniqueiras............................................................................................................ 444   3.5. A “pranta”................................................................................................................... 445    3.6. Os convites de casamento......................................................................................... 445    3.7. Dia de Nossa Senhora das Candeias....................................................................... 445

  4. Lendas................................................................................................................................. 445    4.1. A Moura Encantada: no Escravote e na Ouressa................................................... 445   4.2. A costureirinha........................................................................................................... 446   5. Espaços Sociais: as Tabernas e os Grupos Recreativos................................................ 446   6. Gastronomia....................................................................................................................... 448 PERSONALIDADES COM HISTÓRIA.................................................................................. 451   1. Introdução ao estudo das Personalidades..................................................................... 453    1.1. Dr. Xavier Lopes Vilela.............................................................................................. 454    1.2. Dr. Manuel Serpins de Carvalho.............................................................................. 454    1.3. Fabião Soares de Paredes Ferreira........................................................................... 455    1.4. Manoel Gomes Bezerra de Lima.............................................................................. 455    1.5. João Luís Pereira e Oliveira...................................................................................... 456    1.6. Dr. Joaquim José Pais da Silva Júnior, sua esposa D. Maria da Conceição e seu     filho António Pais da Silva...................................................................................... 456    1.7. Conselheiro Ildefonso Marques Mano.................................................................... 457    1.8. António José dos Santos e Campos......................................................................... 458    1.9. Francisco Mendes da Silva e sua esposa D. Helena Mendes Vaz....................... 459    1.10. José Maria Teles de Sampaio Rio........................................................................... 459    1.11. Professor Dr. Augusto Pais da Silva Vaz Serra (e família).................................. 460    1.12. O Dr. Alfredo Freitas e Dr. Carlos de Melo Freitas.............................................. 460    1.13. Manuel de Albuquerque Matos e Lídia Helena de Sousa Albuquerque Matos. 461 CAMINHANDO E SABOREANDO COM HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DE EIRAS.......... 467   1. O empréstimo da Imagem do Senhor dos Passos – meteram Nosso Senhor no    curral das cabras! ............................................................................................................. 469   2. Os estragos provocados pelas invasões francesas........................................................ 471   3. Em 1870: pede‑se a imagem do Senhor Morto a Botão mas ela não chegou. Porque   terá sido?............................................................................................................................ 472   4. À espera de encher o cântaro na fonte de Eiras............................................................ 473   5. A venda dos «raposos»..................................................................................................... 473   6. Os Guardadores das Hortas............................................................................................ 473   7. Os salteadores dos Marcos da Pedrulha........................................................................ 473   8. Certa eleição em S. Paulo de Frades............................................................................... 474   9. O ciclo do pão.................................................................................................................... 474   10. As vindimas e a apanha da azeitona............................................................................ 475   11. Os soldados de Eiras: na primeira guerra mundial e no Ultramar.......................... 475   12. Uma escola que o tempo (quase) apagou: a Escola do Casal do Ferrão................. 476   13. A rivalidade entre os lugares de Eiras e dos Casais................................................... 477   14. Dois grandes artífices de Eiras, de ciências diferentes: José Alcides Pereira e   Mário Cesteiro................................................................................................................... 478 BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................... 481 FONTES...................................................................................................................................... 488 APÊNDICE DOCUMENTAL.................................................................................................. 495 ANEXOS..................................................................................................................................... 513

ABREVIATURAS UTILIZADAS NA OBRA A.F.P.M.A.M. – Arquivo Familiar do Professor Manuel Albuquerque Matos A.J.F.E. – Arquivo da Junta de Freguesia de Eiras A.H.M.C. – Arquivo Histórico Municipal de Coimbra Alq. – Alqueire A.N.T.T. – Arquivo Nacional Torre do Tombo A.P.E. – Arquivo Paroquial de Eiras Art.º – Artigo A.S.C.M.C. – Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra A.U.C. – Arquivo da Universidade de Coimbra A.U.C.E. – Arquivo do União Clube Eirense Coord. – Coordenador ou Coordenação D.C. – Depois de Cristo Dir. – Director ou Direcção Doc. – Documento Ed. – Edição ou Editora Fl. – Folhas Id. – O mesmo autor, obra e ou página Km – Quilómetro Mç – Maço Mm. – Milímetros Mt. – Metros M2 – Metro quadrado N.º – Numero P. – Página Pp. – Páginas Rev. – Revista Rs. – Reis (moeda) Sep. – Separata Séc. – Século S/N – Sem número Vol. – Volume

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CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS E DOCUMENTAIS© Departamento da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra: – Imagoteca; fotos 73, 74 e 89 – Gabinete de Arqueologia; fotos 9, 10 e 157 – Arquivo Histórico-Municipal de Coimbra; fotos 26 e 27 Arquivo Nacional Torre do Tombo; fotos 19 e 20 Arquivo da Universidade de Coimbra; fotos 21, 22 e 32 Junta de Freguesia de Eiras; fotos 38, 39, 76, 96, 111, 113, 126, 133, 156, 161, 163 e capa União Clube Eirense; fotos 108, 109, 110, 112, 115, 116 e 117 Escola Secundária D. Dinis; foto 107 Creche e Jardim-de-Infância de S. Miguel; foto 86 Comunidade Juvenil de S. Francisco de Assis; fotos 120 e 121 Grupo Folclórico e Etnográfico do Bairro do Brinca; foto 122 Cearte; foto 123 Irmandade do Santíssimo Sacramento de Eiras; fotos 33 e 135

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Família do Professor Manuel Albuquerque Matos; fotos 1, 29, 42, 43a e 43b, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 67, 68, 69, 70, 93, 94, 95, 159 e 178 Dr.ª Lucília de Jesus Caetano; foto 79 Dr.ª Maurícia Marques Mano; fotos 129, 130 e 176 Dona Maria Roxo; foto 172 Dona Candita; foto 173 Dona Lina Gomes; foto 76 Sr. António José Henriques; fotos 164, 165, 166 e 167 Sr. José Silva; fotos 31, 44, 119, 162, 174 e contra-capa Sr. Silvino Lemos; foto 175 João Pinho; fotos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 23, 24, 25, 28, 30, 34, 35, 36, 37, 40, 41, 66, 71, 72, 75, 77, 78, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 87, 88, 90, 91, 92, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 114, 118, 124, 125, 136, 137, 144, 147, 148, 149, 151, 152, 153, 154, 155, 158, 168, 169, 170, 171, 177, 179, 180, 181, 182, 183, 184 e 185 Paróquia de Eiras; fotos 127,128, 131, 132, 133, 134, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 145, 146 e 160 Paróquia de Santa Cruz; foto 150

«Esta Junta de Freguesia está a desenvolver trabalhos de revitalização e dinamização monográfica e cultural da Freguesia. Agora, pretendemos conhecer a data e as origens deste lugar de Eiras e a sua evolução monográfica, já que apesar das várias pesquisas que têm sido feitas nas Bibliotecas da Universidade e da Câmara Municipal de Coimbra, mau grado, até agora nada foi encontrado que nos diga da data e origens em que foi criado este lugar, sede da Freguesia de Eiras». Ofício enviado ao Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo pelo Presidente da Junta de Freguesia de Eiras, Sérgio Francisco Gomes, a 20 de Junho de 1994.

Como Nasceu e se Concretizou Este Livro A Monografia da Freguesia de Eiras resulta do amável convite que o executivo me apresentou, algures nos inícios de 2006. Por essa altura, o 1º Vogal da freguesia, delegado para o efeito, desafiava-me via telefone, a aceitar tal tarefa. O primeiro sentimento que tomou conta de mim foi de contentamento e orgulho perante nova prova de confiança nas capacidades enquanto jovem investigador na área da História Local e Regional. O desafio, o risco, a investigação era aliciante. Tinha de aceitar! O passo seguinte seria a apresentação ao executivo da Freguesia de Eiras do meu plano de trabalho. E esse foi o primeiro choque. Por onde começar? Contactei vários investigadores, muni-me das primeiras recolhas bibliográficas, procedi a um breve levantamento da documentação mais acessível e numa manhã de trabalho compus aquele que seria, reconheço, um ambicioso plano. Esta primeira etapa, aparentemente simples, revelou-se fundamental, na medida em que não mais larguei esse plano, tentando atingir, enquanto me foi possível, os objectivos delineados. Digo possível porque, posteriormente, assisti quase sem reacção à decomposição prática, do que então idealizei. E porquê? Porque a História da Freguesia de Eiras que tive o prazer de reencontrar nalguns aspectos e noutros de descobrir, e que andava adormecida em arquivos nacionais, regionais, locais e particulares, é afinal (sei-o hoje), um mundo interminável de estudo e de investigação. O caminho foi então a reinterpretação dos objectivos, com ajustes, alterações, escolhas e cortes difíceis de fazer. Com pena minha, e dada a imensa quantidade de informação que fui encontrando, muita coisa ficou fora desta História de Eiras. E como isso me dói… Os primeiros agradecimentos vão dirigidos para o executivo em exercício na Freguesia de Eiras, a quem fico devedor da confiança depositada e por quem tudo fiz para que este livro fosse uma realidade. Paralelamente, constituiu-se uma Comissão de Acompanhamento da Monografia que se mostrou sempre disponível

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para ouvir os dramas, as dúvidas e as ansiedades do investigador. A todos eles o meu muito Obrigado! Executivo que representa um povo, o qual por sua vez compõe-se de homens, mulheres e crianças. Nesse sentido, a dada altura foi preciso juntar um grupo de pessoas com certa idade, capazes de fazerem reviver os “seus tempos”. Grande parte do grupo inicialmente definido disse «presente», concedendo ao autor desta obra entrevistas, tão interessantes quanto úteis, para a compreensão da História e Eistórias de Eiras em especial as dos últimos 100 anos. Fizeram parte desse pequeno grupo: as senhoras Mauricia Celeste Mano, Lídia Albuquerque, Mauricia Mano de Oliveira, Licínia Santos, Maria de Lurdes Ribeiro, Judite Lucas, Alcina Valença, Maria Cândida, e os senhores Augusto Patrício, José Silva, Mário Cesteiro, José Alcides, Manuel Silva, Abel Mata, Américo Jorge. A estes nomes devo acrescentar os daqueles que foram cedendo imagens tais como Maria Roxo, Candita e Silvino Lemos. Muitos outros, evidentemente, caberiam neste pequeno grupo, mas também é verdade que o mundo não termina amanhã e muito há ainda por fazer no que diz respeito à História e Etnografia da Freguesia de Eiras. Quanto aos meus entrevistados, agradeço-lhes não só a paciência que revelaram comigo, mas também as preciosas informações que me transmitiram. Bem-hajam! Também não poderei esquecer o importante papel desempenhado pelo mini-grupo que foi trabalhando como autêntico «staff» da Monografia de Eiras: as técnicas admnistrativas da Junta de Freguesia, Lina Gomes e Mabilia Cortesão, sempre colaborantes e compreensivas com o andamento dos trabalhos, agindo tantas e tantas vezes como elo de ligação fundamental (não interessa a ordem) entre o investigador, o executivo, as pessoas da terra e as instituições. A monografia da Freguesia de Eiras é também e sem qualquer favor, um pouco obra sua. No âmbito das pessoas com quem mais de perto fui contactando e trabalhando, tenho de assinalar, a bem da minha consciência, duas importantes figuras que se revelaram traves mestras na concretização deste projecto. Em primeiro lugar a Professora Lídia Albuquerque, filha querida dos saudosos professores da Escola Primária de Eiras. Como poderei em breves palavras transmitir tudo aquilo em que lhe estou agradecido? Como explicar que encontrei uma porta não aberta mas sim escancarada, para poder pesquisar com todas as facilidades o arquivo pessoal dos seus pais, onde entre tantos documentos fui encontrar as desaparecidas Memórias de Eyras, do Vigário Fabião Soares de Paredes…acrescidos das centenas de artigos escritos para jornais, diversos manuscritos e tantas outras pequenas mas grandes coisas que tornaram um pouco mais suave a minha tarefa… Em segundo lugar, uma palavra muito sentida e agradecida ao Sr. José Henriques, 1º Vogal em exercicío da Junta de Freguesia de Eiras. Destacado pelo executivo para o acompanhamento directo ao investigador responsável pela monografia, cedo superou o mero desempenho da função. Mais do que um juízo de valor trata--se aqui de uma constatação. De facto acompanhou-me em vários dos trabalhos de campo que levei a efeito, discutiu comigo alguns aspectos da evolução histórica da freguesia, sugeriu caminhos, agendou encontros, estabeleceu contactos, promoveu reuniões, enfim… foi um piloto da minha nau, que sempre senti estar por perto e com quem percebi que poderia contar para qualquer situação, especialmente as mais difíceis.

Sou testemunha perene do seu interesse sincero por tudo o que diz respeito à Freguesia de Eiras, extensível também a vastas temáticas relacionadas com a História de Portugal. Ao nível do apoio técnico-científico agradeço, penhoradamente, à Mestre Dra. Ana Isabel Sacramento Sampaio Ribeiro não só pela revisão dos textos mas também pelas sugestões oportunas para o aperfeiçoamento da obra. A sua associação a este projecto justifica-se plenamente, uma vez que, depois dos estudos aprofundados do Prof. Manuel Albuquerque Matos, a pessoa que “pegou” na documentação histórica de Eiras e a estudou sistematicamente para um determinado período cronológico. Desde o início mostrou-se sempre disponível para mim e para Eiras. Ainda antes de a associar ao projecto, formalmente, num soalheiro dia dos meados de Dezembro de 2007, já há muito vínhamos trocando impressões sobre Eiras, a «nossa comunidade». De facto, o destino tem muita força e quis que nos cruzássemos no Arquivo Histórico Municipal de Coimbra, local por onde quem quiser estudar Eiras terá de passar. Com o caminho aberto para que a cumplicidade histórica se estabelecesse entre nós, surgiria, de forma consequente e normal, a sua disponibilidade em prefaciar a obra e proceder à apresentação pública da mesma. Ao nível da Cartografia e das matérias relacionadas com a Geografia e Geomorfologia da freguesia, agradeço todo o acompanhamento dispensado pela Profª Dra. Adélia Nunes, numa altura em que, sei-o bem, a sua vida profissional estava numa fase decisiva por força de opções académicas e curriculares. Mesmo assim não deixou de estar uma vez mais a meu lado nesta longa caminhada. À Dra Daniela Pinto e ao Dr. Filipe Penicheiro agradeço todo o auxílio prestado nas transcrições mais morosas e que em muito vieram beneficiar a obra. Sem eles alguns dos pormenores deste trabalho não teriam sido alcançados. Este trabalho resulta de largas horas passadas nos arquivos, fonte inesgotável de conhecimento. E entre os arquivos que frequentei (e foram muitos), permito-me destacar aqueles onde permaneci por mais tempo, como se estivesse numa segunda casa; o Arquivo Histórico-Municipal de Coimbra e o Arquivo da Universidade de Coimbra. Como as instituições se fazem de pessoas é para elas que volto agora o meu pensamento, agradecendo reconhecido, o esforço que por este projecto fizeram: - Arquivo Histórico Municipal de Coimbra: às suas funcionárias, Dra. Paula França (técnica superior de arquivo) e Dra. Fernanda Ribeiro (técnica profissional de arquivo), com quem venho privando regularmente desde 1999 e a quem, atrevidamente, reconheço como os meus anjos da guarda ao nível da investigação político-administrativa do Concelho de Eiras. Delas recebi sempre o estímulo para a caminhada, a palavra de amizade na altura certa, a troca de ideias que esclarece. - Arquivo da Universidade de Coimbra: este livro fica a dever grande parte dos seus conteúdos aos diversos fundos documentais que compõem o nosso arquivo distrital. Para lhes aceder não bastou, de quando em vez, munir-me de catálogos, inventários, índices…mas sim seguir os conselhos, orientações e pistas de técnicos do arquivo que tudo fizeram para que a obra e o autor tivessem sucesso. É pois com gratidão, estima e amizade que recordo a Dra. Ana Bandeira, que tanta documentação “desencantou” sobre Eiras, a Dra. Ludovina Capelo que

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me mostrou o caminho a seguir dentro do vasto fundo do Mosteiro de Celas, a Dra. Cristina Medina pelos trabalhos de digitalização, a Dra. Margarida Silva a quem recorri nas situações de emergência ao nível da Paleografia. Depois houve todo um trabalho de «formiguinha», feito do trazer e levar os livros que necessitei consultar, e que pacientemente foi sendo satisfeito pelas funcionárias da Sala de Consulta e Leitura: D. Ana Delgado, D. Lígia Rodrigues, D. Carla Fernandes, D. Fátima Verão. Numa fase adiantada do trabalho, registo com imensa graditão a revisão geral, os conselhos, o apoio e a troca de ideias com o amigo António Bento, autor da deliciosa Monografia de Antanhol. Por fim, um agradecimento muito especial ao paginador Nuno Beirão pela paciência, dedicação e profissionalismo com que encarou a realização deste trabalho. Eiras, 25 de Julho de 2008, Dia de Santiago e da Freguesia de Eiras. O Autor,

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«Conhecer e compreender o passado é, por si só, um testemunho de modernidade». Mensagem de Mário Nunes para João Pinho, 2 de Abril de 2008

NOTA INTRODUTÓRIA O propósito saudável da Câmara Municipal de Coimbra em provocar a descoberta e perpetuação do passado histórico, desde as origens aos nossos dias, das freguesias concelhias tem tido resultados benéficos com a feitura das monografias. O Botão, S. João do Campo, Antanhol e, presentemente, Eiras, com Souselas e Santa Cruz em processo de execução validam, sobremaneira, o objectivo municipal de dar guarida à herança histórica e cultural das suas freguesias. Um trabalho relevante que pretende identificar, salvaguardar, transmitir e valorizar um património ancestral, cerne e sustentáculo das raízes de uma população e testemunho de um percurso secular e ou milenar que justifica a existência das povoações e dos seus territórios. Uma missão responsável que os autarcas das freguesias abraçaram com entusiasmo e desempenho institucional, apoiando financeiramente e prodigalizando as necessárias e imprescindíveis facilidades de acesso à documentação e às fontes, factores indispensáveis para os historiadores levarem a efeito os anseios dos promotores. Actos exemplares de cidadania e iniciativas de inquestionável alcance, são demonstrativos da afirmação bairrista e cultural dos eleitos pelo Povo. Uma intenção meritória que, realizada, atempadamente, permite salvaguardar uma riqueza única que sustenta uma identidade local, regional e nacional, já que a História de Portugal e a autonomia e independência nacionais se perfilam e encadeiam nos bens materiais e espirituais que afirmam e consolidam essa identidade. As monografias contribuem, assim, para alcançar os objectivos primordiais da sua feitura, e que residem em dar a conhecer, incentivar a defesa e autenticar a grandeza e o caminhar de um povo ao longo do tempo. A monografia de Eiras, da autoria do historiador, Dr. João Carlos Pinho fundamenta-se nesse propósito. Uma obra de incontestado valor pluridisciplinar que abarca as diferentes modalidades e temas representativos e autenticadores da ancestralidade da freguesia, bem como do trajecto operado desde a sua origem até ao momento actual. Um trabalho de fôlego e respeitador dos parâmetros que presidiram á sua execução, ou seja, a memória activa de um território milenar que venceu as crises e as

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diversas transformações por que passou ao longo das centúrias e soube encontrar--se e encontrar nos seus habitantes os recursos bastantes e as capacidades desejáveis para chegar aos nossos dias. Um trabalho que veicula um percurso salpicado de contrastes, de êxitos e de afirmações de cidadania e engrandecimento, mas, também, semeado de desânimos, de angústias, de desesperos, de contradições, de sonhos e de consequentes projectos ou indesejáveis acções. Uma mescla de atitudes, oficiais e privadas, institucionais e particulares, abraçadas por egoísmos e concertadas por desafectações, constituídas por momentos de inconformismo e ou valorizadas por testemunhos de identidade e de forte personalidade dos seus responsáveis e guardiães. João Carlos Pinho ao desbravar a maior parte do território na área da pesquisa histórica; ao sacudir o pó dos séculos para ler os gatafunhos sinalizadores da origem ou do caminho centenários; ao vasculhar os sentimentos ocultos em papéis amarelecidos pelo tempo; ao recolher os elementos quase indecifráveis de pensamentos da conjuntura das diversas épocas; ao descobrir os sinais “ luminosos” de “estrelas” que romperam a escuridão de séculos; ao perscrutar projectos concebidos e não realizados; ao procurar entender as mutações físicas e espirituais que mexeram com as populações; ao contabilizar os dados demográficos que concorreram para auscultar a evolução do número e qualidade de vida dos habitantes; ao questionar o poder e os poderes dos seus mandatários e empossados pelo Estado; ao interpretar as razões das mudanças dos senhorios e dos preconceitos presentes em tradições e costumes; ao mergulhar nos vestígios do património identificador da freguesia; ao saborear a felicidade de encontrar o documento que justifica a existência do ex-concelho; ao assinalar as questões das águas e dos gados, das pastagens e dos impostos, dos salteadores e dos danos resultantes das alterações climatéricas; ao debruçar-se sobre os patronos das igrejas e capelas da Paróquia, dos reis e rainhas, das lendas e lutas fratricidas, das invasões francesas e das festas e romarias, da educação e das figuras públicas; ao analisar o retrocesso jurídico e concelhio, o progresso e as rivalidades concelhias com os Casais de Eiras; ao elogiar os artesãos e ao sublinhar o bairrismo das gentes de Eiras e a riqueza e prestígio que tombaram com a extinção do concelho; e ao fecundar as páginas deste volume com a fauna e a flora, a toponímia e o foral e os novos investimentos e instituições sociais e culturais; o autor oferece aos eirenses, aos conimbricenses, aos portugueses e ao mundo uma obra valiosa, um compêndio educacional e cultural, um manancial de riquezas históricas, sociais, culturais, jurídicas, económicas, institucionais, autárquicas, patrimoniais, territoriais, paisagísticas, ambientais, arqueológicas, humanas e religiosas que emergem dos pilares que sustentam um passado longínquo, acompanham um percurso de vicissitudes ornadas de avanços e retrocessos, e identificam a terra onde foram distribuídas as sementes da identidade, da autonomia, da paz, do amor e da liberdade, valores que respeitam as memórias dos antepassados e são a ponte ininterrupta que conduz ao amanhã, ao futuro da freguesia e do bem-estar dos seus habitantes. Um livro com mais de quinhentas páginas que será, a partir da data do lançamento ao público, a bíblia sagrada que ensina e explica, que orienta e provoca reflexão, que apadrinha intercâmbios e diálogos, que justifica reivindicações e desvenda a escuridão de séculos. Um texto pluricultural e pluridisciplinar que une

as teias das estórias da História de Eiras e da sua freguesia, tecendo o caminho correcto que se descortina sem barreiras, porque o Dr. João Carlos Pinho eliminou os obstáculos que surgiram no decorrer da caminhada, da investigação histórica. Felicitamos, vivamente, o autor da monografia, e salientamos o pendor da iniciativa levada a efeito pelo Presidente da Junta de Freguesia, José Passeiro, apoiado na sua equipa de autarcas. O nosso Bem-Haja em nome de Coimbra e da Cultura. Coimbra, 2.º Domingo da Páscoa, 30 de Março de 2008 Mário Nunes Vereador da Cultura Câmara Municipal de Coimbra

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APRESENTAÇÃO DA OBRA A memória e as raízes de uma comunidade só serão acarinhadas se devidamente conhecidas e compreendidas. O sentido de pertença, que, por vezes, escapa a quem habita um determinado espaço, só pode ser construído através do conhecimento do percurso desse espaço – só assim se poderá valorizar património, tradição, identidade partilhada. A sondagem do passado mais ou menos longínquo, desvenda permanências, actores, processos de crescimento e decadência, concretizações e fracassos, permitindo uma compreensão mais clara do percurso comum e das características da comunidade no momento presente. A monografia de Eiras assume essa missão, percorrendo, de forma muito abrangente, a história da comunidade. Num primeiro momento centrando o leitor no contexto de um espaço físico específico onde se estabeleceram poderes que geraram delimitações espaciais distintas que evoluíram com o decorrer dos tempos (capítulos Proémio ao estudo da freguesia de Eiras: território, senhorio, paróquia e freguesia e O meio físico e a paisagem). E, num segundo momento, percorrendo o trilho das origens, ou seja, a procura da presença humana no espaço que hoje constituí a freguesia desde as cronologias mais remotas (denunciando, por exemplo, ocupação romana), passando pelo período medieval, momento fundamental na estruturação do território enquanto unidade política, enquanto espaço de poderes, de mando régio, mas também senhorial com a presença indelével de instituições religiosas como o Mosteiro do Lorvão, o Mosteiro de Santa Cruz, o Mosteiro de S. Paulo de Almaziva, a Igreja de S. Pedro de Coimbra, o Cabido da Sé de Braga ou o Mosteiro de Celas. Esta última instituição religiosa merece um tratamento mais atento (capítulo O mosteiro de Celas, o grande senhor de Eiras), visto ser a entidade senhorial cujo impacto sempre foi mais sentido pelas populações de Eiras, especialmente através do seu domínio sobre a propriedade da terra e da cobrança de variados tributos que incidiam sobre produções locais vitais como os cereais ou o azeite. O mosteiro/senhorio é presença marcante na comunidade – através do celeiro onde recolhe os tributos que lhe são devidos, através dos rendeiros que cobram as rendas e foros que recaíam sobre a terra ou na presença dos seus representantes no momento de demarcação de propriedades.

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Outro poder objecto de uma análise cuidada é o poder concelhio. Eiras foi durante séculos um concelho do termo de Coimbra, mas com o seu próprio elenco e oficialato camarário (juiz ordinário, vereadores, escrivão, almotacés, depositários, médico, boticário, etc.), com os seus lugares e símbolos de poder (brasão, casa das sessões, cadeia, curral do concelho) que se traduziram numa alargada capacidade decisória na gestão do quotidiano e recursos da comunidade que perdurou até à extinção do concelho já no século XIX. A explicitação destas características permite ao leitor aperceber-se que Eiras já deteve uma outra capacidade e identidade ao nível da organização dos poderes públicos (capítulos O poder concelhio de Eiras e Eiras entre dois séculos: da extinção concelhia aos finais da monarquia). Essa análise das concretizações do poder local eirense continuará a ser o enfoque dos capítulos seguintes que acompanham o percurso da freguesia dos finais da monarquia, através da I República e durante os longos anos do Estado Novo. Nestes dois longos capítulos (Eiras num caminho curto: da implantação da República à Ditadura Militar e A freguesia de Eiras num longo caminho: Do Estado Novo corporativista aos alvores da liberdade) acompanhamos realizações locais, sobretudo ligadas às infra-estruturas, transportes públicos e comunicações, acompanhando uma freguesia que se vai modernizando, procurando fazer face às necessidades de uma população em crescimento. Neste contexto é dado especial relevo à acção do professor Manuel de Albuquerque Matos, tanto na sua fundamental campanha pela construção das novas escolas de Eiras, como nas suas realizações à frente da Junta de Freguesia (1968-1974). Um outro capítulo (Freguesia de Eiras: de Abril aos princípios do século XXI) mostra-nos como a vivência democrática da freguesia consolidou muitas das transformações que os anos anteriores ao 25 de Abril já anunciavam - a cidade de Coimbra crescendo em direcção a Eiras: as novas urbanizações e a criação de zonas industriais provocaram um crescimento acelerado da freguesia e uma profunda alteração nas características e necessidades dos seus habitantes. Prolongando-se até aos dias de hoje, a expansão urbana de Eiras exigiu o continuo melhoramento das infra-estruturas de saneamento, comunicação, a criação de instituições e estruturas de apoio social, de cuidados de saúde, mas também de actividades desportivas e culturais. Todos estes processos e conquistas são devidamente documentados e analisados no capítulo em questão. Se o autor nos mostra como a freguesia foi construindo uma nova identidade e assumindo características marcadamente mais urbanas e ligadas às actividades secundárias e terciárias, também se preocupa em mostrar a importância e o interesse que o património histórico e cultural local deve assumir na consolidação desta nova etapa da vida da comunidade. Os últimos capítulos desta monografia são consagrados a esta temática (Património Histórico-Arquitectónico da freguesia de Eiras, Património desaparecido, Notas de etnografia, etnologia e cultura popular e Caminhando e saboreando com histórias e estórias de Eiras). Através deles descobrimos exemplos muito interessantes do património histórico-arquitectónico ainda existente (a Igreja Matriz, a Capela do Santíssimo Sacramento, a Capela do Santo Cristo, a Fonte de Eiras, entre outras) a par com notícias de edificações já desaparecidas (a antiga Igreja Matriz, a Capela de S. Domingos, a Capela de Santa Catarina, a Azenha das Rodas), mas também somos levados a conhecer tradições, usos e costumes locais - da incontornável Festa do Divino Espírito Santo que acompanha a história e as transformações de Eiras, a especificidades locais como as alcunhas, a forma como

os convites de casamento eram feitos, às características gastronómicas, aos espaços sociais mais típicos, às “estórias” que foram passando de boca em boca durante gerações. E depois há todo o património humano – os nomes e os rostos por detrás das realizações, e das tradições – personalidades do passado e do presente que fomos encontrando ao longo deste livro e que agora são objecto de algumas notas biográficas mais sistematizadas (capítulo Personalidades com História). Uma palavra final para sublinhar a preocupação do autor em reunir e compulsar um alargado e variado conjunto de fontes e bibliografia – dos tombos de diversas instituições religiosas, dos registos paroquiais, dos inventários orfanológicos, às actas e registos notariais da Câmara de Coimbra ou da Junta da Paróquia e da freguesia de Eiras, à documentação de confrarias e irmandades, de associações e grupos recreativos e desportivos, aos importantíssimos arquivos particulares, passando pela recolha de testemunhos orais e pela interpretação da paisagem e do espaço físico, entre muitas outras. Tal conjunto, permitiu a construção de uma obra rigorosa e multifacetada que se revela essencial a todos os que queiram conhecer a história e o trajecto multissecular de Eiras. Ana Isabel Sacramento Sampaio Ribeiro (Assistente do Instituto de História Económica e Social da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)

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APRESENTAÇÃO DA FREGUESIA DE EIRAS A Freguesia de Eiras localiza-se no norte do concelho de Coimbra e o seu território, de 9.81 Km2, confina com as seguintes freguesias: a sul com Santa Cruz, a oeste com Trouxemil e Santa Cruz, a noroeste, este e sudeste com São Paulo de Frades e a nordeste com Brasfemes. Na Freguesia encontramos dois tipos de núcleos de povoamento: o antigo, composto pelos lugares de Eiras, Casais, Murtal, Cordovão, Redonda, Adémia de Cima e Ribeira de Eiras; e o moderno pelos novos bairros e urbanizações – Santa Apolónia, Monte Formoso, Ingote, Loreto, Brinca, Relvinha, S. Miguel, Cruz de Vale do Seixo e Liberdade. A população total da freguesia ronda os 12.000 habitantes correspondentes a uma densidade populacional muito elevada de 1229,2 habitantes por Km2. De acordo com o Código Administrativo (Art.º4º) a Freguesia de Eiras classifica-se como de 1ª ordem uma vez que tem mais de 5.000 habitantes. O conceito de freguesia resulta da conjugação dos Art.ºs 235 e 236 da Constituição da República: Art.º 235: 2. As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas; Art.º 236: 1. No continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas. As freguesias têm as atribuições referidas na lei n.º 159/99, Art.º 14, n.º 1: a) Equipamento rural e urbano b) Abastecimento público c) Educação d) Cultura, tempos livres e desporto e) Cuidados primários de saúde f) Acção social g) Protecção civil h) Ambiente e salubridade i) Desenvolvimento j) Ordenamento rural e urbano k) Protecção da comunidade Também de acordo com a Constituição os Órgãos representativos da Freguesia são a Assembleia e a Junta, cuja representatividade deriva de um acto eleitoral. Devem prosseguir os interesses da vontade colectiva da população, através da gestão dos meios de que dispõem e do uso dos poderes que a lei lhes atribui. A Junta de Freguesia é o órgão executivo colegial da freguesia, que, no caso de Eiras e por ter mais de 5.000 eleitores é composto por um Presidente e quatro Vogais, dos quais dois exercem as funções de Secretário e Tesoureiro.

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ORDENAÇÃO HERÁLDICA DA FREGUESIA DE EIRAS

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Pelo final do último mandato do executivo liderado por Sérgio Francisco Gomes a Junta de Freguesia de Eiras viu aprovados os seus símbolos heráldicos. O desenho do Brasão de Armas esteve a cargo do Gabinete de Estudos e Projectos de Heráldica Administrativa (Porto-Freixieiro) que em comunicação enviada a 28 de Julho de 1997, apresentou a Memória Descritiva da Simbologia do Brasão de Armas, com base em factos relacionados com a história, cultura e tradições da freguesia: «Tendo que ordenar o brasão da freguesia, optou-se pelas seguintes peças: o milho e o trigo, querem significar as eiras, de grande importância na economia agrícola da região no passado recente, o cajado e a bolsa estão associados e fazem lembrar São Tiago, orago da freguesia, o ondado quer representar as águas da ribeira de Eiras, que passa na freguesia». O Edital que fixou e descreveu o Brasão, a Bandeira e o Selo Branco, tem a data de 24 de Novembro de 1997 e foi publicado no Diário da República N.º 290, III Série, de 17 de Dezembro de 1997: «A Junta de Freguesia de Eiras, do concelho de Coimbra, torna pública a ordenação heráldica do brasão, bandeira e selo branco da freguesia de Eiras, em conformidade com parecer da Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses, de 10 de Novembro de 1997, e aprovado sob proposta da Junta de Freguesia de Eiras, em sessão ordinária da Assembleia de Freguesia do dia 21 de Novembro de 1997. Brasão – escudo de vermelho, bordão de romeiro com cabaça suspensa, de prata, realçados de negro, entre quatro espigas de ouro, realçadas de negro, duas de milho e duas de trigo, alternadas: contra chefe ondado de prata e azul. Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco, com a legenda a negro: «EIRAS – COIMBRA». Bandeira – esquartelada de amarelo e vermelho. Cordão e borlas de ouro e vermelho. Haste e lança de ouro. Selo – nos termos da lei, com a legenda: «Junta de Freguesia de Eiras – Coimbra».

Brasão da Freguesia de Eiras

TÁBUA CRONOLÓGICA Data 15, Novembro, 966 25, Janeiro, 968

27, Abril, 1138 Março, 1228 14, Abril, 1306 08, Maio, 1311

30, Maio, 1347

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1395 1534 07, Dezembro, 1534 10, Julho, 1616 1625 10, Junho, 1665 18, Dezembro, 1694 26, Dezembro, 1707 12, Janeiro, 1717 11, Fevereiro, 1721 09, Dezembro, 1726 20, Novembro, 1728

Acontecimento Aos 15 dias do mês de Novembro do ano 966 D.C. o Rei Sancho I de Leão doa ao mosteiro de Lorvão, uma propriedade designada por Alvalade. Trata-se do documento mais antigo sobre a freguesia. Tratado ou Carta de Venda firmado entre o árabe Maomé, e o Cenóbio de Lorvão, pelo qual o primeiro vende ao segundo a sua herdade no lugar de Abdella, em Vilela, território de Coimbra, cujas confrontações se estendem até ao Monte de Eiras e Vale Covo. Inocêncio II, através da Bula Bonorum principum, confirma ao Mosteiro de Santa Cruz os tributos de Eiras como concessão régia. O Mosteiro de S. Paulo de Almaziva cede ao Arcebispado de Braga as herdades de Vilarinho por troca com a herdade de Alvaade. D. Dinis, com sua mulher e filho, dão ao mosteiro de Celas a sua aldeia e Reguengo de Eiras, recebendo em troca a terça parte de Aveiro. Levanta-se grave questão entre os moradores de Eiras e o Mosteiro de Celas e seu procurador, acerca de direitos e foros que o mosteiro cobrava e que não eram os seguidos no tempo em que a aldeia pertencia ao rei. A questão prolongar-se-ia para o século XV. A Abadessa e o Convento de Celas protestam junto do alvazil de Coimbra, contra o facto de os alvazis de Coimbra terem posto Juiz do Crime em Eiras, alegando que a jurisdição do local lhes pertencia. Livro dos direitos del rei da cidade de coimbra demarca e delimita os Reguengos da Corredoura e do Bolão. O Mosteiro de Celas compra em Eiras umas “Casas Senhoris” para recolhimento do pão (Celeiro). João Goncalvez, lavrador e morador no lugar do Murtal, renuncia, em favor do seu filho, a metade do Casal que aí possuía, pertencente à Igreja de S. Pedro. Ergue-se o Altar de Santo António na Igreja do Sacramento. D. Maria Manoel, abadessa de Celas, manda construir em Eiras o “Lagar novo”. A Câmara de Coimbra ordena que Eiras contribua com os sobejos do Cabeção das Sisas para a obra de construção do cais da cidade. Provisão Régia concedendo Botica à Vila de Eiras com 15.000 réis anuais. O Pároco Bernardo do Valle e mais alguns fregueses de Eiras criam a Irmandade do Santíssimo Sacramento, unida à Arquiconfraria de S. Julião da Corte e Cidade de Lisboa. Aprovação dos Estatutos da Irmandade do Senhor Salvador do Mundo. A Igreja de S. Pedro demarca o circuito do Casal do Murtal. Provisão Régia concedendo 15.000 reis anuais para Mestre de Latim na Vila de Eiras. José Freire de Faria, Vigário Capitular de Coimbra, lança interdição sobre as Festas do Imperador de Eiras, sob pena de excomunhão e suspensão do ofício paroquial.

01, Dezembro, 1728 Fabião Soares de Paredes toma posse como Vigário da Freguesia de Eiras. 14, Dezembro, 1728 O Cabido da Sé de Coimbra concede licença para a demolição da Matriz antiga de Eiras e edificação de uma nova em sua substituição. 25, Julho, 1729 No seguimento da reedificação da Capela do Santo Cristo realizou-se uma procissão para trasladação da Imagem do Santo Cristo desde a Igreja do Sacramento. 30, Maio, 1730 Provisão Régia concedendo do sobejo das Sisas 60.000 reis ano para o ordenado do Médico da Vila. 18, Maio, 1733 Provisão Régia concedendo a Eiras o privilégio de ter Mestre de Ler, Escrever e Contar com o ordenado anual de 22.000 reis. 22, Fevereiro, 1734 O Vigário Fabião Soares de Paredes ergue altar na Capelinha do Senhor dos Passos. Celebra a primeira missa a 27 de Abril do mesmo ano. 17, Abril, 1734 Primeira missa realizada no Altar do Senhor dos Passos, na Igreja do Sacramento, erguido por decisão do Vigário Fabião Soares de Paredes. 20, Maio, 1734 Provisão do Rei D. João V concedendo 4 contos e 136.000 reis dos sobejos das Sisas do Cabeção da Vila de Eiras para a construção da nova Igreja. 08, Setembro, 1734 Realiza-se a primeira missa na Capela de Santa Catarina, dentro da Quinta do Paço, depois das obras de reedificação feitas por Antonio Zuzarte Cardoso. 12, Setembro, 1734 Fabião Soares de Paredes e o Desembargador da Mesa Eclesiástica, Pascoal Mendes Barreto escolhem e demarcam o sítio da nova Igreja Paroquial – as Eyras. 06, Novembro, 1737 Dona Catherina Jacinta e Castro, Viúva de João da Costa Cardozo, moradora na sua Quinta da Cioga, reconhece o Colégio de S. Bernardo como Directo Senhorio da sua Quinta do Cordovão, limite de Logo de Deus. 1743 Construção da Fonte de Eiras financiada com os sobejos do Cabeção das sisas. 23, Março, 1755 Primeira acta, conhecida, datada e assinada, pelos oficiais do Concelho de Eiras. 13, Abril, 1758 Benze-se metade da nova Igreja Matriz sendo Vigário da freguesia Luiz Barreto de Figueiredo e Castilho. 21, Setembro, 1760 A Câmara de Eiras nomeia o Reverendo Padre Hieronimo Fernandes Prata como Mestre de Ler, Escrever e Contar. 31, Agosto, 1820 Acto de juramento solene feito pelas autoridades civis e militares de Eiras à Junta Provisional do Reino acabada de instaurar, às Cortes que organizarão a Constituição Portuguesa, e à Dinastia de Bragança. 07, Setembro, 1820 Auto de Câmara, geral e extraordinário, pelo qual os poderes locais – Concelho, Clero, Nobreza e Povo – juram fidelidade à Junta Provisional do Reino, acabada de instaurar, às Cortes que organizarão a Constituição Portuguesa, e à Dinastia de Bragança. 03, Outubro 1822 Juramento da Câmara de Eiras perante o pároco da freguesia, pelo qual se obrigada a guardar a Constituição Política da Monarquia Portuguesa.

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13, Janeiro, 1829

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Em Auto de Câmara realizado em consequência de ordem do Governo de 22 de Dezembro do ano anterior, decide-se proceder à destruição do registo feito nas actas, em Agosto e Setembro de 1820, quando as autoridades civis, militares e religiosas juraram obediência e legitimidade à Junta Provisional do Governo. 30, Junho, 1829 A Câmara de Eiras lavra em acta o termo de nomeação, para o Partido de Boticário da Vila de Eiras, a Joaquim Simões, com o ordenado de 50.000 reis anuais. 25, Junho, 1832 Nasce em Eiras Joaquim José Pais da Silva Júnior 09, Maio, 1834 Em Auto de Câmara da Vila de Eiras, os oficiais do concelho juntamente com o Clero, a Nobreza e o Povo, aclamam D. Maria II, o Rei D. Pedro e a Carta Constitucional de 1826. 02, Agosto, 1834 O Bacharel Joaquim dos Reis e Silva Luzeiro é nomeado Administrador da Bolsa das Cartas e Correspondência oficial para o Concelho de Eiras. 15, Junho, 1836 A Câmara Municipal da Vila de Eiras envia uma representação à Junta Geral do Distrito de Coimbra pedindo a conservação da sua Municipalidade. 01, Outubro, 1836 Realiza-se a última reunião do Concelho de Eiras. 06, Novembro, 1836 Publicação do Decreto de Passos Manuel suprimindo 455 municípios. O Concelho de Eiras é extinto no âmbito desta legislação. 25, Novembro, 1854 Publica-se a “Lei de reducção, supressão, arredondamento e erecção das paroquias da cidade de Coimbra e seus suburbios”. A reformulação administrativa levou à redefinição so perimetro da Freguesia de Eiras. 01, Abril, 1858 Nasce em Eiras Ildefonso Marques Mano. 10, Abril, 1864 Inauguração do ramal de caminho de ferro entre Coimbra (Taveiro) e Porto (Gaia). 1865 Concluem-se as obras de reparação e conservação da Igreja do Sacramento custeadas pela família Pais da Silva. 14, Junho, 1867 A Câmara Municipal de Coimbra cede à Junta de Paróquia de Eiras a casa dos antigos Paços do Concelho para instalação de uma Escola Primária. 22, Julho, 1874 O Cabido promove Auto de Revista à Igreja Matriz da Freguesia de Eiras e classifica-a de magnífica. 26, Maio, 1875

09, Fevereiro, 1879

01, Maio, 1887

12, Março, 1893

Cria-se uma Comissão Escolar na Freguesia de Eiras com o objectivo de construir uma “Caza de Escola”.

Estando reunida a Junta de Paróquia de Eiras, comparecem alguns moradores do lugar do Murtal, solicitando que intercedam por eles junto da Câmara Municipal de Coimbra na construção de uma ponte que sirva a povoação. Bênção do Altar de Nossa Senhora de Lurdes, na Igreja de S. Tiago.

Bênção do novo Cemitério Paroquial pelo Padre Antonio Joze dos Santos e Campos.

21, Dezembro, 1893 A Câmara nomeia o Dr. Alfredo de Freitas facultativo para a Freguesia de Eiras. 08, Outubro, 1895 Nasce no lugar dos Casais de Eiras Manuel de Albuquerque Matos.

12, Fevereiro, 1899

12, Julho, 1899 17, Agosto, 1902

Manoel Bazilio Simões apresenta requerimento na Junta de Paróquia de Eiras para «empedramento» de algumas covas que se encontram no caminho que liga os Casais com a Redonda, disponibilizando a subscrição feita entre o povo. Nasce na freguesia de Nossa Senhora do Rosário Aparecida (em Santos, Brasil), Lídia Helena de Sousa.

A Junta de Paróquia de Eiras aprova por unanimidade, a proposta do então Presidente e Pároco de Eiras, José Maria Telles de Sampaio Rio, para que se represente a Sua Magestade a criação de uma Escola do Sexo Feminino. 01, Janeiro, 1904 Inaugurada a primeira linha dos “americanos” que assegurava a ligação do Centro da Portagem ao ramal ferroviário da Estação Velha. 17, Junho, 1905 O Governo Civil aprova, em alvará, a fusão entre a Confraria do Senhor Salvador do Mundo e a Confraria do Santíssimo Sacramento. 23, Junho, 1906 A Junta de Paróquia de Eiras toma conhecimento de que fora arrendada pela Câmara Municipal, uma casa em Eiras para Escola Masculina e habitação de professores – a casa do Carramona. 15, Novembro, 1914 Francisco Maria da Conceição Matos é nomeado ajudante do Posto de Registo Civil de Eiras (recém-criado). Maio, 1919 Por iniciativa do pároco José Maria Teles de Sampaio Rio voltam a realizar-se de forma grandiosa as Festas do Divino Espírito Santo. 08, Dezembro, 1926 O Professor Manuel de Albuquerque Matos é provido definitivamente como professor primário de Eiras. 14, Maio, 1928 Devido à elevada frequência de alunos na Escola Masculina é criado um segundo lugar de professor. 28, Abril,1928 É criada a Caixa-Escolar de Eiras. Junho, 1931 Aquando dos festejos populares inaugura-se, em Eiras, a Rede de Iluminação Pública. 14, Fevereiro, 1932 Afonso Marques Mano arremata em praça pública a antiga Casa da Câmara da Vila de Eiras, a Joaquim Pereira Simões Cravinho, por 7.010$00. 02, Julho,1934 É extinto o segundo lugar de professor da Escola de Eiras por falta de instalações para tantos alunos. 21, Abril, 1936 O Dr. Adelino Pais da Silva oferece gratuitamente terreno para a construção da Nova Escola de Eiras. 28, Março, 1937 Funda-se em Eiras o Grupo Recreativo Eirense. 1940 Vergilio Correia, nas suas «Notas de Arqueologia e Etnografia do Concelho de Coimbra», publica os resultados das viagens pelos arredores de Coimbra, revelando a existência de vestígios romanos na Ouressa, Costa e Ingote. 28, Março, 1938 A Escola Masculina é dada como “incapaz” por ameaçar ruína. Junho, 1939 Concluem-se as obras de adaptação a Posto Escolar de Ensino, em parte da casa de Joaquim Soares de Campos (antiga Quinta do Paço). 14, Julho, 1940 Inauguração no Loreto da Casa da Criança Joana de Avelar. 07, Junho, 1945 A Câmara Municipal de Coimbra propõe, de acordo om o Plano dos Centenários, a construção de uma Escola Primária em Eiras. 01, Outubro, 1948 Inauguração oficial da Nova Escola de Eiras. 05, Junho, 1949 Inauguração solene da Nova Escola de Eiras.

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13, Dezembro, 1952 A Caixa Escolar de Eiras promove a I Sessão Cultural, com projecção de filmes, teatro e conferências. 16, Abril, 1953 Escritura celebrada entre o Município e a Sociedade Nacional de Petróleos/Sonap para a instalação de um posto de abastecimento de gasolina e gasóleo no Alto da Estação Velha. Verão, 1954 O Município decide dar à cidade uma entrada condigna a Norte, transformando a velha Estrada do Padrão, que ligava o Bairro da Estação Velha com a Rua Figueira da Foz. 31, Março, 1955

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Por despacho publicado no Diário do Governo de 2 de Abril de 1955 manda-se ampliar a Cantina Escolar de Eiras. 07, Março, 1958 Augusto Rodrigues de Barros funda em Eiras a Farmácia Barros. 05, Julho, 1959 Inauguração oficial do Largo da Igreja. 1960 Segundo momento de construção na Escola de Eiras: ao edificio principal acrescentou-se um andar devido á elevada frequência de alunos. 14, Maio, 1960 A Câmara Municipal delibera edificar uma Cantina Escolar junto da Escola Primária de Eiras. 05, Junho, 1960 Dá-se o nome de Largo Dr. Moura Relvas ao antigo Largo da Igreja. 15, Setembro, 1960 A Câmara Municipal de Coimbra delibera executar imediatamente a 1ª fase do projecto da nova Cantina Escolar por 50.000$00. 1961 A Escola de Eiras é premiada no Concurso de Escolas Ajardinadas e Arborizadas. Primavera, 1962 Realização da Festa da Primavera das Escolas de Eiras. 05, Maio, 1963 Inauguração solene da Cantina Escolar de Eiras baptizada com o nome “Cantina Professor Albuquerque Matos”. 05, Junho, 1963 A Câmara Municipal e a Empresa de Construções Ciferro Lda. celebram escritura de compromisso para a urbanização dos terrenos da Encosta do Ingote (Monte Formoso). Agosto, 1964 Iniciam-se as terraplanagens para o Campo de Futebol do Vale do Fôjo. 13 Setembro 1964 Fundação do União Clube Eirense. 18, Fevereiro, 1966 Homenagem póstuma do povo de Eiras a Francisco Mendes da Silva. 10, Abril, 1966 O União Clube Eirense vence o Ançã por 5-1 e sagra-se Campeão da Segunda Divisão Distrital de Coimbra. Dezembro, 1966 Demolição parcial do edifício da antiga Casa do Despacho (antiga Sede de Freguesia), anexa à Capela do Espírito Santo. 03, Novembro, 1967 Uma representação conjunta dos habitantes de Eiras, Brasfemes e S. Paulo de Frades, é apresentada à Câmara Municipal de Coimbra, pedindo a transferência da Carreira de Tiro. 01, Janeiro, 1968 Um incêndio destrói, de madrugada, parte da Casa do Despacho (a sede da Junta de Freguesia). Abril, 1968 A Junta de Freguesia lança o “Concurso das Fachadas Alindadas”. 04, Janeiro, 1969 A luz eléctrica é ligada no lugar do Murtal 03, Maio, 1969 A Junta de Freguesia lança um Concurso de Fotografias da terra, subordinado a dois temas: panorâmicas de Eiras e Igreja do Sacramento. 03, Janeiro, 1970 Manuel Albuquerque Matos abandona temporariamente a presidência da Junta de Freguesia de Eiras devido ao atraso na conclusão da Estrada do Lapedo.

04, Abril, 1970

16, Fevereiro, 1971

25, Março, 1971 Junho, 1971 19, Outubro, 1971 02, Janeiro, 1972

24, Novembro, 1972 2.º Semestre, 1973 18, Julho, 1974 17, Dezembro, 1974 25, Abril, 1975 01, Dezembro, 1976 28, Fevereiro, 1983 09, Março, 1987 14, Novembro, 1987 26, Dezembro, 1988 05, Outubro, 1993 25, Abril, 1995 27, Novembro, 1995 12, Janeiro, 1996 20, Junho, 1998

A Junta de Freguesia compra, por 16 contos, ao casal José de Albuquerque Matos e Maria José da Costa Matos, o terreno que possuem no sítio do Vale do Fojo destinado a instalações desportivas para o União Clube Eirense. A Junta de Freguesia celebra escritura de compra ao casal Augusto Carvalho e Maria Isaura Cortezão, residentes no Balancho, freguesia de Brasfemes, deste concelho de Coimbra, pela quantia de 25.000$00 um terreno com 7225 metros quadrados de superfície, no sítio denominado Vale do Fojo destinado a completar o Campo Desportivo do União Clube Eirense. Inauguração da Creche e Jardim de Infância de S. Miguel. Após uma vitória sobre o Vigor, o União Clube Eirense sagra-se Campeão Distrital da 1ª Divisão Distrital, ascendendo à 3ª Divisão Nacional. A Câmara Municipal aprova a urbanização da propriedade “Quinta de Santa Apolónia”, sita na Estrada de Eiras no valor estimado de 6.500.000$00. Manuel Albuquerque Matos abandona definitivamente a presidência da Junta de Freguesia por não terem dado à Freguesia os melhoramentos que pretendia: iluminação pública, água domiciliária, autocarros dos Serviços Municipalizados e um Bairro de Casas de Renda Económica. A Câmara Municipal autoriza a instalação de uma farmácia no Bairro do Monte Formoso. Inicia a actividade o Centro de Formação Profissional da Pedrulha. Colocam-se em algumas casas de Eiras os primeiros contadores de água. Demolição da Azenha das Rodas. Realizam-se na Freguesia de Eiras as primeiras eleições livres – eleição para a Assembleia Constituinte. Inauguração do Centro Cultural e Recreativo – O Paraíso da Criança A Junta de Freguesia decide fechar todos os fontenários existentes uma vez que a população já possuía água ao domicílio. A Câmara Municipal aprova a instalação de pavilhões pré-fabricados na Cruz de Vale do Seixo cedendo à Comunidade Juvenil de S. Francisco de Assis o direito de superfície sobre 5.000 m2. Inauguração do Bairro António Sérgio no Ingote. Assinatura do Protocolo de cedência, pela Junta de Freguesia, ao União Clube Eirense do Campo do Vale do Fôjo pelo prazo de 50 anos. Inauguração ofcial da Sede da Junta de Freguesia de Eiras, sendo Presidente da Câmara Municipal de Coimbra o Dr. Manuel Machado e Presidente da Junta de Freguesia de Eiras Sérgio Francisco Gomes. Inauguração do Jardim-de-infância de Eiras. A Sol-Eiras nasce oficialmente como instituição (escritura pública). O Bairro da Rosa é inaugurado oficialmente por Sua Excelência o Primeiro-ministro, Engº António Guterres. Inauguração do Parque Infantil O Cantinho da Criança do Centro Cultural e Recreativo – O Paraíso da Criança.

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Inauguração da grande superfície comercial Modelo, na zona da Ribeira de Eiras, junto ao Bairro de Santa Apolónia. 08, Dezembro, 2001 Inauguração do Centro Social da Sol-Eiras pelo Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. Manuel Machado. 11, Novembro, 2003 Inauguração do Retail-Park na zona da Ribeira de Eiras, junto ao Bairro de Santa Apolónia. 05, Setembro, 2004 Inauguração do Complexo de Piscinas Rui Abreu. Inauguração do novo Centro de Saúde de Eiras. 18, Janeiro, 2005 Inauguração da Variante a Eiras, sendo Presidente da Câmara 30, Janeiro, 2005 Municipal de Coimbra o Dr. Carlos Encarnação e Presidente da Junta de Freguesia Sr. José Passeiro. 09, Abril, 2006 Inauguração do Polidesportivo do Loreto. 25, Julho, 2007 Homenagem dos antigos alunos da Escola Primária de Eiras aos professores Manuel e Lídia Albuquerque Matos. 25, Julho, 2007 Inauguração do Pátio Desportivo do Monte Formoso 28, Outubro, 2007 Inauguração do Fontanário do Parque do Escravote assinalando a Obra de Requalificação Ambiental da Zona Norte de Coimbra. 30, Outubro, 2007 Inauguração na Estrada de Eiras, edifício B-Side, das novas instalações do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). 12, Junho, 2000

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PROÉMIO AO ESTUDO DA FREGUESIA DE EIRAS: TERRITÓRIO, SENHORIO, PARÓQUIA E FREGUESIA

«Antes de mais, portanto, o conhecimento do passado. Começarei por dizer que não o concebo como uma operação equivalente à simples selecção do conteúdo «útil» dos documentos onde ele está como que congelado. Para mim, os documentos só têm sentido quando inseridos numa totalidade, que é a existência do homem no tempo. Desde o momento em que os considero como os vestigíos desse itinerário temporal do homem, e por tanto como um meio concreto a partir do qual se torna existencialmente possível descrevê-lo, todos os elementos deles extraídos se situam na escala de uma incomensurável relatividade».

José Mattoso - A Escrita da História, Obras Completas, Vol. 10, Círculo de Leitores, 2002, P. 12.

Mapa 1 – Limites administrativos da Freguesia de Eiras

1. Introdução Freguesia de Eiras tem, actualmente, sob administração uma área territorial cujos limites, com maior ou menor dificuldade, se sabe onde começam e acabam. No entanto, em áreas ou localidades específicas, não são pacíficos os seus limites, as suas confrontações. Grande parte deste problema resulta de algo que nos propomos analisar nas páginas que se seguem: o território que hoje constitui a freguesia de Eiras foi pertença directa de vários Senhorios Eclesiásticos. Posteriomente, e depois de ser freguesia, entendida primeiro em termos estreitamente religiosos (Junta de Paróquia) e depois em termos civis (Junta de Freguesia), passou por transformações administrativas, fossem elas de iniciativa central ou regional, que directa ou indirectamente lhe modificaram os limites. Mudanças que muitas vezes mexeram com direitos adquiridos, com usos e costumes de séculos, levantando dúvidas e tornando os conflitos inevitáveis.

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2. Um Território que pertenceu a diversos Senhorios té ao século XVIII, a noção de freguesia que temos hoje é subvertida pelas A designações de território e paróquia. Não existe a Freguesia de Eiras como hoje a reconhecemos, mas sim um Território onde interagem diversos poderes.

Eiras, como vimos, foi em tempos um Reguengo (1) e esses limites, os primeiros de que dispomos, talves nos indiquem o território aproximado da aldeia e do concelho de Eiras. Estávamos em 1306 e quando D. Dinis faz escambo do reguengo ao Mosteiro de Celas precisará alguns dos seus limites: a Oeste partia com a Pedrulha pela Ribeira de Eiras, constituindo território do Reguengo as suas margens; a Nascente corria pelo Val de Broas, integrando muito possivelmente a área que hoje Por Reguengo entende-se um fundo-dominial pertencente à Coroa, constituído por terras e valores fixos. Tiveram origem na sequência da ocupação do território que se encontrava sob o domínio árabe. Dos reguengos sairam parcelas cedidas a organismos religiosos e nobres.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

corresponde à Redonda, excluindo no entanto os Casais de Eiras que, ao tempo, pertenciam ao Cabido de Braga. Por este motivo, no numeramento de 1527, Eiras aparece isoladamente, sem outra povoação anexa integrando o seu território. A estes dados poderemos ainda adicionar aqueles que damos conta em capítulo próprio (Para lá do Mosteiro de Celas…) dos quais se infere que todo o território à esquerda da Ribeira de Eiras – limite Sul do Reguengo de Eiras – eram terras enquadradas noutro Reguengo, o da Corredoura. Neste se incluiam as áreas actuais da Relvinha e do Bairro do Brinca. Já a zona do Planalto do Ingote, S. Miguel, Vale de Figueiras e actual Monte Formoso pertenciam ao Senhorio da Igreja de Santa Justa. Sabemos também que a Capela do Loreto era senhorio directo do Cabido e a Adémia de Cima andava na órbita da Igreja de S. Bartolomeu. Na margem direita da Ribeira de Eiras o Murtal era do Senhorio Directo da Igreja Colegiada de S. Pedro (Coimbra) e o Cordovão pertencia ao Mosteiro de S. Paulo. Encravados nos territórios destes Senhorios dominantes, mais ou menos definidos e demarcados, detectam-se parcelas isoladas sob exploração de outras instituições.

3. Eiras no termo do Município Coimbrão ma parte muito considerável da freguesia de Eiras integrava-se administrativamente, pelo menos desde o séc. XIV, no termo do município coimbrão. De facto, numa carta do Bispo D. Jorge mandando contribuir para as fontes, pontes e calçadas do concelho, datada de 1344, após enumerar o contributo da zona urbana, estipula o quantitativo individual de 50 igrejas e vigarias, sendo uma delas a de Eiras (2). Uma parte da freguesia, paralelamente, fazia parte do aro da cidade, o qual se reconhece, por exemplo, a partir da observação das folhas de pastagem. A delimitação do aro dos olivais da cidade na margem direita do Mondego «…seria cingido por uma linha que passasse por Vila Franca e Marrocos (…) lombas do Tovim, e de Santo António, São Romão, Eiras (…) do limite de Eiras, a estrema dirigia-se para o Ingote, pelos fornos do mesmo nome, abrangendo o Quarto» (3). A situação admnistrativa alterou-se, significativamente, com o decorrer dos tempos. De tal forma que Eiras é hoje uma parte do núcleo central do Concelho de Coimbra e o velho aro foi incluído na área urbana da cidade.

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4. A Paróquia o mesmo tempo que se foi desenhando uma noção territorial – civil, administrativa e concelhia – desenvolveu-se igualmente o conceito de paróquia; circunscrição religiosa do território, que se organiza e agrega em torno de uma

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António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Vol. I, Dissertação de Doutoramento em História, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1971, P. 21. 3 Id. P. 33. 2

Proémio ao Estudo da Freguesia de Eiras: Território, Senhorio, Paróquia e Freguesia

Igreja, tendo como autoridade um sacerdote incumbido de cuidar das almas. Mas, ao contrário dos limites senhoriais ou concelhios, o seu mapa territorial não é delimitado por marcos ou outros símbolos divisórios. Por um lado, os seus limites relacionam-se com a obrigação dos sacramentos que unem um conjunto de pessoas, e por outro, o mapa define-se pelos róis de confessados que o pároco redige a cada Quaresma. A Paróquia de Eiras manteve-se estável durante muito tempo, mas nos princípios do Século XVIII o espaço começou a sofrer alterações. A paróquia teria uma área aproximada de 9Km2 (4), onde se incluiam: a Vila de Eiras, os Casais de Eiras, Vilarinho, Murtal, Escravote, Carvalho e Redonda. No tempo de Fabião Soares de Paredes, a paróquia de Santiago de Eiras era uma Vigariaria (5) da apresentação do Mosteiro de Celas, que aí detinha o direito de apresentação do vigário e participação na cobrança do Dízimo (6) e outros rendimentos: «O Parocho desta Igreja se chama Vigario, hé collado, e o aprezenta a Abbadeça do Mosteiro de S. Maria de Cellas extra muros da cidade de Coimbra (…) Tem este Paroco de renda cada anno certos duzentos e sincoenta mil reis que se compoem da Congrua, dos Dízimos lhe pagão as Relligiosas do sobredito Mosteiro de Cellas, dos Passaes da Igreja e dos mais uzos della é este ao seu arbítrio; nomea cura pello S. João, a quem se passa carta» (7). O Murtal merece um pouco de atenção. Segundo conta Fabião Soares de Paredes «…os Dizimos, Laudemios e Reçois pertençem á Collegiada de S. Pedro da Cidade de Coimbra; e por contrato de tempo que excede a memoria que o Pryor e mais Beneficiados daquella Collegiada fizerão com os Parocos de Eyras cura este no spiritual os moradores deste lugar» (8). Dados que indiciam que o lugar do Murtal fez parte, em tempos recuados, da paróquia da desaparecida Igreja de S. Pedro. A restante área daquilo que é hoje a Freguesia de Eiras integrava-se noutras paróquias cujas Igrejas eram em simultâneo Senhorios Directos dos respectivos lugares: o Loreto (ou Assamassa) e a Quinta de Nossa Senhora do Loreto pertenciam à Sé; a Adémia de Cima à Igreja de S. Bartolomeu; o Ingote, Vale de Figueiras, S. Miguel e as actuais áreas do Arco Pintado e do Monte Formoso pertenciam à Igreja de Santa Justa. O restante seriam aglomerados dispersos, pouco mais que quintas isoladas: a dos Loureiros, a do Tojal, a dos Inácios e dos Moiras, conjunto donde proveio a povoação da Redonda. Mas a Vigariaria de Eiras evoluiu ao longo dos tempos: em 1708 o padre Carvalho da Costa fala-nos apenas de uma «vigagaria» para designar a paróquia de Eiras; mais tarde, pelas informações paroquiais de 1721, constatam-se pela pena do vigário que as redigiu, importantes alterações quanto à sua territorialidade: «… Villa de Eiras, Cazais e Vileirinho tudo pertensente a mesma freguesia» (9). Joaquim Ramos de Carvalho e José Pedro Paiva - «A Diocese de Coimbra no século XVIII. População, Oragos, Padroados e Títulos de Párocos», Sep. da Revista de História das Ideias, Vol. 11, Coimbra, 1989. Vide Apêndice da obra. 5 A Vigariaria era a área de jurisdicção de um Vigário, na qual este substituía o prelado de uma diocese. 6 Os Dízimos eclesiásticos eram uma velha tradição da Igreja, tirada do Antigo Testamento. Também se deu o nome de décimas e consistia no pagamento da décima parte dos frutos que a terra dava. 7 A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fls. 26-26v. 8 Id. Fl. 37. 9 A.U.C. – Fundo do Cabido: Informações Paroquiais da Freguesia de Eiras, 1721, Fl. 1. 4

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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A Vigariaria, além do Vigário, era composta por seis sacerdotes que «…se ocupão em varias cappelanias quotidianas que há nesta Igreja e assistem a todas as funçois publicas nella com suas sobrepelizes». Vilarinho era um caso particular, dividido entre as freguesias de Eiras e Brasfemes, com os dízimos aí recolhidos a serem também divididos pelas duas paróquias. O pequeno lugar do Cordovão, pelo menos desde o século XVII, pertencia ao limite de Logo de Deus e tinha como Senhorio o Mosteiro de S. Paulo. Talvez seja do tempo de Fabião Soares de Paredes o início dos problemas entre Eiras e Brasfemes, a propósito de Vilarinho. Como relata o próprio vigário o lugar pertencia a duas freguesias (no sentido de paróquia) em simultâneo, havendo entendimento até 1732 do modo como cada uma administrava os preceitos da Quaresma «...e sempre foi uso, e costume passada Dominga in Albis vir o Reverendo vigario de Barafemes com o seu Rol dos confessados a caza do Reverendo vigario de Eyras, que sempre assistirão no lugar de Villarinho conferir os Rois e assim averiguarem se todos os moradores do dito lugar tinhão satisfeito ao preceito da Quaresma» (10). Segundo parece, na Páscoa de 1731 o pároco de Brasfemes, Joseph Caetano da Cunha, começou a alterar o uso e costume: «O anno passado alterou o Reverendo Vigario de Barafemes este custume remetendo-me hũa certidão jurada dos freguezes que do dito lugar se tinhão confessado na sua Igreja pella qual eu confirmava com o meu Rol julguei estarem todos desobrigados, e lhe remeti tambem certidão de como todos tinhão satisfeito, e assim me acomodei tambem a este modo inda que the hi impraticável» (11). Mas as alterações não se ficaram por aí e, no ano seguinte, em Abril de 1732, o pároco de Brasfemes alterava novamente as regras: «Este anno quis o mesmo Reverendo vigario de Barafemes alterar de outra sorte aquelle costume, e entrou a dar a cada Fregues que se confessara na sua Igreja escrito jurado por modo de Certidão de que os freguezes entrão a queixarsse pella opreção que isso lhe cauza: eu como não quero alterar os uzos, e custumes racionáveis duvido dar escritos aos Fregueses que se desobrigão na mesma Igreja, e na cauza opreção a elles, e a mim nesse particular» (12). Fabião Soares de Paredes, na qualidade de Vigário de Eiras, protestará superiormente contra a acção do seu vizinho de Brasfemes, dando origem a um processo que entrou na Câmara Eclesiástica a 25 de Abril de 1733 sob o título «Dependencias entre o Reverendo Vigario de Eyras e o Reverendo Vigario de Barafemes» (13). Um caso que era a consequência lógica do clima de tensão latente entre os dois párocos: «Este anno esperava eu, que o Reverendo Vigario de Barafemes viesse, ou mandasse o seu Rol dos Confessados na forma do antigo uso, e custume, ao lugar de Villarinho para ahi em hûa das Capellas de Santo Antonio, ou da Piedade conferirmos os Rois, e averiguarmos se todos estes nossos freguezes tinhão satisfeito ao preceito da Quaresma (…) porem eu vejo, que a dominga ja passou e tambem esta

A.F.P.M.A.M - Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 71. Id. 12 Id. 13 A.U.C. - Capelas: CAIXA 29, Doc. N.º 11. 10 11

Proémio ao Estudo da Freguesia de Eiras: Território, Senhorio, Paróquia e Freguesia

Semana, e não obstante ter eu por varias vezes esperado com recados na Capella de Santo Antonio, que he do Dr. Manoel Serpins de Carvalho, e esta sita na freguezia de amboz, e bem no meyo do lugar de Villarinho emthequi não tem vindo, nem mandado» (14). Percebe-se, também, que existe um segundo conflito de certa maneira encapotado pelo primeiro. Na verdade, uma das questões que suscita divergências entre os dois religiosos é se a família de Fabião, que habita com ele em Vilarinho, numa quinta arrendada, deve ou não reconhecer por pároco o Reverendo Vigário de Brasfemes. Pedindo a Câmara Eclesiástica que se chegue a consenso, Fabião Soares de Paredes reage, defendendo que a conferência dos róis seja feita na sua casa de Vilarinho. O que será contrariado pelo pároco de Brasfemes em duas alegações: «A primeira porque nunca ouve tal custume, e só os Parochos de Brafemes e Eyras custumavão quando querião conferir os seus Rois a respeito do dito lugar de Villarinho vir hum a caza do outro mutuamente por urbanidade, de tal sorte que hum fazia esta deligencia hum anno, e outro o seguinte (…) senão pode verificar porque o lugar de Brafemes dista do de Villarinho hum quarto de legoa pouco mais ou menos, e neste rezide o Vigario de Brafemez, e o Reverendo Vigario de Eyras no dito lugar de Villarinho circunstancia porque claramente se colhe que obrigandosse o Parocho de Brafemes a ir ao dito lugar de Villarinho fazer a tal conferencia se lhe da projuizo por não ser inferior ao de Eyras que tem huma das Capellas na quinta aonde mora» (15). O pároco Joseph Caetano defenderá também a jurisdição sobre a quinta onde mora Fabião, sita em Vilarinho: «…poe o Vigario de Brafemes no seu Rol dos confessados ao Reverendo Vigario de Eyras e a sua famillia, porque são moradores na quinta que ficou de Manoel Vahia de Saa sita no lugar de Villarinho e he certo que em todos os habitadores do dito lugar tem o Parocho de Brafemes jurisdição ordinaria no foro interno, por a dita Igreja ser beneficio Collado perpetuo» (16). Infelizmente este processo encontra-se incompleto, de modo que desconhecemos qual a sentença proferida sobre o caso. No Tombo Novo da Vila de Eiras (1740) definiu-se a área da paróquia em função da cobrança do dízimo. As áreas sujeitas à sua cobrança integravam a paróquia de Eiras, constituída pelos Casais de Eiras, pelo lugar de Vilarinho (onde o dizimo era repartido em duas partes iguais, uma para a paróquia de Eiras, outra para a de Brasfemes), e a parte do limite da freguesia que estava no Campo do Bolão. Diga‑se a propósito que as dízimas dos Campos do Bolão foram objecto de uma demanda entre o prior da Igreja de Eiras e os raçoeiros de Santa Justa de Coimbra, que o Vigário Geral do Bispo de Coimbra, D. Martim Gil sentenciou a favor de Eiras, por se ter provado pertencer-lhe. As casas, azenhas, lagares de azeite, fornos de poia e de cal, assim como as fazendas e outras propriedades que o mosteiro administrava dentro do seu distrito também pagavam dízimo.

Id. Fl. 2v. A.U.C. - Capelas: CAIXA 29, Doc. N.º 11, Fl. 8 16 Id. Fl. 8v. 14 15

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No decurso do século XIX, a área da paróquia de Eiras foi-se alargando, de modo que, chegados aos inícios do século XIX, integrava não só as povoações atrás referidas, mas também as do Ingote, Vale de Figueiras, Arco Pintado, Rua do Padrão, Estação Velha, Loreto, Relvinha, Casal do Ferrão, Estrada de Eiras, Loreto, Brinca e S. Miguel. No entanto, a partir de 1912, regista-se a “invasão” da paróquia de Santa Cruz, para a antiga área da paróquia de Eiras. Nessa altura o Padre Teles paroquiava a freguesia, que pelo facto de grande parte destes lugares estar relativamente distante da Sede Paroquial avançou com a proposta de os integrar na paróquia de Santa Cruz. A história ficou registada numa carta do Professor Albuquerque Matos, figura que durante anos tentou, sem sucesso, unificar os limites da freguesia civil com os da paróquia: «Eu próprio tentei, ainda não há muito, unificar os limites da paróquia com os da freguesia. Promovi reuniões na sacristia, que foram regularmente concorridas, mas…muito entusiasmo de princípio, fácil de conseguir, como de costume em outras coisas, para em breve o desânimo gradual, levar à extinção gradual, também da comissão nomeada» (17). Ao mesmo tempo o professor defendia uma ideia antiga do Padre Teles: a criação dentro da paróquia de Eiras de uma Capelania com sede no Loreto, aproveitando-se a ermida aí existente, servindo de apoio aos novos bairros que entretanto se edificaram em redor. Actualmente, Eiras é uma paróquia do Arciprestado de Coimbra (Zona Rural Norte) que por sua vez integra a Região Pastoral Centro da Diocese de Coimbra.

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5. Do Século XIX em diante: a Freguesia Civil de Eiras implantação do Liberalismo acarretou um conjunto de reformas administraA tivas que alteraram o fácies da organização territorial, civil e religiosa do país. Eiras não seria excepção.

Definidas as directrizes da reforma administrativa que conduzirá ao Setembrismo, sucederam-se reuniões para o arredondamento dos concelhos existentes, onde se previa a supressão de uns e criação de outros. Embora Eiras estivesse a um curto passo de ser extinto como concelho, o projecto inicial que estava em discussão parecia indicar outro caminho, talvez a querer iludir o que se preparava. De facto, só nesse sentido se compreenderá a sugestão ao Governador Civil saída da sessão realizada no dia de Natal de 1835: «Lembra esta Municipalidade para o arredondamento de seu Concelho, e de algum modo se conforma com o progeto da de Coimbra sobre a divizão, e redução de freguezias quando no artigo de Eiras lhe annexa Pedrulha, Brasfemes, a metade de São Paulo de Frades, Ademias, e Rachado; porquanto esta Villa fica n’um ponto Central d’estes Povos, e asim sem duvida se conciliará a sua comodidade com o milhor expediente e regularidade da Admenistração»(18).

A.F.P.M.A.M. – Carta do Professor Manuel Albuquerque Matos ao Reitor da Pedrulha, Carlos José Delgado, 30 de Novembro de 1975, P. 3. 18 A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1833-1836, Fl. 25v. 17

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O ano de 1854 foi de mudanças profundas ao nível da divisão territorial das freguesias paroquiais da Cidade de Coimbra e arredores. A 25 de Novembro publicou-se a anunciada «Lei de Redução, supressão, arredondamento e erecção das paroquias da cidade de Coimbra e seus suburbios», promovida pelo Arcebispo de Coimbra D. Manuel Bento Rodrigues, contando com o parecer de uma comissão nomeada para o efeito (19). Acompanhava esta lei o respectivo «Plano de reducção, supressão, arredondamento, e erecção de parochias na cidade de Coimbra e seus suburbios a que se refere o Decreto d’esta data». E por ele verificamos que as 9 paróquias existentes na cidade ficariam reduzidas a 4 (Sé Catedral, Sé Velha, S. Bartolomeu e Santa Cruz) sendo criadas duas novas freguesias; a de Santo António dos Olivais e a de Santa Clara. No entanto como esta reformulação mexia com os limites de 3 freguesias rurais - S. Paulo de Frades, Trouxemil e Eiras - entenderam os legisladores redefinir os limites destas, tratando o assunto no Art.º 5 da referida lei. No caso de Eiras a freguesia ficou com o seguinte perímetro (20): «Sanct Iago d’Eiras» «Prolonga-se egualmente até cair perpendicular sobre a ribeira de Cozelhas, e confinar, pelo nascente com os limites dados á de S. Paulo pelo poente; pelo poente com os marcados á de Sancta Cruz até à ponte dos Asnos, seguindo em linha recta pela estrada que leva a Eiras, apropriando-se de qualquer porção de terreno, que outra freguezia tenha ao sul d’esta estrada dos Asnos para Eiras, mas não perdendo os que tenha ao norte da mesma estrada». Importa pois incluir aqui as demarcações das Freguesias de S. Paulo de Frades e de Santa Cruz na linha que as dividia de Eiras: S. Paulo de Frades: «…e pela parte do Poente, confinando com a d’Eiras, pela estrada que de Cozelhas sobe para Eiras por entre as quintas de D. Antonia Luiza, Bizarros de Coimbra, e outros até ao ponto aonde a estrada d’Eiras se bifurca com a de Lordemão; e d’aqui por diante, seguindo os limites actuaes entre Eiras e S. Paulo de Frades». Santa Cruz: «…até à Cruz do Bolão, Barraca de pau, estrada até à valla real de Eiras, margem esquerda d’esta estrada, Ponte dos Asnos, estrada real até ao arco pintado, onde atravessa a ponte, e segue pela ribeira de Cozelhas até ao Promotor» Pelos dados apresentados é fácil de concluir que o plano de redução e arredondamento de freguesias da Cidade de Coimbra foi benéfico para a Freguesia de Eiras, uma vez que passou a integrar nos seus limites territoriais uma parte muito significativa da antiga Freguesia de Santa Justa, a qual pelo dito decreto de 28 de Novembro de 1854 foi suprimida e integrada na Freguesia de Santa Cruz, transitando para a Freguesia de Eiras as antigas áreas do Ingote, Vale de Figueiras, S. Miguel e Arco Pintado. Composta pelos seguintes indivíduos: João Maria Calixto; António dos Santos Pereira Jardim; Roque Fernandes Tomás,; João Correia Aires de Campos e António Egípcio Quaresma Lopes de Carvalho e Vasconcelos. 20 Dados extraídos de documentação do autor: Edital do Governo Civil de Coimbra de 23 Dezembro 1854, contendo a Portaria de 25 de Novembro de 1854 que remete o Diário de Governo N.º 278 de 20 de Novembro de 1854 onde se define o dito plano de redução e arredondamento das paróquias da Cidade. 19

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Concluído este plano nova divisão paroquial da Comarca de Coimbra teria lugar, desta vez motivada pela criação das freguesias de Torres do Mondego e Arzila. Nomeou-se uma Comissão para tratar da nova divisão, de que se conhecem as actas das reuniões. Tendo iniciado os trabalhos em Agosto de 1862, deram os mesmos por findos em Outubro de 1865. Do seu labor resultou a publicação de um Mapa Geral das Povoações (21) que nos permite saber quer a «divisão parochial da Comarca de Coimbra» - também designado por «Districto Administrativo de Coimbra», que vigorava quando se iniciaram os seus trabalhos, quer a divisão projectada. Curiosamente, tanto as referências quanto à «divisão actual» como as relativas à «divisão projectada» apresentavam no que toca a Eiras o mesmo número de povoações, lugares ou casais: - Casais de Eiras, Casal do Juiz, Eiras, Ingote, Loreto, Murtal, Quinta do Carmo, Redonda, Vale de Figueiras, Vilarinho de Baixo e Vilarinho de Cima. Sendo assim o que mudara afinal? A resposta tem de ser procurada nas actas da Comissão de arredondamento das freguesias (22). E por elas se vê que os lugares de Vilarinho de Baixo e de Vilarinho de Cima, repartidos por duas freguesias diferentes, Eiras e Brasfemes, foram um dos problemas mais complicados de resolver. A este propósito a Comissão declarará em acta do dia 10 de Outubro de 1864, que costumava ouvir «…pessoas fidedignas para informarem sobre a conveniencia da annexação de differentes povoações ás freguezias d’este Concelho, ou sobre a conveniencia da suppressão d’algumas dessas freguezias na conformidade do disposto nas bases do artigo 4º do Decreto de 21 d’Abril de 1862» (23). Recolhidas as informações possíveis e necessárias a Comissão tomou a decisão que achou mais conveniente a 18 de Janeiro de 1865: «Por ultimo deliberou ainda que todo o logar de Villarinho, que actualmente pertence ás duas freguezias d’este Concelho, Eiras e Brasfemes, ficasse, pela nova divisão, pertencendo todo á freguezia d’Eiras» (24). Como havia tempo destinado a reclamações, elas acabaram por chegar à mesa da Comissão a 3 de Outubro de 1865, pela voz de alguns «…moradores dos logares de Villarinho de baixo e Villarinho de cima, da parte que actualmente pertence á freguezia de Brasfemes, contra a annexação désta parte á freguezia d’Eiras limitrophe daquella» (25). A apreciação da reclamação merecerá parecer negativo da Comissão: «Nesta reclamação não se apresentam razões procedentes, ao parecer désta Commissão; por quanto, sendo estas povoações com tal proximidade uma da

Aprovado em Sessão da Comissão Comarcã de 25 de Abril de 1865. A Comissão era composta pelos seguintes indivíduos: D. Jose Maria de Vasconcelos Azevedo Silva e Carvajal (Presidente); Delegado do Proc. Regio, Bacharel Antonio Manoel da Silva Barboza, o Administrador do Concelho Bacharel Jose Maria Cardozo Lima, Antonio Jose Cardozo Guimaraens e o Padre Manoel da Cruz Pereira Coutinho (Vogais). 23 A.H.M.C. - Actas da Commissão de arredondamento de freguesias, 1862-1865, Fl. 6. 24 Id. Fl. 11v. 25 Id. Fl. 15v. 21 22

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outra, que parecem uma só, e pertencendo parte déllas á freguezia d’Eiras, e o restante a Brasfemes, ficam as mesmas povoações pertencendo simultaneamente a duas freguezias, e portanto num estado anomalo, nascendo daqui difficuldades para a administração: ora esta Commissão tendo em vista o facil desempenho das funcções ecclesiasticas e administrativas, e a commodidade dos povos, entendeu que as alludidas povoações devem pertencer a uma só freguezia, e unios á freguezia d’Eiras, por parecer, que a de Brasfemes pode subsistir com o numero legal de fogos tirando-se-lhe 43, que tantos são os da parte dos dois Villarinhos, que actualmente lhe pertence, para ficar com 201 fogos, ao passo que, se fossem tirados a Eiras os 42, da parte que tambem possue dos mesmos logares, constando, actualmente esta freguezia de 238 fogos, só lhe restariam para toda a freguezia 195, e ainda destes deve passar um fogo para a freguezia de Santa Cruz. Portanto entende a Commissão annexar os logares de Villarinho de baixo e Villarinho de cima na sua totalidade á freguezia d’Eiras, indeferindo á reclamação» (26). Para a Comissão não fazia qualquer sentido que duas povoações andassem divididas e disputadas por freguesias vizinhas, fundamentando a sua decisão quer no numero legal de fogos exigidos para existir enquanto freguesia, quer nas facilidades de administração eclesiástica e administrativa. Daí que a única diferença que se encontra no dito Mapa Geral das Povoações de 1865, entre a divisão existente e a projectada, diga apenas respeito ao incremento do número de fogos e almas que transitam do lugar de Vilarinho de Cima, sob administração de Brasfemes, para Vilarinho de Cima sob administração de Eiras. Pena que o mapa não esclareça o que entretanto ocorrera com estas localidades, que na sua totalidade passaram para a administração da Freguesia de Eiras. E se dúvidas existirem quanto a esta alteração, consulte-se o registo relativo à freguesia de Brasfemes: se na divisão existente Vilarinho surge como fazendo parte da Freguesia de Brasfemes, já na divisão projectada não consta qualquer referência a Vilarinho. Em Abril de 1871 os párocos de Eiras e Brasfemes marcaram, em Vilarinho, o limite das duas freguesias, assentando «que fique pertencendo, no espiritual, d’ora avante, somente à freguesia de brasfemes, a caza e quinta chamada da Bahia, situada entre os dois lugares de Vilarinho». Demarcação legalizada canonicamente pelo Vigário Capitular da Diocese, D. Manuel Correia de Bastos Pina. Dados concretos sobre os limites e povoações da freguesia resultam da solicitação feita pela Direcção Geral da Administração Política e Civil à Câmara Municipal de Coimbra. Estamos no ano de 1929 e, no seguimento da Circular n.º 31, a Câmara enviava «…nota de todas as freguesias deste Concelho, com indicação de todas as povoações que constituem cada uma delas, incluindo as que fazem parte da área da cidade». À luz desta informação a Freguesia tinha como sede o lugar de Eiras sendo constituída pelas Povoações e Casais seguintes: Arco Pintado, Casais d’Eiras, Casal do

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Id. Fls. 15v.-16.

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Ferrão, Escravote, Gavarra, Ingote, Qta da Ribeira, Quinta de Santa Apolónia, Qta das Varzeas, Lorêto (parte), Murtal, Redonda, Rua do Padrão (parte), Vilarinho de Baixo (27). No Dicionário Corográfico de Américo Costa, em 1938, a Freguesia de Eiras compunha-se dos seguintes locais: Arco Pintado, Casais de Eiras, Coselhas (parte do lugar), Escravote, Estação do Caminho de Ferro (Estação Velha), Ferrão, Ingote, Lordemão, Loreto, Milharadas, Murtal, Padrão, Quinta da Ribeira, Redonda, Ribeira de Coselhas, Vale de Figueiras, Vilarinho de Baixo e Vilarinho de Cima. A estes lugares acrescentou alguns casais - Barreiros, Borges, Bragas, Gavarra, Juiz e Lagar - e as quintas – do Carmo, Escrabote, Olivaes, Paço, Tojal e Várzeas (28). Apesar das divergências sucederam-se as tentativas de harmonizar a divisão administrativa da cidade com a divisão eclesiástica. A 4 de Junho de 1942, os presidentes das Juntas de Freguesia da cidade e os párocos das freguesias religiosas reuniram-se com o objectivo de procederem à delimitação das fronteiras das freguesias da cidade. Na década seguinte, a 23 de Agosto de 1951, a Câmara Municipal constituiu um grupo de estudo composto pelo vereador Dr. Francisco Augusto Cortês e um representante do clero, para harmonizar a divisão administrativa da cidade com a divisão eclesiástica, ao mesmo tempo que se estudaria a delimitação da área da cidade. Sonho antigo que, uma vez mais não se atingiu (29). O crescimento de aglomerados urbanos junto aos limites do território administrativo da Freguesia de Eiras, levou a alguns problemas de difícil resolução. O caso mais evidente é o Bairro de Santa Apolónia que em termos administrativos é, em parte, reclamado pelas Freguesia de Eiras e de S. Paulo de Frades. A confusão é grande e os culpados involuntários desta situação talvez sejam os empreiteiros que começaram a construir o bairro com desconhecimento dos limites das freguesias; uns diziam aos compradores que pertencia a uma freguesia, outros diziam que a outra, e os erros foram-se acumulando. A partir daqui estava aberto caminho a situações complexas uma vez que o registo dos apartamentos nas finanças reflecte as más informações prestadas. A integração da Freguesia de Eiras na Área da Cidade ou vice versa, foi um longo processo que animou o século XX. De forma natural, as zonas mais próximas da cidade foram as primeiras a integrar por direito próprio a Área da Cidade. Por proposta do Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal, Dr. Mário Almeida, datada de 26 de Novembro de 1923, a zona da Estação Velha, juntamente com a Calçada de Santa Isabel, Santo António dos Olivais e Calhabé foram incluídas na área da cidade (30). Na década seguinte, a 6 Junho 1934, as autoridades municipais resolveram alterar o limite da área da cidade para o lado norte integrando uma nova área: Estrada de Coselhas, Ponte do Promotor; Ingote – cimo da Povoação; Estrada de Eiras;

A.H.M.C. - «Direcção Geral da Administração Política e Civil» (pasta) In Correspondência Recebida, 1929 (cx.) 28 Américo Costa – Diccionario Chorographico de Portugal Continental e Insular, Vol. VI, Lisboa, 1938, P. 157. 29 Anais do Município de Coimbra, 1940-1959, Pp. 35, 222, 351. 30 Anais do Município de Coimbra, 1920-1939, P. 86 27

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Barrocas das Oitavas em direcção à Montureira; Estrada do Porto: passe de nível do Loreto; passe de nível junto à estrada do Porto (31). Estas zonas correspondem hoje a importantíssimas áreas urbanas da Freguesia de Eiras, dando razão a quem, em devido tempo, as integrou na área da Cidade de Coimbra. O alargamento de Coimbra para Norte tem continuado a um ritmo impressionante adivinhando-se para breve a plena absorção da Freguesia de Eiras pela Cidade de Coimbra.

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Id. P. 393

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«Uma região geográfica caracteriza-se por certa identidade de aspectos comuns a toda ela. Não apenas as condições gerais de clima e posição, mas ainda as particularidades da natureza e do relevo do solo, o manto vegetal e as marcas da presença humana, nos darão o sentimento de não sairmos da mesma terra. A consciência desse facto entre os habitantes traduz-se muitas vezes por uma apelação regional: mas nem sempre regiões tradicionais ou circunscrições administrativas coincidem com divisões geográficas».

Orlando Ribeiro – Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, Colecção «Nova Universidade», 6.ª Edição, Livraria Sá da Costa Editora, 1991, P. 140.

1. As primeiras descrições da freguesia paisagem física e humana da freguesia permaneceu durante séculos sem alterações significativas ao olhar. Uma conclusão a que chegamos, facilmente, pela leitura das bem conseguidas descrições da zona de Eiras que se conservaram até aos nossos dias, redigidas algumas delas pelas penas dos padres que foram servindo na paróquia. Contudo, a primeira descrição não foi directamente assinada por nenhum pároco da freguesia, pois resultou de um esforço de inventariação dos lugares de âmbito nacional. Na realidade, em 1708, saía a lume o Tomo II da Corografia Portuguesa organizado superiormente por António Carvalho da Costa. E é nesse livro que iremos encontrar no Capítulo VI, do Tratado I relativo à Comarca de Coimbra, a primeira descrição da freguesia de Santiago de Eiras que prima pela simplicidade: «he lugar fresco, cercado de huma ribeira, que desagua no celebre Mondego, & muy abundante de caça» (32). Treze anos depois, a 15 de Maio de 1721, o Vigário de Eiras, Bernardo do Valle, em resposta ao inquérito enviado pelo Cabido da Sé de Coimbra situava a freguesia que paroquiava nos seguintes termos: «Está esta Villa hua legoa fora de Coimbra situada em bom terreno abundante de todos os frutos, assim trigo, milho, sevada, vinho, azeite, e toda a abundancia de frutas e ortalices, e tambem toda a casta de legumes» (33). Mas a honra e o mérito da mais extraordinária descrição da freguesia relativa a Setecentos, cabem por inteiro ao Vigário Fabião Soares de Paredes Ferreira que, entre 1728 e 1741, organizou e sistematizou um conjunto de informações que deram origem a umas ainda inéditas «Memórias d’Eyras». Esse longo manuscrito, que aproveitou parte de um livro destinado ao Rol dos Confessados, abre com

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Antonio Carvalho da Costa – Corografia Portugueza, e Descripçam Topográfica do Famoso Reyno de Portugal, com as noticias das fundações das Cidades, Villas, & Lugares, que contêm; Varões illustres, Genealogias das Familias nobres, fundações dos Conventos, Catálogos dos Bispos, antiguidades, maravilhas da natureza, edifícios, & outras curiosas observaçoens», Tomo II, Ed. Valentim da Costa Deslandes, Lisboa, 1708, P. 33. 33 A. U. C. – Fundo do Cabido: Informações Paroquiais da Freguesia de Eiras, 1721, Fl. 3. 32

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uma magnífica descrição do espaço que agora detém a nossa atenção. Ali e sobre o título de «Rellação da Villa de Eyras da Provincia da Beira», abre-se uma janela de amplo vão para a História da Freguesia de Eiras:

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«Em hum ameno valle composto de ferteis e largas margens regado de muitas agoas, plausivel com boas hortas, vistozo e com varias vinhas, e poboado de innumeraveis arvores de fruto e sylvestres extramuros da Cidade de Coimbra para a parte do Norte hua legoa, esta sittuada a Villa de Eyras (…). A Villa compoemse quazi toda de cazas de sobrado com quintais, repartidas com boa ordem em coatro ruas e varios becos e traveças; pello meyo corre huma estrada que vem de Coimbra para Vizeu e ahi atraveça duas pontes, hua com hum arco e outra com trez; mas todos de cantaria com seus bordos capeados, formadas sobre dois ryos que passão por dentro da Villa com cujas Agoas se movem ahi mesmo dezaseis varas de lagares de azeite e oito rodas de moer pão. Estes rios se ajuntao com o de Villarinho, donde chamao as Milharadas em cujo citio está outra ponte, que inda he da mesma Villa com hum arco de cantaria e seus bordos capeados depois discorrem pelo Campo de Bolão sobre o Mondego á vista de Coimbra com o nome de Rio de Eyras. Desta villa se avistão os lugares dos Cazais, Murtal e Logo de Deos; mas dentro do seu limite para a parte do poente próximo a ella está hum levantado e redondo baluarte de hum cabeço a que chamao S. Domingos, por haver em sua alta planicia estado hua Ermida deste Santo de que inda se descobrem vestigios; Desta eminencia se avista Coimbra e seus campos, e mais de sinco legoas do Rio Mondego que lhe fica ao poente. A Villa está no meyo da freguezia e esta pella parte do Norte parte com a de S. João de Brasfemeas; pella do Sul com a de S. Paulo dos Frades; e pella do poente com com a da Sra. da Vizitação da Pedrulha, e a de S. Bartholomeu de Coimbra» (34). Na relação do lugar dos Casais, e no que toca à geografia do espaço, Fabião Soares de Paredes também deu conta daquilo que via: «Está este lugar tão proximo a Villa que só se intromete hua ponte com tres arcos de cantaria fica para a parte do nascente no mesmo Valle por onde corre o Ryo de Eyras». E mais adiante acrescentava que os moradores viviam «..quazi todos em casas de sobrado em quintais sobre o ryo que o bem cerquando pella parte do Sul pello meyo corre hua rua larga, e comprida que dá entrada ao Correio de Vizeu» (35). Além de Vilarinho, na altura considerado lugar da freguesia de Eiras, aparece outra relação respeitante ao Murtal: «Este lugar está cituado em a ladeyra de hum monte a que chamao da Lomba de Eyras bem defronte da Villa em distançia de dois tiros de mosquete para a parte de entre o Norte e o Poente» (36). A paisagem, durante séculos dominantemente agrária, foi fortemente marcada pela posição de fronteira, entre as terras do campo e as terras do monte: «Na Vila, A.F.P.M.A.M. – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fls. 25-25v. Id. Fl. 35. 36 Id. Fl. 37. 34 35

O Meio Físico e a Paisagem

junto à ribeira, normalmente por detrás das habitações e como parte integrante dos prédios urbanos, encontrávamos quintais com pomares, horta, almoinhas e alguma vinha. No entanto, as maiores extensões de vinha apareciam fora da vila coexistindo frequentemente com os olivais que dominavam a paisagem» (37). Neste quadro, o espaço físico-social era também marcado pela existência de algumas quintas de considerável dimensão. Entre finais do século XVIII e princípios do XIX, vamos encontrar um conjunto destas unidades de organização e exploração da terra: Quinta do Paço, Quinta da Ponte, Quinta dos Troviscais (todas em Eiras); Quinta da Ribeira (na Ribeira de Eiras, que depois foi Quinta de Santa Apolónia e posteriormente deu lugar ao Bairro de Santa Apolónia); Quinta da Redonda, Quinta de Sezem, Quinta do Cordovão, Quinta do Escrabote, Quinta de Montragil (38).

2. O Clima s características climáticas das regiões sempre condicionaram o povoamento humano. A abundância ou escassez de água, a suavidade ou rigor das estações, a ausência ou a exposição a ventos, são alguns dos factores que hoje se reconhecem como fundamentais para o estabelecimento ou afastamento dos povos. A propósito desta temática, relembre-se Amorim Girão, que afirmava: «A distribuição actual da população portuguesa anda relacionada muito de perto com a distribuição da chuva» (39). Na Freguesia de Eiras reuniram-se alguns dos factores geográficos acima enumerados, de cuja convergência resultou a fixação duradoura do povoamento. Em primeiro lugar devemos destacar um clima regional suave, influenciado decisivamente pela proximidade ao Atlântico, onde os Verões não são excessivamente quentes nem secos enquanto que os Invernos se apresentam suaves e chuvosos. Estas características, específicas do nosso clima, integram-no na bem estudada «…região climática de tipo marítimo da fachada Atlântica» (40), na qual se distinguem ainda: alguns dias de forte calor ou frio sensível (inclusive temperaturas negativas), a formação de nevoeiros (44 dias de nevoeiro em média anual, especialmente no decurso do Verão) e de geada (Outono-Primavera), e a raridade na queda de neve. Uma palavra ainda para os ventos. Nesta região predominam três quadrantes de vento: os de Noroeste, de Maio a Setembro, sendo responsáveis pelas brisas suaves e frescas que tantas vezes nos surpreendem nas quentes tardes de Verão; os de Sudoeste, típico dos meses de Inverno, entre Novembro e Fevereiro, que andam

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Ana Isabel Sampaio Ribeiro - A Comunidade de Eiras nos finais do séc. XVIII: Estruturas, Redes e Dinâmicas Sociais, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2005, Pp. 24-25. 38 As Quintas existentes em redor de Eiras mereceriam, certamente, um estudo aprofundado que não cabe nos objectivos deste trabalho. 39 Aristides de Amorim Girão e Fernanda de Oliveira Lopes Velho - «Evolução Demográfica e Ocupação do solo continental, 1890-1940», In Estudos da População Portuguesa I, Centro de Estudos Geográficos, Faculdade de Letras, Coimbra, 1944, P. 6. 40 Suzanne Daveau e col. – Dois mapas climáticos de Portugal, Centro de Estudos Geográficos, L.ª, G. Fis., Rel. N.º 8, Lisboa, 1980. 37

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associados a situações de mau tempo; e os de Este, que quando ocorrem durante o estio significam tempo quente e seco, mas quando se verificam em período outonal/invernal são apanágio de tempo seco e frio. As recolhas dos dados meteorológicos efectuadas entre 1951-1980, confirmam a amenidade desta região, com as temperaturas médias mensais mais baixas a ocorrerem no mês de Janeiro, rondando os 10º C, e as mais altas no decurso do mês de Julho, com 20º C. No que diz respeito à precipitação, denota grande variabilidade inter e intranual, oscilando o valor médio entre os 900 e os 1000 Mm/ano. Por norma a pluviosidade concentra-se nos meses de Outono e Inverno, sendo escassa no Verão (41).

3. Geomorfologia e Geologia. 56

Foto 1 – O Manuscrito Memórias d’Eyras, fl. 25

s características geomorfológicas da freA guesia são um dos aspectos a considerar na análise do quadro natural em que a mesma se insere. De facto, para quem

conhece bem a freguesia, não pode deixar de lhe anotar o relevo algo acidentado, com colinas e vales. O território da freguesia integra-se numa das principais unidades estruturais do nosso país: «…a Orla Mesocenozóica, com rochas mais recentes e quase sempre mais facilmente desagregáveis, abatida», em contraste com «…o Maciço Antigo Ibérico ou Maciço Hespérico, com rochas mais antigas e por vezes mais resistentes» (42), que se desenha já fora da sua área administrativa, para Leste, a caminho da Serra da Aveleira. Isto significa que, enquanto no primeiro caso estamos a falar de sedimentos depositados ao longo de 225 milhões de anos, no segundo referimo-nos a uma idade geológica ainda mais recuada, de aproximadamente 289 milhões. Esta última unidade, vulgarmente designada por Serra, destaca-se pelas formas salientes, os vales profundos e encaixados, as vertentes rasgadas e abruptas. Por outro lado a metade Ocidental, a caminho dos Campos do Mondego, regista altitudes entre os 20 e os 160 metros, onde surgem terras com relevo planiforme e adoçado, composto por colinas com vertentes relativamente suaves e cimos aplanados, especialmente favoráveis à ocupação humana e ao cultivo dos solos. No tocante aos materiais rochosos que constituem o substrato da freguesia temos uma diversidade lítica assinalável, abarcando principalmente materiais da Era

Dados retirados de: Clima de Portugal, Fasc. XLIX (1990) e de Inag. Fernando Rebelo; Lúcio Cunha; Campar de Almeida - «Contribuição da Geografia Física para a inventariação das potencialidades turísticas do Baixo Mondego» In Cadernos de Geografia N.º 9, Instituto de Estudos Geográficos, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1990, P. 7. 41 42

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Terciária e dos respectivos períodos: Triásico (±250-199 milhões de anos), Jurássico (±199-145 milhões de anos) e do Cretácico (±145-64 milhões de anos). Assim, do Triásico-Jurássico há a salientar as seguintes unidades: 1. Grés de Silves. Constituídos principalmente por materiais areno-conglomeráticos, de tons avermelhados e acastanhados, que testemunham a grande transgressão marinha jurássica. A sua expressão cartográfica coincide grosso modo com a Quinta Várzea. 2. Camadas de Coimbra. São compostas por calcários dolomíticos e margosos, assumindo grande expressão no conjunto da freguesia e especial relevo no contexto regional, de tal modo que foi objecto de vários estudos. Uma das zonas mais importantes desta unidade dentro do território da freguesia é o Bairro de S. Miguel. A sua importância e especificidade é tal que mereceu mesmo a designação científica de «Camadas de S. Miguel» (43). A área ocupada por esta camada, de calcários e calcários dolomíticos de cor amarelada, tem início na porção terminal da Rua de Aveiro avançando pelo Arco Pintado até ao Bairro de S. Miguel – Bairro da Liberdade. 3. Margas e calcários margosos de Eiras. Não menos relevante são as bem estudadas «Margas e Calcários Margosos de Eiras» (44), de tonalidade acinzentada, que fazem parte de uma estreita faixa orientada no Sentido Este-Oeste, que partindo de Eiras vem a terminar no Loreto. «As Margas e margo calcários de Adémia» fazendo parte das «Margas e calcários Margosos de Pedrulha», detectáveis junto ao cruzamento da estrada para Eiras com a da Pedrulha, próximo ao Bairro de S. Miguel, distinguem-se «…pela articulação de margas acastanhadas e amareladas na base, com margas calcárias azuladas e com frequentes amonites no tecto» (45). Embora a sua área seja caracterizada por pequenas elevações, existe o caso especial da zona de Logo de Deus que, atingindo certa imponência, é também o limite Sudoeste do complexo calcário que tem início na zona do Outeiro do Botão, com prolongamento na direcção a Souselas (Serra do Alhastro) e Brasfemes. Integra-se nesta unidade o extenso jazigo do Loreto, composto por excelentes margas verdes e que, durante anos, foram utilizadas no fabrico da cerâmica conimbricense: a pasta de louça branca era constituída pela mistura em pequenas proporções determinadas desta marga com aquelas que se extraiam dos jazigos da Cioga do Monte e Povoa do Bordalo (46). 4. Margas e calcários margosos de Pedrulha. Corresponde a uma sequência de margas acastanhadas e amareladas na base e margas calcárias azuladas, as quais se A. Ferreira Soares; J. Fonseca Marques; R. B. da Rocha – «Contribuição para o Conhecimento Geológico de Coimbra» In Memórias e Notícias, N.º 100, Mus. Lab. Mineral. Geol., Universidade de Coimbra, 1985, Pp. 49-50. 44 Id. P. 53 45 Id. P. 55. 46 Vide Revista da Exposição Distrital de Coimbra em 1884, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1884, P. 69. 43

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encontram junto ao cruzamento da estrada de Eiras com a da Pedrulha, próximo ao Bairro de S. Miguel. Com idade Cretácica surgem as Areias vermelhas do Ingote. Trata-se de depósitos arenosos e cascalhentos cuja expressão geográfica abrange a zona do Ingote, Alto dos Cinco Reis e Tulha-Eiras. A sua denominação(47) deve-se às tonalidades vermelhas e acastanhadas que apresenta. É típico desta unidade o predomínio de calhaus arredondados do tipo esfera. No entanto, na zona do Bairro Camarário do Ingote, e mais a Norte na estrada para Eiras, este depósito apresenta-se ligeiramente diferente, menos cascalhento com seixos mais angulosos e de menores dimensões. Na margem esquerda da Ribeira de Eiras, entre Adémia de Cima e o Bairro de Santa Apolónia (detectáveis também na zona da Pedrulha) aparecem depósitos em parte semelhantes aos do Ingote. Por último, são ainda de referir os depósitos aluvionares, constituídos por areias e calhaus mais ou menos rolados, que ladeiam as principais linhas de água que rasgam a freguesia: Ribeira de Eiras e Ribeira de Coselhas.

4. A Hidrografia odemos considerar a existência de três pequenas bacias hidrográficas na Freguesia de Eiras para onde escorrem as diversas linhas de água que cruzam o seu espaço: – A Ribeira de Eiras que nasce nas faldas da Serra da Aveleira, com o nome de Ribeira de S. Paulo atravessa a freguesia no seu extremo Norte, no sentido Este-Oeste (junta-se à Vala do Norte nas proximidades da Adémia de Baixo). No seu percurso recebe um conjunto de tributários, onde se destaca a Ribeira de Vilarinho, que lhe dá uma dimensão de certa importância no conjunto hidrográfico da Região. Na nossa opinião a Ribeira de Eiras foi certamente crucial para a fixação de gentes; além da garantia de abastecimento primário às populações, as suas águas fertilizavam os solos com materiais orgânicos, permitindo ao homem a prática de uma agricultura produtiva. A Ribeira de Eiras assume, no troço que atravessa as povoações dos Casais e de Eiras, sete designações diferentes, no sentido Nascente-Poente: Rio do Carvalho, Rio do Escravote, Rio da Sapeira, Rio da (ou do) Baptista, Rio do Açude, Rio de Além e Rio das Almoinhas. – No extremo Sul da freguesia a rede hidrográfica é dominada por um curso de água de semelhante dimensão, a Ribeira de Coselhas, para onde convergem grande parte das linhas de água das zonas do Ingote e Vale de Figueiras. – Finalmente, na parte voltada a Oeste pequenas linhas de água dirigem-se quase todas para a Vala do Norte.

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A. Ferreira Soares; J. Fonseca Marques; R. B. da Rocha – «Contribuição para o Conhecimento Geológico de Coimbra» In Memórias e Notícias, N.º 100, Mus. Lab. Mineral. Geol., Universidade de Coimbra, 1985. 47

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5. A Fauna e a Flora freguesia experimenta actualmente, salvo raras excepções, os dramas do abandono da prática agrícola e florestal: campos de cultivo transformados em incultos e floresta desordenada, onde pinhais e olivais se transformam aos poucos em matagais. Salvam-se os eucaliptais, mais pelas características da espécie, do que pelo amparo do cultivador, os quais assumem no contexto do equilíbrio florestal um certo exagero. Para trás, no entanto, ficam os tempos em que o olival dominava a paisagem, o que levou, inclusivamente, D. Filipe IV, em 1629, a isentar ou desobrigar os habitantes de Eiras de plantar árvores. Paralelamente, o carvalho e a azinheira completavam a paisagem dos montes, sem rivalizar de forma alguma com a oliveira, dona e senhora das terras altas do território que mais tarde se tornará a Freguesia de Eiras. Se efectuarmos um passeio primaveril pela freguesia verificaremos que a paisagem ainda é dominada nalgumas zonas pelo olival e noutras pela vinha. O olival é uma árvore com papel importante na conservação da natureza, onde as aves se abrigam, alimentam e nidificam. Em seu redor encontraremos em perfeita comunhão a variedade da avifauna: os piscos, os chamarizes, os taralhões, as petinhas, os pintassilgos, as toutinegras, os tentilhões, verdilhões, as rolas. Nas tocas destas e de outras árvores encontramos ainda as poupas e os mochos galegos. Mais acima, e à medida que caminharmos para Este, na direcção da Serra da Aveleira ou das Serras do Alhastro e Brasfemes, onde o pinhal e eucaliptal, por entre alguns loureiros e sobreiros, são senhores da paisagem, verificaremos que o céu é palco dos voos das aves de rapina: a águia de asa redonda (que gosta dos pinheiros mansos para nidificar); a águia calçada, o falcão peregrino, o milhafre, o açor. Aves que se ocupam da caça às presas predilectas do mundo da fauna terrestre: os ratos, as ratazanas, as cobras rateiras, a lagartixa-do-mato, o coelho bravo.

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Foto 2 – Camadas de Coimbra, Calcários de S. Miguel, no Bairro de S. Miguel

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E ao falarmos da Fauna Terrestre teremos de referenciar o porco-bravo, tradicionalmente conhecido por javali. Trata-se de um omnívoro em estado selvagem, bravio e perigoso. Animal belo, raramente ultrapassa os 120 Kg de peso. Tem uma dieta variada embora manifeste predilecção por raízes, tubérculos e trufas, razão porque alguns terrenos de cultivo aparecem “focinhados”, para desespero dos seus cultivadores. Mas outras aves dão alegria às áreas rurais da Freguesia de Eiras: a gralha, o corvo (por exemplo na área envolvente ao moinho de vento), a pega, o pombo, a perdiz, a codorniz, o melro (especialista na captura de minhocas), o estorninho, o cuco, o carriço. Mais raros são os rouxinóis e os pica-paus. Mas nada será tão encantador como a chegada do símbolo da Primavera: as andorinhas. Nidificam em colónias, por vezes muito numerosas, em beirais dos edifícios, nos postes, nas pontes e velhas casas. Espaço aéreo que as aves repartem com uma imensa multivariedade de espécies que concorrem para o equilíbrio ecológico

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Fotos 3 e 4 – Margas e Calcários Margosos de Eiras; à esquerda junto à nova Urbanização na Relvinha, e à direita junto à passagem de nível (Sul) do Loreto

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da zona. Nomeadamente com a família dos Artrópodes: libélulas, libelinhas, louva a deus, gafanhotos, cigarras, joaninhas, pirilampos, borboletas, abelhas. Mas a paisagem é definida por um coberto vegetal com dezenas de espécies de plantas como a aroeira, a rosa brava, a murta, a salva. Mas também algumas com propriedades medicinais como o sabugueiro-negro, a erva-bicha ou o hipericão. Ao nível do solo a Primavera promove um tapete florido: alecrim, rosmaninho, tomilho, orquídeas, estevas, zambujeiros, madressilvas, campainhas, rosas silvestres, rosa albardeira, conjunto perfeito que além da beleza ao olhar traz consigo os perfumes imemoriais da mãe natureza. A fauna assumiu noutros tempos uma importância que hoje não tem. D. Dinis terá sido atraído a Eiras por esse facto, quiçá, tornando o território terra sua, terra reguenga. Aqui terá edificado o Paço onde passava longas temporadas dedicando--se à caça e à pesca na então saudável e farta Ribeira de Eiras. A outro nível, os fósseis que pela freguesia têm aparecido, são um legado da nossa História Natural, consequência de milhões de anos de evolução. O grupo mais comum é o dos invertebrados. A freguesia possui três importantes ecossistemas que devemos realçar e preservar. Um deles é a zona ao redor do leito da Ribeira, em cujas margens despontam árvores como os amieiros, os salgueiros, os choupos e os ulmeiros, dando suporte ao habitat das aves ribeirinhas como os borrelhos, os pilritos e os maçaricos. Mais acima temos a Mata do Escravote, também merecedora de especial destaque. Localiza-se nos Casais de Eiras, na margem esquerda da Ribeira de Eiras, fazendo-se o acesso pela Rua Prof. Albuquerque de Matos e Rua do Carvalho, ocupando parte significativa da encosta que ladeia a estrada que vai para S. Paulo de Frades pela Redonda. Trata-se de uma mata virgem, coberta com vegetação mediterrânica, que se estende ao longo de um maciço rochoso com mais de 40 metros de altura. A diversidade de espécies que lá se encontram justifica o seu carácter especial, a sua protecção: sobreiros, carvalhos, loureiros, urzes, pinheiro bravo, castanheiro, pinheiros, plantas herbáceas e gramíneas. Diversidade que também encontramos na antiquíssima Mata de Santa Catarina localizada entre o triângulo as Várzeas (Eiras) – Cruz Vale do Seixo – Lordemão. Estas matas que noutros tempos constituiriam apenas uma só mata, fazem lembrar, pelo Foto 5 – Margas e calcários margosos da Pedrulha, entre o Modelo seu aspecto, outras áreas a conservar e e o Retail Park de Eiras proteger como o Maquis de Vale Soeiro, na Freguesia de Botão. Do quadro natural fazem parte as árvores de fruto, importantes para a economia e estrutura agrícola da zona. Localizam-se em zonas fertéis como campos cerealíferos, pequenos quintais e hortas junto aos núcleos habitacionais, aparecendo também nas testadas de vinhas. Alguns exemplares são bem conhecidos: laranjeira, tanjerineira, limoeiro, pereira, macieira, figueira, pessegueiro e nespereira.

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Foto 6 – Areias Vermelhas do Ingote, junto à Comunidade Juvenil S. Francisco de Assis

6. O Homem perante a Natureza revolta: pequena história das lutas que se travaram nesta freguesia as lutas mais antigas, desiguais e dramáticas que se travaram nesta freguesia é de realçar aquela que tem oposto o homem às forças da natureza. A quantidade de dados que recolhemos em vários locais sobre este assunto não poderiam deixar de ser revelados, face à importância que têm no conjunto mais vasto da evolução histórica da zona. Um dado eleva-se acima de todos os outros: apesar das forças da natureza (clima, geologia) se caracterizarem como normalmente calmas, a verdade é que, por vezes, parecem acordar inesperadamente, flagelando as populações apanhadas de surpresa. E é exactamente a sua fácies mais dura e extrema, que seguidamente abordaremos. A Ribeira de Eiras foi sempre um problema difícil de controlar, especialmente nas alturas de maior pluviosidade. Nascendo na imponente Serra do Roxo recebe ao longo do seu percurso tributos vários que vão engrossando o caudal. Da sua história fazem parte a ocorrência cíclica de inundações, que podem ocorrer aliás, em qualquer altura do ano. Em 1802 o padre da freguesia António José Fernandez da Silva, impressionado com aquilo que os seus olhos acabavam de ver, registava, certamente à pressa, numa página em branco do livro do Rol de Confessados utilizado anteriormente pelo padre Fabião Soares de Paredes, o relato de uma inundação fora de época: «No dia dezaseis de Junho de 1802 vespera de Corpo de Deus pelas duas horas da tarde houve nestes citios huma innundação tal que não consta, nem há tradição houvece alguma semelhante: arruinou cazas, azenhas, destruhio terras, e andando algumas pessoas lutando com este emchente e debaixo das ruinas de cazas todos escaparão, sem lezão, e só sentirão a perda de quanto tinhao: principiou este duluvio nos altos das Serras que vai para Lorvão para cujo citio se diverzio outro semelhante emchente e no Mosteiro algumas pesoas morrerrão avaluando a perda destes cittios em cento e cincoenta mil cruzados» (48).

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A.F.P.M.A.M. – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 40.

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Num curioso Caderno de Lembranças o Dr. Manoel Gomes Bezerra de Lima Abreu dava conta das grandes complicações para a gestão dos campos e designadamente para a sua propriedade “Cova do Barrão” no seguimento do Inverno de 1853: «Aos 3 de Maio de 1853 foi semeiada a Cova do Barrão de milho amarelo, levou de semente hum alqueire e meio (…) notesse que foi semiado tarde em razão de hua Invernia desde o S. Miguel do anno anterior athe Março do prezente e de repente hum Soão muito forte que logo pôs as terras em estado de se não poderem labrar devendo notarsse mais que as sementes forão em dobro assim como a lavoura – as sementes para a terra humida e enleivada para virem asima - pelo gado andar falto de forças pela escases extraordinaria de erva que houve» (49). A Ribeira de Eiras foi sempre um paradoxo; por um lado fonte de vida, por outro fonte de morte. Apesar dos esforços feitos ao longo dos anos pelas autoridades locais e regionais para a regularização e limpeza do seu leito, a realidade é que a Ribeira de Eiras, de quando em vez, mostra a sua força. E o mês de Junho parece aziago. Faltando 4 dias para se cumprirem precisamente 138 anos sobre o relato produzido pelo pároco de 1802, situação semelhante volta a ocorrer. Mas desta vez será testemunhada por alguém especialmente atento, o Prof. Albuquerque de Matos. Em carta enviada ao seu irmão José, de serviço em Luanda, com data de 20 de Julho de 1940, relata minuciosamente o que observara naquele dia: «Não sei se viste a notícia em jornais de cá da medonha tromba de água que no dia 20 de Junho caiu na serra de Agrêlo e que tantos prejuízos causou nos terrenos marginais das ribeiras de Eiras e Vilarinho. Muitas terras foram arrastadas pela cheia e outras ficaram com grande altura de cascalho, areia e lodo; nalguns sitios o rio mudou de leito e passou para dentro das terras. A cheia cá em Eiras saltou por cima da ponte do Paço, entrou por o portão do Paço dentro e chegou até ao bêco da Júlia do Gavarra; no Escarbote cobriu todo o chão do Chiquinho, o chão da Baptista e arrancou o açude de pedra do Chiquinho. Enfim, não há memória de tão grande enchente e se fôsse a descrever o que se passou nem eu tinha tempo e talvez nem tu paciência. Nós e a tia também tivemos prejuízos. Nesse mesmo dia caiu granizo de tamanho enorme o que muito estragou os cachos, os milhos e as hortas» (50). As invernias prolongadas causavam por norma grandes prejuízos materiais. Em Maio de 1936, a Junta de Freguesia avaliava em 12.500$00 os estragos causados na sua área (51). Três anos depois, em Outubro de 1939, relatava Albuquerque Matos: «Estamos sob um rigorosíssimo Inverno. Há milhos no campo que dificilmente de lá se tirarão. São já enormes os prejuízos em milho e feijão» (52). Os relatos que encontramos pelos jornais revelam-nos que os temporais que se abatiam sobre Eiras tinham um carácter cíclico: a Quinta do Paço era invadida pelas águas de uma ribeira que duplicada se transformava em Rio, as terras da Mata do Escravote desprendiam-se e arrastavam consigo árvores de grande porte, e a água na baixa de Eiras entrava nas casas de habitação, causando pânico e destruição de bens. Caderno de Lembranças, 1852-1854 (está na posse da familía de Ildefonso Marques Mano). A.F.P.M.A.M. – Livro de Correspondência Expedida, Fl. 37. 51 A. J. F. E – Livro de Actas da Junta de Freguesia de Eiras, 1916-1943, Fl. 144. 52 A.F.P.M.A.M. – Livro de Correspondência Expedida, Fl. 31. 49 50

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Cinco décadas depois, em Dezembro de 1989, a situação repetir-se-ia com chuvas torrenciais a abaterem-se sobre esta zona, produzindo avultados estragos em propriedades rústicas e inutilizando as terras de cultura. Danos que se estenderam também para outros lugares da freguesia: «…grande parte deles foram causados em garagens de edificações recentemente construídas nos Bairros de Santa Apolónia e São Miguel» (53).

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A. J. F. E - Actas da Junta de Freguesia de Eiras, 1990-1994 (Pasta). ACTA Nº 2 de 1990.

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Curiosamente, um dos grandes fenómenos climatéricos do século XX parece não ter sido particularmente violento para a Freguesia de Eiras. De facto, enquanto pelo país o Ciclone de 15 de Fevereiro de 1941 causava grandes danos, por Eiras a situação não atingira grande dimensão. Pelo menos é o que deduzimos da resposta ao questionário enviado pela Junta de Freguesia à Câmara Municipal: «Há muitas moradias que sofreram estragos pelo temporal, mas de pequena importância; subvertidas inteiramente, não há nenhuma» (54). No entanto, em relação anexada a A. H. M. C. – Diversos, Maço IV, N.º I.

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Foto 7 – A Mata do Escravote envolvendo o Parque de Lazer

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esse documento pode avaliar-se o impacto ao nível agrícola e florestal com a destruição de 1150 oliveiras, 425 pinheiros, 75 eucaliptos e 125 árvores de fruto. A avaliação económica dos estragos ascendia a um total de 159.000$00, sendo 30.000$00 os referentes a casas. Contudo, não tendo o Ciclone produzido directamente grandes prejuízos, o mesmo não se poderá dizer dos tempos que se lhe seguiram. Uma vez mais o relato do Prof. Albuquerque Matos, em carta de 25 de Fevereiro de 1941, revela-se fundamental para percebermos a tragédia humana que se vivia: «Depois de um medonho ciclone que assolou Portugal e do qual sentimos também os terríveis efeitos, temos sentido a prolongação de um rigorosíssimo Inverno como não há memória. Há bastantes dias que chove constantemente, de dia e de noite, de maneira a não se poderem fazer serviços; o pessoal agrícola sofre as agruras da fome, pois há por aqui chefes de família com 6 e 7 pessoas a seu cargo que semanas seguidas não ganham um único dia!» (55). Os extremos do clima são faces de uma mesma moeda. Assim, se o excesso de chuva provocou ao longo da história graves dramas humanos e materiais, também as secas produziram semelhantes efeitos. Albuquerque Matos em Junho de 1943 descrevia ao irmão um desses episódios: «Este ano temos um péssimo ano agrícola. Já há uns poucos de meses que não chove e por isso não há milho nenhum nos montes e o trigo pouco deu, assim como as batatas, etc. Algumas oliveiras têm boa azeitona, outras não têm nada. Vinho é que vai haver mais e seria uma óptima safra, das melhores que tem havido, se o tempo não tivesse corrido tão sêco, pois que, assim, as videiras das costeiras não chegarão decerto a amadurecer os cachos, e é provável até que algumas sequem» (56).

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A.F.P.M.A.M. – Livro de Correspondência Expedida, Fls. 42-42v. Id. Fl. 58v.

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Foto 8 – A Mata de Santa Catarina vista do largo do cemitério

NO TRILHO DAS ORIGENS

«A origem das aldeias da região de Coimbra constitui um complexo problema histórico, que a documentação não permite resolver, dado que uma atestação documental prova que a aldeia já existia na data em que é citada, mas não permite negar a possibilidade de ser, nessa mesma data, uma povoação muito antiga».

Jorge Alarcão - Territorio Colimbrie: lugares velhos (e alguns deles deslembrados) do Mondego, 2004, P. 20.

Foto 9 Tijolos de Coluna Romana

1. O contributo da Arqueologia e uma maneira geral todos sabemos que o território de Portugal foi palco de pequenas e grandes movimentações de povos e civilizações. Alguns estabeleceram-se de forma duradoura, transmitindo os seus hábitos, as suas técnicas, as suas construções, numa palavra, a sua cultura. Os exemplos máximos terão sido os Romanos e os Árabes e em Eiras encontramos, em alguns locais da freguesia, vestígios materiais da presença destas civilizações. Do ponto de vista arqueológico devem-se a Virgílio Correia os primeiros estudos com alguma sistematização dos arredores de Coimbra. Estávamos em 1940 e da publicação das «Notas de Arqueologia e Etnografia», fruto de um longo trabalho de trinta anos, resultou aquilo que designou como «…uma espécie de roteiro arqueológico e etnográfico do Concelho de Coimbra» (57). Entre as viagens que então realizou «a pé ou de biciclete, sósinho ou acompanhado», algumas tiveram como destino a Freguesia de Eiras. E a melhor homenagem que podemos fazer a esta singular iniciativa será reproduzirmos as conclusões das suas investigações, acrescentando um ou outro pormenor recolhido posteriormente. Oureça (58), junto aos Casais, foi a primeira estação da antiguidade onde se deteve: «Encosta-se a três colinas, deixando em frente um espaço em declive ligeiro, óptimo assento para uma povoação. E de facto, se essa povoação não existe lá hoje, sôbre o terreno propício e fértil, há muitos centos de anos espalhou ali as suas casarias de telhados rubros, um agregado de luso romanos. Por todo o terreno, num espaço de mais de 3.000 metros quadrados, se deparam vestígios da civilização dêsses primitivos habitadores. À superfície, e em especial depois das cavas, aparecem numerosos fragmentos de tegulae, imbrices, tijolos e vasos grossos.

D

Vergilio Correia - «Notas de Arqueologia e Etnografia do Concelho de Coimbra», In Rev Biblos, Vol. XVI, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Ldª, Coimbra, 1940, P. 98. 58 Encontrámos em vários documentos algumas formas vocabulares diferentes desta, tais como: Ouressa, Oiressa e Eureça. 57

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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Estes achados revelam a população rural, a villa para exploração agrícola, e não a villa de luxo, a vivenda de recreio dos grandes senhores de Aeminium [Coimbra]. Os cabeços acima da estação, também dão mostras dos mesmos restos cerâmicos, que são particularmente densos junto de uma fonte» (59). Por aqui se vê que a Oureça ou Ouressa terá tido no passado ocupação humana, quiçá pela própria Eiras. Em 1960 o professor Albuquerque Matos revelou, em artigo de jornal, o que encontrara na zona, no seguimento das obras na Escola: «Há anos submeti à douta apreciação do sr. Director do Museu Machado de Castro uns fragmentos de cerâmica, encontrados na terraplanagem do Pomar da Escola, aos quais, aquele ilustre Professor, atribuiu origem romana. Agora, nas fundações das obras ali em curso, voltam não só a aparecer fragmentos análogos aqueles como carcomidas moedas» (60). Estas moedas apareceriam também aquando da abertura dos alicerces das habitações que nos anos sessenta do século passado foram efectuadas pelos senhores José Alcides, Carlos S. Miguel e Avelino de Almeida (61). Além de professor primário, Albuquerque Matos foi acima de tudo um investigador por excelência de tudo quanto dizia respeito à história da sua freguesia. Sobre a importância da Oureça tinha uma opinião muito bem fundamentada enquadrando-a nas lutas entre cristãos e sarracenos. Segundo o professor além de ter sido ocupada pelos romanos, a Oureça fora, posteriormente, o local de eleição onde se fixaram os árabes, uma vez que nas já referidas terraplanagens do Pomar da Escola, em 1947, foram também encontrados «…fragmentos de cerâmica árabe» (62). O professor fala-nos também de minas e canos subterrâneos existentes no local. A ocupação humana árabe continuaria até ao desfecho, conhecido, das lutas entre os cristãos e os infiéis, o qual directamente terá contribuído para o abandono da Oureça: «Findas as lutas, com a vitória para os cristãos, voltaram a abrigarem-se, do lado de cá da ribeira, nos alpendres das eiras destinadas a desbulhar e moer os ceriais, por não haver mais onde» (63). A tese do professor deve andar próximo à verdade, e os trabalhos de campo e estudos sistemáticos, que entretanto têm sido realizados, parecem apontar na mesma direcção. E repare-se: a orientação geográfica da Oureça, protegida dos ventos agrestes do Norte e voltada para o Sol que irradia de Sul; a água que vinha da mina do mesmo nome, e os vestígios recolhidos, conferem ao pensamento de Albuquerque Matos a mais forte hipótese para o nascimento da povoação de Eiras, a qual evoluiu, posteriormente, a partir desse segundo núcleo de povoamento. Em recente e inédito trabalho científico realizado por duas alunas do Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra, no ano de 1998, os levantamentos no

Id. Pp. 124-125. Manuel de Albuquerque Matos - «Arrabaldes de Coimbra, Eiras, VIII» In O Despertar, N.º 4378, 15/X/1960, P. 2. 61 Manuel de Albuquerque Matos - «Dentro da Àrea da Cidade: Eiras – A Oureça» In Gazeta de Coimbra, 23 Setembro 1967, P.9 62 Manuel de Albuquerque Matos – «De Eiras: De Vila próspera a aldeia sendo imensas as carências…» In Diário de Coimbra, 08/02/1974. 63 Id. 59 60

No Trilho das Origens

Peso de tear

sigillata

Gonzo Bojo decorado bordo

Latere

imbrices decorados

Rebordo de Tegulae

Foto 10 – Achados arqueológicos romanos no âmbito do acompanhamento da 1.ª fase da Variante de Eiras (sondagem 4x4 a 0,40 mt de profundidade máxima)

terreno vieram confirmar a tese de Vergilio Correia e do professor Albuquerque, com a descoberta de mais alguns fragmentos de tegulae e imbrices. Na sua ficha de campo, as investigadoras anotariam as dificuldades sentidas, que são ao mesmo tempo, uma indicação do caminho a seguir: «Se as terras fossem revolvidas talvez fosse possível encontrar outros materiais. No entanto, o local onde encontrámos estes achados de superfície está coberto de silvas o que dificultou a “batida” de campo. Pressupõe-se que o povoado luso-romano encontrava-se numa zona abundante em água, que abastecia a população local. Este local reunia condições propícias para a exploração agrícola» (64). O ano de 2004 trouxe consigo o renovar das preocupações com a zona da Oureça. Em trabalho de seminário dinamizado pelo Instituto de Arqueologia, detectaram‑se novos vestígios de diversos períodos da nossa História; romano, tardo-romano, medieval e moderno. Em concreto encontrou-se: material de construção romano (tégulas, imbrices e dois tijolos de quadrante), um peso de tear, fragmentos de cerâmica, escória, pedra de cantaria decorada, base de coluna e moedas corroídas (65).

Gorete Idalina Cesário Félix; Sandra Pereira dos Santos – Levantamento Arqueológico do Concelho de Coimbra (Norte), Vol. II, Instituto de Arqueologia, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1997/1998, P. 166. 65 Raquel Canhão; Rita Bandeira; Sofia Felício – Para uma Carta Arqueológica da Freguesia de Eiras – Coimbra, Trabalho de Seminário, Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2004, Pp. 25-28. 64

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Em Julho do mesmo ano, e no âmbito da empreitada “Construção da Variante de Eiras” – 1ª Fase, o Gabinete de Arqueologia, Arte e História da Câmara Municipal de Coimbra realizou sondagens arqueológicas na Estação Arqueológica da Oureça, identificando-se milhares de fragmentos, incluindo cerâmica, moedas, tegula/imbrex, ossos, vidro e metal. O relatório elaborado pelas técnicas Sílvia Raquel Santos e Ana Sofia Gervásio, que desde logo chama a atenção para o local em que se realizaram as sondagens, destacou uma vez mais a área provável de uma villa Romana: «Em toda a sondagem, apesar de terem aparecido muitos materiais de cronologia romana, na sua maioria, não foi detectada qualquer estrutura. Consideramos como mais provável que o local da sondagem, visto ser no sopé de um monte, seja um sítio de depósito de materiais que, ao longo dos tempos devido aos elementos naturais, escorreram do monte até ali. Assim, supomos que a localização da villa romana seja nesse monte e não no local onde se realizou a escavação» (66). Actualmente a Oureça está identificada como Estação Romana N.º 3/98 do inventário do Portugal Romano. A Costa foi o segundo local a despertar a atenção do incansável investigador: «Vindo de Coimbra, antes de chegar a Eiras, pela estrada, vê-se, à direita, um cabeço alto coroado por um moinho, coisas essas raras nesta região do arrabalde. Na base e a meia altura do cabeço encontram-se telhas grossas, e ainda recentemente um proprietário arrancou de lá muitas pedras de cantaria aparelhada» (67). Curiosamente, na ficha de campo do já aludido levantamento de terreno, em 1998, os dados revelaram-se inconclusivos: «Não observámos quaisquer tipo de vestígios que apontassem para uma estação arqueológica romana» (68). A Costa vem identificada como estação romana N.º 3/100 do inventário acima referido. Depois de descer o monte, Vergilio Correia fez uma visita à zona do Passal, muito sensível pelo simbolismo religioso: «Perto da Costa, mais à esquerda, num terreno baixo, de olival, a que chamam o Passal, diz a gente da terra que foi o cemitério da primitiva igreja de Eiras e que tem aparecido ali esqueletos metidos em caixões de lages. Não havia à superfície vestígios de construções e nada lá achei de interêsse arqueológico. Seria um cemitério romano, ou apenas medieval?» (69). Deixando Eiras, Vergilio Correia deteve-se no Logo de Deus, depois no Vale do Forno, em seguida em Vilarinho. Por fim o Ingote: «Num monte à esquerda do Ingote, sobranceiro à estrada de Eiras, encontrei pedaços de telha de rebordo, mas em pequeno número» (70). Actualmente este local está incluído na estação romana N.º 3/102.

Existe uma cópia deste relatório no arquivo da Junta de Freguesia de Eiras, gentilmente cedido pelo Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Coimbra. 67 Gorete Idalina Cesário Félix; Sandra Pereira dos Santos – Levantamento Arqueológico do Concelho de Coimbra (Norte), Vol. II, Instituto de Arqueologia, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1997/1998, Id. P. 125. 68 Id. P. 166. 69 Vergilio Correia - «Notas de Arqueologia e Etnografia do Concelho de Coimbra» (…) In Rev Biblos, Vol. XVI, Coimbra, 1940, P. 125 70 Id. P. 126. 66

No Trilho das Origens

Em 2004 uma equipa de alunas realizou prospecções na zona da antiga Carreira de Tiro, no monte por detrás da Escola Secundária D. Dinis, a uma altitude de 123 metros. Nesse local reuniram materiais de construção da época romana, sobretudo tégulas. Os elementos recolhidos apontam no sentido do local ter sido um posto de vigia, uma vez que se localiza numa zona estratégica, com boa visibilidade para a cidade de Coimbra (71). Dos tempos da ocupação romana, ficou-nos também o registo do traçado da sua via principal, a conhecida “Via Militar Romana”, que depois durante a época medieval se chamaria “Estrada Real” e, mais tarde, Estrada de Viseu. A Estrada Real atravessava Eiras do Cristo à Fonte das Hortas e encontrava-se calçada quase até à Cruz de Vale do Seixo. Partia de Coimbra e tomava a direcção de Viseu com o seguinte itinerário: Coimbra-Eiras-Botão-Santo António do Cântaro-MortáguaS. Joaninho-Tondela-Viseu. Em Eiras o troço tomou a designação de Estrada de Viseu, desde o Cristo ao cimo dos Casais. As vias de comunicação que desde a época medieval e até meados do século XIX cruzavam o território actual da Freguesia de Eiras, foram definidas por António de Oliveira num extraordinário trabalho. Nele definiu, entre outros, o trajecto da via principal, que partia da Cidade de Coimbra: «Á ponte de àgua de Maias, à direita de quem saía da cidade e pelo sopé do Monte da Forca, começava o caminho para Coselhas. Mais adiante atravessava a ribeira pelo poente (…) De Coselhas podia seguir-se para S. Paulo de Frades, por Lordemão, ou para Eiras. A esta localidade chegava-se também por diversos caminhos que partiam dos subúrbios de Coimbra» (72). O caminho para Eiras, logo a seguir a Coselhas, como nos informa o distinto investigador tinha uma particularidade: «Mas a Calçada de Eiras era a que passava por Coselhas, em direcção a Viseu» (73). Como se sabe, por esta estrada escoava o trânsito que saía da cidade, seguindo depois de Eiras, para Vilarinho, Brasfemes, Lagares e Botão, até Mortágua, correspondendo à antiga via militar romana. Os diversos caminhos que ligavam a cidade ao lugar de Eiras estão também identificados. Um deles terá sido o resultado da doação de Eiras ao Convento de Celas em 1306, facto que «…levou à abertura de caminho entre os dois lugares, ou à sua maior frequência, se acaso ela já existia» (74). Partiria das Calçadas de Celas para Eiras, dirigindo-se às Sete Fontes, descendo à Azenha do Rangel, sobre a ribeira de Coselhas, subia a Lordemão, passava pela zona das Várzeas – antigo caminho seguido pelo cortejo do Imperador – até entrar em Eiras por Nascente. Outro caminho ligava a zona inundável do Mondego, junto à entrada Norte da Cidade, a Eiras. Designou-se até há pouco tempo por “Caminho do Quarto” (ou

Raquel Canhão; Rita Bandeira; Sofia Felício – Para uma Carta Arqueológica da Freguesia de Eiras – Coimbra, Trabalho de Seminário, Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2004, Pp. 12-13. 72 António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Vol. II, Dissertação de Doutoramento em História, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1972, Pp. 24-25. 73 A.U.C. – Fundo Próprio Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas – Tombo Novo de Eiras, 1740, Fl. 36v. 74 José Santiago Faria (Coord); Jorge de Alarcão (História) – Levantamento do Património Histórico-Arquitectónico da Freguesia de Eiras, Concelho de Coimbra, Câmara Municipal, 1984. 71

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

estrada do quarto, estrada ova ou estrada da carreira de tiro) e evoca uma relação muito antiga. O seu nome deriva do facto de a estrada ter sido noutros tempos a principal via de comunicação que atravessava longitudinalmente o Reguengo do Quarto da Corredoura. Em parte veio substituir a antiga via romana. Importante era também a estrada que conduzia ao Campo do Bolão, designada durante muito tempo por Estrada de Eiras. Importa ainda referir que a principal via de saída da cidade, pelo lado Norte, decalcada na antiga via romana Olissipo-Bracara, passava no extremo Poente da actual freguesia, nomeadamente junto ao Loreto: «A saída da cidade, por S. Lázaro, a estrada transpunha a Ribeira de Coselhas, pela ponte de Água de Maias. Progredindo, atravessava Assamassa, passava junto da Capela de Nossa Senhora do Loreto e subia à Pedrulha, depois de ter ultrapassado a Venda da Fontoura. Descendo, penetrava na ponte do Rachado e seguia para os Fornos. Daqui, talvez por Carquejo, dirigia-se à Mealhada, pela Ponte de Viadores, e continuava na direcção do Porto» (75). No mais tinhamos caminhos que ligavam Eiras aos lugares que integravam a paróquia e desta às paróquias vizinhas como é o caso do antigo caminho que passava por S. Miguel na direcção de Eiras.

2. Toponímia dos principais povoados da Freguesia 76

«Porque, dizendo-se que a toponímia é um repositório de informações, não será de mais acrescentar que ela acompanha o desenvolvimento do agregado populacional, ora acusando alterações profundas no viver, ora meras predilecções de forma, mas amiúde reflectindo também costumes, manifestações de actividades económicas e tendências de ordem política e religiosa. A exemplificação é fácil». José Pinto Loureiro In Toponímia de Coimbra, Vol. I, 1964, P. VIII.

compreensão da evolução histórico-linguistica dos topónimos dos povoados da freguesia revela-se fundamental na tentativa de determinar as origens não só desses lugares, mas também da própria antiguidade do meio em que se insere a noção mais vasta de freguesia. De facto, pela análise dos topónimos dos quais se apuraram maior numero de dados, desbravam-se caminhos, adiantam-se hipóteses, apresentam-se reflexões que nos remetem para as raízes antigas e, por vezes, bem profundas das aldeias portuguesas. Comecemos pela sede de freguesia, Eiras. Trata-se de um topónimo comum em Portugal e na Galiza, plural do substantivo feminino eira. Deriva do latim ãrea, que tem várias acepções: «superficie, solo unido, plano; local para edificações; pátio; diversos locais livres em Roma, praças; espaço para bater o trigo, eira; halo; canteiro; espaço preparado para apanhar pássaros; cemitério; calvície; área; superfície» (76).

A

António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Vol. II, Dissertação de Doutoramento em História, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1972, Pp. 14-17. 76 José Pedro Machado – Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos vocábulos estudados, 3ª edição, Vol. II (C-E), Livros Horizonte, P. 374. 75

No Trilho das Origens

Foto 11 – Aspecto de Eiras: o casario ao longo da Ladeira do Cristo

Neste contexto, a origem do topónimo Eiras terá, certamente, uma intíma relação com a base agrária, sustentáculo da vida da comunidade. De facto não só a povoação estava próxima aos Campos do Mondego, residindo nela muitos dos lavradores do Reguengo do Bolão, como desfrutava ainda de uma boa localização geográfica, com destaque para as férteis planícies ao longo da Ribeira de Eiras. O pensamento avançado por volta de 1736, pelo Padre da Freguesia de Eiras, Fabião de Paredes, parece encaixar-se no mesmo raciocínio: «Ignorase quem fundou esta povoação antes de ser Villa mas he tradição antiga que por se recolherem a ella a mayor parte dos frutos de Bolão que lhe fica ao poente (…) para ahi se secarem e inseleirarem lhe foi ficando o nome de Eyras» (77). Uma ideia bem fundamentada e que sensivelmente dois séculos volvidos será reforçada pelo estudioso Amadeu Ferraz de Carvalho: «A sua situação desafogada, airosa e soalheira justifica plenamente a existência de numerosas eiras que lhe deram o nome, que já aparece em dois documentos do Livro Preto de 1018» (78). A esta informação devemos ainda acrescentar que a forma «Eyras» aplicada ao lugar sede da freguesia existe pelo menos desde o Séc. X. Efectivamente, aparece no documento mais antigo relativo a esta localidade, que data do longínquo ano de 966 (79). Praticamente colada a Eiras, no extremo Este da freguesia, temos os Casais de Eiras. Casais é um topónimo frequente em Portugal e na Galiza, derivando do latim casãle-, que se traduz como os «…limites de uma propriedade; quinta, fazenda, herdade, granja;» (80). Uma das hipóteses mais sedutoras acerca deste topónimo A.F.P.M.A.M. – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 30. Amadeu Ferraz de Carvalho – Toponímia de Coimbra e arredores (contribuição para o seu estudo), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1934, P. 50. 79 Portugaliae Monumenta Historica, Diplomata et Chartae, P. 58. Vide também Apêndice Documental, Doc. I. 80 José Pedro Machado - Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Vol. II (C-E), 3ª edição, Livros Horizonte Lda., Lisboa, 1977, P. 87. 77 78

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Foto 12 – A povoação dos Casais de Eiras vista da estrada do Lapedro

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relaciona-o desde os finais da Idade Média com a longínqua Cidade de Braga, e mais propriamente com o Cabido da Sé. De facto, desde meados do século XV que, na documentação económico-social produzida por esta instituição, surge a referência a herdades e casais na zona entre Eiras e Vilarinho (81). Poderá a actual designação de Casais de Eiras ser a sobrevivência dessa relação de dependência? Parece-nos bem que sim, até porque no «Tombo do Indice novo dos foros e outro titulos, 1258-1722» (82), relativo ao Mosteiro de S. Paulo de Almaziva, se alude a uma troca ocorrida no mês de Março do ano de 1228 entre esta comunidade religiosa e o Arcebispado de Braga. Nesse contrato o Mosteiro cedeu as herdades que tinha em Vilarinho por troca com a herdade de Alvaade. A partir desse momento reuniram-se as condições necessárias para que a expressão «Cazaes de Braga», ganhasse força suficiente para enraizar na variada documentação que, ao longo dos tempos, se foi produzindo (83), embora a proximidade a Eiras tornasse inevitável a outra designação que com aquela conviveu em simultâneo e que no decurso do século XIX acabaria por se afirmar, em detrimento da primeira. A Redonda: Lugar da Freguesia de Eiras, situado a Este da sede da freguesia. Topónimo frequente no Norte de Espanha. Deriva do feminino do adjectivo redondo, que surge neste caso «…aplicado a pormenores das orografias das localidades (montes, rochedos, etc.)» (84). O lugar da Redonda aparece já referenciado em

Alexandra Maria Monteiro Nogueira – Formação e defesa do património do Cabido de Braga nos finais da Idade Média (1351-1500), Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Braga, 1998, P. 145. 82 A.U.C. – Fundo Próprios Nacionais: Mosteiro de S. Paulo de Almaziva – N.º 28: Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, 1220-1722, Fl. 62. 83 Esta expressão é quase sempre a que aparece nos vários tombos realizados no decurso da centúria de setecentos, mandados fazer por ordem de várias instituições religiosas. Além de «Cazaes de Braga», surgem expressões equivalentes que designam o mesmo lugar, como «terras do Cabido de Braga», ou simplesmente «terras de Braga». 84 José Pedro Machado – Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Vol. III (N-Z), Livros Horizonte P. 1248. 81

No Trilho das Origens

Foto 13 – Aspecto parcial da Redonda

documentação religiosa datada dos inícios do século XVI: em 1519, o Mosteiro de S. Paulo aforava «…hum mato maninho assima da Redonda que partia da travessia com estrada que hia de Eiras para a Rocha» (85). Para quem se dirige para a Cidade de Coimbra pelo lado Sul e avançando pela Estrada Nacional N.º 1, não poderá deixar de reparar na povoação do Loreto, localizada entre a Estação Velha e a Relvinha. Ao partirmos para este estudo o que sabíamos acerca deste topónimo era incerto e vago, reduzido à desconfiança que o seu nome tivesse surgido por influência da instituição da Capela de Nossa Senhora do Loreto. Com o avanço da investigação outras possibilidades se abriram, confirmando por um lado aquele indicio, e culminando, por outro, na certeza que o actual lugar do Loreto foi noutros tempos a perdida e misteriosa povoação de Assamassa. A informação, esclarecida e escorreita, está registada no Tombo I que o Cabido da Sé de Coimbra mandou fazer no ano de 1748 para inventariar todas as propriedades que possuía no Bispado de Coimbra. No auto de abertura desse imenso Tombo o escrivão tomava anotação histórica do local onde estava: «…neste citio do Curral do quarto junto a Nossa Senhora do Loreto a que antigamente chamavam, Assamassa e também apelidaram quarto de Pedro Feyo e depois pella ereçam da Irmida de Nossa Senhora do Loreto ficou tomando o titullo do Loreto» (86). Os documentos mais antigos onde aparece a designação de Assamassa datam de meados do século XII, sendo o primeiro do ano 1135. Quanto ao significado do topónimo remete-nos para a forma assar sendo provável que Assamassa seja vocábulo antigo com a acepção de forno (87). Entre os topónimos onde avulta muita informação, destaca-se o Monte Formoso. Este local refere-se a um bairro novo, antes incluído no subúrbio da urbe e hoje A.U.C. – Fundo Próprios Nacionais: Mosteiro de S. Paulo de Almaziva – N.º 28: Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, 1220-1722, Fl. 40v. 86 A.U.C. – Fundo do Cabido: Tombo I do Cabido da Sé, 1748, Fl. 5. 87 José Pedro Machado – Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Vol. I (A-D), Editorial Confluência e Livros Horizonte, Lda., Lisboa, 1993, P. 178. 85

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integrando os limites citadinos. Quando se projectou a nova zona residencial de Coimbra para esse local, designou-se o novo complexo como Arco Pintado-Ingote, denominação que se abandonou pelos motivos que abaixo se apresentam. O topónimo é de formação recente, aparecendo de forma constante a partir de 1963. Como nos conta Mário Nunes o padrinho terá sido o gerente de uma empresa construtora, Eugénio Dias que lhe relatou como nasceu o topónimo: «Olhei, atentamente, para o terreno das oliveiras, decorando uma encosta soalheira, achei o monte tão airoso e agradável que num rasgo de uniformidade, entre o pensamento e a realidade, busquei mentalmente, o termo apropriado e decidi baptizá-lo de “Monte Formoso”. E, do registo mental, passei à acção. Imediatamente, mandei inscrever nos projectos, circulares, ofícios, cartas, requerimentos e avisos, o topónimo que inventara. A Edilidade e os Serviços Administrativos e Prediais, entenderam o alcance da palavra e aceitaram a designação. Posteriormente, quando os moradores do Bairro começaram a ocupar os primeiros prédios, os Serviços de Transportes Urbanos criaram uma carreira pública para o Bairro e colocaram na bandeira indicadora do destino: “Monte Formoso”. Estava oficializado e perpetuado, o topónimo de “Monte Formoso”» (88). A urbanização do espaço, no monte outrora preenchido com olivais e desabitado, tornou-o uma zona habitacional de Coimbra por excelência. O Monte Formoso estende-se da zona do Arco Pintado, junto à Avenida Fernão de Magalhães, até ao Ingote, englobando o Casal do Rato e o Casal do Pina. Dentro dos limites administrativos da Freguesia de Eiras existem uma série de topónimos relativos a igual numero de povoações, acerca dos quais se conhece reduzido numero de informações: - Ingote: lugar da freguesia de Eiras, situado a Sul da sede. Este topónimo derivará do Ennegot, nome de pessoa medieval (89). O documento mais antigo sobre esta zona remonta a 1678, quando se lavrou auto de reconhecimento de um olival no Ingote (90). Com a forma «Engote» aparece em 1748 no Tombo II do Cabido da Sé de Coimbra. - Cordovão: lugar da freguesia de Eiras, situado a Noroeste da sede. Este topónimo, pouco frequente em Portugal (existe em Évora a Quinta do Cordovão), é um substantivo masculino que significa natural de Córdova (91). - Murtal: lugar da Freguesia de Eiras, situado a Noroeste da sede da Freguesia. Topónimo frequente em Portugal, do s.m. Murtal (92) - área onde crescem ou onde se plantaram murtas. Por murta se entende a «…designação comum de uma planta arbustiva, por vezes arborescente, da família das mirtáceas (Myrtus comunis), de folhas opostas, duras, levemente pecioladas e aromáticas quando esmagadas, flores brancas e perfumadas, fruto pequeno, ovóide negro e azulado quando maduro,

Mário Nunes – Ruas de Coimbra, 2ª edição, GAAC, 2003, P. 118. Id. P. 35. 90 José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II, Edição da Câmara Municipal, Coimbra, 1964, P. 11. 91 José Pedro Machado - Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Vol. I (A-D) (…) 1993, P. 449. 92 José Pedro Machado - Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Vol. II (E-M) P. 1035. 88 89

No Trilho das Origens

Fotos 14 e 15 – Em cima o lugar do Murtal e em baixo o lugar do Cordovão

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espontânea em Portugal» (93). A Murta foi também utilizada durante muitos anos em determinados preparados farmacêuticos e nas cerimónias de bruxaria. - Santa Apolónia: Este lugar é hoje um bairro de grande densidade populacional e habitacional, implantado na antiga Quinta da Ribeira de Eiras. Em determinada altura a quinta foi dividida passando uma parte a designar-se como Quinta de Santa Apolónia. Desconhece-se a origem do topónimo, mas a mais forte hipótese remonta a 1734 quando a quinta pertencia a Cristóvão de Almeida e sua mulher, Apolinária Maria Caetana, que naquele ano ergueram oratório dentro da casa que ali possuíam (94). Será pois de considerar que a quinta possa ter tomado o nome da sua antiga proprietária. Apolónia é nome de uma Santa, nascida em Alexandria por volta do ano 237 D.C. É a padroeira dos Médicos Dentistas, e venerada a 9 de Fevereiro. Vide Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, II Volume, G-Z, Verbo, Pp. 2553-2554. 94 A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fls. 90-90v. 93

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

- Pragueira: lugar da freguesia de Eiras, actualmente ocupada por comércio, serviços e habitação. Pragueira que algumas vezes surge como Pargueira, derivará do substantivo feminino parga, que significa «monte de palha e trigo, disposto de modo a que o grão fique resguardado da chuva» ou então «pilha, rima» (95). Existe um topónimo identico em Pombal. - Relvinha: lugar da Freguesia de Eiras, situado a Sul da sede, próximo à Estação Velha. Trata-se de um diminuitivo do substantivo feminino relva. As duas tentativas para explicar este vocábulo não são consensuais. Para Joaquim da Silveira relva deriva do latim vulgar re-herbare, que significa criar de novo relva. Para Corominas, relva será a forma deverbal de relvar, que deriva do latim relevãre, que se traduz em levantar (96).

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Foto 16 – Panorâmica sobre a Relvinha

- Gorgolão: Zona da freguesia de Eiras que inclui hoje uma Urbanização com esse nome. O topónimo vem do latim gurgulio e a origem será onomatopaica, que significa porção de liquido que emerge, jorra ou é lançada num só impulso, «borbotão, jacto de água» (97). O que condiz com a informação que recolhemos e que aponta para a existência de uma fonte com esse nome, que foi soterrada com as obras recentes na Estrada de Eiras. Existe topónimo em Vila Real. - Arco Pintado: Também designado por Caminho do Arco Pintado é o trecho de ruela estreita que forma com a Rua do Padrão e com a que desta sai para o Ingote um pequeno triângulo. A denominação do topónimo parece ser de origem moderna devendo «…provir do facto de ali haver ainda um arco ou passadiço pintado de cor viva, debruçando--se sobre o caminho para ligar casas fronteiras do mesmo dono» (98).

José Pedro Machado – Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Vol. III, Livros Horizonte, Pp. 1134 e 1209. 96 José Pedro Machado – Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos vocábulos estudados, Vol. V (Q-Z), 3ª edição, Livros Horizonte, Lda., Lisboa, 1977, P. 71. 97 Id. P. 733. 98 José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, Primeira Parte, Edição da Câmara Municipal, Coimbra, 1960, P. 139. 95

No Trilho das Origens

3. Os mais antigos registos documentais 3.1. Por volta do ano mil, brilha mais intensa a luz do Mosteiro de Lorvão Os documentos mais antigos que aludem de forma directa ao território que hoje corresponde à freguesia de Eiras, datam da segunda metade do longínquo século X da nossa história. Estamos em plena luta pelo território ibérico travada entre mouros e cristãos: em 871 Coimbra era reconquistada pelos cristãos tornando-se centro do Condado de Coimbra até 1093, data em que passa a integrar o Condado Portucalense. Durante esse tempo Coimbra desempenhara importante função como unidade de defesa fronteiriça do Reino da Galiza, sendo conquistada pelos mouros liderados por Almansor em 987 e definitivamente reconquistada pelos cristãos no tempo de Fernando Magno de Leão. O território vive os dramas da guerra religiosa contra o domínio árabe e os mosteiros asseguram o funcionamento possível das estruturas religiosas da Cristandade herdadas do tempo dos Romanos. Centros de religião, de cultura e de saber, os mosteiros esforçam-se por controlar a vida económica e social que decorre à sua volta, tentando estender, tão longe quanto possível, a sua influência.

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Foto 17 – A zona de Alvade (na Adémia)

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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Na peugada das origens que nos propomos seguir, o Mosteiro de Lorvão e Eiras foi a primeira relação histórica que pudemos estabelecer (99). Efectivamente, a 15 de Novembro do ano 966 D.C., era lavrado um documento no Livro dos Testamentos do Mosteiro de Lorvão que se tornaria histórico para a freguesia no geral e para Eiras em particular. Trata-se do testamento do Rei Sancho I de Leão, pelo qual doa ao colégio de irmãos do dito mosteiro uma propriedade que havia sido arroteada por Gondemiro, com o nome Alvalade (100), que «…avança para a parte de Eiras» (101). E este é um dado importantíssimo: Eiras é já uma referência de vida local quase dois séculos antes da fundação da nacionalidade, o que não pode deixar de espantar! Aproximadamente um ano e dois meses depois, a 25 de Janeiro de 968, Eiras volta a ser referenciada num documento do mesmo Cartório. Trata-se de uma Carta ou Tratado de Venda, firmado entre um árabe, de nome Maomé, e o Cenóbio de Lorvão, pelo qual o primeiro vende ao segundo por 40 soldos de prata pura, a herdade que possuía no lugar Abdella, em Vilela, território de Coimbra. Na descrição dos limites, ou terminações da referida herdade refere que «…são terminações delas de uma parte do monte, até Zuleima, de tal modo que iguale através daquele monte de Eiras e do Vale Covo» (102). Além de Eiras, cuja localização é bem conhecida de nós, estes documentos referem duas zonas perto da actual sede de freguesia; Alvalade e Vale Covo. Estes topónimos referiam-se a locais, outrora com ocupação humana, que acabaram por desaparecer enquanto tal. No entanto, as suas designações aparecem nas páginas dos vários tombos de propriedades levados a efeito por diversas instituições religiosas ao longo dos tempos. A contextualização histórica destes documentos parece indicar o caminho apontado por Jorge Alarcão. Este erudito investigador situou estes e outros documentos num período muito específico, que medeia entre a Reconquista de Afonso III e a retomada da cidade de Coimbra por Almançor, apresentando como hipótese mais credível acerca das suas origens aquela que se relaciona de perto com a movimentação de povos caracteristíca da ambiência da reconquista: «Tudo ponderado, parece-nos muito admissível que muitas (ou a maioria?) das aldeias documentalmente atestadas entre 883 e 976 tenham sido, porém, instaladas nesse período e tenham resultado de uma imigração de gentes vindas do Norte já cristão ou do Sul ainda muçulmano» (103). Em pleno século XII a luz do mosteiro de Lorvão ainda brilha. No abaciado de João de Janeiro, regista-se o testamento feito por Salvador Zauparrino, deixando

As origens deste mosteiro devem remontar ao século VI. Vide Maria Alegria Fernandes Marques – «Vida e Morte de um Mosteiro Beneditino: o caso de Lorvão», Comunicação apresentada ao 1º Congresso Internacional Os Beneditinos na Europa, Santo Tirso, 1995, P. 46. 100 Alvalade, Alvaad, Alvaade, Alvade, Albalat são topónimos que constam em vários documentos da época e que se referem a um mesmo local: uma extensa área plana, localizada entre o Monte da Pedrulha e a Ribeira de Eiras (nas traseiras do actual stand da Peugeot), que corre longitudinalmente desde a Estrada Nacional N.º 1 e o Campo Desportivo da Adémia. 101 Vide tradução, Apêndice Documental, Doc. I. 102 Vide tradução, Apêndice Documental, Doc. II. 103 Jorge Alarcão – In Territorio Colimbrie, Lugares velhos (e alguns deles, deslembrados) do Mondego, Trabalhos de Arqueologia, IPA, Lisboa, 2004, P. 22. 99

No Trilho das Origens

à comunidade algumas propriedades, nomeadamente, uma em Eiras e parte de outra em Alvade (104). Estávamos a 28 de Março de 1171, dia de Páscoa, e pouco depois a chama de Lorvão extingue-se. Outros protagonistas entrarão brevemente em cena.

3.2. No decurso do século XII: O Mosteiro de Santa Cruz emerge no território O Mosteiro de Santa Cruz foi talvez a mais poderosa instituição religiosa que alguma vez existiu na região de Coimbra. Detentor de amplas propriedades na zona, especialmente em Coimbra e seu termo, que lhe chegavam por via de compras, escambos ou doações, detecta-se na zona de Eiras em meados do século XII. O documento em causa remete-nos para o ano 1137 e reveste-se de grande simbolismo para a história da freguesia, pois envolve o nome do nosso primeiro Rei, D. Afonso Henriques. De facto, no mês de Setembro do ano referido, o nosso primeiro monarca decidiu fazer testamento à Igreja de Santa Cruz «…da minha própria herança que possuo no subúrbio da cidade, situada junto da vossa doação que se chama Almuinha do Rei» (105). Segundo Jorge Alarcão, esta almuinha (106) era uma «…fértil propriedade, bem regada, que ocupava o terreno por onde descem hoje a Av. Sá da Bandeira e a Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes» (107). O documento concede aos habitantes daquela almuinha a faculdade de plantarem vinha na herdade reguenga de Eiras, mediante o pagamento da quarta parte do vinho: «Assim, alguém que venha nela a ter, terá licença de plantar a vinha na minha própria herdade que se chama Eiras, debaixo da via pública, a qual se dirige por Vilarinum até ao monte Buçaco, isto é, com tal pacto para que daí a minha 4ª parte do vinho restituam, senão por outro tributo». Nos anos seguintes, o mosteiro crúzio dá sinais de grande vitalidade na zona, dando a impressão de que, mais cedo ou mais tarde, se tornará o Senhorio Directo de Eiras e seu limite. De facto, ano e meio depois da primeira doação, D. Afonso Henriques demonstra o quanto tem apreço pela instituição que sempre o apoiou. Por isso, em Março de 1139 faz nova atenção ao mosteiro através de carta de testamento, onde pelas suas próprias palavras declara: «…mandei fazer carta de testamento e segundo as vossas regras canónicas de Santa Cruz, acerca daquelas vinhas que tereis, uma a saber na Vila Mendiga e outra em Assamassa e outra em Eiras» (108). A avaliar pelos topónimos sabemos que estas duas últimas vinhas se localizavam na actual freguesia de Eiras pois Assamassa corresponde à povoação actual do Loreto. Já o mesmo não se poderá dizer da primeira, sobre a qual o texto nada diz.

Fernando Garcia Pires – O mosteiro de Lorvão, subsídios para a sua história: 1126-1181, Dissertação de licenciatura em História, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1971. Pp. 151-153. 105 Vide tradução, Apêndice Documental, Doc. III 106 Por almuinha se entende uma pequena propriedade rústica, murada, com horta e algumas árvores de fruto. 107 José Santiago Faria (Coord); Jorge de Alarcão (História) – Levantamento do património Histórico-Arquitectónico da Freguesia de Eiras, Concelho de Coimbra, Câmara Municipal, 1984. 108 Vide tradução, Apêndice Documental, Doc. IV. 104

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A importância económico-territorial de Eiras está bem vincada no facto de, a partir da doação de D. Afonso Henriques, sucessivos Papas terem confirmado ao Mosteiro de Santa Cruz rendimentos e propriedades aí localizadas: Inocêncio II, através da Bula Bonorum principum, de 27 de Abril de 1138, confirma ao Mosteiro de Santa Cruz os tributos de Eiras como concessão régia; e os Papas Lúcio II (em 1144), Eugénio III (em1148), Adriano IV (em 1157) e Alexandre III (em 1163), no âmbito das relações institucionais entre o Mosteiro de Santa Cruz e o Papado, renovam a protecção apostólica ao mosteiro, confirmando-lhe as rendas de Eiras e duas vinhas aqui situadas (109). Outras zonas relacionadas com a história da actual freguesia vêm referenciadas como estando na órbita do Mosteiro de Santa Cruz, destacando-se uma vez mais Alvade, que parece ter pertencido à família Rabaldes: Em Julho de 1139, Urraca Rabaldes e seu marido Paio Guterres vendem por 62 morabitinos ao Mosteiro de Santa Cruz um conjunto de herdades do seu património, entre as quais uma se situa em Alvade; em Agosto de 1140 Maria Rabaldes vende ao mosteiro as suas herdades em Alvade e Raval por 16 morabitinos; em Dezembro do ano seguinte Pedro Rabaldes, doa uma série de herdades localizadas na mesma zona ao mosteiro em troca de 70 dinheiros em ouro que os cónegos lhe haviam emprestado (110). Assamassa volta a surgir na documentação relativa a 1143. Em Maio desse ano Chamoa, mãe de Pedro Amarelo, faz testamento de uma vinha localizada nessa povoação (111). Vale de Figueiras, no extremo sudoeste da freguesia, aparece também referenciado em documentos do cartório do Mosteiro de Santa Cruz. Em 1147, Godesteu doou-lhe metade de uma vinha e metade de uma casa (112).

3.3. Eiras, uma terra reguenga de origens incertas O documento de 1137, que acima citámos, refere a existência da «herdade reguenga de Eiras». Significa esta expressão que o lugar de Eiras e seu limite eram nesse tempo terras do Rei, ou seja: bens nacionais da coroa. Intimamente relacionados com a ambiência da reconquista cristã, eram compostos por terras que o Rei reservava para si, constituindo, a partir delas, um amplo fundo dominial do qual faziam parte outro tipo de bens como prédios, moinhos, fornos e outros instrumentos de produção. Importa situar o reguengo em causa, no contexto mais vasto dos reguengos na região. De facto, sabemos que em redor de Coimbra, o monarca possuía os reguengos do Quarto da Corredoura, o do Bolão, o de Tentúgal e as Terras Galegas (113). Neste alinhamento onde situar o de Eiras? Excluindo-se os dois últimos pelo

Leontina Ventura; Ana Santiago Faria – Livro Santo de Santa Cruz: Cartulário do século XII, Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Cientifica, 1990, Pp. 86-105. 110 Id. P. 267, 269, 270 111 Id. P. 158. 112 Jorge Alarcão – In Territorio Colimbrie (…) P 80. 113 Maria Helena da Cruz Coelho – O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média, Vol. I, Dissertação de Doutoramento em História, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Estudos Gerais, Série Universitária, 1988, P. 121. 109

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critério geográfico (Tentúgal fica muito distante e tem o Bolão pelo meio; e as Terras Galegas avançam pelas Matas de Botão) sobram os dois primeiros. E entre estes a dúvida não é fácil de tirar. Se por um lado o Reguengo do Quarto da Corredoura, no anel citadino, se situava «…na margem direita do Mondego e enquadrado por este rio e pelos caminhos que levam a Eiras e a S. Paulo de Frades» (114), também o Reguengo do Bolão, que incluía propriedades em zonas próximas como a Adémia, e geograficamente de maior afinidade com Eiras, teria de ser levado em linha de conta. E foi o que fizemos. E a conclusão a que chegámos, baseando-nos no aludido documento de 1137 e posteriormente na Carta de Escambo entre D. Dinis e o Mosteiro de Celas, datada de 1306, onde o monarca diz claramente que doa ao mosteiro «…a mha aldeya d’Eyras que e mha aldeya e meu regeengo», aliado ao facto de em momento algum se mencionarem confrontações com outro qualquer reguengo na zona, parecem indicar o óbvio: Eiras era também um reguengo, com limites e território muito bem definidos, não incluído, portanto, nos limites dos outros reguengos da zona.

3.4. O Mosteiro de S. Paulo de Almaziva Por volta de 1221, a caminho da Serra do Roxo-Aveleira, mas bem perto do lugar de Eiras, surgia o Mosteiro de S. Paulo de Almaziva. No dizer da Prof. Dra. Maria José Azevedo Santos «…foi no lugar de Almaziva, actualmente, conhecido por S. Paulo de Frades, num vale muito fértil, rodeado por “sete levantados cabeços”, onde corre um pequeno regato que, naquele ano, teve o seu berço mais uma “casa” de Cister. Foi um mosteiro pobre, de história simples, sem relevância no campo económico-politico-cultural do Portugal de então» (115). Mas o 17º mosteiro dos religiosos S. Bernardo a surgir no Portugal medievo, estava destinado a desempenhar um papel de grande relevância na vida local da freguesia de Eiras: num primeiro momento e durante 78 anos, agindo como o grande senhorio eclesiástico da região, rivalizando apenas com a coroa, uma vez que o Mosteiro de Celas não passava ainda de uma realidade distante; depois, e com a entrada em cena deste nos inícios do século XIV, aceitou como pôde a mudança na gestão de um território que afinal era o seu, passando a desempenhar papel secundário na vida local, embora nunca deixasse de querer mostrar que estava vivo. Aliás, bem vivo. Situado a Este da freguesia e do lugar de Eiras, o recém-criado mosteiro tentará agregar património fundiário em seu redor, que lhe permitisse solidificar num território disputado. Partindo das doações que lhe foram feitas pelo rico e letrado eclesiástico Fernando Peres, situadas em Vila Franca, Lordemão e Almaziva, o mosteiro avança no sentido de uma política de troca com outros senhorios eclesiásticos. As terras de Alvalade (designada por Alvade) são o alvo prioritário do mosteiro. Primeiro, em Abril de 1225, faz troca com A Igreja de S. João da Cidade de Coimbra, dando-lhe «hua vinha e olival no termo desta Cidade aonde chamão Id. P. 125. Maria José Azevedo Santos – Vida e Morte de um Mosteiro Cisterciense, S. Paulo de Almaziva, séculos XIII-XVI, Edições Colibri, Colecção Colibri História, P. 11.

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Guimarães /que he Cella/ e o dito Prior e Benefficiados derão ao Mosteiro toda a sua herdade de Alvaade segundo partia com São Bertholameu e com S. Salvador de hua parte e de outra parte com S. Salvador» (116). Mais tarde, mas no mesmo sentido, em Março de 1228, o mosteiro de S. Paulo troca as herdades que possuía em Vilarinho pelas de Alvade e Zouparria pertenças do Arcebispo de Braga (117). Na lógica dos poderes não tardou muito que o mosteiro se envolvesse em desavenças com as autoridades religiosas das paróquias onde havia adquirido propriedades. Assim, em Julho de 1243, e havendo divergências com os priores de Farinha Podre (118), Eiras, Arazede, e Santa Maria de Montemor «… sobre os dizimos das propriedades que o Mosteiro tinha adquerido nas suas Parrochias, e por intervenção e authoridade do Bispo D. Thomas no primeiro Synodo que celebrou em Coimbra se compuzerão que dos ditos Dizimos se pagaria a 3ª á Igreja Matriz e o reziduo se partiria de premeyo levando metade o Mosteiro de S. Paulo e a outra metade o Prior em cuja Parochia estivessem as terras» (119). O panorama na zona de Eiras, nos inícios do século XIV, sofrerá radicais alterações em termos de domínio territorial. Como adiante se demonstrará o Mosteiro de Celas entrará em cena legitimado, limitando o poder de actuação não só do Mosteiro de S. Paulo de Almaziva (120), como também de qualquer outra instituição.

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A.U.C. – Fundo Próprios Nacionais: Mosteiro de S. Paulo de Almaziva – N.º 28: Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, 1220-1722, Fl. 70. 117 Id. Pp. 155-157. 118 Corresponde hoje a S. Pedro de Alva, concelho de Penacova. 119 A.U.C. – Fundo Próprios Nacionais: Mosteiro de S. Paulo de Almaziva – N.º 28: Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, 1220-1722, Fl. 2. 120 O Mosteiro de S. Paulo de Almaziva uniu-se, em 1555, ao Colégio do Espírito Santo, que por sua vez seria incorporado na Universidade de Coimbra em 1560. 116

O MOSTEIRO DE CELAS, O GRANDE SENHOR DE EIRAS

«A política que desenvolveu a partir dos finais do século XIII (dispomos de poucos dados relativos a épocas anteriores) está em total consonância com as formas de gestão comuns aos finais da Idade Média; o mosteiro integra-se perfeitamente no mundo do Baixo Mondego, cujas características, afinal, se estendem para lá da estrita área definida pela parte final do curso do rio. À administração do património juntava-se a defesa do que consideravam seu. O empenho das monjas neste campo está bem patente nas muitas polémicas em que se envolveram, não hesitando em se queixar ao rei e até à Santa Sé quando se sentiam agravadas».

Maria do Rosário Barbosa Morujão - Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas, Século XIII-XIV), Dissertação de Mestrado em História Medieval, Universidade de Coimbra, 2001, P. 140.

Foto 18 – Fachada principal do Mosteiro de Celas

1. As Origens do Mosteiro em sido difícil encontrar entre os historiadores o desejado consenso acerca da fundação do Mosteiro de Celas. Na falta do documento fundador do mosteiro nos arredores de Coimbra, Pinho Leal adiantava o ano de 1210, António Brandão 1215. Os estudos mais recentes, no entanto, apontam para outra data, com o ano de 1221 a ser considerado o da fundação. No dizer da Doutora Rosário Morujão, que estudou de forma sistemática a documentação do mosteiro, a data justifica-se e é bem fácil de entender «…pois não chegou até nós qualquer diploma anterior a 1221 que fale de Celas (…) e é também de 1221 (do mês de Dezembro) a referência documental mais antiga ao cenóbio» (121). Celas, juntamente com Lorvão e Arouca, foram as primeiras abadias femininas em território nacional, cabendo a iniciativa da sua fundação às filhas do Rei D. Sancho. Reza a lenda, que nos foi transmitida por Frei Bernardo de Brito, que a infanta D. Sancha «…teria inicialmente pensado instalar uma comunidade de monjas cistercienses em Alenquer, vila do seu senhorio. Aí viviam umas “mulheres recolhidas, que chamavão emcelladas, ou emparedadas, que a princesa teria tomado sob sua protecção e desejaria transformar em verdadeira instituição monástica. Uma revelação, contudo, fá-la-ia mudar de ideias e transferir o mosteiro para os arredores de Coimbra, onde possuía uma quinta no lugar de Guimarães (Vimaranes) ou Vale Meão» (122). O mosteiro instalou-se em local propício ao desenvolvimento de uma casa cisterciense: em redor, terras fertéis e irrigadas, asseguravam o sustento da comunidade; isoladas do mundo, estavam no entanto suficientemente perto de Coimbra. Para prosperar financeiramente o mosteiro estava dependente do património e do modo como o mesmo era administrado. Por isso, e em simultâneo com as importantes obras de edificação das estruturas que compunham o mosteiro, a comunidade

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Maria do Rosário Barbosa Morujão – Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas, Século XIII-XIV), Dissertação de Mestrado em História Medieval, Universidade de Coimbra, 2001, P. 25 122 Id. P. 23. 121

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envidava todos os esforços para a formação de um património, socorrendo-se de três vias: compras, vendas ou doações. Nos primeiros tempos, a localização geográfica dos seus bens podia subdividir-se em dois grandes núcleos: um na região de Coimbra e outro a Sul, incluindo Alenquer, Torres Vedras e Lisboa. Interessando-nos em particular o primeiro, pois a seu tempo envolverá a freguesia de Eiras, importa dizer que o domínio de Celas, localizava-se não só em redor do próprio mosteiro, com propriedades junto a Celas de Guimarães, mas espalhava-se também para Norte (Avelãs de Cima), Leste (Lousã), Sul (Penela), e Oeste, pelo Baixo Mondego. É neste contexto que Eiras aparecerá integrado na formação e consolidação do património do Mosteiro de Celas. Mas somente depois de um certo dia do distante ano de 1306.

2. O escambo do ano 1306: a aldeia de Eiras pela terça parte da Vila de Aveiro – o Mosteiro de Celas torna-se Senhorio Directo de Eiras dia 14 de Abril de 1306 foi histórico para o lugar de Eiras e área envolvente. O Andava D. Dinis( ) por terras de S. Martinho do Bispo, quando outorgou um documento que ficará cravado para sempre nos anais da nossa história local: o Rei 123

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Lavrador, juntamente com sua mulher, D. Isabel (a Rainha Santa ou Santa Isabel), e filho, dá ao mosteiro de Celas, ao tempo governado por D. Tereja Remondo, a sua aldeia e Reguengo de Eiras, recebendo em troca a terça parte da Vila de Aveiro. À luz da realidade actual de Eiras e Aveiro, soará estranha esta troca: Eiras é um lugar de pequenas dimensões do Concelho de Coimbra e Aveiro pujante Cidade, Capital de Distrito. Mas, naquela época, a importância aferia-se não pela dimensão dos povoados, mas sim pela riqueza e produção das terras. E nesse aspecto, Eiras e seu limite, desempenhavam um papel muito significativo. Outros tempos e outras realidades, que nos cabe perceber e interpretar. O documento em causa, que pode ser classificado de Escambo ou Troca, define muitíssimo bem os limites do Reguengo de Eiras: «…a mnha aldeya d’Eyras que e mnha aldeya e meu regeengo como parte con ha Pedrulha do Bispo e com San Paulo pela meya d’ agua e com Bragaa pela meya d’agua e como parte con o dicto San Paulo pelas acenhas e per VaI de Boroas agua vertente pela estrada coynbrãa como sse vay ao marco da careyra vertente agua pera Eyras e como parte com Joham da Vidigueyra pera Eyras con vinha d’ Antonio Johannes per a mnha adega de Coymbra e con vinha de Mateus Ivaaz per adicta mnha adega e con vinha de Joham Almuneyro per a dieta adega e con vinha de Pedro Enanes pasareyro per a dicta adega e como parte con vinha de Zureyba (?) per a dicta adega e con vinha de Joham Enes Tyoso per a dicta adega e con herdamento de Pedro Lopiz odreiro (?) de Coymbra e da outra parte con o bispo de Coymbra e quanto (?) sex quorelas de vinhas que jazem contra adega son dos vezinhos de Eyras» (124). D. Dinis foi o sexto monarca da primeira dinastia (1279-1325); Nasceu em 1261 e faleceu em 1325. Casou com D. Isabel em 1282. Tinha os cognomes de Rei Lavrador e Rei Poeta. 124 Maria do Rosário Barbosa Morujão – Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas, Século XIII-XIV), Dissertação de Mestrado em História Medieval, Universidade de Coimbra, 2001, P. 392-393. Vide também o Apêndice Documental, Doc. V. 123

O Mosteiro de Celas, o Grande Senhor de Eiras

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Foto 19 – O documento do escambo de 1306: a aldeia de Eiras pela terça parte da Vila de Aveiro

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Retirando desta descrição as confrontações com os particulares, cuja localização se nos afigura hoje em dia quase impossível de ser feita, é perfeitamente visível o limite Este do Reguengo de Eiras, pois a «meya d’ agua», que corresponderá à Ribeira de Eiras, é limite deste território. Assim, os Casais de Eiras (ligados ao Cabido de Braga) e o lugar de S. Paulo, estavam fora do dito reguengo nos primeiros tempos, ao passo que a Redonda, naquele tempo identificada como Val de Boroas, estava dentro dos seus limites. Para Oeste, percebe-se que a Pedrulha não pertencia ao reguengo, embora fosse confinante com ele, sendo de admitir que a Ribeira, ou outra linha de água, fosse também aqui a fronteira, algures entre a Adémia e a Ponte de Eiras. Eiras mudava de Senhorio Directo e assim permaneceria durante aproximadamente cinco séculos e meio. E esta metamorfose dos poderes superiores encerra em si, sabemo-lo hoje, um lado sentimental, que aponta o caminho da paz nos difíceis tempos medievos. De facto, esta troca foi o modo pacífico de se resolver a grave demanda que corria entre El Rei e o Mosteiro acerca dos direitos sobre os moinhos de Alenquer. É o próprio documento que nos indica o caminho trilhado: «…E porque vos dictas donas fezestes este escambho conmigo de vossa vontade e da mim e my pedistes por mercee que me partyse da demanda que eu avya contra vos sob[r] elos moynhos que vos avedes en Alanquer de que eu dizia que era mia a meadade e eu querendo vos fazer mercee quito me da dicta demanda e outorgo vo los por mnha alma e de mnha molher raynha Isabel e de meu filho don Affonso todo o derecto que eu hy ey e de derecto devo aver poys este escambho fezestes a mnha vontade e todas estas cousas ey por firmes e por estaves pera todo senpre» (125). As cláusulas fixadas no escambo dão a Celas grande poder sobre Eiras. Além dos montes, vales e pastos, o documento refere também a cedência do direito de padroado (126) sobre a Igreja de Eiras, ficando o mosteiro com o direito de apresentação do Vigário. A partir de então poderia participar na arrecadação dos dizimos que eram distribuídos por três instituições, cabendo a cada uma 1/3 - Mosteiro de Celas, Comenda de Rates e Mitra. Em 1734, Fabião Soares de Paredes, avaliava em 3.000 cruzados o valor dos dizimos que iam para o Mosteiro de Celas. Consequência da transferência do Senhorio, o Mosteiro de Celas passou também a deter os passais da Igreja de Eiras, apropriando-se dos seus frutos, o que deu azo a algumas polémicas com os vigários. Estes passais eram constituídos por um chão próximo da Igreja Velha de Eiras (já desaparecida), que levava 12 alqueires de semeadura, uma horta na Cioga de Pedro Leite um olival no sítio do Queimado e uma terra com 3 oliveiras na Corujeira. No bem conservado Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, que recolhe informações sobre a vida da comunidade entre os séculos XIII e XVII (e que abre exactamente com a notícia deste

Id. P. 393. Desde o Papa Alexandre III que o Direito de Padroado se limitou praticamente ao Direito de Apresentação do pároco da freguesia. Esta nova condição permitia aos clérigos receberem beneficios materiais. No entanto, a confirmação e posse passava pelo Bispo da Diocese. Este direito foi extinto no século XIX. 125 126

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escambo), percebe-se que as freiras, governadas ao tempo por Tareja Remondo queriam mais do que aquilo que D. Dinis lhes concedeu: «El Rey deu ás Religiosas a Villa de Eiras em satisfação de que não ficarão contentes, mas por não desagradarem a El Rey, e ceçarem demandas que com elle trazião sobre huas moendas em Alanquer consentirão na troca» (127). De facto o terço de Aveiro havia custado a D. Sancha 2.000 «aureos» (mais de 2.000 cruzados) e valeria na altura para cima de 18.000. As freiras, para serem agradáveis ao Rei suportaram o prejuizo. No entanto com a sua conformação, conquistariam as boas graças do monarca. O contrato, devido à sua importância, foi trasladado em diversas ocasiões: pelo Mosteiro de Celas, pelo Concelho de Eiras e por particulares, a partir de cópias certificadas que chagavam da Chancelaria. Alguns reis, conscientes da relevância do diploma, decidiram confirmá-lo: D. Afonso IV (26 de Março de 1330), D. João III (22 Fevereiro 1530) e D. Filipe II (3 de Outubro de 1595). Na realidade, este diploma conjugado com o que abaixo se refere, desempenharam durante séculos, um papel muito semelhante a uma Carta de Foral.

3. Prenúncio de foral - A Carta de pergaminho de 1311 apresentada pelo Juiz de Eiras em 1359 inco anos mal cumpridos haviam passado sobre o escambo de D. Dinis, e os moradores de Eiras já se insurgiam contra o mosteiro a propósito de direitos e foros que este lhe cobrava e que não eram seguidos no tempo em que a aldeia era reguengo do monarca. A demanda ou contenda, datada de Maio de 1311, parece remontar a tempos ainda mais recuados, opondo os moradores de Eiras, de uma parte, representados no acto pelo seu procurador Pero Dominguez, e, da outra, o mosteiro de Celas também pela voz do seu procurador, Frei Martinho. O documento é claro quanto à acusação feita ao mosteiro: «… dizendo esses moradores d’Eiras que o dicto moesteiro e procurador lhes hiam contra seus fforos e hussos e custumes de que senpre husarom com nosso senhor eI rey» (128). A acusação colectiva feita pelo povo à atitude excessiva do mosteiro, fundamentava-se em dados objectivos, mais concretamente na cobrança do direito dos quartos sobre os géneros agrícolas fundamentais na economia agrária da zona: «primeiramente que deram senpre a eI rey ho quarto do pam e do vinho e de linho e d’alhos e de çebollas secas e de chicharos. Item que hussarom senpre com el rey que devem dar tantos alqueires de pam do monte d’ alquir quantos quarteiros de pam derem a el rey e a teeiga d’ Abrãao da segunda e huum alqueire do panall e dar el rey o panalI em que o metam. Item dous quarteiros de pam

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A.U.C. – Fundo dos Próprios Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas - N.º 35: Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 1219-1662, Fl. Iv.

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Maria do Rosário Barbosa Morujão – Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas, Século XIII-XIV), Dissertação de Mestrado em História Medieval, Universidade de Coimbra, 2001, P. 401. Vide também Apêndice Documental, Doc. VI.

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meiado d’eiradega se lavrar trigoo e segunda e se nom lavrar salvo huum pam dar huum quarteiro ho moyo do monte e o moyo do canpo e o que ffezer seara e nom ffor lavrador dar huum quarteiro de pam meiado esse ssemear trigoo e segunda e se nom lavrar salvo huum pam emtom dar duas teeigas alqueires e meio dizendo que outro foro nenhuum nunca ffezerom a nosso senhor el rey do dicto logo d’Eiras e que a talI ffoy o pobramento d’Eiras e que asy hussarom senpre com el rey» (129).

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Não sabemos em pormenor até que ponto iriam os excessos do mosteiro, nem tão pouco se essa actuação seria intencional, pois temos de levar em linha de conta que também o mosteiro teve de adaptar-se à nova realidade, praticando a cobrança dos seus foros e direitos sobre uma nova zona de administração. Mas sabemos muito bem o que pensava o povo, os moradores de Eiras sobre o assunto. E na mira da sua acusação mais do que a comunidade monacal, estará alguém ligado ao mosteiro detentor de muito poder. Numa atitude de grande coragem, resguardada na força do grupo, os nossos antepassados apresentam o culpado, denunciando-lhe as prevaricações e abusos: «Item disserom os moradores d’Eiras que reçebiam outros desafforamentos do dicto procurador e moesteiro sobre aquello que senpre hussarom com el rey e esta gissa ho dicto procurador lhes toma as bestas per fforça e contra sua vontade sem alquir nenhuum tragendo os quanto ell quer. Item que o dicto procurador e os seus do dicto moesteiro lhes tomam a ssas galinhas e nom lhes querem dar por elIas senom quanto quer. Item que lhes vaam as vinhas as servas do dicto moesteiro que andam com o dieto procurador e que lhes cortam a madeira que hi teem e levan a pera o dicto moesteiro per fforça e ssem sa vontade e outrosy os paaos. Item que o dicto procurador e moesteiro lhe metem juiz e o canpeiro contra sua vontade e contra husso e custume d’Eiras dizendo que ell[e]s hussarom senpre com el rey que quando metem juiz ou canpeiro pera guardar os paaes que se mete pelIos moradores d’Eiras e que emtom devem de jurar ao senhor que ffaçam direito» (130). A crer neste relato, que presumimos como veridíco, o procurador do mosteiro, Frei Martinho, por si ou a mandado da comunidade, comportava-se como um senhor temível cujo poder lhe permitia oprimir a seu belo prazer o povo de Eiras: fazia o que queria das bestas (cavalos, éguas, burros), levava as galinhas e pagava o que bem lhe apetecia, e mandava as servas do mosteiro às vinhas levando-lhes os lenhos. Não contente, ainda se intrometia na escolha de juiz do povo, acto dos mais graves que nessa época se poderia cometer. A demanda foi julgada na Cidade de Coimbra pelo alvazil Stevam Dominguez. Uma missão difícil que resolveu como pode. Depois de se aconselhar com os «homees boos», alguns deles certamente de Eiras, proferiu sentença que em parte terá agradado aos moradores de Eiras: «….e avudo consselho sobre todo julgando mandey que os dictos moradores d’Eiras hussem com o dicto moesteiro e procurador como dicto he e como senpre hussarom com nosso senhor el rey e que sse o dicto moesteiro ou procurador ou outro quem quer do dia adiante escprito adiante quiser do dicto logo d’Eiras galinha ou galinhas que pague por cad’hua dellas 129 130

Id. P. 402. Id.

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dous soldos e em outra gissa nom». Infelizmente a sentença julgada não condenou grande parte dos actos do procurador. Provavelmente porque a intriga e os jogos de poder na zona o não permitiu… Como dissemos, anteriormente, estamos convencidos que esta Carta de Pergaminho juntamente com o escambo de 1306 constituiria o Foral de Eiras durante séculos, pois têm semelhanças com um diploma desse tipo: o escambo fixava os limites do senhorio e o pergaminho os tributos a pagar. Ao cruzarmos as informações de ambos, encaixaremos o seu resultado na definição mais ampla de Carta de Foral: documento régio concedido antigamente, que regulava a administração e os limites de uma localidade e estabelecia privilégios que, neste último caso, seriam, por um lado, o poder de autonomia local e, por outro, a fixação das cláusulas de partilha dos géneros agrícolas. O que talvez nunca cheguemos a saber é a origem dos tributos fixados na Carta de 1311. Sabendo-se, de antemão, que estamos a tratar de uma terra realenga, quem foi o rei que os fixou com o acordo dos moradores de Eiras e em que condições o fez? Embora não tenhamos a certeza, parece-nos que D. Dinis reúne grandes possibilidades dado que foi o principal actor na área por esses tempos. Mas o que poderemos afirmar com maior grau de acerto é que tal documento se relacionou com a afirmação do poder local, provavelmente com a génese do Concelho de Eiras, uma vez que o documento andava à guarda do juiz do lugar de Eiras, Domingos Domingez. Os elementos que retiramos deste documento tornam-no num dos mais importantes para o conhecimento da História de Eiras. Efectivamente o original do mesmo perdeu-se, de modo que conhecemos o seu conteúdo por uma cópia que dele se fez na Cidade de Coimbra a 07 de Setembro de 1359, perante Affonso Martinz Alvernaz, vassalo do rei e juiz na dita cidade, e o tabelião publico do Rei, Johanne Anes. Na introdução feita ao documento que temos vindo a citar, e diante de várias testemunhas, apareceu alguém muito especial que se fazia acompanhar de algo muito importante: «…pareçeo Domingos Domingez dieto Cordeirom morador em Eiras termo da dicta çidade e juiz que se dezia do dicto logo d’Eiras e mostrou e pobricar ffez per mim dicto tabaliam perante o dicto juiz hum estormento escprito em purgaminho de coirom ffecto e asynaado per Stevam Martinz tabaliam que ffoy na dicta çidade» (131). Naquele distante dia, este homem, Domingos Domingez, juiz do lugar de Eiras (!), dirigia-se à grande urbe para cumprir uma missão de grande responsabilidade que lhe fora confiada pelo seu povo: registar a cópia de um velho documento, de importância similar a um foral, que custasse o que custasse se não podia perder. Na alcáçova do Rei e na presença de Affonsso Alvernaz, juiz dos feitos na Cidade de Coimbra, as preocupações são claras: «A quall carta asy mostrada como dieto he o dieto Domingos Dominguez disse que os moradores do dieto logo d’Eiras se temiam de sse lhes perder a dieta carta per ffogo ou augua ou traça ou outro eajom alguum e que outrosy lhes era mester de mandarem a alguus logares os trellados da dieta carta em ppubliea fforma e pedia ao dieto juiz em nome dos

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Id. P. 401.

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dietos moradores d’Eiras que desse a mim Johanne Anes tabaliam sobredieto sua auturidade hordenaira pera lhes dar huum e dous e tres theores da dieta carta em ppubliea fforma so meu synall ou quantos lhe mester ffossem. E o dicto juiz vista a dieta carta como nom era rassa nem antrelinhada nem em nenhuum logar sospeita deu a mim Johanne Eanes tabaliam sobredieto sua autoridade hordenaria pera dar os dietos theores de carta em ppubliea fforma de meu synall. Ffeeto ffoy este no ssobredieto dia e mes e Era e logar. » (132). O processo relativo a estes documentos que temos vindo a citar e a analisar, resulta de um desenvolvimento muito posterior. De facto, a 06 de Setembro de 1435 o mosteiro de Celas, através de Gonçallo Nunez escudeiro do Infante D. Henrique e irmão da Abadessa de Celas, D. Guiomar Nunez, apresentara ao Corregedor da Comarca todo o historial que atrás reproduzimos. Invocando a vontade dos moradores de Eiras designadamente os velhos receios em que «… se temiam de sse lhes perder o dieto estormento per ffogo ou augua traça porquanto o dieto estormento era muito velho e de longo tempo ffeeto» (133), este homem reforça o pedido declarando a importância que o mesmo poderá ter em outras áreas sobre administração do Mosteiro de Celas: «e que outrosy lhes era mester pera sse ajudarem delle em alguus logares destes reynos». O Corregedor, perante o pedido e os dados apresentados, anui em que se façam traslados dos mesmos. O assunto parece morrer por aqui, mas as dúvidas pairam no ar: será que em 1359 se fizeram as cópias prometidas ao juiz de Eiras? Será que agora, em 1435, com o interesse renovado do mosteiro os documentos foram oficializados por escrito? Ou a intriga subverteu o esquema dos poderes? A verdade é que o documento valerá como lei para os moradores de Eiras durante séculos, seguramente porque lhes trazia vantagens face ao proposto pelo Mosteiro de Celas.

4. O processo para Foral Novo no tempo de D. Manuel I Rei ou o Mosteiro de Celas poderiam ter concedido a Eiras Carta de Foral, O uma vez que ambos tinham poder para isso. Os forais mais conhecidos são os do tempo do rei D. Manuel, O Venturoso, muito atraentes do ponto de vista estéti-

co. Ao contrário dos forais concedidos anteriormente, estes tiveram subjacente um objectivo fiscal; mais de registar e inventariar as isenções e encargos locais do que conferir um estatuto político-concelhio. Foi no tempo de D. João II que se determinou a recolha de todos os forais existentes no reino. Mais tarde, já na época de D. Manuel, processou-se a reforma dos mesmos (forais novos) obra que hoje se atribui a Fernão de Pina. Desse ambicioso plano resultou a atribuição de muitos forais a terras do reino, conservando-se na Torre do Tombo os seus processos, bem como os relativos a terras que não alcançaram esse estatuto. Eiras inclui-se nesta última categoria o que significa que algo de muito significativo existia para se ter aventado a hipótese em promover foral novo. Pensamos que as cláusulas do escambo de 1306 e da Carta de Pergaminho de 1311 foram a origem do processo que não conheceu desenvolvimentos por interesses óbvios do

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Id. P. 403. Id.

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Mosteiro de Celas, que assim perderia certamente para o Rei uma base tributária muito significativa. O auto levantado pelo Corregedor Soeyro Mendes, no lugar de Eiras a 24 de Abril de 1518, resultou de 10 dias de diligências em que foram inquiridas várias testemunhas entre as quais Pero Annes barbeiro, Afonso Annes e Joham Periz tecelões, e Joham Fernandez moleiro. No entanto e certamente ao contrário do esperado nenhuma indicação recolheram que apontasse para a autonomia do poder local referida nos documentos de 1306 e 1311. O Corregedor, pelo contrário, encontrou uma estrutura pacificada: não havia o pagamento de direitos reais; a autoridade do Mosteiro de Celas enquanto Senhorio Directo era reconhecida; Eiras enquadrava-se no termo da Cidade e Comarca Foto 20 – Folha principal do processo de Coimbra de quem dependia para o Foral novo de Eiras, 1518 em termos de jurisdição crime. Situação que logo no início das diligências ficou bem clara: «…o dicto corregedor deu juramento dos Santos Evangelhos e per o dito juramento lhes fez preguntar que se no dito lugar avia alguns derrectos reaes e a quem se pagavam e de que cousas e como se pagavam se por forall ou costume e se tinham forall novo destes que sua alteza ora novamente mandou poer seus regnos o qual juramento lhes deu perante o bacharell Sebastiam Lopez procurador jerall do dito mosteiro per quanto o dito mosteiro per ello foi cytado per mim sprivam e diseram que este lugar d’Eyras e seu lemyte he do mosteiro das Cellas e que o dito mosteiro tem aqui a jurdicam cyvill e elle da juramento aos juizes e per seu juramento e confirmaçam servem onde seu ouvidor e os agravos dante o juiz do dito lugar vam ao corregedor da comarqua e diseram que neste lugar d’Eyras nam se paga nem se arecada nenhum derrecto reall nem portajem de nenhua cousa» (134). Compreende-se, no entanto, que Eiras nunca tenha recebido foral manuelino. Provavelmente porque era terra doada, terra do Mosteiro de Celas. Em paralelo, Eiras era uma Vila com juiz ordinário, pertença do Termo de Coimbra, pelo que se regularia pelos forais de Coimbra.

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A.N.T.T. – Processo para o foral novo do concelho de Eiras, Gaveta 20, Maço 11, N.º 33, Fl. 2.

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5. O território do Mosteiro de Celas na actual Freguesia de Eiras e fora dela: limites e tributos - 1306, 1311, 1518, 1740 ruzando as informações quanto aos limites territoriais do Senhorio de Celas, retiradas do Escambo de 1306, com as do Livro dos Direitos do Rei na Cidade de Coimbra de 1395 e comparando os mesmos com o Tombo de Eiras de 1740, recolhem-se alguns dados muito interessantes. Num primeiro momento, nos inícios do século XIV, parece que o Reguengo de Eiras, que transitou para o Mosteiro de Celas, tinha como área o lugar de Eiras e pouco mais. No entanto, algumas décadas volvidas, por volta de 1395, aparecem as primeiras indicações que o Mosteiro possui também uma parcela de território no Campo do Bolão, encravada numa vasta zona pertença da Coroa e que transitará para o Ducado de Aveiro. Em pleno século XVIII e levando em conta o Tombo de 1740 (apesar da sua polémica), parece óbvio que o o Senhorio do Mosteiro de Celas aumentara a sua área territorial de forma considerável em redor de Eiras, avocando para si uma parte dos Casais de Eiras, ao mesmo tempo que define, com mais algum grau de pormenor, a existência da já referida parcela de território do Mosteiro de Celas, em pleno Campo do Bolão, embora sem continuidade geográfica com o restante senhorio (ver mapa 2), ontem e hoje localizado no território da Freguesia de Eiras. Desconhecemos, por falta de dados, a origem desse território, isto é, se o mesmo constava do Reguengo de Eiras ou do contrato de escambo de 1306. De forma directa e explicíta, não nos parece que conste; no entanto e naquele tempo, muita coisa se jogava do ponto de vista da oralidade, pelo que poderia ser do conhecimento geral a existência do mesmo. A cobrança dos direitos do Mosteiro de Celas, enquanto Senhorio deste território fraccionado, não foi sempre igual. Na Carta de Pergaminho de 1311 os foros usos e costumes que vinham do tempo em que Eiras era terra reguenga e que não estavam a ser cumprido pelo mosteiro eram os seguintes: - ¼ do pão, vinho, azeite, linho, alhos, cebolas e chicharos; - dar tantos alqueires de pão do monte d’alquir como quarteiros derem ao rei- A teeiga d’Abrãao da segunda e 1 alqueire do panal; - 2/4 de pão meado de eirádega se lavrar trigo e segunda; - Se lavrar apenas trigo ou segunda deve dar ¼ (meio do monte e meio do campo); - O que fizer seara e não for lavrador dará ¼ de pão meado e se semear trigo e segunda e se não lavrar mais do que uma terra de pão deve dar 2 teigas.

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Mais tarde e segundo o processo para foral novo de 1518, os tributos pagos ao Mosteiro de Celas estavão fixados do seguinte modo: - ¼ de todo o pão, vinho, linho, azeite e legumes secos; - Os lavradores que lavrarem com seus bois ou com bois alugados, tenham muitos ou poucos, foro anual de 12 alq. trigo (dos quais o alcaide mor da Cidade de Coimbra leva 5 alq. e o mosteiro 7). Foro que será pago do monte antes da partilha; - Os lavradores que fizerem sua seara com bois emprestados, pagam a metade do foro acima (2,5 alq. para o alcaide e o resto para o mosteiro); - Se o lavrador lavrar segunda (milho, cevada e centeio) pagará além do dito foro mais 4 alq. Se o lavrador apenas lavrar uma destas ou todas não pagará mais

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do que 15 alqueires no total (5 para o alcaide, 10 para o mosteiro (5 de trigo de pão e 2 de panal); - Através de finta lançada pelo juiz do lugar pagam pelo dia de Páscoa e entregam á abadessa para esta levar ao corregedor 1 carneiro, 4 galinhas, 1 cabrito e 2 almudes de vinho. Acrescente-se que as testemunhas do processo para foral novo pediram que este foro fosse retirado. No Livro dos Direitos do Rei na Cidade de Coimbra, de 1395, documento a partir do qual, mais tarde, a Coroa organizou o conhecido Foral do Bolão (135), vêm estipuladas as rações a entregar por aqueles que lavrava, na parte do Campo do Bolão pertença do Senhorio de Celas. Neste manuscrito e no «Capitulo dos derectos que dam os moradores da aldea deiras ao dito Senhor e perteençe ao regeengo de bolom» deu-se conta descriminada do modo de cobrança, nesta parcela do território, dos direitos do Rei aos moradores do lugar de Eiras. Provavelmente, no restante território localizado dentro da actual Freguesia de Eiras os tributos seriam os mesmos: «Primeiramente Todo lavrador que lavrar no dicto logar deiras ou dentro no seu lamite, lavrar com bois seo ou alquiados, ou por outra qualquer guisa que seia como lavrador, paga ao dicto senhor, se lavrar no dicto Regeengo de bolom, E no ditto Reguengo deiras, deiradega, convem a saber de trigo ---- VII alqueires a meatade tremes, e a metade mourisco, E en caso que lavrar no Regeengo de bolom e nom lavrar, em eiras, pagara os dictos ---- VII alqueires de trigo tremes E se lavrar çevada ou milho pagara outros ---- VII alqueires a meatade de huu E a meatade do outro e de qual quer lavrar de tall pagam os dictos sete alqueires E esto se entenda que se lavrar milho estreme que dese paguara E eso me des de cevada E esto hao de pagar pella medida velha que som pella nova ---- X alqueires E cinque, e vinte e quatroeno dalqueire que he tanto como de…quatro partes as V.E esto monta nos ditos quatorze alqueires de trigo E segumda: E asi vem por alqueire – dous terços huum dez e seisceno que tanto foy achado que montava na dicta medida segundo se contem no começo deste Regeengo E o que for seeireiro pagara a meatade da dicta eiradega ora lavre munto ora lavre pouco que paga o dito lavrador E per esta guisa paga a dicta eiradega qualquer lavrador ou seeireiro que veer lavrar ao dicto Regeengo deiras ora lavre pouco ora lavre munto posto que more fora delle E desto se nom escusa cavaleiro nem dona nem clerigo nem outra nemhûa pesoa de qualquer comdiçom que seia: Item paga mais todo lavrador e seenreiro que lavrar no dito Regeengo de bollao segunda comvem a saber milho ou cevada ou centeo ---- tres alqueires meo pella dicta medida velha que chamom a teeiga dabraao» (136). Existem no Arquivo Histórico Municipal de Coimbra dois forais do Reguengo do Campo do Bolão. O mais antigo é um traslado de pergaminho e resulta de uma carta régia mandada passar por D. Sebastião a 08 de Janeiro de 1588; o segundo data de 1775 e é uma cópia do primeiro. 136 A. N. T. T. – Fundo Antigo: N.º 287: Livro dos direitos del rei da cidade de coimbra, 1395, Fl. 50v. 135

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O Tombo promovido pelo mosteiro de Celas, em Eiras no ano de 1740, mostra que a instituição, enquanto Senhorio Directo, mantinha a recolha dos seus direitos jurisdicionais, nomeadamente: - Rações e eirádegas cobradas em Eiras e seu limite: - Moradores da Vila e pessoas fora dela que vierem lavrar ao seu limite pagam ao mosteiro de reção: ¼ do pão que lavrararem, do linho no tendal enxuto e cortido, das nozes pagas ao pé das nogueiras, dos legumes, cebolas e alhos pagos nas hortas, tudo entregue na eira limpo e seco; 1/6 do vinho à bica do lagar e 1/8 do azeite apanhado ao pé da oliveira. Esta alteração na cobrança do azeite face ao estipulado anteriormente resultava dos contratos sobre a ração do azeite de 1685 e 1725 (137). A 08 de Agosto a ração baixou para 1/6 e a 07 de Fevereiro de 1725 para 1/8. Esta redução deve ser entendida como um incentivo ao aumento da produção olivícola. Estratégia que frequentemente as instituições senhoriais utilizaram para melhorar as produções existentes e promover outras culturas. - Pagam mais todos os lavradores que lavrarem no distrito da Vila com bois seus, ou sejam nela moradores, ou de fora, 7 alqueires de trigo cada ano, pagos na Eira e tirados do monte antes de dizimado e mais 5 alqueires de eiradega ao Duque de Aveiro. - E os seareiros moradores na Vila ou fora dela que no seu distrito semearem pagão em cada ano de foro ao mosteiro 3,5 alqueires de trigo além dos 2,5 alqueires que se tiram do monte para o Duque de Aveiro. - São obrigados a ir fazer o azeite aos lagares do mosteiro, tanto do que lavram no distrito da Vila como fora dele pagando lagaragem de 1/10. - E que tirados assim os foros e rações pagam ainda ao mosteiro o Dizimo do qual a Mitra leva a terça parte e que dos foros e eiradegas que se tiram do monte tanto para o mosteiro como para o Duque de Aveiro se repartem em três terços: um para o Mosteiro, outro para a Mitra e outro para a Comenda de Rates. - Lavradores e Seareiros são obrigados a levar o pão ao Celeiro do Mosteiro ou pagar-lhe uma maquia de cada alqueire para o carreto. E deve tirar o lavrador do monte ¼ de trigo por cada obreiro contratado pelos lavradores e seareiros. - As permissas de trigo e de quarenta alqueires de trigo – 1 alqueire – e de vinte almudes de vinho – meio – leva o Mosteiro duas partes e a Mitra uma.

6. Meios de produção, rentabilidade e armazenamento das colheitas controlo da terra e das gentes em tempos dominados por uma economia de base agrária, exigia um conjunto de dispositivos no terreno, que careciam entre outras coisas, de inspecção periódicas, esforço de rentabilidade anual e conservação regular, para que todo um trabalho primário se não perdesse.

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A.U.C. – Fundo Próprio Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas – Tombo Novo de Eiras, 1740, Fls. 24-34v. 137

O Mosteiro de Celas, o Grande Senhor de Eiras

6.1. Moinhos, Azenhas, Lagares e fornos O Mosteiro de Celas, ao tornar-se senhor de Eiras, tentará controlar os meios de produção existentes, capitalizando os rendimentos que deles extraía. Este controlo será exercido como um autêntico monopólio. Atento a tudo aquilo que dizia respeito a este poder intimará todos aqueles que se aventuravam a concorrer: sabemos por exemplo que em 1604 envia requerimento a Bras Fernandez «…que não faça lagar de azeite em a Villa de Eiras» (138). E aquilo que existia ao longo da Ribeira de Eiras era de facto importante, a avaliar pelas declarações do Vigário Fabião que, por volta de 1734, afirmará que as suas águas «…movem ahi mesmo dezaseis varas de lagares de azeite e oito rodas de moer pão» (139). O dado mais antigo que relaciona o Mosteiro de Celas com o controlo destes importantes meios de produção data de meados do século XVI. A 19 Agosto de 1541 foi eleita Dona Maria de Távora como abadessa e ficaram registadas as suas atribulações com Eiras: «Sobre a Igreija de Eiras teve em seu tempo muytos trabalhos e demandas, e no fim por concerto pagarão a hum italiano chamado Bertholameu Castodengo setecentos cruzados» (140). Ao que parece duas meninas de Eiras que tinha sob sua protecção entraram para a clausura e o dote envolve um lagar que estava dentro da aldeia: «o dote forão huas moendas de pão, e hum lagar dentro no lugar: no anno de 1557. rendeo o lagar sincoenta mil reis». Este lagar seria o que os documentos fixam como «lagar velho», uma vez que no século seguinte, e algum tempo depois da eleição da abadessa Dona Maria Manoel, por volta de 1625, sabemos que entre as obras que mandou fazer consta «…o lagar de Eiras o novo, e comprou com as moendas que rendem dezaseis mil reis» (141). Nos Casais de Eiras e apesar do Senhorio Directo ser o Cabido da Sé de Braga, o Mosteiro de Celas detinha direitos sobre os moinhos e lagar da ponte. No livro de memórias do Mosteiro de Celas aludem-se às obras efectuadas nos moinhos no tempo de Dona Maria Magdalena da Silva, eleita a 01 de Junho de 1654: «Alevantou os Moinhos do Cazal de Eiras obra de tanto proveito para o mosteiro e sobre que se tinha gastado muito em demandas» (142). Mas o controlo dos moinhos, azenhas ou lagares, não se circunscrevia a Eiras ou aos Casais. Também as estruturas deste tipo, implantadas pela Ribeira de Vilarinho têm de lhe pagar tributos. Assim acontecia, em meados do século XVII com: a quinta de D. Joana, com azenha e lagar, ao fundo da Ribeira; e as azenhas e lagar da quinta do padre Fernão Simões em Vilarinho. Muitos anos depois, por volta de 1930, laboravam plenamente em Eiras os seguintes lagares, todos com 4 varas: Lagar da Ponte, localizado à ponte do

A.U.C. – Fundo dos Próprios Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas - N.º 35: Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 1219-1662, Fl. 59 139 A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 25. 140 A.U.C. – Fundo dos Próprios Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas - N.º 35: Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 1219-1662, Fl. IX. 141 Id. Fl. Xv. 142 Id. Fl. 103. 138

103

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Paço e pertencente ao Senhor Francisco Mendes da Silva por herança do Senhor Dr. António Pais da Silva; Lagar Novo, pertencente ao Dr. José António Vaz Serra por herança do Dr. Joaquim Pais da Silva de quem era genro; Lagar das Laranjeiras, que pertencente à familia de Soares de Campos, da Quinta do Paço. Fabião Soares de Paredes referiu-se a 16 varas que punham em funcionamento os lagares de azeite. Como os três acima descriminados perfazem um total de 12 varas, é bem possível que o nosso Vigário de Eiras tenha contabilizado o Lagar que existiu na Quinta do Cordovão, perto do Murtal, do qual em 1930 ainda se viam vestígios. As 8 rodas de moer pão distribuíam-se do seguinte modo: as 2 do Carvalho, as 2 do Escrabote, as 2 da Ponte do Paço e as 2 do Lagar das Laranjeiras. O mosteiro cobrava também tributos que recaíam sobre os fornos de poia existentes na Vila de Eiras e nos Casais. Nos reconhecimentos que os seus proprietários fizeram ao Senhorio por volta de 1662, contabilizaram-se 6 fornos (4 em Eiras e 2 nos Casais):

104

- «Reconhecimento de Jorge Symões morador em Eiras de hum forno do poia que esta na dita Villa: e parte do nascente com cazas de Antonio Gonçalvez Ourivez morador em Coimbra, & do poente com cazas de Antonia Marquez viuva: do qual forno pagavão de conhecença duas boroas, e hum pão alvo cada Domingo, e todo anno, e deste leva a terça o Bispo, que he de cada tres Domingos hum, as quaes boroa e pão valerão cada huã oito reis, o qual se obriga a pagar sempre bem & obedientemente» - «Reconheçimento que fez Francisco Symões de hum forno, que esta na Villa de Eiras, e parte do Nascente com vinha de Antonio Diz, & do Poente com sua publica, & delle pagava de conhecença cada anno ao dito mosteiro cada Domingo duas boroas, as quaes podera o dito mosteiro escolher nas que se ganharem ao Sabbado, & que destas levava a terça do Bispo de tres Domingos hum». - «Reconheçimento de Manoel Fernandez o Cabedella morador nos cazais de hum forno, que esta na Villa de Eiras, o qual he de poia, & parte com cazas, de Jose Gomez da parte do Poente, e do Nascente parte com cazas de João Marquez da dita Villa, & do dito forno paga de reconhecença todos os Domingos do anno duas boroas, e hum pão de trigo, as quaes serão das boas que se ganharem no dito forno, & que deste leva a terca do Bispo de tres Domingos hum: que era o que pagavão». «Reconheçimento que fez Manoel João de Eiras de hum forno, que esta na dita Villa de Eiras, e parte do nascente com Rua publica, que vay para a Igreija, e do sul com serventia dos herdeiros de Vasco diz, & da outra parte com o Rego de agoa, e disse que delle pagava todos os Domingos do anno». «Reconheçimento que fez João fernandez dos Casais de Eiras, o chapado de hum forno que esta nos Casaes de Eiras, e parte com cazas de Maria de Aganta paga de conhecença todos os Domingos do anno de conhecença ao mosteiro duas

O Mosteiro de Celas, o Grande Senhor de Eiras

boroas, as quaes serião das melhores que ganhassem, e destes Domingos leva a terça do Bispo de tres hum». «Reconheçimento que fez Antonio Symoes dos cazaes de Eiras de hum forno que esta nos Casaes, o qual parte do Norte com Rua publica, e das mays partes com terras do dito Antonio Symões, e que delle pagava ao dito mosteiro senhorio de dizimo todos os Domingos do anno» (143). Os fornos de poia desapareceram há muito da freguesia. O seu proprietário ou encarregado tinha todo o trabalho que exigia a cozedura do pão: aquecia o forno com lenha sua, tendia e deitava a massa, corava e tirava a broa. Por tudo pagava-se uma unidade das panificadas. Em sua substituição surgiram os fornos em que se coze à vez, os fornos de vez, nos quais o proprietário não tem interferência na cozedura, nem trabalho nem despesas, e de lucro, apenas a água com que foi lavada a gamela (lavagem para os porcos) e a cinza resultante da lenha, queimada no aquecimento do forno. Fruto do progresso, também estes caíram em desuso no decurso do século XX.

6.2. As casas de recolhimento das rendas: o celeiro do Mosteiro de Celas em Eiras. Recolher as rendas em géneros, registar a evolução da produção, proteger as colheitas das agruras climatéricas, eis a função básica dos celeiros. Desde a passagem do Reguengo de Eiras das mãos da Coroa para o domínio de Celas, nos inícios do século XIV, que as preocupações do mosteiro em ter, manter e conservar estruturas materiais de apoio à salvaguarda dos rendimentos, se devem ter feito sentir. Desconhecemos se na fase inicial teriam aproveitado as infraestruturas da Coroa ou, pelo contrário, preferiram a construção de património autónomo. Contudo sabemos que, por vontade régia, foi passado um alvará «para o mosteiro poder ter huãs casas em Eiras para recolimento do pão: sem embargo da ordenação em contrario» (144). Em concreto, o que apurámos sobre a existência de um celeiro em Eiras remonta ao ano 1534. Esta informação, tardia no contexto da relação Eiras-Mosteiro, insere--se muito naturalmente na época de grande actividade e controlo económico-territorial do mosteiro, coincidente com a política de outorga de vários contratos de aforamento e emprazamento (145). O Livro de Memórias do Mosteiro de Celas informa-nos que em 1534, sendo abadessa Dona Leonor de Vasconçellos, filha da Condessa de Penela, se comprou

A.U.C. – Fundo dos Próprios Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas - N.º 35: Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 1219-1662, Fls. 70-70v. 144 Id. Fl. 10. 145 Aforamento ou Emprazamento eram contratos de exploração da terra que passavam pela concessão, a longo prazo ou perpétua de uma propriedade, em troca do pagamento de determinada renda. 143

105

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

«…huas casas senhoris em Eiras por setenta mil reis: deu cem alqueires de azeite em dez mil reis: Servem estas casas para recolhimento do pão». (146). No referido livro de memórias também consta que no triénio da abadessa D. Maria de Mendoça, eleita a 28 Maio de 1648, «…ouve perdas de consideração: O incendio das cazas do çeleiro de Eiras, que milagrosamente se não consumio todo» (147). Ao que parece só no abadessado de D. Maria Magdalena da Silva, eleita em 1654, é que o Celeiro readquiriu o velho esplendor pois «…conservou o Celleiro de util que estava quasi no chão». Graças aos estudos do professor Albuquerque sabemos o destino destas casas. Localizavam-se bem no centro da Vila de Eiras, no Terreiro da Fonte. O grande celeiro pertenceu ao Dr. António Pais da Silva, e no seu vasto salão realizaram-se concorridos e animados bailaricos. Mais tarde passou para Francisco Mendes Silva que a vendeu a Serafim Campos do Amaral em meados dos anos cinquenta do século XX e a transformou na sua residência. Em 1968 era a habitação do Sr. Tenente-coronel Ribeiro.

7. Síntese das terras e propriedades próprias do Mosteiro de Celas na Vila de Eiras por volta de 1740 106

m meados do século XVIII, o Mosteiro de Celas promoveu a realização de um Tombo de propriedades em Eiras, o único que se conhece, embora neste se refira a existência de um outro, datado de 1634. Em 1740, o requerimento apresentado pelas religiosas justificava a necessidade do Tombo com o facto de «… o dito seu Mosteiro tem muitas propriedades Casais e Prazos em varias partes deste Reino e porque ha muitos annos não forão tombadas se lhe vão sonegando e uzurpando as ditas fazendas e recebe grande danno e prejuizo em suas Rendas e para se evitar querem fazer Tombo e demarcação dos ditos benz e foros» (148). A 14 de Março de 1740, D. João autoriza que se meçam e demarquem os bens em tombo de propriedades, reunindo-se as autoridades em Eiras a 29 de Agosto.

E

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O Mosteiro de Celas, o Grande Senhor de Eiras

Na sequência do que vimos dizendo neste tombo registaram-se as várias propriedades que o Mosteiro de Celas tinha no destrito (área do senhorio) de Eiras. Aparentemente fê-lo de forma pacífica e o arrolamento de bens apresentava a seguinte disposição territorial: Tabela 1 – Propriedades próprias do Mosteiro de Celas na Vila de Eiras, 1740 (149). Bem

Descrição

Localização

Observações

Casas grandes de sobrado com seu quintal.

«Servem de Celleiro e recolhimento da renda»

Dentro da Vila (5 casas de sobrado e 5 «logeas»)

Casas de sobrado.

«Custuma dar aos vigarios para sua vivenda»

Defronte da Capela do Senhor.

Um Lagar de azeite e umas Azenhas.

Lagar - «Com seis Junto à ponte de varas tres caldeiras entrada na Vila. e dous vazas e duas Rodas». Azenhas - «Tem quatro pedras e duas Rodas».

«om seus rexios e serventia que o dito Mosteiro ouvera e adquerira por Dote e herança de duas filhas de Francisco Camello da dita Villa que forão Relligizas do dito Mosteiro»

Uma quinta com «huas azenhas e Lagar de azeite com sua caza de tulha que chamao o Lagar Novo».

Quinta - «conthem em si terra com arvores de fruto e sem elle». Lagar - «com sua caza de tulha».

«Crus de Troviscaes, que se chama a Relva de Troviscais e por outro nome o lagar novo».

«Que o mesmo Mosteiro comprou á viuva e filhos de Francisco Nunes no anno de 1624».

Casal do Escrabote com suas Azenhas e Casas de sobrado.

- Azenhas com duas rodas e terras de pão, hortas e olivais.

Limite da Vila de Eiras. - Que o mosteiro dera de aforamento a João Gil e sua mulher Guiomar de Calvoz em 1519. Andava agora na posse de Inocencia de Oliveira, viúva do Licenciado António de Barros de Carvalho, moradora no dito casal.

Passais da Igreja de Santhiago da dita Vila.

- Um chão e uma vinha - Uma Horta - Uma Horta - Um olival - Uma terra com 3 oliveiras

- «Defronte da porta «Que lhe esta unido travessa da Igreja» imperpetuum com - Ás Almoinhas seus Dizimos» - «Á levada, por cima dos engenhos da Villa» - «Aonde chamáo o Queimado, limite de Eiras» - «Á Curujeira»

Terras

Terras de semeadura

«As Forcadas, lemite da Villa de Eiras».

149

Id. Fls. 81v.-85v.

Comprado a Rodrigo de Leal e seus filhos em 1534.

Contrato feito em 1518 com João Vagos e sua mulher. Agora possuem vários.

107

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

8. O cadastro da propriedade em redor de Eiras: o controlo das terras e das gentes – os contratos de aforamento e emprazamento Mosteiro de Celas, assim que estabilizou o seu domínio jurisdicional passou a expandir-se pelo território, num esforço de administração assinalável. Passado o tempo das doações, o meio preferencial para constituir património e dele tirar o máximo proveito foram os contratos de aforamento e emprazamento, cuja prática intensificou no decurso dos séculos XV e XVI. Sabemos pelo cruzamento de centenas de dados retirados de vários livros do seu Cartório, e em especial do seu Índex Geral e do Livro de Titulos e Memórias Antigas, onde se localizavam as principais parcelas de terras sob administração superior do mosteiro, ou seja, aquelas onde se detectam o registo de maior número de contratos desse tipo. Nesse sentido, os documentos apontam duas áreas especificas de concentração e distribuição de maior número de propriedades: uma ao redor de Eiras e definida pelos seus antigos limites e outra, de menos representatividade, na zona de Vale de Figueiras.

O

Tabela 2 – Contratos de aforamento e emprazamento em volta de Eiras realizados pelo Mosteiro de Celas: séculos XV-XVI (150).

108

Data

Tipo Contrato

1421

Aforamento

1434

Prazo (a)

1448 1473

Aforamento Prazo em vidas

1473

Prazo em 3 vidas

1473

Prazo em 3 vidas

1481

Prazo

Propriedade descrita Um chão com mato Duas azenhas e uma casa Um Carvalhal Azenha do Judeo

Localização Tojal Que chamão do Judeo

21…

Val de Marnel Eiras

? 350 rs, 1 Galinha e 1 Frango Na 1ª vida pagará 6 alq. do que nela semear; na 2ª vida 8 alq. e na 3 pagará o quarto e ao Rei os foros. 6 alq. de pão, a 3º vida pagará o quarto Foro da terra

Santa Cobiça Uma Arrotea (b), a romper em 8 anos. Um mato maninho (c)

Foro

Cabeça da Romeira Cabeça da Romeira

(a) Tomava a designação de prazo aquela terra que pertencendo a um senhorio, era por ele emprazada, através de contrato enfitêutico, durante determinado tempo a certos indivíduos, por norma agricultores, cultivadores ou lavradores, passando estes a designar-se por foreiros. (b) Entende-se por Arroteia a terra que depois de desbravada, limpa e preparada começa a ser cultivada. (c) Matos maninhos eram terras incultas ou estéris.

A. U. C. – Próprios Nacionais: Mosteiro de Celas - Índex Geral de todos os Titullos e documentos que há no Cartorio do Real Mosteiro de Santa Maria de Cellas, 1220-1729. Estes dados foram retirados da consulta efectuada entre as folhas 204 e 214, que estavam organizados num capítulo intitulado «Eyraz Maço da Villa de Eiraz na Sua Gaveta». Adicionaram-se também os dados retirados do Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 1219-1662 e os extraídos do livro Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas (século XIII-XV). 150

O Mosteiro de Celas, o Grande Senhor de Eiras

Data

Tipo Contrato

Propriedade descrita Um mato maninho (c)

Localização

1483

Prazo fatiozim

1484

Aforamento

Um Carvalhal

Sobre as Gallegas

1487

Prazo

Uma Arrotea

Ao quarto, na Cabeça dos Tinhozos Val de Paraizo

1484

Aforamento

Um Carvalhal

1488

Aforamento

Uma Arrotea

1488

Prazo

Carvalhal com terra

1488

Id.

1491

Aforamento

1492

Aforamento

1494

Arrendamento

1499

Prazo

1494

Arrendamento

1499

Prazo

1499

Prazo

1502

Prazo fateozim

1503

Contrato de aforamento

1503

Prazo

1501

1504

Prazo

Prazo fatiozim

Um maninho

Carvalha de Eiras

Eiras

Cabeça dos Tinhozos Eiras

Uma Arrotea e mato maninho

?

Uma Arrotea

Cabeca dos Tinhozos

Um mato para vinha

Valle da Groza

Uma Arrotea

Santa Cobica

Dous matos maninhos com obrigação de os porem com olivais

Foro Primeiros 10 anos Dizimo a Deus e 1 galinha; Daí em diante pagara o 4º. Foro de 4º 8 alq. e 1 frangão Foro de 4º Foro de 4º ?

Foro de ¼ Foro de 4º e os mais da terra Foro de 4º e os mais da terra ?

Durante 10 anos pague Dizimo e daí em diante pague o 4º Um na Redonda, outro a Foro de 1/6 e um Monte Argril, ambos no frangão limite de Eiras.

Um mato roto e por romper, com obrigação de porem 4 tanchoeiras (d) cada ano

S. Domingos, limite de Eiras (hoje Moinho do Vento)

Foro de 1/6 e 1 frangão

Mato maninho

Monte Agril Cecem

Foro 1/6

Mato maninho

Pedaço de mato e Canellas monte Maninho Val de Cucos Uma Arrotea

3 Vinhas

Eiras

Com o foro de que em 15 anos o ponham com olival, não pagando outro foro que não seja o Dizimo. Passado este tempo pagará o 4º Pague foro de 4º passados 10 anos

6 alqueires de pão em sua vida e daí em diante 4º das novidades com os mais

Matos Maninhos, Um parte com quinta de 8 arrateis (e) de cera e com obrigação de Lordomão; o outro está Dizimo a Deus. ficarem rotos em na Carriceira 6 anos

(d) A tanchoeira seria nesta acepção o braço ou estaca de árvore que se planta para reprodução. Talvez seja equivalente a Bacelo. (e) O arrátel é uma antiga medida de peso que correspondia segundo uns a 459 gramas ou 16 onças e, para outros, a 12,5 onças.

109

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Data

Tipo Contrato

Propriedade descrita

Localização

1505

Prazo

1519

Aforamento

1526

Prazo fateozim

Hua Arotea

A Romeira

1536

Aforamento

3 vinhas

Varzea

1536

Aforamento

Vila de Eiras

1556

Prazo fateozim

Terras dos Trovizcais e hu pardeeiro

1615

Prazo fateozim

110

- Mato maninho - Um mortorio - Oliveira e tanchoeiras

- Redondas - Calçada de Eiras - Torre

Azenhas e mais terras e outros matos

Um olival e terra conjunta

Eiras

Umas Azenhas e suas pertencas

Os Troviscais

Foro foro de olival de quatro hum, da vinha de seis hum, das tanchoeiras de 4 & 1 arratel de çera Foro das Azenhas 500 reis; Recão do pão e do Vinho e Linho de 8º e do azeite de 6º Foro de 4º e Dizimo a Deus, 14 alq. de pão e mais o costumado. 1 aratel de cera alem do foro da terra Pagarão o 5º somente e de foro 2 arrateis de cera Foro 4 quatro alqueires e mais coisas segundo o costume. 12 Alqueires de trigo e 1 galinha

Tabela 3 – Contratos de aforamento e emprazamento na zona de Vale de Figueiras realizados pelo Mosteiro de Celas: séculos XV-XVI (151). Data

Tipo de contrato

1402

Prazo em 3 vidas

Propriedade descrita Um olival

1436 1454 1458 1503 1522

Prazo em vidas Prazo em vidas Prazo Prazo Prazo em 3 vidas

Um olival Um olival Um olival Um olival Um olival

Localização

Foro

Cabeça Leal Cabeça Leal Val de Figueiras Val de Figueiras Vale Figueiras, limite Cidade de Coimbra

30 soldos. A partir de 1503, e por sentença, a 3ª vida paga de foro 60 rs e 1 alq. azeite 3 alq. azeite 3 alq. azeite 3 Libras 4 alq. azeite 6 alq. de azeite de dois em dois anos. Tratava-se de um prazo renunciado em 1516. Foi reconhecido em 1634 mantendo o foro. Reconhecido e demarcado em 1740

Id.

A. U. C. – Próprios Nacionais: Mosteiro de Celas - Índex Geral de todos os Titullos e documentos que há no Cartorio do Real Mosteiro de Santa Maria de Cellas, 1220-1729, Fls. 87-90v.; Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 1219-1662, Fls. 89v., 97, 103, 126v., 160v., 176.

151

O Mosteiro de Celas, o Grande Senhor de Eiras

Data

Tipo de contrato

Propriedade descrita Vinha e Olival misticos

Val de Figueiras, limite Coimbra

Localização

1555

Prazo

1556

Prazo 3 vidas

Um olival

Vale Figueiras

1587

Troca e emprazamento por 3 vidas

Um pedaço de olival por um olival que se emprazou

- Montes Claros (Pedaço de olival dado pelo mosteiro) - Vale de Figueira (olival recebido pelo Mosteiro)

Foro 3 alq. azeite e 1 arratel de cera. Renovado em 1621 com foro de 3 alq. azeite e 2 arrateis de cera. Em 1715 fez-se prazo novo com foro de 2 alq. azeite e 60 rs. Em 1740 reconhecimento e demarcação 5 alq. de azeite e a 3ª pessoa pagará 6 alq. Foi renovado em 1612 com foro de 5,5 alq. azeite. Fez-se reconhecimento em 1634 e foi renovado em 1754 com o mesmo foro. Em 1740 foi reconhecido e demarcado. 6 alq. azeite ás safras. Em 1615 deu-se abatimento do foro. Em 1740 foi reconhecido e demarcado.

9. O Mosteiro de Celas no centro dos conflitos pelo querer e mandar na área actual da Freguesia de Eiras 9.1. Nos Casais de Eiras (ou de Braga) Por norma, a mudança de hábitos, costumes e tradições pela alteração do curso da história, produz quase sempre conflitos, incompreensões, revoltas e até abusos de poder. Eiras não foi excepção. A 1 de Setembro de 1361, também o lugar dos Casais de Braga (ou Eiras) foi palco de querelas entre o Mosteiro de Celas e dois moradores de Eiras, tendo como objecto outro tipo de direitos, no caso um forno de telha que aí existia e que havia sido construído por «Pedr’Eanes, canbhador». Conta o documento que nesse dia se reuniram nos ditos Casais, o tabelião do Rei Gonçalo Martinz, o procurador do mosteiro Pero Besteiiro e dois homens que andavam fazendo telha no forno do dito lugar: «…disse en nome das dictas abadessa e convento a Affomso Dominguez e a Alvaro Dominguez moradores en Eiras que hi presentes stavam fazendo telha que bem sabiiam en como vivem nas herdades das dictas abadessa e convento e que a dicta abadessa lhi defendera ja que nom ffezessem a dicta telha no dicto logo porque dezia que era en gram perjuizo sseu e do dicto sseu moesteiro e que xe lhi seguia perda e dapno» (152). Maria do Rosário Barbosa Morujão – Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas, Século XIII-XIV), Dissertação de Mestrado em História Medieval, Universidade de Coimbra, 2001, P. 401. P. 498. Vide Apêndice Documental, Doc. VII.

152

111

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

O depoimento dos acusados não pode deixar de causar certa impressão mostrando que o procedimento destes homens se orientou mais pelos ditames da necessidade do que pela razão intencional de prejudicar alguém:

112

«E logo o dicto Alvaro Dominguez disse e deu en reposta que el he homem pobre e tem ssa molher e seus ffilhos e que na terra da abadessa nom acha hu gaanhe pam que comha e que o quer gaanhar hu quer que o achar ante que o hir furtar. E outrossii o dicto Affomso Dominguez disse que el aviia mester telha pera as azenhas e pera hua casa que tem na aldeiia d’Eiiras e que veo fazer alii hua pouca que aviia mester e do maiis disse que sse husava no senhorio de Purtugal que cada huum vaii fazer ssa prool per u quer que entende que a maiis pode fazer pera gaanhar pam que comha» (153). Nesta questão percebe-se bem o jogo de poderes travado nos bastidores. Nos Casais de Braga, pertença do Cabido da mesma cidade, existia um forno de telha, que estaria a ser usado não só pelos seus moradores, mas também pelos de Eiras. Existindo nesta última povoação fornos de telha semelhantes, o Mosteiro de Celas seu Senhorio Directo, não poderia permitir que bem debaixo do seu nariz, os fornos de Eiras fossem preteridos pelos seus próprios moradores em favor dos de Braga. A intervenção do procurador do Mosteiro é a este propósito bem clara: «E o dicto Pero Beesteiiro disse que os ffomos da telha estam no senhorio d’Eiiras e que fezerom e fazem telha de viinte e trinta anos aa ca e que por lhi ffazerem perjuizo e perda aas dictas abadessa e convento nom quiserom ffazer en elles e forom ffazer naquele de Pedr’Eanes» (154). Para o mosteiro a situação era evidente: tratava-se de um abuso, uma intromissão, uma provável má fé dos ditos moradores que urgia parar. E quando o suposto atrevimento partia de moradores de um senhorio em relação a propriedades que estavam no outro, causando prejuízos de maior ou menor monta, os poderes raramente têm dúvidas quanto ao agir, especialmente quando os mesmos dizem respeito aos procedimentos da vida agrícola. Tal foi o pano de fundo do sucedido em Maio de 1372. Frei Domingos, frade confesso de Celas, acusa directamente Domingos Neto, morador nos Casais de Braga, de não adubar há pelo menos quatro anos as duas vinhas que possuía no termo de Eiras «…hûa que chamam a vinha do lagar e outra em logo que chamam ho Sseixal» (155). Avaliado o prejuízo em quatro meias de vinho por ano, será o dito Domingos sentenciado na pena de dois almudes de vinho.

9.2. A polémica com a Câmara e Povo de Eiras no Tombo Novo de Eiras de 1740 Em torno do Tombo Novo de Eiras de 1740, gerou-se um ambiente de grande polémica entre as partes: de um lado o Mosteiro de Celas, do outro a Câmara e Povo da Vila de Eiras. Vejamos como tudo se precipitou.

Id. Id. 155 Id. P. 512. 153 154

O Mosteiro de Celas, o Grande Senhor de Eiras

Pela análise do Tombo percebe-se que o mosteiro, para além de inventariar e organizar as suas propriedades, procurava cinco grandes objectivos que decorrem do primeiro: o reconhecimento como Directo Senhorio do lugar de Eiras; definir o pagamento dos tributos (quartos e dizimo); garantir o monopólio sobre os lagares de azeite e o direito de lagaragem, e tornar a Câmara da Vila de Eiras foreira pela utilização das águas dos baldios do concelho. A expansão do seu território era também objectivo. Por isso demarca como seu o lugar dos Casais, povoação desde remotos tempos dependente do Cabido de Braga (ver mapa 2). Assumiria papel central em todo este processo o Procurador-Geral e Feitor do Mosteiro, o Padre Frei Gabriel de Amaral que declara a dada altura «… que elle em nome de suas Constituintes e de seu Convento de Cellas perdoava e abssolvia a todos os seus cazeiros da dita Villa de Eiras de tudo o que lhe havião uzurpado que elles ditos cazeiros certamente não sabião os dava por absulvidos» (156). Logo a seguir a este depoimento seguia-se uma extensa lista de assinaturas que parecia conferir ao acto alguma veracidade. Sabemos no entanto pelo padre Fabião Soares de Paredes, que viveu e paroquiou na freguesia por esses anos, o que realmente acontecera. O mosteiro queria que a Câmara da Vila de Eiras o reconhecesse como Senhorio do Reguengo (157), socorrendo-se de subterfúgios: «No mesmo tempo que o Juis do tal Tombo vio, que os moradores não se sacrificavão ao que elles, Procurador das Religiozas dezejavão, procedeo com grande e conhecida aceleração a tirar testemunhas, e com effeito tomou com grande escamdolo de toda esta Villa o depoimento a varias pessoas, que o Padre Feitor Fr. Gabriel de Amaral, com seu respeito obrigava, e o Luis de Carvalho seu Solicitador conduzia por dadivas, e promeças chegando-as a jurar ante o dito Juis» (158).

Fotos 21 e 22 – Tombo novo da Vila de Eiras, 1740 – capa e interior Id. Fl. 33v. Apesar de Eiras ter passado para o Senhorio do Mosteiro de Celas, é curioso notar como a designação de Reguengo se manteve ao longo dos tempos (estamos em 1740), apesar de não ser terra da coroa desde o escambo de 1306. 158 A.F.P.M.A.M. - Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 97v. 156 157

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O escândalo foi grande por terras de Eiras com o procurador do mosteiro a inquirir testemunhas em dia Santo. Mas o Concelho de Eiras manteve-se firme, nada assinando sem primeiro lhe ser apresentado documento que o permitisse: «Juntarão com effeito dahi a tres dias as Religiozas hũs certos documentos, e hũ reconhecimento feito nesta Villa por algũs certos homens della no anno de 1634 e dicerão não tinhão Foral algũ em seu poder; a vista do que insistio a Camera, e Povo em não consentir no Tombo, nem quizerão reconhecer» (159). No Tombo setecentista transcreveram-se os contratos sobre a ração de azeite e o direito de lagaragem de 1685 e 1725. Apesar das penas previstas, muitos moradores da Vila de Eiras arriscavam ir fazer o seu azeite em locais fora da área do senhorio, recorrendo em especial aos lagares do Duque de Aveiro, que cobrava tributos mais baixos. Escapatórias que deram lugar a longos processos judiciais que o mosteiro invariavelmente ganhava. A obstinação manter-se-ia até á conclusão do Tombo conhecendo desenvolvimentos com a tentativa de subordinação directa do Concelho de Eiras ao Mosteiro de Celas, que passava pelo pagamento do foro das águas dos baldios do concelho, muito importantes para mover os engenhos do Lagar Novo. Enquanto o mosteiro afirma que o Concelho lhe é foreiro, este argumenta precisamente o contrário: «…e por elles foi dito que esta Camara e este Concelho lhe sam da jurisdição Real, e não tem dependencia algua do Mosteiro das Relligiozas de Santa Maria de Cellas, nem a Camera lhe deve pagar foro algum, mas antes o Convento das mesmas Relligiozas he foreiro a esta Camera e lhe obrigão a pagar de foro cada hu anno mil e duzentos reis» (160). A 9 de Setembro do mesmo ano, o Juiz do Tombo, Dr. Faustino de Bastos Monteiro, sensível aos argumentos da Câmara e Povo de Eiras, põe fim à demanda, concluindo os autos de tombo. Tomará, a nosso ver, a decisão mais ponderada: confirma o escambo de 1306 e os direitos aí estabelecidos; e os efeitos da contenda de 1311, que dera razão aos moradores de Eiras. No Tombo colhe-se, igualmente, a luta de alguns habitantes de Eiras contra a autoridade do mosteiro, fundamentada na ausência de foral. A contestação anti‑senhorial era encabeçada por Manuel Marques Carrasco (Tenente Aposentado de Infantaria), Bernardo Boto, Manuel Marques, Francisco Gomes da Costa e António Fernandes Prata. A recusa em reconhecerem as freiras de Celas como donatárias de Eiras, abrirá uma ferida difícil de sarar. O Juiz do Tombo daria razão aos contestatários, contudo, o mosteiro não se conformará apelando para a Relação do Porto na busca de decisão mais favorável. E assim acontecerá: pela sentença de 7 de Janeiro de 1749 os líderes da contestação seriam condenados a indemnizar o Mosteiro de Celas.(161)

Id. A.U.C. – Fundo Próprio Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas – Tombo Novo de Eiras, 1740, Fl. 36v. 161 Vide Ana Isabel Sampaio Ribeiro - A Comunidade de Eiras nos finais do séc. XVIII: Estruturas, Redes e Dinâmicas Sociais, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2005, P. 37. 159 160

Para lá do Mosteiro de Celas – Poderosos em acção no território de Eiras

Foto 23 – Marcos divisórios do território dos senhorios

PARA LÁ DO MOSTEIRO DE CELAS: PODEROSOS EM ACÇÃO NO TERRITÓRIO DE EIRAS

«Na Idade Média assistimos à formação e consolidação de senhorios, conjunto de terras dependentes de uma entidade nobre ou eclesiástica. Estas entidades, neste período, adquiriram o domínio territorial sobre um espaço contínuo ou descontínuo, onde exerciam, por norma, poderes e privilégios de natureza jurisdicional que o tornavam relativamente autónomo do poder central, caso dos coutos e honras». Margarida Sobral Neto – Terra e Conflito, Região de Coimbra 1700-1834, Palimage Editores, 1997, P. 7.

Mapa 2 – Limites territoriais aproximados dos principais Senhorios na área de Eiras

lugar de Eiras e seu limite pertenciam, desde os inícios do século XIV, ao Senhorio do Mosteiro de Celas. Ao longo dos séculos, porém, outras realidades se desenharam paralelamente a este postulado, confundindo a interpretação do puzzle territorial. Efectivamente, dentro da própria Vila de Eiras e em redor do seu limite, detectamos outros Senhorios Eclesiásticos que tentaram a todo o custo controlar as terras, as gentes, os espaços e os tempos (ver mapa 2). Desconhecemos até que ponto o Mosteiro de Celas foi complacente neste modus operandis, provavelmente porque também ele, noutros locais em que não desfrutava do privilégio de Senhorio, procedia do mesmo modo. No fundo existiria alguma solidariedade entre poderosos, para lá das disputas territoriais. No caso de Eiras, e a bem da compreensão da sua história, a noção fundamental que nos guia é a de território. Uma designação que coabita com as demais como sejam a freguesia, o limite, o concelho ou a paróquia. Na realidade, a freguesia de Eiras, hoje, abarca realidades territoriais muito mais vastas do que aquelas que a acompanharam quando a sua noção principal era essencialmente de índole religiosa. O esforço é pois de certa dimensão, mas essencial para se compreender a evolução da freguesia. Passemos a análises mais específicas e vejamos quem eram os poderosos em acção no território actual da freguesia, o que detinham e o que controlavam, tendo como centro a aldeia que mais tarde seria a Vila de Eiras.

O

1. Os Reguengos: da Corredoura ao Bolão 1.1. Reguengo da Corredoura Na área da freguesia coabitaram noutros tempos três Reguengos: o Reguengo de Eiras (que transitará em 1306 para o Mosteiro de Celas), o Reguengo do Bolão e o Reguengo do Quarto da Corredoura. O que apurámos acerca destas terras da Coroa, extraiu-se de um conhecido e antigo manuscrito, datado de 1395, onde se arrolaram os direitos que o Rei arrecadava na Cidade de Coimbra (162). 162

A. N. T. T. – Fundo Antigo: N.º 287: Livro dos direitos del rei da cidade de Coimbra

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Era extenso e acidentado o Reguengo da Corredoura. O seu perímetro aproximado, segundo a divisão e demarcação que dele se fez no Tombo ou Livro de 1395 permite situá-lo: do Rio Mondego à Ribeira de Assamassa (actual Ribeira do Loreto), seguindo para Norte pela antiga estrada do Porto, Herdades da Pedrulha até à Estrada ou Carreira Velha para Eiras. Aqui virava para Este pelo Olival do Queimado, Mata do Reguengo de Eiras até Herdades de Lordomão. Neste ponto voltava para Sul em direcção ao Planalto do Ingote pela Estrada de São Paulo para Coimbra, Val de Lagança, tomando a direcção Oeste até chegar novamente à Ribeira de Assamassa onde principiara a delimitação. Nesta demarcação marcariam presença, como testemunhas, três indivíduos de Eiras: Afomso Valdez, Joham Annes e Fernande Annes. O enquadramento natural deste Reguengo era bem diferente do Reguengo do Bolão. A área regista altitudes entre os 40 e os 120 metros, com muitos cabeços e vales, pouco propício às grandes sementeiras de cereal, mas bem adaptado ao olival. Repartia-se este reguengo por 129 herdades (163) dispersas por um vasto território que regista fundamentalmente dois tipos de culturas: o olival, em sistema monocultural, que aparece em 38 herdades; e as herdades de «pam e dazeite», onde o plantio da oliveira anda associado ao cereal, perfazia o total de 23. A associação da cultura da vinha e Olival existia em 8 herdades. As culturas da vinha e de terras de pão (cereal), surgem ambas com 6 registos. Percebe-se com relativa facilidade o peso do olival nesta área da freguesia, algo que vem ao encontro do que outros investigadores identificaram no que toca à estrutura fundiária do Reguengo da Corredoura em finais da Idade Média: «A predominância absoluta de oliveiras em 85,5% das parcelas do reguengo leva-nos a considerar esta área como um segundo anel de olivais que rodeiam a cidade de Coimbra» (164). Ainda hoje os olivais dominam grande parte da zona agrícola deste território da freguesia. Em 1395, no entanto, o domínio desta cultura seria certamente mais intenso, dedução lógica feita da leitura dos dados arrolados no referido livro dos direitos de 1395: O Reguengo da Corredoura tinha, como vimos, 129 herdades. Destas, o olival está presente em 106, com maior ou menor intensidade, sendo que os pés de oliveira ultrapassavam a cifra dos 7.000… Ao contrário do que sucede com a descrição do Reguengo do Bolão, neste caso foram poucas as herdades em que se indicou a proveniência dos lavradores (165). Ainda assim encontrámos quatro herdades sob exploração de naturais ou moradores em Eiras: Joham Annes tem ali duas herdades sendo uma de pão e de linho; Afomso Valdez possui de emprazamento um olival; Pere Stevenz traz uma herdade «de pom e de azeite» (ou seja terra com associação da cultura de cereal ao olival); e Joham Martjnz cultiva uma vinha que leva de cavadura 8 homens - rendendo anualmente um tonel de vinho - e onde andam dispersos 30 pés de oliveiras, que rendem 1 «moedura» de azeitona. Por fim, acrescente-se que neste reguengo, uma parte muito significativa das herdades andavam na dependência directa de outros senhores entre os quais Ao corpo principal do Reguengo pertenciam mais 8 herdades próprias do Rei, outras 8 isentas e 13 que jaziam em mortório. 164 Maria Helena da Cruz Coelho – O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média, Vol. I, Reed., Imprensa Nacional Casa da Moeda, Estudos Gerais, Série Universitária, 1989, P. 126. 165 Além de Eiras localizámos lavradores destas herdades provenientes de outras localidades: Pedrulha (com muitos registos), Cantanhede, Buarcos, Montemor, Ançã, Coimbra, Aveiro… 163

Para lá do Mosteiro de Celas – Poderosos em acção no território de Eiras

se contam: o Mosteiro de Santa Cruz; as Igrejas de S. Bartolomeu, Santa Justa, S. Cristóvão e S. Pedro, todas de Coimbra; o Prior de Cantanhede, o Concelho de Coimbra e as Albergarias de S. Lourenço, Santa Maria, Santo Espírito, S. Pedro, Santa Águeda e Santa Cruz.

1.2. O Reguengo do Bolão Tocando nos limites actuais da Freguesia de Eiras, entre o Sul e o Oeste, existiu noutros tempos o importante Reguengo do Bolão. Um espaço agrário fértil, dominado pelo trigo e milho, baseado num solo deste tempos medievos de alta rentabilidade, apesar dos pesados tributos que o rei exigia aos cultivadores. O que apurámos acerca deste bem régio foi retirado do livro acima mencionado. A importância do mesmo para a História da freguesia, pode sintetizar-se em três motivos principais: 1º - Porque junto a esse Reguengo, existia uma parcela enquadrada no Senhorio de Eiras, pertença do Mosteiro de Celas, 2º - Porque nele alguns lavradores de Eiras possuíam herdades que rendiam para a Coroa; 3º - Existiam propriedades que pertencendo ao Mosteiro de Celas andavam emprazadas a moradores de Eiras; 4 º - Finalmente porque algumas instituições religiosas da Freguesia de Eiras tinham sob sua exploração algumas herdades do Campo do Bolão. No dito livro dos direitos do rei na Cidade de Coimbra encontramos as referências a este Reguengo enquadradas e definidas pelo «Titollo dos derectos que El Rey ha no Regengo de Bolom e das geiras que na terras do dito Regeengo E o que levom de semeadura E foram estimadas E como vem ao dito Senhor de cada hua cousa segundo se adeante sege E outrosi as aldeas e lugares que andom com o dito regeengo E os derectos que cada huu lavrador hade pagar como e quem tanto E porque guisa primeiramente» (166). Uma das primeiras coisas que se fez aquando da arrolação dos direitos foi a divisão ou demarcação do Reguengo do Bolão, acto crucial que contaria com a ajuda de duas pessoas de Eiras: Afomso Valdez e Joham Calvinho, louvados que assistiram na tarefa, a que se juntariam mais sete indivíduos de outros locais. A demarcação que se levou a efeito, permite perceber que o Reguengo teria uma forma ovalada, tendo como limites a seguinte linha de povoações ou lugares: Coimbra (junto ao Mondego), Pedrulha, Ponte de Albaade (167), Ribeira de Eiras, Adémia, Paul e Ponte de Alcarraques, Alcarraques, Ponte da Cidreira e Rio Mondego. Vejamos como se fez a dita delimitação: «Aos Termos per divisooess per u parte o dito regeengo com estes primeiramente. Contra cojnbra junto com o Mondego parte com as herdades da pedrulha que som do bispo da dita çidade E faz logo hi hua chave E deshi nasce logo junto comtraa a pedrulha E parte aa pomte dalbaade E deshy pasa eestrada per cima E eso meesmo a auga que vem deiras e vay entestar na ademea da erdade de Santa cruz E deshi como vay partindo pollas herdades de santa cruz da ademea E se vai derecto per a via do paul a pomte dalcaraques E desi como se vaj para a barca velha que esta no paul que parte com herdades da See que chamom dalcaraques E desi como A. N. T. T. – Fundo Antigo: N.º 287: Livro dos direitos del rei da cidade de coimbra Fl. 39v. Sugerimos duas hipóteses para a localização desta ponte que permitia superar a Ribeira de Eiras: poderia ser a antiga Ponte de Eiras, ou em alternativa, uma ponte localizada em pleno Campo de Albaade unindo as terras de cultivo à povoação da Adémia.

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se vai ao porto de barco E desi para dita barca velha derectamente a alapa E desi para meatade da dita auga a pomte da çidreira E desi ao Ryo do Mondego» (168). Segundo o que vem no livro dos direitos, o Reguengo tinha uma extensão de 459,7 geiras (281,3 ha), que se repartiam por 219 herdades (169). A primeira destas terras andava sobre exploração do Mosteiro de Santa Cruz e localizava-se no «lemicte deiras». Exploradas por indivíduos de Eiras aparecem-nos 9 herdades: Joham Martjnz tinha ali 5 e apenas uma é localizada - nas Longras; o já referido Joham Calvinho possuía 2 (uma delas nas Lamas); e Afomco Dominjez outras 2 (uma nos Aguilhões). Além destes particulares (170), detecta-se igualmente a presença de importantes estruturas religiosas da freguesia: A Igreja de Santiago de Eiras desfrutava de 4 herdades, sendo que uma delas partia com a antiga Ponte de Albaade, e a Confraria de Eiras fruía também de uma herdade. No Reguengo do Bolão multiplicava-se também a presença de herdades na dependência directa de vários senhorios eclesiásticos (171). O Mosteiro de Celas era um deles, possuindo 6 herdades, 2 das quais directamente relacionadas com Eiras, pois andavam aforadas a moradores de Eiras: a primeira a Afomso Dominjez, a segunda conjuntamente a Joham Calvinho Afomso Dominjez. No contexto do Reguengo do Bolão, os moradores de Eiras deviam pagar ao seu Rei direitos diferentes dos cobrados aos restantes possuidores de terras ou herdades. Especificidade que levou à elaboração no dito livro de um capítulo próprio, e que rematava o arrolamento das 219 herdades. Pelo menos uma parte do Reguengo do Bolão, e provavelmente todo o Reguengo da Corredoura, transitaram para a Casa de Aveiro. Não sabemos em concreto quando tal se verificou, embora seja provável que tenha sido após a morte de D. João II, se bem que o testamento do mesmo não seja claro a esse respeito. No Reguengo do Bolão, essa porção do território que passou para a Casa de Aveiro designava-se por Quarto do Duque. Nela detectamos, em pleno século XVIII, muitos lavradores de Eiras (172).

2. O Mosteiro de S. Paulo de Almaziva: Eiras, Redonda, Vale de Figueiras e Cordovão 2.1. Em Eiras Como já dissemos, o Mosteiro de S. Paulo era um poderoso senhorio eclesiástico no território de Eiras, provavelmente o mais activo a seguir a Celas, onde detinha bens diversos que controlava e rentabilizava para seu proveito. A. N. T. T. – Fundo Antigo: N.º 287: Livro dos direitos del rei da cidade de coimbra, Fl. 40. Ao Reguengo andavam também associadas outras terras, sendo algumas delas relativamente distantes do seu território. 170 Também encontramos particulares de outras localidades da área como sejam: Barcouço, Cidreira, S. Facundo, Rios Frios e Vilarinho. 171 Eis os senhorios eclesiásticos mais influentes que detectámos: Mosteiros de Santa Cruz, Lorvão, S. Paulo de Almaziva, Celas, Santo Agostinho de Lisboa; Igrejas de Santa Justa, S. Bartolomeu, S. Cristóvão, Sé, Santiago (todas de Coimbra), e as Igrejas de Barcouço e Santiago de Eiras. 172 A.U.C.- Fundo dos Próprios Nacionais - N.º 10: Livro dos proprios da Casa de Aveiro na Cidade de Coimbra, 1734-1791. 168 169

Para lá do Mosteiro de Celas – Poderosos em acção no território de Eiras

Para além da aldeia de Eiras, a Redonda, o Vale de Figueiras, S. Miguel e o Cordovão são locais onde encontramos a presença deste senhorio. A variada informação que retirámos do Livro de Foros do extinto cartório do mosteiro de S. Paulo permitiu-nos identificar através de várias tabelas, organizadas cronologicamente, os registos possíveis (173) relativos aos bens que detinha em redor de Eiras a partir do momento em que o reguengo passou de D. Dinis para o Mosteiro de Celas em 1306. Neste inventário optámos por preservar, praticamente sem alterações, a descrição que no dito livro deles se fez, pois apresentavam-se bem explicitas. É ainda de referir que tendo nós seguido o livro do Índice dos foros do Mosteiro de S. Paulo (174), que contem dados de 1258 a 1725, apercebemo-nos que muitos destes dados foram retirados de Tombos de propriedades realizados ao longo dos tempos, sendo as datas indicadas na tabela que identifica cada registo, um valor aproximado à feitura dos referidos tombos. Comecemos pelas casas que possuía no lugar de Eiras. Tabela 4 – Registo dos contratos relativos a casas que o Mosteiro de S. Paulo possuía em Eiras (175) Data 1316 1331 1390 1390 1395 1438 1458 1461 1518 1540 1628 1646 1725

Contrato/Documento «Venda que fes Pascoal Annes a João Affonso de huas cazarias no lugar de Eiras» «Venda que fizerão Domingos Pires o frade sua molher a Domingos João e sua molher de hua caza com sua quintam em Eiraz» «Venda que fes Pero Esteves Sapateiro e sua molher a Domingas Esteves da terca parte de huma Caza em Eiras» «Venda que fes Affonso Domingues a Domingas Esteves de ametade de hua caza em Eyras» «Venda que fes Alvaro Domingues a Domingas Esteves a freirina de hua caza em Eiras na Rua do Ribeiro que foi de Pero Sineiro» «Prazo que fes o Mosteiro de São Paulo a Gonçalo Pires de hua caza e quatro leiras de vinha e pedaços de terra em Eiras com foro de seis Libras de direitos e huã galinha» Escambo que fes o Mosteiro de São Paulo com Affonso Martins Cirieiro de Coimbra a quem deo hua caza ao adro da See por outras em Eiras» «Prazo feito a Affonso Vasques Sapateiro de hua caza térrea na Rua direita da Villa de Eiras no anno de 1461 com foro de quatro libras de direitos» «Prazo em vidas a Affonso Annes de hua caza na Rua direita da Villa de Eiras com foro de 100 reiz e huá galinha no anno» «Prazo feito a Antonio Dias de huas cazas e dous chãos nas Almoinhas com foro de 120 rs» «Prazo feito a Manoel Simoes de Eiras de huas cazas na dita Villa que forão de Antonio Diz Capotinho com foro de 100 rz 1 galinha e dous frangos Prazo feito a outro Manoel Simoes de Eiras e sua molher Maria da Crus de hú bocado de orta e huas cazas de sobrado com seu quintal, e hua vinha no tojal com foro de 120, 1 galinha e 2 frangos» «Prazo feito em 3 vidas a Bernardo da Crus de huas cazas na Rua de Sima com foro de 100 rs hua galinha e dous frangos»

De facto, nesta e em outras tabelas do género, optámos por excluir todos os registos que se apresentavam sem data, ou que fossem muito deficitários em termos da informação que pretendíamos recolher. 174 A.U.C. – Fundo Próprios Nacionais: Mosteiro de S. Paulo de Almaziva – N.º 28: Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, 1220-1729. 175 Dados retirados do dito Índice de Foros entre as folhas 109 e 122v. 173

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Data 1725 1725 1725 1725 1725 1725

Contrato/Documento «Prazo a Maria Lopes Solteira de Eiras de duas moradas de cazas na Rua das almoinhas com foro de hua galinha e hum frango» «Prazo a Luis Carvalho de huas cazas na Rua das almoinhas que forão de Agostinho dos Anjos com foro de meã galinha» Prazo feito a Bernardo Cardozo carpinteiro da Villa de Eiras de huas cazas na Rua das Almoinhas com foro de hua galinha «Prazo feito a Jozefa solteira filha do Cappitam Bento Marques de huas cazas na Villa de Eiras com foro de huã galinha» «Prazo ao Tenente Manoel Marques Carrasco no anno de 1725 de huas cazas e quintal com foro de 2 galinhas «Prazo a Manoel Nogueira da Costa de huas cazas com foro de hua galinha e hu frango»

Em volta de Eiras, o Mosteiro de S. Paulo possuía várias propriedades que se mantiveram na sua posse através dos mais diversos tipos de contratos celebrados ao longo dos tempos, quer com os seus foreiros e arrendatários, quer entre estes e terceiros (sub-enfiteutas), e dos quais lhe chegavam periodicamente avultadas quantias em foros. Tabela 5 – Registo dos contratos relativos a terras que o Mosteiro de S. Paulo possuía em Eiras (176) Data 1261

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1347 1355 1361 1362 1393 1393 1394 1394 1396 1413 1442

176

Id.

Contrato/documento «Venda que fes Joanne Annes e sua molher Dolalia a Martim Annes e sua molher Domingas Pires de hua vinha em Eiras» «Escambo que fes o Mosteiro de São Paulo com Pero Annes de Alcarraques em que lhe deu hû pumar e almoinha por hua propriedade aonde chamão a Várzea del Rei abaixo de Eiras» «Prazo feito por Joam Lourenco cunhado do Bispo de Coimbra a Estevão Domingues de todas as terras que tinha em Eiras com foro de hum moyo de trigo» «Venda que fes Domingos Martins clerigo a Estevão Martins e sua molher de tres quartos de hua vinha em Eiras» «Venda que fes Pero Esteves e sua molher de Coimbra a Domingas Esteves a freirinha de Eiras de todo o herdamento que tinhão em Eiras» «Venda que fes Martim Canavezes e sua molher Maria de Bem a Domingas Esteves a fradinha de hú chão com suas oliveiras aonde chamão o tojal» «Venda que fes Affonso Lourenco e sua molher em Coimbra a Domingas Esteves a freirinha de Eiras de duas Leiras de bacellos que forão de Affonso Domingues» «Venda que fes Alda Lourenco filha de Lourenco Paes como testamenteira de sua Avo Domingas Ramoz hum olival com sua vinha onde chamão o Tojal» «Prazo feito a Leonardo Affonso e sua molher de huas terras abaixo de Eiras que acontecerão ao Mosteiro (…) com foro de dous quarteiros de trigo» «Venda que fizerão Giraldo Moniz e sua molher Maria de Deos a Domingas Esteves de treze pés de oliveiras com seu chão aonde chamão Canellas» «Prazo feito a João Dominguez Calvinho de hua vinha em Eiras que foi de Domingas Esteves com foro de 15 soldos» «Doação que fes ao Mosteiro de São Paulo, Pero Esteves de metade de todos seus bens de Raiz saber a metade da vinha da torre em Eiras, e a metade da vinha da Várzea, e a metade de huma vinha e olival onde chamão a Nespreira, maes a metade de hua herdade de pão na Ribeira que partia de todas as partes com os Cazais de Logo de Deos e com a Ribeira, e a metade de hua caza em Eiras e tudo mais que lhe pertencesse»

Para lá do Mosteiro de Celas – Poderosos em acção no território de Eiras

Data 1509 1539 1559 1577 1724 1725 1725 1725 1725

Contrato/documento «Dezistimento de hua vinha e olival em Eiras aonde chamão as Várzeas em rapa pentelhos» «Prazo feito pello Mosteiro de S. Paulo a João de Attaide de hum pedaco de chão nas Almoinhas de Eiras com foro de hua galinha» «Prazo feito a Diogo Vas e sua molher (…) de huã vinha e olival na Varzea com foro de 10 alqueires de azeite e 400 rs e 4 galinhas tudo de 2 em 2 annos «Prazo a Simão Pirez de hum pedaco de chão com hû pellame, e Arvores nas Almoinhas que foi de Francisco Fernandez com hú frango ou 15 reis» «Prazo feito ao Reverendo Arcediago Francisco de Carvalho (…) com foro de 50 rs em dinheiro de huã vinha e olival na martirizada» Prazo feito a Manoel dos Reis dos cazais de Eiras de hû olival a Val do Seixo com foro de dous alqueires e meo de azeite» «Prazo feito a Antonio Cardozo de huã leira nas almoinhas com foro de huã galinha e meã» «Prazo feito ao Cappitam Manoel Gomes Parente de huã leira nas Almoinhas com foro de 3 quartos de galinhas» «Prazo feito a Joze dos Reis de huã leira nas Almoinhas com foro de 3 quartos de galinha»

A estes registos acrescentam-se aqueles que, sendo incertos quanto à localização e ou descrição dos bens, contribuíam, no entanto, para o poderio do Mosteiro de S. Paulo. Estarão neste caso (177): - O Prazo em vidas feito a Antonio Fernandez Camarzão, no ano de 1573, de muitas propriedades na Vila de Eiras com foro anual de 25 alqueires de trigo e 2 galinhas. - O Prazo feito a Francisco Fernandez, em 1564 das propriedades do prazo de Antonio Diniz Sapateiro, seu Sogro, com o foro de 120 rs e 1 galinha - O Prazo feito a Gregorio Dias de Eiras, em 1681, da muitas propriedades na dita Vila, com foro de 25 alqueires de trigo e 4 galinhas e ainda o Laudemio de 8º. - O Prazo a Maria Ramos (viúva), constituído por várias propriedades, com foro de 2 alqueires de azeite à safra e 2,5 almudes de vinho mosto (ou 2 de vinho cozido), 2 galinhas e Laudémio de 8º. - E o Prazo feito ao Padre Feliz de Almeida Galvão, em 1725, de várias propriedades, localizadas na Vila de Eiras. Tinham o foro anual de 12 alqueires de azeite às safras, 2 almudes de vinho mosto (ou cozido), 6 galinhas e 400 rs em dinheiro.

2.2. Na Redonda Os dados que temos acerca do nascimento da povoação da Redonda são escassos. No entanto, elementos recolhidos a partir do Índice dos Foros parecem apontar um caminho: o nascimento de uma povoação a partir de alguns contratos de aforamento/emprazamento realizados pelo Mosteiro de S. Paulo de Almaziva naquela área no decurso do século XVI. A partir de então o mosteiro terá ficado como Senhorio Directo da povoação da Redonda. Curiosamente, e associada à denominação de «Redonda», surge uma outra, «Val de Broas». Esta poderia ser uma área, ou mesmo uma pequena povoação junto à Redonda e que veio a ser absorvida por ela. Daí que os dados recolhidos tenham sido organizados por uma só designação, «Val de Broas e Redonda», uma vez que pertencem, seguramente, a uma mesma geografia local. 177

Id. Fls. 117, 118v., 121v.

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A partir do Indice de Foros do Mosteiro de S. Paulo de Almaziva extraímos os seguintes dados relativos a cinco contratos em volta desta área, tendo preservado as denominações originais com que foram arrolados no dito livro: «Val de Broas», Val de Broas e Redondas» e «Val de Broas e Cabeço da Regedoura», sendo este último o mais recente. Tabela 6 – Contratos de aforamento na Redonda e Val de Broas no século XVI (178) Data 1518

1519

124 Data 1519

1519

1541

178

«Val de Broas» Descrição do contrato/propriedade/foro «…aforou o Mosteiro de Sam Paulo a Pedro Annes e sua mulher da Villa de Eiras hum mato para aproveitar que estava aonde chamavão a terra do milho, e que agora se chama Val de broas com obrigação de pagar o 8º das novidades e todo o Dizimo; e de foro húa galinha cada anno».

«…aforou o Mosteiro de S. Paulo em fateozim perpetuo a Estevão Dias de Lordomão e sua molher hum mato assima da fonte do Souto, que agora chamão do hão, e he Lemite de Val de Broas com obrigação de pagarem o 8º das novidades, e hir ao Lagar fazer o Azeite e assim todo o dizimo, e de foro cada anno hua galinha».

«Val de Broas e Redondas» Descrição do contrato/propriedade/foro «…aforou o Mosteiro de São Paulo em fateozim a Pedro Affonso e sua mulher Izabel Lopes hum mato maninho assima da Redonda que partia da travessia com estrada que hia de Eiras para a Rocha (…) com condição de o porem de olival em sinco annos e de tudo o que Deos lhe desse pagarem de outo hum e todo o Dizimo e de foro cada anno huá galinha e o Azeite que tivessem farião no Lagar do Mosteiro» «Em 8 de Abril (…) aforou o mesmo Mosteiro a Pero Pirez do Golpe outro mato, assima da fonte do Souto, que chamão agora do hão, com foro de huá galinha, e mais condições como o de assima».

Observações No Tombo de 1686 esta propriedade andava dividida em duas, que foram reconhecidas pelos respectivos foreiros. O mesmo sucedeu em 1737, sendo que uma metade andava na posse do Reverendo Licenceado Manoel Roiz da Costa dos Casais. No Tombo de 1686 a dita propriedade andava repartida tendo sido reconhecida por cinco indivíduos, sendo dois deles de Eiras, ambos capitães: João Marques Carrasco e Antonio Marques. Em 1737 fez-se recohecimento e demarcação da propriedade. Observações No dito Tombo de 1686 estes dois aforamentos andavam já na mão de cinco foreiros diferentes. E em 1737 foram os dois aforamentos reconhecidos por Bento Joze Ferreira, de Cellas, e Manoel Carvalho, da Redonda.

«Val de Broas, e cabeço da Regedoura» «Em 7 de Novembro (…) aforou o Mosteiro de S. Paulo No dito Tombo do século XVII em fateozim perpetuo a Simão Fernandez filho de Fer- foi a propriedade reconhecida nande Annes morador nas Azenhas do Mosteiro hum por três foreiros: Magdalena pedaço de Mato por sima das ditas Azenhas, com obri- Roiz viuva e moradora nos Cagacam de pagarem de foro hua galinha cada anno, e o 8º sais reconheceu metade da parde todos os frutos» cela enquanto que ao Capitãomor Manoel Leal Pinto de Eiras e ao licenceado Antonio de Barros de Carvalho tocava um quarto a cada. Em 1737 foi de novo reconhecida e demarcada.

Id. Fls. 40v.-42v.

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Em 1737, o Colégio do Espírito Santo da Ordem de S. Bernardo (a quem se uniram os bens e as rendas do Mosteiro de S. Paulo), procederá ao reconhecimento destas propriedades.

2.3. Em Vale de Figueiras Esta área enquadrava-se naquilo que os investigadores têm definido como aro citadino, constituindo e integrando desde tempos medievais, o já referido segundo anel de olivais em redor da cidade. A riqueza da terra atraiu os privilegiados e já vimos como ali se cruzavam interesses diversos: os do Rei, que por perto possuía o Reguengo da Corredoura; o Mosteiro de Celas, que durante os séculos XV e XVI, interessou-se activamente pela zona. Mas não estavam sós. De facto, o Mosteiro de S. Paulo de Almaziva também se interessou pela zona. Inclusivamente é mais antiga a ligação entre este mosteiro e Vale de Figueiras do que aquela que pudemos estabelecer com o de Celas. Antiguidade que data de 1279, quando o mosteiro fez um contrato de escambo representado por Frei Pedro, Abade do Mosteiro, pelo qual «…emprazou a Martinho João e sua mulher Gontinha João em sua vidas somente hum olival em val de figueira, e os sobreditos derão ao Mosteiro outro olival pegado com elle, e por morte de amboz ficarião os ditos olivais livres para a uzohiaria do Mosteiro» (179). Este emprazamento talvez não fosse o único efectuado pelo mosteiro na zona, mas é seguramente daqueles que melhor nos permitem seguir o seu percurso ao longo dos séculos: reunidos num só prazo, foram os dois olivais emprazados no tempo do abade Lourenço, em 1326, «…a Martim Pires em duas vidas com foro de 12 alqueires de azeite»; mais tarde em 1436 foi novamente emprazado em três vidas, o mesmo sucedendo em 1485, mas «…com foro de tres alqueires de azeite as safras». À entrada do século XV, em 1502 «Renovouse o dito Prazo (…) a Goncalo Fernandez e sua molher (…) com foro de quatro alqueires de azeite e hum frango». Entretanto o Mosteiro de S. Paulo uniu-se ao Colégio do Espírito Santo, mas a politíca manteve-se e, no ano de 1574, foi renovado a Simão Fernandes e sua mulher, alterando-se o foro para «…hua galinha cada anno e o outavo de todas as novidades». Contudo, no primeiro quartel do século XVII, em 1621, o prazo caiu numa situação de indefinição, de tal modo que o Colégio se viu na contingência de avançar para a «…posse do dito olival por lhe ficar devoluto». Ao que parece só o tornou a emprazar 29 anos depois a Manoel Goncalvez Pereira mantendo-lhe os foros. No Tombo do Mosteiro de 1686 foi reconhecido e demarcado, datando de 1725 o último registo do mesmo, quando foi renovado a «Matheus Monteiro e sua molher no anno de 1725 com foro de huá galinha e o 8º das novidades e com Dizimo, e o Laudemio de 8º» (180).

2.4. No Cordovão: as azenhas e o lagar de azeite Colhe-se no livro do Indice de Foros do Mosteiro de S. Paulo de Almaziva, que em 1294 «o Bispo D. Aimerico e o cabbido anexou e unio ao Mosteiro de São Paulo e A.U.C. – Fundo Próprios Nacionais: Mosteiro de S. Paulo de Almaziva – N.º 28: Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, 1220-1729, Fl. 94. 180 Id. Fls. 94-94v. 179

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sua freguesia o lugar de Logo de Deos com todos os Dizimos & direitos Parrochiais com obrigação de se lhe pagar cada anno hum moyo de trigo, e outro de cevada» (181). Logo de Deus tornava-se a partir de então um lugar sobre administração do mosteiro. No Regimento dos Lagares de Azeite de 1515, e entre os Lagares do Termo da Cidade de Coimbra, aparece uma referência ao «…lagar do sitio do Cordavão» (182), o que prova a sua existência já nessa data. Por volta de 1686, e no Tombo de propriedades promovido por S. Paulo, o lugar do Cordovão integra o limite de Logo de Deus. Pela primeira vez o interesse do mosteiro de S. Paulo por este pequeno lugar parece prender-se com as azenhas e lagar de azeite que aí existiam. No dito Índice encontramos um sumário desta relação, o qual infelizmente não data nem refere o seu princípio: «No Lemite do dito lugar aonde chamão o Cordavão junto do Murtal ha huas Azenhas e hum Lagar de Azeite, de que se paga de foro a este Collegio cada anno seis alqueires de trigo e hua galinha, e de dizimo das Azenhas tres alqueires e meo de pão meado, e de dizimo das maquias do lagar sete alqueires de azeite de dous em dous annos. E isto alem das Recões e foros, que se pagão das terras que ahi estão pegadas que se pagão aos Cazais de logo de Deos» (183).

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No entanto, no Tombo que o Mosteiro de S. Paulo (184) realiza em 1737, das terras e fazendas que possuía na Comarca de Coimbra, a antiguidade da azenha e lagar é comprovada pelo registo que deles se fez. De facto, na relação dos Casais de Logo de Deus, o escrivão do Tombo anotará: «…e pello dito modo senpre fazia todo o dito foro por inteiro dos ditos quatro cazais e hum quarto que antigamente herão, e alem deste foro pertencia mais ao dito Collegio o foro de hûas cazas, que forão Celleiro, e de hua terra na Ribeira e da Azenha e Lagar do Cordovão, mas não sam nem forão nunca pertenças dos ditos cazais porque de muita antiguedade sempre andarão em titulloz separados o que milhor declararião os possuidores dellas em seus Reconhecimentos» (185). Na sequência os reconhecentes das ditas azenhas e lagar apelam ao uso e costume na cobrança dos tributos: «…declararão elles Reconhecentes que o Dizimo e Recão do azeite o pagavão ao pe da oliveira em Azeitona, aonde o Senhorio e seus feitores o vão buscar e o que lhe ficava hão fazer ao Lagar de São Paulo, e pagavão ahi a Lagarage mandandolhe o Senhorio buascar as tulhas a suas cazas, e trazer o lavor ao pote por ser este o uso, e custume» (186). No mesmo Tombo, a 06 de Novembro de 1737, revelam-se os nomes dos «reconhecente» do lagar e azeite, estruturas que afinal faziam parte de uma unidade mais

Id. Fl. 3. A.H.M.C. – Regimento dos Lagares de Azeite, 1515 (ou 1551?), Fl. 2. 183 A.U.C. – Fundo Próprios Nacionais: Mosteiro de S. Paulo de Almaziva – N.º 28: Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, 1220-1729 Fl. 74v. 184 Ao longo do texto iremos manter muitas vezes a designação de Mosteiro de S. Paulo por facilitar a articulação dos temas, embora nesta data já estivesse há muito extinto e unido ao Colégio do Espírito Santo (ou Colégio de S. Bernardo) desde 1555. 185 A.U.C. – Fundo Próprios Nacionais: Mosteiro de S. Paulo de Almaziva – N.º 13: Tombo dos Bens e Rendas do Colégio de S. Bernardo de Coimbra, 1108-1738. Fl. 103v. 186 Id. 181 182

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vasta; a Quinta do Cordovão. Está tudo lá sob a designação «Reconhecimento que fes Dona Catherina Jacinta e Castro Veuva de João da Costa Cardozo da sua quinta da Sioga das propriedades que possue no Cordovão Lemite do Logo de Deos». Esta senhora, que possuía e vivia na sua Quinta da Cioga, através de seu representante legal, Bernardo Roiz morador na Quinta do Cordovão (seria talvez foreiro), fará uma clara descrição do espaço, onde incluiu dados avulsos acerca da sua história. Por ela se perceberá que a tem por herança de tempos imemoriais e que uma parte, perto da Azenha e Lagar, a recebeu em 1708, por dividas: «Reconhecimento das azenhas e Lagar que a dita sua constituinte possue huma quinta que consta de caza terrea vinha e terras e Arvores de fruto e sem elle tudo sito onde chamão o Cordovão lemite do lugar de Logo de Deos que tudo parte do nacente com vinhas de Bernardo Botto de Eiras e Maria Francisca viuva do Logo de Deos, e do Sul com o Rio que vai de Eiras, e do norte com caminho que vai para o Murtal e do poente com Casal do Murtal que he da Igreja de São Pedro de que em nome da dita sua constituinte se reconhecia por direito Senhorio ao Real Collegio de Sam Bernardo da Cidade de Coimbra, a quem pagava todos os frutos e novidades o Dizimo e a Reção de outo hum, e de foro sabido em cada anno dous alqueires e tres cellamis de trigo e meyo alqueire de cevada, por mão dos Cabeças dos Cazais do Logo de Deos a que sam pertencentes as ditas propriedades (…) e declarou o procurador da Reconhecente que o chão que está ao pe da Azenha e Lagar o ouvera por heranca de seus antepassados e outro chão que se segue logo indo para o poente o ouvera de Francisco da Costa Cardozo por divida que lhe devia o qual o ouvera por eranca de Maria da Costa que havia comprado o dito chão por cem mil reis a Ignacia Maria de Jezus dos Cazais de Eiras, por escritura feita na nota do tabalião João Roiz Illario em vinte e oito de Novembro de mil e setecentos e outo» (187). O Colégio de S. Bernardo, herdeiro do Mosteiro de S. Paulo, tudo confirmará neste acto através de seu procurador, o Reverendo Padre Frei Francisco do Desterro. Este homem, no uso das suas competências, fará questão de relembrar a posse imemorial, bem como os foros que sobre os bens incidiam: «…que entre os mais bens que pertencião ao dito Collegio e de que he direito Senhorio assim hera hum Lagar de Azeite, e Azenhas com suas agoas tudo sito onde chamão o Cordavão junto do Murtal, Lemite do Logo de Deos freguesia de Sam Paulo termo da dita Cidade que partem e confrontão com terras do dito lugar de Logo de Deos e do dito Collegio de todas as partes das quais Azenhas estava o Collegio em posse immemorial de cobrar de foro e pensão que pagavão os possuidores dellas seis alqueires de trigo e hua galinha por São Miguel de cada anno, e de Dizimo das maquias tres alqueires e meyo de pão meado trigo e milho, e de Dizimo pelas maquias do Lagar de Azeite no anno que moe seiz alqueires de azeite como se julgara por sentença havida no Juizo Eccleziastico contra João Gonçalves e os herdeiros de Bras Fernandes e de sua molher Ignes caldeira moradores que forão em Coimbra» (188). 187 188

Id. Fls. 117-117v. Id. Fl. 124v.

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2.5. Propriedades dispersas pela região O Mosteiro de S. Paulo possuía ainda alguns prazos, em outros locais da freguesia; Vale de S. Miguel, Vale do Seixo, Murtal, Ribeira de Eiras e Lapedo, são áreas onde o Mosteiro estendia a sua rede senhorial, como demonstra a tabela seguinte: Tabela 7 – Registos vários acerca de propriedades do Mosteiro de S. Paulo dispersas pela actual freguesia (189) Data 1438 1502 1518 1518 1535 1540 1579

128

1601

1724 1725

Contrato/documento «Prazo feito a Goncalo Vasques (…) de dous pedacos de chão no almagral junto a cabeça de Miguel com foro de quinze soldos da moeda antiga». «Prazo feito a Lourenco Annes e sua mulher Izabel Pires e a outra pessoa (…) de huas terras na Ribeira de Eiras a par do Murtal com foro de dois quarteiros de pão e hua galinha alem dos 4ºs a El Rey». «Prazo a Izabel Pires viuva (…) de huas terras na Ribeira abaixo deiras, e outras que chamão gallegas foro de 2 em 2 anos 18 de trigo e 1 galinha». «Prazo feito a Gabriel Dias Sapateiro de hum olival no Valle de S. Miguel com foro de alqueire e meo de azeite e hua galinha tudo a safra de dous em dous annos anno». «Prazo feito a Affonco Luis Ferreiro de hum mortorio aonde chamão o Lapedo com foro de 15 reis e hum frangão». «Prazo a João Pires alfaiate de hum olival a Val do Seixo, e oliveiras nas Várzeas com foro de dous alqueires e meo de azeite as safras». «Prazo feito a Maria gomes filha de Francisco Simoes Sapateiro, de hum olival a Val do Seixo que foi de seu Avô João Pirez alfaiate e huã orta que foi de João Fernandez, com foro de 2 alqueires e meo de azeite ás safras, e hua galinha e da orta 2 galinhas». «Prazo em 3 vidas feito a Antonia da Fonseca veuva de Bernardo Pirez de Figueiredo (…) da terra da Ribeira deiras esta foi de Francisco Annes ferrador e sua molher Maria devora, e pagaria de foro, 20 alqueires de trigo de 2 em 2 annos, e cada anno huá galinha e hum frango, e meyo Dizimo Laudemio segundo custume». «Prazo feito a Sebastião Roiz Armador (…) de huã vinha no Lapedo com foro de 400». «Prazo a Manoel João Ferreira do Murtal (…) de huã leira nas almoinhas com foro de duas galinhas».

Tratámos aqui as principais zonas de implantação económico-territorial do Mosteiro de S. Paulo dentro dos limites actuais da freguesia. No entanto, a extensão do domínio territorial do Mosteiro de S. Paulo, que quase sempre se organizava em Casais, estendia-se para outros locais da região (190).

A.U.C. – Fundo Próprios Nacionais: Mosteiro de S. Paulo de Almaziva – N.º 28: Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, 1220-1729, Fls. 111v., 112, 112v., 117v., 118v., 119, 121v., 122v. 190 Entre os quais se contam por exemplo: Casal da Rosa, Golpe, Rocha Velha, Bostelim, zonas onde o Mosteiro de S. Paulo se enraízou no território. 189

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3. A Igreja de S. Pedro da Cidade de Coimbra e o Casal do Murtal Murtal, na primeira metade do século XVI, era apenas um Casal (191) que tinha como Senhorio Directo a desaparecida Igreja de S. Pedro, a qual se localizava na Alta de Coimbra, sensivelmente onde hoje está o Departamento de Física da Universidade de Coimbra. É curioso observar como apesar da proximidade geográfica são diferentes os poderes que se ocupam da gestão dos bens fundiários aí localizados: o Cordovão com as suas azenhas e lagar na dependência do Mosteiro de S. Paulo, o Murtal ligado directamente a uma Igreja Colegiada, sede de uma paróquia urbana de consideráveis dimensões. Estamos pois em pleno século XVI. Segundo o Livro Imperial do Cartório da dita Igreja a primeira referência documental que encontrámos sobre o Murtal fala-nos de um João Goncalvez, lavrador e morador no dito lugar. A 07 de Dezembro de 1534 dirigiu-se à Igreja de S. Pedro para renunciar a metade do Casal que possuía no Murtal em favor do seu filho. O Cabido, que se havia reunido com todas as solenidades para esse fim, aceitará quer a renunciação quer o novo aforamento:

O

«…diserão a eles prioll e beneffiçiados que em seus nomes e de sua Igreja novamente afforavã este meo casall aquy renunçiado ao dito João Goncalvez no presemte em presença de my tabaliam e do dito João Goncalvez renûçiador seu pay para que depois seu filho o aceite e receba parante mi tabaliam asy ho aforã ao dito João Goncalvez filho dos renûçiadores e para ele e para sua molher Marguaida Vaz nõ prezentes e para seus ffilhos e erdeiros cõ este preito e comdiço do qual falecimento dos renûçiadores este meo casal que aos renûçiadores ora fiqua se torne logo a estes João Goncalvez imqlino e ha sua molher e erdeiros para que hû meo casal e outro amde nele cõjûnto ahy avante em seus erdeiros e que as terras deste erdamento que as semeye lavre e de fruytos as fazendas sob pña dos estimar» (192). No extenso aforamento fixaram-se, em pormenor, os tributos, os direitos e foros que incidiam sobre o meio casal: pague-se à Igreja 1/6 de todas as novidades, o pão (cereais) entregue na eira limpo e debulhado, o linho cortido e enxuto no tendal, o vinho «a biqua do lagar»; quanto aos legumes não os poderiam levar sem serem repartidos «sob pña de o perderem, para o senorio»; quanto aos foros fixaram-se várias cláusulas: «que de foro de todo o monte deste meo casal pague alqueire e meo de trigo e alqueire e meo de çevada e de fogaça do seu proprio pague hû alqueire de triguo todo pago na eira com Reçam (…) e de foro pague hum capao cada anno bô e de reçeber e çinqo ovos por sã migel de Setembro». A isto ainda se deveria acrescentar o «dizimo todo a Igreja de sã Pedro sobredita de que são foreyros».

Por Casal compreende-se uma unidade agrária e fundiária de organização e exploração da terra. Nela, os foreiros de determinado senhorio organizavam-se por Cabeças de Casal, cabendo a cada um número variável de inquilinos. O Cabeça ficava responsável pelo pagamento dos tributos e rendas dos inquilinos do seu casal. 192 A. U. C. – Fundo das Congregações Religiosas: Igreja de S. Pedro - Livro Imperial com seus indices de emprazamentos, 1496-1544, Fl. 30 v. Vide Apêndice Documental, Doc. IX. 191

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Acrescente-se que a oportunidade seria também aproveitada pela Igreja de S. Pedro para fixar, ou relembrar, as clausulas que pendiam sobre o meio casal que permaneceria nas mãos dos renunciadores. Quase dois séculos depois, a Igreja de S. Pedro, em 1721, decidiu avançar para a feitura de um Tombo de propriedades onde reconheceu, demarcou e inventariou as propriedades organizadas em Casais de que era Directo Senhorio, localizadas na zona de influência que tinha como pólos além do Murtal, a povoação de Vil de Matos. A Provisão Régia, passada pelo Rei D. João, tem a data de 14 de Março de 1720 e responde positivamente à Súplica dirigida pelos beneficiados da Igreja, os quais alegavam «…que a sua Igreja tem muitas fazendas que andão perdidas sobnegadas e alheadas por não terem feito tombo ha muitos annos e porque querem obviar maior damno e fazarem meter em tombos todas as propriedades que lhe pertenssem com suas medissões demarcassões e reconhecimentos» (193). A 11 de Fevereiro de 1721, demarcou-se o circuito do Casal do Murtal, cujos limites apresentamos em outro local desta obra (ver mapa 2). No dia anterior, porém, procedeu-se a auto de encabeçamento do Casal «em Manoel João Ferreiro e sua Molher Marianna Bernardes deste lugar os quais querião de sua propria e livre vontade ficar emcabessados em todo este cazal nas propriedades que pessuem delle e especialmente nas cazas em que vive» (194). A partir deste momento, este homem e esta mulher ficaram com a grande responsabilidade que era «…a obrigação de cobrarem dos mais inclinos do dito Cazal os foros delle na forma da repartissão e destrinssa que se fazia do dito Cazal e tudo satisfazerem e por inteiro a dita Igreja direito Senhorio» (195). Foro que havia sido destrinçado pelos louvados em 12 alqueires de pão meado (trigo e cevada) do monte; quatro alqueires de trigo de fogaça, 2 capões, 2 galinhas e 10 ovos (ou 440 rs pelas aves e ovos). Os referidos inquilinos eram provenientes de vários locais, alguns deles hoje estranhos à freguesia de Eiras. Assim, e presentes ao acto para reconhecerem a Igreja como directa senhoria, aparecem moradores do Murtal (Manoel João Ferreiro e sua molher; Manoel João Padrasto e sua molher; Manoel de Figueiredo e sua molher; Antonio Cardozo viuvo; Bernardo Cardozo e sua molher; Antonio Fernandes e sua molher; Sebastião da Murta e sua molher); da Vila de Eiras (Manoel Marques de Christo e sua molher; Manoel Marques Carrasco e sua molher; Manoel da murta e sua molher; o Doutor Manoel Lopes Bernardo Boto e sua molher; o Reverendo Conigo Francisco de Carvalho e Macedo; Manoel Monteiro da Murta; João da Cunha e sua molher); e em menor numero gente de Logo de Deus, da Torre, da Adémia de Baixo e da Cioga. Na descrição dos bens que constituíam este Casal do Murtal a predominância vai naturalmente para as “terras”, com 135 registos, aparecendo no «Titullo das cazas» 17 registos, correspondendo pelo menos 6 a casas de habitação, 2 a lagares, 1 a celeiro e curral e as restantes a casas de sobrado ou térreas.

A. U. C. – Fundo das Congregações Religiosas: Igreja de S. Pedro - Tombo dos casais de Villa de Matos e Murtal, 1721, Fls. 2-4. 194 Id. Fl. 131. 195 Id. Fls. 131-131v. 193

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4. Terras de Santa Justa: O Ingote, Panoyas, Monte Olivete, S. Miguel e Loreto (ou Assamassa) m torno de um eixo que principia na encosta de Vale de Figueiras e se expande pelas actuais povoações do Ingote, Monte Formoso e Bairro de S. Miguel, percebe-se que o território foi durante séculos explorado, disputado e usufruído por diversos privilegiados, entre os quais se contam o Mosteiro de Santa Cruz, o Mosteiro de S. Paulo, o Mosteiro de Celas ou o Cabido, que nele promoveram os mais diversos contratos de exploração da terra.

E

Apesar de nesta área detectarmos várias instituições religiosas, sobressai de forma natural, a Igreja de Santa Justa. De facto, é compreensível que assim seja, pois o território pertencia-lhe na dupla dimensão de Paróquia e de Senhorio. O Planalto do Ingote, além da povoação que lhe deu o nome, tinha duas áreas em seu redor, correspondentes às designações «Panoyas» e «Monte Olivete», que eram particularmente apetecíveis. Caminhando para Norte, e principiando a descer a encosta pelo lado oposto a Vale de Figueiras entraremos na actual zona de S. Miguel, que noutros tempos aparecia com a designação de S. Miguel de Pastores. A influência de Santa Justa estende-se até à actual zona do Loreto, então designada por Assamassa. Em tabela organizámos os vários registos relativos à Igreja de Santa Justa válidos para o século XVIII: Tabela 8 – Propriedades foreiras à Igreja de Santa Justa nos Séculos XVIII-XIX Data Descrição do contrato/propriedade 1740-1775 Em 1740 o Reverendo Joseph António da Cunha, possuía um olival no sítio do Correiro (Corredoura ou Corrieiro) que em 1775 andava na posse de João Mendes Ribeiro. 1740-1780 Francisco João possui dois olivais Em Val de Figueira, junto a Coselhas, o qual «Em 1780 possue o Correiro Mor desta cidade».

Foro «5 alqueires de azeite; 2 alqueires de trigo 2 capões ou galinhas». 8 alq. azeite e 5 Galinhas.

1740-1780 Manoel Francisco, por volta de 1740, detém 2 olivais no sítio de Val de Figueira. Em 1780 pertence a João Antunes, boticário, da Rua dos Sapateiros. 1740-1780 Em 1740 possui na Corredoura ou Corrieiro um «Olival e terras neste sítio junto ao Loreto», que geria Francisco Marques. E 1780 estava na posse de Joze Antonio, Antonio Joze e sua irmã, da Pedrulha. 1740-1804 A Igreja de Santa Justa possui um olival em Monte Olivete. Em 1740 pertencia a Manoel da Costa da Pedrulha. O último registo data de 1804 e possuía-o Joze Alvares, morador em Coselhas. 1740-1809 Em 1740 Manoel Negrão possui um olival nas Panoias pertença da Igreja de Santa Justa. O último registo data de 1809 e andava na posse da viúva do Beneficiado Manoel Joze Soares, morador na Praça.

3 alq. de azeite, 3 Capões e 350 rs.

Fonte Index de Prazos e Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742-1743, Fl. 104. Index de Prazos e Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742-1743, Fl.112 Id. Fl. 113.

6 alq. azeite, 6 alq. Index de Prazos e de trigo, 3 Capões Títulos da Igreja de ou Galinhas. Santa Justa, 1742-1743, Fl. 103. Index de Prazos e Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742-1743, Fl.117 7 alq. de azeite e 1 Index de Prazos e Capão Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742-1743, Fl. 99 16 alq. de azeite e 1 Capão.

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Data Descrição do contrato/propriedade 1740-1810 A Igreja possuía dois olivais diante da Quinta do Carmo: um na Assamassa (Loreto) e outro no Caminho de Eiras. O primeiro andava em 1740 na posse de Dionísio da Cruz, cordoeiro, da Rua dos Sapateiros; o segundo era do Licenciado Manoel Simões Ribeiro. 1740-1839 João Antunes regista-se como o primeiro possuidor de 2 olivais neste sitio, os quais em 1839 por sentença foi o «prazo adjudicado a Francisco António Bizarro». 1740-1841 A Igreja de Santa Justa possui em Val de Figueira «Olivaes e terra». Em 1740 possui Dr. Luis de Sousa dos Reys, filho de António Gomes da Maya e em 1803 António Luis Souza Reys e Maya. Em 1841 fazia parte da «Quinta de Val de Figueiras», pertença de D. Antónia Luísa de Souza Reis e Maia. 1740-1841 Olival na zona do Gorgolão (perto de Assamassa), pertença em 1740 de Domingos Vieira Cardozo, mercador em Santa Justa e em 1841 renovou António Correia de Frias, mestre ferrador.

Foro Fonte Rendiam inicialId. Fl. 142 mente o foro de 5 alqueires de azeite, 1 capão e 1 galinha.

1746-1783 O Beneficiado Joam da Costa Marques, da Igreja de Santa Justa, possuía em 1746 uma «Vinha e olival neste sitio parte com caminho que vai para Eiras». Em 1783 andava na posse de Manoel Ribeiro, de Lordemão e outros herdeiros. 1770-1806 Olival em Monte Olivete, de que foi primeiro possuidor António Rodrigues Sardeira e que andou quase sempre na mão de artistas: Joze da Silva, ourives (1763): Jacinto Joze Nogueira, pintor (1770); António Deniz, ourives morador na Rua do Coruche (1806). 1770-1865 Em 1770 possuía Josefa Maria viúva de João Gomes de Quadros, «Hum prazo que consta de dois olivais, hum no sitio ao forno do Engote e outro onde chamão Lagariças». Em 1865 pagava foro deste prazo António Simões Ferreira da Cidade de Coimbra 1773-1778 Pedro Dias possui em S. Miguel de Pastores um olival que em 1778 andava no Dr. Ivo Joze de Almeida.

300 rs e 2 Capões.

Index de Prazos e Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742-1743, Fl. 116.

6 alq. de azeite

Index de Prazos e Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742-1743, Fl. 150.

11 alq. azeite e 7 Galinhas

Id. Fl. 111

15 alq. de azeite e 2 Capões.

Index de Prazos e Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742-1743, Fl. 108

Id. Fl. 143. Pagava inicialmente de foro 3 alq. de azeite, 3 capões e 200 reis e o «laudemio conforme a partilha». 1740-1841 Um olival no sitio de Assamassa ou Gorgolão, 5 alq. de azeite e 2 Index de Prazos e Títulos da Igreja de que em 1740 era de Dionísio da Cruz. Foi arre- capões. Santa Justa, 1742matado pelo Dr. António Joaquim de Campos -1743, Fl. 145 em 1841. O emprazamento mais antigo data de 9 de Dezembro de 1682. 1742 Em Val de Figueira com Monte Olivete possui a 5 alq. de azeite; 4 Index de Prazos e Igreja de Santa Justa «…2 olivaes hua parte com capões, 1 galinha Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742caminho e de outra com vinha e o do Monte e 200 rs -1743, Fl.115 Olivete parte com hum serrado».

400 reis e 3 capões Index de Prazos e Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742-1743, Fl. 97v. 2 alq. de azeite.

Index de Prazos e Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742-1743, Fl. 118

Para lá do Mosteiro de Celas – Poderosos em acção no território de Eiras

Data 1773-1803

Descrição do contrato/propriedade Foro Em 1773 tinha um olival em Val de Figueira 3 alq. azeite, 2 Manoel Rodrigues Alegre, morador na Rua dos Capões e 120 rs. Sapateiros. Em 1803 andava na posse do Dr. António Luis Souza Reys, integrando a quinta que ali possuía.

Fonte Index de Prazos e Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742-1743, Fl. 109

Na área de Vale de Figueiras surgiram algumas quintas de certa relevância. Uma delas apelidava-se de «Quinta de Vale de Figueiras». Localizava-se na zona da Calçada de Eiras e pertencia, por contrato de emprazamento, a D. Antónia Luiza de Souza Reis e Maia, viúva de Joze Henriques Seco. Pagava de foro à Igreja de Santa Justa, 15 alqueires de azeite, as safras, e 2 capões a cada ano. Em 1740 parte dos terrenos da quinta andavam na posse do Dr. Luis de Sousa dos Reys, filho de António Gomes da Maya (196). Outra propriedade deste tipo era a Quinta do Carmo que, por volta de 1740, possuía Manoel de S. Bento da Costa e que, em 1781, era de João Antunes, boticário (197). Diga-se também que, não muito distante dali, na Quinta do Promotor, a Igreja possuía 2 prazos. A Igreja de Santa Justa possuía, também, em plena Vila de Eiras «huas casas prazo de vidas a António João, anno de 1623», com o foro de 1 galinha e laudemio de 10 (198). Uma palavra ainda para a zona do Loreto, a antiga Assamassa. Se a Capela do Loreto é do senhorio directo do Cabido, o mesmo não se poderá dizer da área em volta, território de fronteira entre as freguesias e senhorios da Igreja de Santa Justa e do Mosteiro de Santa Cruz. Por este motivo encontramos nesta zona alguns olivais foreiros aos crúzios.

5. O Cabido da Sé de Braga: a Quinta do Paço e os Casais de Eiras A Quinta do Paço localiza-se à entrada da povoação dos Casais e talvez remonte ao tempo de D. Dinis e Rainha Santa Isabel, quando se designava por Palácio. Como vimos, D. Dinis viveu entre os séculos XIII-XIV (1279-1325) e, no seu tempo, a terra era reguenga (foi-o até 1306), sendo por isso o grande senhor de Eiras. Aqui passava temporadas com a sua esposa, a Rainha Santa Isabel, habitando o Paço que tinha as suas armas reais. E é muitíssimo curiosa a História dos Casais de Eiras, uma vez que envolve num primeiro momento o Cabido de Braga e a Quinta do Paço, confundindo-se num segundo nível a história da quinta com a génese da povoação dos Casais de Eiras.

A. U. C. – Fundo das Congregações Religiosas: Igreja de Santa Justa: Index de Prazos e Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742-1743, Fl. 108. 197 Id. Fl. 114. 198 Id. Fl. 223. 196

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Foto 24 – A Casa da Quinta do Paço

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Segundo consta no «Tombo do Indice novo dos foros e outro titulos, 1258-1722», do Mosteiro de S. Paulo (199), em Março de 1228 o mosteiro de S. Paulo troca as herdades que possuía em Vilarinho pelas de Alvade e Zouparria pertenças do Arcebispo de Braga (200). Mais tarde, em 1235, o Cabido de Braga emprazou a João Soeiro a Erdade de Vilarinho d’Eiras e as casas que o mesmo cabido tinha em Coimbra (201). A partir daquele momento e até à extinção das ordens religiosas, o Cabido da Sé de Braga manteve-se como Senhorio Directo da Quinta do Paço, apesar de muito distante geograficamente. Uma quinta que tinha uma dimensão muito considerável (ia dos actuais Casais de Eiras a Vilarinho) e que cedo terá sido sub emprazada a vários foreiros (sub-enfiteuse). Mas, com alguns conflitos pelo meio, como o que ocorreu em 9 de Outubro de 1399, em que «…houve necessidade de intimar, sob pena de excomunhão, os lavradores de Penela, Eiras e Vilarinho, na Diocese de Coimbra, a indicarem os bens do Cabido de Braga por eles sonegados» (202). Os foreiros aproveitaram a distância ao seu Senhor para tornarem este tipo de acontecimentos recorrentes: em 09 de Outubro de 1437 o Cabido de Braga pede ao vigário geral de Coimbra uma carta de excomunhão contra todos os que, reconhecendo as demarcações das propriedades nas localidades de Penela, Eiras e Vilarinho, as traziam sonegadas (203).

A.U.C. – Fundo Próprios Nacionais: Mosteiro de S. Paulo de Almaziva – N.º 28: Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, 1220-1722, Fl. 62. 200 Id. Pp. 155-157. 201 Manuel de Albuquerque Matos – Gazeta de Coimbra, 14 de Fevereiro de 1968. No mesmo artigo diz que o pergaminho esteve na Exposição Distrital de 1884. 202 José Marques – A Arquidiocese de Braga no Séc. XV, temas portugueses (col.), Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988, P. 439 203 Alexandra Maria Monteiro Nogueira – Formação e Defesa do Património do Cabido de Braga nos finais da Idade Média (1351-1500), Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Braga, 1998, Apêndice (Quadro 8). 199

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As propriedades do Cabido de Braga localizavam-se, naturalmente e na sua grande maioria, nas paróquias próximas à Arquidiocese. Coimbra, no entanto, era uma das poucas excepções, área onde, entre 1465 e 1515, realizaram 4 contratos de aforamento no designado “Azambujal de Eiras” e, mais propriamente, na Quinta de Vilarinho, na Azenha que está em pardieiro, nas Herdades e lagar de azeite com casa e seus aparelhos e outro num pedaço de monte maninho (204). Contratos feitos a título perpétuo e que sugerem a existência de uma relação directa com direitos consuetudinários das populações. Em data incerta, o Cabido de Braga fará novo emprazamento, desta vez a Pero Moniz da Silveira de propriedades aí situadas, que transitariam depois para Lourenço de Mattos e sua mulher D. Catherina de Matos (205). Mais tarde, no dia 6 de Junho de 1704, importante alteração ocorre com a passagem do prazo para novo senhorio útil. Nesse dia, o casal Francisco Zuzarte Maldonado (206) e D. Mariana Machado de Passos compram à família Matos a dita propriedade que foi descrita do seguinte modo: «…que elles são Senhores e Pesuidores de hum Prazo em vidas que esta sito junto a Vila de Eiras limite desta dita Cidade chamado dos Cazais d’Eiras e quinta de Villarinho de que hé Cabessa a dita quinta a que são anexos muitos foros e resois de pão vinho, azeite e outros generos cujo Prazo hé foreiro ao Illustrissimo Reverendo Cabbido da Santa Sée e Cortes da Cidade de Braga a quem paga de foro em cada hum anno outo mil e outocentos reis em dinheiro e duas galinhas e esto per dia de S. Miguel de Setembro e que o dito Prazo hé todo huno» (207). Por esta descrição podemos aferir da dimensão territorial da quinta, a qual tomando apenas como exemplo o núcleo principal (a Cabeça da dita quinta) era capaz de confundir, inclusive, a sua designação, uma vez que ocupava um território localizado entre a actual Vila de Eiras, os Casais de Eiras e a Quinta de Vilarinho. Foreira a Braga pelo valor anual de 8.800 (208) reis, a venda foi ajustada pelo valor de 10.000 cruzados. Mais tarde a quinta transitou para o filho destes, António Xavier Zuzarte Maldonado Cardoso, importante figura da Cidade de Coimbra: Correio Mór da Cidade de Coimbra (assistente); Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo, com a Carta de Padrão concedida a 03 de Setembro de 1748, com a tença de 50.000 réis e hábito; Familiar do Santo Oficio; Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra (1753-1764); Escrivão da Mesa da mesma instituição (1742, 1743, 1756 e 1757); Capitão-mor da Vila de Eiras e Escrivão da Receita e Despesa do Hospital Real. Tinha casa na Rua das Fangas. José Salgueiro Cerqueira – A Exploração Económica das Propriedades do Cabido da Sé de Braga nos Finais da Idade Média (1465-1515), Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, Braga, Março 1998, Pp. 134-136. 205 Lourenço de Mattos e sua mulher D. Catherina residiam na altura do contrato na Quinta da Conchada, limite da Cidade de Coimbra. Lourenço de Mattos era Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo. 206 Francisco Maldonado foi Vereador da Cidade de Coimbra em 1705 e Provedor da Santa Casa da Misericórdia entre 1709-1711. 207 A.U.C. – Fundo Notarial: Tabelião Manuel Rodrigues da Costa, Livro N.º 20, 1704, S/N. 208 Sabemos através do manuscrito de Fabião Soares de Paredes que por volta de 1730 a Quinta do Paço pagava ao Cabido de Braga uma quantia superior a esta: rendia 150.000 reis e pagava de foro ao Cabido de Braga 12.000 reis. 204

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Falecendo Francisco Zuzarte Maldonado de Quadros a Quinta do Paço ficou sob administração de sua esposa D. Anna Clementina de Araújo Cabral Montez, dela passando para o seu irmão Antonio Nuno de Araújo Cabral Montez. Falecido este a 1 de Dezembro de 1842, ficou como administradora e tutora dos 6 filhos herdeiros, D. Carlota Cazemira Champalimaud de Souza Lira e Castro, que era sua cunhada por casamento com seu irmão, João Baptista Araújo Cabral Montez, à data também já falecido (209). Esta senhora, que residia na Freguesia de Cidadelhe, Julgado de Mesão Frio, viu-se subitamente com uma herança constituída por um património imenso (210), entre o qual sobressaía o que possuía em Eiras como Cabeça de Casal: «Prazo fateuzim de que he Senhorio Directo o Cabbido da Sé de Braga, e util o Cazal Inventariado, que consta de foros fugasas eiradegas e raçoens de quinto e oitavo, e laudemios de todas as propriedades, que andão sub emprazadas, e estão comprehendidas no dito Prazo qual paga de foro annoalmente, pelo São João, trinta mil reis…»(211). Estamos sensivelmente em meados do século XIX e, na descrição das propriedades, ficou bem visível a dimensão do prazo da Quinta do Paço: - «Huma Quinta chamada do Passo Cabessa do sobredito Prazo, que consta de cazas de sobrado e terrias com loga, adega e lagar de pedra com terras de pão e agoa de rega, com seu pomar de espinho arvores de fructo e sua vinha que parte do Nascente e Norte com Estrada que vai para Villarinho, do Sul com Estrada Real e do Poente com a Quinta de baixo». Avaliada pelos louvados em 1.500$000 reis. - «Mais outra Quinta chamada de baixo com suas cazas a maior parte dellas sem sobrado com seu lagar d’azeite com tres varas, azanha de moer pam com dois cazaes de pedras, com seus chãos de baixo e de sima com agoa de rega com sua vinha por sima d’azanha, e olival chamado do Duque, com suas arvores de fructo que parte do Nascente com a Quinta do Passo, do Norte com o caminho que vai para Villeirinho e do Sul com o Rio». Foi avaliado pelos louvados em 2.200$000 reis. Faziam também parte do mesmo prazo: uma vinha na Oureça (200$000 reis); uma vinha na Pintoura (70$000); um olival na Renda (40$000); dois olivais no Vale do Fojo (5$400); dois olivais à Tugeira (5$200); um olival ao cimo da vinha da Fontoura (7$000); outro olival ao cimo da vinha da Oureça (15$000); um casal chamado o Cabeço de João da Rocha (50$000); um olival e pinhal no Zarambalho, um olival em Val de Mouros, um olival a Cova de João Carneiro, uma vinha no sitio do Mano e um olival em Val de Salgueira. Fora deste prazo mas localizados na mesma área existia um conjunto de propriedades que eram foreiras a António Montez: um prazo no Escravote, senhorio A.U.C. – Fundo dos Inventários Orfanológicos: Inventário Orfanológico pelo falecimento de António Nuno d’Araujo Cabral Montez, 1843. 210 A fortuna era de base fundiária: para ela concorriam bens de raiz não só no Julgado de Coimbra mas também em Mogofores, Montemor-o-Velho, Aveiro, Peso da Régua, Baião, Vila da Feira além dos que possuía em Coimbra e seu Julgado; recebia foros dos prazos em Antuzede, Camarzão, Brasfemias e Castelo Viegas, das casas e Logeas da Rua das Fangas, Rua das Padeiras (Cidade Coimbra); era senhorio útil de prazos localizados em Santa Clara (Coimbra), Val do Inferno e Assamassa dos quais pagava os respectivos foros. 211 A.U.C. – Fundo dos Inventários Orfanológicos: Inventário Orfanológico pelo falecimento de António Nuno d’Araujo Cabral Montez, 1843, Fl. 30v. 209

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útil de Ildefonso Soares de Faria e pagava de foro 2 galinhas (avaliado em 4$200 reis); umas casas nos Casais de Eiras (4$800); uma terra no sitio do Carvalho, que paga José Pereira dos Santos 5 galinhas pelo S. Miguel (12$000); umas Casas na Vila de Eiras que paga Francisco Xavier Bezerra, 4 galinhas pelo Natal (9$600). Acrescia ao núcleo de Eiras três bens de raiz livres no Julgado de Coimbra: um olival à Cruz de Val do Seixo, que partia com a Estrada Real (no valor de 150$000) e «humas casas bastante arruinadas, com sua azanha de huma so roda composta de novo, terras de pão com pomar de espinho, e arvores de fructo no citio do Escravote (700$000) e “humas cazas junto à Ponte d’Eiras que partem do Nascente com a rua publica e do Poente com Francisco Xavier Bezerra e do Nascente com o Rio” (9$600) (212). O recheio da casa e anexos da Quinta do Paço deixam antever a intensa exploração agrícola praticada: 3 caixões, de castanho, para guardar cereais; 5 balseiros para vinho; 1 dorna, 2 toneis para água pé, 9 toneis “de ter vinho”, caixas, mesas, cadeiras, 1 alambique de cobre… Apesar de toda este imenso património fundiário o futuro não sorriu a D. Carlota Casimira. Autorizada pelo Conselho de Família a satisfazer as dívidas da herança de António Cabral Montez, alegará em Julho de 1844: «…lhe não tem sido possível cumprir as sabias determinações do Conselho, por que sendo a maior parte dos bens da herança, vinhas, e não tendo consumo, nem extracção os vinhos, apenas rendem para ir saptisfazendo as despezas ordinarias das mesmas vinhas; e vendo-se a Supplicante perseguida pelos credores, e até vexada por alguns (…) e augmentando diariamente os juros, com que se torna muito dificil a solução de taes dividas, é d’absoluta necessidade de venderem-se algumas propriedades para pagamentos dos credores» (213). Nem sempre ter muito património era sinal de dinheiro disponível para saldar dívidas. Ao Conselho de Família não restará outra solução que não autorizar a venda em hasta pública de alguns bens. O processo demorará o seu tempo, mas, aos poucos, o património vai sendo vendido. Até que, ao fim de dez anos, a Quinta do Paço segue destino semelhante. De facto, em Julho de 1854, D. Carlota informa o Governo Civil de Coimbra que estava contratada com Manoel Ginioux de Campos e seus irmãos de lhes vender pelo preço de 7.200$000 reis as terras e foros sitos em Vilarinho de Eiras e imediações da Cidade de Coimbra (214). No entanto, os termos do negócio seriam reavaliados porque uma vez mais «…se desenvolveo a molestia das vinhas e pomares em grande escala, com o que soffreo grande prejuizo a maior parte dos bens que fazião o complemento do contracto apontado resultando deste inconveniente não quererem agora aquelles Snrs as ditas terras, uma vez que se lhes não faça o abatimento de 700$000 na totalidade dos predios» (215).

A.U.C. – Fundo dos Inventários Orfanológicos: Inventário Orfanológico pelo falecimento de António Nuno d’Araujo Cabral Montez, 1843, Fls. 35v, 48v. 213 A.U.C. – Fundo Judicial: Auttos de requerimento para reunião do Conselho de Família e venda de bens; 1844, Fl. 2. 214 A.U.C. – Fundo Judicial: Dependencia do Inventario a que se procedeu por falescimento de Antonio Nuno d’Araujo Cabral e Montez, 1854, Fl. 2. 215 Id. Fl. 34 212

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Estávamos a 30 de Abril de 1855 e o pedido será deferido. No seguimento da sua informação, D. Carlota Cazemira pede igualmente a arrematação em hasta publica das propriedades arroladas, todas elas foreiras: a Quinta do Paço e Quinta de Baixo (216); as casas e azenha com pomar e terras no Escravote; as casas sitas à Ponte de Eiras e outras na Lapa; o chão do assude; a vinha na Euressa e Pintoura; o olival e pinhal do Zarambalho, o mato de Vale de Salgueiro e Casal da Rosa; os foros de Jose Cipriano, José Simões e Bezerra e 14 olivais quase todos dispersos pela zona – o da Cruz de Vale do Seixo, Tojeira, da Pintoura, o do “Bispo”, o chamado de “Antonio Nuno”, o de João Rocha, outro junto à mata dos Bahias, o da Renda, outro em Eiras na Relva, o no Quarto do Duque chamado de Cadima, o de Assamassa chamado do Gorgolão, o de Vale de Figueiras, o de Vale de Inferno, o das Calçadas de Santa Clara. A arrematação destes bens, todos fazendo parte da Quinta do Paço dos Casais de Vilarinho de Eiras, será feita a 29 de Maio de 1855 por 6.501$000 reis (e não 6.500$000 porque se lhes anexou o foro do prazo do Pedrogo). D. Carlota Cazemira será representada no acto por seu filho Antonio Montez Champalimaud ao passo que os compradores, António e Joaquim Ginioux de Campos, residentes em Guanaxuate, cidade mexicana, foram representados pelo referido Manoel Ginioux, residente na Quinta das Laranjas, Caldas da Rainha. Em Maio de 1869, a “Quinta do Paço de Villarinho d’Eiras” mudará de mãos novamente, pois fora colocada em hasta pública no dia 2, com um rendimento anual avaliado em 500.000 reis. Será adquirida por Joaquim Soares de Campos por 11 contos de reis mantendo a reunião num só prédio das várias propriedades que a constituíam, sobressaindo além da Quinta de Baixo e Quinta de Cima (ou do Paço) a Quinta da Bota às “Milheiradas d’Eiras (217). Por esta altura, o foro ao Cabido de Braga situava-se em 27.000 reis anuais a vencer pelo S. João. No entanto, o novo proprietário, beneficiando das alterações decorrentes da extinção das ordens religiosas, comprará o foro que pendia sobre a Quinta do Paço, apenas seis anos volvidos. A Carta de Venda do Foro data de 23 de Março de 1876 e foi passada pelo Ministério da Fazenda, em Lisboa. O foro, avaliado em 30$000 reis, será comprado pela quantia de…600$500 reis! Para Joaquim Soares de Campos o esforço financeiro teria valido a pena: pela primeira vez na história da Quinta do Paço, deixava a mesma de estar dependente de um enfiteuta, transferindo para si a posse e domínio pleno sobre a mesma: «Hei por bem transmitir-lhe por irrevogável e pura venda toda a posse e dominio que no referido foro tinha o mencionado Cabido»(218). Joaquim de Campos seguirá procedimento análogo para outras propriedades: olival de Assamassa ou Gorgolão, olival de Vale de Figueiras, terra no sitio do quintal do rio, a vinha na Tojeira… Em 1886 ocorreu o falecimento de Joaquim Soares de Campos. Sua esposa, D. Emília Soares da Costa Cabral, abre o respectivo inventário orfanológico. Como

Como consta deste processo a Quinta de Baixo fora hipotecada à Igreja Colegiada de Santa Justa a 20 de Agosto de 1806, pelo empréstimo concedido a Antonio Xavier Zuzarte de Quadros, no valor de 200$000 reis. 217 A.F.P.M.A.M. – Alguns documentos referentes à Casa do Paço, 1849 – 1909, (Pasta S/N). 218 Id. 216

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cabeça de casal apresenta uma extensa relação de bens que será objecto de partilha. Rol que, de um modo geral, apresenta as propriedades que em Abril de 1855 D. Carlota Cazimira havia apresentado. Todos os bens são avaliados e a Quinta do Paço vale 7.625$000 reis. Daqui em diante, o histórico imóvel conhecerá tempos de desagregação: primeiro através de processos de partilhas e, já em pleno século XXI, pelo sacrifício em prol do progresso trazido pela Variante de Eiras.

6. As Confrarias/Irmandades de Eiras A existência de confrarias na área da freguesia é uma certeza desde tempos muito antigos. O registo é válido para os finais do século XIV e vem no Livro dos direitos del rei da cidade de coimbra. Neste manuscrito, datado de 1395, e entre as várias propriedades que aí se inventariaram, consta a referência a uma confraria: «Item outra herdade da comfrarya deiras E parte do soaao com a dita meã geira E da travesya com herdade da See em que ha mea geira» (219). No mesmo manuscrito as referências à Confraria de Eiras sucedem-se até porque muitas propriedades confrontavam com a propriedade que administrava. Desconhecemos que confraria seria (Espiríto Santo?), qual a sua antiguidade, bem como a estrutura de funcionamento. Dada a cronologia não será despiciendo integrá-la na maioria das confrarias portuguesas medievas criadas a partir do séc. XIV e que se localizavam em igrejas paroquiais e capelas próprias. Para datas posteriores, temos dados concretos relativos ao funcionamento em Eiras de 4 Confrarias: a do Santíssimo Sacramento, a de S. Tiago, a de Nossa Senhora do Rosário, e a do Senhor Salvador do Mundo. Todas tinham em comum as mesmas atribuições e finalidades: assistência material e espiritual, fomento do culto e em especial a veneração do respectivo patrono com a realização da sua festa, momento alto do espírito confraternal; reforço da solidariedade humana procurando diminuir as dificuldades materiais dos homens (fome, doença, pobreza), amparando crianças, inválidos e idosos, enterrando os mortos e orando por eles. Sobre as confrarias de S. Tiago e Nossa Senhora do Rosário poucos dados apurámos, embora saibamos que funcionavam normalmente nos inícios do século XX, uma vez que o Governo Civil lhes aprovou aditamentos aos Estatutos do Compromisso; à primeira, a 30 de Novembro de 1912 e, à segunda, a 20 de Fevereiro de 1913 (220). A Confraria do Senhor Salvador do Mundo. Segundo Bernardo do Valle, pároco da freguesia em 1721, a Capela com o altar com a imagem do Salvador do Mundo «…levantou a major parte do povo desta freguesia emcorporados em irmandade do mesmo Salvador do Mundo com seus estatutos confirmados pello perlado Ecleziastico» (221).

A. N. T. T. – Fundo Antigo: N.º 287: Livro dos direitos del rei da cidade de coimbra, Fl. 41v. A.U.C. - Fundo do Governo Civil: Livro de Alvarás, N.º 49, 1881-1909, 2ª Repartição, Alvarás N.º 84 de 1912 e N.º 18 de 1913. 221 A. U.C. – Fundo do Cabido: Informações Paroquiais 1721, Fls. 1-1v.

219 220

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Fabião Soares de Paredes, em 1734, aponta-lhe a antiguidade e define-lhe os privilégios: «Nesta mesma Igreja do Sacramento está erecta no altar do Salvador do Mundo, que fica no Corpo da Igreja em hũ arco embebido na parede para a parte do Evangelho do tempo que excede a memoria, hua Irmandade com o titolo do Salvador do Mundo em que há Irmaons de todas as freguezias vezinhas que não tem numero certo; vestem estes opas brancas com murças de seda azul. O seu Instituto hé enterrar os mortos, e favorecer os vivos. Tem altar privilegiado todo o oitavario dos Santos e segundas-feiras do anno por Bula do Papa Clemente XII, de 12 de Março de 1733, e por Breve de 13 do mesmo mez, e anno lhe concede sinco Jubileos cada anno vg. O 1º em a primeira Segunda feira da Quaresma dia em que ahi se faz hũ officio de nove liçois pellos irmãos deffuntos com hũ grande numero de Padres todos comfeçores com Sermão no fim da missa: o 2º Em o dia da Ascenção em que se faz a festa principal desta Irmandade com o Sacramento exposto nesta mesma Igreja todo o dia e Sermao de manhaa e de tarde, e no fim desta se faz hua bem ordenada prociçao com as ditas Irmandades juntas: o 3º na primeira Dominga depois de Corpus Christi, dia em que na mesma Igreja se faz a festa principal do Sacramento com o Senhor exposto todo o dia, e Sermao de manhaa, e de tarde, no fim da qual se faz a procição do Corpus: o 4º em o dia 25 de Julho orago da freguezia: o 5º em o de 15 de Agosto em que se festeja o Rozario na Igreja Matriz» (222). Os estatutos da Irmandade do Salvador do Mundo foram aprovados a 12 de Janeiro de 1717 (223). Mais tarde, a 27 de Junho de 1887, o Governo Civil homologou-lhe novos estatutos, os quais já depois da fusão com a Irmandade do Senhor Salvador do Mundo, sofreram aditamento com data de 27 de Março de 1913 (224). Esta Irmandade tinha também entre as suas obrigações paramentar a desaparecida Capelinha do Senhor dos Passos, na Igreja do Sacramento, onde o Vigário Fabião Soares de Paredes ergueu altar a 22 e Fevereiro de 1734 e celebrou a primeira missa a 27 de Abril do mesmo ano. A Irmandade do Senhor Salvador do Mundo esteve em pleno funcionamento até 1905. De facto, pelo Alvará N.º 9 de 17 de Junho de 1905, o Governador Civil deu autorização para que se consumasse a fusão com a Irmandade do Santíssimo Sacramento: «Vistas as actas das assembleas-geraes da Irmandade do S. Salvador do Mundo e Confrª do S.Smo. erectas na freguesia de Eiras, concelho de Coimbra, aquella de 17 de Dezembro de 1904 e esta de 2 de Janeiro ultimo, em que resolveram fundir-se em uma só com a denominação de Confrª do S.Smo. Tenho por conveniente conceder a auctorização pedida da fusão (…) ficando a reger-se pelos estatutos d’esta Corporação, para todos os effectos legaes» (225). A.F.P.M.A.M - Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 28. A.U.C. – Fundo Governo Civil: Livro de posse aos mestres e mestras do ensino primário, N.º 159, Fls. 64-64v. 224 A.U.C. - Fundo do Governo Civil: Livro de Alvarás, N.º 47, 1883-1893, 2ª Repartição, Alvará N.º 26 de 1887. 225 A.U.C. – Fundo do Governo Civil: Livro de Alvarás, N.º 49, 1881-1909, 2ª Repartição, Alvará N.º 9 de 1905. 222 223

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A Confraria (ou Irmandade) do Santíssimo Sacramento. A existência desta Confraria, tal como a de Nossa Senhora do Rosário, integra-se num conjunto mais vasto de âmbito nacional: «Uma das características mais marcantes do movimento associativo português, entre os séculos XVI a XVIII, foi o surto duma quantidade imensurável de confrarias e irmandades, esmagadoramente sedeadas em paróquias, a maior parte delas centradas nas devoções ao Santíssimo Sacramento, das Almas do Purgatório e de Nossa Senhora do Rosário. O aparecimento de muitas destas associações deveu-se à iniciativa do clero, interessado em contrariar os argumentos protestantes, baseados na justificação pela fé, na recusa da indispensabilidade dos sacramentos e na veneração da Virgem» (226). No seu oportuno manuscrito, Fabião Soares de Paredes informa-nos do modo como nasceu a Confraria do Santíssimo Sacramento, remontando o facto a 26 de Dezembro de 1707 quando o «…Paroco Bernardo do Valle e mais freguezes erigirão (…) hua Irmandade com o tittolo do Sacramento unida à Archicomfraria de S. Julião da Corte e Cidade de Lisboa (donde tirarão os estatutos…) e se obrigarão á festa principal que se faz todos os annos no primeiro Domingo depois do Corpus Christi». Percebe-se também que a devoção ao Santissimo não era recente pois havialhe constado que «Hé tradição antiga e comta de varios livros do Cartorio da Igreja dottarem os freguezes della por varias doaçoens e testamentos, o Santissimo Sacramento de varias rendas, desapossandose de olivais, e terras, e vinhas huns, e obrigandose outros a pagaremlhe certos foros e pençois de varias propriedades (…) se administrarão sempre por meo de trez mordomos á orbita do Pároco que lhe toma contas» (227). A Irmandade do Santíssimo Sacramento tinha um número fixo de 50 irmãos, os quais «…vestem opas encarnadas, e com ellas acompanhão o Sacramento aos enfermos com tochas de sera, e assistem ás mais proçicois que se fazem na freguezia da mesma sorte» (228). O Pároco era o Protector da Irmandade e as eleições realizavam-se 15 dias depois da festa principal escolhendo-se Juiz, Escrivão, Procurador e 3 Mordomos. A Irmandade, naqueles tempos, apresentava-se pujante com as rendas a ultrapassarem mais de 100.000 réis anuais. A Mesa elegia ainda um Capelão, com ordenado de 20.000 reis que devia confessar os irmãos pelos Jubileus, e um Andador. A Irmandade designava ainda mais 2 Capelães obrigados a celebrar missa quotidiana no altar do Santíssimo Sacramento: a um pagava a Misericórdia de Coimbra, que o apresentava por informação favorável do Pároco, e relaciona-se com a Capela que instituíra o Licenciado António Marques Amado da Vila de Eiras que por testamento de 5 de Julho de 1678, vinculara os seus bens àquela instituição de assistência; o outro era particular e resultava da Capela que instituiu o Capitão mor Manoel Leal Pinto também de Eiras, em testamento de 12 de Fevereiro de 1699, pelo qual deixara 600.000 reis para renderem para a dita missa, que deviam ser administrados pelos oficiais da Irmandade.

Pedro Penteado - «Confrarias» In Dicionário de História Religiosa de Portugal, Vol A-C, Círculo de Leitores SA e Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000, P. 463. 227 A.F.P.M.A.M - Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 27. 228 Id. Fl. 28v. 226

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A estrutura oficial da Irmandade (ou Confraria) do Santíssimo Sacramento era ligeiramente diferente da sua congénere do Salvador do Mundo: compunha-se de Juiz, Escrivão, Procurador, 2 Mordomos e 7 Definidores, que eram eleitos anualmente, no dia 15 depois da festa principal. Estimava-se que o seu rendimento anual andasse nos 80.000 reis, que dispêndia em vários sufrágios pelos irmãos vivos e defuntos. Nomeavam Capelão pelo S. João com o ordenado de 23.000 reis, o qual dizia 16 missas por cada irmão que morrera e as mais pelos irmãos vivos e defuntos. Designavam também um Andador. Durante o século XVIII, foi a mais pujante das organizações religiosas da Vila de Eiras e, em 1737, procedeu a Tombo das suas propriedades. A Provisão Régia que autorizou os autos de tombo data de 20 de Março de 1737 e veio na sequência da petição apresentada pelo Juiz e Irmãos da Mesa da Irmandade na qual comunicavam que a mesma «… pessue muitas fazendas e prazos bo destricto da dita Vila de que se lhe pagão varios foros, e pençoes e a maior parte dellas se achão uzurpadas, e alheadas por não terem marcos que as divida, e outras pello mesmo motivo deminuttas, em rezão de se deduzirem nellas as pessoas com que confrontão de sorte que em breve tempo ficara a dita Irmandade sem couza algua, e porque as Suplicantes querem obstar este inconveniente e evitar duvidas e demandas fazendo o tombo medição e demarcação das ditas terras, e prazos que lhe pertençem e fazer meter marcos entre as ditas terras e propriedades com que confinão» (229). A 4 de Junho de 1737, a Provisão foi apresentada ao Juiz do Tombo, o Dr. Manoel Cepins de Carvalho, no lugar de Vilarinho, pelo procurador da Confraria o Padre Manoel Rodrigues da Costa, do lugar dos Casais. A 25 de Junho são citados os confinantes das propriedades. A análise dos autos de tombo mostra que o inventário dos bens e propriedades se fez em três etapas distintas: primeiro arrolaram-se as propriedades foreiras à Irmandade do Santíssimo Sacramento que não eram prazos; depois procedeu-se ao registo e à demarcação dos prazos; e por fim, definiu-se o conjunto de bens próprios da Irmandade, ou seja; aqueles de que era Senhoria Directa. As propriedades foreiras à Irmandade do Santíssimo Sacramento perfaziam o total de 59. Independente do tamanho da propriedade. a esmagadora maioria dos registos dizia respeito aos olivais (27), seguido da associação entre olivais e terras (6), havendo o registo de vinhas que foram olivais (5), de terras (4) de vinhas (2) e ainda de duas casas que pagavam foro (uma nos Casais que foi lagar de vinho e outra em Eiras). Para aquele total contribuíram ainda os casos em que a Irmandade agiu como fiador (6), as duas metades de um prazo situado nas Arroteias, uma terra com mato, um olival com pinhal e terra, bem como as descrições em que não foi possível apurar o bem inventariado (3). Os olivais localizavam-se em 15 áreas diferentes em redor de Eiras destacando-se o Queimado e Val de Gioza (cada um com 5 registos), o Balancho com 4 e Val Escuro com 2. Os restantes olivais dispersavam-se por 12 áreas diferentes correspondendo a cada um olival: Vale de Broas (limite de S. Paulo), Pragueira, Ingote, Carvalheira, Costa de Canellas, Queimadinho, Limite de Logo de Deus, Monte Gil (230), Cruz de Vale Seixo, Redonda, Borsalva (231), Crujeira, e Relva. A. P.E – Autos de Tombo da Irmandade do Santissimo Sacramento da Igreja da Vila de Eyras feito no anno de 1737, Fl. 4. 230 Deve corresponder ao actual Montragil. 231 Este topónimo refere-se a uma área próxima ao Ingote. 229

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O segundo grande registo de propriedades foreiras dizia respeito à cultura da vinha (tanto vinhas como vinhas que foram olivais), as quais andavam dispersas pelas seguintes áreas: Ribeira (limite dos Casais), Santo Cristo, Mainça, Costa, Redonda, Canellas e As Eiras. Tanto num caso como noutro, a maioria dos foros eram liquidados em azeite (de 2 em 2 anos), sendo raros os cobrados em vinho. A altura privilegiada para se solver a divida ocorria ou no dia de Natal ou pelo S. Miguel de Setembro. A 27 de Julho de 1737, avançou-se para nova etapa com o início da medição e demarcação dos 41 Prazos sob administração da Irmandade, sendo que 12 deles pertenciam à administração directa de outros senhorios; Mosteiro de Celas (6 prazos), o Colégio de S. Bernardo (3), Cabido de Braga (2) e Lorvão (1). Uma vez mais a maioria das propriedades diziam respeito a olivais (26), seguido da vinha (7), terra com oliveiras (4), casas (2), uma vinha e terra e uma vinha que foi olival. Tomando apenas como exemplo os olivais e as terras com oliveiras verificamos que as zonas de maior concentração são Val de Gioza (6), Val Escuro, Queimado, Cruz Val Seixo e Balancho (cada um com 3), surgindo prazos constituídos por olivais em outras zonas como Costa, Monte Gil, Laguarissa, Queimadinho, Relva, Sitio dos Outavos, Barrocas (Limite de Logo de Deus), Val de Broas, Carvalheira e Arroteas. A penúltima etapa dos autos de tombo foi a medição e demarcação dos bens próprios da Irmandade como Senhoria Directa. De todos foi o processo mais simples: 20 registos, sendo 11 relativos a olivais e os restantes 9 a terras. Os olivais acusavam grande dispersão pelo território: na Cruz de Vale do Seixo e em Canellas (2 olivais cada) e na Cecem, Relva, Camarzão, Outavos (limite de S. Paulo), Monte Gil, Val S. Miguel e Val da Gioza (limite de S. Paulo). Por outro lado regista-se grande concentração das terras no Campo do Bolão, excepto a “Terra da Casadinha”, localizada na Pedrulha. O Tombo das propriedades conheceria o seu epílogo com o «Termo de inventario dos bens da Irmandade», ou seja; dos bens móveis da Irmandade que estavam na Capela do Espírito Santo. A aprovação dos autos data de 11 de Fevereiro de 1738 e, por ela, o Juiz do Tombo validou todos os registos efectuados: «O que tudo visto, julgo ser a ditta Irmandade Senhora de todos os bens aqui declarados assim olivais e terras no campo e todos os foros que se achão nestes autos escriptos e declarados e mando a todos os foreiros que a seu tempo paguem com promtidão na forma dos seus contratos e não pagando se proceda contra elles». A maioria dos foreiros presentes no acto era, naturalmente, dos lugares de Eiras e dos Casais, embora se detectem outras proveniências: Coimbra, Vilarinho de Cima, Murtal, Redonda, Logo de Deus, Celas, Mainça, S. Facundo, Conraria, Pedrulha e Ingote. Em termos de profissões prevaleciam os Licenciados e Doutores (5), seguidos dos Capitães (3) e dos Reverendos (2), detectando-se outras actividades tais como; Escrivão, Alferes, Latoeiro, Tecelão, Tendeiro e Sapateiro. Das quatro Confrarias que ao longo dos tempos existiram em Eiras é a única que permanece em actividade.

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Gráfico 1 – Bens foreiros à Irmandade do Santíssimo Sacramento em 1737

30 25

Olivais

20

Olivais e Terras Vinhas que foram olivais

15

parcelas

Vinhas que foram olivais

10

Casas

5 0

Olivais Vinha Terra com oliveiras Casas Vinha e terra Vinha que foi olival

Gráfico 2 – Prazos da Irmandade do Santíssimo Sacramento em 1737 Prazos da Irmandade do Santissimo Sacramento em 1737

30

Olivais Vinha Terra com oliveiras Casas Vinha e terra Vinha que foi olival

25 20 parcelas

15 10 5 0

Gráfico 3 – Bens próprios da Irmandade do Santíssimo Sacramento em 1737

10 5 0

0

5

15

10

15

parcelas

20

em 1737

25

144

30

Prazos da Irmandade do Santissimo Sacramento em 1737

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Olivais Terras

9 1 0 9

8 1 8 7

8 1 4 6

18

9 1 0 3 9 01 2 1 9 nos 1 9 A 1 0 DEMOGRAFIA 0

s go o F 54 11 95 12 7

u

/Q ais

as

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s a t in

9 1 0 6

9 1 0 5

9 1 0 4

8

9 701

ar g Lu / s e çõ Eiras a o ov is de iz Ju sa o a C ld a s «No aspecto demográfico, a Idade Média portuguesa termina em 1527, Ca s a com o famoso “numeramento” geral do Reino, ordenado por D. João III e Eir te representativo do primeiro esboço de censo de população. Para os séculos o XII a XV as fontes que possuímos são bem mais escassas e insusceptíveis de Ing eto o números absolutos». conclusões sobre m r r Lo rtal Ca o A. H. de Oliveira Marques - «Demografia», In Dicionário de História de Portugal, Livraria Mu nta dFigueirinhas/Porto, aP. s281. i r a i u Q nd igue aixo o d e F de B a Re d m e i C al ho

6

1

1. Evolução Geral da População da Freguesia de Eiras: 1527-2001 1.1. Até 1864: a época dos Numeramentos, Cômputos e das Informações Paroquiais. evolução da população total da Freguesia de Eiras, ao longo dos tempos, merece-nos especial cuidado. Atenção redobrada, motivada sobretudo pela evolução do seu espaço territorial e urbano. Alterações no seu espaço, tanto para efeitos civis como religiosos, naturalmente se reflectiram na contabilização das gentes que aí viviam. Um esforço que se guiou até ao século XIX, sobretudo pela noção de freguesia religiosa (paróquia). No reinado de D. João III, realizou-se a primeira estatística, relativamente organizada, acerca da população portuguesa. A ordem veio através de alvará de 17 de Julho de 1527, pelo qual se determinou o censo ou numeramento da população. Este censo realizou-se numa altura de declínio populacional do reino, que vivia fustigado por diversas calamidades públicas, culminando em 1569 com uma grande epidemia que eliminou grande número de portugueses «…conhecendo-se notícias de lugares em que o número de moradores ficou mais uma vez reduzido a metade e nalguns casos a um terço» (231). Numa cidade de Coimbra e seu termo que contabilizava 4570 vizinhos (aproximadamente 18.300 habitantes), Eiras contribuía com 52 vizinhos, ou dito de outro modo, com 208 habitantes. Contribuição pequena e circunscrita a uma freguesia constituída apenas por um lugar que era sede paroquial. Informações para anos posteriores dizem-nos que, em 1647, a população de Eiras andaria entre os 1200 e os 1450 habitantes (232). Importa acentuar que este número se refere à população de toda a freguesia enquanto que o censo de 1527 reportava apenas aos habitantes da Vila de Eiras.

A

Armando Carneiro da Silva – «Evolução Populacional Coimbrã» In Arquivo Coimbrão, Boletim da Biblioteca Municipal, Vol. XXIII, Coimbra 1968, P. 206. 232 António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Vol. I, Dissertação de Doutoramento em História, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1971, Pp. 197-198. 231

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Novos dados concretos sobre Eiras são já do século XVIII. Por volta de 1708, o Padre Carvalho da Costa na sua «Corografia Portuguesa» revelava que a Freguesia de Eiras tinha 250 vizinhos, registando um crescimento populacional formidável com um acréscimo de 198 vizinhos face a 1527 (233). O mesmo número é dado 13 anos depois pelo vigário de Eiras nas informações Paroquiais de 1721 (234) onde afirmará que «…os freguezes são duzentos e sincoenta os fogos e as pessoas serão seissentos» (235). Das informações paroquiais de 1721, sabemos hoje que «…os números recenseados não representavam o número de moradores, porquanto os menores de sete anos, almas de comunhão, não foram tomados em conta (…) assim não contados os menores de sete anos, entende-se que cerca de 1/6 dos habitantes das freguesias não entraram no censo» (236). Situação que nos leva a corrigir os números da população total em 1721 para 700 almas, e que comparativamente a 1527 significa que o efectivo populacional quase triplicou. Dados que necessitam ser observados com muita prudência, pois por esta altura a Freguesia de Eiras não se circunscrevia apenas à Vila. De facto o Vigário de então afirmava que pertenciam à freguesia os lugares de «Cazais e Vileirinho», o que nos ajudará a perceber melhor este aumento populacional. No mesmo sentido, caminham os registos pormenorizados do Padre Fabião Soares de Paredes, o qual, por volta de 1734 e nas suas «Memórias d’Eyras» (237), nos dá conta de uma freguesia que respondia não só pela sede paroquial, mas também pelos lugares dos Casais, Vilarinho e Murtal. Afirmava Fabião «Tenho nesta Freguesia toda 282 vesinhos» que somavam 908 fregueses «Conforme a milhor averiguação que me foi possivel». Felizmente que o «nosso» Fabião entendeu descriminar por lugar os habitantes da freguesia: para Eiras, que englobou na designação mais vasta de «Aro da Villa», apontou um total de 132 vizinhos, equivalentes a 417 pessoas organizadas em 138 famílias; o lugar dos Casais apresentava 279 moradores para 100 famílias; o lugar de Vilarinho tinha 94 fregueses para 32 famílias e o Murtal registava 47 moradores e 11 famílias. Eiras, com aproximadamente metade da população da freguesia, seguido pelo lugar dos Casais com 1/3 do total populacional, a que se juntavam os lugares de Vilarinho e Murtal, eis o escalonamento dos quantitativos populacionais totais da freguesia. Se somarmos estes números, verificamos que totalizam um efectivo populacional de 837 pessoas, o que anda um pouco longe dos 908 fregueses por ele

António Carvalho da Costa - Corografia Portugueza, e Descripçam Topográfica do Famoso Reyno de Portugal, com as noticias das fundações das Cidades, Villas, & Lugares, que contêm; Varões illustres, Genealogias das Familias nobres, fundações dos Conventos, Catálogos dos Bispos, antiguidades, maravilhas da natureza, edifícios, & outras curiosas observaçoens, Tomo II, Ed. Valentim da Costa Deslandes, Lisboa, 1708, P. 33 234 Estas informações paroquiais destinavam-se a documentar uma história eclesiástica do Bispado de Coimbra que Francisco Leitão Ferreira fora encarregado de escrever. 235 A.U.C. – Fundo do Cabido: Informações Paroquiais da Freguesia de Eiras, 1721, Fl. 1. 236 Armando Carneiro da Silva – «Evolução Populacional Coimbrã» In Arquivo Coimbrão, Boletim da Biblioteca Municipal, Vol. XXIII, Coimbra 1968, P. 221. 237 A.F.P.M.A.M - Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fls. 22v.-23 233

Demografia

apontados. Provavelmente, e de acordo com a prática da época, deve ter eliminado os menores de sete anos da contabilidade final. O padre Fabião Paredes, num esforço assinalável de apuramento da realidade demográfica, adicionou a esta descrição a definição da estrutura populacional de Eiras por classes de idade. E dessa clareza de espírito quase científica, resultou podermos saber hoje e em pormenor, a realidade demográfica da freguesia em meados de setecentos, que aqui reproduzimos tal qual vem registado no seu manuscrito: Classe Velhos de mais de 50 anos Velhas de mais de 50 anos Homens de 25 ate 50 anos Molheres de 25 ate 50 anos Mossos de 15 ate 25 Mossas de 15 ate 25 anos Rapazes athe 15 anos Raparigas ate 15 anos

Total 56 85 202 213 58 57 123 114

Mais pobre e sucinto é o registo demográfico da freguesia que se extrai do Dicionário Geográfico de 1758 organizado pelo Padre Luís Cardoso. A propósito de Eiras diz-nos que «O seo povo consta de 257 fogos, com 804 almas de communhão» (238). Percebe-se que os dados apresentados excluem também os menores de sete anos, pelo que o efectivo populacional deve rondar os 900 habitantes. Mas que povo devemos considerar? Apenas o da Vila de Eiras ou também o dos lugares que em 1734 Fabião de Paredes considerou no seu estudo como fazendo parte da freguesia? Pergunta que infelizmente ficará sem resposta. À entrada do último quartel do século XVIII, por volta de 1776, a paróquia de Eiras contabilizava 208 vizinhos para um total de 734 almas, decrescendo o seu total em 1801, para 189 fogos e 654 almas (239). Antes de passarmos ao período das estatísticas com base programada, temos um ultimo registo que retirámos da contagem, feita em 1863, quando se projectava uma nova divisão paroquial da Comarca de Coimbra com a criação das freguesias religiosas de Torres do Mondego e Arzila. Esse registo foi publicado sob a designação genérica de Mapa Geral e nele surge a Freguesia de Eiras com um total de 238 fogos equivalentes a 1007 almas ou moradores. A repartição do quantitativo populacional total pelos lugares da freguesia conduziu ao seguinte cenário demográfico (ver tabela 9).

A.N.T.T. - Dicionário Geográfico, 1758, Vol. 42, Nº 75, P. 46 Ana Isabel Sampaio Ribeiro - A Comunidade de Eiras nos finais do séc. XVIII: Estruturas, Redes e Dinâmicas Sociais, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2005, P. 49. 238 239

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Tabela 9 – Repartição da população pelos lugares da freguesia em 1863 (240) Povoações/Lugares/Casais/Quintas Casais de Eiras Casal do Juiz Eiras Ingote Loreto Murtal Quinta do Carmo Redonda Vale de Figueiras Vilarinho de Baixo Vilarinho de Cima Total

Fogos 54 11 95 12 7 6 1 7 3 8 34 238

Almas 265 38 460 31 30 28 4 35 12 30 74 1007

Por esta altura, a população das seis freguesias da cidade perfazia um total de 4.019 fogos para 17.840 habitantes, enquanto que nas 22 freguesias rurais, Eiras incluída, os totais eram um pouco superiores com 6.381 fogos para 22.973 habitantes.

1.2. 1864 em diante: período das estatísticas organizadas e programadas 150

O Censo da População de 1864 foi um marco na estatística portuguesa, na medida em «…que foi levantado com um rigor até então não usado» (241). Desde logo porque nele se recensearam os moradores «de até um mez aos de mais de cem anos», distinguindo-se o sexo, os casados dos solteiros, e os viúvos. Não obstante, sabemos que foi elaborado num clima geral de desconfiança em relação ao governo, perante suspeitas de aumento de impostos e reacender dos trabalhos do recenseamento militar. Entrados no moderno período das estatísticas pensadas, programadas e organizadas, poderemos, praticamente de 10 em 10 anos, seguir a evolução da população da freguesia de Eiras. Olhando o gráfico da evolução total da população da Freguesia de Eiras entre 1864 e 2001, um dado avulta acima de qualquer outro: a freguesia manteve-se num crescendo em termos demográficos. Crescimento que em termos absolutos pode dividir-se em três grandes períodos: 1º - De 1864 a 1930: o ritmo de crescimento é lento, acusando um acréscimo médio de 243 habitantes; 2º - De 1930 a 1970: o crescimento populacional torna-se mais rápido, com um crescimento médio de 658 habitantes;

Mappa Geral das Povoações, casaes, quintas, etc., das freguezias que compõem a Comarca de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1865, P. 16. 241 Armando Carneiro da Silva – «Evolução Populacional Coimbrã» In Arquivo Coimbrão (…) Vol. XXIII, Coimbra 1968, P. 267. 240

Demografia

3º - De 1970 a 2001: o ritmo de crescimento populacional torna-se extraordinário, espantoso até, uma vez que o crescimento médio da população anda nos 2396 habitantes! Ao avaliarmos estes números em termos relativos a situação esbate-se entre o primeiro e o segundo período, uma vez que acusam taxas de crescimento na casa dos 20% e 22% respectivamente. No entanto, a diferença entre o segundo período e o terceiro é já muito significativa porquanto este ultimo acusa uma taxa de crescimento de 37%. Entre os valores extremos, situados entre o pequeno e o grande crescimento, destaca-se: - Década de 1911-1920: período de menor crescimento demográfico da freguesia: apenas mais 48 habitantes, ou seja; 3% em relação à década anterior. - Década de 1970-1981: período de maior crescimento da freguesia registado até aos nossos dias: mais 3499 pessoas, de que resultou uma taxa de crescimento de 72% face à década anterior. De acordo com o último censo, realizado em 2001, a Freguesia de Eiras tinha 12.052 habitantes, mais 2397 do que no período anterior, situando-se este crescimento na casa dos 25%. Dados que superam a tendência de abrandamento do ritmo de crescimento relativo, do período 81-91, onde a euforia da década histórica de 70-81 havia dado lugar a um certo abrandamento, mantendo-se contudo um ganho de 1291 habitantes e uma taxa de crescimento decenal de «apenas» 15%. Por todas estas razões a Freguesia de Eiras ocupa, actualmente e em termos demográficos, um orgulhoso terceiro lugar no quadro das mais populosas freguesias do concelho de Coimbra! E pensar que em 1864 tinha 780 habitantes…

1.3. Conclusões A Freguesia de Eiras acusa desde cedo uma tendência de crescimento demográfico. E há um dado de muito difícil compreensão: como é que no Mapa Geral de 1863 a freguesia surge com 1007 habitantes e, no ano seguinte, com a realização do primeiro censo credível em território nacional se apurou uma população total de 780 habitantes. No entanto, o crescimento da freguesia emerge com uma força poderosa, dando mostras de ter superado momentos críticos da nossa história geral de evolução demográfica: - Na segunda metade do século XIX, iniciou-se no Baixo Mondego a cultura intensiva do arroz, necessidade que infelizmente resultaria no aparecimento de certas doenças mortais que diminuiram, em muitas aldeias ao redor dessa zona o quantitativo populacional. - Ainda durante o mesmo período, há a registar a emigração para as nossas províncias do Ultramar e para o Brasil «que levava para fora das fronteiras nacionais cerca de 13/1000 habitantes do distrito» (242). Diga-se a propósito que neste 242

Id. P. 276.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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particular os Distritos de Coimbra, Aveiro e Viseu registaram as mais altas taxas de emigração. - O êxodo das populações rurais de Coimbra, no decénio 1950-1960 (à semelhança do que sucedeu em outros Distritos de Portugal), na direcção dos centros industrializados ou em vias de industrialização como Lisboa, Porto, Aveiro, Braga e Setúbal não causou especial mossa na freguesia. - Do mesmo modo se comportou a freguesia no que toca ao fenómeno da emigração desta década, rumo aos países do ocidente europeu que se reconstruíam do terrível período da 2ª Guerra Mundial. Na Freguesia de Eiras a única incidência na estatística, indiciadora dessa perturbação, talvez seja o abrandamento do crescimento, de 27% para 12%. Por outro lado, detectam-se, do mesmo modo, correspondências com alguns movimentos gerais da evolução da população no território nacional: - Na última década do século XIX: diminuição do ritmo de crescimento da população em Eiras, tal como sucede com a população do Distrito de Coimbra - Correspondência entre a diminuição da população em Eiras e a crise económica que afectou o país no decénio 1910-1920. Neste período a freguesia regista os seus piores índices de crescimento demográfico (acréscimo de 48 habitantes face à década- anterior). Vários factores teriam concorrido para tal situação: temos a Guerra de 1914/1918 que vitimou alguns milhares de portugueses mobilizando a maioria dos homens na idade viril, com reflexos no número de nascimentos; e a pandemia de gripe pneumónica dos anos 1918/1919. Tal como no restante país, a esta crise sucedeu um período de euforia (decénio 1920-1930) onde o crescimento populacional, face à década anterior, foi o segundo maior de todas as correlações estabelecidas (42% aproximadamente). - Espectacular crescimento da Freguesia de Eiras no período 1971-1981, à semelhança do que ocorreu no país. Segundo os especialistas em demografia este facto teve a sua génese na «…quebra da emigração e o afluxo de cidadãos nacionais e estrangeiros ao nosso país» (243). Na realidade, a um clima político mais favorável associou-se «…um movimento de regresso dos emigrantes portugueses vindos da Europa, América e ex-colónias portuguesas, bem como o surgimento de migrações internacionais que passaram a incluir Portugal na sua rota, como país de destino» (244). No caso de Eiras concorreu decisivamente para esta tendência de crescimento demográfico, o desenvolvimento habitacional e humano trazido pelos novos bairros da freguesia, especialmente o Ingote, Monte Formoso e Loreto.

Jorge Carvalho Arroteia - «Aspectos da dinâmica recente da população portuguesa» In Rev. Biblos, Vol. LXV, 1989, P. 70. 244 João Carlos Santos Pinho - S. João do Campo: a Terra, a Gente, o Espaço e o Tempo (1156-2005), Ed. Junta de Freguesia de S. João do Campo, Coimbra, 2005, P. 100. 243

Demografia

Gráfico 4 – Evolução da População Total na Freguesia de Eiras: 1864-2001

Eiras: 1864-2001 14000 12000 10000 8000 6000 4000 2000 0 1911 1864 1878 1890 1900 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1981 1991 2001 Anos

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O PODER CONCELHIO DE EIRAS

Foto 25 - O antigo Brasão do Concelho, lavrado em pedra, na Fonte de Eiras

«O Paço do Concelho hé bastantemente grande com cedula levantada, sino, e cadeya e das ilhargas, tem seus acentos para os requerentes. Logo proximo a elle estão cazas da Camara com seu quintal, as quoais são de sobrado em cujas loges está asougue em que se corta vaca». Fabião Soares de Paredes - Memorias d’Eyras, 1734, Fl. 30v.

Fotos 26 e 27 – As primeiras folhas do mais antigo Livro de Actas do Concelho de Eiras, 1755-1767

1. Origens do Concelho de Eiras. uando surgiu o Concelho de Eiras? Em concreto não sabemos. Os dados documentais disponíveis são, a esse nível, pouco esclarecedores, mesmo se neles procurarmos apenas indícios de organização comunal. Num documento que já citámos, datado de Maio de 1311, aparece-nos pela primeira vez uma clara indicação sobre vida colectiva, organizada e estruturada, em Eiras. Nesse texto, relembremo-lo, os moradores de Eiras e o mosteiro de Celas têm questão sobre os direitos e foros que este cobrava e que não eram os seguidos no tempo em que a aldeia pertencia ao rei (245). Nesse longo processo devemos assinalar os fundamentos da revolta dos moradores perante o novo senhor, o Mosteiro de Celas, atingindo em especial o seu procurador, uma vez que ambos «…lhes hiam contra seus fforos e hussos e custumes» (246). E esta é a ideia chave subjacente ao aparecimento dos concelhos: a defesa dos interesses comuns das populações. Este documento, como já historiámos, foi apresentado a 07 de Setembro de 1359 em Coimbra, perante o juiz dos feitos e o tabelião publico do rei, para que fosse trasladado, pois tratava-se de um pergaminho que urgia transcrever face ao mau estado de conservação em que se encontraria. No mesmo documento, temos a prova da existência de uma organização administrativa na zona, com uma hierarquia de cargos já bem definida naquele pequeno mundo local, afinal o Concelho de Eiras. A missão delicada de copiar o tão precioso original foi confiada a um homem muito especial na história da vida concelhia de Eiras. Chamava-se Domingos Dominguez, tinha como apelido Cordeirom. Morava em Eiras e era nem mais nem menos do que «…juiz que se dezia ser do dicto logo de Eiras» (247). Mais tarde, num documento de 1377, surge a referência ao «concilium de Eiras», uma assembleia deliberativa ou tribunal municipal autónomo, formado pelo alcaide,

Q

Maria do Rosário Barbosa Morujão - Um Mosteiro Cisterciense Feminino (…) Doc Nº 158, Pp. 400-404. Vide Apêndice Documental, Doc. VI. 246 Id., P. 401. 247 Id. 245

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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juízes, homens bons e chefes de família da povoação, que reuniam nos Paços do Concelho. A 8 de Junho daquele ano realizou-se importante reunião no Mosteiro de Celas. Aí, na presença da abadessa e mais convento, as autoridades do Concelho de Eiras recebiam a comunicação de algumas decisões régias sobre os campos não aproveitados. As ordens foram transmitidas pelo procurador do mosteiro, Vasco Esteves. O Concilium ou Concelho de Eiras fez-se representar no acto pelo «juiz do dicto logo» Afonso Ildez, Fernão Peres e outros moradores do lugar, entre os quais se contam as testemunhas Joham Dominguez Malffrade e Lucas e Pero Lourenço. O procurador do mosteiro, através do tabelião publico del Rei na Cidade de Coimbra, ordena no acto «…lhi ffezer leer e pubricar todallas dictas ordinhaçoes e lhi ffezera tomar o trallado dellas pera guarda do direito do dicto conçelho d’Eyras» (248), o que nos demonstra não só a importância do Concelho de Eiras em plena segunda metade do século XIV, mas também o grau de aperfeiçoamento da instituição, baseado já no controlo e aplicação do direito. No acto percebe-se também a confiança do mosteiro nos homens que lideram a organização do lugar, reconhecendo a importância do Concelho de Eiras. De facto, o mosteiro nomeia como vedores das herdades e mancebos, Afonso Ildez e Fernão Perez, figuras da hierarquia concelhia em Eiras, os quais ficam com a obrigação de elaborar um rol dos campos e seus possuidores. Posteriormente a referência mais próxima acerca do funcionamento do concelho de Eiras é já do século XV. No Indice Geral do Mosteiro de Celas encontra-se uma pequena referência (mas de grande alcance), datada de 1432, dando conta do «Prazo que fez o concelho de Eiras de hum Roxio» (249). Um dado muito importante para a compreensão da evolução do Concelho de Eiras deriva do seu posicionamento na hierarquia e malha geográfica nacional concelhia, uma vez que vêm sendo definidos três níveis de autonomia e importância administrativa: «Existiam câmaras caracteristicamente urbanas como as de Lisboa, Porto, ou Coimbra, municípios dominantemente rurais de grandes e médias dimensões e, por fim, os pequenos concelhos, tendo como sede um lugar ou aldeia ou não possuindo mesmo povoado-sede» (250).

2. A Jurisdição: a cível e o crime. situação do Concelho de Eiras, em termos de competências jurisdicionais, insere-se na organização concelhia que vem pelo menos dos finais da Idade Média: - Em matéria cível, embora tenha certa autonomia, depende em última instância do Mosteiro de Celas, a quem competia a designação do juiz do cível, escolhido

A

Maria do Rosário Barbosa Morujão – Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas, Século XIII-XIV), Dissertação de Mestrado em História Medieval, Universidade de Coimbra, 2001, P. 540. Vide Apêndice Documental, Doc. VIII. 249 A. U. C. – Próprios Nacionais: Mosteiro de Celas - Índex Geral de todos os Titullos e documentos que há no Cartorio do Real Mosteiro de Santa Maria de Cellas, 1220-1729, Fl. 205v. 250 Nuno Gonçalo Monteiro - «A Sociedade local e os seus protagonistas», In Historia dos Municípios e do Poder Local, [Dos Finais da Idade Média à União Europeia], Dir. César de Oliveira, Circulo de Leitores, 1996, P. 36. 248

O Poder Concelhio de Eiras

entre os homens bons do dito concelho e por eles apresentado à abadessa. Por exemplo, em 6 de Outubro de 1356, Afonso Domingues, juiz do cível em Eiras, vem a ser destituído do cargo pela Abadessa de Celas, alegando-se o facto de morar longe (251); - Por outro lado, em matérias crimes, recorria-se à Comarca de Coimbra. De facto foi dentro destas circunscrições que se estruturaram «…diversas comunidades vicinais com “autonomia” administrativa: os concelhos. A sede e o termo destas autarquias, com superfície variável, constituíam os limites da sua jurisdição» (252). Neste âmbito, competia aos alvazis da cidade a colocação em Eiras, do Juiz do Crime - também apelidado de Juiz de Fora (e mais tarde oficial de Alcaide) por oposição ao juiz ordinário da terra. Testemunha desta divisão jurisdicional é o numeramento da população do reino, ordenado por D. João III em 1527, uma vez que no «Titolo dos logares que estam da dita parte do Porto ê que a dita cidade têm somente a jurdição crime», se colocou «Eyras», com a indicação oportuna de «He do mosteiro daCelas» (253). A coabitação entre as instituições que superintendiam e fiscalizavam estes poderes não foi fácil de gerir. E disso encontramos alguns exemplos dispersos no tempo. O primeiro, data de 30 de Maio de 1347. A abadessa e o Convento de Celas, através do seu procurador Domingos Eanes, protestaram junto do alvazil (254) de Coimbra, Tomé Martins, contra o facto de os alvazis terem posto juiz do crime em Eiras. Alegaram então que a jurisdição lhes pertencia desde o escambo de Eiras com Aveiro: «O qual senhor no tempo que com elas fez o dicto scanbho avya toda a jurdiçom civil no dicto logo como seu regeengo que era e de no dicto logo poer juiz que ouvya todolos fectos civiis que nom avendo hii outro juiz pelo qual escanbho que a dicta abbadessa e convento fezerom com o dicto senhor soçederom em todo o dereyto e jurdiçom que o dicto senhor rey avya no dicto logo assii que des o dicto tempo aa ca que o dicto scanbho foy fecto a dicta abbadessa e convento steverom e stam em posse per dez e viinte e triinta e quareenta e cinquoenta annos per tanto tempo que a memoria dos homens nom he em contrayro» (255). O alvazil, ouvida a reclamação, apenas lhes confirmará, naturalmente, a jurisdição cível: «E logo o dicto alvazil disse e deu em resposta que naquela jurdiçom civil que lhis era dada e outorgada por el rey que a ouvessem pela guisa que lhii pelo dicto senhor rey era dada e que lha nom enbargava nem queria enbargar» (256).

Maria do Rosário Barbosa Morujão – Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas, Século XIII-XIV), Dissertação de Mestrado em História Medieval, Universidade de Coimbra, 2001, Pp. 488-490. 252 António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Vol. I, Dissertação de Doutoramento em História, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 1971, P. 19. 253 Armando Carneiro da Silva – «Evolução Populacional Coimbrã» In Arquivo Coimbrão, Boletim da Biblioteca Municipal, Vol. XXIII, Coimbra 1968, P. 214. 254 O alvazil era a designação que na Reconquista tomavam certos governantes locais de territórios cristãos. Desempenhava funções judiciais e denominou-se mais tarde por alcalde ou juiz. 255 Maria do Rosário Barbosa Morujão – Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas, Século XIII-XIV), Dissertação de Mestrado em História Medieval, Universidade de Coimbra, 2001, P. 463. 256 Id. P. 464. 251

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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Acima dos oficiais concelhios, existia a figura do Juiz do Crime, também apelidado de Juiz de Fora, que tinha jurisdição de primeira instância em matérias crimes. Tratava-se da entidade representativa do governo central e símbolo do direito oficial, que respondia directamente aos Corregedores que estavam à frente das comarcas-correições. O cargo de Juiz de fora foi criado no tempo de D. Afonso IV e «…teve a intenção inicial de tornar a justiça mais perfeita, cabendo-lhe pelo menos desde as ordenações Filipinas fiscalizar não só a actuação das Câmaras, como também a dos juizes, procuradores, alcaides, tabeliães e outros poderosos. Daí que lhes competissem matérias muito importantes para a vida concelhias tais como a verificação e aprovação da eleição local dos juízes e vereações, podendo mesmo, em certos casos, substituir o corregedor, agindo como um delegado do poder central» (257). Apesar de o Juiz de Fora ser uma autoridade delegada na freguesia, a escolha da pessoa em causa cabia não só aos oficiais do Concelho de Eiras, como também deveria recair sobre um natural da terra. Assim, entre Dezembro e Janeiro deviam proceder à eleição de 3 homens capazes de servirem o cargo de Juiz de Fora, cujo desempenho duraria um ano. O registo mais antigo acerca deste funcionamento, que não é, porém, o mais antigo quanto à existência de Juiz do Crime no concelho, data de 01 de Janeiro de 1758. A Câmara reúne e elege aqueles que julga mais capazes: João Francisco dos Santos reúne a preferência com 6 votos, João Gomes acumula 2 e João Ferreira apenas 1. Deste termo envia-se cópia para o Senado da Câmara, ficando a aguardar-se a confirmação pelo Corregedor, da sugestão enviada pelo Concelho. Através dos juramentos prestados pelos vários Juízes do Crime de Eiras sabemos, com algumas lacunas, os seus nomes e os anos em que desempenharam o cargo entre 1719 e 1807 (Vide Anexo II). Mas, como se verá, muito daquilo que justificou o funcionamento do Concelho de Eiras integra-se dentro da «…jurisdição em primeira instância, pelo menos em matéria cível» (258).

3. A estrutura base: a constituição de listas, a tirada das justiças, o juramento e entrega de varas, e a validação e fiscalização superior documentação relativa a múltiplos aspectos da vida do Concelho de Eiras, dá a entender que o mesmo tinha uma hierarquia de magistraturas locais, ou de oficiais concelhios, muito bem definida: um juiz ordinário, um procurador, um tesoureiro, dois vereadores e um escrivão. A estes se devem ainda associar outros pequenos cargos concelhios, como os almotacés e os louvados.

A

João Carlos Santos Pinho – Botão mil anos de história(s), Ed. Junta de Freguesia de Botão, 2002, P. 165. Nuno Gonçalo Monteiro - «A Sociedade local e os seus protagonistas», In História dos Municípios e do Poder Local, [Dos Finais da Idade Média à União Europeia], Dir. César de Oliveira, Círculo de Leitores, 1996, P. 49.

257 258

O Poder Concelhio de Eiras

Os livros de actas que registam a actividade do Concelho de Eiras, e que se conservaram até aos nossos dias, cobrem aproximadamente um século da sua existência (1755-1836). Assim, a primeira equipa completa de oficiais concelhios conhecidos foi a que funcionou em 1755, sendo constituída pelos seguintes indivíduos: José António da Comseisam da Silva, da Vila de Eiras, desempenhava o cargo de Juiz-ordinário; Lourenso Marques era o Procurador; João Gomes de Ornellas e Bernardo Lopes da Silva eram, respectivamente, os Vereadores, mais velho e mais novo; e Luis Marques de Mattos era Escrivão da Câmara (259). Nas tarefas de gestão do concelho acrescentam-se os nomes de outros oficiais auxiliares: Manoel da Murta e Antonio Gomes Lieão, ambos da Vila de Eiras haviam sido empossados nos cargos de louvados do concelho em Março desse ano, naquela que constitui simbolicamente a primeira acta ou termo do Concelho de Eiras, com data e assinaturas do dia 23 de Março de 1755. Pelo seu grande simbolismo e interesse histórico reproduzimos o documento: «Termo de louvados do conselho» «Aos vinte tres dias do mês de Marso de mil e setesentos e sincoenta e sinco annos nesta Vila de eiras e nas cazas da Camara della donde ahi estavão prezentes o juis e mais ofesiais da Camara do presente anno o Juiz e consignados para efeito de ellegerem em dois hommes para louvados do Comselho para este prezente anno e por elles todos forão elleitos para llouvados do Conselho deste prezente anno Manoel da Murta e Antonio Gomes Lieão desta dita villa…ouverão em os ditos juis e oficiaes da Camara esta elleiçom por feita que asignarão e eu Joao de Souza Soares escrivão que o escrevi»(260). A eleição ou sorteio dos diversos corpos de oficiais concelhios fazia-se anualmente e compreendia dois cerimoniais distintos mas complementares: iniciava-se pela tirada das justiças e concluía-se com a entrega das varas aos novos eleitos. Estes processos tinham trâmites muito próprios que se desenrolavam em intima ligação com os poderes ou jurisdições acima do Concelho de Eiras: a Câmara da Cidade de Coimbra e o Mosteiro de Celas. A tirada das justiças fazia-se de acordo com o costume ou foral (se existisse). Antes deste cerimonial, e sempre que era chegada a altura de proceder-se à substituição dos cargos concelhios «…eram chamados à Câmara de Coimbra os juízes, vereadores, procurador e homens-bons do lugar, escolhendo-se seis homens que se dividiam em grupos de dois. Cada um destes grupos tinha então de apresentar por escrito, uma lista dos nomes aptos para cada um dos cargos concelhios, que entregavam ao Corregedor e após registado no livro do concelho» (261).

Embora a primeira acta esteja assinada por João de Sousa Soares, Escrivão das Sisas que ao acto foi chamado por motivo que desconhecemos. 260 A. H. M. C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e Termos da Câmara da Vila de Eiras, 1755-1767, Fl. 2. 261 João Carlos Santos Pinho – Botão mil anos de história(s), Ed. Junta de Freguesia de Botão, 2002, P. 166. 259

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Passava-se então a uma segunda fase: organizadas as listas com os nomes dos concorrentes eram os mesmos inscritos em bilhetes que ficavam dentro de pequenas bolas de cera «…organizando-se em sacos separados os pelouros dos juízes, os de vereadores e os de procuradores» (262). A partir deste momento estava tudo preparado para o sorteio. O cerimonial da tirada das justiças era complementado primeiro com o juramento das justiças em Eiras, seguindo-se a entrega das varas, que era o momento alto da vida concelhia, pleno de significado e simbolismo, cujo cenário tinha por pano de fundo os Paços do Concelho da Vila de Eiras. Momento também de transparência e inocência: após a recolha das listas concorrentes e para que a cerimónia traduzisse total confiança ao público que a ela assistia, era chamada uma criança de tenra idade a quem competia tirar os pelouros pela sua própria mão. A altura preferencial para a tirada das justiças, salvo qualquer contrariedade, ocorria no mês de Dezembro, normalmente no dia imediatamente a seguir ao Natal, de modo a que tudo estivesse pronto a tempo da entrega das varas aos novos eleitos, que se realizava, por norma, no primeiro mês do novo ano. O mais antigo registo sobre este cerimonial data de 17 de Dezembro de 1755 e nele se definiram os eleitos para 1756: «Termo de plubliqouasam e abertura do pulloiro das justiças»:

162

«Aos vinte e sete dias do mês desembro de mil e setesentos e cincoenta cinco annos nesta Villa deiras e caza da camara della ahi estando o povo junto por Joze Rodrigues Moreira juis prezidente ahi mandou ir a sua prezensa o menino menor e por elle foi tirado do saco hum pulloiro das justisas que ande servir anno foturo de mil e setesentos e cincoenta e cinco e seis e sendo por elle aberto foi publiquado e por elle e dito jois e por sua lletra em que saio elleito pera juis Manoel Marques Rocha e Joam Fereira Pesoa e Joam Marques Moso = e procurador Donizio Rodrigues de que fis este termo que asinei com o dito juis eu Luis Marques de Matos» (263).

Id. A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755-1767, Fls. 16-16v.

262 263

O Poder Concelhio de Eiras

Tabela 10 – Constituição da Câmara Municipal da Vila de Eiras, 1755-1836 (264) Ano 1740 1755

1756

1757

1758 1759 1760

1761 1762

1763 1764 1765

1766

Juiz ordinário Manuel Marques Carrasco, Tenente José da Conceição e Silva

Vereadores Procurador - António Fernandes Manuel da Cruz Prata - João Francisco de Lourenço Marques Ornellas - Bernardo Lopes da Silva

Manuel Marques Rocha

Escrivão - João de Sousa Soares - Luís Marques de Matos

- João Ferreira Pessoa - João Marques Moço Manuel Marques - João Francisco dos Carrasco, Tenente Reis - Bernardo Rodrigues Bastos Francisco Marques - Manuel José da Cunha, Capitão Bernardes - António Marques Manuel Marques - Lourenço Marques Luzeiro - António Fernandes (Escravote) António de Almeida - Luís de Sousa Furtado - Bernardo José da Cunha

Dionísio Rodrigues

Luís Marques de Matos

José Marques Carpinteiro

Luís Marques de Matos

António Baptista

Luís Marques de Matos

Francisco Lopes da Silva

Luís Marques de Matos

António José de Oliveira

Manuel Marques Gregório Simão Pedro Carrasco de Oliveira

António Matias (Eiras) João da Cunha Lombeiro

- Manuel Marques de Carvalho e José António Conceição da Silva (1) Manuel de Barros e Mesquita Manuel de Barros e Mesquita Manuel de Barros e Mesquita

Simão Pedro Marques Manuel Gomes da Costa Cardoso (Eiras) Manuel Marques, Tenente Francisco Marques da Cunha, Capitão

- Bento Marques da Cruz - Dionísio Rodrigues Carpinteiro - Joaquim Marques Moço Luís Francisco

Manuel Marques Matos - António Fernandes Luís Bernardes Bruxeiro - João Francisco Dias - José da Cunha Cristóvão Pereira Leite (Eiras) (Eiras) - Manuel Marques Valença - João de Matos António Marques - João de Oliveira Moço, o novo

Manuel de Barros e Mesquita Manuel de Barros e Mesquita Sebastião da Silva Sebastião da Silva

Sebastião da Silva José Rodrigues Pereira

Reconstituição feita a partir dos livros de actas da Câmara da Vila de Eiras (1755-1767;1773-1779; 1788-1790;1791-1794;1794-1796;1800-1811;1819-1822;1822-1826;1826-1833 e 1833-1836); do livro de Audiências de Posturas da Câmara de Eiras de 1789-1903 e da reconstituição feita entre 1780-1787 no trabalho A Comunidade de Eiras nos finais do séc. XVIII: Estruturas, Redes e Dinâmicas Sociais, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2005, P. 173. 264

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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Ano 1767

Juiz ordinário Vereadores Luís de Sousa (Eiras) - Jerónimo Marques Luzeiro - António Matias

Procurador - António Pereira

Escrivão José Rodrigues Pereira

1773

Luís de Sousa

- Manuel Pereira Cardoso

José Nunes da Cunha

1774

Manuel Marques de Carvalho

João Francisco Barata

José Nunes da Cunha

1775

Simão Pedro Marques

António Bernardes, o novo

José Nunes da Cunha

1776

Dr. João Camelo Mendonça, alferes

Manuel Marques Murta

José Nunes da Cunha

1777

Luís de Sousa

António Rodrigues Ruivo

José Nunes da Cunha

1778

Manuel Marques de Carvalho, ajudante Simão Pedro Marques, Alferes

- Manuel Bernardes da Ponte - Manuel Marques de Matos - João Francisco Dias - Francisco Fernandes Valente - Manuel Rodrigues Moço - José da Cunha Leite - Lourenço Marques - Manuel Rodrigues da Igreja - Francisco Bernardes - António Pereira - Luís Francisco - Dionísio Rodrigues - Joaquim Marques Moço - Manuel Simões

Francisco Martins

José Nunes da Cunha José Nunes da Cunha

- Francisco Marques Valença - Bernardo José de Sousa - Luís Fernandes - José Leal - Manuel de Bastos - Bernardo de Oliveira - Dr. António Luís da Costa Pacheco - Joaquim Marques de Matos

António José Rodrigues

Jácome Baptista Ginhão

Manuel Fernandes Valença Francisco José de Matos

Jácome Baptista Ginhão Jácome Baptista Ginhão

José Marques Valença

Jácome Baptista Ginhão

1779 1780 1781 1782 1783 1784 1785 1786 1787 1788

1789 1790 1791

Id. Manuel Rodrigues Moço José António da Conceição Lopes e Silva, Capitão Manuel Pedrosa do Nascimento Simão Pedro Marques, Alferes Id. Id. Id. Manuel Rodrigues Moço Manuel Rodrigues Moço Manuel Rodrigues Moço João de Morais Carneiro Fontoura, Tenente

Luís Fernandes

Id.

O Poder Concelhio de Eiras

Ano 1792 1793 1794

1795 1796

1797 1798 1799

1800

1801

1802

1803 1804

1805 1806

1807

Juiz ordinário Simão Pedro Marques, Alferes António José Oliveira, Capitão Dr. António Luís da Costa Pacheco

Vereadores - José Marques - Fabião Pereira - João de Oliveira - Lucas Rodrigues - Manuel Marques de Campos - José da Cunha Leite João Correia da - Manuel Fernandes Fonseca, Capitão Valente - José Bernardes José Marques - Francisco Marques Carpinteiro Valença - António Rodrigues Ruivo Simão Pedro - Fabião Pereira Marques, Alferes - Manuel Marques Grilo António Joaquim - José Marques Silva Valença - José Marques Moço José Monteiro - Manuel Marques da Murta - João de Oliveira Velho Fortunato José - Bernardo José Xavier da Silva Francisco Ribeiro - José António da Ponte Bernardo de Oliveira - Luís Fernandes da Branca - João Ferreira Cardoso João de Oliveira - António Ferreira de Faria - Pedro Joaquim Dias da Fonseca António Ferreira de - Lucas Rodrigues Faria - António Rodrigues Ruivo João Correia da - José António da Fonseca Campos, Ponte Alferes - Jerónimo Ferreira Pessoa Pedro Joaquim Dias - José Leal da Fonseca - Jerónimo Rodrigues Lucas Manuel dos Santos - Manuel Simões da Branco Mota - Bernardo José Francisco (Redonda) Manuel dos Santos - José dos Reis Branco - Francisco Baptista

Procurador Luís José da Cunha Leite José Joaquim José Lopes

Escrivão Jácome Baptista Ginhão Jácome Baptista Ginhão Jácome Baptista Ginhão

António da Cruz

Jácome Baptista Ginhão

José Pereira Dinis

Jácome Baptista Ginhão

António Pereira Serquedo

Jácome Baptista Ginhão

Luís de Matos

Jácome Baptista Ginhão

Luís de Matos

Jácome Baptista Ginhão

Jerónimo Rodrigues Ruivo

Jácome Baptista Ginhão

António Rodrigues Lucas

Jácome Baptista Ginhão

Simão Ferreira Cardoso

Jácome Baptista Ginhão

Manuel Marques Cardoso (ou Mano)

Jácome Baptista Ginhão

Joaquim Marques de Jácome Baptista Matos Ginhão Manuel Pereira Dinis

Jácome Baptista Ginhão

- Joaquim Monteiro

Luís Fernandes da Silva

António Marques Valença

Luís Fernandes da Silva

165

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Ano 1808 1809

1810

Luís Joaquim Coutinho

1812

Fortunato José Ribeiro da Silva, Alferes

1813

Fortunato José Ribeiro da Silva, Alferes João Fellis Pereira, Capitão

1814

166

Juiz ordinário Vereadores Bernardo de Oliveira - António Cardoso - Joaquim Marques de Matos Fortunato José - Lucas Rodrigues Xavier da Silva - António Joaquim da Silva

1815

João Fellis Pereira, Capitão

1816

Dr. Francisco Xavier Bezerra

1819

Fortunato José Xavier, Alferes Fortunato José Xavier, Alferes

1820

1821 1822

1823

1824

- José Leal - Manuel Simões Mota - Manuel Pereira Dinis - António Cardoso - Bernardo de Oliveira - Francisco Baptista - Francisco Baptista e Cunha - António Rodrigues Ruivo - Bernardo de Oliveira, o novo - José Cadima - António Fernandes Mariano - José da Cunha Leite - Francisco Pereira - Joaquim dos Santos - Francisco Pereira - João de Oliveira

João Correia da Fonseca, Capitão

- Joaquim Matias - José Marques Matos Até Outubro: João - José Marques Correia da Fonseca, - Joaquim Matias Capitão - Francisco José Novembro: Joaquim Filipe Pires da Costa dos Reis e Silva - António Gonçalves Luzeiro, Bacharel de Campos, Capitão Joaquim dos Reis - António Gonçalves e Silva Luzeiro, de Campos, Capitão Bacharel - Francisco José Filipe Pires da Costa

Joaquim dos Reis e Silva Luzeiro, Bacharel

- Bernardo de Oliveira - Manuel Rodrigues

Procurador Bernardo Simões

Escrivão Luís Fernandes da Silva

António Pereira Dinis

Luís Fernandes da Silva

António dos Santos

Luís Fernandes da Silva

Joaquim Marques

Luís Fernandes da Silva António Fernandes da Silva António Fernandes da Silva

José de Bastos Manuel Marques Cardoso

Luís Fernandes da Silva

António Cardoso

António Fernandes da Silva

Joaquim Marques Campos

Joaquim Monteiro Peixoto

António Fernandes da Silva António Pereira Dinis António Pereira Dinis António Pereira Dinis António Fernandes da Silva António Pereira Dinis

- Joaquim Monteiro da Silva - Francisco Baptista e Cunha

Luís Fernandes da Silva António Pereira Dinis

Francisco Baptista e Cunha

- António Pereira Dinis (faleceu) - Luís Fernandes da Silva - António Fernandes da Silva - Caetano José Bernardes Caetano José Bernardes

Manuel da Cunha Manuel da Cunha

Joaquim da Cunha

O Poder Concelhio de Eiras

Ano 1825

Juiz ordinário Francisco José Filipe Pires da Costa

1826

António Nunes, Alferes

1827

Joaquim dos Reis e Silva Luzeiro, Bacharel

1828 1829 1830 1831 1832 1833

1834

- José Pereira dos Santos - Francisco da Tapada

Procurador António Gomes Caridade

Escrivão Caetano José Bernardes

Manuel da Cunha

Caetano José Bernardes

- António Fernandes António Marques Valença Mariano - Francisco da Cruz Fortunato José - Joaquim Monteiro João Leal Xavier Ribeiro da da Silva Silva - Manuel Rodrigues António Gonçalves - António Gomes António Fernandes Valente de Campos - António Marques João Fernandes Dr. Francisco Xavier - Joaquim Matias Bezerra de Lima - Bernardo de Oliveira António Gomes Dr. Francisco Xavier - José Marques Bezerra de Lima Caridade - José da Costa Cadima Fortunato José José Marques Mano - José Valença Xavier, Alferes - João Leal - António Gonçalves - Joaquim Monteiro Luís Simões da de Campos, Capitão da Silva Morra - Francisco Xavier - António Gomes Bezerra de Lima (por morte do anterior) - Dr. Francisco Constâncio José da - Joaquim Matias Xavier Bezerra de Silva - Joaquim Cardoso Lima

1835 - Joaquim dos Reis (Com. e Silva Luzeiro, Interina) Bacharel 1836

Vereadores

- Bernardo de Oliveira - António Nunes, Alferes

António Fernandes da Silva (substituto do Administrador do Concelho)

- José António da Silva - João de Oliveira dos Santos

- Bernardo de Oliveira - Fernando António da Maia - José Daniel

António Gomes

Caetano José Bernardes Cosme Dias Ribeiro Xavier e Silva Cosme Dias Ribeiro Xavier e Silva

Cosme Manuel Maria dos Santos

Manuel Maria dos Santos

Manuel Maria dos Santos

Manuel Maria dos Santos Luís Fernandes da Silva

Luis Fernandes da Silva Luis Fernandes da Silva

A partir deste momento, o tempo era de transição entre o antigo e o recente, entre os velhos e os novos oficiais do Concelho de Eiras. Espera que duraria até ao cerimonial do juramento e entrega das varas às novas justiças – de que se lavrava competente termo nos livros da Câmara – actos que apenas se efectuavam após o Concelho de Eiras receber a Carta de Confirmação das justiças recém eleitas enviada pelo Corregedor. A cerimónia da entrega das varas realizava-se, em princípio, no primeiro mês do ano e na Casa da Câmara da Vila de Eiras. No acto marcavam presença as

167

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

antigas autoridades, a Nobreza e o Povo do lugar. Perante grande assistência o acto era sancionado através de auto de posse e juramento aos novos oficiais. Um dos melhores exemplos deste cerimonial ficou lavrado na acta da Câmara da Vila de Eiras de 02 de Janeiro de 1774:

168

«Anno do Nascementto de Nosso Senhor Jezus Christo de mil settecentos e setenta e quatro annos Aos dois dias do mes de Janeiro do ditto anno nesta villa de Eyras e cazas da Camara della onde se achavão prezenttes Luis de Souza Juis Ordinario que servio o anno perteritto, Manoel Bernardes da Pontte, Manoel Marques de Mattos anbos veriadores e Manoel Pereira Cardozo Procurador do mesmo anno passado e commigo Escrivão, onde tambem se achavão prezenttes os novos ofeceais que hão de servir estte prezentte anno, Manoel Marques de Carvalho Juis ordinario que hade ser e João Francischo Dias e Francischo Fernandes Vallentte e João Francischo Baratta aquelles veriadores e estte procurador, e pello ditto juis ordenario Luis de Sousa foi entregue a vara de Sua Magestade ao ditto juis ordenario Manoel Marques de Carvalho e lhe deferio o juramentto dos Santos Evangelhos que recebeo e lhe emcarregou a elle, e elle aos mais offeceaus que de novo entrarão a quem tambem deu juramentto que receberão que huns e outros servissem seus respetivos cargos com verdade e inteyreza comprindo em tudo com as suas obriguaçoens goardando em tudo o servico de Deos e de Sua Magestade o que todos prometerão fazer debaixo do juramentto que recebido tinhão e tomarão entregue de suas varas e respetivos cargos tudo se obrigarão de cumprir de que fis estte autto que huns e outros offeciais asegnarão e eu Jozé Nunes da Cunha Escvrivão da Camara que o Escrevi» (265). A entrega das varas significava, para as partes envolvidas, a investidura do poder, com juramento solene e passagem dos símbolos materiais de autoridade – as varas. Estas cerimónias dar-se-iam por concluídas com as assinaturas das novas e das antigas justiças. A partir desse momento, o Concelho de Eiras poderia começar a sua actividade. No entanto, estes actos estavam sujeitos a validação ou fiscalização superior, especialmente o processo da tirada das justiças. De facto cabia ao Corregedor da Comarca de Coimbra decidir se os eleitos reuniam todos os requisitos para desempenhar funções, do mesmo modo que lhe competia avaliar a escusa apresentada por algum oficial. Se o caminho fosse nova eleição, de algum ou de vários oficiais, por escuso ou por morte, tomariam os seus sucessores a designação de juiz, vereador ou procurador «de barrete», procedendo-se a escrutínio as vezes que fossem necessárias até se constituir nova equipa. O momento final deste processo desenrolava-se no Mosteiro de Celas. Detentor da jurisdição cível em ultima instância sobre o Concelho de Eiras, e tendo os oficiais do mesmo, funções e competências circunscritas a matérias cíveis, carecia o acto de eleição ou sorteio das justiças de legitimação superior. Nas Memórias de Eiras encontramos a descrição breve desse último instante:

265 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1773-1779, Fls. 8v.-9

O Poder Concelhio de Eiras

«O Juiz Ordinario he eleyto em Camara pello povo de dentro da Villa em pelouros cuja Eleyção confirma o Corregedor de Coimbra todos os annos, e no dia em que toma posse, que hé no primeiro de Janeiro, vai acompanhado dos Nobres da Villa fallar á Abbadessa de Cellas, a quem dá, e della torna a receber a vara de Juiz» (266). Findo o acto a Câmara de Eiras reunia todas as condições para funcionar normalmente. Estes oficiais, fundamentais e principais na vida concelhia de Eiras, tinham funções definidas e enquadradas pela lei. Tendo já sido referida a competência em matéria de justiça que cabia ao juiz, centremo-nos um pouco na figura do Procurador. Além de representar o concelho nos mais diversos actos institucionais em que substituia o juiz nalguns deles, tinha uma função muito curiosa que era a entrega dos bens da Câmara. Estes passavam do velho ao novo oficial, em acto ou termo lavrado em sessão de Câmara, assim que as novas justiças estivessem confirmadas. Data de 07 de Abril de 1827 um desses registos: «Entregou elle Manoel da Cunha os pezos que em seu poder tinha a saber = Arroba = meia Arroba = oito arrates = e quatro arrattes = dois arrattes = Arratte = Meio arratte = E quarto de arratte = Humas balanças de páo grandes = Hum Cofre com tres Chaves = Hum tinteiro = Huma garrafa de tinta = Huma Vára de medir pano = Huma Vára com a bandeira do Divino Espirito Santo = Huma Coroa do mesmo = Humas farroupeas de ferro = Dois pano de baetta pretta que servirão para cobrir as Armas da Frontaria da Igreja, e da Fonte = E quatro dúzias de Luminarias = Hum caixão de ter as Luminarias…» (267). Para se perceber um pouco melhor os motivos que levavam os «Camaristas» a reunirem‑se, elaborámos uma tabela onde sintetizámos a actividade do Concelho segundo dados retirados dos seus livros de actas. Trabalho onde se procurou conciliar os anos que nos pareceram mais representativos, com três momentos que se aproximam do princípio, do meio e do fim, da cronologia de actas disponível: Tabela 11 – Actividade do Concelho de Eiras nos anos 1756, 1801 e 1835. Data Termos de Câmara Data Termos de Câmara 07-01- Termo de eleição de de- 01-01- Auto de Posse e Jura1756 positário para 1756. 1801 mento deferido a Bernardo de Oliveira do posto de Juiz Ordinário. 07-01 Termo de eleição de 01-01- Termo de eleição de Depregador para a Qua- 1801 positário das Sisas desresma. te Cabeção. 09-01 Termo de aceitação da 01-01- Termo de eleição de Paeleição que se fez em 1801 dre Pregador da QuaCâmara para pregador resma. da Quaresma.

Data Termos de Câmara 02-01- Termo de eleição dos 1833 louvados na forma da Ordem de 24 Dez. 1832 para o lançamento da Décima de 1833. 03-01 Termo de juramento dado aos Almotacés. 07-01

Termo de eleição de Vereador de “barrete” por escusa do nomeado.

A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 30v.   A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1826-1833, Fl. 25v.

266 267

169

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Data 15-01 Id.

Termos de Câmara Termo de entrega das varas aos novos oficiais da Câmara. Termo de juramento e entrega das varas aos Almotacés. Termo de como fizeram as posturas o Juiz e mais oficiais e deram por condenadas as pessoas que faltaram. Termo de como se foram as “aredas”.

Data Termos de Câmara Data 01-01- Termo de eleição de Ve- 15-01 1801 reador de “barrete”. 05-01

Termo de dois Vereado- 19-01 res feitos de “barrete”

08-02

Termo de eleição de 07-02 Recebedor da Décima Militar.

21-02

Termo de eleição de um 07-02 Vereador de “barrete”.

31-01

Termo de feitura de ca- 26-02 minho.

28-03

Termo de eleição que se 26-02 fez para Recebedor de 4,5%.

Auto de Câmara para 02-02 elegerem e nomearem três pessoas para uma ficar com o encargo de Égua de Lista.

01-05

Termo juramento a Al- 12-03 motacés.

S/D

Termo de entrega dos 18-03 bens do Concelho de Eiras que o Tesoureiro do ano anterior faz ao novo. Termo juramento a Al- 20-03 motacés.

17-01

17-01

170

01-05

Termos de Câmara Termo de eleição de Vereador de “barrete” por escusa do nomeado. Termo de eleição de Vereador de “barrete” por escusa do nomeado. Auto de posse aos novos “Camaristas” para 1833. Termo de entrega dos bens moveis da Câmara feito pelo anterior Procurador ao novo. Termo de eleição de Padre Pregador para a Quaresma.

Termo de juramento e 26-02 posse deferido ao Vereador Luís Fernandes e ao Procurador António Rodrigues.

Auto de Câmara para se cumprir a ordem do Corregedor da Comarca para que a Vila de Eiras e seu termo forneçam 200 alqueires de milho ao exército. Termo eleição de um 21-03- Termo de Depositário do Concelho. Vereador de “barrete”. 1833

Termo de eleição de um 22-03 Vereador de “barrete” por escusa do anterior.

Termo de juramento aos Almotacés.

Termo de eleição de um 29-04 Tesoureiro para servir e guardar o Estandarte do Divino Espírito Santo.

Termo eleição e nomeação de Almotacés de Maio a Dezembro.

23-05

Termo de entrega que 08-04 se faz ao novo Imperador.

Termo de eleição de um 29-04 Vereador de “barrete”.

Termo de eleição de 2 louvados.

08-06

Termo arrematação de 28-04 “afogaças”.

Termo de eleição de 3 pessoas para uma servir de Mestre de Valas.

Id.

Termo de obrigação que 29-04 fez António Ferreira do lugar de Lordemão, de 6,5 alqueires de trigo de uma “afogasa” que se arrematou pela festa do Espírito Santo.

Termo de fiança para a 24-05 festa do Divino Espírito Santo.

Termo de «factura» de 26-08 Almotacés para os próximos 8 meses.

Termo de eleição e juramento de um alcaide e dois inspectores.

O Poder Concelhio de Eiras

Data 30-06

Termos de Câmara Data Termo de “Correisão de 30-04 bordas e bueiros”.

09-07

Termo de entrega de 01-05 pelouro aos almotacés.

06-08

Termo de entrega de 13-05 pelouro aos almotacés.

13-11

Termo de entrega de 26-04 pelouro aos almotacés.

Termos de Câmara

Termo de Almotacés.

Data 29-08

Termo de entrega de 31-08 bens que o anterior Imperador do Divino Espírito Santo faz ao novo.

Termo de nomeação de 31-08 3 pessoas para uma servir o encargo de Égua de Lista.

Termo de arrematação 18-12 de “Bollos”.

15-11

Termo de entrega de 02-07 pelouro aos almotacés.

27-11

Termo eleição de “finta- 18-12 dores” para 1757

Termo de Tirada das 18-12 Justiças para 1802.

15-12

Termo de feitura de ca- 18-12 minho.

Termo de Juiz do Crime.

17-12 21-12

22-12

Termo de justiças para 18-12 1757. Termo de eleição para se elegerem homens para nomearem o Pregador. Termo de eleição de Pregador para a Quaresma.

Termo de juramento 18-12 dos Almotacés para Julho e Agosto.

Termos de Câmara Termo de eleição de um Juiz de “barrete” para 1833 por morte do actual. Termo de “Correição às Colmeias”.

Termo de Recebedor para o 1º Semestre de 1833 das Coimas da Vila de Eiras.

Termo de Justiças para 1834.

Termo de eleição de Tesoureiro dos Selos desta Vila.

Termo de Depositário dos Bens do Cabeção das Sisas para 1834.

Termo de “fatura de caminho”.

4. Os outros oficiais concelhios: Escrivão, Almotacés, Porteiro, Louvados e Depositário oficial responsável pelos actos de escrituração do Concelho de Eiras apelidava-se de Escrivão da Câmara e da Almotaçaria, designação que associa os trabalhos de escrita que realizava nas actas da Câmara com os do registo dos autos, condenações e correições dos livros de Almotaçaria. É difícil enquadrar este oficial na escala dos oficiais concelhios: embora não tenha a importância da autoridade e lei que é conferida a um Juiz, Vereador ou Procurador, a verdade é que a sua função era talvez a de maior responsabilidade, na medida em que tinha obrigatoriamente de saber ler e escrever, ao contrário dos demais oficiais que, não raras vezes e nos mais diversos actos, assinam de cruz por não saberem ler. Portanto o seu posicionamento dentro da orgânica concelhia se situará entre os oficiais principais e os pequenos oficiais concelhios.

O

171

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

172

A Câmara de Eiras dispunha também de outros pequenos ofícios concelhios, de menor importância, mas com competências específicas dentro dos limites do concelho: os almotacés e os louvados. Os almotacés desempenhavam funções cruciais para a vida do concelho, uma vez que tinham sob responsabilidade importantes matérias de fiscalização e controlo: «fiscalizar os salários dos oficiais e o tabelamento dos produtos manufacturados; verificar o abastecimento e distribuição de géneros alimentícios; aferir pesos e medidas do vinho, pão, azeite, peixe carne, etc.; limpeza dos caminhos concelhios e impedir a construção ilegal, como paredes de casa ou quintais, bem como a abertura de portais, janelas, ou servidão de águas, tendo como base e fundamento jurídico para a sua actuação o conhecimento das transgressões que se fixavam nas posturas» (268). Dentro do quadro de oficiais a Câmara de Eiras tinha ainda uma série de funcionários que nos dão justa medida da sua importância concelhia: - O «oficial de bordam», figura equivalente a porteiro, era um ofício auxiliar da Câmara e, de modo particular, do Escrivão, de quem recebia instruções ou competências de natureza convocatória e de citação, válidas por um ano. A 27 de Agosto de 1790 o primeiro oficial de bordão com registo nas actas concelhias fez termo de obrigação e juramento do seu ofício pelo ordenado de 360 reis «…com o contrato de fazer todos os menisterios de seo offissio elle for mandado lançando pergoins prendendo fixando Editais e só nam podera fazer citaçoins nesta VIlla de qualidade alguma salvo esteja empedido o Escrivam a quem pertencem» (269). - A partir de 1824, a Câmara de Eiras passa a nomear um aferidor para pesos e medidas. A 31 de Janeiro desse ano nomeou Fabião Correia, dos Casais de Eiras, sendo a designação válida, segundo se pode ler «…este prezente anno e nas mais seguintes emquanto as Cameras o concentirem e elle servir de boa fé» (270). - Depositários dos bens de raiz, depositário dos bens do concelho, da décima, Real de água e do Subsidio Literário; e louvados.

5. Símbolos do poder: a Casa das Sessões, o Cartório, o Brasão, a Cadeia e o Curral s concelhos que foram extintos no Séc. XIX possuíam um conjunto de símbolos de poder através dos quais os oficiais concelhios se faziam reconhecer junto da população. Em Eiras sabemos que existiram os principais símbolos de poder concelhio, à excepção do pelourinho que nunca teve (pois a jurisdição crime pertencia à Comarca de Coimbra). O concelho de Eiras, tendo em vista o bom funcionamento, precisaria de um espaço adequado para as reuniões dos seus oficiais. Nos primórdios da sua

O

João Carlos Santos Pinho – Botão mil anos de história(s), Ed. Junta de Freguesia de Botão, 2002, Pp. 169 e 172. 269   A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1788-1790, Fl. 46v. 270 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1822-1826, Fls. 33-33v. 268

O Poder Concelhio de Eiras

organização talvez tenha funcionado em casas particulares, mas, com o aperfeiçoamento da instituição concelhia, necessitou de estrutura própria. O primeiro relato sobre este espaço, os Paços do Concelho de Eiras, data de 1734: «O Paço do Concelho hé bastantemente grande com cedula levantada, sino, e cadeya e das ilhargas, tem seus acentos para os requerentes. Logo proximo a elle estão cazas da Camara com seu quintal, as quoais são de sobrado em cujas loges está asougue em que se corta vaca» (271). Esta é a primeira descrição bem conseguida dos Paços do Concelho de Eiras e, provavelmente, uma das mais antigas a nível nacional. E que bela descrição nos deixou Fabião Soares de Paredes! Um conjunto composto por uma casa grande, com sino, com Cadeia, casas da Câmara anexas, quintal e açougue. Desconhecemos se a Casa da Camara da Vila de Eiras foi sempre no mesmo local. Sabemos, no entanto, que estas estruturas necessitavam de obras periódicas de conservação. Em Julho de 1760 a Casa da Camara dava mostras de estar em ruína «… porpicua a cair» (272). Decidiu-se então que se oficiasse ao Provedor e ao Corregedor da Comarca de Coimbra, dando conta da situação. O problema tardou em ser resolvido e o lançamento de uma finta sobre os habitantes de Eiras foi a solução encontrada. Assim, a 15 de Abril de 1774 o Senado da Câmara de Eiras nomeia Jozé Marques de Mattos, sapateiro de profissão a quem entregam o Rol dos Devedores para serem cobrados no termo de 3 dias, findos os quais seriam executados (273). Teria a Casa da Câmara sido recuperada após o lançamento desta finta? Talvez, mas em 27 de Novembro de 1778 a Câmara da Vila de Eiras terá de tomar outra postura sobre o mesmo assunto mais dura e decidida: fazendo um termo de consentimento pelo qual a Câmara, a Nobreza e o Povo de Eiras concordaram em lançar nova finta para obras importantíssimas para o Concelho: «…que cada morador contrebuehe com o que lhe fosse repartido para a despeza das provizoens que se achão pendentes para a fatura da caza de Camera Calçadas e Pontes no que todos convierão em que se repartisse como finta por todos os moradores sem exseção de pessoa e só com atenção ás posses de cada hum» (274). Nos inícios de 1807, os Paços do Concelho foram alvo de profundas obras interiores e exteriores e, em Abril/Maio desse ano, os oficiais do concelho faziam um termo de despesa e receita do reparo da Casa da Câmara: a despesa totalizou 7260 reis, com mais de 5.000 reis a «…despenderse com os pedereiros e serventes que foram Joze Bernardes e Francisco Vallente e seu filho Antonio serventes o filho de Joze Nunes e o filho da Antonia Ruiva o filho da Valeria dos Cazaes». A restante despesa resultou das 690 telhas empregues e mais «…com os pinheiros para os andaimos trezentos reis a quem os cortou sento e dez mais a quem os foi buscar duzentos reis mais a Bernardo Motta de duas caradas de barro duzentos reis mais os saradores de sararem as ripas e taboas para o cume do tilhado» (275). A lenha e as telhas velhas foram vendidas para amortização dos custos.

A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 30v. A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755-1767, Fl. 90v. 273 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1773-1779, Fls. 14-14v. 274 Id. Fl. 88. 275 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas Termos da Câmara de Eiras, 1800-1811, Fl. 39v. 271

272

173

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Foi esta uma obra necessária e avultada. Mas pouco duradoura já que quatro anos depois, a 29 de Março de 1811, a Sessão de Câmara vem a realizar-se em casa do juiz ordinário «… por se achar a Caza da Camara em caquos» (276). Obras que devem ter sido de raiz, já que a primeira sessão na nova Casa da Câmara data de Setembro de 1812. Nos inícios da terceira década do século XIX, a antiga Casa da Câmara do Concelho de Eiras será vendida para com o seu produto edificar-se a nova Cadeia da Vila de Eiras. Facto que depreendemos do conteúdo da acta de 24 de Janeiro de 1822, do qual se lavrou auto de reunião em que participaram a Câmara, Nobreza e Povo de Eiras: «…pecimo luqual em que se acha esta ameaçando ruina e coaze encapaz de se celebrarem nella actos de Camera (…) acórdão que se venda a Caza da Camera antiga» (277). Demorou tempo a edificação da nova Casa da Câmara. A 23 de Julho de 1827, em acto de vereação extraordinária, promoveu-se «…a aprezentação dos apontamentos primordiaies da obra desta Caza da Camara para se cumprir e fazer ultimár na forma delles» (278). Percebe-se que a obra havia caído num impasse e é o Juiz da Vila de Eiras quem, na sessão de 27 de Outubro, toma as rédeas do assunto apontando o dedo aos seus pares:

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«…o Juiz Prezidente propoz, como muntas vezes tinha feito, a necessidade da concluzão do repáro desta caza da camara comessado e não concluido; e porque esta falta ameáça maior ruina á dita caza não se dando cumprimento ao requerimento e propozição do dito Juis; protesta este contra os mais offeciaes da Camara, a quem cumpre a execução do dito repáro, e outrosim a não ser responsavel em algum tempo por qualquer ruina que se siga nas referidas cazas, não se concluindo o referido repáro» (279). As necessidades de obras no Concelho de Eiras não se limitavam, como veremos no decurso deste livro, às despesas com a Casa da Câmara. Contudo os escassos recursos financeiros e as muitas despesas estiveram quase sempre na origem do arrastamento das obras pelo concelho. Por isso, não será de estranhar que, quando o Concelho de Eiras caminhava para o seu ocaso, seja ainda a Casa da Câmara a suscitar preocupações, motivando decisões em tudo iguais às do passado. Estávamos a 11 de Julho de 1836 e perante despesas consideradas indispensáveis, a Câmara confessa a sua incapacidade para resolver o problema «…hem rezão de não ter rendimento mais do que seis mil e setecentos reis dos foros das leiras que nam chegão para o ordenado do Secretario e Pessoal por isso se devia fazer huma finta pello Povo» (280). Com a extinção concelhia a antiga Casa do Concelho foi vendida. Nos finais do séc.XIX andava na posse de Joaquim Pereira Simões Cravinho e mulher, Maria Joquina de Oliveira. Por morte desta fez-se inventário orfanológico onde se descreveu a propriedade: «Uma morada de cazas d’habitação com pateo e quintal, no Id. Fl. 76. A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1819-1822, Fl. 51. 278 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1826-1833, Fl. 30v. 279 Id. Fls. 34-34v. 280 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1833-1836, Fl. 29 276 277

O Poder Concelhio de Eiras

Fotos 28 e 29 – O Brasão do Concelho de Eiras: à esquerda na Fonte de Eiras e à direita estampado no Livro Memórias d’Eyras, 1734

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Foto 30 – A antiga Casa das Sessões da Câmara Municipal de Eiras (Rua de Viseu)

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logar e freguezia d’Eiras; parte do nascente com a estrada; poente com António Francisco Galhardo; norte com Manoel Simões, sul com Rego d’Agoa» (281). No entanto, nas primeiras décadas do séc. XX e na sequência dos autos de execução hipotecária movidos por Teresa da Conceição Canário Bastos, a casa foi arrematada em praça pública, datada de 14 de Fevereiro de 1932, por Afonso Marques Mano pela quantia de 7.010$00, lavrando-se escritura a 15 de Março de 1933 (282). A antiga Casa da Câmara ou os Paços do Concelho da Vila de Eiras mantem-se desde então na posse da família de D. Maurícia Celeste Pereira Amorim de Lemos Bezerra d’Abreu e Lima Marques Mano.

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Dentro dos Paços do Concelho ou da Casa das Sessões existia um bem organizado Cartório onde se arrumavam os vários livros necessários ao funcionamento do concelho. Livros de actas, de correspondência, de receita e despesa, ordens superiores, ou seja; que registavam por escrito a lei, a ordem, o estabelecido. Nos inícios do século XVIII, o padre Fabião de Paredes refere a existência do «Cartorio da Camara». No entanto, a documentação que nos chegou até hoje do extinto concelho de Eiras vai de 1755 a 1836, deduzindo-se a muita perda verificado ao longo dos tempos. Mas, no conjunto dos extintos concelhos do Termo de Coimbra, Eiras ocupa lugar de destaque; pertence a um restrito grupo de ex-concelhos que conservou elevado número de documentos até aos nossos dias. Estes livros são hoje o símbolo e o testemunho do que foi a vida do Concelho de Eiras e será por eles que reconstituiremos os passos, não só da vida concelhia, mas também da vida social, económica e administrativa. A importância do Cartório na vida e nos costumes dos concelhos está bem presente no termo de entrega dos livros do concelho, que o anterior juiz ordinário fazia ao recém-eleito no cargo. Na sessão de 9 de Julho de 1823 os anteriores “Camaristas” fazem termo de entrega aos novos dos livros e papeis pertença da Câmara entre os quais se contavam: - 4 livros de Acórdãos e Termos - O das Posturas - O dos Registos - O das contas de Coimas - A dos Registos dos pagos - Um em branco - O livro das Coimas próximo - O das Eleições dos Cameristas - O da Matricula da Eleição e Assembleia Eleitoral da Vila - O Regulamento dos registos de 22 de Agosto de 1812 e da Portaria de 28 Setembro de 1813 - A Constituição Portuguesa - As Ordenações do Reino (já velhas).

A.U.C. – Fundo dos Inventários Orfanológicos – Inventário Orfanológico de Maria Joaquina de Oliveira, 1899, 1º Volume, Fl. 140. 282 Escritura na posse da família. Registada no Cartório de João Pães da Cunha Mamede. 281

O Poder Concelhio de Eiras

Além desta relação de livros, fundamentais para o funcionamento do Concelho, entregou um conjunto de «…vinte e tres livros findos e velhos pertencentes a mesma Camera» (283). O Brasão ou Selo do Concelho seria o mais emblemático e vulgar símbolo nos tempos de poder concelhio em Eiras. Estaria presente em grande parte da documentação produzida pelo concelho, atestando, validando e identificando a sua origem. Para a maioria dos concelhos desta época desconhecem-se os seus brasões identificativos, muito por culpa do tipo de suporte em que eram fixados: o papel e a cola. De facto, o papel com o selo concelhio, era recortado e agregado a vários documentos, sendo fixado por cera, obreia humedecida, massa de farinha, olacre. Esta cola, mais cedo ou mais tarde, acabaria por secar e perder as suas qualidades, levando a que os selos se extraviassem com muita facilidade. No caso do Concelho de Eiras sabemos em pormenor como era o brasão e parte do seu significado. E devemo-lo, sobretudo, ao Padre Fabião Soares de Paredes, que nas suas Memórias d’Eyras, não se limitou apenas a descrevê-lo, como também decidiu colar de forma reforçada um exemplar do dito brasão. Decisão feliz e acertada pois o dito apógrafo conservou-se até aos dias de hoje com a perfeição suficiente para o reconhecer. Vejamos a descrição do Brasão do Concelho de Eiras feita por Fabião de Paredes: «O Çelo da Camara he hua targa de Lotão no meio tem uma Senhora com hũ Menino no braço direito (a) sobre trez colunas que fazem hũ Altar e das ilhargas duas pyramides por fora de hũ Arco que a cerqua, em roda de toda esta targe cita hũ letereyro com as Letras seguintes: S.I.G.L.D.V.H:D.O.H.K(?).V.E.N.V.S.D.I.V.I.T .(?).A(?).H.S.I.S.: e para que se veja com mais clareza vai esta relação cellada com elle no fim aqui estampado» (284). Hoje, o brasão ou selo do extinto concelho de Eiras permanece à vista de todos na bela fonte mandada erguer no tempo de D. João V, junto à Igreja Matriz. Tem como iconografia principal A Virgem com o Menino, que será provavelmente uma Nossa Senhora do Rosário. A imagem tem em pano de fundo motivos arabescos e está sobrepujada com um arco conopial. Assenta sobre uma cornija (que também poderá ser uma pedra de altar) a qual surge sustentada por 3 colunas aneladas. Envolve o baixo-relevo um dístico com epigrama já gasto e que só parcialmente se consegue decifrar, o mesmo sucedendo com o selo que Fabião de Paredes colocou no seu livro e que está ilegível devido a humidade. É também possível que o selo tenha sido estampado de forma invertida, motivo pelo qual Fabião de Paredes teve dúvidas na transcrição do letreiro acima (285).

A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1822-1826, Fl. 25v. A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 31. 285 Apesar das diligências feitas junto do Arquivo da Universidade de Coimbra e da boa vontade dos seus funcionários, que empregaram os meios técnicos disponíveis capazes de auxiliar na decifração de caracteres pouco visíveis, os avanços para a compreensão do epigrama do selo foram pouco significativos. 283 284

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A Cadeia do Concelho de Eiras foi outro símbolo de poder desaparecido e um dos que mais enraizado se encontra na população. A primeira notícia que dela temos é já relativamente tardia. A 24 de Janeiro de 1822 a Câmara da Vila, com assistência da Nobreza e do Povo, reúne-se para tomar uma decisão em face de portarias emanadas do Governo «…que expunhão a demulição da Cadeya ou o milhoramento da Cadeya desta Villa asentarão de comum acórdão que seria o luqual della no terreiro da Fonte nas costas do Selleiro das Relligiozas de Sellas por ser o sitio mais sentral da villa e mais apto para a mesma cadeya» (286). Neste acto acordaram também que se vendesse a antiga Casa da Camara para custear a nova construção para a qual deveriam concorrer os sobejos dos Cabeções das Sisas de Eiras e da Cidade de Coimbra. Mas, em rigor, desconhecemos se a dita Cadeia foi ali construída alguma vez. Do Cartório do Concelho de Eiras conservou-se um curioso Livro dos Termos de Apresentação dos Presos, que nos dá algumas pistas sobre o funcionamento da Cadeia. Da sua leitura e análise percebemos que existiam, genericamente, dois tipos de presos, a que correspondiam dois tipos de termos. Nos casos mais graves, o acto ficava registado com o título «Termo de Prisão». O preso teria cometido crime grave e ficava à guarda de um carcereiro. Trata deste o caso que a seguir se transcreve: «Aos coatro dias do mes de agosto de Mil outosentos e coatro annos prendi e meti na cadeya desta Vila por ordem do Juis Ordinario o Alferes João Corea da Fonceca a Violante Maria Solteira mayor de 70 anno do lugar da Zoparia do Monte emtregue a seo fiel carçareiro Joze dos Santos Crus do lugar dos fornos de que fiz este termo Jacome Baptista Ginioux» (287). Noutros casos, a situação era menos grave e, por isso, o acto ficava-se apenas por um «Auto de aprezentaçam». O primeiro registo deste tipo que obtivemos foi o do alfaiate, Francisco Rodrigues, da Cidade de Coimbra: «Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de Mil e setessentos e outenta e sete annos aos dezaceis dias do mes de Abril do dito anno Nesta Villa de Eyras e nas Cazas da Cadeya Publica della ahonde aparesseo prezente mim escrivam Francisco Rodrigues offessial de Alfayate morador e natural da Cidade de Coimbra ahi fazendo exame em sua pessoa de estatura ordinaria cabello castanho sobrancelhas da mesma cor olhos castanhos barba bastante e fazendolhe as proguntas do extillo da Idade Estado Custume ou se tinha algum pervilege de que fosse excento da Execucam Rial por elle me foi respondido que hera cazado de idade vinte e quatro annos pouco mais ou menos e que o seo offissio era alfayate natural e morador na Cidade de Coimbra tinha vestido huã vestia de saragossea de covudos pretta e hum colete de belbute preto com botoins da mesma cor calçoims de meya amarellos trazia calçados meyas de coja pretta com riscas miudas sapatos de bezerro de flor fivellas de pratta foi seo fiador Joze Baptista mestre Pescador e Morador ao Passo do Conde da Cidade de Coimbra foram Testemunhas Antonio Pereira da Crus e Christovam Pereira que todos assignaram com elle fiador e comigo Jacome Baptista Ginham Escrivam que o Escrevi» (288). A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1819-1822, Fl. 50v. A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro dos Termos de Apresentação dos Presos da Cadeia de Eiras, 1787-1809, Fl. 35. 288 Id. Fls. 3-3v. 286 287

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Este livro regista a entrada de várias dezenas de presos, a maioria deles vindos da Cadeia da Portagem - Coimbra. São mais os homens do que as mulheres, independentemente da idade, da proveniência ou da profissão. A Cadeia do Concelho funcionou no espaço ocupado pela residência de Fernando Ferreira da Costa. Nos finais dos anos sessenta do século passado ainda se podiam observar as suas ruínas. Completava o conjunto de símbolos ou imagens dos concelhos o Curral. Tratava-se de um espaço amplo para onde as autoridades concelhias conduziam o gado apreendido em infracções definidas à luz do Código das Posturas. Desconhecemos, no entanto, se a expressão «Serrado» que aparece em documentação anterior possa ser considerada equivalente. Assim, a primeira indicação da existência do Curral do Concelho de Eiras data de 24 de Maio de 1824. Em Sessão de Câmara a localização do curral é precisada e associada a uma infracção cometida com gado: «…neste Sitio do Quarto Lemite desta Villa de Eiras, hi pellos actuaes Vereadores Bernardo de Oliveira e Manoel Rodrigues forão aprehendidas dezaseis cabras (…) as quaes forão conduzidas ao Curral do Concelho desta mesma Villa debaixo de captura, determinando elles Camaristas que as mesmas cabras não fossem soltas sem que primeiro seu dono pagasse a multa determinada no acórdão das posturas deste mesmo anno» (289). A localização do Curral do Concelho foi apontada pelo professor Albuquerque Matos em Janeiro de 1975: «…e também se sabe que o curral do concelho, onde metiam o gado apanhado em transgressão, era na Baldeira, prova-o ainda vestígios dele» (290).

Foto 31 – A Casa do Curral do Concelho de Eiras, 1938 (primeira casa à esquerda)

289 290

A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1822-1826, Fl. 37. Manuel Albuquerque Matos – Diário de Coimbra, Nº 15.293, Ano 45, 2ª Feira, 13 Janeiro 1975.

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6. O domínio fiscal do Concelho de Eiras: Almotaçaria, o Código de Posturas, as Coimas e o Ramo de cobrança de Sisas om base na documentação disponível, percebe-se que as receitas regulares do C Concelho de Eiras, à semelhança de muitos concelhos dos finais do Antigo Regime, provinham fundamentalmente de três fontes de rendimento: «os impostos munici-

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pais (impostos sobre o consumo), as condenações (coimas) e os foros (provenientes dos aforamentos dos baldios), ou menos usualmente, rendas de propriedade» (291). Conservou-se pouca documentação sobre a receita e despesa do Concelho de Eiras, resumindo-se a dois livros de Almotaçaria, válidos para os anos 1811-1819 e 1827-1834) e a quatro livros de registo das Coimas(292) referentes a 1816-1817, 1826-1828 e 1829-1836. Estes livros, no essencial, dizem respeito às cobranças resultantes da actividade dos Almotacés enquanto fiscalizadores do povo do Concelho de Eiras: - Nos livros de Almotaçaria colocou-se o resultado da sua actividade quer ao nível das funções reguladoras de pesos e medidas pelas vendas, tabernas, moleiros e azenhas dentro dos limites administrativos da jurisdição concelhia, quer ao nível da conservação e limpeza dos caminhos que conduziam de e para a Vila de Eiras. - Nos livros de Coimas registavam-se as condenações resultantes de infracções definidas no Código de Posturas em vigor. A Almotaçaria era um tipo de receita obtida em acto ou Termo de Correição que poderia ocorrer em várias alturas do ano - sendo o primeiro em Fevereiro - e onde a actuação dos Almotacés é comparável à de um verdadeiro juiz que observa, afere, reflecte, julgando em seguida a causa em apreço. Nos princípios de 1825 os Almotacés do Concelho de Eiras decidiram fazer «Termo de Correição feita ás Vendeiras, Taberneiros, e Moleiros, pelo fim dos mezes Janeiro e Fevereiro de 1825». Termo que se estendeu também ao estado dos caminhos e casas da Vila. «Aos vinte oito de Fevereiro de mil oitocentos e vinte e sinco annos nesta Villa de Eiras, pelos Almotaceis o Capitão João Correia da Fonceca, e Bernardo de Oliveira com assistencia do Procurador da Camera Antonio Gomes Caridade foi feita Correição ás Vendeiras, Taberneiros, e Moleiros da mesma Villa, os quais estavão todos reunidos com suas licenças, pezos, e medidas aferidas na forma da Lei; E logo no mesmo acto determinarão elles Almotaceis que fossem notheficados todos os moradores da Villa pera que tivessem limpos com rodo o aceio as ruas da mesma Villa nas testadas ou frontarias das suas respectivas cazas, e que não fizessem estrumeiras nas mesmas testadas, bem como não tivessem carros nas ruas publicas afim de não impedirem a passagem a toda a pessoa que por ellas hovossem de passar pena de que achandose incurpa qualquer pessoa em algum destes artigos, ser condemanda em duzentos reis pella primeira vez e pella segunda vez em quinhentos reis e pella terceira vez serlhes há imposta a pena que bem parecer aos respectivos Almotaceis que se acharem servindo no tempo da transgreção deste acórdão de que para constar fis este termo que elles asignarão; E eu Caetano Joze Bernardes Escrivão que o escrevi» (293).

Nuno Gonçalo Monteiro - «O espaço político e social local» In História dos Municípios e do poder local, [Dos Finais da Idade Média à União Europeia], Dir. César de Oliveira, Círculo de Leitores, 1996, P. 132. 292 As Coimas eram as multas impostas aos donos de gado que invadiam terra alheia. 293 A. H. M. C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Correições e Condenações dos Almotaseis, 1811-1819, Fls. 82v.-83. 291

O Poder Concelhio de Eiras

No que respeita às Coimas o processo era um pouco mais complexo uma vez que resultavam de infracções enquadráveis num extenso Código de Posturas em vigor para todo o limite do Concelho de Eiras. A organização das coimas era feita por semestres. No final do primeiro semestre do ano, os Almotacés, na posse de um Rol dos Infractores, citavam as pessoas para comparecerem na Câmara de Eiras onde seriam condenadas em audiência, sob pena de serem condenadas à revelia, de tudo se lavrando termo competente. Seguia-se a audiência de acordo com a data fixada: «Termo de Audiencia» «Aos vinte e quatro dias do mez de Julho de mil oitocentos e vinte e seis annos nesta Villa de Eiras e Caza da Camera della aonde se costuma fazer Audiencia as partes, ahi pelo Juiz Almotacel Joaquim Mathias foi feita audiencia ás pessoas retro acoimadas de que fiz este termo que elle Juiz asignou; E eu Caetano Joze Bernardes Escrivão da Camara Judicial, e Almotaçarias que o escrevi» (294). No processo de cobrança das Coimas, a apelação continuaria em Coimbra, onde perante o Provedor da Comarca as Coimas seriam definitivamente averiguadas e confirmadas. Ainda no mesmo dia e no mesmo local, sentenciadas as Coimas do Semestre, procedia-se a Auto de Contas. No final do ano fazia-se por fim uma nova Audiência e um Auto de Contas final onde a Receita se subdividia contabilisticamente em: Receita, Real terça e duas partes para o Concelho. Aprovadas as contas pelo Provedor da Comarca o processo caminhava para o seu epílogo. De volta ao Concelho de Eiras e perante os novos e antigos Camaristas realizava-se um Auto de Contas da Receita e da Despesa: «Auto de Contas prestadas pelos Camaristas do anno de 1826 aos Camaristas de 1827» «Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil oitocentos e vinte e sette annos aos sette dias do mez de Abril do dito anno nesta Villa de Eiras e Cazas da Camara della, ahi em acto de Camara, a que prezidia o respectivo Juiz, pelos Camaristas do anno próximo passado Joze Pereira dos Santos, Francisco Joze, e Manoel da Cunha, Vereadores e Procurador, forão prestadas contas sobre a Receita e Despeza dos bens do Concelho relativo ao seu anno, aos actuais Camaristas abaixo asignados pela forma e maneira seguinte Mostrarão elles Camaristas aos actuaes seus successores que tinhão prestado já suas contas perante o Doutor Dezembargador Provedor da Comarca, que lhes aprovou como consta deste Livro a folhas vinte e quatro versso athe folhas vinte e seis, e que por isso as havião elles Camaristas por dezonerados de toda e qualquer responsabilidade, a que estavão suggeitos pelo que diz respeito ao anno de mil oitocentos e vinte e seis em que servirão nesta Camara; E por esta forma lhes houverão suas contas por dadas, justas, e complettas, de que fiz este auto que elles assignarão, com o Juiz Prezidente; e eu Caetano Joze Bernardes Escrivão que o escrevi» (295).

294 295

  A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Coimas do Concelho de Eiras, 1826-1828, Fl. 15 Id. Fls. 26v.-27

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Nos Livros das Coimas encontramos também a descrição das despesas do Concelho de Eiras relativas a alguns anos. Não analisaremos aqui, e em pormenor, o Código de Posturas em vigor nos finais do século XVIII no Concelho de Eiras, do qual resultava a aplicação de coimas. Conhecemo-lo através do Livro de Audiência de Posturas que abrange o período 1789-1803 e que era um forte sinal da autonomia do poder local. Optámos por publicá-lo no Anexo I, para os mais curiosos procurarem as infracções relacionadas com o gado, com as pessoas e aquelas que não se enquadram em nenhum destes cenários. Organizámos os dados do seguinte modo: descrevendo o caso que dá origem à infracção, o valor da condenação, a data do 1º acordão classificando a infracção, e a confirmação da postura nos anos seguintes (296). O Concelho de Eiras era, também, o centro de um importante e extenso território fiscal de cobrança de sisas, com uma área muito superior aquela onde exercia a administração e jurisdição concelhia. A primeira notícia que associa Eiras ao tributo data de 10 de Junho de 1665: em reunião da Câmara Municipal de Coimbra com a Nobreza e Povo mandou-se ao concelho de Eiras que contribuísse para as obras de construção de um cais na cidade de Coimbra, com o dinheiro que tinha em depósito dos bens de raiz que sobejavam do Cabeção das Sisas (297). Esforço inútil pois Eiras recusa-se a fazê-lo. De facto o Ramo das Sisas de Eiras era extenso e alcançava uma área de mais de 8 léguas ao redor da Vila, compreendendo muitas localidades de outros concelhos do termo de Coimbra: Vila de Eiras, a Redonda, o Escravote e o Murtal (todos do Concelho de Eiras); Casais de Eiras Vilarinho de Cima e Vilarinho de Baixo (Concelho dos Casais de Eiras); Pedrulha, Adémia de Cima, Adémia de Baixo, Quinta do Rachado (Concelho da Pedrulha); Brasfemes, Gondiléu e Sinceira (Concelho de Brasfemes); os Concelhos de Antuzede e de Alcarraques; S. Paulo de Frades, Rocha, Lordemão e Casal da Rosa (Concelho de S. Paulo de Frades), Val de Canas, Tovim de Cima, Tovim de Baixo e Portela (Concelho de Val de Canas) e ainda outras povoações como o Logo de Deus, Fornos, Cioga do Monte, Trouxemil, Aveleira, Roxo, Espinhaço de Cão, Cova do Ouro e Misarela. Mas o Ramo das Sisas de Eiras englobava, surpreendentemente, áreas que hoje pertencem às freguesias urbanas da Cidade de Coimbra: Arnado, Arregaça, Campo do Bolão, Cidral, Fornos de Cal, Ingote, Insuas e Sítio da Alegria, Loreto, Mainça, Marrocos, Outeiro de Santa Ana, Ribeira de Coselhas, S. Romão, Santa Justa, Val de Custas, Val de Figueiras, Val de Linhares, Vila Franca. A Câmara de Eiras, que supervisionava a arrecadação das sisas de um imenso território, afirmava-se em pleno século XVIII como «…detentora de um poderoso instrumento que, no contexto do seu estatuto de concelho do termo, lhe garantia uma mais valia em termos de autonomia e paridade nas suas relações com a cidade tutelar» (298).

A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Audiências de Posturas, 1789-1803; Vide Anexo IV… Anais do Município de Coimbra, 1640-1668 (Org. José Pinto Loureiro), P. 358. 298 Ana Isabel Sampaio Ribeiro - A Comunidade de Eiras nos finais do séc. XVIII: Estruturas, Redes e Dinâmicas Sociais, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2005, P. 45. 296 297

O Poder Concelhio de Eiras

Faltam-nos algumas fontes para percebermos a real dimensão dos montantes arrecadados, mas é certo que as receitas seriam muito significativas, rondando os 600.000 réis. Sabe-se também que no período pós 1795 os montantes das sisas cobradas pelo Ramo de Eiras iniciaram um movimento de subida, para o qual muito terá contribuído a abolição dos privilégios de isenção do pagamento de sisas que recaía sobre mosteiros, igrejas, pessoas eclesiásticas e Ordem de Cristo. A Cidade de Coimbra, só por si, constituía um Ramo das Sisas. O Cabeção Geral era repartido pelas suas freguesias, cada uma contribuindo de acordo com as possibilidades económicas e número de moradores. Além de Coimbra e Eiras existiam na área outros importantes Ramos de Sisas como os de Botão, Castelo Viegas, Almalaguês ou Tentúgal. No contexto das freguesias da Cidade de Coimbra, cujo território andava encabeçado no Ramo das Sisas de Eiras, destacava-se Santa Justa que nos anos 40 do século XVIII havia sido anexada ao Cabeção de Eiras. Grande parte dos Colégios Universitários, o Tribunal da Inquisição, e muitas casas e propriedades situadas pelas ruas da baixa, pertenciam, assim, ao Cabeção das Sisas de Eiras. Para a cidade esta situação era inaceitável, tendo protestado durante os séculos XVII e XVIII de forma intensa e repetida junto do monarca para que as Sisas a cobrar em Santa Justa e no ramo de Eiras fossem anexados ao Cabeção das freguesias de Coimbra: «Era inaceitável do seu ponto de vista, que uma pequena vila do termo, ainda que independente ao nível da jurisdição civel, estendesse a sua influência ao coração urbano e provocasse um pesado prejuizo ao erário fiscal da cidade que, estando amputado de uma das suas principais freguesias, se via na necessidade de lançar inúmeras fintas para perfazer o montante das sisas arrolado para a cidade» (299). Contra esta situação protestará a Cidade de Coimbra às Cortes de 1641, 1642 e 1775, pedindo que o Cabeção das Sisas da Vila de Eiras seja unido ao da cidade. É conhecida a resposta que a Câmara da Cidade deu ao Rei sobre as sisas a 2 de Setembro de 1775 e na qual se sente o tom da revolta e injustiça: «Daqui se fás sertã a grande difrença e disparidade que se dá entre hum e outro Cabeção: o de Coimbra tão piqueno e tão limitado em parte ussurpado pello de Eyras, em parte ocupado pellos Colégios dos regulares e pello Cabbido da Sé Cathedral pagando tão grande e excessiva quantia que por se não poder haver toda antes ser impossivel haversse das Compras e Vendas, pellas razoens expostas, e suporta e paga o pobre povo todos os annos pellos seus próprios beñs. O de Eyras tão grande e tão dilatado ocupando a mayor e melhor parte de hú tão bello pois qual hé o desta Cidade com tanta immenssidade de quintas, ortas, olivays, e Campos, pagando tão pouco de que rezulta todos os annos haver hua tão grande e tão avultada quantidade deste acrecimos, Sobejos que delles tem feitto V. Magestade muitas merçes para muitas obras, já findas, outras se espedição, e muitas segundo se dis ficão pellas mâos dos Thezoureyros annuais da mesma Villa com varias emtregas e modos que roubão para se utilizarem de tais Sobejos» (300).

299 300

  Id. P. 44. A.H.M.C - Registo da Correspondência T. Nº 2 Fl. 83.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Apesar do pedido conjunto da Câmara, Nobreza e Povo de Coimbra para que o Cabeção das Sisas de Eiras fosse unido ao das freguesias da cidade, tal nunca se verificará, mesmo com as acusações à honestidade dos tesoureiros da Vila. Eiras permanecerá até à extinção concelhia como um paradigma: «…o certo é que este concelho penetrava fortemente no tecido urbano, com ele confinado em dilatadas áreas, caldeando-se nos indefinidos limites da cidade. No domínio fiscal, esta presença é mesmo incomodativa e importuna, lesando gravemente os cofres sob tutela municipal, e as bolsas dos habitantes urbanos» (301). No fundo a Cidade de Coimbra sentia-se injustiçada: obrigada a lançar fintas para cumprir os montantes das Sisas pedidos pelo Rei, enquanto que uma pequena Vila, com um grande Ramo tinha um potencial tal que lhe permitia alcançar significativos sobejos. Aliás, foi a partir deste rendimento que o Rei D. João V autorizou que se fizessem as grandes obras públicas de setecentos: a Igreja Matriz e a Fonte. O facto de ser a sede de Cabeção de Sisas gerava alguns cargos locais de competências delegadas pelo rei: Depositário das Sisas dos bens de raiz, Louvados das Sisas, Escrivão das Sisas dos bens de raiz. Em Eiras e ainda dentro da esfera fiscal existiam outros poderes delegados pelo rei: Recebedor das Décimas Militares (302), Louvados para a Repartição das Décimas e Recebedor do Subsídio Literário (303).

184

Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo – Geografia do Poder Municipal, Vol. I, Centro de História da Sociedade e da Cultura, Coimbra, 2001, P. 54 302 A Décima tratava-se de um tributo directo, criado por D. João V em 1641 para fazer face a despesas militares. Foi reposto pelo Marquês de Pombal em 1762 para custear as despesas decorrentes dos conflitos bélicos com Espanha. Recaía em 10% de todos os bens, rendas, ordenados e ofícios. 303 Por Lei de 10 de Novembro de 1772 foi criado um novo imposto a que se deu o nome de Subsídio Literário. Foi lançado pelo Marquês de Pombal para financiar as reformas pedagógicas que iniciou nos últimos anos do seu governo. Incidia sobre a produção de vinho, aguardente e vinagre, sendo fácil de concluir que em Eiras, face à estrutura produtiva de base agrária, este imposto gerava avultadas somas. 301

O Poder Concelhio de Eiras

Mapa 3 – Limites geográficos do Ramo do Cabeção das Sisas de Eiras (séc. XVIII)

185

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Tabela 12 – Relação descriminando as despesas do Concelho de Eiras nos anos 1816, 1826 e 1833 (304) 1816 DESPESA Valor Com a sentença 25.397 (reis) de Capítulos, Audiência de Justiça, meia devassa e ordens do Juízo da «Correissão» Com uma ordem da 500 rs. Correissão Com uma ordem da 1.152 rs. Conservatória

Com uma ordem da Contadoria da Provedoria

186

948 rs.

Com uma ordem 340 rs. para Relação dos frutos do Juízo da Correissão Com uma ordem do 795 rs. Juízo da Correissão para perdão dos desertores Outra Ordem do Juizo da Correissão em exemplares

695 rs.

Mais uma ordem do 820 rs. Juízo da Provedoria para Lançamento das Sisas Mais uma ordem do 870 rs. Juízo do Crime

304

1826 DESPESA Com a audiência de correição e capítulos para o Ministro, Escrivão e Meirinho

1833 Valor DESPESA Valor 7.850 (reis) Terça do Primeiro ? Semestre

Com a importância da Terça Real Com os oficias que vieram contra o que se devia pela audiência de capítulos Com o carpinteiro pelo que fez para a iluminação da Câmara pela ocasião das festas sobre a Constituição Com as ordens que nesta Câmara vieram do Cartório do Monge Pela Décima do competente ano de 1826

14.528rs.

De um Rol de Despesa que apresenta o número 7 Com uma ordem da Provedoria

1.400 rs.

Bilhetes para a mesma Em Azeite para as «Luminárias» pelo Aniversário del Rey

320 rs. 625 rs.

320 rs.

Papel, tinta, «obreias» e penas

975 rs.

680 rs.

Ao Recebedor das Coimas (primeiro e segundo semestre) Com os avisos dos caminhos ao Escrivão da Câmara (primeiro e segundo semestre) Ao Escrivão da Câmara (ordenado de todo o ano) Ao mesmo pela citação de todos os «emcoimados»

2.400 rs.

600 rs.

14.070rs.

676 rs.

Com as diligencias 4.720 rs. do Escrivão da Câmara, e seu meio ordenado, pelo que respeita ao primeiro semestre

Ao assessor da Câmara

2.600 rs.

2.400 rs.

3.200 rs.

1.200 rs.

Dados extraídos dos Livros das Coimas do Concelho de Eiras 1816-1817, 1826-1828, e 1829-1836.

O Poder Concelhio de Eiras

1816 DESPESA Valor Mais uma ordem do 1.370 rs. Juízo da Provedoria

1826 DESPESA Com um livro de Almotaçarias

Mais uma ordem do 560 rs. Juízo da Correissão para lançamento da Décima

Com a impugnação sobre a Provisão do Boticário Marculino Com várias despesas miúdas pelo decurso do ano antecedente Com o Assessor da Câmara Com quem cobrou as Coimas do primeiro semestre Ao Escrivão da Câmara desta Vila de seu meio ordenado Deve-se ao mesmo Escrivão, de diligencias, dois caminhos de correição para a Limpeza da fonte, notificar o povo, assistir ao auto, papel, tinta, obreias, e areia que despendeu TOTAL:

Com o ordenado do Carcereiro

440 rs.

Com a Leva dos Presos Com a Arca dos Médicos

400 rs. 2.200 rs.

Com o Sargento Mor 2.000 rs.

Com a Abertura da Vala da Câmara

600 rs.

Com o papel para o escrivão Com os avisos do povo para as audiências Com os avisos de três caminhos

800 rs.

Com a renda da Casa da Câmara

1.200 rs. 960 rs.

2.400 rs.

Valor 360 rs.

960 rs.

1833 DESPESA Valor Audiência de 16.700rs. Capítulos e com a propina do oratório do Paço 2.220 rs. Na Audiência das Coimas do Primeiro Semestre

930 rs.

Mais ao «Menistro»

1.200 rs.

Pela audiência do 5.480 rs. segundo semestre Décima deste 630 rs. presente ano

1.200 rs.

538 rs.

1.200 rs.

Ao pároco da sua certidão

480 rs.

2.280 rs.

Para o lançamento 200 rs. da Décima

52.974rs.

Pela ordem da Leva dos Presos Pela Arca dos Médicos

2.400 rs. 2.120 rs.

De duas ordens 1.352 rs. vindas do Juízo do Crime da Cidade de Coimbra para a Devassa das Justiças e boa administração das mesmas Com dois livros 680 rs. hum para servir para os termos e outro para Registos de Ordens

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

1816 DESPESA Com um oficial que veio entregar a Relação da Décima Com o livro que se fez e rubricou Com a primeira audiência de Coimas Para selos Para rubricar o livro Para outro livro para a Câmara e Rubrica Papel que se gastou Com a Carta de Confirmação TOTAL:

Valor 480 rs.

1826 DESPESA

Valor

1833 DESPESA Valor TOTAL: 43.390 rs.

3.600 rs. 3.392 rs. 1.000 rs. 1.200 rs. 3.000 rs. 800 rs. 3.600 rs. 12.992rs.

7. Privilégios do Concelho: Médico, Botica, Mestre de Latim e Mestre de Ler, Escrever e Contar, Padre Pregador da Quaresma 188

Entre finais do século XVII e a primeira metade do século XVIII os nossos reis revelaram especial atenção para com o Concelho de Eiras, concedendo-lhe uma série de privilégios e garantias que teriam melhorado muito significativamente a qualidade de vida das populações. A informação colhe-se nas Memórias de Eiras e por ela se vê a importância da Vila ser também a sede do Cabeção das Sisas: «Desta Villa fizerão sempre boa estimação os Reis deste Reino, e entre outras mercês que lhe fizerão foi condecerlhe por Provizão de 30 de Mayo de 1730 secenta mil reis cada anno para Medico: Por Provizão de 18 de Dezembro de 1694 para Botica quinze mil réis: Por Provizão de 9 de Dezembro de 1726, para Mestre de Latim trinta mil reis: por Provizão de 18 de Mayo de 1733 para Mestre de Ler, escrever e contar vinte e dois [mil reis] os quoais são nomeados pella Camara e obrigados a curar e ensinar de graça os moradores da mesma Villa. He tão bem certo conçederlhe para criação de Engeitados trinta e hũ mil reis cuja Provizão hade estar no cartorio da Misericordia de Coimbra. Todos estes partidos se cobrão da mao do depozitario que ha na mesma Villa dos sobejos das Cizas della» (305). Os poderes, concelhio e central, encontravam deste modo uma forma muito curiosa de alimentar o progresso de Eiras: a partir dos montantes do sobejo das Sisas do Cabeção - ou seja, dos proventos suplementares em relação ao seu encabeçamento - era pago o ordenado destes importantes mesteres da educação e saúde. Como dissemos a informação que nos permite acompanhar com certa regularidade a vida concelhia de Eiras, consta dos livros de actas que são posteriores a 1755, e onde se incluem os dados relativos a estes ofícios.

305

A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes - Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 30.

O Poder Concelhio de Eiras

No entanto sabemos que indivíduos naturais de Eiras se habilitaram a partidos médicos e boticários. Tal é o caso de Luís Pereira da Conceição (em 1719), filho de João Gomes Peito e Escolástica de Barros, tendo o seu avô materno sido médico partidista, ou de António José Moreira, filho de José Rodrigues Moreira (que também era boticário partidista) e de Teresa de Jesus (306). Data de 06 de Abril de 1757 o dado mais antigo sobre estes ofícios correlacionados com as actas concelhias. Em Sessão de Câmara os oficiais do concelho de Eiras retiram a nomeação anterior feita ao Padre Bernardo Carvalho e fazem «Termo de ademissam e envistidura do partido do mester de Latim (…) na forma da porvizam de Sua Magestade e de huma sentensa da rellasam do porto (…) e investido de hoje em diente ao dito Lecensiado Antonio Carneiro de Vargas» (307). Eiras, como vimos, tinha direito a um Mestre de Ler, Escrever e Contar que devia ensinar os menores. Regalia cuja origem se perde no tempo e que era estendida a toda a freguesia, incluindo os naturais do lugar dos Casais de Eiras. O primeiro termo de nomeação deste mester data de 21 de Setembro de 1760, na sequência da reunião da Câmara de Eiras «pera efeito de se nomiar mester de ler para o ensino dos menores da dita Villa de eiras e cazais e freguezia da mesma Villa e logo pello dito Precurador foi dito que dos pertendentes ao dito mestrado de ler nomiavão ao Reverendo Padre Hieronimo Fernandes Prata» (308). No termo de juramento feito pelo nomeado, a 29 de Setembro, foram-lhe fixadas as atribuições que deveria desempenhar no âmbito do seu mester onde a interpenetração entre ensino e religião é notória: «…que estaria pronto todos os dias não Santos e feriados das duas oras de minham e duas de tarde emsignamdo a toda a pessoa desta freguizia que quizer hir aprender a ler e escrever e comtar e que alem desta comdisam lhe emsignaria a doutrina Christam e bons custumes e que seria esta deligensia feita nos Sabados de tarde somente e que o emsigno da doutrina lhe haveria de lisam e que de minham no dito dia averia recordasam de toda a Somana pello espaso de huma hora e que todos os dias hiria com os ditos meninos seis desipullos a missa em acto de procissam com toda a modestia e gravidade e que os faria comfesar todos os mezes e reseber os Santos Sacramentos da Igreja sendo de idade capas» (309). O facto de a Vila de Eiras ter direito a médico próprio era uma garantia de assistência pública, rara naqueles tempos, da qual poucos concelhos desfrutavam. Eiras teve-o deste Maio de 1730, embora o registo de Câmara mais antigo nos remeta para 26 de Agosto de 1788, data da «Provizam do Partido do Medico desta villa de Eiras concedida ao Doutor António Luis da Costa Pacheco» cuja cópia foi transcrita para os livros do Cartório de Eiras a 16 de Outubro do mesmo ano. Esse registo informa-nos que António Pacheco, natural da Vila de Eiras, apresentara requerimento em que «…representou que achandosse Manoel Alves da

Ana Maria Leitão Bandeira – Catálogo dos Processos da Habilitação a Partidos Médicos e Boticários (1658-1771), Sep. do Arquivo da Universidade de Coimbra, Vol. XV e XVI, Coimbra, 1997, Pp. 373 e 440. 307 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755-1767, Fls. 38-38v. 308 Id. Fl. 94. 309 Id. Fl. 94v. 306

189

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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Cruz medico do partido da mesma villa velho e com total demençia fora o suplicante encombido do dito partido em cujo exercício continuava presentemente por ser benemerito como se mostrava da eleissam que delle avia feito a Camara Nobreza e Povo e porque nam podia perceber o refferido partido sem licença minha: me pedia […] de lhe mandar dar o dito partido expedindo-se-lhe provizam ao dito fim» (310). A provisão foi-lhe concedida mas dentro de certos condicionalismos; «…que o suplicante se lhe contribua inteiramente com o partido que na dita Villa se acha extabelecido, para o curativo de Medissina que anualmente percebia o suplicado Manoel Alves da Cruz nam concorer ao mesmo partido medico aprovado pella dita Unavercidade contra o qual só poderá o suplicante sustentarçe no mesmo partido mostrando aver também cido aprovado pella Unavercidade». Deduz-se do até aqui exposto que António Pacheco vinha servindo de médico da Vila de Eiras, na impossibilidade de Manoel da Cruz. Mas algo lhe deve ter corrido mal, entre Agosto e Outubro daquele ano, para que a sua Provisão não fosse cumprida. Talvez porque não dispunha ainda de diploma que o habilitasse ao desempenho da profissão a realidade é que a 07 de Outubro daquele ano os livros de actas da Câmara de Eiras mostram-nos que afinal foi o Doutor Joze Lopes da Cruz Freire quem fez, por intermédio de procurador «Termo de obrigassam e ajustassam do Partido de Medico desta Villa e freguezia de Eyras». No registo pode ler-se que «…pello Ilustre Senado da Camera desta Villa para medico da mesma elle dito Procurador ajustava esta nomeassam em nome do dito seo constituinte e se obrigava aos emcargos da proficam que lhe registava em toda esta Villa e freguezia que comprende Eyras Cazais Vilarinho e Mortal, sem que pello trabalho da dita sua ocupaçam pertenda outro premio differente do partido de outenta mil reis» (311). Os oficiais da Câmara validaram o termo, relembrando as demais obrigações do médico: «…rezidindo o dito Doutor nesta Villa sem faltas notaveis e contribuindo com o disvello nessessario a assistençia dos emfermos sempre gratuita para os de huma e outra qualidade; histo hé para os pobres e para os ricos». O mesmo documento recorda que o aumento do ordenado do Partido Médico de Eiras, de 60 para 80 mil reis, justificava-se por 3 motivos: para os pobres receberem assistência de forma gratuita, os ricos não poderem usufruir das curas gratuitas; e a freguesia ser em geral pobre. A importância de um pequeno concelho possuir um médico que cuidasse da saúde do seu povo deve ser justamente realçado, até porque estamos longe dos grandes progressos da medicina. Muitas vezes a sua acção não se resumia a tratar esta ou aquela patologia/moléstia, mas sim a prevenir males maiores, actuando como um fiscal. Veja-se a propósito o que refere a acta de 24 de Janeiro de 1822, quando os Almotacés com assistência do Cirurgião Joze de Goveia Nobre procederam a auto de exame a «… hum pouco de vinho que se achou em huma pipa que

A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Registo de Legislação e Ordens da Câmara de Eiras, 1788-1793, Fl. 58v. 311 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755-1767, Fl. 12. Vide também Apêndice Documental, Doc XIII. 310

O Poder Concelhio de Eiras

se dis ter o que tinha para fazer emtrega Manoel Fernandes Vallente Mordomo que foy do Devino Espirito Santo; e logo pello referido Cirurgião foi visto e examinado o refferido vinho e declarou que estava estraido e nem hera capaz de se fazer uso delle para coiza alguma mas antes hera periudicial a Saude Publica (…) mandarão elles Juizes Almotases fosse o mesmo havido vinho deitado fora e em parte oculta por senão puder sofrer o mau cheiro que do mesmo sahia» (312). No entanto, nem sempre a actuação do médico da Vila de Eiras foi profissional e devotada. Nos inícios de Janeiro de 1823 a Câmara de Eiras é forçada a reagir de acordo com as queixas particulares que vinham sendo feitas contra a actuação do Médico e do Boticário da Vila declarando «…que se faça publico por editaes para que toda qualquer pessoa que tiver rezão de queixa contra Medico Serurgião e Boticario comparessão perante a Camera nos dias de Coartas e Sabados de tarde dias em que ha sessois na mesma Camera a fazerem naqueles dias patentes os motivos de suas queixas afim de que a mesma Camera possa tomar as medidas neçeçarias quando hajão motivos legais para isso» (313). Apesar da Provisão que concede Botica à Vila de Eiras ser a mais antiga entre as várias Provisões relativas à actividade dos diversos mesteres no concelho, a verdade é que os registos sobre Botica ou Boticário datam somente da primeira metade do século XIX. De facto, o primeiro registo é de 1 de Dezembro de 1824 e refere-se ao «Termo de dezistencia do Partido de Boticário que asigna Joaquim Joze Correia», sendo a Provisão que o confirma de 23 de Novembro do mesmo ano (314). Este homem desiste da sua actividade em Eiras para o ano de 1825, mas, tanto num como noutro documento, não se adiantam razões para a saída. Porém, gerir a Botica de Eiras, era cargo apetecido, não lhe faltando por isso concorrentes ao lugar. Mas, ao que parece, Eiras esteve 4 anos sem Boticário legalmente provido. Com a desistência de Joaquim Correia o oficio vagara pelo que a 23 de Outubro de 1825 a Câmara de Eiras regista o requerimento do pretendente «… Marculino Antonio Pimentel de Moraes que requereo a Sua Magestade ser Provido no Partido de Boticario da Villa». Analisada a proposta a Câmara decide-se pelo provimento do concorrente, mas dentro de determinadas condições, as quais resultam do mau funcionamento do ofício no tempo do anterior boticário: «...e sendo lido (…) logo a Camara, Nobreza, e Povo abaixo asignados, depois de se terem feito as reflexões necessarias, decedirão que fosse o Pertendente provido no Partido que requér com as mesmas condições com que tinha sido concedido ao Boticario que ultimamente servio, á excepção do seguinte, primó, que se deve estabalecer hum novo modo de verificar quaes os pobres da Villa, por isso mesmo que a experiencia tem mostrado, que o pedirem=sse attestações ao Parrocho, não tem sido profícuo, porque o mesmo Parrocho tem muntas vezes negado as Attestações a quem as deveria ter passado, e outras vezes as tem dado a pessoas

A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1819-1822, Fl. 52. A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1822-1826, Fl. 10v. 314 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1822-1826, Fl. 39v.; Livro de Registo da Câmara de Eiras, 1763-1829, Fl. 21. 312 313

191

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

que não são pobres, tendo alem disto succedido não ter jurado as sobreditas attestações, dando assim occazião a que duvidando o Boticario dar os remédios por falta do juramento, tinhão muntas vezes os pobres ficado sem remedios contra os beneficos intençois de Sua Magestade, na instituição destes Partidos, e por estes motivos concordarão todos que para se liquidar quais erão os pobres da Villa, a Camara lógo que tomasse posse, fosse obrigada a convocar Nobreza e Povo, e em acto de Camara, assim organizada, se apurasse huma relação dos pobres que estiverem nas circunstancias de o Boticario lhes dever dár os remedios de graça, (…) Secundo, que a attestação com a qual o Boticario tem obrigação de se aprezentar em acto de lançamento para por ella mostrar que tem cumprido com as suas obrigaçois; só poderá ser passada pela Camara convocando a Nobreza e Povo, por avizos públicos (…) e que esta mesma attestação, depois de passada, nunca poderá ser entregue ao Boticario, mas será remetida officiozamente ao Doutor Provedor da Comarca, sem cuja attestação não poderá ser abonado o Partido na forma das Regias Provizões de Sua Magestade» (315).

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Por aqui se depreende que a desistência do anterior Boticário terá sido uma consequência das atitudes do pároco, as quais haviam dado lugar a um conflito entre poderes, de que resultou nítido prejuízo para os pobres da freguesia. Assim, a 12 de Junho de 1826, Marculino de Moraes assina perante a Câmara de Eiras o termo competente como Boticário da Vila e tudo parece indicar que irá assumir o desempenho das suas funções. Mas tal não acontecerá. Apesar desta validação em acto de Câmara, onde se comprometera a dar remédio aos pobres, vindo ao encontro da Provisão Régia de 11 de Maio de 1826, a situação regista um volte face em Agosto do mesmo ano. Os oficiais do Concelho de Eiras estavam na realidade muitíssimo atentos a tudo o que se passava e, quando já não o esperava, Marculino de Moraes será denunciado em plena sessão da Câmara convocada extraordinariamente na presença da Nobreza e Povo de Eiras. Vejamos então o que se declarou a propósito desta situação no dia 5 de Agosto de 1826: «…acontece agora aprezentar o mesmo Boticario, sua Regia Provizão, da qual se coliga não foi sincero; pois que aprezentou no Regio Tribunal huma informação em grande parte opposta á que desta Camera se remeteo a Sua Magestade, pois em lugar da propria offereceo a informação do seu antecessor Joaquim Joze Correia, com a qual privou os pobres desta Villa de maiores beneficios e regalias do que tinhão, e gozavão (…) pois que pela primeira, só erão tidos por pobres, os que o Reverendo Parocho por tais mostrasse em suas attestações e nesta do actual Boticario Marculino são reconhecidos pobres os que a Camera, Nobreza, e Povo mostrasse por huma relação (…) senão registasse a Provizão sem que primeiro se fizesse prezente a Sua Magestade o dollo, e falta de sinceridade do dito Boticario» (316).

A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1822-1826, Fls. 54-54v. 316 A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1826-1833, Fls. 16-16v. Vide Apêndice Documental, Doc. XVI. 315

O Poder Concelhio de Eiras

A falta de sinceridade custou caro ao novo Boticário que será acusado de «Devaça de Rebellião» com sequestro de bens. Mas esta situação arrastaria Eiras para uma situação delicada, onde a ausência de Boticário se fará sentir até 1829. Como não havia meio do caso se resolver, o juiz ordinário de Eiras passa a agir. Em Junho desse ano coloca-se em contacto com o Provedor da Comarca de Coimbra pedindo-lhe ajuda. Perante a delicadíssima situação do anterior Boticário responde-lhe: «…o devem fazer subestituir emediattamente, nomiando pessoa edónea que entre na laboração dos medicamentos que de tal maneira, da falta destes, não rezulte incommodo, assim para o bem publico, como para o particullar» (317). A solução encontrada passou pela alteração do modo de provimento do Boticário, que evoluiu do concurso para a escolha directa, ditada pelas circunstâncias muito especiais que então ocorriam em Eiras: «…não aparessia Boticario edonio, que viesse rezedir nesta Villa com Bottica, e por isso assentaram de acordo todos, que se nomiasse para Boticario, deste partido, Joaquim Simoens da Cidade de Coimbra, e assistente na Rua do Cruxe da mesma, pellas muitto boas informaçoens que há do mesmo» (318). E assim se preencheria, finalmente, o ofício de Boticário em Eiras, quase 5 anos depois de ter vagado. A 30 de Junho de 1829 a Câmara de Eiras reunida para o efeito lavrou o termo de nomeação para o Partido de Boticário da Vila de Eiras a Joaquim Simões, com o ordenado de 50.000 reis anuais «…em razão dos bons creditos que tem, a semilhante respeito, e do grande provimento, que tem de drogas, com que está surtindo muntas boticas da Comarca, com a condição de dar de prompto os remedios nessessarios aos pobres desta Villa» (319). Uma escolha ou aposta segura que se manteve até Agosto de 1831. Pelo Concelho de Eiras passava também a nomeação e eleição do Padre Pregador da Quaresma. Um privilégio imemorial definido em Provisão Régia dirigida ao Reverendo Pároco e fregueses da Vila de Eiras e conforme a uma Pastoral do Bispo D. João de Melo, de 12 de Outubro de 1690 (320). Segundo aquela Provisão a Câmara de Eiras devia pagar a esmola dos sermões da Quaresma pelo acréscimo dos bens de raiz, o qual por volta de 1740 andava taxado em 30.000 reis. Inicialmente a Câmara seleccionava três conjuntos de dois eleitores cada que ficavam responsáveis pela elaboração de 3 pautas onde indicavam o nome do pregador escolhido bem como a instituição religiosa a que pertencia. Em seguida os oficiais da Câmara dirigiam-se à instituição que reunira maior consenso apresentando o nome do desejado, que ficava sujeito a avaliação pelos religiosos. Por fim, e caso fosse aceite, o Padre Pregador da Quaresma teria de lavrar termo de aceitação nos livros de actas da Câmara de Eiras.

Id. Fl. 58 Id. Fls. 58-58v. 319 Id. Fl. 58v. 320 A.F.P.M.A.M. - Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 100. 317 318

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

A primeira nomeação conhecida é a de 1756 que culminou com o respectivo termo de aceitação: «Asseito a dita eleissão que fizerão os Senhores da Camera da Vila de Eyras, para pregador da Quaresma do Anno de 1756 como obrigo, a dar satisfacão, e pregador hoje 9 de Janeiro de 1756 Santo Antonio dos Olivais de Coimbra, e por verdade me asinei Fr. Manoel de Landim» (321). Nos anos seguintes encontramos nomeações e termos de aceitação de padres de diversas instituições religiosas: Colégio de S. José dos Marianos, Colégio de S. Pedro e Colégio Real da Ordem Militar de Cristo. Pelo menos a partir de 1774, a designação do pregador alterou-se significativamente. A constituição de listas de eleitores desaparece, sendo substituída pela escolha directa através da Câmara de Eiras mediante simples informação recolhida. Também por estes anos a Provisão Régia passou a obrigar que os padres sejam do Convento de Santo António dos Olivais.

8. De 1755 a 1836: decidir, deliberar e agir no Concelho de Eiras

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o longo do tempo que os livros tornam possível seguir a actividade do A Concelho de Eiras, registamos um conjunto de decisões que deram origem a outros tantos termos lavrados em acta. Todos estes registos, uns mais completos do que outros, dão-nos preciosas informações e testemunhos acerca dos múltiplos aspectos da vida particular e geral que foi decorrendo ao redor de Eiras.

8.1. Correições aos caminhos, às bordas e aos bueiros As vias de acesso ao lugar de Eiras foram objecto de especial atenção por parte das autoridades concelhias. Meio de comunicação primordial, tinham de se apresentar limpas e desimpedidas. Por esse motivo, e em alturas do ano que variavam entre Dezembro e Setembro, o povo era chamado pelos oficiais concelhios para procederem a fiscalização nos locais tidos por fundamentais. A primeira notícia de uma correição aos caminhos data de 16 de Junho de 1755, e ocorreu no sítio das várzeas: «Aos dezaseis dias do mes disembro de mil e setesentos e cincoenta e sinco annos e mesma Villa e nas Cazas da Camara aonde ahi se achavam os ofisiais da Camara com juis ornario della e ahi depois de fazerem lencados os pergoins por aonde fazer coreisam de bordas e bueiros e logo por todos os sitios das vargias asima se fazendo coreissam achamos as bordas por fazer na testada de Manoel Marqes Rocha e na testada de Joam Ferreira Dias achamos por fazer a testada de Luis da sidade de Coimbra = mais a do padre Inasio dias da mesma Sidade e mais a do Alexandre Simois = e mais de Luis de Sousa da mesma sidade = mais a de Antonia Pereira de Souza da mesma Sidade = e mais Doutor Manoel Oliveira da mesma Sidade …» (322).

321 322

  A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara, 1755-1767, Fl. 18v. A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755-1767, Fl. 9v.

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Este exemplo não é, contudo, o mais frequente. De facto são raras as ocasiões em que alguém acabava condenado, fosse por não ter as suas propriedades de acordo com a lei, ou por faltar ao termo de caminho (situação de que inclusive os oficiais se não podiam livrar). A impressão que colhemos dos registos aponta para que quase sempre os caminhos encontravam-se estimados. Como aconteceu em Agosto de 1774; «…revendo no mesmo dia as Bordas nos sitios costumados se acharão os caminhos dezenbaracados e as matas aparadas cada hum na sua ryspetiva tystada»(323). No entanto era na estação das chuvas que a situação dos caminhos se agudizava, como no Outono de 1795. Estávamos a 26 de Outubro e a Câmara procedia a «fatura de caminho» devido à acumulação das águas: «E só no citio da Barca Lemite desta Villa emtre huma vinha de Antonia Marques Mocinha viuva e outra do Doutor Manoel Correa da Fonceca todos desta dita Villa foi pellos ditos offesseais mandado abrir hum boeiro ou aqueduto para a expendissão das aguas que se ajuntam na Estrada citio em que se fes hum grande atovoeiro de forma que so nam podia vadear e mandaram elles offessiais ficasse para sempre com cerceador aberto» (324). Os termos de Caminho ocorriam um pouco por toda a área concelhia de Eiras com especial incidência no «Sitio das Vargias, Redonda e Gengil», «Sitio do Serrado», «Sitio da Cruz» «Tojal», locais que corresponderiam às principais entradas para a Vila de Eiras. Por outro lado, e em muitos destes termos, o local exacto não é especificado ficando-se por expressões vagas como «termo», «limite» da Vila de Eiras ou «estradas publicas». Acrescente-se que a partir de 1794 a Câmara de Eiras passou a eleger um homem para servir de Mestre de Valas, o que vem reforçar a nossa exposição sobre a importância dos caminhos transitáveis.

8.2. Os termos de caminho feitos na fonte e na ponte Além dos termos feitos aos caminhos, bueiros e valas, destacam-se dois subgrupos de termos: por um lado aquele que era feito no caminho da fonte; e por outro o que tinha como objectivo a limpeza da ponte. Em ambos os casos, o incumprimento acarretava penas consideráveis a saldar em dinheiro. O termo de caminho feito na fonte levava-se a efeito, preferencialmente, no primeiro mês do ano embora encontremos registos em Julho e Outubro. Esta medida tinha como objectivo limpar não só o cano que conduzia a água mas também o caminho que lhe dava acesso. Objectivamente, este termo, resultava da constatação directa de o chafariz da Vila não deitar água pelo que havia que agir com rapidez. Nos actos de correição concluía-se quase sempre que a acumulação de entulho no cano era a razão de tal secura. Com relativa rapidez as coisas voltavam à normalidade «Encaminhando a agoa para o chafariz da mesma» (325).

A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1773-1779, Fl. 19. A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1794-1796, Fls. 36v.-37. 325 Id. Fls. 10v.-11 323 324

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Mas nos finais de Julho de 1800, com as obras públicas mandadas fazer por ordem do Rei, a situação atingira uma situação de ruptura, levando o município de Eiras a enviar petição ao Corregedor para que socorresse a Vila: «Dis o Juis Ordinario da Villa de Eyras desta Comarca que esta o povo daquella Villa em deploravel estado e em figura de nam ter huma gota de agoa para beber em rezam de estar a fonte e chafariz principal da Villa seca pellas ruínas de emtulho que tem caído dentro do cano da mesma fonte e tudo isto hé cauzado de senom concluírem as obras da mesma fonte comcedidas por Sua Magestade a tantos tempos» (326). O Corregedor, durante este processo, será sensível aos argumentos do Juiz e dos demais oficiais os quais foram reforçando as preocupações: «Allem de que munto bem pode sossoder aver algum incêndio na Villa como já tem sossodido por varias vezes e nam aver agoa para se apagar como não há; acressendo mais que para ainda serrar de agoa na Igreja se vem os sassordotes na figura de amandarem pedir a Villa ou mandaremna buscar a huma valla que discorre para huns engenhos que muntas vezes a nam tem por estar tapada e andar regando no seo Nassente e ser a mesma valla em muntas partes immunda nestes termos = pede a Vossa Senhoria se digne em atençom ao esposto (…) mandar que o povo seja avizado nam só para se alimpar o dito aqueduto mas ainda arrancar quaisquer lages e pedras que nessessarias e percizas forem com a penna allem da requerida e já mandada por Vossa Senhoria de serem prezos e castigados pela dezobediencia» (327). São várias as actas que registam a história da limpeza da fonte, cujo cano foi sendo limpo e concertado em diversas zonas do seu percurso: «Sitio do Escaravote», «Sitio da Redonda» ou na «fonte desta Villa». Quanto ao termo de caminho na ponte foi menos frequente ao longo dos tempos e tinha quase sempre como foco de atenção a ponte que une Eiras aos Casais. E foi aí que, a 28 de Agosto de 1755 (primeiro registo que temos), o povo se juntou «…pera efeito de se fazer caminho alimpar a ponte» (328). A partir da década de vinte do século XVIII, os caminhos, especialmente os que atravessavam a Vila, começaram também a ser preocupação do ponto de vista higiénico. Na sessão de 12 de Março de 1823 a Câmara de Eiras lança o aviso: Igualmente se acordou que senão consentiçem estrumeiras algumas nas Ruas Publicas desta Vila por çerem contrarias a Leis e que este acordão foçe noteficado por mim escrivão aos atuais Almotasses por ser esta providençia do seu Regimento» (329). O costume da Câmara realizar termos de caminho começa a desaparecer das actas do concelho, a partir do 2º quartel de oitocentos. Ficou-nos no entanto o registo de toda esta actividade, que envolvia a sua limpeza e conservação e que nos permite perceber da importância dos caminhos, ontem como hoje, para os habitantes do Concelho de Eiras. Com estes termos os problemas de ligação terrestre ficavam identificados levando à aplicação de penalizações quando necessário fosse. Foi nesse sentido que no ano de 1800 o Corregedor da Comarca de Coimbra,

A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1800-1811, Fl. 16v. Id. Fl. 17. 328 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755-1767, Fl. 14v. 329 A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1822-1826, Fl. 19. 326 327

O Poder Concelhio de Eiras

Dr. Joze Maria Pereira Forjaz de São Payo, em Acto de Correição com Audiência de Capítulos se pronunciou acerca da importância que a Cadeia, os Caminhos e as Fontes tinham para a segurança dos povos, ordenando aos oficiais eirenses que: «…na forma dos Antigos Costumes fizessem reparar pelos comfinantes e com ajuda do povo, os caminhos e fontes públicos aplicando tambem nestas obras os rendimentos desponiveis dos bens do Conselho, e Coimas de que a Camera podia dispor nos termos de direito salvo as terças de Sua Alteza Real, e que no cazo de ser para isso necessario fintao o povo, lho requeressem para lhe deferir (…) não se deixasse de fazer os ditos reparos, da cadea caminho, e fontes, emdespencaveis a sigurança Publica, e comodidade dos Povos» (330).

8.3. Termos dos Cochinos, das Colmeias, das Aredas e de Égua de Lista (Fevereiro, Abril, Maio, Julho, Outubro, Dezembro) O Concelho de Eiras promoveu, ao longo da sua existência, outro tipo de termos além dos que acima descriminámos. No início do ano e por norma nos finais de Fevereiro, o concelho costumava lançar a pregão a vigia dos porcos «ou dos cochinos» da Vila para o ano em curso. A ela podiam concorrer os moradores da Vila, apresentando o seu preço por animal. Seleccionado o «vegieiro do gado da vista baixa» lavrava-se em seguida termo de obrigação ou arrematação da vigia. Tal foi o caso de Joze Ferreira que a 24 de Fevereiro de 1760 arrematou a «vigia dos cochinos» por 1 alqueire cada animal obrigando-se «…a lanssar ao pasto a dita vigia dos ditos cochinos com duas oras de Sol nascido, e recolhendo-o com hua hora de Sol» (331). O incumprimento das suas obrigações – incluíndo matar ou danificar algum animal - poderia acarretar condenação e mesmo prisão. Sobre outros termos pouco sabemos. Tal é o caso do termo de correisão às colmeias (pelos finais de Agosto) e o de ir «as aredas, arodas, oredas» (entre Janeiro e Fevereiro). Por fim e em cumprimento das ordens vindas da Superintendência das Caudelarias da Comarca, o Concelho de Eiras tinha de designar 3 pessoas entre as mais abonadas para dotarem égua de lista.

8.4. Termos de aforamento Na introdução a este capítulo demos relevância ao facto do Concelho de Eiras logo em 1432 estar a emprazar um Roxio (332). As informações sobre este contrato são insuficientes, mas a realidade demonstra-nos que três séculos depois a política de aforamento mantém-se por parte do concelho. Este dado parece apontar que

A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1800-1811, Fls. 5v.-6. 331 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755-1767, Fl. 83. Vide Apêndice Documental, Doc XII. 332 Roxio ou Rossio era o terreno possuído e explorado em comunidade por uma povoação. 330

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desde longínquos e incertos tempos existia um núcleo de propriedades ou bens que renderiam a favor da instituição concelhia. De volta a setecentos, para retomarmos o fio condutor dos aforamentos. Na sessão de 18 de Março de 1788, a Câmara decide aforar ao Padre Jerónimo Fernandes «…duas leiras de vinha destroida no citio da Relva que ambas partem com vinha e olival do mesmo Reverendo Padre Afforante as quais ambas em outro tempo tinham sido afforadas ao Padre Felis de Almeida Galvam e dele passaram para os Relegiozos Estictos Jezoitas e delles para a Unevercidade da Cidade de Coimbra» (333). O contrato resulta antes de mais de uma evolução que vem de tempos mais recuados. É acordado com o foro anual de 600 reis, representando uma quebra, pela metade, da verba que os Jesuítas pagavam ao Concelho de Eiras quando dispunham do Senhorio Útil sobre a propriedade. A justificação dada pelo concelho é bem eloquente «…atendendo as muitas despezas que tem de fazer em reduzir as ditas leiras a estado em que dellas possa receber alguma utilidade e ficar assim seguro o dito foro» (334). A 27 de Março de 1789, a Câmara de Eiras realiza outro contrato que descreveu como «Termo de Afforamento de huma serventia cita a Redonda que fás Antonio Fernandes de Mainça a Camera desta VIlla de Eyras pello foro de duzentos reis annuaes» (335). Este contrato é diferente do anterior a vários níveis e nele se destaca não só a localização (na Redonda), mas também a originalidade do bem aforado (uma serventia), e finalmente os motivos subjacentes a tal acto e que andariam relacionados com as conhecidas dificuldades financeiras que os concelhos apresentavam. E deve ter sido a mesma preocupação que levou o Procurador de 1791, de comum acordo com os outros oficiais, a fazer um requerimento, pelos finais de Agosto, onde propunham: «…foi requerido aos mais offessiais que a Camera se acha Senhora e pessuidora de varios predios que tinhão sido aforados antecedentemente sem os titollos Jurídicos e sem aquelle foro que os mesmos meressem por essa rezão requeria que todos os pessuidores dos mesmos predios no perfixo de vinte dias fossem citados para reconhecerem a Camera por Senhoria e lhe fazerem os titollos Jurídicos na conformidade da Lei com a penna de que (…) nom vindo fazer o requerido (…) emcorerem nas pennas de omissos e perdimento das propriedades para a mesma Camera os poder aforar a quem milhor lhes pareser» (336).

8.5. Termos ou decisões pontuais – mas fundamentais – na vida concelhia: águas, serventias, pastagens Algumas decisões da Câmara de Eiras não se relacionavam com o carácter sistemático e regular dos termos anteriores. Pelo contrário, resultavam antes de

A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1788-1790, Fl. 3. Id. Fl. 5v. 335 Id. Fl. 25. 336 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1791-1794, Fl. 1v. 333 334

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situações pontuais que urgia resolver, cujas soluções eram tomadas com base nos testemunhos e juramentos de pessoas do povo. As mais importantes relacionavam-se com a repartição da água, ontem e hoje um bem fundamental. Em Junho de 1759 viveu-se uma dessas situações com o Escrivão da Câmara a ser chamado ao «…sitio das almoinhas que se costuma regar todos os sabados as ortas e mais novidade com agoa que lhe he dada». Com a ajuda do almotacé apuraram «…as teras que tinham as mais nesessidade de agoa hi me foi dito que notefiqueasse a Joze Cardozo e a Manoel Fernandes Perdigam para que elles debaixo do juramento que lhes encaregava que declarasem todas as vallas que tinham mais nesesidade desta augua elles coreram todas as porpiedades nosa prezensa que em primeiro lugar hera a do Capitam Joao de Campos e segunda a de Simam Pedro» (337). As serventias então designadas por «servidões» ocupavam na esfera de decisões local destaque especial. As decisões sobre esta temática obrigavam à presença, não só dos oficiais, mas também de grande parte do povo. A 12 de Março de 1760 esta massa humana juntou-se «…para efeito de o dito Juis lhes propor se era conveniente ao Povo a servidão que em outro tempo havia pella fazenda de Joze Antonio da Conceissão no citio do queimado que se acha tapada pello mesmo» (338). Queria este homem que o povo assinasse procuração, a apresentar ao Corregedor, onde declarassem não querer a serventia destapada. Mas os oficiais e restante povo de Eiras estavam atentos: «O que tudo proposto por elle dito Juis aos ditos offesiaes responderão que não asignavão procuração para defender cervidão referida por lhes não constar que o povo se queixe, e tãobem por não haver no Conselho dinheiro com que se haja de poder defender ou sustentar a demanda que o dito Jozé Antonio pertendia» (339). A área da freguesia de Eiras possuía condições naturais propícias à criação de gado sendo, particularmente, apetecíveis as suas pastagens. Em Março de 1828 e em Auto de Camara com a assistência da Nobreza e Povo, Amaro de Carvalho, residente em Montemor, vê satisfeita a pretensão para o seu gado poder pastar na Vila de Eiras «… com o fundamento de ter nesta Villa muittas fazendas que para a sua boa produçam persizam de ser estrumados e nella não poderem apastorar rodo o anno os dittos gados por faltarem as pastes pellos regores das Estações; allegando mais que a criaçam dos dittos gados era muitto uttil tanto a agricultura como ao publico» (340).

9. O Concelho de Eiras perante a implantação e triunfo do Liberalismo m Portugal, na primeira metade do século XIX, os tempos prenunciavam a mudança. Mas não uma mudança qualquer, pois os seus efeitos (sabemo-lo hoje) seriam dos maiores que a História registaria até aos nossos dias. Uma velha ordem

E

A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755-1767, Fl. 73v. Id. Fls. 85-85v.. 339 Id. Fl. 85v. 340   A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1826-1833, Fl. 41. 337 338

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e estrutura caminhava para a dissolução, dando lugar a novos homens, novos pensamentos e novas maneiras de estar e de ser, novas estruturas e instituições. O Absolutismo, entendido como sistema de governo, cedia lentamente o seu lugar ao grande movimento liberal. De um lado, a herança do Antigo Regime, baseada nos velhos direitos feudais que vinham da idade medieval, com o Senhorialismo profundamente enraizado agrilhoando o lavrador ao clero e à nobreza. Do outro lado o Liberalismo, com propostas novas e ideias muito claras para a sociedade, impulsionado pelo exemplo da longa tradição liberal inglesa e Revolução Francesa. Aos poucos foi-se enraizando entre nós a ideologia liberal, moldada por um pensamento iluminista que se acentuaria no último quartel do século XVIII. A Revolução Liberal Portuguesa ocorreu a 24 de Agosto de 1820. Como seria de esperar, o movimento apanhou o Concelho de Eiras de surpresa, à semelhança do verificado um pouco por todo o reino. Com o triunfo do movimento uma das principais preocupações dos novos governantes foi o controlo das estruturas locais de poder. Preocupação que se traduzirá em cerimónias ou actos públicos de juramento solene à nova ordem, feitos na presença das autoridades representativas dos poderes civis e militares. Em Eiras, certamente por estes motivos, realizaram-se dois juramentos: - O primeiro ocorre uma semana depois da revolução liberal. Estamos a 31 de Agosto de 1820 e a Câmara de Eiras reúne de forma restrita com as autoridades militares máximas do Distrito (Capitão Mor) e com as chefias das Companhias de Ordenanças da Vila. Todos juntos juram obedecer à Junta Provisional do Reino acabada de instaurar, às Cortes que organizarão a Constituição Portuguesa, e à Dinastia de Bragança: «Juro aos Santos Evangelhos obediençia a Junta Provizional do Governo Supremo do Reino que se acaba de instaurar o que em Nome de El Rey Nosso Senhor o Senhor Rey Dom João Sesto hade governar athe a instaurassam das Cortes que deve comvocar para organizar a Constetuissam Portugueza = Juro obediençia a essas Cortes e a Constetuissam que fizerem mantida a Religião Católica Romana, e a denistia da Sereníssima Caza de Bragança = que por ordem do Ilustrissimo Excelentissimo Senhor General Felipe de Souza Canabarro Tenente General e Governador do Partido do Porto» (341). - O segundo juramento aos novos poderes liberais feito em Eiras, envolve todos os poderes locais, à excepção dos militares. Assim, a 7 de Setembro do mesmo ano, e em «Autto de Camera Geral» reúnem-se em sessão extraordinária realizada na Casa do Senado de Eiras os Oficiais do Concelho, o Clero, a Nobreza e o Povo. Este juramento colectivo teve a mesma finalidade do primeiro: «…ahi mesmo disserão todos a huma vos que juravão aos Santos Evangelhos obediençia a Junta Provizional do Governo Supremo do Reino que se acaba de

341 A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1819-1822, Fl. 22. Vide Apêndice Documental, Doc. XIV

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instaurar e que (…) hade governar athe o Estado das Cortes que deve comvocar para organizar a Constetuissam Portugueza, e que do mesmo modo juravão obediençia a essas Cortes e a Constetuissam que fizerem, mantida a Religião Católica e Romana e a denistia da Sereníssima Caza de Bragança, o que todos por este Autto se obrigavão e dizem penhar suas obrigaçoens com toda a satisfação e boa vontade comforme lhe fora determinado, e por esta forma entre vivas e aclamassois geraes disserão finalmente = Viva o Senhor Rey Dom João Sesto Nosso adorado Monarqua, Viva o Governo Provizional = Viva a Nossa Sagrada Religião = Viva a Constetuissam Naçional» (342). Os tempos eram de mudança, aconselhando muita prudência e vigilância do espaço territorial, especialmente no que tocava a movimentações de pessoas de intenções duvidosas. Preocupações que eram transmitidas pela Administração Central aos Corregedores e destes aos poderes locais. Nos inícios de Outubro de 1821, o Corregedor da Comarca envia ordens ao Concelho de Eiras dando-lhe conta de duas portarias que tratam de matérias muito sensíveis: - a primeira foi dirigida da Secretaria dos Negócios de Justiça e recomendava que se «…emprege as mais ativas deligencias para que sejão prezos os salteadores e asaçinos que achar no distrito de sua Jurisdição ou ainda em suas vezinhanças emtendendo-se para esse fim com os generais das Provinçias e comendantes melitares» (343). - a segunda ordem veio da Secretaria do Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, mas o caminho é também o da vigilância e fiscalização, mandando que «…faça porçeder pelas justiças de sua comição com mais energia e atividade a fim de que se conçiga a pronta pruveitoza ezecução (…) pelo que toca a mais escrupoloza fiscalização dos Paçaportes com que quaisquer indevidos pertendão entrar neste Reino vindos de Espanha expecialmente» (344). Neste caso, a uma preocupação de Segurança Nacional do ponto de vista político associava-se a salvaguarda da saúde dos povos uma vez que se relatava também que «…a febre amarela prinçipiou a grasar na Andaluzia porsedendo-se por isso com todo o cuidado e a limpeza das ruas de todos aqueles lugares que servem em comodo de despejo das mundiçes da diverça qualidade» (345). Aproximadamente um ano depois do Auto de Câmara, geral e extraordinário que jurou a nova ordem política liberal, e já com a primeira Constituição Política Portuguesa aprovada, desenrola-se na Igreja Paroquial importante acto. A 3 de Outubro de 1822, o pároco e as autoridades concelhias prestam juramento ao diploma fundamental da nação portuguesa: «…e logo pello Reverendo Parocho e mais clérigos foi cantada hua Missa Sulemne, e pelo Juiz e Veriadores e Procurador foi jurado nas maos do Parocho e selebrante jurando cada um de perçi suparadamente pela maneira seginte = Juro

Id. Fls. 23-23v. Vide Apêndice Documental, Doc XV. Id. Fl. 41. 344 Id. Fl. 41v. 345 Id. Fl. 42. 342 343

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goardar e fazer goardar a Constetuição Politica da Monarquia Portugeza que acabão decretar as Cortes Constetuintes da mesma nassão tudo na forma que manda o Decreto de honze de Outubro de mil oitosentos e vinte e dois» (346). Neste acto prestou também juramento a abadessa de Celas através de procurador. No primeiro acto de eleição dos novos oficiais o juramento à Constituição repete-se. São conhecidas as dificuldades da implantação do Liberalismo em Portugal. Recordemos a este propósito o que em outro local já afirmámos: «Passada a euforia da revolução liberal, os contra-revolucionários absolutistas, representantes da velha ordem passaram a agir, tentando recuperar o tempo perdido, conseguindo primeiro que fosse outorgada uma Carta Constitucional, que ao contrário da Constituição de 1822, reforçava o poder real, atribuindo-lhe não só um quarto poder, designado por moderador, mas também outros poderes impensáveis anteriormente, como a nomeação dos deputados para a Câmara dos Pares, a convocação extraordinária das Cortes, ou a dissolução da Câmara dos deputados» (347). Tratava-se de um retrocesso em relação à revolução liberal, uma acção concertada dos contra-revolucionários que apenas sossegaria com a ascensão ao poder de D. Miguel I, absoluto convicto e irmão de D. Pedro IV, até então legítimo Rei de Portugal, cuja corte se instalara no Brasil por força das circunstâncias adversas. D. Miguel, líder dos absolutistas, havia regressado do exílio em Viena, tendo num golpe de teatro jurado a Carta Constitucional de 1826, seguido de um pacto com o seu irmão Pedro, Rei de Portugal. Esse pacto, ou aliança, pressuponha o casamento com a sua sobrinha, D. Maria da Glória. Mas as ideias de D. Miguel eram contrárias às acções: «…chegado ao poder, D. Miguel não cumpriu o que prometera. Em Março de 1828 dissolve a Câmara dos Deputados, nomeando em seu lugar uma junta que preparasse a convocação dos três estados do reino (o que significava o retorno ao Antigo Regime e ao Absolutismo), os quais acabariam por aclamar D. Miguel como rei absoluto na reunião de 23 a 25 de Junho de 1828. Iniciava-se então um novo período de terror, com ferozes perseguições dos absolutistas aos liberais (…) mergulhando o país numa guerra civil até 1834, ano em que D. Miguel abdicará quer do trono, quer da liderança da contra-revolução absolutista em Portugal» (348). As actas do Concelho de Eiras reflectem, em parte, estas alterações políticas, especialmente as que se relacionam com a legitimidade do poder. A 13 de Janeiro de 1829, e em Auto de Câmara realizado em consequência de ordem do Governo de 22 de Dezembro do ano anterior, procede-se à destruição do registo feito nas actas, em Agosto e Setembro de 1820, quando as autoridades civis, militares e religiosas juraram obediência e legitimidade à Junta Provisional do Governo, órgão principal da defesa da revolução liberal: «…em consequensia de huma ordem do Governo que mandava trancar e riscar todos e quaesquer papeis mandados pella Junta Provizoria do Porto contra a Id. Fls. 69v.-70. João Carlos Santos Pinho – Botão mil anos de história(s)…P. 206. 348 Id.

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Legittimidade do Nosso Rey o Senhor D. Miguel (…) os quaes por serem opostos a ditta ordem forão postos em estado de senão poderem mais ler nem conhesser» (349). Mas assim que o movimento liberal triunfou e D. Miguel abdica do poder o Concelho de Eiras volta a jurar obediência aos poderes constitucionais. Estamos a 9 de Maio de 1834 e, na sequência do ocorrido na Cidade de Coimbra, os oficiais concelhios na presença do Clero, Nobreza e Povo aclamam D. Maria II, o Rei D. Pedro e a Carta Constitucional de 1826. Tudo está lavrado na acta desse dia, onde pela voz do «prezidente da Camera» da Vila de Eiras se narraram os factos: «Foi proposto que avendo cido na Cidade de Coimbra aclamada, a Legitima Soberana destes Reinos a Senhora Dona Maria Segunda; e o Senhor Dom Pedro Duque de Bragança como Regente, em nome da mesma Rahinha e bem assim á Carta Constecional outorgada a estes Reinos pello mesmo Senhor em mil oitosentos e vinte e seis, que igualmente o devião ser nesta Villa protestando-se-lhe toda a obdiencia e seguião e respeito ao que toda a Camera, Nobreza, Povo, e Clero desta freguezia, espontaneamente anuirão com todas as demonstraçoins de regozijo e satisfação, rompendo logo em altos vivas de viva a Senhora Donna Maria Segunda Legitima Soberana destes Reinos, viva o Senhor Dom Pedro Quarto Regente em nome da mesma Rainha, viva a Carta Constecional» (350). No termo de juramento e investidura dos cargos aos novos oficiais para o ano de 1834, realizado a 02 de Junho, está bem viva a alteração de regime político. Afastada a facção absolutista, os eleitos são liberais confessos e o seu juramento, que promove a consolidação dos valores liberais, significa acima de tudo a libertação de um povo do regime que o oprimia: «= Juramentos = fazer manter a Carta Constetociunal da Monarquia Portugueza = obedecer ao Governo extabelecido = em Lisboa em Nome da Rainha = Sua Magestade Fedelecima = a Senhora Donna Maria Segunda = Rainha de Purtugal e de cumprir fielmente os deveres do meu cargo = assim o pormeterão cumprir; e dandose por emvestidos na posse dos seus Cargos deliberarão se cantasse na Igreja Matriz desta Villa hum = Te Deum = em acção de graças por se achar o seu Concelho livre do pezado grupo da uzurpação e restetuido ao Regimen da Carta Consticional e mais acordarão que findo este Relegiozo acto do Te Deum com asistencia de todos os membros asima refferidos se derigessem a Sua Magestade Imperial huma Carta de Flecitação em seu Nome e dos Povos do seu Concelho patentando-se-lhe os mais perfeitos sentementos de gratidão» (351). O triunfo da revolução liberal levou ao aparecimento de novas figuras de poder na área do concelho. Surgem então os Cabos de Polícia nomeados pelo Provedor da Comarca. A 25 de Junho de 1834, Manoel da Cunha e Joaquim da Cunha, são designados para essa função a quem o Provedor expressamente recomenda «… que vigiacem o sucego publico desta Villa e repremissem quaisquer dessençois ou dittos que possa haver contra o sistema actual do Legitimo Governo» (352).

A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1826-1833, Fl. 52v. A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1833-1836, Fls. 16-16v. Vide Apêndice Documental, Doc. XVII 351   A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1833-1836, Fl. 18. 352 Id. Fl. 21. 349 350

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O Juiz de Paz - magistrado que procura a conciliação de pessoas em desavença, evitando que litiguem em juizo - emerge também como figura de relevo, datando a primeira eleição de 02 Agosto de 1834. No mesmo sentido vai a nomeação de Administrador da Bolsa das Cartas e Correspondência oficial para o Concelho de Eiras. Este posto fora uma «Graça que havião requezitado e consegido do Sub Inspetor Geral dos Correyos e Postas do Reino» (353). O Bacharel Joaquim dos Reis e Silva Luzeiro foi o nomeado para a função segundo se lê «…por nelle comcorrerem todas as milhores serconstancias da petição e athe do Lucal de sua abitação per ficar na Rua Corrente e Estrada de Vizeu por cujo Correyo se pediu e manda fazer a condução da dita bolça pormetendo-se-lhe guardar a risca e fazer goardar todos os seus previlegios que o Regimento Geral nesta repartição concede a todos os empregados desta hordem» (354).

10. A extinção do Concelho de Eiras pós o triunfo da revolução liberal, as preocupações voltaram-se para a consolidação da nova ordem e regime político. Consequentemente operaram-se profundas alterações, entre as quais devemos destacar a reorganização administrativa nacional que tinha como objectivo principal «…a criação de um administração local centralizada e hierarquizada que visava o controlo do território nacional e das comunidades locais pelo Terreiro do Paço» (355). As reformas de Mouzinho da Silveira, preparadas enquanto esperava o triunfo liberal na Ilha Terceira entre 1826 e 1834, culminariam com a publicação de medidas de grande alcance: extinção dos pequenos morgados, abolição dos impostos e dizimas, revogação dos foros, censos e rações, reorganização das finanças publicas, da justiça e especialmente da administração. O reformador e legislador adoptou o modelo francês de administração, cuja inspiração se colhe no célebre decreto Nº 23 de 16 de Maio de 1832, onde estruturou uma nova administração local:

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«Cria então um corpo de magistrados e órgãos que vão exercer localmente a função de administrar em representação do Governo. Assim, em cada Província coloca um magistrado administrativo, o Prefeito. Menor que a Província era a Comarca, uma subdivisão territorial que tinha na condução dos seus destinos um outro magistrado, o Sub-Prefeito, agente intermediário do poder. Por fim, na base da divisão administrativa ficava o concelho, a que correspondia um Provedor, agente fiscalizador da autoridade central» (356). Neste novo esquema Eiras integrava-se na Província e Comarca de Coimbra. Mas esta primeira organização administrativa esbarrará na falta de preparação dos magistrados para o exercício da administração, cometendo-se os mais variados abusos e prepotências denunciados em protestos. Id. Fl. 24 Id. 355 João Carlos Santos Pinho – Botão mil anos de história(s)…P. 209. 356 Id. 353 354

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Da reforma de Mouzinho da Silveira parte-se então para uma grande reflexão e discussão em torno da reforma do sistema provincial, motivada sobretudo pela extensão da área geográfica das Províncias. As várias propostas e ideias darão lugar à Lei de 25 de Abril de 1835, onde o Distrito, unidade intermédia entre a Província e a Comarca, é considerado circunscrição administrativa supramunicipal. Esta lei será consolidada pelo Decreto de 18 de Julho de 1835 que veio «…promover a divisão administrativa do reino, no qual figuram os Distritos, subdivididos em Concelhos e estes podendo ser compostos por uma ou mais freguesias (Artº 1º, Cap.º I, Título I). Por outro lado e quanto aos corpos administrativos, definem-se as Juntas de Paroquia, como sendo compostas por três membros nas freguesias que tiverem menos de 200 fogos, de cinco nas que tiverem de 200 a 600 fogos e de sete nas de 600 para cima (Artº 8º, Cap. III, Título I)» (357). Na mesma lei (358) e de acordo com o Mapa Nº 2, definiram-se 17 distritos administrativos, compostos pelos antigos concelhos, onde Eiras figura como integrando o Distrito de Coimbra. Em Eiras percebe-se que o momento é crítico para a sobrevivência da municipalidade. Os poderes têm de agir. A 15 de Junho de 1836 a Câmara da Vila reúne de urgência ao saber da reunião promovida pela Junta Geral do Distrito «para tratar da devisão dos Concelhos». Apressa-se então a enviar uma representação onde expressa a sua grande preocupação pelo desfecho da nova divisão e onde alude à antiguidade e importância do concelho: «…para ser concervada a Municipalidade da Vila de Eiras e se aumentar o destrito da mesma aos motivos que naquela Reprezentação se expuzerão acrecenta a Camera actual que os povos se achão habituados desde antiquisemos tempos a ter ahi Corpo Municipal que proveja sobre as necidades e vantagens dos mesmos povos e não seria justo que num Governo Reprezentativo em que os povos gozão de maores Liberdades e Vantages se lhe tirasse aquella Regalia sendo certo que nas instruçoens para a convocação das Juntas Geraes se mandassem atender áquelles habitos e Costumes Acresce que sendo o Destrito da Camera de Eiras augmentado com os povos que refere a Reprezentação juntos gozão os povos riunidos maiores vantagens com lhe ficarem mais próximo o Corpo Municipal a quem recorrão e pode ate formarce ahi huma boa Guarda Nacional que estando vezinha da desta Cidade lhe pode munto bem servir de apoio e auxilio e he certo que se deve tambem ter em vista a comudidade dos povos e o milhor serviço publico» (359). Baldado esforço! O Concelho de Eiras começa neste momento a diluir-se na nova malha administrativa, cujo golpe de misericórdia será dado com o Setembrismo, através do primeiro Código Administrativo Português. De facto, em Setembro de 1836 uma revolução leva ao poder a facção liberal progressista, liderada por Passos Manuel, cujas ideias eram muito claras acerca do que pretende: recuperação do

João Carlos Santos Pinho – Botão mil anos de história(s)…P. 210. Estas leis encontram-se publicadas na Collecção de Leis e Outros Documentos Officiaes Publicados, desde 15 de Agosto de 1834 até 31 de Dezembro de 1835, Imprensa Nacional, Lisboa, 1837. 359   A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1833-1836, Fl. 27v. Vide Apêndice Documental, Doc. XVIII. 357

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espírito inicial do Liberalismo, restaurando a Constituição vintista e abolindo a Carta Constitucional. Tomado o poder, os Setembristas avançam para uma descentralização administrativa definida no Decreto de 31 de Dezembro de 1836: o Governador Civil é substituído pela figura do Administrador Geral do Distrito, criaram-se os cargos de Administrador do Concelho e de Regedor de Paróquia (Artº 6, Cap. II, Título I). Este Código, precedido pelo decreto de 6 de Novembro de 1836, traria profundas transformações na vida administrativa do país, com a extinção de grande parte dos concelhos existentes em Portugal: «Passos Manuel, de uma só assentada, suprimiu 455 municípios, ficando o reino dividido em apenas 351 concelhos…» (360). Estes números não geram consenso entre os especialistas, mas uma coisa é certa: foi por esta altura que os concelhos de Eiras e dos Casais de Eiras, pertencentes ao terceiro Distrito português com maior número de concelhos, receberam o golpe fatal. Terminava aqui um longo caminho de autonomia administrativa, ficando apenas por apurar o peso que teve na extinção, a anterior adesão e lealdade à causa absolutista, quando hoje sabemos que o triunfo foi o da ordem liberal. Talvez não seja mero acaso a penúltima acta do Concelho de Eiras. Trata-se de um Auto de Câmara extraordinário mandado realizar por Circular do Governo Civil, referindo a Portaria do Ministério do Reino de 11 de Setembro de 1836 «… em que se manda a esta Municipalidade jurar a Constituição de vinte e tres de Setembro de mil oitocentos e vinte e dois» (361). A actividade do Concelho de Eiras findava por esta altura, datando a última acta do dia 01 de Outubro de 1836. Na História do Direito Local Português não mais surgiria qualquer intenção de refundar estes concelhos. O Poder Concelhio de Eiras perdia-se para sempre.

11. O pequeno concelho dos Casais de Eiras s Casais de Eiras, paredes-meias com o lugar de Eiras e dele separado pela ponte, foi também um concelho que gozava de certa autonomia. Contudo, a sua expressão administrativa e concelhia não era comparável à de Eiras: «he termo de Coimbra e Cabeça de Concelho que tem juiz pedaneo comfirmado pella Camara da dita Cidade e Eleyto pello povo; pertence á freguezia de Eyras» (362). Pouco sabemos sobre a sua origem e formação. É de crer no entanto, que ande relacionado com o desenvolvimento registado em várias povoações do termo de Coimbra, acabando por lhe ser reconhecida certa autoridade administrativa. A noção de termo foi evolutiva ao longo dos tempos. Em 1748 os Casais de Eiras integravam a «7ª Corda» (363) das oito cordas existentes método pelo qual se organizavam os concelhos do termo. Dela faziam parte, além dos Casais de Eiras;

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César de Oliveira – «Os Municípios no liberalismo monárquico-Constitucional», In História dos Municípios e do Poder local, [Dos Finais da Idade Média à União Europeia], Círculo de Leitores, 1996, P. 208. 361   A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1833-1836, Fl. 31. 362 A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 35. 363 As cordas foram o método encontrado para expedir «Caminheyros» aos Concelhos dos quais deviam trazer as pautas das justiças. 360

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a Marmeleira, Larçã, Figueira de Lorvão, Sazes, Brasfemes, Souselas (ao qual se reuniu a Zouparria do Monte e outra vez se desuniu em 1834), Lorvão, Zouparria do Monte, Outeiro do Botão, Vilela, Logo de Deus e S. Paulo (364). Este concelho pertencia à classe mais pequena da rede concelhia nacional: «…pequenos concelhos encravados no termo de outros, gozando de certa autonomia face aos concelhos vizinhos, mas que, no caso presente sempre administrativamente dependentes da cidade de Coimbra» (365). Esta dependência fazia-se sentir tanto nas matérias crimes como nas cíveis. Ao Concelho dos Casais de Eiras, segundo nos informa Fabião Soares de Paredes, pertencia em termos territoriais o lugar de Vilarinho, que também era termo da Cidade de Coimbra. No entanto, em termos religiosos, os Casais de Eiras e Vilarinho pertenciam à freguesia de Santiago de Eiras. Diga-se ainda que, entre Vilarinho e Casais de Eiras, a Cidade de Coimbra tinha um baldio de certa importância, designado por “Baldio dos Cazaes de Eyras”, que foi reconhecido e demarcado em Fevereiro de 1769. Compreendia: 5 moradas de casas (4 delas com quintais); uma serventia do Povo e ainda «…humas lapas que nam servem senam das molheres enxugarem Roupa» (366). Conhecemos, com algumas falhas, a estrutura orgânica do Concelho dos Casais de Eiras entre 1719 e 1829, uma vez que os seus oficiais vinham prestar juramento à Cidade de Coimbra, lavrando-se registo nos livros de juramento das justiças dos concelhos do termo de Coimbra. Possuía um juiz pedâneo, um procurador, um escrivão, louvados e um depositário geral. O primeiro termo de juramento data de 12 de Janeiro de 1719 quando compareceu na Comarca «…Antonio Roiz Mosso da Vila de Eyras e tomou o juramento em os Santos Evangelhos debayxo do coal prometeu fazer verdade ao povo e comprir sua obriguação de que tudo se fes este termo que elle assinou e levou da Carta» (367). Este juiz manteve-se somente alguns dias no desempenho do cargo. É que a primeira equipa de oficiais do concelho dos Casais prestou juramento a 18 de Fevereiro de 1719, e nela não consta o nome do dito juiz, tendo jurado: Manoel Correa (Juiz), Manoel Francisco (Procurador) e Manoel da Cunha (Escrivão). À semelhança dos demais concelhos do termo da Cidade de Coimbra, Casais de Eiras regularia grande parte da sua actividade em matéria de eleições, penas e finanças, por um regimento. Infelizmente não se conservou o exemplar desse regimento mas que deve ter sido igual ou semelhante ao concedido em 1740 ao Concelho da Pampilhosa.

12. As Companhias de Ordenanças de Eiras e dos Casais No âmbito do posicionamento intermédio da Vila de Eiras no quadro dos concelhos nacionais, criaram-se duas Companhias de Ordenanças. Integravam   A.H.M.C. – Livro de Pautas das Justiças do Termo da Cidade de Coimbra, 1748-1754, Fl. 6v.   João Carlos Santos Pinho – Botão mil anos de história(s)…Pp. 198-199. 366   A.H.M.C. - Tombo dos bens da Cidade de Coimbra, 1768, Vol. I, Fl. 316v, e Vol. II, Fls. 127v-128. 367   A.H.M.C. – Livro de Pautas das Justiças do Termo da Cidade de Coimbra, 1748-1754, Fl. 2. 364 365

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esquadras de 25 homens, chefiadas por um capitão, que era auxiliado por alferes e ajudantes, cabendo a tutela superior conjunta a um Capitão e um Sargento Mor. Esta estrutura militar da tropa miliciana foi definida no tempo de D. Sebastião sendo reformada durante o século XVIII. A 1ª Companhia seria a de Eiras. Da sua actividade pouca documentação se conservou. A Segunda Companhia era a dos Casais de Eiras como nos indica um curioso manuscrito intitulado «Livro de Registo dos Fogos, e Moradores no Destricto da 2º Companhia da Capitania Mor das Ordenanças de Cazais de Eiras». Ambas, no entanto, andavam sujeitas às autoridades concelhias uma vez que os seus oficiais militares eram designados nas sessões da Câmara da Vila de Eiras. A análise deste livro permite-nos definir a área geográfica da companhia, que ultrapassava claramente a área do pequeno concelho, alcançando lugares de outras freguesias em seu redor: Casais, Brasfemes, Lagares, Bostelim, Sinceira, Quinta do Balancho, Gondiléu, Vilarinho, e Azenha do Carvalho (368). O desempenho destes cargos eram muito apetecíveis, mais pelos privilégios associados do que devido ao seu rendimento. Por isso os principais proprietários da zona disputavam-nos. Estes cargos eram de carácter electivo cabendo aos oficiais do concelho seleccionarem 3 pessoas para apresentarem ao Corregedor da Comarca, que marcava presença na reunião do concelho. Por norma, as autoridades aceitavam um dos nomes propostos e a tendência corria no sentido dos cargos se manterem dentro das mesmas famílias, pois no momento da escolha tinha-se em conta não só o estatuto e a fortuna, mas também as ligações familiares. Veja-se o caso da sucessão em 1777, por falecimento, de Antonio Xavier Zuzarte de Cardozo, Capitão-Mor das Ordenanças de Eiras. A Câmara de Eiras reúne na presença do Corregedor da Comarca, a 05 de Janeiro, e entre as três pessoas designadas coloca em primeiro lugar o filho do falecido: «E logo pello ditto Menistro lhe foi recomendado da partte de sua Magestade votassem em tres sugeitos da milhor Nobreza e Crystandade, e dezenteresse desta villa e seu termo para o mesmo Senhor prover a que bem lhe parecer, o que elles assim prometerão execução e logo huniformemente votarão em primeiro lugar em Francisco Zuzarte de quadros Menezes Fidalgo da Caza Real, de trintta annos de idade com sinco e vinte seis mil curzados de Renda, de louváveis costumes bem quisto, do povo, e declararão ser filho de Antonio Xavier Zuzarte Capitão Mor defunto, e que suposto tem cazas na Cidade de Coimbra, tambem a tem nesta Villa e nelle costuma asestir huma grande parte do anno por ter na mesma o milhor das suas Rendas e so dista huma pequena legoa da referida Cidade» (369). Tanto o segundo como o terceiro nome apontados iam no mesmo sentido: João Correa da Fonseca, actual Capitão da Ordenança da Vila de Eiras e Manoel Botto da Costa, graduado pela Universidade, natural de Eiras.

  A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Registo dos Fogos, e Moradores no Destricto da 2º Companhia da Capitania Mor das Ordenanças de Cazais de Eiras. 369   A.H.M.C. - Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1773--1779, Fls. 56-56v. 368

EIRAS ENTRE DOIS SÉCULOS: DA EXTINÇÃO CONCELHIA AOS FINAIS DA MONARQUIA

«Por tanto concluindo diremos, duvida nenhuma se offerece para que esta antiga terra que em outros tempos foi protegida a mãos largas, pelos nossos Munarcas deixe hoje de sêr a séde do Conçelho Parochial nestes lemittes, se ade furmár pois que hoje mais que nunca se açha ligada com a Capital de Districto por huma excellente estrada, hum dos maiores elementos para a Civilização e prugresso. A Junta desta extinta Villa desde já conta que tanto as informações da Illustrissima Administração do Concelho, como as da Excellentissima Junta Destrital nos haode ser favoraveis e satisfatorias para depois receber a sanção de Sua Magistade». Extracto do Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 1, 1867-1881, Fls. 5v.-6

Foto 32 – Carimbo oficial da Junta de Paróquia de Eiras, finais do séc. XIX

1. Breve contextualização omo vimos no capítulo relativo ao Poder Concelhio, o ano de 1835 foi de grandes mudanças na administração do país. O Decreto de 18 de Julho desse ano criara a figura da Junta de Paróquia que durante décadas será o órgão máximo ao nível local. Doravante, não poderemos falar de um concelho de média importância, mas sim de uma freguesia de grande dimensão territorial, se bem que pequena (ainda) demograficamente. A Vila de Eiras tentou lutar contra a extinção. Quando pelo decreto de 6 de Novembro de 1836, que estabeleceu a nova divisão geral do território do reino, o concelho de Eiras foi extinto entre os quarenta do Distrito, fizeram representações contra a extinção (1835 e 1836). Mas em vão. Eiras transformava-se: a Câmara, o Tribunal e demais Repartições Públicas encerravam e alguns lugares públicos foram transferidos para outras localidades. A imagem da ex-Vila de Eiras, com todas as consequências sociais resultantes da sua extinção, foi muitíssimo bem retratada por Albuquerque Matos em 1974: «Eiras tornou-se monótona, não havia o movimento que anteriormente a animava, que lhe dava vida. Já se não via pelas ruas quem ia à câmara ou ao tribunal chamado pelos deveres ou pelos interesses. As casas comerciais, as que não fecharam, viam-se com as lojas sem fregueses; enfraquecidos os seus negócios limitaram a variedade de mercadoria à venda. Ao contrário do que sucedia, mandava-se vir de Coimbra o que na terra não havia (…) os que lá desempenhavam funções categorizadas, inclusivamente lentes da Universidade, foram residir para Coimbra» (370). A estrutura orgânica da Junta de Paróquia passa a compreender um Presidente, um Vice-Presidente, um Tesoureiro e um Secretário, eleitos pelos vogais efectivos, em escrutínio secreto e sob a presidência do vogal mais velho. No auto de posse mantém-se o juramento de fidelidade ao Rei e à Carta Constitucional.

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Manuel de Albuquerque Matos – «De Eiras: De Vila próspera a aldeia sendo imensas as carências…» In Diário de Coimbra, 08/02/1974.

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Por esta altura surge a figura do Regedor, com autoridade administrativa delegada pela administração central na freguesia, com amplos poderes no campo da lei e da ordem, cuja actividade perdurou até à queda do Estado Novo. Para o período 1867-1937, e partindo de dados documentais, recolhemos os nomes de alguns regedores: Tabela 13 – Regedores e Regedores substitutos na Freguesia de Eiras, 1867-1937 (371)

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Data 1867-1868 1869-1872 1872-1875 1875-1883 1883-1886 1886-1888 1888-1890 1890-1897 1897-1899 1899-1901 1901-1904 1904-1906 1906-1909 1910-1912 1912-1914 1914-1916 1916-1918 1918-1919 1919-1921 1921-1922 1922-1923 1923-1925 1925-1926 1926-1928 1928-1929 1929-1931 1931-1932 1932-1934 1934-1937

Regedor Manoel Maria da Conceicão Mattos Julio Madeira Cardozo Manoel Maria da Conceição Mattos Joaquim Soares de Campos Joaquim dos Sanctos Estanqueiro Francisco Maria dos Sanctos Antonio Marques Valença Joaquim Pereira Simões Cravinho Joaquim dos Sanctos Estanqueiro Julio Ribeiro Ferreira José Fernandes Ferreira Joaquim dos Sanctos Estanqueiro José Maria Ferreira Pratas José Correia d’Oliveira José Simões Estanqueiro Francisco Maria Lucas Jozé Fernandes da Cruz Jozé Fernandes da Cruz Antonio Cardozo José Fernandes da Cruz Jozé Correia d’Oliveira Joze Fernandes da Cruz Antonio d’Ascenção Patrício Junior Jozé Maria da Cruz Mauricio de Carvalho Joze Pereira Simões Cravinho Antonio de Matos Joaquim Moreira da Silva Adrião Rodrigues

Regedor-Substituto ? ? ? Francisco Maria dos Santos Antonio Maria Cardoso José Pereira Catharino Antonio Gomes Varzeas Antonio Rodrigues Catharino Antonio Marques Valença Joaquim dos Sanctos Jaime José Correia d’Oliveira José Manuel Cardoso Joaquim Ferreira Joaquim Maria Castor Samuel Rodrigues Lucas António Gomes Várzeas Joaquim Ferreira Antonio de Espirito Santo Samuel Lucas Daniel Simões ? ? ? Joaquim Soares de Campos Francisco Maria Lobo Antonio da Costa ? ? ?

A partir de 1892 as sessões passam a ter dias e horários marcados: as ordinárias realizam-se duas vezes por mês, no primeiro e terceiro Domingo, e sempre «..depois da missa convenctual» (372). Na sessão de 26 de Janeiro de 1896 a Junta

Tabela reconstituída a partir dos Livros de Registo dos Regedores das Freguesias, 1871-1915 e 1896-1933 (do Fundo do Governo Civil do Arquivo da Universidade de Coimbra), cruzados com os livros de Actas da Junta de Freguesia de Eiras relativos aos mesmos anos. 372 A.J.F.E. – Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 2, 1892-1903, Fl. 2. 371

Eiras entre dois séculos: da Extinção Concelhia aos finais da Monarquia

delibera contratar os serviços de um contínuo, o que vem aumentar o quadro de empregados da instituição. Nesta nomeação, a primeira do género, fixaram-lhe tanto a remuneração como as competências da sua função: «Deliberou tambem nomear um continuo mediante a remuneração de mil e duzentos reis, com a obrigação de proceder à limpeza da caza da junta de se conservar presente durante as sessões, de auxiliar o thesoureiro na cobrança de qualquer derrama (…) e o secretario no serviço do expediente e distribuição de correspondencia da Junta e finalmente de prestar todo o mais serviço que a Junta julgue inherente áquelle cargo» (373). Com estas transformações Eiras perdera parte muito significativa da sua autonomia, com as esferas de decisão a passarem, a vários níveis, pelo Município de Coimbra. Câmara Municipal que entre 1868 e 1869 inventaria e reconhece as propriedades que possui e tem aforadas em Eiras e nos Casais: – «Uma lapa e sua serventia no sitio da Baldeira, limite dos Casais d’Eiras»; – «Um pousio no sitio da Costa ao fundo da Calçada do Christo no lugar d’Eiras»; – «Quatro propriedades que constituem um só predio, possuído hoje por António Paes da Silva, no sitio da Relva limite do lugar d’Eiras»; – «Um bocado de terreno baldio no sitio da Relva, junto ao ribeiro do lugar de Villarinho d’Eiras»; – «Uma propriedade no sitio da Relva, limite do logar d’Eiras»; – «Uma vinha no sitio da Relva, limite do lugar d’Eiras»; – «Praso que se compõe de duas propriedades no sitio da Relva»; – «Um prazo no sitio das Eiras» (374). As mudanças sucedem-se. Eiras, enquanto parte integrante do Concelho de Coimbra, passa a contribuir financeiramente para ele, vendo surgir a moderna noção de imposto: impostos municipais indirectos sobre o consumo de géneros e bebidas, imposto sobre o sal e imposto do braçal. Este último, por norma, era aplicado em obras ou infra estruturas de que a freguesia carecia (estradas, caminhos, largos). A Junta de Paróquia manterá, no entanto, a função primordial de resolver os problemas que mais directamente afligem os povos. Por isso, no novo esquema de funcionamento teremos: os atestados de pobreza, a venda de sepulturas, a nomeação de louvados repartidores das águas, e as autorizações para apascentamento de rebanhos de cabras. O final do século trará alguma actividade mineira nas imediações de Eiras. Entre 1868 e 1887 registaram-se 7 minas: quatro delas na Redonda (3 de manganésio e outros metais e 1 de ferro e chumbo), duas de Manganésio e outros metais no Casal (próximo dos Casais de Eiras), uma idêntica nos Balanchos (Casais de Eiras) e outra na Regedora-Eiras (375). Todas tiveram a particularidade do registo ser feito por pessoas que não eram da freguesia. A ausência de registos nos livros que vão até meados do século XX indica que a exploração mineira não terá conhecido grande sucesso. Id. Fl. 21v.   A.H.M.C. – Papéis, Maço III, Doc. 4, Fls. 18-98. 375 A.H.M.C. – Livros de Registo de Minas: 1868-1883 e 1883-1887. 373 374

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Estes anos correspondem a um período diferente, de transição entre o concelho e a freguesia como a conhecemos hoje. À Junta cabem novas funções como a aprovação de orçamentos fiscalizados superiormente pelo Governo Civil e de apresentação ou revisão do inventário dos bens. No entanto, e a este nível, mantêm-se as mesmas dificuldades financeiras do tempo concelhio. Aliás, aquando da instalação da Junta de Paróquia para 1870, esses problemas levaram a uma situação de desrespeito do Código Administrativo: nessa ocasião e apesar de a lei obrigar à eleição destes empregados, a verdade é que todos os elementos da Junta acordam pela sua continuidade, na medida em que estavam a servir o cargo gratuitamente: «…disseram que approvavam que estes dois funcionarios continuassem servindo seus cargos; outrossim disse o presidente que visto esta juncta ser muito pobre e não ter meios para pagar ao Escrivão entendia de acordo com os vogaes da mesma que houvessem só as sessões de absoluta necessidade» (376). Os homens que agora presidem aos destinos da freguesia e paróquia de Eiras deram continuidade ao caminho que vem do tempo concelhio, procurando o aperfeiçoamento das estruturas locais, sejam elas tanto materiais ou morais. Tudo se conjuga para que um conjunto de realizações possa surgir e ocupar lugar de destaque na História da Freguesia de Eiras. Do cruzamento de dados retirados das actas da junta de paróquia e das actas da Câmara Municipal reconstituímos o percurso trilhado, subtraindo apenas as grandiosas obras na Igreja Matriz que abordaremos no Capítulo Património.

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2. A continuidade do passado 2.1. A reparação das fontes e das pontes Os livros de actas contêm dezenas de registos relativos à Fonte da Vila de Eiras. Uns referem-se a arrematações de reparos, outros à simples limpeza do cano que conduz a água preciosa. A 18 de Junho de 1842 a Câmara Municipal de Coimbra ordena que se repare a dita fonte (377). Situação que se repetirá sempre que a urgência o torne necessário, como aconteceu em finais de Novembro de 1851 quando a Câmara estabelece o limite de 30$000 réis a dispender. A reparação da Fonte ou Chafariz de Eiras, na maior parte das vezes, resultou do mau estado do cano que conduz a água. A 16 de Julho de 1893 a Junta detém-se preocupadíssima na análise do facto «…de ter secado completamente a agoa que passa pelo mesmo cano ficando esta freguezia mui prejudicada era de urgente nessissidade que se offissia-se a Camara para que manda-se proceder a compustura do cano aqueducto e assim accodir a esta grande nessessidade» (378). Dramática continuava a situação em Maio de 1896, quando o vogal da Junta, Francisco Maria dos Santos declara ser «…de grande necessidade mandasse fazer

A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 1, 1867-1881, Fls. 10v.-11. Anais do Município de Coimbra, 1840-1869, Nota Preambular, Síntese e Índices por Armando Carneiro da Silva, Publicação Comemorativa do Cinquentenário da Biblioteca Municipal, Coimbra, 1972-1973 P. 60. 378 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 2, 1892-1903, Fl. 5v. 376 377

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uma porta para a arca da agua da Fonte d’Eiras que se acha em pessimo istado de immundisse que presentemente era a água a mais imunda que se bebia por estes sitios» (379). A Fonte de Eiras será, na realidade, um dos motivos de maior atenção por parte dos poderes públicos, dada a sua extrema utilidade. Por isso, o executivo camarário municipal promoverá o seu conserto: Outubro de 1873, Fevereiro 1876, Julho 1887; Dezembro 1893 e Maio de 1904. O final do século parece ter sido bom conselheiro. A Junta de Paróquia, em Novembro de 1896, adopta outra estratégia, aparentemente mais eficaz: decide que os orçamentos daí em diante incluam uma verba, descrita anualmente, para a reparação da fonte. Solução que não vinga, especialmente quando a destruição resulta de actos de vandalismo. A 8 de Junho de 1902 o vogal da Junta, Adriano Ventura, usará da palavra em relação ao estado ruinoso do cano da fonte, que ameaçava ruína em toda a sua extensão (600 metros). Dizia o vogal que não tinha conhecimento de obra alguma no cano desde que fora construído no século XVIII, apontando o dedo «…ao vandalismo das pessôas, pois que os proprietarios adjacentes, querendo aproveitar-se da agua para regar as suas propriedades, ou furam o canno, ou o destampam e represam a agua para depois transbordar; outros ha que alargando a propriedade, sobre o canno tem feito sementeiras, e o continuo movimento de terras tem muitas vêzes obstruído»(380). Além das fontes, as pontes foram também objecto de frequentes reparações. Na extensão da freguesia, que é considerável, existiam várias pontes, todas elas fundamentais para unir os povos e superar as linhas de água: - Em Agosto de 1856 a ponte do Loreto sofreu obras de reparação sob direcção do vereador bacharel Menezes Parreira (381). - A 30 de Outubro de 1890, a ponte do Escravote foi mandada reparar pela Câmara (382). A mesma ponte sofreu significativos danos em Setembro de 1901 de que resultou «o guarda-mão» do lado direito quebrado. Solução resolvida apenas 3 meses depois, com a concessão pela Câmara Municipal de 3 eucaliptos que orlavam a estrada de Eiras para Brasfemes, no sitio do Balancho.

2.2. A conservação e reparação dos caminhos As vias de comunicação entre os povos assumiam papel fundamental no mundo local. Numa primeira fase, e não abundando os recursos financeiros que permitissem as grandes realizações rodoviárias, a solução passava pela reparação e conservação do que existia. Ora a 13 de Janeiro de 1848 o executivo camarário delibera proceder à reparação «…das calçadas da Vila de Eiras, no sitio das Lages e da Fonte» (383).

Id. Fl. 27v. A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 2, 1892-1903, Fl. 83. 381 Anais do Município (…) 1840-1869, P. 277. 382 Anais do Município de Coimbra, 1890-1903, Org. José Pinto Loureiro, Ed. da Biblioteca Municipal, Coimbra, MCMXXXIX P. 17 383 Anais do Município (…) 1840-1869, P. 106. 379 380

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Algumas vezes a dimensão da obra obrigava a que os vereadores repartissem entre si a direcção dos trabalhos. Assim sucedeu a 16 de Agosto de 1856 quando se deliberou que «…o vereador Dr. Pais da Silva dirija os trabalhos da ponte, fonte e estrada de Eiras» (384). A área mais próxima à Cidade de Coimbra também beneficiava destes melhoramentos. A 21 Outubro 1875 e por ordem da Câmara Municipal, manda-se concertar a estrada do alto da estação do caminho-de-ferro do norte à Ponte do Loreto (385). Percebe-se com certa facilidade que as reparações quase sempre incidiam sobre as mais importantes de todas as vias: as ruas dos lugares. Assim sucedeu com as de Eiras em Março de 1885 (386), e em especial com a Calçada de Eiras entre Abril e Novembro de 1889, cujo custo se cifrou em 30.000 reis (387). Em volta de Eiras as vias tomavam a designação de estradas. E estas tinham um interesse acima da localidade de Eiras, na medida em que serviam para unir várias povoações. Curiosamente, encontrámos dois pedidos enviados à Câmara Municipal, com um intervalo de 21 dias entre eles, pedindo a reparação da Estrada de Eiras: a Junta de Paróquia solicitou a reparação a 28 de Janeiro de 1892 e a Junta de S. Paulo de Frades, a 18 de Fevereiro (388). À entrada do século XX, e em meados de Agosto, é o caminho do Arco-Pintado ao Ingote «…e outros lugares em direcção a Eiras» (389), a justificarem intervenções ao nível da reparação. Perante tantas solicitações para proceder a reparações de estradas e caminhos, o executivo encontrava na atribuição de subsídios a resposta possível. A Eiras foram concedidos alguns, datando o primeiro de Dezembro de 1895. Aos poucos a população da freguesia começou a unir-se localmente, quotizando-se entre si, para ajudar na resolução dos problemas urgentes. A 12 de Fevereiro de 1899 é presente um requerimento de Manoel Bazilio Simões pedindo autorização «…para empedramento d’algumas covas que se encontram no caminho que liga o logar dos Casaes com o da Redonda, da freguezia d’Eiras, e proceder a outras reparações urgentes no referido caminho, para o que dispõe do producto d’uma subscripção organizada entre alguns individuos d’aquelles logares» (390). A Junta concede a licença requerida, sob fiscalização do presidente.

2.3. A limpeza das ruas e caminhos da Vila A limpeza das ruas, caminhos e vielas, da Vila de Eiras era medida frequente nos tempos do concelho, ditada sobretudo pelas preocupações higiénicas. A Junta de Paroquia, através da Câmara Municipal, dará continuidade a essa prática, conferindo-lhe uma perspectiva de rentabilidade, que passava pelo arrendamento da

Id. P. 277 Anais do Município, 1870-1889, - José Pinto Loureiro (Org. de), Ed. da Biblioteca Municipal, MCMXXXVII,, P. 68. 386 Id. P. 203. 387 Id. Pp. 288 e 299. 388 Anais do Município, 1890-1903 (…) P. 46. 389 Anais do Município de Coimbra, 1904-1919 - José Pinto Loureiro (Dir), Ed. Biblioteca Municipal, MCMLII, P. 21. 390 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 2, 1892-1903, Fl. 50. 384 385

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limpeza dos lugares da freguesia. Um dos primeiros registos sobre essa matéria data de 30 de Novembro de 1881 quando se pôs em praça o arrendamento da limpeza de Eiras e dos Casais (391). Nos anos seguintes esse costume repete-se: Dezembro de 1882, Janeiro 1886, Dezembro 1894, Fevereiro 1896 e Novembro 1903. A arrematação da limpeza tinha o seu peso na economia local, uma vez que quem a arrematasse poderia ficar com o lixo das varreduras, importante para a estrumar currais e terras. E a arrematação feita a 16 de Fevereiro de 1896 tem uma importância acima das outras, na medida em que nos informa que a dita arrematação se fazia por dois lanços: 1º - O primeiro lanço correspondia à Rua que ia desde o aqueduto do Rego, junto à casa de Julio dos Santos até ao cimo dos Casais, junto à casa de Jose da Costa Pastor. Tinha como condição a varredura às Quartas-feiras e aos Sábados. 2º - O segundo lanço compreendia as outras ruas e vielas do lugar de Eiras e Casais, com a condição de varrer pelo menos aos Sábados. Na ocasião ambos os lanços foram arrematados por Antonio dos Santos, proprietário, casado e morador em Vilarinho, que deu por eles 22.640 reis (392). Fora do alinhamento Eiras – Casais, no que toca à limpeza das suas ruas e caminhos, estão o Adro da Igreja e a Fonte de Eiras, zonas da exclusiva responsabilidade da Junta de Paróquia: - A 11 de Janeiro de 1880 a Junta «…porçedeu arematação da limpeza das bareduras do Adro da Igreija de Eiras se pos em astia publica (…) i o maior lanco foi de Francisco de Almeida de Eiras cujo ficou por setecentos rs ate ao fim de Desembro do dito anno» (393). - No que toca à Fonte de Eiras e assim que se detectava o seu mau estado, o trabalho de limpeza realizava-se através de um dia de serviço dado pelo povo. E assim foi resolvida a situação ocorrida em Outubro de 1896 quando se constatou «..que éra uma nesessidade porque havia muntos ucasiões que senão podia usar da agua da fonte por cer muito enxuvalhada»(394).

2.4. O controlo sobre o apascentamento de gado cabrum Ao nível do controlo sobre os direitos de apascentar rebanhos, a Junta passa também a ser o vigilante principal do cumprimento das posturas municipais. Em meados do terceiro quartel do século XIX os prejuízos causados pelo pastoreio do gado cabrum levam a Câmara Municipal a intervir directamente no processo, inquirindo as Juntas de Paróquia acerca da conveniência da sua existência. A 6 de Janeiro de 1867 a Junta reúne-se para analisar a Circular enviada pela Câmara que desejava saber o seu voto a este propósito. Analisada a dramática situação vivida no terreno, com os pastos e matos destruídos, sugere a extinção da prática: «…a Junta, Regedor, Juiz Eleito estoriando cada hum os grandes prejuizos que tem cauzado, e cauza aquelle gado, as dezordens os ameasos as continuas

Anais do Município, 1870-1889, P. 153. A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 2, 1892-1903, Fls. 23v.-24. 393 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 1, 1867-1881, Fl. 47. 394 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 2, 1892-1903, Fl. 32. 391 392

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inquietações, e sustos que se tem soffrido tudo muttivado pelos pastores de tão rui gado que de dia e de noute o entreduzem nas searas, tendo sido infrutiferas todas as providençias pusturas e multas, concordarão em se responder à Circular que votavão unanimamente pela extinção de tal gado, impossivel de ser apaçentado em toda esta freguezia por não aver baldios e montes com matto» (395). A importância da criação de gado e do seu pastoreio na economia local sobrepôs-se, quase sempre, ao cumprimento rigoroso das posturas municipais. Por esse facto, nos finais de Dezembro de 1874, o «Gado Cabrum» volta a ser tema de sessão extraordinária, onde aflora a dimensão insuportável que o problema atingira:

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«A existencia deste gado dentro dos limites d’esta freguezia e seus suburbius é altamente prejuidicial a Agricultura e por isso ao bem dos povos; (…) de noute e de dia detrioram as siaras mas tambem durante o inverno chega a ponto a maldade dos guardas d’esta gado a derramarem os olivedos para trazerem para caza afim de sustentarem de noute este gado (…) Não são só estes os cabreiros; todos os dias aparecem novos rebanhos e por isso aumenta a indignação disendo que o flagelo da freguesia em vez de deminuir aumenta, porquanto todos os alqueves daqui até Coimbra podendo dar boas siaras continuaram cada vez mais asser asulados por este devastador gado» (396). O povo andava revoltado declarando-se naquele acto que «as pessoas sençatas d’esta freguezia são todas em opuzição á existencia d’este gado». A solução chegou com a deliberação pela qual apenas poderiam apascentar rebanhos quem pagasse para cima de 3.000 reis de direitos prediais. A situação aperfeiçou-se a partir da ultima década do século XIX, quando o apascentamento de gado fica dependente de informação favorável da Junta, após apreciação ao requerimento dos interessados.

3. As novas realizações estruturais 3.1. As novas estradas, caminhos e pontes. Se por um lado os velhos caminhos e estradas públicas eram objecto de reparação e conservação, por outro detectamos, a partir do terceiro quartel do século XIX uma política de construção de novas estradas. Assim, sabemos que em Abril de 1868 estaria já concluída a estrada de ligação de Eiras com a Estrada Real (397). A construção desta estrada merece-nos especial atenção por tudo aquilo que implicou. De facto, ela foi construída com o empenho da Câmara e com a contribuição esforçada do Povo de Eiras, mas que não teria sido possível sem o apoio financeiro do Dr. António Pais da Silva. Estes factos, aliados à importância estratégica que Eiras passou a desempenhar a partir de então no

A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 1, 1867-1881, Fl. 2. Id. Fls. 32v.-33. 397 Anais do Município de Coimbra, 1840-1869, P. 473. 395 396

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quadro regional das comunicações terrestres, ficaram registados na acta do dia 26 de Julho de 1867: «…uma nova estrada construida a hum anno pela Excellentissima Cammâra, pela filantropia do Exçelentissimo Doutor Antonio Joze Paes e povo desta Freguezia, estrada esta que não só nos dá huma favoravel cuminicação, com a estrada de Coimbra ao Porto, cruzando com a nova estrada da Figueira, mutivo este que faz que o tranzito aqui seja continuo não só pelos povos, São Paulo e Brasfemes, e Butão, mas outros mais remotos (…) pois que hoje mais que nunca se açha ligada com a Capital de Districto por huma excellente estrada, hum dos maiores elementos para a Civilização e prugresso» (398). Seis anos depois, a 11 de Julho de 1874, a Comissão de Viação informava a Câmara Municipal de Coimbra que estavam já aprovados os orçamentos para a estrada de Coimbra ao Pisão, no lanço de Eiras a Brasfemes. Esta estrada será objecto de especial atenção registando reparações em Abril de 1904 e Março de 1906. Em Abril do ano seguinte expedia-se ordem para a execução do lanço entre o Padrão e Eiras (399). As pontes, forma de unir duas margens da Ribeira de Eiras podiam aproximar os povos e quebrar o isolamento. Desse mal padeceu o lugar do Murtal durante muitos séculos até que o povo, já cansado, resolveu intervir. Fazem-no comparecendo na reunião de Junta do dia 09 de Fevereiro de 1879, apresentando sua petição pedindo que intercedessem por eles junto da Câmara Municipal na construção de uma ponte no lugar: «…comparecerão ahi alguns moradores do logar do mortal da dita freguesia com sua pitição a solicitar desta mesma junta para que ela lhe promova da Ex.ma Camara Municipal a construção de huma ponte sobre o ribeiro que os separa desta freguesia; apesar de ser obra de pequena importancia, e de uma necessidade imença porque sem ela se torna impossivel a passagem alli, não só a elles moradoures de aquele logár, mas aos de Logo de Deus freguesia de São Paulo e outros. O Parocho não pode sem grave risco ir alli levar os Sacramentos, e todos alli pação inclemencias sem fim. Por isso esta junta partecipa a vossa Exca. a copia pela mesma acta por ser muito justa a petição» (400). No início do século a Ponte do Escravote será notícia pelo facto de, na última sessão da Junta de Paróquia do ano de 1904, vir referido o «…assentamento d’uma ponte nova no sitio do Escrabote» (401).

3.2. As Escolas: da Masculina à Feminina 3.2.1. A Escola Masculina Durante muitos anos, a Escola de Eiras foi a única existente pela região, para onde convergiam crianças das freguesias em volta: S. Paulo de Frades, Brasfemes, ou Trouxemil. Na transição do século XIX-XX, recebia crianças do Loreto, Pedrulha, Adémias, Logo de Deus, Torre e Vilela. A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 1, 1867-1881, Fls. 5-5v. Anais do Município de Coimbra, 1870-1889, Pp. 54 e 64. 400 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 1, 1867-1881, Fls. 43-43v. 401 A.J.F.E. – Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº3, 1904-1916, Fl. 9v. 398 399

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À entrada da segunda metade do século XIX as preocupações com o ensino, especialmente o primário, tornam-se uma prioridade do país. Eiras será reflexo dessa nova mentalidade. A 14 de Junho de 1867 a Câmara Municipal de Coimbra cede à Junta de Paróquia de Eiras «…a casa dos antigos Paços do Concelho para ali se instalar uma escola primária» (402). Os tempos anunciavam já as decisões tomadas com base em informações estatísticas, o que nos permite hoje saber quantos alunos a frequentavam. De facto, a 20 de Junho de 1869 a Junta de Paroquia de Eiras delibera em acta responder a uma informação sobre o número de alunos e seu aproveitamento: «…foi dito que a eschola d’instrucção primaria se compunha de mais de 30 alumnos regulares e que o seu adiantamento na actualidade era bom não havendo por isso duvida em esta Juncta mandar passar attestado ao respectivo professor» (403). Em pleno mês de Agosto do mesmo ano, a Junta reúne-se para elaborar a «Acta do Regulamento da eschola de Eiras». Este documento é de grande importância para a história do ensino primário em Eiras: primeiro porque nele se fixa a época de funcionamento da escola; segundo porque nos dá a justa medida do alcance geográfico da mesma: «…deliberaram, que o respectivo professor fosse obrigado a dar as aulas sem intrevalo algum em todos os mezes desde Outubro até Abril por entenderem que assim será mais vantajoso à instrucção em virtude da aula ser composta da maior parte dos alumnos de fora da freguezia, como S. Paulo, Brasfemes, Ademeas freguezia de Trouxemil, e Pedrulha» (404). Alguns anos passaram entretanto. E em meados da década de setenta, a velha escola que funcionava na antiga Casa da Câmara, já não servia os interesses do ensino na freguesia. Por esse motivo, a 27 de Maio de 1875, a Junta de Paróquia reúne em sessão extraordinária tendo como objectivo avaliar e deliberar sobre a edificação de uma casa para escola. Decisão precipitada, como se vê, pela instalação no dia anterior de uma Comissão Escolar na freguesia: «…pelo presidente foi dicto que tendo sido no dia anterior instalada uma commissão escolar nesta freguezia, a Junta devia adderir aos bons sentimentos da Illustre Commissão pelo quanto ella se empenha na construcção d’uma caza de escola nesta freguezia (…) é do parecer em corporar-se na petição que a Illustre Commissão fáz á Ex.ma Camara para nos coadjuvar n’este melhoramento de que tantos bens resulta a esta freguezia e suas vezinhas» (405). Uma carta contendo extracto da acta é enviada à Câmara Municipal pedindo-se entre outras coisas «…que se retire da praça a antiga Casa da Câmara e Cadeia de Eiras, para aí se estabelecer uma escola primária ou vender-se e com o seu produto se construir a escola» (406). Compreende-se agora a motivação maior para a constituição de uma Comissão Escolar em Eiras: os bens imóveis do antigo Concelho de Eiras – Casa da Câmara e Cadeia – agora sob gestão da Câmara Municipal de Coimbra, haviam sido lançados em arrematação, que urgia suster, dado que nos antigos Paços do Concelho de Eiras estava instalada a escola primária. Anais do Município de Coimbra, 1840-1869, P. 461. A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 1, 1867-1881, Fl. 8. 404 Id. Fl. 8v. 405 Id. Fl. 35v. 406 Anais do Município de Coimbra, 1870-1889, P. 64. 402 403

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A 3 de Julho de 1875 a Câmara Municipal representará superiormente ao Rei e às Cortes o pedido da Junta de Paroquia: «A Camara accedendo a tão justo pedido, conhecedora da necessidade de fazer o edificio proprio para a eschola, por não haver naquella terra algum de que possa lancar-se mão, attendendo tambem a que desta cedencia não vem prejuiso algum para os rendimentos do Municipio, que não tem auferido d’ali o mais pequeno interesse, resolveu em sua sessão de hoje sollicitar dos poderes competentes authorisação para a dita cedencia. Estando pois annunciada para o dia 10 de Junho corrente a venda das sobredictas casaz e casarão, avaliadas em 32$000 rs (…) pede a mesma Camara a Vossa Majestade seja servido de ordenar que se retirem ellas da praça para o fim indicado» (407). A espera foi demorada, lançando sentimentos de tristeza e ansiedade no povo. Isso mesmo se depreende da deliberação do dia 17 de Novembro de 1878. O professor de instrução primária exigira que a freguesia lhe fornecesse «caza para eschola». A Junta defende-se junto do professor como pode, invocando a lei de instrução primária de 2 de Maio de 1878, pedindo ao «…dito professor tomasse conta, para nela dar Lição aos meninos, da casa do despacho, aonde se fasem as sessões da mesma junta, em quanto não chegão tempos mais felizes» (408). O último registo deste período acerca do tema Escola Masculina data de 23 de Junho de 1906, com a notícia de que fora arrendada pela Câmara Municipal uma casa em Eiras para escola e habitação de professores – a casa do Carramona. Com esta transferência a Escola Masculina passava a estar contígua à casa da Escola Feminina entretanto criada, pondo fim a uma situação inqualificável. De facto e até então a escola funcionava num «…rés do chão (na casa onde hoje se encontra o estabelecimento comercial de Deolinda Roxo) apenas com um janelito vedado com rede de arame, em plano abaixo do nivel da rua, no inverno com um rego de água a atravessar a sala de aula» (409). Apesar da mudança para melhor, a situação da Escola Masculina foi-se, aos poucos, degradando: «…mas os senhorios, aproveitando a sucessão anual de professores (…) foram-se apossando de vários compartimentos, e o aluguer ficou apenas a abranger a sala e umas outras dependências inaproveitáveis. Não oferecia os mais rudimentares requisitos pedagógicos: sala de aula de acanhadas dimensões (6,m15 X 4m X 2,m55); luz deficiente 2,20m2 de superfície luminosa; sem recreio nem instalações sanitárias; com acesso pela casa do vizinho» (410). Além disso, nos recreios e autos de entrada para a aula, ia valendo a Capela do Cristo, que servia de abrigo à rapaziada. Nestas condições foi funcionando a Escola Masculina até transitar (como veremos), ao fim de 42 anos, para o novo edifício. 3.2.2. A Escola Feminina A falta de uma escola feminina em Eiras era problema já anotado nos finais do século XIX. A 18 de Julho de 1895 a Câmara Municipal enviava ao Governador   A.H.M.C. – Representações ao Rei e às Cortes, 1874-1880, Fls. 22v-23.   A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 1, 1867-1881, Fl. 42v. 409   Manuel de Albuquerque Matos, Maria Hermínia Pedro António da Silveira; Isabel Pessoa; Ilídio de Jesus Coelho Falcão – Escolas de Eiras (Coimbra), Festa da Primavera de 1962. S/N. 410  Id. 407 408

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Civil uma relação das freguesias em que faltavam escolas femininas, entre as quais se incluía Eiras (411). Foi por proposta, aprovada por unanimidade, do então Presidente e Pároco da Paróquia de Eiras, José Maria Telles de Sampaio Rio, que se deram os primeiros passos para a criação de uma Escola do Sexo Feminino. Estávamos a 17 de Agosto de 1902 e a acta é bem expressiva do sentimento reinante:

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«proponho que se represente a Sua Magestade para que haja por bem decretar a creação d’uma escola do sexo feminino n’esta freguezia = Em seguida disse que não precisava de justificar a necessidade d’esta proposta: está no animo de todos, pois todos sentem o mal de que enferma a nossa sociedade. É preciso melhorá-la, purificando-lhe a educação, sua base, seu fundamento. Como? Abrindo escolas, chamando lá as creancinhas. Lá se lhes descerram as brumas do espirito – lá se lhes enche o espirito de luz. (…) Vagabundiam por essas ruas tantas meninas, quasi ao abandono, sem direcção, perfeitamente livres em tão tenras idades no meio d’uma sociedade (com magua o digo) de costumes tão corrompidos! Não não se pode assistir indifferentemente a este espectaculo de todos os dias, que nos dá a temerosa perspectiva do futuro. (…) A media das creanças do sexo feminino na edade escolar nos ultimos dez annos é de 58 – numero assaz importante para mostrar a necessidade da escola, para cuja creação proponho se represente a Sua Magestade» (412). Nesta sessão marcaram presença os mesários da Confraria do Santíssimo Sacramento, que se «comprometteram com todo o enthusiasmo» na criação da escola, incluindo verba para tal fim no seu orçamento. A alegria e entusiasmo dos confrades era tanto que na sessão seguinte, a 31 de Agosto, haviam informado o presidente da Junta que «… tinhao prompta a casa para a escolla offisial do sexo feminino, seus utencilios; e bem assim casa para residencia da professôra» (413). A Confraria desempenhou então papel decisivo para a criação do estabelecimento, assumindo a renda anual da escola e residência da professora cifrada em 20.000 reis. Ao que apurámos a escolha da casa não foi ao acaso: a casa da rua de Cristo, foi, das disponíveis na Terra, a que melhores condições oferecia, sendo mesmo reputada de boa, por ter uma grande sala (5m x 4,8m x 2,m 75) com duas janelas vulgares, (2,16m2 de superfície luminosa)» (414). Mas em Eiras tudo parece demorar muito tempo a tornar-se realidade. Em meados de Dezembro de 1904, no balanço de um ano de mandato, o Presidente da Paróquia dá a entender que a escola estaria oficialmente criada, mas não ainda instalada e em pleno funcionamento, para desconcerto da mocidade: «Sob o ponto de vista moral foi da iniciativa d’esta Junta a creação da eschola do sexo feminino, cuja instalação eu desejo tão ardentemente – como desejo o aperfeiçoamento moral da infeliz mocidade, que não tendo a moral no lar, tam bem a não procura na Egreja, para onde lhe não ensinam o caminho, substituindo-o pela taverna, onde se perde a saude e a honra» (415).

Anais do Município de Coimbra, 1890-1903, P. 110. A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 2, 1892-1903, Fls. 85v.-86. 413 Id. Fl. 86v. 414 Manuel de Albuquerque Matos, Maria Hermínia Pedro António da Silveira; Isabel Pessoa; Ilídio de Jesus Coelho Falcão – Escolas de Eiras (Coimbra), Festa da Primavera de 1962. S/N. 415   A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº3, 1904-1916, Fl. 9v. 411

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Eiras entre dois séculos: da Extinção Concelhia aos finais da Monarquia

Estes dados corroboram, em parte, aquilo que os professores do núcleo escolar de Eiras escreveram em 1962: «A nossa Escola Feminina, criada em fins de 1903, iniciou o seu funcionamento no mesmo ano, ou princípios de 1904, na casa da rua de Cristo e lá se manteve os 44 anos até à sua transferência para o actual edificio» (416).

3.3. A Casa das Sessões da Junta A antiga Casa das Sessões começa paulatinamente a alternar essa designação com a de Casa do Despacho numa alusão às novas funções. Não sabemos muito bem quando, mas, na segunda metade do século XIX, a antiga Casa da Câmara do Concelho de Eiras deixou de ser utilizada para as reuniões da Junta de Paróquia. Neste ponto faltam-nos as actas da Junta relativas ao período que medeia entre 1836 e 1866 para que alguma luz se faça sobre o assunto. Sabemos, no entanto, que as primeiras reuniões da Junta de Paróquia do ano de 1867 foram realizadas na Sacristia da Igreja Paroquial, lugar que deve ter servido nos anos anteriores de Casa das Sessões. Contudo, pelos finais da Primavera, inícios do Verão, já as sessões de Junta se realizavam em local diferente, como relata a acta do dia 26 de Julho: «…tem esta Freguezia uma exçelente Caza de Junta mandada ratheficar, pelo Excellentissimo Doutor Antonio Joze Paes da Silva, que serve muito bem para as assemblêas dos do Conçelho poupando assim muitas despezas da construcção de uma nova caza» (417). No entanto, pelos finais do século, a Casa das Sessões voltou a funcionar no interior da Matriz. Alude ao facto o depoimento do padre Santos Campos que ali promoveu várias obras dadas por concluídas em Dezembro de 1891, entre as quais se incluiu a ampliação da Casa das Sessões (vide Capitulo do Património). Apontaria aquela «ratheficação» como sinónimo de reconstrução, à Casa das Sessões que se sabe ter funcionado junto à escada da torre da Igreja do Espírito Santo? Em 23 de Fevereiro de 1896 foi já nesse local que a reunião se realizou. Na ocasião o presidente convidou o vogal António da Costa Neves Serra a fazer o orçamento «…da vedação que se precisa na caza das Sessões da Junta, cuja vedação consta d’um enxamel junto à escada da torre da Egreja do Espirito Santo, afim de a mesma caza se tornar mais recatada e ficar independente da escada da torre» (418). Sobre as origens desta casa ou divisão reconstruída pouco se sabe. Albuquerque Matos, no entanto, adianta a hipótese de tal construção andar relacionada com a arrecadação dos materiais existentes na velha Igreja Matriz, quando em muito mau estado esta ainda se mantinha à Cruz Nova. O bom estado da Casa das Sessões dos anos 60, daria lugar, três décadas depois, em 1896, a uma situação bem diferente, com a Junta a constatar triste facto: «… a caza das sessões perciza de repáros istá a desfazer-se de podre, e de comprar umas cadeiras, as sessões são feitas de pé por não terem onde sentar-se» (419). Em Junho

Manuel de Albuquerque Matos, Maria Hermínia Pedro António da Silveira; Isabel Pessoa; Ilídio de Jesus Coelho Falcão – Escolas de Eiras (Coimbra), Festa da Primavera de 1962. S/N. 417 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 2, 1892-1903 Fl. 5v. 418 Id. Fls. 24-24v. 419 Id. Fl. 28. 416

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Foto 33 – Quadro oferecido por “Irminas” a D. Maria da Conceição Pais, Setembro de 1876

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do mesmo ano arrematam-se os vários concertos de que carecia a dita Casa, a João d’Abreu por 3.900 reis (420).

3.4. O cemitério O Cemitério da freguesia foi talvez a obra mais urgente e necessária no tempo a que nos reportamos. Enquanto existiu a Igreja Velha, à Cruz Nova, os cadáveres eram sepultados no Passal. Com o abandono do culto naquele local os enterramentos passaram a realizar-se no jardim, ao lado nascente da actual matriz. Mas como o espaço era pequeníssimo para as necessidades da freguesia, tendo ficado saturado rapidamente, os mortos, à falta de local mais apropriado, começaram a ser enterrados dentro da Igreja. Diz-nos a tradição que a situação a pouco e pouco atingiu o limite de ruptura: «Nem higienicamente, nem sentimentalmente estava bem. Maus cheiros, e sabe-se lá já que mais, saturavam o ar dentro da igreja onde frequentemente se assistia a cenas de pranto e lágrimas, prolongando-se os choros gritantes que é costume usar cá na terra, incomodativos para a assistência e perturbadores dos actos religiosos» (421). Valeu então a acção conjunta do Padre Santos Campos, da Câmara Municipal e do Governo Civil que tiveram ainda de gerir três correntes de opinião entre o

Id. Fl. 28v. Manuel de Albuquerque Matos - «Dentro da Área da Cidade – Eiras: Santos Campos – Benefícios que promoveu: construção do cemitério», In Gazeta de Coimbra, 23 Dezembro 1967.

420 421

Eiras entre dois séculos: da Extinção Concelhia aos finais da Monarquia

povo acerca da localização do cemitério: uns queriam-no no Passal, outros à Fonte das Hortas e outra parte no Tojal. A última veio a ser a corrente vencedora num processo que descreveremos sucintamente. As preocupações começaram relativamente cedo, uma vez que a 4 de Julho de 1844 a Câmara Municipal de Coimbra analisava as indicações recebidas das Juntas de Paróquia de Eiras, Trouxemil, Antuzede, S. Facundo e S. Paulo de Frades, onde se indicavam os lugares aptos à construção de cemitérios dessas paróquias (422). Em Eiras, como na maioria das paróquias do Concelho de Coimbra, o sonho de possuir um cemitério condigno tardou a concretizar-se: em Setembro de 1851, das 22 freguesias rurais existentes, apenas Antuzede assinalava possuir cemitério; em 1852 das 32 freguesias (rurais e urbanas) apenas a de S. Pedro e a de S. Cristóvão diziam ter cemitério, além de Antuzede; e em 1855 enquanto as freguesias da Cidade – Sé, Sé Velha, S. Bartolomeu, Santa Cruz e Santa Justa, possuíam já cemitério, Eiras anotava que o grande obstáculo à sua construção era a «Falta de meios» (423). O Governo Civil, sempre muito atento ao evoluir da situação dos cemitérios pelas freguesias do seu distrito, promoveu vários processos e mapas sobre o assunto, servindo de ponte entre o local e o central. Em mapa de 4 de Setembro 1869 escrevia-se que no tocante a recursos da freguesia «A Confraria do Santissimo e S. Thiago pode dar alguma quantia sendo auctorisada» (424). Em 1880 dão-se passos firmes rumo à construção do novo cemitério. Em reunião extraordinária do dia 25 de Janeiro de 1880 a Junta delibera acerca do local apropriado para tal fim. Contando com o apoio dos peritos seleccionam-se dois locais: «… na Costa do Tojal em predio de Francisco Marques Valença e no Balanxo em terreno de Maria do Rozario Maurecia» (425). Processo que evoluía, com avanços e recuos, não sendo de estranhar que por volta de 1883 os enterramentos continuassem a fazer-se na Igreja e no Adro. Por esta altura pairava também a ideia de um Cemitério único para as paróquias de Eiras e S. Paulo, algo que não vingou. Dois anos depois, a Junta Geral do Distrito, concede 150.000 reis para que se avance na construção do Cemitério de Eiras, impulso decisivo para a sua concretização. A 7 de Março de 1885 procede-se a auto de inspecção e aprovação de terreno apropriado, indicado pela Junta e localizado no Sítio do Tojal. Nesse dia compareceram no local o Administrador do Concelho de Coimbra, Doutor Francisco Ferreira Camões, o Subdelegado de Saúde do dito concelho, o Vogal-Presidente da Junta de Paróquia, António Maria Ferreira e várias testemunhas entre as quais Leonardo Leonardo Correia Pessoa, professor de ensino primário da Freguesia de Eiras.

  Anais do Município de Coimbra, 1840-1869, P. 102.   A.U.C. – Fundo Governo Civil: «Mappa demonstrativo das Freguezias d’este Concelho em que há Cemiterio, organisado em conformidade com o Disposto em Officio Circular do Governo Civil, 1ª Repartição Nº 25 de 8 de Janeiro de 1856», Sub Pasta: Mapas Construção, 1855, In Obras em Cemitérios (caixa), 1852-1868. 424   A.U.C. – Fundo Governo Civil: «Mappa exegido em Circular expedida pela 2ª Repartição Nº 16 de 4 de Setembro 1869, Subpasta: Mapas Construção enterramentos 1870, In Obras em Cemitérios (caixa), 1869-1889. 425   A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 1, 1867-1881, Fl. 47v. 422 423

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

A decisão superior cabia, naturalmente, ao perito em saúde pública, cujo parecer foi favorável: «…e logo foi declarado pelo mesmo sub-delegado de saude que o terreno indicado satisfaz a todas as condicoes legaes, e que a area, devendo ser duzentos metros quadrados para sepulturas, que se comporta no terreno está a grande distancia da povoação sede da freguezia, distancia superior a quatrocentos metros; declarou mais que no terreno indicado não se comprehende o necessario para ruas; e costumadas construcções; o que sendo ouvido por elle Administrador julgou o dito terreno nas condições de ser applicado á construcção do Cemiterio» (426). O novo cemitério paroquial recebeu a bênção na forma do ritual pelo Padre Antonio Joze dos Santos e Campos, no dia 12 de Março de 1893. Esta informação foi lavrada pelo próprio, em registo colocado no livro que havia servido para se escreverem as Memórias de Eiras, obra de um seu antecessor no cargo, Fabião Soares de Paredes. Além dessa informação principal, constam também os dados sobre o papel desempenhado pelas Confrarias e pela Comissão Distrital nas obras realizadas, bem como a descrição do primeiro enterramento ali realizado. Chamava-se António, era uma criança de mês e meio de idade, natural do lugar dos Casais:

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«Aos doze dias do Mes de Março do anno de mil e oitocentos e noventa e tres procedi na forma do Ritual de Paulo V (…) á benção do cemitério parochial que foi construído a expensas das Confrarias d’esta freguesia, de 8 por cento de contribuição lançada aos habitantes d’esta freguezia pela Junta de Parochia, contribuirão tambem para esta obra a Commissão Districtal com a quantia de 300:000 reis, cuja obra foi concluida no presente anno sob minha direcção, e neste cemiterio se enterrou a primeira pessoa no dia 11 d’Abril do corrente anno, uma creança do sexo masculino por nome Antonio d’edade de um mes e meio (…) natural do lugar dos Casaes, e assim ficou enposto no serviço dos enterramentos que até à presente occasião se faziam na egreja Parochial. Eiras 12 d’Abril de 1893 O Vigario Padre Antonio Joze dos Santos e Campos» (427). A construção de um cemitério condigno obrigaria a que doravante os poderes locais estivessem particularmente atentos à sua conservação, o que implicou um esforço ao nível das despesas com a conservação e limpeza do espaço, muitas vezes socorrendo-se dos indispensáveis subsídios camarários. Até 1968 a Junta de Freguesia teve um coveiro encarregue da gestão do cemitério. Entretanto criou um Regulamento do Cemitério Paroquial, onde por decisão do executivo liderado pelo professor Albuquerque Matos, foram extintos os lugares de coveiro e varredor, criando em substituição a figura do Zelador da Freguesia, sujeito a um regulamento dos trabalhos a executar e que, entre outras funções, passou a desempenhar a de coveiro. A criação do Zelador fora apresentada pelo

A.U.C. – Fundo Governo Civil: «Copia do Registo do auto d’inspecção e approvação de terreno para cemiterio»; Processo «1886 - Representação contra escolha e acquisição terreno para Cemiterio Eiras Concelho de Coimbra», Sub pasta: Cemitérios - Construção, 1886 In Obras em Cemitérios (caixa), 1869-1889. 427 A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 11v. (nova numeração). 426

Eiras entre dois séculos: da Extinção Concelhia aos finais da Monarquia

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Fotos 34, 35 e 36 – Pormenores do Cemitério de Eiras (Tojal)

Presidente da Junta ao Vereador do Pelouro Rural, que com ela concordou, atribuindo 500$00 mensais para pagamento (428).

4. Aperfeiçoamento da assistência: a criação dos Partidos Médicos criação dos Partidos Médicos permitiu estender a assistência médica pública a lugares que, até então, não usufruíam dela. Em Eiras não foi bem o caso, uma vez que o concelho gozou desde o século XVIII do privilégio de ter médico e cirurgião. No entanto, a noção geográfica de médico é diferente da que temos nos nossos dias, uma vez que os Partidos Médicos organizavam a assistência por freguesias. Nas reuniões de 5 e 10 de Fevereiro de 1887 o vogal da Câmara Municipal de Coimbra participa os resultados da Comissão a que pertence. Propõe que as freguesias do Concelho de Coimbra se organizem em 4 partidos médicos, sendo dois

A

428

A.J.F.E. – Livro das Actas da Junta de Freguesia de Eiras, Nº 8, 1868-1974, Fl. 19v.

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

ao Sul e dois ao Norte. Eiras integraria o Partido do Norte, com sede em Souselas, onde, além destas freguesias, se incluiriam: Botão, Brasfemes, Vilela, S. Paulo, Trouxemil e o lugar da Pedrulha (429). Esta proposta apontou o caminho a seguir e a 21 de Dezembro de 1893 era nomeado pela Câmara o facultativo para a freguesia de Eiras – o Dr. Alfredo de Freitas (430). A vida, nestes tempos, não era fácil para a maioria do povo, drama a que nem o seu médico escapava. O mau estado dos caminhos e estradas, a que nos temos vindo a referir impossibilitou o facultativo de Eiras do desempenho das suas funções. Motivo: uma queda ocorrida nos inícios de Janeiro de 1904. Fruto dos progressos ao nível da assistência, as primeiras estatísticas das vacinações, dão entrada na Câmara Municipal a 21 de Janeiro do dito ano.

5. Consequências do desenvolvimento da Cidade de Coimbra: os progressos na parte Sudoeste da Freguesia de Eiras – caminho de ferro e iluminação pública ma parte da freguesia de Eiras integrou, desde cedo, a área periurbana da Cidade de Coimbra, sendo hoje plena área urbana da mesma. De facto, na área Sudoeste da freguesia, implantou-se no terceiro quartel do século XIX uma importante infraestrutura de transporte de pessoas e bens, crucial não só para o desenvolvimento da cidade mas também de toda a região. Falamos do ramal de caminho de ferro que teve no dia 10 de Abril de 1864 momento alto da sua história com a ligação da Cidade de Coimbra (Taveiro) ao Porto (Gaia), com uma parte muito significativa do seu trajecto a cruzar área da Freguesia de Eiras, incluindo a actual Estação Velha (431). Esta obra foi executada, dentro de um esquema de construção faseado, pela Fundação Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, a quem o Governo concedera a construção e exploração da Linha do Norte e que teve por objectivo principal a ligação das duas grandes cidades do reino, com passagem por Coimbra. Mais tarde, e porque as forças vivas da Cidade de Coimbra se haviam apercebido que a estação de Coimbra, situada fora dos limites urbanos, dificultava quer o fácil escoamento de mercadorias quer o desenvolvimento turístico, lançou-se a ideia da construção de um ramal ferroviário entre a estação existente e o centro da cidade, que culminou na inauguração da Estação Nova em 1885. O novo século traria novos progressos para esta zona urbana da Cidade de Coimbra e da Freguesia de Eiras. A 27 de Julho de 1903 a Câmara Municipal acordava com o Tenente-Coronel do Exército Augusto Eduardo Freire de Andrade a construção e exploração de algumas linhas-férreas urbanas e suburbanas por meio de tracção animal; os designados carros americanos, puxados por parelhas de mulas, circulando sobre carris. Posteriormente o Coronel organizou uma empresa chamada Carris de Ferro de Coimbra, a qual iniciou imediatamente os trabalhos de construção do primeiro troço que ligaria a Estação Velha e o Largo da Portagem.

U 228

Anais do Município de Coimbra, 1870-1889, P. 240. Anais do Município de Coimbra, 1890-1903, P. 79 431 Paulo Manuel Laranjeira Silveira - Coimbra no contexto do Caminho-de-ferro: a Estação Nova de Coimbra (Imagens do seu passado), Coimbra, Seminário Cientifico-Pedagógico – História, Património Industrial, Investigação e Ensino, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1996, P. 3. 429 430

Eiras entre dois séculos: da Extinção Concelhia aos finais da Monarquia

Meio ano depois era inaugurada a primeira linha dos “americanos” que assegurava a ligação do Centro da Portagem ao novo ramal ferroviário. O acontecimento, datado da Sexta-feira do dia 01 de Janeiro de 1904, foi enaltecido pelos jornais locais, como nos relata O Conimbricense: «Foi ontem inaugurada a linha americana na parte comprehendida entre a estação B do caminho-de-ferro e o largo do Príncipe D. Carlos. A este acto assistiu o presidente e mais alguns vereadores da camara municipal, administrador do concelho e commissario de polícia, director dos correios e telegraphos neste districto e representantes d’alguns jornaes da localidade. No fim do acto foi offerecido pelo concessionário aos convidados um copo d´agua, durante o qual foram pronunciadas diversas allocuções, sendo a primeira do presidente da camara, sr. dr. Manoel Dias da Silva. Os carros americanos tiveram durante a tarde e ainda pela noite dentro, grande movimento de passageiros. Fazemos votos pela prosperidade de tão útil melhoramento» (432). No entanto, cedo se percebeu que o serviço de tracção animal não satisfazia as exigências dos percursos íngremes da cidade nem correspondia aos desejos da empresa. Freire de Andrade solucionou o problema substituindo a tracção animal pela eléctrica e estendeu as linhas até à periferia (433). Em Maio de 1908 dá-se a municipalização da exploração dos serviços de transportes urbanos que culminará a 1 de Janeiro de 1911, com a inauguração festiva da circulação dos carros eléctricos municipais: «È o quinto, e penúltimo, sistema deste novo tipo de transporte a ser inaugurado em Portugal. Com três linhas: Estação-B – Alegria; Estação-A – Cidade Alta (Universidade); e Estação A - Stº António dos Olivais, este sistema foi, durante quatro décadas, a base do sistema de transportes da cidade» (434).

Foto 37 – Aspecto da Estação Velha

«Linha Americana» In Jornal O Conimbricense, Sábado, 2 de Janeiro de 1904, P. 3. Anais do Município, 1904-1919, Pp. VIII-XIX 434 Emídio Gardé - «Coimbra: 60 Anos de Troleicarros» In Troleicarros de Coimbra, Ordem dos Engenheiros – Região Centro, Outubro 2007, P. 41.

432

433

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

De volta a Julho de 1903. Neste mês deram-se passos seguros para que a iluminação eléctrica chegasse à zona da Estação Velha, pela substituição dos velhos candeeiros a gás. Por escritura de 3 de Julho de 1903, a Câmara Municipal e a Sociedade Comercial Almeida Santos, Lino & Cª, acordam na concessão de exploração da rede eléctrica por 35 anos, comprometendo-se aquela sociedade ao fornecimento de energia eléctrica para a iluminação pública e particular, viação e outros usos industriais. No contrato pode ler-se que «..serão tambem illuminadas as estradas ou ruas da cidade até à estação B do Caminho de ferro, Matadouro Municipal e povoação de Santo António dos Olivaes, incluindo esta povoação» (435). A 1 de Novembro de 1905 inaugura-se a iluminação pública nas Ruas Antero de Quental, Cerca dos Jesuítas e da Casa do Sal à Estação Velha. Como já referimos, durante este período, a freguesia teve como órgão dirigente uma Junta de Paróquia. A partir das actas existentes reconstituímos o quadro possível, dentro das limitações cronológicas ditadas pela falta de alguns livros. Tabela 14 – Constituição da Junta de Paróquia da Freguesia de Eiras, 1867-1913 (436) Ano 1867

1868

230

1869 1870

1872

1873

Presidente - Agostinho Joze de Mello - Adriano Corrêa Pessoa Adriano Corrêa Pessoa Adriano Corrêa Pessoa Adriano Corrêa Pessoa Adriano Corrêa Pessoa

Adriano Corrêa Pessoa 12-10-1873 Adriano Corrêa Pessoa 1874 Adriano Corrêa Pessoa

Vogais - João Joze Bezerra de Abreu e Lima - Joze Adjuto Correa da Fonceca - Joze Adjuto Correa da Fonseca - Antonio Pereira Simões Id.

Secretario Joze Adjuto Correa da Fonceca

Tesoureiro

?

Joze Bento da Encarnação Joze Bento da Encarnação

- Manoel Maria da Conceisão Mattos - Joaquim dos Santos Estanqueiro - Joze Adjuto Correa Ildefonso Marques Mano da Fonseca - Manuel Maria dos Santos Id. Joze Joaquim Penna Pacheco Id. Manuel Maria dos Santos - Joze Joaquim Joze Joaquim Penna Penna Pacheco Pacheco - Antonio Maria Ferreira

Joze Adjucto Corrêa da Fonseca

A.H.M.C. – Livro de Escrituras, Nº 27, 1903-1905, Fl. 5v. Tabela reconstituída a partir dos seguintes livros de actas existentes no Arquivo da Junta de Freguesia de Eiras: Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº1, 1867-1881; Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 2, 1892-1903, Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia d’Eiras, Nº 3, 1904-1916. 435 436

Eiras entre dois séculos: da Extinção Concelhia aos finais da Monarquia

Ano 1874

Presidente Adriano Corrêa Pessoa

1875 1876

Id. Adriano Corrêa Pessoa

1877

Adriano Corrêa Pessoa - Adriano Corrêa Pessoa - António Pereira Simões

1878

1890-1892 1893-1895

1896-1898

1899-1901

1902-1904

1905-1907

Vogais - Joze Joaquim Penna Pacheco - Antonio Maria Ferreira Id. - Antonio Pereira Simões - Adrião Rodrigues Id.

- Joaquim Soares de Campos - António Maria Ferreira - António José dos - Joaquim Lourenço - Joaquim dos Santos e Campos Santos Estanqueiro - António José dos - Manuel Maria Pereira Diniz (viceSantos e Campos presidente) - José Pereira Catharino - António José dos - Francisco - Maria dos Santos Santos e Campos - José Maria Telles - António da Costa Neves Serra Sampaio Rio José Maria Telles de - José Francisco Lopes Sampaio Rio - Joaquim Pereira Simões Cravinho José Maria Telles de - Adriano Ventura - Joaquim dos Sampaio Rio Santos Estanqueiro Júnior José Maria Telles de - Antonio Quadros - Jose d’Araujo Sampaio Rio

José Maria Telles de - Jose Simões Estanqueiro Sampaio Rio - Adriano da Costa 1908 José Maria Telles de - Francisco Rodrigues Sampaio Rio - Antonio Quadros - Jose d’Araujo 1909-1910 José Maria Telles de - Jose Simões Estanqueiro Sampaio Rio - Manuel Jose d’Albuquerque - Antonio Cardozo 1911-1913 - Manoel Corrêa d’ - Augusto Carneirinha Oliveira - Antonio Pereira - Augusto Catharino Carneirinha - Antonio Marques Valença 1908

Secretario - Ildefonso Marques Mano - Joze Joaquim Penna Pacheco ? Joaquim Lourenço Francisco Maria dos Santos Joaquim Pereira Simões

Tesoureiro

Joaquim Antonio de Quadros Francisco Maria da Conceição Mathos

Manuel José d’Albuquerque

António Marques Valença

Adrião Rodrigues Catharino

Francisco Maria da Conceição Mattos

José Fernandes da Silva Dourado

Anachassis Soares de Campos

António Marques Valença

José Maria Cardoso

Francisco Rodrigues (?)

Jose Antonio Marques

Joaquim dos Santos Rozeo

Joaquim Ferreira

?

Jose Antonio Marques

?

Jose Antonio Marques

Joaquim dos Santos Roxo

Francisco Maria Lucas

231

EIRAS NUM CAMINHO CURTO: DA IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA À DITADURA MILITAR

«…a permanente instabilidade política, a natureza personalizada e «fulanizada» como se foi construindo o poder durante a República e a inconsistência ideológica, programática e política que presidiu ao crescimento do republicanismo durante a Monarquia, foram outros tantos factores que, entre outros impediram que a República pudesse realizar obra que lhe assegurasse a sobrevivência». César Oliveira – História dos Municípios e do Poder Local, Círculo de Leitores, 1996, P. 259

Foto 38 – Grupo de pessoas, com os trajes da época, junto à Fonte de Eiras nos inícios do século XX

1. A implantação da República na Freguesia de Eiras Revolução Republicana fez-se sentir em Eiras? A dúvida levanta-se por simples facto: só um ano depois do movimento revolucionário é que uma acta da Junta de Paróquia, agora designada por «Comissão Parochial», lhe faz referência. O órgão era presidido por Augusto Carneirinha, que substituíra no cargo a 08 de Janeiro de 1911, Manoel Corrêa d’ Oliveira que havia sido empossado a 13 de Novembro de 1910. Não encontrámos explicação para esta alteração na presidência. No entanto o novo presidente é simpatizante da causa republicana. Passado um ano sobre a implantação do novo regime político refere-se ao facto com entusiasmo: «Que sendo hoje ésta a primeira sessão, depois da passagem do Gloriozo dia cinco de Outubro da proclamação da Republica Portugueza, não podia deixar de consignar nesta acta, um voto de verdadeira congratulação por tão faustozo aniverssario, fazendo votos para que esta dacta solemne seja festejada tantos annos, tantos quantos sejão a duração do altivo nome de Portugal» (437). Existe também uma referência à realização de um comício republicano em Eiras num Domingo do ano de 1910, que contou com a presença, entre outros, de Belisário Pimenta e Augusto Casimiro. O registo consta das memórias do Coronel Belisário Pimenta: «O comício era promovido pela comissão parochial da Sé Velha; e na estrada lá iam, em char-à-bancq amontoados, suando decerto, esses bravos patriotas que faziam a festa e que largavam o dinheiro… Em Eiras, uma filarmónica rompe com a Portugueza que nos fez estar protocolarmente com a cabeça ao sol um bom bocado; houve foguetório e nós lá fomos, num cortejo improvisado, ruas fóra, ao largo da egreja onde se fez o comício. No adro da egreja, no proprio adro, cousa de tres degráos sobre o largo, um rapaz da comissão da Sé Velha, abre o comício e propõe-me para presidir. Eu, aceitando, abri a série dos discursos apresentando-me como candidato às Constituintes, disse

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A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº3, 1904-1916, Fl. 66.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

duas lérias sobre eleições, e dei a palavra seguidamente aos oradores inscritos (…) Eu, por fim, querendo encerrar o comício e como o povo se acumulava em volta da meza, tive de saltar para cima dela e de lá encerrar o comício, lembrando aos eleitores de Eiras o dever de ir á urna e quasi faltou para lhes dizer que votassem em mim…» (438). O tempo da Iª República será de mudanças a vários níveis, começando desde logo pelo aparelho local. A 13 de Outubro de 1910, publica-se o Decreto-Lei que repõe em vigor o Código Administrativo de 1878 e parte do de 1896. A Junta de Paróquia sobrevive enquanto órgão de administração local, mas apenas meia dúzia de anos. De facto, um pouco mais tarde, com a lei Nº 621, de 23 de Junho de 1916, a Divisão Administrativa do Território altera-se com a Paróquia Civil substituída pela designação de Freguesia. Este novo órgão manter-se-à até aos dias de hoje, independentemente das várias alterações dos órgãos supra locais que entretanto se verificaram: ao nível da Divisão Administrativa, Magistraturas e Corpos Administrativos e Órgãos Consultivos/Contenciosos. Para a história fica o registo da primeira «acta da sessão da posse da Junta da Freguesia d’Eiras», que data do dia 02 de Janeiro de 1918, cuja primeira decisão foi mandar proceder à revisão do inventário dos bens.

B.G.U.C. – Sala dos Reservados: Manuscrito 3363 - Belisário Pimenta: Memórias, Vol. 9º (1910-1911), Pp. 276-277

438

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Foto 39 – O Povo junto da fachada principal da Igreja do Sacramento, princípios do século XX

Eiras num caminho curto: da Implantação da Republica à Ditadura Militar

Durante este período, os principais magistrados da Junta de Freguesia de Eiras foram: Tabela 15 – Constituição da Junta de Freguesia de Eiras, 1914-1930 (439) Período Presidente 1914-1917 - Francisco Maria da Conceição Mattos - Augusto dos Santos Carneirinha 1918-1919 António da Costa Neves Serra 1919-1922 Jose Albuquerque 1926-1930 Abel Maria Ferreira

Vice-Presidente Augusto dos Santos Carneirinha

Vogal efectivo Tesoureiro - Antonio Antonio Quadros Marques - Adriano Vallença Ventura

Secretario Jose Antonio Marques

Joaquim dos Santos Jacome

Samuel Lucas

Antonio Cardoso

Joaquim dos Santos Jacome Antonio Marques Valença

Joaquim Soares de Campos Amilcar Correia Joaquim Maria d’Oliveira Ferreira da Silva Antonio Pereira Manuel Gomes Marques Bastos

Joaquim Soares de Campos Mário Soares de Campos

Após a implantação da República, o país político conheceu tempos de alternância partidária no poder. A situação estabilizaria com a ascensão a Presidente da República de António José de Almeida, homem da simpatia da Junta de 1919 como se vê da sessão de 16 de Novembro: «…pelo Presidente foi apresentado um telegrama do Ex.mo Presidente da Republica Dr. Antonio José d’Almeida no qual agradece as felicitações que por esta Junta lhe foram dirigidas, quando da sua subida à suprema magistratura da Republica Portugueza» (440). Em Eiras, uma das primeiras decisões do novo regime, foi a criação de um Posto de Registo Civil. A 23 de Agosto de 1914 a Junta requer ao Conservador do Registo Civil «…a creação de um posto para esta freguezia, em vista de muitas queixas dos habitantes por ficar muito distante d’esta localidade, a séde do Registo Civil em Coimbra» (441). O presidente da Junta de Paróquia de então, Francisco Maria da Conceição Mattos, renuncia ao mandato a 15-11-1914 por ter sido nomeado ajudante no Posto de Registo Civil de Eiras. Para o cargo foi nomeado, em 1920, Manuel de Albuquerque Matos que o exerceu até 1921 (Setembro), data em que pediu a demissão do lugar. Dessa data em diante e até 1934 não voltará a funcionar (442).

Tabela elaborada com base nos seguintes livros de actas do Arquivo da Junta de Freguesia de Eiras: Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia d’Eiras, Nº 3, 1904-1916; Livro das Actas da Junta de Freguesia de Eiras Nº 5, 1916-1943. 440 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fl. 31v. 441 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº3, 1904-1916, Fls. 89v.-90 442 A.F.P.M.A.M - Livro 1º do Registo Civil, 1934-1937, Fl. 2. 439

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

2. Mantêm-se velhas preocupações: limpeza de caminhos, o pastoreio do gado, a fonte, as dificuldades financeiras, os médicos…a escola e a caixa escolar! s alterações de fundo na vida política, administrativa e social de um país que vinha da Monarquia Constitucional e havia instaurado a República são por demais conhecidas. Contudo, no imenso universo da vida local, alguns procedimentos mantiveram-se inalteráveis, uma vez que a fórmula de sucesso, ditada pela urgência, foi resolvendo as situações difíceis. Compreende-se assim que, durante este período, não se alterem algumas práticas como a arrematação da limpeza e do estrume das Ruas de Eiras e Casais, as autorizações para pastoreio do gado, cujo cumprimento se rege pelas posturas municipais, actuando a Junta como agente fiscalizador. Aliás todo este período é marcado pela intensificação dessa prática que vai originando protestos. Um deles fixou registado na Acta da Câmara Municipal a 23 de Janeiro de 1913, com alguns proprietários dos lugares do Ingote e Eiras, a reclamarem o cumprimento das ditas posturas devido ao «…gado cabrum que invade as suas propriedades e causa prejuízos» (443). A intensificação vê-se pela estatística. Em 1920 a Junta passou 4 autorizações para pastoreio de gado, mas em 1925 o número eleva-se a 7. Neste período, continuam os problemas com as más condições do cano da fonte de Eiras. Em meados de Novembro de 1919 os moradores de Eiras desesperam com a situação. Organizados, mas revoltados, comparecem na Casa da Junta enquanto comissão de cidadãos (444): «…representando os clamores do povo desta freguezia, pedem para que lhes seja fornecida agua em armonia com abundancia do nascente do qual e conduzida por meio dum cano que acha em mau estado de conservação, pedindo por isso á Exmª Junta, a pronta reparação para que o povo desta freguezia não esteja lezado de tão alto e principal abastecimento» (445). A Junta responde como pode, assumindo a impotência na resolução do problema. O Presidente, José Albuquerque, defende-se afirmando que ao tomar posse encontrara apenas 70 centavos em cofre. Aliás, as dificuldades financeiras serão uma das características mais sentidas durante este período, pois estamos ainda em plena crise económica nacional, que castigou o país entre 1910 e 1920. Contudo, algumas medidas se tomaram para amenizar o problema durante este período: em sessão extraordinária de 22 de Maio de 1921 a Junta decide-se pela compra de 150 metros de manilhas para reparação urgente do cano da fonte, adjudicando a empreitada a António Fiel d’Almeida por 240$00.

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443   Anais do Município de Coimbra, 1904-1919, Dir. José Pinto Loureiro, Ed. Biblioteca Municipal, MCMLII, P. 162. 444 A Comissão era composta pelas seguintes pessoas: José Fernandes da Cruz, Antonio d’Ascensão Patrício, António Fiel d’Almeida, Antonio d’Ascensão Patrício Júnior e Augusto dos Santos Carneirinha. 445 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fl. 31v.

Eiras num caminho curto: da Implantação da Republica à Ditadura Militar

O poder central, aos poucos, vai dando atenção ao problema. Assim, e também em sessão extraordinária de Outubro do mesmo ano, discute-se a reparação e compra de manilhas para as fontes de Eiras e do Escravote, obra só possível com os 1.500$00 oferecidos pelo Ministro do Trabalho, Dr. Lima Duque (446). Nestes anos, a água da fonte começa a ser notícia por outro motivo com o executivo local a deliberar em sessão «…, prohibir tirár a agua do tanque da fônte, para regar» (447). Duma maneira geral as preocupações com a fonte e cano de Eiras foram constantes: em Novembro de 1923 pede-se auxílio à Câmara para reparar o cano; em Dezembro de 1925 o Ministro do Trabalho concede 2.000$00 para ser aplicado na reparação e conservação das fontes públicas; e em Novembro de 1927 aprova-se um orçamento suplementar ditado pelas «obras inadiáveis nas fontes publicas» (448).

239 Fotos 40 e 41 – A Bandeira da Caixa Escolar de Eiras, 1928

A presença de um médico do partido com sede em Eiras deve ter sido muito bem recebida pela população da freguesia. Não obstante, quando o seu médico decidiu mudar a residência para outro local, o povo agitou-se. Em Dezembro de 1917 uma representação subscrita por 60 moradores de Eiras (cujo registo nos escapa nos livros de actas da junta de freguesia), dá entrada na Câmara de Coimbra. O facto de não residir na freguesia, sede do partido médico, dará origem a um processo, cuja avaliação estará a cargo de uma comissão de vereadores, e que se arrastará até 1919. Os anos pós implantação da República não resolveram o problema da criação de uma escola condigna. Aliás, pouco se fez para isso. Regista-se, no entanto, que a Câmara Municipal chamará a si a liderança do processo. A 20 de Outubro de 1918 a Junta aprecia um ofício camarário pedindo «… para com toda a brevidade se informar quaes as localidades d’este concelho, que maes precisam de escolas, (com ou sem cantinas, ou sem residencia para professores» (449).

Id. Fl. 45v. Id. Fl. 59. 448 Id. Fl. 90. 449 Id. FL. 22. 446 447

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

A Junta entusiasma-se com o tema deliberando «…enformar o maes breve possivel para ver se era possivel conseguir-se que se fisesse uma escola com residencia e cantina para os dois sexos» (450). Outra dificuldade a nível escolar foi a falta de professores na freguesia, que origina, inclusivamente, um voto de protesto dos vogais Amílcar Correia de Oliveira e Joaquim dos Santos Jacome a 17 de Outubro de 1920. Nos finais da década de vinte o panorama nas escolas de Eiras modifica-se. A 28 de Abril de 1928 criou-se a Caixa Escolar, decisão feliz e oportuna pois nesse ano «nem uma só criança deixou de se matricular» (451). Foi então necessário criar-se um segundo lugar sob a regência do professor interino José Dias Camarada.

3. Novas dificuldades para resolver: a gripe pneumónica, a carestia, o patrulhamento das ruas os finais da segunda década do Século XX, Portugal foi assolado pela Gripe Pneumónica. Na Freguesia de Eiras o flagelo faz-se sentir, atingindo os mais desfavorecidos entre os desfavorecidos – as crianças. As autoridades locais têm de reagir ao pesadelo e aproveitam o facto de, em Coimbra, se terem constituído comissões encarregues de reunir esmolas para as famílias das vitímas da gripe. Em meados de Novembro de 1918, a Junta decide «…que se devia ofeciar á Sociedade de Defeza e Propaganda de Coimbra, lembrar-lhe a triste mizeria em que se encontravam alguns menores; (familias dessas vitimas)» (452). A gripe chega na pior altura possível. Portugal atravessa um dos seus períodos mais negros, com uma grave crise económica traduzida em dificuldades financeiras e carestia de bens de consumo. A falta de açúcar foi dos mais sentidos pela população. O vogal Joaquim dos Santos Jacome, a 16 de Novembro de 1911, foi o primeiro a trazer a discussão do assunto para a mesa da Junta, propondo que se oficiasse à Câmara «…para que fosse concedido o assucar que respetivamente de direito cavia ao povo desta freguezia» (453). Dois meses volvidos, constatava-se como eram legítimas as preocupações do vogal. Perante a não distribuição do açúcar, uma Comissão de Habitantes organiza-se e comparece na primeira sessão do ano de 1920. Nesse distante dia 11 de Janeiro a interpelação rapidamente deu lugar a discussão, com os ânimos a exaltarem-se:

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«…pedindo contas pelo açucar que a Exmª Camara dispensou a esta Junta para ser distribuida pelos chefes de familia desta freguezia como de facto foi (…) dirigiu-se a Junta verbalmente em termos pouco delicados, sendo guiada, a palestra pelo cidadão Regedor desta freguesia, Snr. Antonio Cardozo e pelo vogal da Junta Amilcar Correia de Oliveira. A palestra converteu-se em discussão que provocou Id. Manuel de Albuquerque Matos, Maria Hermínia Pedro António da Silveira; Isabel Pessoa; Ilídio de Jesus Coelho Falcão – Escolas de Eiras (Coimbra), Festa da Primavera de 1962. S/N. 452 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, FL. 23. 453 Id. Fl. 31v. 450 451

Eiras num caminho curto: da Implantação da Republica à Ditadura Militar

alteração de ordem sendo o Presidente da Junta obrigado a encerrar a sessão por algum tempo» (454). A sessão será reaberta e perante a insistência da comissão, o presidente responde como pode «…que não tinha negado o assucar a ninguem». Nestes tempos muito difíceis, a espera era longa e o desespero tomava facilmente a dianteira. O açúcar apenas será distribuído ao povo três meses depois do incidente, a 18 de Abril de 1920… A década de vinte trará a recuperação económica. Um sinal evidente foi o aparecimento dos primeiros carros na freguesia, que cedo levantaram problemas de estacionamento. A Junta está atenta e, em Abril de 1923, oficia ao Comandante da GNR «pedindo-lhe para mandar patrulhár as ruas d’esta freguezia, para evitár que estacionem , carros na via publica e outros obstaculos, que prejudiquem o tranzito publico» (455).

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Id. Fl. 33. Id. 57.

Foto 42 – Eiras vista do Cabeço de S. Domingos, anos 50

A FREGUESIA DE EIRAS NUM LONGO CAMINHO: DO ESTADO NOVO CORPORATIVISTA AOS ALVORES DA LIBERDADE

«…a Comissão da minha presidência, em sua sessão de hoje, convocada extraordinariamente para tomar conhecimento e resolver o assunto com a brevidade que o caso requere, resolveu, por unanimidade, que, em virtude de uma das atuais freguesias com o nôme de Eiras dever continuar com a mesma designação e ser esta a quem pertence essa prioridade, por ser a mais antiga e ter sido vila, câmara municipal, e sede de concelho (ainda aqui existem ruinas da cadeia concelhia), fôsse solicitado a essa Exmª Câmara o favor de interceder junto de quem de direito, no sentido de esta freguesia continuar com a sua designação». Serafim de Campos Amaral, Presidente da Junta de Freguesia de Eiras In Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fls. 150-150v.

«A Câmara não deve permitir que seja entravado o apetrechamento escolar do concelho, tanto mais que as actuais instalações das escolas primárias, na sua maioria, são impróprias para o fim a que se destinam e em grande parte são propriedades particulares de que a Câmara paga renda». Alberto Sá de Oliveira, Presidente da Câmara Municipal de Coimbra em intervenção na sessão camarária de 7 de Junho de 1945.

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Fotos 43a e 43b – Dois momentos de um passeio a Lorvão a pé no âmbito da I Sessão Cultural da Caixa Escolar de Eiras, 1952

A – 1928-1953: da Grande Crise Económica ao I Plano de Fomento 1. Contextualização ividimos o período do Estado Novo em três cronologias por motivos metodológicos e de análise. O período é longo e, por norma, costuma subdividir-‑se em 4 grandes períodos, que aqui se reduziram a 3, pois aquela subdivisão interessa mais à história regional e nacional, do que à local. De facto, neste período (1928-1953), aconteceram muitas coisas no contexto internacional: entre 1928-1934 o mundo entrou em grande crise económica com a Grande Depressão provocada pela queda da Bolsa de Nova Iorque. Esta crise provocou impactos negativos na economia portuguesa, cujas finanças herdadas da ditadura militar eram francamente débeis; mais tarde, nos finais da década de trinta, deflagra a IIª Guerra Mundial, com Portugal a declarar-se país neutro. Portugal sairá do conflito com razões para sorrir. Mantém boas relações com as potências vencedoras, o território europeu e colonial permanece intacto, os cofres do Banco de Portugal recheados de divisas e metais preciosos, uma Balança Comercial equilibrada e um Escudo fortalecido. Estará pois, em condições de lançar as bases estruturais da modernização da sociedade pela criação de um tecido produtivo. Contudo, e ao nível local e regional, imperará a Centralização concretizada na total dependência dos municípios em relação ao poder central. Na relação Junta de Freguesia de Eiras – Câmara Municipal de Coimbra será o tempo das comparticipações do Poder Central: Fundo do Desemprego e Fundo dos Melhoramentos Rurais em obras com incidência territorial municipal, num esquema que se insere nas premissas financeiras básicas do Estado Novo: equilíbrio orçamental rigoroso e contenção sistemática das despesas públicas. Em termos jurídicos, o Estado Novo estabelece os seus princípios no ano de 1933: aprova, dentro de grandes condicionalismos, a nova Constituição e o Esta-

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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tuto do Trabalho Nacional. A partir de então, toda a estrutura jurídico-política do novo regime residirá na supremacia do Governo e do Presidente do Conselho de Ministros sobre todos os órgãos de soberania, prenunciando a confusão entre autoridade e autoritarismo que o futuro confirmará. Do ponto de vista formal, o Estado Novo define a freguesia como um agregado de famílias que, num determinado território, desenvolve uma acção social comum por intermédio dos seus órgãos próprios: as famílias (representadas pelos seus chefes) e as juntas de freguesia. Em 1936 a legislação corporativista reforçou-se com a entrada em vigor do Código Administrativo. A partir de então, o sistema administrativo dotou as freguesias de uma peculiaridade, tornando-a a única autarquia cujos titulares dos órgãos resultavam de sufrágio directo. Aquela codificação definiu o modo como a freguesia passaria a funcionar: considerada como a estrutura administrativa de base «… era a junta o seu órgão executivo composto por três vogais eleitos pelos chefes de família e que, entre si, deliberavam escolher um presidente, um secretário e um tesoureiro. A freguesia que (…) tinha nas famílias (representadas pelo seu chefe) e na junta os seus órgãos essenciais, tinha, também, um regedor. Mas o regedor não era parte integrante dos órgãos da freguesia; era um representante municipal e representava, no território paroquial, o presidente da câmara, cabendo-lhe funções de natureza policial podendo, para as exercer, ser auxiliado por cabos de ordens» (454). A Junta passa a ter um quadro de funções e competências bem definidas: «recenseamento eleitoral, recenseamento de pobres e indigentes, assistência social; fontes e águas públicas; caminhos vicinais; matas e arvoredos; cemitérios, administração e conservação de igrejas (…) emissão de atestados de residência, vida, costumes e situação económica; elaboração de posturas; e administração de bens próprios ou de bens do logradouro comum da freguesia ou dos seus moradores» (455). Tal como fizemos para os períodos históricos anteriores, também no caso presente tentámos a reconstituição das magistraturas locais ao nível da Junta de Freguesia de Eiras (tabela 16). Tarefa não totalmente atingida, na medida em que, talvez devido ao incêndio que destruiu parte da Sede da Junta de Freguesia em 1968, alguns livros de actas se perderam.

César Oliveira – «O Estado Novo e os municípios corporativos» In História dos Municípios e do Poder Local [Dos finais da Idade Média à União Europeia], Dir de César de Oliveira, Círculo de Leitores, 1996, P. 306. 455 José António Santos - «Freguesias» In Dicionário de História de Portugal, (Coord. de António Barreto e Maria Filomena Mónica) Vol. VIII, Suplemento F/O, Livraria Figueirinhas, Porto, 1999, P. 68. 454

A Freguesia de Eiras num longo caminho: do Estado Novo corporativista aos alvores da Liberdade

Tabela 16 – Constituição da Junta de Freguesia de Eiras, 1930-1974 (456) Período 1930-1935

Presidente Domingos Carvalho

1935-1937

Serafim de Campos Amaral Serafim de Campos Amaral Serafim de Campos Amaral António Bernardes Bandeira António Bernardes Bandeira Manuel Albuquerque Matos Fernando Ferreira da Costa

1938-1941 1942-1945 1960-1963 1964-1967 1968-1971 1972-1974

Tesoureiro - António Fiel d’Almeida - António Pereira Simões Cravinho Julio Ribeiro Ferreira

José António Marques

Joaquim dos Santos Rôxo

José António Marques

Joaquim dos Santos Rôxo

- José Fiel d’Almeida - Joaquim Carvalho Samuel da Costa

João Cardoso

Secretário João Marques de Campos

João Cardoso

Francisco Maria de Almeida Afonso Simões de Oliveira - Manuel José Dourado - José Patrício José Pereira da Silva Joaquim de Oliveira Pratas

De volta ao poder central. As autoridades reforçam as medidas disciplinadoras da actividade comercial e industrial, restringindo as importações e fomentando as exportações. O custo de vida sobe e as condições precárias do povo agravam-se: racionamento, alta dos preços, deficiente abastecimento de produtos e bens essenciais, especulação… Mas este seria também o tempo de passos importantes para o futuro do país: electrificação com aproveitamento do potencial hídrico dos rios; melhores instalações portuárias e implantação de novas industrias, iniciativas que mostram a urgência em modernizar o país. Não se julgue pelo exposto que o período da Ditadura Corporativista Portuguesa, que aqui será objecto de análise à escala local, especialmente nos contextos socio-económicos e materiais, rompeu radicalmente com o passado. Pura ilusão! Ao Estado interessava sobremaneira a apologia do mundo rural e esse universo não será beliscado. Quem não se lembra das capas dos livros da instrução primária onde observamos o pai cansado a entrar em casa depois de um longo dia de trabalho, a panela de ferro na lareira, o filho pequeno, fardado com a camisa da Mocidade Portuguesa, a filha a brincar com a boneca? O Sector Primário dominará de forma esmagadora nas ocupações profissionais, consequência de um país profundamente dependente das práticas agrícolas e pecuárias. Neste tempo, que foi o tempo de muitos habitantes actuais da freguesia, assiste-se à continuidade da prática de concessão de licenças de pastoreio de gado caprino. A este propósito, ficaram célebres os bonitos rebanhos de ovelhas dos Tabela elaborada a partir dos seguintes livros de actas do Arquivo da Junta de Freguesia de Eiras: Livro das Actas da Junta de Freguesia de Eiras, Nº 5, 1916-1943; Livro das Actas da Junta de Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974; Pasta Orçamentos e Contas, 1962-1966.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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Papisios, dos Casais ou do Zé Negro, de Eiras, bem como os rebanhos de cabras dos Galhardos e dos Coixeiros. A limpeza das ruas e vielas da freguesia vai sendo assegurada pelo sistema da arrematação a quem mais desse por ela. Em paralelo a Junta caminha para a modernização e aperfeiçoamento. Em Maio de 1936 Henrique Ferreira, filho do tesoureiro da junta, oferece à instituição uma tabuleta com os dizeres «Junta de Freguesia» e um quadro de madeira dizendo «Noticiário». Durante este período, esteve em risco a designação ancestral da freguesia. O assunto foi analisado em sessão extraordinária, convocada para responder ao ofício da Câmara Municipal de Coimbra «…no qual se pede a esta Comissão indicar uma nova designação para esta freguesia, para remediar inconvenientes que até agora têm resultado do facto de haver, não só no continente, mas também nas Ilhas Adjacentes, várias freguesias com nome igual a esta» (457). A citação com que abre este capítulo foi a resposta do órgão de poder local. Decisão unânime, fundamentada nos dados históricos conhecidos à época: «…por ser a mais antiga e ter sido vila, câmara municipal, e sede de concelho (ainda aqui existem ruinas da cadeia concelhia) fôsse solicitado a essa Exmª Câmara o favor de interceder junto de quem de direito, no sentido de esta freguesia continuar com a sua designação». Os poderes superiores, perante factos tão evidentes, desistiram da nefanda pretensão. Neste período, integra-se o drama da Segunda Guerra Mundial. Portugal, embora não tenha sentido os efeitos directos do conflito, acabaria por conhecer a sua faceta indirecta. Em Eiras e em Maio de 1943 o Presidente informava os seus pares que continuava a empregar «…vêses amiúde, diligências junto da Comissão Reguladora do Comércio do Concelho de Coimbra, no sentido de ser melhorado o abastecimento de farinha de milho a esta freguesia, mas que não vê satisfeitos os seus profiados esforços» (458). Vivia-se então um deficiente abastecimento da cidade e arredores no que dizia respeito a cereais. Insuficiência não só quantitativa, mas também qualitativa. Em Agosto do mesmo ano a referida Comissão Reguladora comunicara que «…que se continuasse a distribuir nas freguesias rurais farinha de milho, para sustento dos respectivos habitantes, visto a péssima qualidade do pão que está a ser distribuido pelos habitantes das freguesias da cidade de Coimbra» (459). Muitos dos problemas locais ao nível das infra-estruturas será solucionado pela via dos subsídios concedidos pela Câmara Municipal, meio de contornar os graves problemas económicos das freguesias, que se debatiam com parcos recursos financeiros. O Executivo Municipal, a partir dos anos 60, começará também a revelar preocupação com o aspecto estético da freguesia, fortemente influenciado pela importância da imagem como factor de desenvolvimento turístico. Por isso, em Março de 1960 e através de edital, tornou-se obrigatória a caiação exterior dos prédios dos lugares de Eiras e Casais. Vejamos em seguida alguns dos recuos e avanços ocorridos durante este período. A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fl. 150. Id. Fl. 247. 459 Id. 457 458

A Freguesia de Eiras num longo caminho: do Estado Novo corporativista aos alvores da Liberdade

2. Resolve-se, em parte, o problema da Fonte de Eiras a Fonte…? Um drama que parecia não ter fim. Em Março de 1936 a Comissão Administrativa da Junta de Freguesia de Eiras transmite à Câmara Municipal, uma vez mais, toda a desgraça que envolvia o abastecimento de água à população pelos canos da velha fonte:

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«A Comissão Administrativa da Junta de Freguesia de Eiras, dêste concelho, pede licença para transmitir a V.Exª o pedido que lhe foi feito nos têrmos mais angustiosos pelos moradores desta antiga vila, no sentido de solicitarmos de V.Exªs a imediata reparação da canalização da água da fonte, de que mais de oitenta por cento da população se abastece para consumo proprio (…) grande parte do antigo cano de alvenaria não tem tubagem (…) a outra parte, está muito deteriorada, partida e nalguns pontos entupida, de que resulta a quasi totalidade da água canalizada da nascente infiltrar-se pelas muitas fendas que as raízes das árvores abriram nas juntas de pedra (…) A água que presentemente sai pelas bicas da fonte, é, na sua quase totalidade, proveniente de infiltrações de águas inquinadas e de enxurradas, imprópria para consumo publico» (460). O Verão do ano seguinte seria o princípio do fim dos problemas graves em torno da fonte, com a Câmara Municipal a aprovar a reconstrução da canalização da fonte ainda sem a comparticipação do Estado. Mas esta obra não seria igual a tantas outras, pontuais e de carácter temporário. Serafim de Campos Amaral, então Presidente da Junta, logo que a notícia se espalhou, resolve enviar ofício ao executivo municipal exprimindo o regozijo e contentamento da população: «Acaba de aqui ser conhecida a notícia, pelos jornais, de que essa Ex.ma Câmara aprovou na reunião do dia 8 de Julho corrente, o projecto e orçamento para a reconstrução da canalisação da fonte do logar desta antiga vila de Eiras, e mandar anunciar a sua arrematação. V. Exas não calculam o grande contentamento dos moradores desta freguesia, ao terem conhecimento da dita notícia, por verem que agora não deve levar muitos dias que vejam realizada uma das suas antigas aspirações, e, de momento, a de maior necessidade – água para consumo, visto que, devido ao péssimo estado em que se encontra a caleira e o aqueduto que há aproximadamente dois séculos lhe serve de condução, só aqui chega uma pequena porção da que deita a nascente, insuficiente para o consumo dos moradores» (461). Voltando aos nossos dias por alguns instantes. Percebemos melhor agora, o que nos foi transmitido por alguns populares do lugar de Eiras, quando nos diziam que se formavam grandes filas de mulheres e raparigas junto à fonte à espera que a água corresse…

460 461

A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fls. 138v.-139. Id. Fls. 162v.-163.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

De regresso ao passado. Obras feitas em pouco tempo, ditadas pela necessidade urgente. De facto, a 5 de Setembro de 1937, o Presidente da Junta, aliviado, informa os seus pares que a situação da fonte, fruto de obras de fundo se resolvera: «O Presidente disse que, como é do conhecimento dos restantes vogais, já corre água pelas bicas da fonte do lugar desta antiga vila de Eiras, em abundância para o consumo dos seus moradores, canalizada em tubos de fibro-cimento, dêsde as respectivas nascentes no pitorêsco sítio do Gingil, desta freguesia, importante melhoramento que há já muitos anos éra ambicionado por êste povo» (462). Na mesma sessão aprova-se um voto de louvor ao Dr. Carlos de Melo Freitas e Francisco Mendes Silva pela colaboração prestada na resolução superior do caso. Se o problema da fonte estabiliza e deixa de trazer grandes problemas, o mesmo não se poderá dizer dos garotos de então. Entregues um pouco à sua sorte, e como andavam fazendo das suas no início do Verão de 1943, o Sacristão da Igreja, Adriano Carvalho, comparece na Sala das Sessões a 11 de Julho. Perto do final da

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Foto 44 – Raparigas vindas da fonte de cântaro à cabeça, meados dos anos 50 do século passado

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Id. Fl. 165

A Freguesia de Eiras num longo caminho: do Estado Novo corporativista aos alvores da Liberdade

ordem dos trabalhos pede a palavra para comunicar um assunto de interesse para a freguesia: «Que vários garôtos residentes nêste lugar e freguesia, arrancaram algumas pedras da cúpula do aqueduto da canalisaçáo que conduz a água para o chafariz dêste lugar, próximo do chafariz, para entrarem para dentro do aqueduto, onde permanecem durante muito tempo e, é de supor, praticam actos condenaveis» (463). A sessão é imediatamente suspensa e o executivo dirige-se ao local para verificar a ocorrência. Nos anos seguintes a fonte continuará a ser objecto de reparações pontuais.

3. Cria-se uma nova estrutura, mas também um novo problema, na freguesia: a Montureira Municipal 08 de Abril de 1932, a Câmara Municipal de Coimbra adquire, por expropriação amigável, 8560 m2 de um terreno constituído por terras de semeadura e oliveiras no sítio da Relvinha «…para instalação da Montureira Municipal, mediante a indemnização de dois mil e quinhentos escudos» (464). Durante 23 anos, a Montureira Municipal de Coimbra esteve localizada na zona da Relvinha, tornando-se um obstáculo ao desenvolvimento da freguesia e impedindo o avanço da Cidade para Eiras. Ao fim daquele tempo a solução passou por deslocar a Montureira para Norte, mantendo-se no entanto, dentro dos limites territoriais da freguesia. De facto, por decisão camarária de 19 de Agosto de 1954 e escritura de 12 de Março de 1955, a Câmara Municipal e a Sra. Adelaide Luciana Osório de Carvalho, proprietária, moradora na Cidade do Porto, natural da freguesia de Cedofeita, celebram escritura pela qual a segunda vende à primeira «…um terreno situado no Olival da Pedrulha/Prazinho/ para a Montureira Municipal, pelo preço de 77.000$00» (465). Por fim, a 4 de Maio de 1961, a Câmara celebra escritura de compra a D. Maria Augusta da Cunha Fernandes, de um prédio, denominado “Vinha do Cazelho”, freguesia de Torre de Vilela, para instalação da nova Montureira Municipal. Findava aqui a história da Montureira da cidade situada na freguesia de Eiras.

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4. Ainda tempos difíceis: a ajuda aos pobres, o desemprego crise que abalou a Europa e Portugal na terceira década do século XX foi cedendo lugar, lentamente, à recuperação. Cenário económico que, pelos finais da década de trinta, não imitava o social, pois os registos apontam para situações de grande pobreza.

A 463 464 465

Id. Fl. 248v.

A.H.M.C. - Livro de Escrituras Nº 44, 1931-1932, Fl. 33v.

A.H.M.C. – Livro de Escrituras, Nº 55, 1955, Fl. 24.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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A 7 de Dezembro de 1930, o Comandante da Polícia de Segurança Pública em visita à freguesia, entrega 200$00 para serem distribuídos pelos mais necessitados (466). Esta atitude resultaria dos efeitos da criação, pelo Estado, do Fundo do Desemprego, arma decisiva no combate contra a pobreza e miséria. Em Fevereiro de 1936, a Junta colabora na Campanha de Auxílio aos pobres no Inverno, acção de grande dimensão onde participaram outras entidades; o Comando da PSP de Coimbra, o Pároco e o Presidente da União Nacional. Da actuação conjunta resultou a «…organização do cadastro dos pobres d’esta freguesia nas condições de serem assistidos com agasalho (cobertores), alimento ou abrigo» (467). Mas a pobreza foi sempre um problema difícil de resolver pelo Estado, esbarrando tantas vezes no sentimento de vergonha do ser humano perante a dura realidade. Para grande espanto das partes envolvidas, ninguém compareceu a concorrer à assistência!. Quiçá por esse facto, a verdade é que, nos anos seguintes, a Comissão Distrital de Auxílio aos Pobres passa a entregar à Junta de Freguesia não géneros, mas sim dinheiro para ser aplicado na compra dos mesmos (1936, 1937, 1942). Em Junho de 1936 dava-se por concluído o recenseamento dos pobres e dos indigentes da freguesia, afixando-se editais pelas povoações. O desemprego abate-se sobre a freguesia nos finais da década de trinta. O drama insere-se, como veremos, num contexto regional mais vasto. Estávamos em Abril de 1937 e, por essa altura, havia constado que a Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal «…no desejo de atenuar a situação em que se encontra uma grande parte dos trabalhadores rurais dêste concelho, resolveu concorrer, pela sua Acção Social, para a abertura de trabalhos públicos que podessem absorver um certo número de braços sem trabalho, de cuja resolução fôram atribuidos 250 dias de trabalho a esta freguesia» (468). A Junta de Freguesia agradece a louvável acção social da Federação dos Vinicultores, não deixando de exprimir o seu desânimo: «… mas, com a quantia que foi atribuida a esta freguesia, poucos trabalhos podem ser executados, dos muitos que é necessário aqui fazer com urgência, especialmente em calçadas e em caminhos vicinais» (469). Propõe então, como alternativa, que a Câmara comparticipe também com uma verba, de modo a que, do esforço conjunto, sejam executadas as reparações de carácter urgente.

5. Marcas de progresso: reabre-se o Posto de Registo Civil, organiza-se a distribuição do correio, instala-se o Posto Telefónico em Eiras, estabelece-se no Alto da Estação Velha um posto de combustíveis m Setembro de 1921 o professor Manuel Albuquerque Matos resolve pedir demissão do lugar de ajudante do Posto de Registo Civil, marcando o início de um longo período em que Eiras fica privada dessa estrutura.

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A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fl. 107v. Id. Fl. 135v. 468 Id. Fl. 157. 469 Id. 466 467

A Freguesia de Eiras num longo caminho: do Estado Novo corporativista aos alvores da Liberdade

A ideia de um Posto de Registo Civil será retomada em Maio de 1933. A Junta delibera oficiar ao Comandante da PSP pedindo não só a criação do dito Posto, mas também da Caixa do Correio e Cabine Telefónica. Os pedidos serão atendidos. Por portaria de 19 de Dezembro de 1933, publicada no Diário do Governo Nº 297 de 21 do mesmo mês e ano, voltou a ser nomeado ajudante o professor Albuquerque Matos. Tomaria posse a 11 de Janeiro de 1934 entrando em exercício a 18 de Fevereiro (470). Como o custo da criação e manutenção do Posto ou Repartição Civil em Eiras eram elevados para as posses da Junta, esta de comum acordo com o professor Albuquerque acordam a 06 de Maio de 1934 no seguinte: ao Corpo Administrativo caberiam as despesas com o custo do carimbo (ou selo branco), enquanto que o professor ficaria com as demais despesas (471). No decurso deste período a Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones dá alguma atenção à organização da distribuição do correio. O problema fora detectado nos inícios de Junho pela dita administração, ao aperceber-se que muita correspondência endereçada para lugares da freguesia, onde não era ainda feita a distribuição domiciliária, acabava acumulada nos Refugos Postais. Como resposta a Junta afixa em vários locais importante aviso: «…informo os individuos a quem é endereçada correspondência para pequenos lugarejos e casais ou montes isolados desta freguesia, nos quais não é feita ainda distribuição domiciliária, que o encarregado da caixa postal de Eiras tem em seu poder a correspondência que para ali lhes é endereçada, a qual deverá ser reclamada com a maior frequencia possível, a-fim-de evitar a sua remessa para os Refugos Postais» (472). A referida administração procurou, a partir dos finais da década de 30, estender a rede de telefones públicos e o executivo local será informado da pretensão em instalar no lugar de Eiras um Posto Telefónico Público. As condições de instalação do posto apresentadas pela administração previam elevados encargos para a Junta. Por decisão do executivo local, a 5 de Abril de 1938, mandam-se afixar convites pelos lugares públicos da freguesia, numa tentativa para que alguém assuma essas responsabilidades. Mas só em 1950 será instalado em Eiras um posto de telefone público, no estabelecimento comercial de Marcelino Marques Roxo, para cujo melhoramento a pedido da Junta, o povo contribuiu monetariamente. Sete anos depois distribuíram-se mais alguns que eram partilhados e que foram inaugurados no dia 14 de Maio de 1957 (473). Também nos anos 50 estabelece-se na Freguesia de Eiras o primeiro posto de abastecimento de combustível, num acordo celebrado entre o Municipio e a Sociedade Nacional de Petróleos/Sonap, com sede em Lisboa. A escritura data de 16 Abril 1953 e por ela se deu aval para «…levar a efeito a montagem de um posto de abastecimento de gasolina a gasóleo, constituído por uma pequena construção

A.F.P.M.A.M - Livro 1º do Registo Civil, 1934-1937, Fl. 2. A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fl. 125. 472 Id. Fl. 160. 473   A.P.F.M.A.M. – Projecto para a monografia «A Vila de Eiras – ontem, hoje e amanhã» e o artigo de jornal «De Eiras: Os C.T.T – considerações, sugestões, melhoramentos» In Diário de Coimbra, Ano XLI, Nº 13.664, Quinta-feira, 28 de Maio de 1970; 470 471

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

e duas bombas auto-medidoras, num terreno pertencente à Junta Autónoma das Estradas /Estado/, sito ao Alto da Estação Velha, freguesia de Eiras» (474).

6. A melhoria das infra-estruturas existentes: estradas, caminhos e a Casa da Junta palavra melhoramentos estará sempre presente no decurso desta época da nossa história, estimulada pela instituição do Fundo dos Melhoramentos Rurais. As freguesias, que partilhavam os mesmos problemas, por si ou organizadas em grupos, solicitam regularmente a aprovação de propostas apresentadas ao executivo municipal. Por exemplo, em Março de 1934, Eiras e Santa Clara andavam unidas nesse processo, vendo aprovados os seus pedidos de melhoramentos. Grande parte dos melhoramentos andavam relacionados com o nosso grande deficit estrutural: as estradas. Em Fevereiro de 1935 a Câmara Municipal assina o contrato «para a empreitada de reconstrução do pavimento da estrada de Eiras, dentro da povoação de Eiras, na extensão de seiscentos metros», no valor total de 31.000$00 (475). O poder central andava particularmente atento e, em 1945, na sequência do que se vinha desenhando do período anterior, definirá o Plano Rodoviário Nacional (P.R.P.). Este plano, que demorou décadas a ser executado, definiu o apoio (urgente), a dois tipos de estrada - as Nacionais (de I, II, e IIIª classe) e as Municipais – e aos Caminhos Municipais. Vejamos o que se foi fazendo por Eiras a este nível. A 11 de Julho de 1934, a Câmara Municipal aprova o projecto de reconstrução da já conhecida Estrada de Eiras «…a fim de se obter a comparticipação do Estado para melhoramentos rurais» (476). A estrada que partindo de Eiras ligaria a Lordemão passando por S. Paulo de Frades era projecto antigo que os dirigentes locais de 1936 queriam tornar realidade: «O seu estudo e projecto foram feitos há cêrca de trinta e cinco anos (julgâmos nós), tendo sido então paga tôda a expropriação, e, em parte, feita a terraplanagem, por cujos motivos não custaria muito caro a sua construção, na extensão de quatro quilómetros, aproximadamente» (477). A Câmara de Coimbra pede anualmente que as juntas lhe enviem nota das obras mais urgentes nas várias localidades. Eiras segue a recomendação e, em Dezembro de 1937, pede que se realizem, no decurso do ano seguinte, algumas das propostas acerca de Estradas e Caminhos:

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«Estradas: Reconstrução da que parte da estrada de Eiras e bifurca com a estrada Lisboa-Porto, na Ponte dos Ásnos (Adémia de Cima); reparação da de Eiras à

A.H.M.C. – Livro de Escritura Nº 53, 1952-1953, Fl. 52v. A.H.M.C. – Livro de Escrituras Nº 45, 1932-1935, Fl. 68v. 476 Anais do Município de Coimbra, 1920-1939, Nota Preambular e Síntese por Armando Carneiro da Silva, Ed. Biblioteca Municipal, 1971, P. 395. 477 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fl. 144v.

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A Freguesia de Eiras num longo caminho: do Estado Novo corporativista aos alvores da Liberdade

Estação Velha (rua do Padrão); e construcção duma placa de cimento armado, para alargamento da curva á ponte do Paço, em Eiras. Caminhos: (…) o do cemitério paroquial; o que liga esta povoação com o Ingote e Arco Pintado; o que liga esta povoação com o lugar da Redonda; e o que liga a estrada do Murtal com Vilarinho de Baixo» (478). Pela Redonda mantinham-se as velhas vias de comunicação através das azinhagas: a das Carapuçanas que ia do largo à Toca do Sardão; a que do mesmo largo comunicava com o cemitério e daqui por uma vereda pedregosa e acidentada a Eiras; e a azinhaga de Lordemão, apertada e por meio de silvas. Nos inícios de Maio de 1943, o povo da Redonda envia representação subscrita por vários habitantes solicitando a reparação do caminho vicinal que une o lugar a Lordemão, que apenas será reparado em 1952. No ano em que se lançava em Portugal a União Nacional, Eiras vivia intensamente o problema da remodelação da Casa da Junta, antiga Casa das Sessões localizada junto à Igreja do Espírito Santo. A 6 de Julho de 1930, sendo presidente Domingos Carvalho, a Comissão Administrativa da Junta, reúne «…deliberando para que fossem começadas as obras da casa da junta, e não chegando o dinheiro que fosse tirada uma subscrição pelo povo da freguezia» (479). A intervenção no imóvel será de fundo. A 20 do mesmo mês delibera-se o começo imediato das obras, realizando-se as sessões da Junta na Escola Masculina enquanto decorressem as reparações. Durante este mês, e como narra a acta de 27 de Julho de 1930, realizada na Escola Masculina de Eiras (casa do professor Albuquerque Matos), tomam-se importantes decisões: «(a) Dar de empreitada as obras que carece a referida casa; (b) mandar demolir a parte inaproveitável da Casa das Sessões e arcar a telha por sua conta propria» (480). As precauções com a remodelação são tais que, na mesma sessão, a Comissão Administrativa justifica as razões porque deliberara fazer estes serviços por sua conta: «1º- Evitava que o empreiteiro com vista a maiores lucros deixasse de demolir paredes em mau estado; 2º - Evitava que o mesmo empreiteiro, ainda desejoso de maiores lucros, empregasse madeira apodrecida; 3º - Porque assim melhor se faria a avaliação da despeza a fazer e se veriam quais os novos materiais a empregar» (481). As obras avançaram e a Casa da Junta não mais deixará de constituir motivo da atenção de todos. Nesse sentido compreende-se a deliberação de 16 de Julho de 1933 onde se acordou «…que fosse feita a reparação da Casa da Junta dividindo a referida casa, das escadas que vão para a torre da Igreja do Espirito Santo» (482).

Id. Fl. 170. Id. Fl. 103v. 480 Id. Fls. 104v.-105. 481 Id. 482 Id. Fl. 121. 478 479

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Pequena decisão, mas de grande sentido de oportunidade: o poder civil começava a separar-se em definitivo do religioso. Dois anos depois, em Fevereiro de 1935, a Junta delibera a reparação imediata do imóvel.

7. As novas infra-estruturas: a água e a luz extensão das redes de água e de iluminação pública foram preocupações dominantes do novo regime político. O desejo de fazer chegar estes equipamentos o mais rapidamente possível às populações locais vinha de tempos recuados. De facto, a Câmara Municipal de Coimbra, em Maio de 1923, submetia «…ao referendum d’esta Junta a deliberação tomada pela Camara Municipal em sua sessão extraordinaria de oito d’este mês, na qual foi resolvido contrair um novo emprestimo com a Caixa Geral dos Depozitos na importancia de oitocentos contos, para a conclusão das suas instalações hidraulicas e electricas destinadas ao abastecimento da cidade» (483). A Junta de Eiras percebe tudo o que está em jogo e é unânime no apoio à Câmara de que depende administrativamente. A Rede de Iluminação Pública em Eiras e nos Casais foi inaugurada na noite de S. João de 1931, partindo a electrificação da Cabine de Coselhas. Estava-se em plenos festejos populares e a noite foi abrilhantada, tanto em Eiras como nos Casais, com a actuação de ranchos folclóricos: «…um pavilhão à entrada da estrada de S. Paulo e outro no antigo Terreiro da Fonte, ambos caprichosamente enfeitados e profusamente iluminados, onde a mocidade de então cantou e dançou animadamente a encherem a população de maior gáudio pelo cobiçado melhoramento recebido» (484). As ruas da Vila apresentavam-se iluminadas com 13 lâmpadas ao todo, enquanto que, em 18 casas, foram ligados os interruptores substituindo as candeias e candeeiros de petróleo. Pequeno passo, mas de grande significado, a que a Redonda se não associou: apesar de inicialmente unida na luta pelo melhoramento e de ter contribuído para ajuda das despesas na montagem da rede, preferiu abdicar da luz. Sabe-se que quem tratou da vinda da luz foi o professor Albuquerque Matos, apoiado por uma comissão constituída para o efeito, entusiasmada com o facto de 90 chefes de família se terem declarado, inicialmente, como futuros consumidores. No entanto, devido ao pouco entusiasmo, e findos os festejos populares, a iluminação das ruas foi desligada voltando, de forma ocasional, pelas Festas do Espírito Santo. Aos poucos a rede eléctrica pública foi alcançando os vários locais ao redor de Coimbra. A partir de 1937 a boa iluminação na freguesia, especialmente em Eiras e nos Casais, domina as preocupações. Em Maio de 1938 e perante a insuficiência na iluminação pública, oficia-se aos Serviços Municipalizados pedindo-se lâmpadas para locais específicos, «…onde a

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A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fls. 57v.-58. Manuel de Albuquerque Matos – «De Eiras: De Vila próspera a aldeia sendo imensas as carências (II)» In Diário de Coimbra, 3/3/1974.

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A Freguesia de Eiras num longo caminho: do Estado Novo corporativista aos alvores da Liberdade

escuridão é completa: á entrada da povoação; em frente da casa de Joaquim Maria de Almeida; á esquina da casa da séde desta Junta; na frontaria do chafariz; no cimo da ladeira do Cristo; no açude do Paço; na rua principal do lugar dos Casais, onde bifurca a azinhaga da Baldeira; na bifurcação de duas azinhagas que dão acesso para a fonte do Escarvotes; e ao cimo do lugar dos Casais» (485). Os tempos mais próximos consolidam os pedidos de iluminação pública: o açude do Paço passa a ter 2 lâmpadas (Fevereiro 1939); o portão de entrada no jardim da igreja passou a ter uma e no centro do Largo da Fonte, na primeira semana de Abril de 1941, colocou-se «um poste de ferro, com lâmpada eléctrica e globo». Em tempo de 2ª Guerra Mundial Eiras e os Casais assistem a importantes alterações na rede publica de iluminação eléctrica «...passando as respectivas lâmpadas a ser colocadas em suportes de ferro ou postes de madeira, de maneira a que as avarias das lâmpadas possam ser reparadas utilizando uma escada simples» (486). O abastecimento de água, fundamental para as povoações, disputou com a iluminação o lugar de problema central a resolver. Em Março de 1938, o Vereador do Pelouro Rural, Dr. Acácio Ribeiro, toma conhecimento que as povoações mais necessitadas no provimento de água são o Murtal, a Estrada de Eiras, o Ingote e a Redonda. A Redonda terá de se contentar, nos anos seguintes, com o abastecimento de água a partir da mina da Quinta dos Loureiros. Já o Murtal centrará as atenções durante os meses seguintes, uma vez que no tempo de Verão a fonte havia secado. A Câmara ocorre então a resolver o problema, adiantando 1.000$00 para que se procedesse à abertura da mina sita ao Lagaraz. O crescimento dos povoados começou a levantar problemas no abastecimento de água. No Verão de 1942, 103 chefes de família residentes no Loreto, entregam uma representação à Junta de Freguesia pedindo dos poderes superiores «…com a maior urgência possivel, uma fonte ou marco fontenário, para abastecer de água os pobres que residem no populôso lugar e estrada do Lorêto, dizendo nêsse mesmo ofício que éra de toda a justiça que o pedido seja atendido, visto que só de poços particulares, em péssimas condições higiénicas, se podem abastecer de água para consumo» (487). A urgência no abastecimento de água generalizava-se.

8. Rumo à nova escola: os Cursos Nocturnos, a situação das velhas escolas feminina e masculina e o Posto Escolar uito, ou quase a totalidade, do que se fez pelo ensino na freguesia de Eiras no período a que nos reportamos deve-se à obra notável dos professores Manuel Albuquerque Matos e Lídia Helena. Esta preocupação marcará a vida dos professores. E a primeira medida tomada por estas ilustres figuras, como já vimos, foi a criação de uma Caixa Escolar em 1928. Este passo foi de fulcral importância para o futuro do ensino na freguesia: forneceu

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Id. Fl. 179v. Id. Fl. 216v. 487 Id. Fl. 239. 485 486

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às crianças todo o material escolar necessário à sua aprendizagem, possibilitando mesmo aos mais pobres que pudessem concluir os estudos e fazer exame final. Através da Caixa supriram-se muitas dificuldades sentidas pelas crianças mediante a distribuição de calçado, vestuário e pagamento de receitas médicas. E diga-se em abono da verdade; quando a conhecida “Obra das Mães” distribuía berços pela região, já a Escola de Eiras distribuía o “Enxoval do Bebé”, aproveitando os retalhos que os professores juntavam. A Caixa Escolar de Eiras promoveu várias sessões culturais destinadas a adultos e crianças. A I Sessão Cultural decorreu a 13 de Dezembro de 1952 em Eiras e nela se projectaram filmes, realizou-se teatro e fizeram-se conferências. O vigor destas acções era tal que, em Fevereiro de 1954, já se ia na XIIIª sessão! Paralelamente, organizaram-se vários passeios de estudo pela região que, juntamente com as sessões culturais, anteciparam em Eiras aquilo que a Campanha Nacional de Adultos, algum tempo depois, promoveria pelo país. Esta Campanha, levada a cabo pelo Ministério da Educação, teve como objectivo a Educação Popular, através de sessões culturais, festas escolares e passeios de estudo, pelo que, quando foi instituída, Eiras há muito trabalhava esse campo pela acção dos professores. Em 1928 fez-se o primeiro desdobramento na história do Círculo Escolar de Coimbra, constituído pelos concelhos de Coimbra, Condeixa-a-Nova e Penacova. Por Circular de 20 de Novembro de 1928 separou-se os serviços da Escola de Eiras devido à elevada frequência de alunos, tendo-se nomeado um segundo lugar por insistência do casal Albuquerque, que veio a ser desempenhado por José Dias Camarada, de S. João do Campo. Lugar que oficialmente apenas foi criado por decreto de 13 de Fevereiro de 1930. Seguiu-se a implementação de Cursos Nocturnos. O resumo desta pequena grande história, e o modo como a Comissão Administrativa se associou ao processo, constam da acta do dia 7 de Setembro de 1930. A proposta visando a implementação dos cursos coube ao Vogal-Secretário, José Pereira Simões Cravinho, cujos argumentos não deixavam margem para dúvidas quanto ao caminho a seguir: «…devido à acção do actual professor da nossa Escola Masculina, senhor Manuel de Albuquerque Matos, conjuntamente com os beneficios que a Caixa Escolar criada por este mesmo professor trás à População Infantil das nossas escolas, principalmente aos alunos pobres, todas as crianças do sexo masculino em idade escolar frequentam a escola. Porém, temos muitos individuos de mais de catorse anos, analfabetos e temos até homens que muito desejam aprender a ler (…) proponho que, junto da Inspecção Escolar, se solicite a criação dum curso nocturno para cada sexo a funcionarem nas nossas escolas oficiais no futuro ano lectivo de 1930-1931, assumindo esta Comissão Administrativa a responsabilidade dos encargos de iluminação» (488). A proposta, que seria aprovada por unanimidade, não era completamente inocente, provando o quanto estes homens andavam informados acerca da Lei e Di-

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A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fls. 105v.-106.

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reito. De facto, a proposição era feita em articulação com o Governo da República, que pelo decreto Nº 18.724 de 5 de Agosto de 1930, criara cursos para difusão dos primeiros conhecimento do Ensino Primário Elementar. E rapidamente os cursos foram realidade. A 2 de Novembro define-se a quotização mensal: o sexo masculino a 3$00 e o feminino a 1$50, que se manteriam enquanto «houver despesas a fazer para os referidos cursos». No final do primeiro ano o sucesso dos cursos nocturnos era de tal grandeza que a Junta, certamente satisfeita, resolve oficiar ao Inspector Chefe da Região Escolar de Coimbra sugerindo o caminho da continuidade: «…atendendo aos bons resultados alcançados com os cursos nocturnos que o ano passado funcionaram nas escolas desta freguesia, respeitosamente vem solicitar de V. Exª que os ditos cursos e muito principalmente o do sexo masculino voltem este ano a funcionar para o que esta Junta toma para si a responsabilidade dos encargos da iluminação e bem assim de outros que a manutenção dos cursos determine, com excepção dos provenientes das gratificações aos professores» (489). A importância dos cursos nocturnos será recordada pelo professor Albuquerque: «…onde bastantes aprenderam a ler e alguns se habilitaram para exame do 2º grau, com o qual conquistaram o lugar que hoje ocupam» (490). O ano de 1933 foi importante para o arranque do projecto de uma escola nova. A 05 de Março o presidente da junta aponta o dedo às deficientes condições de funcionamento da escola e do ensino em Eiras: por um lado o número de alunos não parava de aumentar e, por outro, o magistério funcionava em casas de renda. Urgia romper com o passado e assumir com coragem o novo desafio, como se depreende das suas palavras: «Pelo presidente foi ponderado que, como todos os membros da junta muito bem sabem, as escolas primarias desta freguesia, frequentada por avultado numero de crianças de ambos os sexos estão a funcionar em casas de renda sem as necessarias condições para satisfazerem as exigencias pedagogicas; propunha por isso que a Junta representasse perante a Comissão Administrativa do Concelho no sentido de solicitar a construção de edificio proprio» (491). No ano seguinte, a 02 de Julho de 1934, extinguiu-se o segundo lugar de professor que existia desde 14 de Maio de 1928, decisão motivada pela falta de instalações para tantos alunos. Para descongestionar a escola pediu-se a criação de um posto escolar. O assunto da construção de um novo edifício escolar assumia cada vez maior relevância. Em Abril de 1936 a Junta de Freguesia aprecia o ofício do Comando da PSP que pretendia apurar quais as entidades que na freguesia poderiam assumir a responsabilidade de suportar 50% das despesas da construção de dois edifícios escolares: um na sede da freguesia e outra na Estação Velha.

Id. Fl. 112. Manuel de Albuquerque Matos, Maria Hermínia Pedro António da Silveira; Isabel Pessoa; Ilídio de Jesus Coelho Falcão – Escolas de Eiras (Coimbra), Festa da Primavera de 1962. S/N. 491 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fls. 119-119v. 489 490

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Na reunião de 19 de Abril de 1936, Serafim de Campos Amaral, presidente da Junta, em extensa e detalhada intervenção, alude a uma comissão pró-escola da qual faziam parte o presidente e tesoureiro. Constituída em 1934-1935 angariara entretanto «…algum dinheiro com o fim de auxiliar os alunos pobres bem como comprar o terrêno para se dar início á construção dum edifício ao qual, sem desprimor para a instrução, se possa dar o nome da escola» (492). Centrando a nossa atenção na parte do discurso relativo às Escolas Masculina e Feminina de Eiras, observe-se a extraordinária descrição produzida pelo dito presidente. Através dela compreenderemos de que falamos afinal quando os mais antigos da freguesia nos dizem que os tempos da escola eram dificílimos:

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«Na verdade, as escolas desta antiga Vila de Eiras estão instaladas em edificios impróprios, casas arrendadas, onde faltam os mais rudimentares requisitos higiénicos e pedagógicos. Para que V.Exª possa fazer uma pálida idea do que são as casas a que por arremêdo aqui chamam escolas, basta que lhe diga que em ambas a frequencia ultrapassa o número de lugares das salas de aula (…) A casa onde funciôna a escola masculina nem uma entrada tem, pois para ela se passa pela casa de um visinho da qual está separada por uma porta que mais parece a cancela dum curral de cabras; as carteiras estão tão acumuladas que as cuxias, nalguns pontos, nem chegam a ter dez centimetros de largura, forçando o professor a fazer o ensino sem poder chegar junto dos alunos e tornando dificil a limpeza da sala; chove nela, tem o soalho esburacado, as janelas apodrecidas e desconjuntadas, o fôrro despregado e vergado nalguns pontos (…) o senhorio, que recebe uma renda irrisória nega-se, com razão, a fazer quaisquer obras». «A escola feminina encontra-se um pouco em melhores condições, devido aos professores desta localidade – cônjuges -, porque o telhado ameaçava desabamento, compraram a casa e nela têm feito algumas obras para a conservarem, mas tem tambem o soalho rôto e é de acanhadas dimensões para a população escolar (…) acresce que em ambas as escolas não há recinto coberto destinado a recreio, sendo, por isso, por vêzes, os professores obrigados a mandar os alunos para casa logo à entrada da escola, porque se molharam enquanto esperavam pela hora da entrada. O recreio é na rua e é ali, ao sol e á chuva, que aguardam a entrada para a escola; não ha retretes (…) uma falta que pode classificar-se de imoral; enfim, para não alargar mais êste rozário de miséria, as escolas de Eiras são constituidas apenas pelas duas acanhadas salas de aula» (493). O discurso foi demolidor mas oportuno. Quanto ao edifício escolar de Santa Cruz, foi colocado num segundo plano de importância, não lhe reconhecendo utilidade ao nível do que se verificava na sede de freguesia: os alunos daquela área escolar poderiam utilizar as escolas oficiais da Freguesia de Santa Cruz e escola mista da Pedrulha; por outro lado, a Companhia das Fábricas Cerâmica Luzitânia, 492 493

Id. Fl. 141. Id. Fls. 141v.-142.

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Foto 45 – Alunos do ensino elementar das escolas primárias de Eiras, Julho de 1931

tinha naquele local em funcionamento, um curso nocturno e um edifício escolar já concluído ou em vias de o ser para aulas diurnas e nocturnas; declarando-se ainda ser difícil organizar ali uma comissão que acompanhasse a construção do edifício escolar. Quanto à solicitação de comparticipação pelas entidades da freguesia, para o novo edifício escolar de Eiras, a Comissão dá resposta desalentada «… não consegue que alguem assuma a responsabilidade de 50% das respectivas despesas, nem esta Junta a pode assumir, por motivo de ser pobresinha» (494). No entanto e em consonância com o despacho ministerial de 21 de Dezembro de 1935, assume a responsabilidade de constituir uma nova comissão, com o seguinte compromisso: «1º A dar o terrêno, que tem já escolhido, para construção do edifício escolar e respectivas dependências; 2º A dar, nas pedreiras, a pedra que fôr necessário empregar na construção do edifício; 3º A empregar a diligência de conseguir que os empreiteiros construam o edifício por baixo preço (…) relação dos individuos de quem conseguir colaboração de alguns dias de trabalho gratuito, assim como dos descontos especiais dos fornecedores de materiais para a construção, de que há tempos tivemos promessa» (495).

494 495

Id. Fl. 142v. Id.

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Ecos desta reunião perpassam pelos documentos nos meses seguintes. A 21 de Abril de 1936 a Câmara Municipal de Coimbra toma conhecimento que o Dr. Adelino Pais da Silva oferecera terreno para a construção da escola primária de Eiras, onde anos mais tarde a nova escola será, efectivamente, erguida (496). No mês seguinte a Junta de Freguesia informa a Câmara dos progressos feitos pela referida

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Foto 46 – Festa escolar de 1937

comissão, encarregue de ajudar a construção da nova escola: «… isto é, dará o terreno e tôda a pedra, nas pedreiras, que fôr necessária bem como angariará alguns moradores para prestarem alguns dias de trabalho gratuito» (497). Nos inícios de Julho recebe o plano do orçamento dos projectos tipos de edifícios escolares a construir no concelho. Em Eiras o custo provável de execução de imóvel para 2 salas de aula cifrava-se em 46.520$00. Como o problema se foi arrastando, tardando uma solução, em Outubro de 1937 o professor da escola masculina pede à Junta que continue a empregar todos os esforços possíveis para a criação de novo edifício escolar. Os poderes locais reagem e enviam uma informação à Câmara Municipal renovando as velhas preocupações com o estado da casa onde funcionava a escola para rapazes: solicitam uma vistoria e pedem que, no orçamento para 1938, se inclua verba para a escola nova. Anais do Município de Coimbra, 1920-1939, Nota Preambular e Síntese por Armando Carneiro da Silva, Ed. Biblioteca Municipal, 1971, P. 485. 497 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fl. 144v. 496

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A dada altura, o professor da escola masculina, Manuel Albuquerque Matos, cansa-se com o adiamento sistemático do problema. Desesperado envia um ofício que é analisado na sessão de 7 de Novembro de 1937. As suas intenções terão deixado os membros do executivo em pânico: «…que ia despedir parte dos sessenta alunos que se matricularam naquela escola para o ano lectivo de 1937-1938, por motivo de não poder leccionar todos sem prejuizo de aproveitamento de ensino» (498). A 28 de Março de 1938 a Escola Masculina foi considerada incapaz por ameaçar ruina. Professor e Junta unem-se na procura da solução. Na mesma sessão elabora--se informação detalhada a entregar na Câmara Municipal de Coimbra dando conta do problema dramático que têm em mãos. Na sequência pedem ajuda directa ao Ministro da Educação Nacional para que promova a construção de nova escola: «A escola masculina dêste lugar e freguesia tem 32 lugares e já estão matriculados nela, para o ano lectivo de 1937-1938, aproximadamente o dôbro dos alunos que comporta, por cujo motivo o respectivo professor terá de mandar embora todos os alunos da primeira classe e parte dos da segunda, os quais, para não haver prejuizo de aproveitamento de ensino para os restantes da segunda, para os da terceira e da quarta classe, terão de ser leccionados por outro professor. Em face do expôsto, esta Junta pede a V. Exª se digne solicitar de S. Exª o Ministro da Educação Nacional, ao abrigo do Decreto-lei nº 28.081, a construção do 2º lugar da escola masculina desta freguesia, que já funcionou na escola dêste lugar, ou, em sua substituição, a criação dum pôsto escolar, a bem da educação da infância e a bem da Nação» (499). Perante tantas crianças e uma sala de aulas de limitadas dimensões o mal foi atenuado com a criação dum posto escolar que entrou em funcionamento a 15 de Outubro de 1937. De facto, em Eiras, a década de 30 é de autêntica travessia de deserto, no que toca a instrução primária. Manuel Albuquerque Matos, nos inícios de Março de 1938, das ameaças passa aos actos: «…devido à sala onde funcionava ameaçar ruina, foi encerrada a escola masculina da séde desta freguesia, e autorizado, superiormente, que os respectivos alunos fossem leccionados, em horas alternadas, na sala da escola feminina» (500). A resolução do problema da nova Escola Primária de Eiras assemelhava-se a um jogo difícil de compreender onde um passo em frente, dava lugar a outro na direcção contrária. Nesta linha de pensamento a Câmara Municipal de Coimbra vai protelando decisões a tomar. Em Abril de 1938 transmite ao presidente de Junta que o Estado não dará a comparticipação pretendida. Balde de água fria que desanimou os homens que dirigiam a freguesia, mas não os fez desistir. Durante algum tempo a Junta chama a si a condução e resolução do processo. Decide tentar adquirir terreno gratuitamente ou por compra com dinheiro angariado por subscrição entre os habitantes da freguesia. Por mera casualidade o tesoureiro, Joaquim dos Santos Roxo, era administrador das propriedades do Sr. Dr. Adelino Pais da Silva. Assim, na sessão de 17 de Abril de 1938, ficará manId. Fl. 168. Id. Fl. 168v. 500 Id. Fl. 176. 498 499

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datado pela Junta para apurar junto do dito doutor, se a proposta de 21 de Abril de 1936 (cedência de terreno gratuitamente), ainda se mantinha. Adelino Pais da Silva atende ao pedido pelos finais do mesmo mês, disponibilizando, uma vez mais, o terreno pretendido. Mas este ainda não será o momento para a escola nova. Em 1939 enquanto por um lado se avança para a recuperação da Escola Masculina, por outro, e no que toca à Escola Feminina, vai-se preparando a via do arrendamento e adaptação de espaços para o ano lectivo seguinte. Nos inícios de Maio de 1939, a Câmara Municipal de Coimbra pede ao Presidente da Junta «…que administre as obras de adaptação de parte da casa de Joaquim Soares de Campos, em Eiras, a Pôsto Escolar de Ensino, na séde desta freguesia» (501). Trata-se do Posto que funcionou na casa da antiga Quinta do Paço, cuja adaptação foi concluída em meados de Junho, cabendo a empreitada a Francisco dos Santos, carpinteiro, pela quantia de 2.285$00. Ainda em Novembro do mesmo ano renova-se, infelizmente, o velho problema da sobrelotação do Posto Escolar recém-adaptado. No dia 12 o Presidente da Junta comunica que a regente entregara as chaves do posto, uma vez que se excedera a lotação das escolas primárias oficiais. Na realidade a capacidade de resposta esgotara-se no que toca à frequência escolar das crianças «…estão 30 inscritos e muitos não se inscreveram por estar o Pôsto fechado» (502). O provisório marcará o quotidiano da vida da Escola Masculina de Eiras. Em Março de 1940 os professores solicitam que a Junta lhe ceda a antiga Capela do Cristo para recreio e abrigo de alunos enquanto esperam pela entrada na escola. O imóvel é cedido por empréstimo «…com a condição das reparações de que necessite ou venha a necessitar, serem feitas a expensas da Caixa Escolar com donativos angariados pelo respectivo professor» (503).

Id. Fl. 197. Id. Fl. 204v. 503 Id. Fl. 210 501 502

9. O sonho tornado realidade: a Nova Escola de Eiras

265 «Trabalhámos durante perto de três dezenas de anos em casas velhas que de escolas só tinham o nome, de forma que, quando tomámos posse do novo edificio, do Plano dos Centenários em 1948, remoçámos e parece que a energia, mesmo a já dispendida em tantos anos de trabalho, reentrou em nós. Tínhamos no novo edificio o sonho de toda a nossa vida de professores; mereceu-nos e merece-nos todos os sacrifícios e canseiras; e este entusiasmo transmite-se aos alunos, que sempre têm sido os nossos grandes auxiliares». Lídia Helena de Sousa Albuquerque Matos - «O Exemplo da Escola de Eiras» In Rev. Os Nossos Filhos, 13º Ano, Vol. 7, Nº 149, Outubro de 1954, P. 19

«Não fiz senão o meu dever, acompanhando V.Exª e os seus dignos colaboradores, na tão importante obra de assistência material e educativa proporcionada ás crianças pobres da freguesia de Eiras. Em referência ao que foi feito no nosso concelho durante a minha gerência municipal, devo e quero acentuar que tudo se tornou possível e foi facilitado prazer ao devotado esforço dos meus colaboradores, entre os quais V.Exª sobressai como um dos mais dinâmicos e valiosos. Tomo a liberdade de pedir-lhe se digne transmitir aos restantes membros da direcção da Cantina Escolar de Eiras este meu forte testemunho, com a expressão da minha arraigada simpatia». J. Moura Relvas, Presidente da Câmara Municipal, em carta particular enviada ao Prof. Albuquerque Matos, a 13 de Março de 1966.

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Fotos 47 e 48 – Inauguração Solene da Escola de Eiras: à esquerda, a chegada dos convidados à escola; e à direita, o Professor Albuquerque Matos recebe as felicitações do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. Moura Relvas, 5 de Junho de 1949

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Foto 49 – Inauguração Solene da Escola de Eiras: o director escolar faz o seu discurso perante o olhar atento dos professores

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A actual Escola Primária de Eiras não passou, durante anos, de um sonho dos professores Manuel Albuquerque Matos e Lídia Helena de Sousa Albuquerque Matos. Foi construída no âmbito do «Plano dos Centenários» e, ao tempo, era do melhor que existia no País e, seguramente, uma das melhores e mais bonitas do Distrito, senão mesmo a melhor. O Inspector do Distrito Escolar, Afonso Frias, classificou o conjunto escolar (Escola e Cantina) em Maio de 1964 como o “melhor da metrópole”. Escola que muito ficou a dever ao empenho do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. Joaquim de Moura Relvas, e à Vereadora Dra. Maria José Bacelar, que regularmente visitavam a escola, renovando interesse pela sua evolução. Recuando. O dia 7 de Junho de 1945 marcou o princípio do caminho que conduziria à nova escola. Nessa data, a Câmara Municipal de Coimbra, propunha, de acordo com o referido plano, a construção de várias escolas primárias pelo concelho, entre as quais a de Eiras (504), fundamentando a sua decisão: «A Câmara não deve permitir que seja entravado o apetrechamento escolar do concelho, tanto mais que as actuais instalações das escolas primárias, na sua maioria, são impróprias para o fim a que se destinam e em grande parte são propriedades particulares de que a Câmara paga renda» (505). No entanto, o caminho seria espinhoso a vários níveis. O local foi mais condenado do que aprovado, pois pouca gente a queria na Oureça devido ao mau estado do caminho que a ela conduzia. Valeu então a persistência do professor Manuel de Albuquerque Matos, aliada à competência técnica do Engenheiro Costa Alemão, do que resultou a quebra da corrente de opinião pública. Finalmente, a 13 de Dezembro de 1945, a Câmara expropria no sítio da Oureça, um lote de terreno para a implantação da escola primária. A escritura seria celebrada a 29 de Novembro de 1946 e por ela D. Maria Egídio Barreto Soares de Campos, viúva do Dr. António Soares de Campos e sua filha D. Deolinda Soares de Campos cederam ao município presidido por Alberto Sá de Oliveira, e pela importância de 12.705$00, uma parcela de terreno com a área de 2.310m2 do prédio que possuíam «…no sítio denominado Oireça, no logar de Eiras para implantação da escola primária do mesmo lugar e freguesia» (506). A primeira fase de construção compreendeu duas salas gémeas, uma para cada sexo, que ao tempo eram já insuficientes para as necessidades do núcleo, que tinha 2 escolas e um posto. A pressa com que se fizeram as obras quase deitava tudo a perder: «Entregue, porém, aos professores com o recinto anexo mal terraplanado, cheio de pedras e ervas ruins: o poço, de pouca profundidade, secou no primeiro verão; uma rampa de acesso ao recreio descoberto, neste terreno argilo-calcário, no Inverno interceptava a comunicação com aquele recinto. O interior do edificio, como todos os outros quando são estregues» (507).

A proposta compreendia a construção de escolas primárias nos seguintes locais: Santa Clara, Casais do Campo, Arzila, Antanhol, Paço, Botão, Cabouco, Ribeira de Frades, Torres do Mondego e Vila Pouca. 505 Anais do Município de Coimbra, 1940-1959, Nota Preambular e Síntese por Armando Carneiro da Silva, Ed. Biblioteca Municipal, 1981, P. 91 506 A.H.M.C. – Livro de Escrituras da Câmara Municipal de Coimbra, n.º 50, fl. 75v. 507 Manuel de Albuquerque Matos, Maria Hermínia Pedro António da Silveira; Isabel Pessoa; Ilídio de Jesus Coelho Falcão – Escolas de Eiras (Coimbra), Festa da Primavera de 1962. S/N. 504

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Foi nestas condições que se avançou para a inauguração oficial da escola primária de Eiras, a 1 de Outubro de 1948. O acto foi simples e reservado: a ela apenas assistiu o Director do Distrito Escolar, Prof. Bernardo Rodrigues, os professores em exercício, alguns alunos e curiosos. Os tempos seguintes seriam de solicitações e pedidos de colaboração, que encontraram forte eco na população local, na Câmara Municipal sob a presidência do Dr. Sá de Oliveira, e de estranhos à freguesia. Foto 50 – Sessão solene no adro da Igreja da inauguração da nova O terreno foi limpo e escola de Eiras, 5 de Junho de 1949 terraplanado, fizeram-se plantações e as salas de aulas foram decoradas com a ajuda das crianças. Construiu-se uma estrada de acesso e tudo ficou pronto, a tempo e horas da memorável inauguração solene de 5 de Junho de 1949. Os anos seguintes, com a escola entregue aos cuidados dos beneméritos professores, foram de aperfeiçoamento: «Muitas árvores foram plantadas; ajardinou-se a frente do edifício e da parte posterior fez-se um pomar; aprofundou-se o poço, para não mais faltar a água; construíram-se escadas de pedra para fácil e seguro acesso ao recreio descoberto (pomar); montou-se um apiário; vedou-se todo o terreno com uma sebe de roseiras; transformaram-se os canteiros do jardim em figuras geométricas (todas as do programa); do Jardim Botânico da Universidade e do Horto Municipal vieram plantas; de Moreira da Silva – do Porto – e da Quinta das Flores – de Coimbra – vieram as melhores colecções de roseiras (algumas das quais molduravam as janelas do edifício); plantaram-se tílias, para pasto das abelhas e fins medicinais e educativos; plantaram-se amoreiras, para alimentar as centenas de bichos-da-seda existentes na Escola; vasos com plantas adornaram o interior do edifício; aquecimento eléctrico torna as salas confortáveis» (508). O jardim e o pomar haviam sido construídos com função eminentemente pedagógica: o primeiro cobria-se de flores várias, donde algumas saiam para enfeitar as salas de aulas e os altares, e outras eram a base do funcionamento do pequeno Manuel de Albuquerque Matos, Maria Hermínia Pedro António da Silveira; Isabel Pessoa; Ilídio de Jesus Coelho Falcão – Escolas de Eiras (Coimbra), Festa da Primavera de 1962. S/N. 508

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Foto 51 – A escola nos seus princípios, 1949

apiário; já do segundo, quando as fruteiras começaram a produzir, a alegria foi enorme – os frutos eram cortados para que todos os alunos os provassem, e nos anos de maior produção levavam-nos para casa ás sacas. O segundo momento de construção da escola data de 1960. Ao edifício principal acrescentou-se um andar porque a frequência de alunos começava a ser prejudicial ao funcionamento regular da escola. Passo importante e só possível pelo interesse do então Presidente da Câmara Municipal, Dr. Moura Relvas. Os números de toda esta empreitada foram anotados, a seu tempo, no brilhante trabalho redigido em 1962: - O prédio tem a superfície de 300,75m2 e não coberta de 2.119,25m2. - O terreno custara 12.705$00; - Na primeira obra despenderam-se na construção do edifício, obras complementares e instalação eléctrica 173.486$50; - Com ampliação das duas salas gastaram-se na adjudicação, obras complementares, imprevistos e instalação eléctrica 209.162$50. Pelo que a soma total do dispendido na escola, sem incluir quer os melhoramentos da iniciativa dos professores e outras pessoas, quer a obra da cantina, atingiu o importante valor de 382.649$00. O esforço seria recompensado com um prémio de dimensão nacional, como ainda hoje o regista o pequeno azulejo na frontaria: «Concurso de Escolas Ajardinadas e Arborizadas – Escola Premiada em 1961». Por volta de 1962 sofreu a escola duro revés com um furioso vendaval a danificar o imóvel que havia sido feito com maus acabamentos. Aliás, o professor colocará o dedo na ferida apontando os erros cometidos aquando das obras de ampliação: «Se vissem a Escola por dentro, se soubessem que o verniz pouco tempo esteve nas portas e janelas se soubessem que as grades de ferro há muito estão enferru-

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Foto 52 – Festa da Primavera de 1949, O Domingo de Ramos

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jadas, que ficou uma tábua do roda-pé por pregar, que ficou a chover em cima do madeiramento» (509). Aos poucos recuperou do dano e, fruto do contínuo aperfeiçoamento, tornou-se a Sala de Visitas de Eiras. Ali acorreram pessoas de todo o lado para conhecer a obra. A ampliação da Cantina Escolar de Eiras por despacho de 31 de Março de 1955, publicado no Diário do Governo de 23 de Abril, foi a etapa final da Escola de Eiras. Iniciou o seu funcionamento dando apoio a 20 crianças mas «…sem um tostão nem uma colher, a dar um copo de leite e um bocado de pão em cima duma mesa emprestada no átrio da escola» (510). A primeira direcção da Cantina Escolar era constituída pelos professores Manuel de Albuquerque Matos, D. Lídia Helena de Sousa Albuquerque e pelo Sr. António Ventura da Silva, respectivamente, presidente, secretário e tesoureiro. Para que fosse uma realidade, além do empenho das pessoas já referidas, mereceu especial destaque a acção da vereadora do pelouro da Instrução, Dra. Maria José Bacelar «…que chegou ao ponto de requerer urgência na conclusão da obra! Isto é digno de mais que simples agradecimento, é motivo de profunda gratidão» (511). De facto são de grande interesse as actas da Câmara acerca deste processo: a 14 de Maio de 1960 a Câmara Municipal delibera edificar uma cantina escolar junto Manuel de Albuquerque Matos - «Arrabaldes de Coimbra, Eiras, XXIX» In O Despertar, 23/ VI/1962, P. 510 Manuel de Albuquerque Matos - «Dentro da Área da Cidade: Eiras – Cantina Escolar» In Gazeta de Coimbra, 13 de Setembro de 1969, P. 4 511 Manuel de Albuquerque Matos - «Arrabaldes de Coimbra, Eiras, XXXIII» In O Despertar, 15/ IX/1962, P. 509

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da escola primária de Eiras e, a 4 de Agosto de 1960, a vereadora informava que o edifício estava muito bem delineado mas «…incomportável para a actual situação financeira do município». Impondo-se então o mês de Outubro como limite para decisão, a 15 do mês seguinte, e sem nada o fazer prever, o projecto é presente à reunião deliberando-se «…executar imediatamente a sua primeira fase, cuja estimativa é de 50.000$00 em ordem a permitir o seu funcionamento no começo do ano lectivo que se aproxima» (512). No entanto, o contrato para a empreitada de construção da cantina (1ª fase) data de 17 de Abril de 1961, ficando encarregue da sua execução o empreiteiro de obras públicas Arsénio Martins, morador em Condeixa-a-Nova, pelo valor de 68.500$00, com um prazo de execução de 6 meses (513). A segunda fase, no valor de 58.100$00, foi entregue ao mesmo empreiteiro, datando o contrato de 05 de Novembro de 1962(514). O novo edifício da Cantina Escolar constava de refeitório, cozinha, copa, casa para arrecadação de géneros, casa com forno para cozer pão, alpendre para recolha de lenhas, gabinete da direcção, um aviário para galinhas e patos e um apiário. Nas obras da cantina os erros do passado foram evitados dando-se especial atenção à fiscalização: as paredes fizeram-se de pedra e cimento; os alicerces enchidos a brita, cimento e ferro; e o alcatrão isolou a humidade. Um pouco antes da inauguração solene a Câmara Municipal de Coimbra, toma conhecimento de uma larga exposição da Comissão Central «…sobre a acção deA.H.M.C. – Livro das Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 202, Fl. 31. 513 A.H.MC. – Livro de Escrituras, Nº 62, 1960-1961, Fls. 72-74. 514 A.H.M.C. – Livro de Escrituras, Nº 66, 1962-1963, Fls 14v.-16v. 512

Foto 53 – O Prof Albuquerque Matos observa o edifício da Cantina Escolar acabado de construir

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Fotos 54 e 55 – Dia da Mãe, estreia de batas brancas pelas turmas feminina e masculina. 8-12-1955

senvolvida pelo professor Albuquerque Matos, durante mais de 36 anos da sua actividade exercida na escola masculina daquela localidade, cuja exposição termina por propôr que à Cantina a inaugurar oficialmente seja dado o nome “Cantina Professor Albuquerque Matos”, em homenagem ao devotado servidor que foi o dito professor» (515). A inauguração solene da Cantina Escolar de Eiras, a 05 de Maio de 1963, foi momento inolvidável da História de Eiras. O programa contou com a presença das mais altas individualidades do Distrito, civis e militares, que honraram Eiras com a sua presença: Por volta das 13 horas da tarde começou a percorrer as ruas da localidade a Filarmónica de Ceira animando as gentes do lugar; a partir das 15 horas iniciou-se a recepção às entidades oficiais e convidados de honra, cabendo aos Bombeiros Voluntários de Brasfemes a Guarda de Honra; seguiu-se o Cortejo das Oferendas para a Cantina constituído por mais de 12 carros, através das ruas da Vila, no qual se incorporaram as colectividades locais e o Rancho Folclórico Eirense; mais tarde

515

A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 213, Fl. 85.

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273 Foto 56 – Autoridades oficiais e convidados dirigindo-se para a Sessão Solene de inauguração da Cantina Escolar

Fotos 57, 58 e 59 – Alguns dos carros do cortejo das oferendas para a Cantina Escolar

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e após o corte simbólico da fita, a bênção do edifício; na sessão solene e depois das boas vindas aos visitantes as crianças interpretaram composições cénicas - «Coimbra-Eiras», «Temos uma cantina» e «Vergonha de quê?», tendo a cerimónia oficial terminado com a intervenção de vários oradores; e depois de todos merendarem, leiloaram-se as ofertas não susceptíveis de serem usadas na Cantina; e tudo se concluiria com um arraial, à noite, no Largo Dr. Moura Relvas. A Cantina Escolar mereceria, doravante, uma atenção especial, sendo o edifício ampliado em 1971. Ao longo da sua história experimentou algumas dificuldades financeiras devido ao elevado número de crianças que a frequentavam diariamente. Em Março de 1973 a Junta concede um subsídio Foto 60 – O Presidente da Câmara Municipal, Dr. Joaquim de Moura Relvas, cortando a fita simbólica de 1.000$00 «…por reconhecer tratar-se de uma Instituição Filantrópica que merece o auxílio de todos, dado os seus débeis recursos» (516). Assim, e durante anos, foi assegurando uma refeição quente entre o intervalo das aulas, além de distribuir vestuário, calçado e leite entre os mais necessitados. A História da Escola de Eiras regeu-se pelo aperfeiçoamento contínuo, envolvendo alunos e professores: tinha Posto de Socorros, uma telefonia em cada sala, para se ouvir o Rádio Escolar e uma Biblioteca dirigida não só para as crianças mas

Fotos 61 e 62 – Distribuição de fruta na Escola de Eiras: à esquerda em 1954 e à direita em 1961

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A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 184v.

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Foto 63 – Sessão Solene da inauguração da Cantina Escolar; o Prof. Albuquerque Matos lendo o seu discurso

275 Foto 64 – Um grupo de crianças interpreta a composição “Temos uma Cantina”, da Profª aposentada, Lídia Albuquerque Matos

Foto 65 – Um aspecto da assistência na sessão solene, realizada no recinto das Escolas

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também para o povo rural, enquadrando-se naquilo que designamos por biblioteca popular. Foram muitos e inesquecíveis os momentos vividos na escola: aprendia-se a ler e a escrever, dinamizavam-se passeios de estudo, faziamFoto 66 – Azulejo comemorativo do prémio se exposições de lavores, recebido pela escola em 1961 aprendiam-se as figuras geométricas a partir dos canteiros do jardim (Jardim Geométrico), no jardim coberto de flores decoravam-se o nome das espécies e do pomar da escola, nos anos fartos, fazia-se a distribuição da fruta pelas crianças que as comiam deliciadas, quando não as levavam às sacadas para casa todas contentes. E teve momentos marcantes a vida escolar: a Festa da Primavera, que se realizava no Domingo de Ramos, era o auge. E entre as várias festas realizadas, a Festa da Primavera das Escolas de Eiras de 1962 encheu de júbilo a população da freguesia. Nela participaram muitas individualidades locais e regionais, mas o momento alto foi a representação da récita infantil A Nossa Terra original inspirado nos professores Albuquerque e Lídia, onde se focaram as principais actividades da povoação e se fez a apologia da escola. Uma palavra para destacar dois pormenores: as pinturas que decoravam a sala da cantina - uma paisagem campesina, a Igreja com o seu campanário, os montes com a sua vegetação, os seus olivais; e os azulejos da entrada com motivos pintados alusivos às principais riquezas agro-pecuárias do país e a costumes típicos de determinadas regiões, com os trajes característicos do nosso folclore. Tanto as pinturas de parede como as dos azulejos reflectiam as preocupações e orientações pedagógicas que os professores queriam imprimir a cada espaço da escola. Actualmente a Cantina Escolar não existe, as pinturas das paredes também não, adaptando-se o espaço a Jardim-de-Infância de Eiras, inaugurado a 25 de Abril de 1995. Trata-se actualmente de um estabelecimento do Ministério da Educação que dá apoio a 34 crianças, entre os 3 e os 6 anos, e onde trabalham 2 educadoras e 3 auxiliares. A Escola Primária de Eiras tem actualmente 77 alunos, 5 professoras e 3 auxiliares.

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Foto 67 – Alunos da Escola Primária de Eiras, turma masculina, 1957

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Foto 68 – Alunos da Escola Primária de Eiras, turma feminina, Outubro de 1957

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HINO DAS ESCOLAS DE EIRAS S’a Escola é o facho brilhante Que nos guia ao caminho do bem Trabalhemos par’engrandecê-la, Qu’ela em paga nos fará Alguém. ESTRIBILHO Volveis os olhos p´ra nossa Escola E dai-lhe um pouco de protecção. O pouco é muito, o dar é nobre E migalhinhas também são pão! Vede bem; quem não tem instrucção É tal qual um ceguinho, no Mundo! Haverá melhor bem que o Saber? Um Saber consciente e profundo? ESTRIBILHO Volvei os olhos…etc.

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Levai, pois, vossos filhos p´ra Escola, Confiai nos destinos de Deus Na certeza, que quem assim faz, Honra a Pátria, honra o Mundo, honra os seus! ESTRIBILHO Volvei os olhos…etc. (Letra da Profª Lídia Albuquerque Matos)

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Foto 69 – O prof. Albuquerque Matos serve-se do desenho da parede do refeitório da Cantina Escolar para chamar a atenção do Presidente, Vice-Presidente e Vereador das Obras Rurais da Câmara Municipal para as insuficientes instalações da Junta de Freguesia, 5 de Maio de 1963

Foto 70 – A primeira refeição na Cantina Escola de Eiras, Maio de 1963

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Fotos 71 e 72 – Em cima a fachada principal da Escola Primária de Eiras e em baixo as instalações da Creche e Jardim-de-Infância de Eiras

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B – A Freguesia de Eiras do I Plano de Fomento aos alvores da Democracia (1953-1974) 1. Introdução ao correr da pena ste período ficou marcado pelos Planos de Fomento, concebidos para uma abrangência de 6 anos, à excepção do Plano Intercalar (triénio 1965-1967). O Estado Novo definiu o I Plano de Fomento para o período 1953-1958, com reflexos particulares ao nível das estruturas materiais locais. Na realidade foram 13,5 milhões de contos de investimentos, 9 dos quais destinados à produção de energia eléctrica e às comunicações: pontes, estradas, ferrovias, aeroportos, correios e telecomunicações. Estes investimentos levaram a um surto de desenvolvimento nas empresas ligadas ás obras públicas e sectores de energia, como a electricidade, petróleo e derivados. Portugal, paralelamente, aderira à Associação de Comércio Livre (EFTA) levando a uma relativa melhoria das condições de vida dos povos, e diminuição da população activa ligada à Agricultura, transferida para a Indústria e Comércio. O II Plano de Fomento abarcou 1959-1964 e mais não fez do que continuar e aprofundar o anterior. Estabeleceu como grandes objectivos: a implantação de uma rede de frio, a electrificação da Linha Ferroviária Norte e a construção da ponte sobre o Tejo. O III Plano (1968-1973), marcado pelo envolvimento colonial, pretendeu assegurar: «A coordenação com o esforço de defesa da integridade do território nacional (…) a manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade externa da moeda (…) o equilíbrio do mercado de emprego (…) a adaptação gradual da economia portuguesa aos condicionalismos decorrentes da sua integração em espaços económicos mais vastos» (517). O Estado, além destes objectivos, perseguia o controlo das iniciativas privadas de investimento definidas no Plano. Na Freguesia de Eiras o período abriu com uma importante decisão tomada pelo Município de Coimbra. No Verão de 1954, nas vésperas da inauguração da nova Ponte de Santa Clara, decide-se dar à cidade uma entrada condigna a Norte, transformando a velha Estrada do Padrão (518). Esta via de comunicação ligava o bairro da Estação Velha com a Rua Figueira da Foz, até ao ponto convergente com a Estrada de Coselhas. No seu troço entroncavam caminhos secundários: a Nascente o Caminho do Ingote, o Caminho do Arco Pintado e a Estrada de Eiras; a Poente a Avenida Fernão de Magalhães e a Estrada do Choupal. Com as obras executadas a velha Estrada do Padrão ficou incorporada em grande parte na nova avenida: «…empreendeu-se uma notável tarefa de alargamento e regularização, demolindo uma série de velhas e miseráveis casas, fazendo importante aterro do poente e rebaixando a estrada desde o Arco Pintado até ao extremo norte do Padrão» (519).

E

Mário Murteira - «Planos de Fomento» In Dicionário de História de Portugal, (Coord. de António Barreto e Maria Filomena Mónica), Vol. IX, Suplemento P/Z, Livraria Figueirinhas, Porto, 1999, P. 101 518 Supõe-se que o topónimo Padrão resulte do facto de ali ter existido em tempos um padrão que marcaria a jurisdição do Ducado de Aveiro. Em meados do século XIX regista-se a existência de uma barca que era explorada na Ponte do Padrão, antiga Ponte de Água de Maias, por onde se escoava a água da Ribeira de Coselhas. 519 José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II, Edição da Câmara Municipal, Coimbra, 1964, P. 183. 517

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Foto 73 – Cuzamento da Estação Velha, 1954

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A 28 de Maio de 1956, por escritura de compra e venda, a Câmara consegue terreno para o novo Matadouro Municipal: «…deliberou adquirir aos herdeiros de José da Costa Teixeira, á razão de trinta e cinco escudos cada metro quadrado, um prédio no sitio dos Marcos da Pedrulha, freguesia de Eiras, com a área total de trinta mil e setenta e cinco metros quadrados, no valor total de mil cinquenta e dois contos e seiscentos vinte e cinco escudos, destinado à implantação e construção do novo Matadouro Municipal» (520). Em Dezembro de 1961 esta nova estrutura andava em construção, mantendo-se ainda todos os serviços do matadouro na zona de Montes Claros, mais propriamente na Rua Trindade Coelho. Estes anos foram, também, de grandes contrastes: 1961 é o ano primeiro da Foto 74 – Rua do Padrão, 1955 Guerra Colonial que

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A.H.M.C. – Livro de Escrituras Nº 56, 1955-1957, Fl. 28.

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levará do país milhares de soldados para uma viagem longa da qual alguns regressariam sãos e salvos e outros foram vítimas do infortúnio; por outro lado, e a partir da década de sessenta, sente-se que o país caminha para a abertura económica e social à Europa. Neste período Portugal assume-se como rota turística, destino preferido de muitos europeus: se em 1953 recebera 150.000 turistas, por volta de 1964 o número catapultara para 1 milhão de almas estrangeiras em turismo por terras lusas. Ao nível funcional a Junta de Freguesia mantém-se como antes: papéis e funções fortemente restringidas por um Estado interventor e dirigista, com limitações financeiras justificadas pelos custos da guerra. A necessidade dos municípios produzirem receitas será uma prioridade, presente, por exemplo, na venda da azeitona produzida pelas oliveiras da Câmara Municipal que orlavam as principais vias de comunicação, designadamente: a Estrada de Coimbra a Eiras; Estrada de Brasfemes a Eiras; e Bairro da Relvinha; Sem grande novidade os cuidados com a Fonte de Eiras estarão como sempre estiveram, no topo das preocupações. Em Abril 1967 coloca-se uma porta de ferro na mina que abastece a fonte pública de Eiras. A 7 de Março de 1958, Augusto Rodrigues de Barros funda em Eiras a Farmácia Barros melhorando assim as condições de assistência da população. A farmácia, que teve quatro localizações diferentes, está actualmente instalada na Rua da Cruz nova, em Eiras, num edifício recente, construído de raiz, moderno e funcional. A freguesia torna-se, em 1961, sede de um partido médico veterinário (o outro terá como sede a Cidade de Coimbra), aglutinando as freguesias de Botão, Souselas, Torre de Vilela, Brasfemes, S. Paulo de Frades, Torres do Mondego, Ceira, Castelo Viegas, Assafarge, Almalaguês e Cernache. Para colmatar necessidades estruturais tornou-se frequente o recurso aos subsídios. Por exemplo, em Novembro de 1960 a Câmara Municipal subsidia com 1500$00 destinados à reparação, limpeza e conservação de fontes, caminhos e calçadas. Mas é também o momento em que a insegurança das localidades começa a ser mais visível: nos inícios de Agosto de 1968 a Junta lamenta o facto «…de nesta localidade não haver policiamento, tão necessário de noite no Largo Dr. Moura Relvas, onde por vezes há cenas bastante condenáveis» (521). A sede da freguesia não estava solitária na luta pela beneficiação e reparação de fontes. Neste sentido compreende-se o subsídio de Junho de 1965, na quantia de 1.500$00, para as fontes de Eiras e Casais de Eiras. Uma das novidades deste período, que aponta já o rumo futuro das relações institucionais, resulta das vantagens da colaboração entre as Juntas de Freguesia e os Serviços de Obras camarários, que em Abril de 1964, concretizam-se na aprovação da proposta do Vereador do Pelouro Rural: «…proponho que para todos os trabalhos de alinhamento de novas construções rurais, casas, muros, etc., sejam convidados os Senhores Presidentes das mesmas juntas a tomarem parte nesses trabalhos» (522). Entre finais da década de 50, e os princípios de 60, realizam-se em Eiras as primeiras excursões, que seriam incentivadas no âmbito da Campanha Nacional de Educação de Adultos, num esforço de promover a cultura e o conhecimento.

521 522

A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 24. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 217, Fl. 64.

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2. A Junta propõe a Câmara resolve: das propostas aos subsídios pela melhoria das estruturas materiais locais 2.1. Estradas e Caminhos omo já referimos este foi o período dos Planos de Fomento que tiveram como objectivo a melhoria das infra-estruturas existentes, em especial das vias de comunicação: - Em 1957 repara-se um arruamento no Loreto por 9.696$30; - Caminho do Ingote: calcetado em meados de 1960; - Estrada Nacional entre a Estação Velha e Eiras: revestimento superficial betuminoso aprovado em Dezembro de 1959, no valor de 94.700$00; - Caminho Municipal 30, ao Loreto, entre as passagens de nível: aprovação e adjudicação com pavimentação em calçada portuguesa (proposta do vereador Engº Azevedo Sobral em Outubro 1960); - Estrada Municipal entre Adémia e Eiras (E.M. 537-2): a 5 Março 1959 a Câmara Municipal pede a comparticipação estatal para a remodelação desta estrada, que importava em 170.000$00; adjudicada a 1ª fase da reparação em Novembro de 1960 por 61.600$00, os trabalhos prolongar-se-ão até aos inícios do ano seguinte; em Setembro de 1962 recebe um revestimento superficial betuminoso; - Estrada de S. Paulo de Frades a Eiras (E.M. 537-1): aprovada a reparação em Março 1961, adjudicada por 40.000$00 em Abril do mesmo ano; recebe revestimento superficial betuminoso em Setembro de 1962. A E.M. 537 continuava a estrada anterior na direcção de Lorvão e em Julho de 1965 avançou-se para a sua reparação como modo de melhorar os acessos ao Hospital Colónia Agrícola de Lorvão. Tornou-se necessário expropriar alguns prédios nos Casais de Eiras para facilidade do trânsito, dando à curva ali existente outras condições de segurança; - Reparação do pavimento da Rua Principal de Eiras; aprovada a reparação em Março 1961; - Reparação da Estrada Municipal entre Eiras e BrasFoto 75 – Estrada do Cemitério

C

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femes: adjudicada em Junho de 1961 por 96.000$00, arrancaram os trabalhos em Setembro do mesmo ano; - O caminho de acesso ao cemitério de Eiras foi também preocupação: ao ser pavimentado em calçada à portuguesa em Junho de 1966; Neste período, além da conservação e reparação das estradas existentes, começa-se a pensar em novas vias. Assim, nos finais de Junho de 1963 vários proprietários da região entregam na Câmara uma petição em que pedem a construção de nova estrada para Eiras pelo traçado do “Caminho da Tulha” oferecendo não só os terrenos necessários para o alargamento da via, mas também uma comparticipação para a realização da obra (523). A carência de vias de comunicação estará na origem do pedido, feito pelo Vereador do Pelouro Rural, da estimativa do custo de execução da Estrada de Logo de Deus ao Cordovão. Data a solicitação de 11 de Fevereiro de 1965. Por fim, em princípios de Dezembro de 1966, a rua que contorna a Capela do Espírito Santo foi arranjada, ao mesmo tempo que se demoliu parte do edifício da sede da Junta de Freguesia (a Casa do Despacho), que tantos problemas causava à fluidez do trânsito (524). O património sacrificava-se em prol do progresso.

2.2. O arranjo do Largo da Igreja de Eiras Entre 1958 e 1959, o antigo «Terreiro da Fonte» foi alvo de obras profundas. Em Abril de 1958 a Junta de Freguesia recebera um subsídio de 6.000$00 para dar início ao arranjo do largo principal; a 2 de Outubro do mesmo ano a Câmara apreciou as propostas apresentadas e, a 29 de Novembro de 1958, celebrou escritura de contrato de empreitada por 26.500$00 (525). A recuperação do largo prolongar-se-ia nos meses seguintes: em reunião extraordinária do executivo camarário, de 2 de Janeiro de 1959, aprovava-se o auto de consignação dos trabalhos. E, pelos finais desse ano, a Câmara concedia nova verba no valor de 60.980$0 (526). No seguimento destas obras, o Largo da Igreja foi inaugurado oficialmente a 5 de Julho de 1959, sendo rebaptizado no ano seguinte com a designação Largo Dr. Moura Relvas, homenageando-se assim o Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, que vinha dando provas de simpatia e colaboração com a Freguesia de Eiras. Esta cerimónia decorreu no dia 05 de Junho de 1960, contando com a presença do homenageado. Na sessão de Câmara do dia 09 de Junho é o próprio presidente quem pede a palavra para dar conhecimento da cerimónia a que assistira em Eiras: «…o contentamento que o povo de Eiras manifestou no passado dia 5 do corrente por ocasião do descerramento da lápida que dá o seu nome ao antigo Largo

A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 214, Fl. 85. Manuel de Albuquerque Matos - «Dentro da Área da Cidade: Eiras – Melhoramento» In Gazeta de Coimbra, 10 de Dezembro de 1966. 525 A.H.M.C. – Livro de Escrituras, Nº 59, 1958-1959, Fl. 9v. 526 Anais do Município de Coimbra, 1940-1959, Nota Preambular e Síntese por Armando Carneiro da Silva, Ed. Biblioteca Municipal, 1981, Pp. 508, 520, 529,572. 523

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da Igreja daquela povoação, acrescentando que acedera a deslocar-se ali por sentir que se lhe impunha o dever de se associar ao contentamento do povo pela colaboração que vem mantendo com a Câmara e bem assim para lhe poder testemunhar a sua gratidão por essa tão intíma colaboração» (527).

2.3. Remodelação e ampliação da rede de distribuição de energia eléctrica

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A melhoria da rede pública de distribuição de electricidade tornou-se, neste período, uma prioridade: se por um lado a rede existente datava de 1931 e apresentava-se bastante degradada; por outro davam-se os primeiros passos na expansão industrial e habitacional que pediam o reforço da rede. Em Julho de 1962, o Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados comunicava que a Direcção Geral dos Serviços Eléctricos concedera 101.000$00 «…destinados à obra de remodelação e ampliação da rede de distribuição de energia eléctrica no Bairro da Relvinha» (528). Como consequência, a 16 de Agosto, a Câmara autorizava a montagem de um ramal de energia eléctrica em baixa tensão na Estrada de Eiras. No mesmo sentido vai a ampliação da rede de iluminação pública no Beco das Almuinhas, em Eiras, autorizada também pela mesma altura. O reforço da rede de energia em baixa tensão no Ingote e Rua Nova efectuou-se nos inícios de 1964. Se em alguns lugares remodelou-se ou reforçou-se a rede de iluminação, noutros a luz não passava de uma promessa. Em meados de 1964 a electrificação da Redonda torna-se prioritária, provavelmente por insistência da Junta: a 07 de Maio a Câmara recomenda aos Serviços Municipalizados a electrificação do lugar e, a 21 do mesmo mês, a Vereadora D. Maria José Bacelar, pedia esclarecimentos sendo informada «…que aquele processo já foi enviado às instâncias superiores competentes e tão depressa seja comparticipado logo será executado» (529). Em 1965, o Murtal permanecia, infelizmente, como a única povoação da freguesia sem electrificação.

2.4. Abastecimento de água: a mais longa luta Os passos seguros rumo ao abastecimento de água às freguesias do Norte do concelho datam dos inícios da década de sessenta do século XX. A 26 de Outubro de 1961 o Presidente da Câmara anunciava o feito e o por fazer a este nível: «…já estão também a ser considerados os abastecimentos de água às freguesias de Souselas, Eiras e Brasfemes a partir de um reservatório a construir em Lôgo de Deus, mas que este problema se tem de equacionar com o da melhoria e ampliação da rede da Cidade também já em curso» (530). Em Agosto de 1962 temos a notícia de que se adquiriram materiais destinados ao melhoramento do abastecimento de água ao Loreto.

A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 200, Fl. 10v. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 210, Fl. 83v. 529 A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 217, Fl. 96v. 530 A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 207, Fl. 81v.

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A 20 de Julho de 1965, o Vereador Francisco Cortez assume, em nome do executivo, a prioridade no abastecimento domiciliário: «O abastecimento de água potável a todas as freguesias do concelho e, sobretudo, na modalidade de distribuição domiciliária, constitui uma das mais prementes necessidades do concelho» (531). Caberá aos Serviços Municipalizados enfrentar este grande melhoramento, muitas vezes hesitando e admitindo «…a hipótese de, nalgumas localidades, se poderem obter captações com caudais suficientes e mais económicos» (532). Os Serviços Municipalizados definem então um grande plano de realizações, que aos poucos se foi concretizando. No entanto, Eiras e algumas freguesias ao Norte, continuaram, para desespero das suas gentes, a não serem beneficiadas. O abastecimento de água à Redonda foi dos últimos problemas a resolver na freguesia, um drama alargado pelo facto de a povoação não ter sequer uma fonte pública, como nos recorda um artigo de jornal em finais de 1971: «A Redonda não tem fonte pública, de chafurdo sequer!!!...Teve a mina dos Loureiros, onde para encher as vasilhas, ou pés enlodavam a água, mas, mesmo esta sem condições higiénicas, ao que nos consta lhe foi vedada. Resta-lhe, por favor, a água dos poços de rega, situados em terras de horta, adubadas com lixo da montureira municipal e com adubos químicos das muitas e variadas qualidades que existem, a desprenderem infiltrações venenosas, quando os cântaros não são mergulhados em tanques destapados, com folhas podres à mistura, plásticos a boiar, vindos no lixo adubante, e animais em decomposição» (533).

3.  1968-1974: afirmação e renovação em Eiras – a acção do Professor Manuel de Albuquerque Matos à frente da Junta de Freguesia 02 de Janeiro de 1968, Manuel de Albuquerque Matos, conhecido entre a população como professor de muitos e grande obreiro da nova escola primária A da freguesia experimenta a via política em prol do progresso de Eiras: assume a

presidência da Junta de Freguesia de Eiras, mais por simpatia com os governantes da Cidade de Coimbra, que reciprocamente o admiravam, do que por adesão aos ideais do Estado Novo. Estará à frente da Freguesia apenas quatro anos, tempo mais do que suficiente para colocar em prática muito do que sempre defendera, fosse como orador em intervenções públicas ou através dos seus escritos que, regularmente, vinha publicando nos jornais regionais. Sucederá no cargo a António Bernardes Bandeira e a polémica marcará o inicio da sua presidência: na noite anterior à transmissão de poderes um incêndio destruíra parte do edifício sede da junta – a Casa do Despacho. Na primeira acta, e de

A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 223, Fl. 6. Id. 533 Manuel de Albuquerque Matos - «Dentro da Área da Cidade: Eiras – A povoação da Redonda ontem e hoje», In Gazeta de Coimbra, 25 de Dezembro 1971, P. 4

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acordo com a lei, o presidente cessante deveria entregar ao novo todos os bens da junta. Mas pouco entregará «… por tudo o resto ter ardido em consequência do fogo que se verificava na sede da junta na noite anterior ao dia acima indicado» (534). O professor desconfia e, no próprio dia, realiza-se nova reunião, desta vez extraordinária, no Gabinete da Direcção da Cantina Escolar. Sente-se que o ambiente é pesado e mais irrespirável deve ter ficado quando se pediram esclarecimentos sobre os livros de actas ao presidente cessante. Conclui-se então pela sua irreparável perda no incêndio. Actas que tanta falta nos fazem hoje para analisar a freguesia no período que medeia entre 1944 e 1967. O incêndio, mesmo depois de extinto, perturbará o normal funcionamento da Junta cujas reuniões decorrem, nos tempos próximos, em casa do professor que é também o presidente do executivo local. E foi já nesta qualidade, e apoiado nos seus colaboradores próximos, que prepara como primeira medida um Plano de Trabalhos, que se apressa a enviar o quanto antes à Câmara Municipal. Como reflexo directo, o discurso do novo eleito, a 10 de Janeiro de 1968, aponta um dos caminhos que trilhará enquanto chefiar os destinos da freguesia de Eiras, a higiene: «… o povo nos està a oferecer a sua colaboração (…) É de realçar e de muito agradecer a facilidade que encontramos na quebra de velhos hábitos, que nos inferiorizavam perante quem nos visitava (…) com oposição aos que previam a necessidade da Guarda Nacional Republicana para se obter a compreensão de que as ruas são espelho de quem nelas mora. Afora dois ou três que ainda atiram àgua da janela à rua, vendo a nossa Terra como qualquer lugareijo dos mais certanejos, a obra está pronta com a ajuda de todos, feita sem custos, porque nela todos trabalharam de boa vontade, o que nos merece todo o nosso reconhecimento» (535). Além da higiene, pedra de toque de toda a sua acção, no discurso perante os seus pares, aponta as orientações dos tempos próximos: limpeza do rio, reforço das carreiras de autocarros, obras em estradas e na fonte, necessidade de uma nova sede para a junta, recuperação de velhas tradições. Uma das preocupações do novo executivo passou por trazer a Eiras as autoridades municipais. Nos inícios de Abril, Eiras assiste à visita do Presidente da Câmara e do Vereador do Pelouro Rural. Do conhecimento das insuficiências locais, resultou um dossier que, no mais curto espaço de tempo, deu entrada na Câmara e pelo qual se definiram as grandes prioridades: Estudo da Variante; Arranjo do Largo Dr. Moura Relvas; Ampliação do pontão do “Rêgo das Várzeas” na Rua do Cristo; Arranjo do Terreiro da Esperança e ruas convergentes; escadas de acesso ao “Rio de Além”; Saneamento; Higiene na Rua do Cristo; Iluminação Pública (536). O cano da fonte, a recuperação de estradas, a conservação e embelezamento do Largo Dr. Moura Relvas tornaram-se bandeiras da Junta de Freguesia de Eiras sob a presidência de Albuquerque Matos e para as quais a Câmara canalizará avultadas verbas. Também por proposta do presidente avança-se para a divisão de funções pelos membros da Junta. Esta medida teve o seu princípio no segundo ano de mandato: O Secretário ficou com a fiscalização e limpeza das ruas, caminhos e fontes; o Te-

A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 1v. Id. Fl. 3v. 536 Id. Fl. 10.

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soureiro com a fiscalização orientação e limpeza do cemitério, bem como a conservação, limpeza e plantação de árvores e arranjo dos jardins. Esta dinâmica equipa apresentou à Câmara Municipal um projecto de Toponímia para a freguesia e envidou todos os esforços para que fosse criada em Eiras uma Biblioteca Popular.

3.1. Redes públicas que aprisionam: ainda o combate pela iluminação e abastecimento de água A iluminação publica dos diversos lugares da freguesia foi objectivo perseguido por este executivo, só possível com a continuação da renovação da rede eléctrica. Entre muitas coisas foi preciso negociar a troca do terreno onde esteve a Azenha das Rodas pelo terreno do posto de transformação, para que naquele se construísse uma moderna cabine. Nos inícios de Novembro de 1970, e após reunião de estudo com os Engenheiros dos Serviços Municipalizados, ficou definitivamente deliberada a sua construção por detrás da antiga azenha. A água em Eiras mantinha-se ainda um problema, sendo escassa a que escorria pelas bicas da fonte. E a solução, tomada no início do mandato, foi a de abrir mais furos a Nascente da mina. Em Agosto de 1968 as obras não estão ainda concluídas mas pelo menos «…já se não vêem grupos de mulheres à espera de vez para encher os cântaros, por a água das nascentes já existentes e a mais que se obteve vir toda» (537). No Verão de 69 constrói-se um novo tanque para a fonte de Eiras, trabalho entregue a José Marques Craveiro, com oficina na Ponte de Eiras. Também na Redonda a situação de abastecimento de água não era a melhor: «O povo bebe água dos poços, tirada por mergulho, situados em terrenos de horta, sujeitos às mais temíveis infiltrações» (538). A resolução do gravíssimo problema de abastecimento de água a Eiras conhecerá, em Maio de 1971, significativo avanço, embora o clima entre a Junta e a Câmara seja de alguma crispação. De facto, no dia 06 a Junta toma conhecimento de uma informação, dando conta da deliberação em fazer o abastecimento a Eiras com água que viria da Adémia. Esta decisão não colhe a simpatia do executivo local: «Que se lhe retorquira que Eiras, se tal acontecer, não fica de parabéns porque, vindo a água da Adémia não há cota para todos os pontos da povoação e que não é justo os habitantes ficarem em pé de desigualdade; que, a ser assim, terá o liquido de ser bombeado para igualmente satisfazer todos» (539).

3.2. A higienização da população e o saneamento público As boas práticas de higiene praticadas pelo povo da freguesia, em especial o de Eiras e Casais, dominaram as preocupações do professor desde os primeiros tempos do magistério primário. Mas, avaliando o texto que reproduziu, como sendo

A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 25. Id. Fl. 90. 539 Id. Fls. 142-142v.

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os reparos de um visitante de Eiras, em Janeiro de 1969, muitíssimo estava ainda por fazer: «Há bem pouco um visitante nosso nos dizia: - “como há-de Eiras ser o que o sr. quer se ainda comem tremoços à janela e arremessam as cascas à rua; se mantêm feixes de lenha às portas; se despeja água da janela abaixo; se as galinhas e os cães vagueiam pelas ruas; se ainda se vêem habitações em que as lojas têm aquilo” (apontou)? Cheio de vergonha, desviámos a conversa» (540). A 2 de Setembro de 1968 em comunicação apresentada na reunião do executivo o professor Albuquerque Matos renova as suas preocupações com a higiene, apontando o dedo ao maior criminoso, a água que escorre pela fonte de Eiras: «…a conveniência e necessidade que lhe reconhece em a dotar com obras de reparação, conservação e de a higienizar. Que, há tempos, lhe foram mostrados, dentro de frascos, bichos encontrados na água colhida na biqueira; providenciou no sentido de se limpar e desinfectar a mina e o depósito, o que se fez por intermédio dos cantoneiros da Câmara Municipal» (541). Não obstante os bichos voltaram a aparecer. Decide então vistoriar a mina notando «…ser impossível conveniente limpeza, dado que o fundo da dita mina é de terreno argiloso, barrento, amolecido, lamacento; que o tecto da mesma mina, à entrada ameaça ruina». A solução passará por obras de fundo, mas primeiro, como aludirá o Tesoureiro, urgia que se proibisse o povo de retirar «…água do tanque da fonte, já que o acto, proibido até pela Junta anterior, continua a verificar-se (…) impossibilita o referido tanque de servir de bebedouro do gado, que não tem outro, e de constituir reserva para os primeiros ataques a incêndios de que não estamos livres» (542). Dentro das práticas de higiene e limpeza pública o professor deu especial relevância ao “Rio” de Eiras. Em Agosto de 1968 e com o custo de 10.000$00, a dividir a meias entre a Câmara e a Hidráulica, efectuou-se a limpeza desde “O Caleirote” ao “Rio da Baptista” tendo o presidente assinalado a relevância do facto: «…constituiu apreciável melhoramento, dado o mau aspecto que o “Rio” apresentava e o prejuízo que representava para a saúde pública, pois, até então, serviu de vazadouro de todas as porcarias, que ali se vinham acumulando desde tempos de que não há memória, pois em Eiras ninguém se lembra de o “Rio” ter sido limpo» (543). A supressão da lixeira na Rua das Almoinhas, junto a umas ruínas, foi outra batalha. Era um foco anti-higiénico e, no seu lugar, sugeriu-se a construção de um edifício próprio para a Delegação Clínica da Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família, sugestão que seria aceite em Maio de 1969. Diga-se a propósito que, por volta de 1970, Eiras estava bem servida de médicos: a área da Delegação Clínica disponibilizava três, a que se juntava o do Partido Médico.

Manuel de Albuquerque Matos - «Dentro da Área da Cidade: Eiras – Eiras e as Freiras de Celas (IX)» In Gazeta de Coimbra, 11 de Janeiro de 1969. 541 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974. Fl. 27v. 542 Id. 543 Id. Fl. 33. 540

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O Saneamento Público da freguesia, complemento ideal da campanha de higienização, seria o princípio do fim de grande parte dos problemas da freguesia. Albuquerque Matos sentia-o desde sempre, não sendo de estranhar que tenha feito várias diligências para que o assunto se resolvesse em Eiras o mais rapidamente possível. Em meados de 1968 traz a Eiras vários engenheiros, o Chefe do Saneamento e o próprio Director Delegado dos Serviços Municipalizados. Albuquerque quer estudos, quer soluções mas a resposta desanimou-o: «… foram de parecer que é impraticável em Eiras uma rede de esgotos enquanto não houver água domiciliária» (544). Nos inícios de 1970 a Junta debate-se com um novo problema, pois as ruas até então limpas convertem-se de novo em fonte de problemas higiénicos pois não aparecem concorrentes à sua limpeza e asseio.

3.3. A Melhoria das Infraestruturas rodoviárias em larga escala: estradas, ruas e caminhos Durante este pequeno período da longa história da freguesia as obras, diversificadas e dispersas pelo território da freguesia, demonstram um esforço gigantesco de nada nem ninguém ficar para trás. A freguesia é, finalmente, compreendida como um todo. Em Maio de 1968 iniciam-se as obras de acesso ao Rio d’Além e a vedação do Rego das Várzeas. Em Julho avança o arranjo do Caminho de Entre Vinhas até então intransitável e, em Agosto, o presidente informa os seus pares de que recebera um pedido para a abertura da estrada do Cezém ao Matadouro (antiga estrada dos Marcos da Pedrulha). Em Fevereiro de 1969 principiou uma das mais importantes obras ao nível rodoviário: os dois novos caminhos ou estradas para o cemitério. Em primeiro lugar resolveu-se o problema de acesso ao cemitério pela Redonda, partindo do Vale Velho, substituindo as péssimas condições do caminho, onde uma curva apertada criava grandes dificuldades. Neste melhoramento a Junta manifestará «…o seu reconhecimento pela atitude assumida por António da Silva Matos, da Redonda, que, muito compreensivelmente, cedeu o terreno para a nova estrada, sem outra recompensa além do caminho agora abandonado que com a sua propriedade confina, o qual fica a pertencer-lhe» (545). Resolvida esta situação, as preocupações centraram-se no acesso ao cemitério a partir de Eiras, com uma nova estrada que, pelo Lapedo, ligasse ao Tojal e entroncasse na que se abrira da Redonda ao Cemitério. De facto o acesso antigo pela Ladeira do Lapedo (546) classificava-se nos finais da década de 60 como «… íngreme e de mau piso como é, não permite acesso de viaturas, e a pé, como se vem fazendo desde que o cemitério foi construído, há muito próximo de um século, constitui difícil e violenta caminhada». A estrada era, acima de tudo, esperança ou «… o tempo de acabar com a esfalfante maneira de conduzir os cadáveres ao cemitério, a A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 15v. Id. Fl. 53v. 546 O topónimo Lapedo evoluiu muito recentemente para Lapedro, sem que se perceba muito bem com que fundamento.

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braços, poisando amiudadas vezes, revezando-se os homens, substituindo os que mais não podem» (547). Atenta aos benefícios que traria a Eiras, a autarquia local justifica o empenho na nova estrada «…pela facilidade de acesso, pela paisagem que vai oferecer e pelas facilidades, tão reclamadas, de implantação de novas moradias, a contribuir para a expansão de Eiras, que tanto preocupa a Junta» (548). A 3 de Maio, a Junta reúne para apreciar os resultados do encontro havido entre os seus elementos e os proprietários dos terrenos onde passaria a futura estrada do Lapedo, onde se expuseram as vantagens da abertura da estrada: novo acesso ao cemitério, a expansão de Eiras com um arruamento em área óptima para construções e «…dotar a terra com um belíssimo passeio turístico, com encantador panorama no alto da mata do Escravote, onde tem planeado um miradoiro, e possível ligação com Coimbra, pela Redonda, Lordemão e Vale de Coselhas» (549). Argumentos que não convencem a totalidade dos proprietários presentes, sendo o acordo para a nova estrada tomado por maioria simples. Reservas compreensíveis dado que parte dos terrenos estavam ocupados com vinhedos e oliveiras, na época a base do sustento de muitas famílias. O cuidado com a abertura desta estrada demonstra bem o espírito de quem comanda. A Câmara dispõe-se a dar início às obras o mais rapidamente possível, mas a Junta optará pelo risco mínimo, adiando o momento para depois das vindimas «…atendendo a que a estrada vai atravessar vinhas». Nos primeiros meses deste ano arrancam também os estudos da nova estrada que ligará os Casais a Lordemão (Estrada Municipal 1144), para o que muito terá contribuído uma carta dos moradores da Redonda, solicitando a reparação da estrada que liga Lordemão a Eiras, e que deu entrada na Câmara nos inícios do ano. E nos finais do Verão a satisfação é grande pelo alcatroamento de algumas ruas junto à Igreja do Sacramento, de parte da Rua de Viseu e de toda a Rua do Cristo. O ponto da situação foi oportunamente relembrado pelo Tesoureiro: «Que nunca Eiras, que se lembre, teve as suas ruas em tão bom estado». Em Outubro de 69 mais um passo firme se dá, com o início dos trabalhos da obra de reparação da Estrada Municipal 537, entre a Estação Velha e a Carreira de Tiro, numa extensão de 1700 metros, pela quantia de 195.874$00 (550). Sem nada o fazer prever, a polémica estoirará na primeira reunião do executivo no novo ano. A 3 de Janeiro de 1970, Albuquerque Matos, para espanto dos seus pares, abandona o cargo de Presidente da Junta de Freguesia. Pelas suas declarações compreende-se que perdera a paciência com a Câmara Municipal de Coimbra, e, em especial, com a conclusão dos trabalhos na Estrada do Lapedo. De facto, pelos finais de Outubro, e vencida a resistência de alguns proprietários, a estrada estava quase rasgada. Mas, por motivos desconhecidos a máquina que ali andava operando foi retirada pela Câmara que não deu qualquer explicação: «Em fins de Outubro, foi-me pelo Senhor Presidente da Camara, pedida a maquina que nela trabalhava, com o prometimento de voltar dois ou tres dias depois. Em Novembro e Dezembro fiz assuidadas caminhadas para a Camara e para os   A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974 Fl. 55v. Id. Fl. 54. 549 Id. Fl. 61v. 550 A.H.M.C. –Livro de Escrituras Nº 75, 1969, Fls. 81-82

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Serviços Municipalizados a lembrar o prometido. Continua-se a prometer e a faltar e com este regimen não me conformo» (551). O feitio enérgico, activo e vertical do professor chocara frontalmente com outros interesses, não hesitando em abdicar da liderança da Freguesia, paradoxalmente, por amor a Eiras: «…não estou disposto a suportar mais logros, desconsiderações e consequentes aborrecimentos. Não posso com mais criticas depreciativas, censuras e queixas por promessas não cumpridas. Não devo, sem uma manifestação de protesto consentir que Eiras seja preterida e só atendida quando mais ninguém quer. Nunca trabalhei assim, não sei trabalhar e nem quero aprender» (552). O Secretário e Tesoureiro apressam-se a deitar água na fervura, declarando que a Junta ficaria parada até ao seu regresso. Em resposta o presidente mantém-se inalterável na posição respondendo «… que só voltaria quando a maquina voltasse para a estrada e se procedesse á remodelaçáo da rede eletrica de Eiras». Albuquerque Matos cumprirá a promessa. O regresso terá lugar nos inícios de Abril, três meses depois do estalar da polémica, só depois do Presidente da Câmara Municipal dar os passos necessários ao restabelecimento da anterior situação. A história ficou narrada, em primeira pessoa, na acta do dia 04: «…veio procurar-me a apresentar as suas desculpas e a convidar-me para uma reunião, com ele, na Câmara, a fim de acordar os melhoramentos que pretendia fossem levados a efeito. Tal reunião teve lugar no dia doze seguinte e o Presidente da Junta impôs, como condição para retomar o lugar, o regresso da máquina à estrada do Lapedo, até conclusão dela e reparação da estrada da Redonda, e remodelação da rede de iluminação pública de Eiras. Garantida a vinda da máquina, como se pretendia (…) A máquina (escavadora) esteve na estrada do Lapedo e da Redonda, que se reparou até ao Vale Velho, todo o tempo que foi necessário, uns quinze dias, e no dia vinte de Março, passado, inesperadamente veio aqui o Presidente da Câmara acompanhado do Engenheiro Director dos Serviços de Electricidade, dos Serviços Municipalizados, estudar a localização do posto de transformação» (553). Nos anos seguintes dar-se-á continuidade aos trabalhos centrados nas estradas, embora em várias alturas se detectem paragens nos trabalhos, para irritação da Junta e, em especial, do seu Presidente. Nos inícios de Novembro de 1970 principiam as obras na Estrada das Várzeas e caminho de Vale de Sapatinhas. E assim que estas estradas ficam concluídas, o Tesoureiro da Junta, Afonso Simões de Oliveira, redefine as prioridades de um executivo no último ano do seu primeiro mandato: «…ocupou-se da antiga Via Romana, relembrando a utilidade que, transformada em estrada, dela adviria para a nossa freguesia, encurtando o percurso entre Eiras e Coimbra, além da vastidão e óptima localização para construções habitacionais e industriais, utilidade que tem merecido à Junta entusiasmadas conjecturas. Tendo em atenção as dificuldades de aquisição de máquinas, e após a conclusão da estrada do Lapedo, Várzeas e caminho de Vale de Sapatinhas, será de encarar a abertura da Via Militar Romana» (554). Id. Fl. 83v. Id. Fl. 83v. 553 Id. Fls. 87-87v. 554 Id. Fl. 135v. 551 552

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3.4. Melhorias nos serviços públicos: transportes, rede telefónica e posto dos C.T.T. A nova Junta de Freguesia, e em especial o seu presidente, nunca se conformarão com o facto das carreiras dos Serviços Municipalizados terminarem o percurso pelo Bairro do Brinca e Pedrulha, sem fazerem o circuito por Eiras:

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Foto 76 – Camioneta das carreiras na Rua de Viseu, anos 60

«O assunto foi largamente debatido pela Junta de Freguesia e continuamos a não encontrar motivo plausível que impeça a extensão da carreira do Bairro do Brinca, por mais dois quilómetros, distância entre o Bairro de S. Miguel, onde os carros estacionam à espera do horário, e Eiras» (555).

Manuel de Albuquerque Matos - «De Eiras – Transportes Colectivos» In Diário de Coimbra, Nº 14.332, Sábado, 8 de Abril 1972.

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Para estes homens, a Freguesia de Eiras era já parte da Cidade de Coimbra. Por isso não fazia qualquer sentido manter o sistema de carreiras de camionetas de passageiros, com o povo de Eiras, especialmente o que estudava e trabalhava em Coimbra, a deslocar-se a pé na direcção de S. Miguel, local terminal do percurso dos autocarros dos Serviços Municipalizados. Um exemplo daquilo que pensavam e do modo como agiam a este respeito consta da resposta ao ofício enviado pelo Grémio dos Industriais de Automóveis, nos inícios de Dezembro de 1968, que oficiara para saber o que a Junta pensava sobre o projecto de uma nova carreira, ligando Mortágua a Eiras: «…em sua opinião, por a nossa estrada estar demasiadamente sobrecarregada com movimento de veículos (…) que a referida carreira não é de desejar, até por vir aumentar as dificuldades de trânsito dentro de Eiras, e o perigo que o mesmo trânsito lhe acarreta» (556). Em Janeiro de 1970, o presidente informa os seus colaboradores das acções que tem desenvolvido para que os Serviços Municipalizados estendam a carreira de Vale de S. Miguel até Eiras e que têm resultado infrutíferas. Paralelamente, mas intimamente relacionado com este assunto, a Câmara Municipal discute em Abril a elaboração de um Regulamento de Trânsito para Eiras e Casais. Nos inícios de Junho de 1970, a Junta de Freguesia registava o seu contentamento pela remodelação da rede telefónica de Eiras. A 4 de Julho do mesmo ano constata-se que o posto dos correios existente em Eiras «…, «…apenas com caixa suspensa na parede, venda de selos (quando os tem) e cabine telefónica, havia sido elevado a Posto dos C.T.T., com serviço de telegramas, registos, encomendas, etc., passando a ter distribuidor próprio, vindo a correspondência de Coimbra em mala fechada» (557). Mas esta novidade, recebida com agrado, motivou alguma apreensão: o posto continuaria a funcionar na taberna, com todos os inconvenientes daí resultantes. Albuquerque Matos, incansável como sempre, promove uma reunião com o Chefe da Estação dos CTT de Coimbra para estudar a forma de adquirir instalações para a futura estação em Eiras. O obstáculo a contornar era a prática de arrendamento de instalações a que, por norma, os correios recorriam para colocar os seus serviços em funcionamento, pelo que em alternativa sugerirá «…a construção delas pelos Correios, excepcionalmente, nas ruínas existentes na Rua das Almoinhas, pertencentes ao Senhor Engenheiro Castro Moniz», levando ao desaparecimento da lixeira que tanto envergonhava Eiras. Na mesma reunião, o presidente pede que, na futura estação de Eiras, sejam incluídas a Redonda, Lordemão e Adémia, povoações que dela não faziam parte apesar da proximidade geográfica. No entanto, o pedido para a construção da nova estação de correio em Eiras foi rejeitado em Novembro de 1970.

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A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 37. Id. Fl. 105v.

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3.5. O Murtal: lugar de especiais preocupações

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Em Dezembro de 1966, num artigo de jornal, Albuquerque Matos dedicava o seu espaço à situação difícil da povoação do Murtal: «…o minúsculo povoado escuro e triste, de ruas pedregosas e paredes musguentas (…) reclama – luz, água, estrada – (…) a única povoação da freguesia que não tem corrente eléctrica (…) que deixem de se abastecer das águas que, sujeitas a toda a espécie de infiltrações, tiram, mergulhando, dos poços, por ser insuficiente a fonte do Lagarás» (558). Durante este período o lugar do Murtal foi objecto de especiais preocupações, registando-se importantes melhoramentos, nunca antes alcançados, ao nível da luz, estradas e água. A 5 de Agosto de 1968, a Junta de Freguesia aprecia «…um abaixo assinado por proprietários da Quinta da Relva, Chaves e Pragueira onde pedem à Junta diligencias no sentido de que a zona de iluminação pública do Murtal se estenda aquelas localidades» (559). A representação é reencaminhada para a Câmara Municipal que sensível ao problema resolve a situação, pelos inícios de Outubro, para alegria de todos: «A rede eléctrica do Murtal está pronta e dentro em pouco ligada». Afirmação que terá de esperar pelos inícios do novo ano. A 04 de Janeiro de 1969, e para contentamento do povo, a luz eléctrica foi finalmente ligada no Murtal (560). Em Agosto de 1968 tiveram início os trabalhos de calcetamento das ruas do Murtal. Albuquerque Matos demonstra em sessão de Junta «…o seu contentamento pelo entusiasmo que reina na povoação motivado pela perspectiva dos melhoramentos que vai receber, tanto maiores por nunca ali ter sido recebido um benefício» (561). Mais adiante acrescenta; «… no Murtal não havia uma calçada; o acesso às povoações deve ser tal que permita, sem dificuldades de maior, a visita do médico, a chamada das ambulâncias, o auxílio dos bombeiros; a estrada para o Murtal tem barreiras caídas e covas no leito» (562). No entanto faltava ainda o principal, a água, adiando-se a resolução do problema para os anos seguintes. Apesar das reclamações dos seus moradores a verdade é que o abastecimento de água à população do Murtal fez-se, durante algum tempo, através de um carro-tanque que experimentava sérias dificuldades face a uma estrada em más condições.

3.6. A Valorização do património histórico da freguesia O professor Albuquerque Matos terá sido o maior estudioso da freguesia de Eiras. Homem de grande cultura, cedo se interessou pelo património da freguesia, investigando, organizando e divulgando tudo o que foi encontrando em arquivos e bibliotecas. Esse amor pelo património construído foi pilar da sua actuação neste

Manuel de Albuquerque Matos - «Dentro da Área da Cidade: Eiras – O Murtal» In Gazeta de Coimbra, 17 de Dezembro de 1966. 559 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 23v. 560 Id. Fl. 40v. 561 Id. Fl. 30v. 562 Id. Fl. 31. 558

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período onde aliou o peso como professor primário ao capital de confiança que gozava junto dos centros de decisão política. Neste contexto, não nos surpreenderá que uma das suas primeiras intervenções incida, justamente, sobre o património religioso e civil: «…lamentando o desinteresse ou ignorância que permitiu a perda dos melhores testemunhos da antiguidade da nossa terra. Mostra-se impressionado com a indiferença que se nota pelas fachadas dos prédios, muitas que raramente veêm cal e outras apresentam aparências de abandono» (563). Estamos apenas em meados de Abril de 68 mas já muito próximos dos Festejos do Espírito Santo. A ocasião propiciará uma grande ideia, talvez a melhor de todas a que tomou em prol da defesa do património local: «…uma campanha de limpeza e embelezamento das fachadas e beirados, estabelecendo prémios como meio de incentivo» (564). A Junta secundou, com entusiasmo, a proposta do seu presidente, mas os efeitos do concurso das fachadas alindadas não surtiu na plenitude o projectado. Mas a palavra desistir não constava do dicionário destes homens: «…não teria suscitado o resultado desejado no entanto disse, algumas fachadas foram limpas e caiadas, por motivo dele, e, por isso, que é de parecer que se promova tal concurso (…) e que se faça propaganda com a devida antecedência» (565). A procura de uma harmonização entre o homem e o património foi premissa fundamental deste período. A 3 de Maio de 1969, o executivo aprova nova proposta do presidente tendente à valorização patrimonial, a concretizar no decurso da segunda quinzena de Julho: «…propõe que a a Junta ofereça dois prémios, e que, na intenção de activar o bairrismo da população, tais prémios sejam constituidos por fotografias da Terra – uma a ampliação da vista de Eiras, parcial como não podia deixa de ser, mas tanto quanto possível completa, e a outra da Igreja do Sacramento, esperando que esta não desperte menos interesse, dada a devoção que Eiras tem pelo Divino Espirito Santo, que nesta igreja se venera» (566). Em 1969, o «Concurso das Fachadas Alindadas» teve, finalmente, a dimensão que a terra merecia, para o que terá contribuído uma melhor organização, divulgação e a experiência do ano anterior. O júri de classificação era constituído por importantes individualidades de Coimbra: Dra. Maria José Bacelar (Vereadora do Pelouro da Instrução e Cultura); Dr. José Pimenta (Chefe de Serviços da Comissão Municipal de Turismo) e Sr. Armando Carneiro da Silva (Director da Biblioteca Municipal). As condições de admissão ao concurso compreendiam regras precisas como a caiação de frontarias dos prédios, pintura de portas e janelas e reparação dos beirados. No decurso do mês de Outubro de 69 o júri reunirá em Eiras para estudar o assunto. A distribuição de prémios fez-se no Salão do “Grupo Recreativo Eirense”, sendo presidida pelo Dr. Viriato Rodrigues Namora (Vereador do Pelouro do Tu-

A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 10. Id. Fl. 13. 565 Id. Fls. 56v.-57 566 Id. Fls. 62v.-63. 563 564

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rismo). Segundo nos relata a acta do dia 02 de Novembro, aquele Vereador, perante uma sala completamente cheia, salientará «…o interesse e compostura que o povo manifestou na sessão (…) manifestou o seu agrado pelo que assistia, disse das vantagens de taes concursos, a levar a outras localidades, e felicitou a Junta pela feliz iniciativa. Entusiasmado com os resultados obtidos, o Senhor Dr. Namora vincou o desejo de haver aqui outro concurso no próximo ano, mas com mais amplitude, prometendo para êle a melhor colaboração do Turismo» (567). Parte da renovação (ou revolução?) empreendida por Albuquerque Matos alcançara sucesso nos inícios de 1970. Na reunião do dia 03 de Janeiro que ficará celebre por outras razões, afirmará que é preciso continuar com o concurso das fachadas mas também «…prosseguir com a plantação de árvores, procurar dar à terra um aspecto mais atraente, no que tem papel importantissimo a maneira como se apresentam as moradias e a verdura e as flôres que há já nas ruas e largos». A aposta do «Concurso das Fachadas Alindadas» foi largamente ganha nos anos seguintes. Ainda antes de ser lançado o concurso relativo ao ano de 1970 o presidente regozijava-se, em princípios de Junho, com o facto de «… mesmo sem prémio, há já muito quem renove a côr da frontaria da sua habitação, indo-se até mais além, pintando portas e janelas e reparando os beirados». Nos princípios de Agosto a «obra de embelezamento da nossa terra» estava quase concluída, com os vasos e alegretes já colocados na Rua da Oliveira e no Cristo e as taças afixadas no Largo Dr. Moura Relvas. E pelo final do ano, a valorização do património passava também pela plantação de árvores cuja importância foi realçada pelo presidente: «…manifestou o desejo de dotar a povoação com mais verdura, pois que, disse, as plantas embelezam e são salutares (…) foi de parecer que não só se plantem as que não pegaram (…) como também se plantem choupos na margem da vala, onde se não preveja inconveniente, tílias a ladear as estradas e árvores floríferas, de pequeno porte, a ladear a nova estrada do cemitério» (568). Os dias vão passando, os meses constituem-se em anos, mas a vontade de valorizar e embelezar Eiras e seu património era inquebrantável. O aproximar dos festejos do Espírito Santo, que eram sinónimo de vinda de gente de fora, acentuava esse desejo. Em 1971, as preocupações são a restauração do fontanário, e a pintura dos bancos e taças florais do largo Dr. Moura Relvas.

3.7. Nova sede para a Junta A questão foi levantada pelo Secretário da Junta, Manuel José Dourado, em Janeiro de 1968. Após o fogo que destruiu a sede, a Junta de Freguesia passou a reunir, provisoriamente, na casa de residência do professor, constituindo uma humilhação para o executivo e um incómodo ao presidente: «Propõe que à Câmara se faça ver a necessidade urgente de outras instalações e que não encontra explicação que justifique o não terem principiado ainda os tra-

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Id. Fl. 74. Id. Fl. 119v.

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balhos preliminares para a construção do edíficio próprio referido no nosso “Plano de Trabalhos”, do qual a Câmara Municipal tem conhecimento» (569). A Câmara Municipal parece inclinar-se para esta solução e o Vereador Francisco Cortez pedirá, na reunião do dia 30, ao Serviço de Obras que «… elaborasse um projecto-tipo para edificio-sede das juntas de freguesia e que o primeiro a ser construido fosse o de Eiras» (570). A Câmara, em articulação com a Junta, desdobra-se em dois sentidos: no mês seguinte apressa-se a dar poderes ao Presidente da Freguesia para indicar local para implantação do novo edifício, o qual declara que «…não foi possível encontrar, apesar das diligências que nesse sentido tem feito» (571); por outro lado, promove, desde os inícios do ano, a reparação do edifício que fora consumido pelo fogo, atribuindo subsídios vários incluindo mobiliário, instalação eléctrica e canalização. Em meados de Abril do mesmo ano a Junta reúne e passa a funcionar na sede provisória na Rua das Almoinhas, alugada para o efeito por 300$00 mensais, mas mal localizada «…uma rua transversal e sem saída, quase um beco». Além de promover a conveniente instalação eléctrica, compra-se mobiliário, utensílios e material de secretaria, pois da velha pouco sobrara. E com Albuquerque Matos tudo, mesmo as pequenas coisas como esta, tinham um objectivo claro:

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Fotos 77 e 78 – Duas Sedes do poder local em Eiras: à direita, a antiga Casa do Despacho; à esquerda o actual Edifício Sede da freguesia A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 4v. A.H.M.C. – Livro das Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 236, Fl. 7. 571 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974 Fl. 6v.

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«… sempre na intensão de que a sede da Junta não envergonhe, antes se imponha à consideração do público, pela sua apresentação» (572). Nos tempos próximos pensa-se em vários locais para a edificação da nova sede: primeiro, no sítio onde esteve a Azenha das Rodas e, mais tarde, numas casas na Lapa, pertencentes à família Vaz Serra. Mas só os anos noventa trarão importantes desenvolvimentos. Efectivamente, a 5 de Outubro de 1993, as novas instalações da Junta de Freguesia foram inauguradas pelo Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. Manuel Machado, pondo fim a um longo período, herdado da extinção concelhia, em que o poder local vinha funcionando nos mais variados sitios e em circunstâncias provisórias: desde a Sacristia da Igreja Matriz, passando pela Casa do Despacho (por cima da Capelinha do Senhor dos Passos, junto à Igreja do Sacramento), Escola Masculina, Cantina Escolar, Casa do Professor e, mais recentemente, na Rua das Almoinhas.

3.8. A Cidade a caminho de Eiras: transferência da Carreira de Tiro e a Variante Norte

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A existência da Carreira de Tiro, para treino militar, no território Sul da freguesia, na zona do Cezém, em parte da antiga quinta que pertenceu à família Pais da Silva, constituiu durante anos o grande obstáculo para que a Cidade de Coimbra pudesse avançar, especialmente com as suas urbanizações, em direcção à Freguesia de Eiras. Mas a Carreira de Tiro não era um obstáculo passivo. Da sua actividade havia resultado gravíssimos prejuízos para a Freguesia de Eiras e área envolvente. Eloquente é a representação conjunta dos habitantes de Eiras, Brasfemes e S. Paulo de Frades apresentada à Câmara Municipal de Coimbra nos inícios de Novembro de 1967: «Em 3 de Novembro de 1967, mais de duzentos habitantes desta Freguesia, da de Brasfemes e da de S. Paulo de Frades (…) expuseram à nossa Câmara Municipal no sentido de se promover o impedimento de projectadas obras de consolidação da Carreira de Tiro da Guarnição Militar de Coimbra, sita nesta Freguesia de Eiras; pedia--se que, antes, a referida Carreira fosse transferida para local onde não existisse a contingência dos prejuízos que aqui causa (…) projécteis que, frequentemente atravessam e caiem nesta localidade e imediações, do que resultaram já desastres pessoais, nomeadamente o sofrido em 19/02/1964, pela menor Isabel Maria Pereira dos Santos» (573). Uma das primeiras localizações alternativas apontadas foi o terreno baldio da Serra do Agrelo, mas o desacordo marcaria os tempos próximos. Por isso, nos inícios de Dezembro de 1969 o Presidente de Junta historiando todas as diligências até então feitas para se conseguir a desejada transferência reporta-se aos danos humanos provocados pela estrutura militar localizada quase no coração da freguesia: «…que tantos prejuizos tem causado a Eiras, não só materiais como na deformidade fisica de algumas pessoas. Com a Carreira de Tiro naquele local – Cezém – disse, nem os lavradores podem, livremente, cuidar das suas propriedades, nem

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Id. Fl. 8. A.H.M.C. – Livro das Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 236, Fls. 4-4v.

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as pessoas podem andar pelos campos sem risco de serem atingidas por projéctil, que razões várias desviem de sua trajectória calculada. (…) Inclusivamente dentro desta povoação tem caído projecteis» (574). O documento alude também a todos os esforços feitos para encontrar uma alternativa; «… já indicara seis terrenos que lhe pareceram satisfatórios e que todos mereceram a reprovação do Exército». Promete continuar a sua luta pois a Carreira de Tiro «…continua a ser um estorvo para Eiras e a impedir que Coimbra se estenda até à nossa Terra, tolhendo-lhe o seu progresso» (575). Nos inícios de 1969 promovem-se as primeiras diligências para a transferência desse obstáculo para outro local. E a localização será precisamente o grande problema que as autoridades têm de superar: para onde transferir essa infra-estrutura? Se a cidade tinha o desejo fundamentado em avançar para Norte, na direcção da freguesia de Eiras, não o poderia fazer sem vias de acesso apropriadas a essa expansão. Além disso era urgente a melhoria dos acessos ao Norte do país. Assim, a abertura da Variante Norte à estrada nacional Nº 1, seria a chave do problema, como hoje facilmente reconhecemos. Os primeiros estudos datam de 1968 e Eiras teve, neste processo, um importante aliado: os órgãos de informação local. Os jornais locais, incansáveis nesse apelo, agitaram durante anos o problema junto da opinião pública. Como resultado desse esforço, onde a Gazeta de Coimbra foi exemplo maior, a Variante Norte da Estrada Lisboa-Porto chegará aos ouvidos do Ministro das Obras Públicas, nos inícios de Janeiro de 1969: «…é uma obra que está a ser necessária quer para serviço de trânsito, que já se não compadece com as condições deficientes da actual via de saída para o Norte, quer para a melhoria de tudo quanto se liga com aquela zona industrial da cidade – circulação, redes de água e de saneamento (…) não falando já em tudo o mais que naturalmente poderá resultar por arrastamento: Nó de Coselhas, Circular Externa (de Coselhas), nova Ponte no Mondego ou Avenida Marginal, por exemplo» (576). Em Agosto de 1970, o executivo toma conhecimento da conclusão do estudo topográfico fazendo votos para que «… que a obra se conclua para libertar Eiras do trânsito que tão dificilmente suporta e permitir a circulação de carros pesados que aqui não podem passar». Em Junho de 1971, a Câmara Municipal aprova o projecto da Variante, numa altura em que outra Variante, aquela que desviasse o trânsito do centro de Eiras, era já uma necessidade, como relatava o correspondente do Diário de Coimbra: «Acentua-se o movimento de veículos, ligeiros e pesados, que Eiras suporta. De e para o concelho de Penacova, carros e carros de toda a espécie aqui passam com mercadorias abastecedoras dos estabelecimentos comerciais; é por aqui que se escoa a madeira que a serra de Agrelo manda para as fábricas da região e para o caminho-de-ferro; é a nossa estrada a preferida dos visitantes do histórico e turístico Lorvão.

A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974 Fl. 77v. Id. Fl. 78. 576 A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal, Nº 241, Fl. 63v.

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Com tal movimento e com uma rua apertada e tortuosa como a nossa, justifica--se a dificuldade em atravessar Eiras» (577). Nos inícios de 1970, com os trabalhos paralisados devido a uma máquina que a Câmara Municipal retirou sem aviso, Albuquerque Matos, Presidente da Junta de Freguesia de Eiras, decidiu abandonar o cargo que desempenhava. Afastou-se três meses, só regressando porque o Presidente da Câmara lhe veio pedir pessoalmente desculpas e a máquina regressou. Nos meses seguintes, como o demonstram as actas, por diversas vezes paralisaram as obras públicas na freguesia, sem que se compreendam as razões. Algum tempo depois, na primeira reunião de 1972, e já com o mandato renovado para continuar, Albuquerque Matos anuncia a sua escusa da presidência da Junta. As razões da decisão são reveladas em reunião extraordinária do executivo, a 2 de Janeiro de 1972: «Para muito do planeado e desejado, não obtiveram êxito as diligências efectuadas, porque pela nossa freguesia não há de quem lhe pode valer, o interesse de que a reputamos merecedora, ou porque não sou eu a pessoa indicada para conseguir para Eiras o que justamente se lhe deve – corrente eléctrica e iluminação pública satisfatórias, água domiciliária, autocarros dos Serviços Municipalizados, um bairro de casas de renda económica e o mais do que as actas das reuniões que tivemos e a correspondência arquivada dão testemunho das nossas intervenções (…) É ainda por amor a Eiras que deixo a Junta na certeza de que, quem me suceder lhe dará o que não dei» (578). De novo e por amor a Eiras, Albuquerque Matos abandona a Junta de Freguesia. Desta vez definitivamente.

4. A Freguesia de Eiras no pós-Albuquerque Matos: de 1972 a 25 de Abril de 1974 os inícios de 1972, Albuquerque Matos abandona a presidência da Junta, sucedendo-lhe Fernando Ferreira da Costa. E, até à Revolução de Abril, algumas novidades levam a transformações na freguesia, sendo de destacar o princípio dos trabalhos para abastecimento de água e ligação ao saneamento público. No entanto, no que toca a estradas e caminhos a situação será de estagnação. Abril de 1972 traz uma novidade: entram em funcionamento as carreiras entre Brasfemes e Coimbra, por São Paulo de Frades, melhorando a situação das populações da zona. No entanto a Junta mantém o desejo de ser servida por carreiras directas dos Serviços Municipalizados. Algumas práticas, como fazer do recinto da fonte lavadouro público, levam a solicitar do Comandante da G.N.R as mais enérgicas providências. O Ribeiro de Eiras vai sendo desobstruído com as diligências da Hidráulica e os bens da Junta de Freguesia são objecto de seguro. A iluminação tornou-se prioridade na gestão do Concelho de Coimbra no quadriénio 1972-1975, ditada pela redução de acidentes nos arruamentos iluminados. Na apresentação do Plano de Electrificação Rural, em Janeiro de 1972, dizia-se que a área concelhia encontrava-se quase na totalidade electrificada, estando apenas

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Manuel de Albuquerque Matos - «O trânsito em Eiras» In Diário de Coimbra, 18 Setembro 1968. A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 161v.

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pendentes, na Direcção Geral dos Serviços Eléctricos, 9 processos de comparticipação, entre os quais o da Freguesia de Eiras. Em meados de Março define-se a remodelação da rede eléctrica rural nos locais de Eiras, Logo de Deus, Lordemão, Vilarinho e Pedrulha. O cano de água que abastece Eiras continua a dar que falar. Nos inícios de Julho, o povo reclama da falta de água levando a Junta a averiguações no local. Além do muro mostrar uma vez mais carecer de urgente reparação, o cano estava obstruído, perdendo-se por esse motivo bastante água. A urgência do caso foi resolvida com prontidão: o presidente cede o seu motor de rega limpando a passagem de água. O presidente decide então reunir com o Director dos Serviços Municipalizados tentando resolver o problema da água e saneamento, levando a garantia de que «…Eiras seria com toda a certeza dotada ainda este ano com o referido melhoramento» (579). A promessa não era fantasia, como se verá pela intervenção, a 21 de Janeiro, do Presidente da Câmara Municipal: «…conforme o solicitado com certa insistencia pela Junta de Freguesia (…) os Serviços Municipalizados vão abrir concurso no próximo mês de Fevereiro para o abastecimento de águas à freguesia de Eiras; no fornecimento prevê-se um encargo de 1.000 contos, contando com o arranjo duma rede de esgotos, que se julga indispensável. Dadas as urgentes necessidades da Freguesia, a rede de águas será alimentada da conducta da Adémia, cuja pressão não será suficiente para o abastecimento da sua parte alta, que aguardará a construção dos novos depósitos» (580). Nos inícios de Julho de 1973 toma-se conhecimento «…de terem chegado a esta localidade algumas centenas de manilhas de grés, que são destinadas às obras de saneamento de Eiras, que em breve terão o seu inicio». Um pouco mais tarde avança-se para as obras de abertura de valas onde serão colocados os canos condutores da água que virá abastecer esta localidade, pela estrada da Ribeira, trabalho feito atè á entrada de Eiras (…) Tomou igualmente conhecimento de ter sido iniciado o trabalho de abertura de valas para o saneamento» (581). Especialmente atentos a esta transformação estarão alguns habitantes de Eiras. Em abaixo assinado datado dos princípios de Dezembro e «… subscrito por a maioria ou quási todos os moradores da Rua do Santo Cristo, que se dirigem ao Excelentíssimo Presidente da Câmara Municipal, solicitando que aquela rua seja dotada, por lhes parecer possível, com o saneamento cujas obras nesta data decorrem nesta localidade» (582). Tal como em Eiras, também no Murtal se sentiam os perigos do abastecimento de água a partir de fontanários. Em Abril de 1973 dá entrada na Junta de Freguesia uma queixa dos seus habitantes dando conta que «…têm aparecido ultimamente, e com certa frequência, bichos que podem tornar-se perigosos para a sáude daquela população». Por fim uma palavra para a inauguração, nos finais de Setembro de 1972, do Posto Médico das Caixas de Previdência, num dia grande para a freguesia que contou, entre outras individualidades, com a presença do Secretário de Estado da Assistência.

Id. Fl. 174. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 249, Fl. 98. 581 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 190v. 582 Id. Fl. 195.

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C – Da Industrialização à Urbanização dos espaços rurais da Freguesia de Eiras: 1926-1974 «A rápida expansão urbana que, nestes últimos anos, se operou nas cidades, promoveu um aumento excessivo de habitantes, a cujas necessidades a sua estruturação administrativa não responde favoravelmente. As habitações foram ocupando os espaços livres das Freguesias, afastando-se dos núcleos centrais e formando verdadeiros centros de habitação, com vida independente da sede. Este fenómeno deu-se com frequência nas freguesias mistas, com parte urbana e grandes espaços rurais». Intervenção do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Júlio de Araújo Vieira, na sessão de 11 de Fevereiro de 1972.

1. A Cidade cresce na direcção de Eiras: as primeiras urbanizações o capítulo da Demografia, observámos como a freguesia, durante a segunda metade do século XX, cresceu espantosamente em termos demográficos. Este desenvolvimento reflectia em muito uma nova realidade: a procura de zonas de habitação dentro dos limites territoriais da freguesia, tanto por naturais como por parte de pessoas exteriores, uma vez que ela possuía áreas muito apetecíveis e aptas à construção. A Cidade de Coimbra começava então o seu lento crescimento na direcção Norte, e a primeira freguesia a sentir esse novo impacto foi precisamente a Freguesia de Eiras. A Câmara Municipal de Coimbra assumirá esse desejo, através de planos de urbanização, que dinamizava, controlava e fiscalizava. A Junta de Freguesia foi neste capítulo importante aliado da cidade, até porque era parte muito interessada. Da comunhão de interesses nasceriam novas zonas residenciais, com bairros e moradias a surgirem em áreas outrora de intensa exploração agrícola. A partir de então a freguesia mudou o seu fácies de modo profundo. Até chegar aquilo que é hoje: a terceira freguesia mais populosa do Concelho de Coimbra e uma das de maior concentração urbana.

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Foto 79 – Fábrica de Azulejos e Porcelanas Lufapo. Aspecto da fachada principal, anos 60 do século passado

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2. A criação da Zona Industrial do Loreto-Pedrulha partir da década de quarenta do século findo, a parte Sul da Freguesia de Eiras conheceu profundas alterações na fisionomia, com a cidade a avançar para Norte, assente na implantação de unidades industriais. Mas, durante muito tempo, entre os Fornos e a Estação Velha, a única construção do lado de cá da Estrada do Porto e do lado de lá era «…a barraca da “Graúda” a srª Adelaide, de tábuas enegrecidas, desalinhadas e mal aprumadas, ali à Ponte dos Asnos, hoje mais conhecida por Ponte de Eiras, salvo a casa da guarda, na passagem de nível, lá aos Fornos» (583). O primeiro sinal de mudança ocorre no ano de 1926. Pela primeira vez, uma sociedade de carácter industrial resolve construir nesta zona a sua Unidade Fabril, junto à Estação de Caminho de Ferro. Trata-se da “Cerâmica Lusitânea” que se ocupava do fabrico do tijolo e, que mais tarde, passou a ser designada por “Lufapo” quando deixou de fabricar aquele material passando a dedicar-se ao fabrico de azulejos e porcelanas, destinadas a montagens eléctricas, fainças, louça doméstica, decorativa e sanitária (584). O Loreto, que até então era apenas um subúrbio da cidade, inicia um processo irreversível perdendo a pouco e pouco o seu carácter rural. Um conjunto de factores, ou razões, estiveram na base da escolha da área e, posteriormente, do progresso industrial da zona Loreto-Pedrulha: - A atracção pelo Caminho-de-ferro foi a causa remota. Não por acaso a primeira unidade industrial, Fábrica Cerâmica Lusitânea, implantou-se junto da via férrea tendo sido, inclusivamente, servida por um ramal, solicitado ao município em 1929. - A existência de uma Estrada Nacional permitia um bom escoamento de produtos através da camionagem, especialmente desde a abertura da Avenida Fernão de Magalhães, do Arnado à Rua Figueira da Foz, começada em 1939. - A aprovação pelo Ministério das Obras Públicas do Plano Camarário de Remodelação da Zona da Baixa, que impedia a existência de fábricas no centro da cidade. Este plano, da autoria do arquitecto De Groer, veio ao encontro do que anteriormente era defendido no Anteprojecto de Urbanização de Coimbra (1948), que afirmava a necessidade da criação de zonas industriais a Norte da cidade, uma vez que era notória a tendência de extensão industrial nessa direcção. A revisão deste plano por Antão de Almeida Garrett, em 1953-1955, reforçou a necessidade na transferência do pólo industrial da Cidade de Coimbra para Coselhas, Estação Velha e Loreto. - A criação por parte da Câmara Municipal de Coimbra da Zona Industrial Loreto-Pedrulha que se destinava à Indústria ligeira (prevendo-se a instalação da pesada para a zona da Bencanta); - Os bons preços dos terrenos.

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Manuel Albuquerque Matos - «Dentro da Área da Cidade: Eiras – A Casa Amarela e a Casa do Polícia», In Gazeta de Coimbra, 29 de Agosto de 1964. 584 Lucília de Jesus Caetano – Zona Industrial Loreto-Pedrulha da Cidade de Coimbra, Coimbra, 1968, P. 8. 583

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Apesar da conjugação positiva destes factores, a área não era perfeita. Tinha contra si dois grandes argumentos, que poderiam ter levado à repulsa: questões de insalubridade motivadas por charcos e pela Montureira Municipal; e os rumos de vento predominante, cuja frequência de Noroeste empurrava os fumos para a cidade. Contudo, a boa localização da cintura industrial, no pólo Norte da cidade, foi sendo comprovada pelo aumento do número das indústrias e da produção das mesmas nos anos seguintes. As indústrias que se instalaram nesta zona integram-se na designação geral de “Indústria Ligeira”. Descreveremos em seguida as existentes em 1968 (585): - Indústria de Cerâmica e Cantaria: Estaco, Lufapo, António Firmino Baptista & Irmão. - Indústria Metalúrgica (transformação final de diversos tipos de metais): Fonseca & Seabra Lda., Fundição Alves Coimbra; Abel Machado & C.ª Lda., Fundição Gomes Porto, Luso-Mecânica de Coimbra Lda., Fundição José Domingos & Baptista & C.ª Lda. - Indústria da Fiação de algodão, malhas e confecções de malhas: Malhas Flama, Malhas Redinha, Nelitex, Fiaco. - Indústria Alimentar: Fábrica da Cerveja; Triunfo, Matadouro Municipal, Esaco. - Outras: Sindex (escovas de aço), Litografia Coimbra.

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3. Transformações operadas pela nova zona industrial – Eiras dentro da Cidade B” 3.1. Uma nova urbanização do espaço: a construção de bairros sociais, o aumento da população, o incremento de habitações área do Loreto-Pedrulha, aos poucos, foi perdendo as suas características: primeiro o seu carácter rural, depois o industrial, tomando uma feição mista onde o urbanismo era de feição marcadamente industrial. A paisagem alterara-se significativamente e o crescente progresso industrial levara a um desenvolvimento residencial da zona. E este era potenciado por um conjunto de factores: melhoria acentuada nos transportes colectivos, baixo preço dos terrenos, razoáveis vias de comunicação. Desta conjugação, resultaria o incremento da construção colectiva, levando ao aparecimento dos Bairros Económicos do Loreto, Relvinha, Funcionários da P.S.P. Movimento que os particulares também acompanharam. A planta mostra o surto verificado na região, tanto a nível da construção civil como industrial, entre 1940 e 1968 (ver mapa 4). Os Bairros Sociais de Coimbra adquiriram, com as Obras da Cidade Universitária, um novo impulso. O Bairro Social do Loreto, obra conjunta da Junta de Província da Beira Litoral e da Câmara Municipal, entre 1935 e 1941, teve, na realidade, uma

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Id. Pp. 93-98.

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Foto 80 – O Bairro do Loreto nos seus princípios

grande importância: «…foi o segundo a ser construído em Coimbra e marca o verdadeiro arranque deste tipo de empreendimento na Cidade» (586). De facto, nos vinte anos seguintes surgem pela iniciativa camarária ou concertada com a Comissão encarregue das obras da Cidade Universitária, diversos bairros localizados em zonas que definiriam o posterior crescimento urbano. Assim, e entre 1942 e 1950 a Câmara Municipal adquirirá 433.000 m2 de terreno para urbanizar e ampliar a área da cidade, com 45% destinados a bairros sociais, iniciando-se assim novas construções: Bairro da Conchada, Celas, Cumeada, Marechal Carmona entre a Estrada da Beira e a Lomba da Arregaça. As novas urbanizações sociais em torno do Loreto conduziram, mais tarde, à necessidade de apoio escolar para a camada jovem da população. Uma das primeiras iniciativas, singular até, partiu da Companhia das Fabricas Cerâmica Luzitânia, que deu um exemplo de boa organização escolar. Em Fevereiro de 1938 requeria que lhe fosse atestado como «… no sítio do Loreto, desta freguesia e concelho, ministra o ensino primário aos alunos constituidos por crianças de ambos os sexos da família dos seus operários, com aulas diurnas e inteira gratuitidade, fornecendo-lhes batas e material escolar necessário» (587).

Nuno Rosmaninho - «Coimbra no Estado Novo» In Evolução do Espaço Físico de Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra, 2006, P. 84 587   A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5, 1916-1943, Fl. 173v. 586

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308 Foto 81 – A primeira casa construída no Bairro do Loreto e azulejo comemorativo de dez anos como morador

Por estes anos construiu-se a Escola Primária do Loreto, actual Escola Nº 11 de Coimbra, de EB do 1º Ciclo do Loreto, pertencente ao Agrupamento de Escolas da Pedrulha. Esse primitivo edifício é hoje conhecido por Bloco A e compreende um só piso, com duas salas de aula, halls e instalações sanitárias. O outro edifício, Bloco B, foi construção dos anos 70, formado por duas salas de aula e dois pequenos telheiros à entrada de cada uma delas. A escola situa-se numa zona periférica do Bairro do Loreto, num meio sócio-económico carente. A área pedagógica abrange quatro bairros da Cidade de Coimbra - Bairro do Brinca, Bairro da Relvinha, Bairro e Urbanização do Loreto – e algumas zonas rurais dos arredores. A população escolar é constituída por crianças de idades compreendidas entre os 6 e os 11 anos, entre os quais se incluem alguns alunos que residem no Centro de Acolhimento do Loreto, provenientes de famílias de risco ou de fraco rendimento económico. Através de um acordo com a Caritas Diocesana os alunos podem frequentar um ATL, num anexo de madeira pré-fabricado, contíguo à escola. No ano lectivo de 1998/1999 fizeram-se obras de recuperação que, no entanto, deixaram muito por resolver. Como o bairro se mostrava carente ao nível das infra-estruturas desportivas, construiu-se junto à escola um moderno polidesportivo que foi inaugurado a 9 de Abril de 2006.

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Foto 82 – Casa da Criança Joana de Avelar, anos 40 do século XX

Na História do Bairro do Loreto, a abertura da Casa da Criança D. Joana de Avelar, inaugurada a 14 de Julho de 1940, foi momento assinalável na freguesia. Por ofício de Bissaya-Barreto, na qualidade de Presidente da Junta de Província da Beira Litoral, analisado em sessão de Junta de Freguesia do dia 03 de Agosto de 1941, solicitava-se a comunicação «…aos habitantes desta freguesia, que em breve abre a «Casa da Criança D. Joana de Avelar, situada no Lorêto, desta freguesia, onde podem ser recebidas, durante as horas de trabalho dos Pais, as crianças desde 0 anos até 7, do Bairro do Lorêto, Casal do Ferrão, Estação Velha, Estrada de Eiras, Rua do Padrão, Arco Pintado, Ingote. Cosêlhas e imediações, e comunicar as condições da inscrição das mesmas» (588). A Junta de Freguesia, que de modo particular se debatia com sérios problemas ao nível da escolaridade, pede à Junta de Província que também autorize a inscrição das crianças das povoações da restante freguesia: Eiras, Casais, Murtal, Redonda e arredores. Em 1969 e junto da Casa da Criança foi criado o Instituto de Cegos, outra obra da iniciativa do Professor Bissaya-Barreto, que tinha as valências de Educação Especial e Lar de Apoio. Este Instituto, que chegou a ter a designação de Centro Dr. Oliveira Salazar até 1974, dependia da Fundação Bissaya-Barreto e tinha acordo de cooperação. Até 1992 o Instituto de Cegos foi sobretudo uma Escola de Educação, cuja história podemos sintetizar do seguinte modo (589): - em 1979: A Fundação Bissaya-Barreto denuncia o acordo de cooperação e entrega o Instituto ao Governador Civil, como Presidente da Assembleia Distrital, Id. Fl. 226v. Texto elaborada a partir dos dados gentilmente cedidos pela Direcção do Centro de Acolhimento do Loreto.

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Fotos 83, 84 e 85 – Três importantes estruturas sociais do Bairro do Loreto: em cima, o Centro de Acolhimento, ao centro, a Escola Primária e em baixo, o Polidesportivo

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celebrando-se novo acordo com o Centro de Educação Especial do Porto, que assumiu a gestão técnico-administrativa; - em 1984: O Instituto de Cegos é integrado orgânica e funcionalmente no Centro Regional de Segurança Social de Coimbra; - em 1987: Instala-se provisoriamente no Instituto de Cegos, o Lar para Crianças e Jovens do Preventório de Penacova da Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra - em 1992: Realizou-se uma experiência de integração das crianças do Lar do Preventório e das crianças do Lar de Apoio do Instituto de Cegos. Os resultados foram positivos e passou a existir um Sector Residencial com estas duas valências. No ano seguinte abriu a valência de Jardim-de-infância (extinto em Julho de 2006). Importante momento ocorreu em 1995. Através de um acordo atípico com a Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra foi criado o Centro de Acolhimento. Em 1998, com base no “Estudo de Análise do Instituto de Cegos”, o estabelecimento foi reestruturado: as valências de Educação Especial extinguiram-se pela integração progressiva dos utentes deficientes visuais e multideficientes em serviços e instituições da sua área de residência; manteve-se a valência de Centro de Acolhimento, Lar para Crianças e Jardim-de-infância; extinguiu-se o Lar de Apoio; criou-se a Unidade de Emergência com capacidade para 5 camas. Em Julho de 1999 a designação do estabelecimento foi alterada de Instituto de Cegos para Centro de Acolhimento do Loreto. No ano 2000/2001, iniciou o funcionamento da valência de A.T.L., a qual surgiu da necessidade em apoiar as Crianças e Jovens do Sector Residencial e também os casos sociais da comunidade. Também no ano 2000 nasceu a Creche que terminou a sua actividade em 2005. Actualmente o Centro desenvolve três valências: Centro Acolhimento Temporário, Emergência Infanto-Juvenil de acolhimento e A.T.L. Tem 24 utentes internos e 31 utentes de A.T.L. (sendo 11 utentes internos e os restantes da comunidade). O quadro de funcionários perfaz o número de 27 (25 da Obra de Promoção Social e 2 da Segurança Social). O Bairro do Loreto seria objecto de especial atenção nas décadas de 50 e 60, construindo-se e/ou reconstruindo-se muitos arruamentos, com destaque para os trabalhos de urbanização de 1959. O surto urbano e demográfico da zona foi notável ao longo das décadas: entre 1911 e 1940 o lugar do Loreto cresce a um ritmo galopante: em 29 anos passa de 28 fogos e 117 habitantes para 115 fogos e 396 habitantes, triplicando os números (590). Este movimento ascensional foi também acompanhado pelo aumento do número de pedidos de licenças de construção de imóveis, fossem elas habitações ou novas industrias, em especial a partir de 1955. De facto, na década de 30 pediram-se 19 licenças no Loreto e 2 na Relvinha; na década de 40 para o primeiro 6 e para a segunda 4; nos anos cinquenta os números aumentaram imenso, muito por força dos trabalhos de Urbanização do Bairro Social do Loreto, com 74 pedidos de licenciamento no Loreto (sendo 60 em 1957) e 59

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Lucília de Jesus Caetano – Zona Industrial Loreto-Pedrulha da Cidade de Coimbra, Coimbra, 1968, P.15

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na Relvinha; e na década de 60 e até 1965 tinham sido requeridas 7 licenças para o Loreto e 26 para a Relvinha. No total de todos os anos em análise, e no somatório conjunto do Loreto e Relvinha até ao ano de 1965 fizeram-se 197 pedidos – 106 na área do Loreto e 91 na Relvinha. Por volta de 1968 o número total de operários da zona industrial rondaria os 3000 englobando mão-de-obra feminina e masculina, sendo a primeira aproximadamente 1/5 do total (591). A distribuição pelas indústrias acusava grandes diferenças entre si: na cerâmica 930 trabalhadores (Lufapo e Estaco); na metalurgia 733; na alimentar 377 (Fábrica Triunfo); na têxtil 152; na fiação 150; mecânica de automóveis 137; no abate de gado e aves 127; e os restantes dispersos por outras industrias ligeiras: litografia, transportes, construção civil, cerveja e armazéns de sucata. Estes números demonstram a pujança da zona, que aos poucos se foi integrando na área da cidade. No Censo de 1960 os lugares do Loreto, Estação Velha e Relvinha aparecem já englobados no Centro Urbano de Coimbra, o que demonstra, desde logo, o avanço contínuo da cidade para Norte, movimento que se manteve até aos nossos dias. A população daqueles lugares cifrava-se em 3292 indivíduos! O Bairro da Relvinha começa a ganhar forma na década de 50 do século XX, a partir do momento em que a Montureira muda de localização. A 1 de Outubro de 1954, a Câmara Municipal adjudica «…a empreitada de edificações provisórias no sitio da Relvinha, freguesia de Eiras, para alojamento de moradores dos prédio a demolir na Rua do Padrão, agrupadas e construídas no terreno onde tem estado instalada a “Montureira Municipal”» (592). A obra de construção das casas desmontáveis é adjudicada à Carpintaria Mecânica do Arnado, pela importância de 383.000$00, prevendo a construção dos seguintes grupos de casas desmontáveis: dois do tipo A; cinco do tipo B; e sete do tipo C. A Relvinha, aos poucos, foi-se urbanizando e o dia 07 de Outubro de 1957 marca o arranque do Bairro do Brinca. Nesse dia, a Câmara Municipal, representada pelo Presidente Moura Relvas e a Sra. D. Adélia Esteves da Cruz Brinca, viúva de Eduardo Esteves Simões, proprietária, residente em Coimbra, celebram uma escritura de compromisso. Por este acordo a Câmara autorizava «…a segunda outorgante a iniciar os trabalhos de construção de um Bairro no seu prédio da Relvinha ou Barroca da Oitava, situado entre a E.N. número um e a E. M. de Eiras, de harmonia com a planta que juntou ao seu requerimento; (…) aprovou o projecto de um grupo de duas casas gemeas, a construir em dois lotes do seu dito terreno, devendo, porém, a requerente proceder á necessária urbanização de harmonia com as normas a estabelecer pelo Serviço de Obras da Câmara» (593). De acordo com o então definido, bastaram 4 anos para que as construções fossem concluídas. Daqui em diante sucederam-se as aprovações de projectos de loteamento na zona da Relvinha, alguns deles Casas de Renda Económica; nos finais de 1966 deu-se princípio à construção do bairro para moradias de agentes da PSP, a partir de um terreno com 3.000 m2 oferecido por um benemérito para esse fim; a 30 de Novembro de 1971 a Câmara dava conta de estarem a ser distribuídas as 17 moradias pré-

Id. P. 102. A.H.M.C. - Livro de Escrituras, Nº 54, 1953-1954, Fls. 75v.-75v. 593 A. H.M.C. – Livro de Escrituras, Nº 57, 1957-1958, Fl. 55. 591 592

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fabricadas instaladas junto do bloco residencial da P.S.P, «…com o intuito de dar-se solução a alguns casos difíceis»; e, em 1973, devido às más condições dos prédios em que viviam 28 famílias no Bairro da Relvinha, decide-se procurar outro local, próximo daquele para implantação de novo bairro. Mapa 4 – A Zona Industrial Loreto-Pedrulha em 1940 e 1968

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Mapas adaptados de Lucília de Jesus Caetano – Zona Industrial Loreto-Pedrulha da Cidade de Coimbra, 1968

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Intimamente relacionado com a Relvinha, mas também com o Bairro de S. Miguel está a Creche e Jardim-de-infância de S. Miguel. (594). A Creche e Jardim-de-infância S. Miguel (C.J.I.S.M.) é uma das valências do Centro de Assistência Paroquial de Santa Cruz, instituição de assistência particular com estatutos publicados no Diário do Governo, III Série, de 05 de Agosto de 1968. Está inserido na urbanização do Bairro de S. Miguel. A origem desta importante instituição da freguesia remonta a 1966 e está directamente relacionado com um trabalho social desenvolvido no Bairro do Brinca. Trabalho que foi motivado por dois acontecimentos: 1. A transferência da Creche S. José. Pertencia ao Centro Social Familiar das Franciscanas Missionárias de Maria e funcionou, durante anos, na Rua Eça de Queirós. No entanto, a diminuta frequência e o facto do pároco de Santa Cruz estar preocupado com a situação económica, social e religiosa das famílias dos Bairros da Relvinha, Brinca, Estrada de Eiras e S. Miguel, culminou num acordo entre a Paróquia de Santa Cruz e as Franciscanas Missionárias de Maria. A creche S. José foi transferida para o Bairro do Brinca, onde passou a funcionar desde Abril de 1966, no Bloco Nº 4, R/C Dto, repartindo-se os encargos por diversas instituições: Conferências de S. Vicente de Paula (renda da casa), Caritas (géneros alimentares e mobiliário) Instituto Maternal e Instituto de Serviço Social (subsídios para a alimentação). A creche recebia, na altura, 20 crianças de vários pontos das áreas periféricas da Cidade de Coimbra. 2. A doação de um terreno para a construção de um Centro Social da Paróquia de Santa Cruz (595). A 19 de Abril de 1967, o casal Luís Fernandes dos Santos e Irene Castro Filipe dos Santos, residentes em Coimbra, doaram o terreno sito no Bairro de S. Miguel à Fábrica da Igreja Paroquial de Santa Cruz, tendo em vista a construção de uma Igreja e Centro Social. Esta oferta foi o impulso decisivo para o lançamento de um trabalho social com toda a população dos bairros. O projecto de trabalho foi aceite por S. Exª o Sr. Arcebispo, oferecendo o Instituto de Serviço Social o apoio técnico, disponibilizando uma assistente social. Formaram-se então duas equipas de trabalho: - Uma Comissão Orientadora composta pelo Sr. Arcebispo, pelo Bispo Coadjutor (Padre João Evangelista), a Directora do Instituto de Serviço Social, o Pároco de Santa Cruz e uma Assistente Social do Instituto de Serviço Social. - Uma Comissão de trabalhadoras sociais coordenada por uma assistente social, da qual faziam parte uma estagiária do Curso de Serviço Social, uma auxiliar social e duas estagiárias da mesma área. Do trabalho destas equipas resultou o levantamento exaustivo dos Bairros Sociais, sendo o principal objectivo: “Ajudar as famílias a encontrarem-se com os membros de uma mesma comunidade, encarando juntos os seus problemas e juntos encontrar meios de os solucionar”.

Texto elaborado a partir do Historial gentilmente cedido pela Direcção do Centro de Assistência Paroquial de Santa Cruz. 595 Importa reter com especial atenção o facto de os limites administrativos da freguesia não serem coincidentes com os limites paroquiais. De facto uma área considerável da freguesia, em termos paroquiais, pertence à Paróquia de Santa Cruz. 594

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As assistentes sociais propuseram-se a continuar o trabalho com comissões compostas por elementos do meio. E, entre os seus vários objectivos, havia o de despertar o interesse das entidades públicas e particulares e dos habitantes do bairro pela rápida construção do Centro Social. Constituiu-se, naturalmente, uma Comissão para a construção do Centro Social S. Miguel, que se reuniu pela primeira vez a 8 de Março de 1967. Momento muito importante ocorreu a 25 de Março de 1971, com a inauguração pelo Pároco de Santa Cruz, da Creche e Jardim-de-infância de S. Miguel. Ao longo dos tempos o espaço sofreu remodelações profundas: - Em 1975: passou a haver 2 pisos, o rés-do-chão passou a dispor de recepção, salas para os 3, 4 e 5 anos, e WC; o 1º andar acomodou um salão para actividades e dormitório e salas para o berçário, 1º e 2 anos; a antiga sala de puericultoras passou a ser um escritório e o gabinete médico foi substituído pela Sala das Educadoras; e construiu-se o actual refeitório. Em 1990 é construído o muro envolvente do terreno. Em 1997 novas remodelações vêm enriquecer o espaço: construção de um salão polivalente e arranjos de jardins com parque infantil; no rés-do-chão criou-se a Secretaria; e uniu-se as salas dos 4 e 5 anos numa só, passando a sala dos 3 anos para o 1º andar onde anteriormente funcionara o salão polivalente. - Em 1999 instalou-se o aquecimento central. A 1 de Setembro de 1998, o Centro de Assistência Paroquial de Santa Cruz, celebrou Acordo de Cooperação com o Centro Regional de Segurança Social do Centro e a Direcção Regional de Educação do Centro. As actividades educativas e de apoio à família são exercidas na creche e jardim--de-infância com uma capacidade para 72 crianças. O quadro de pessoal compreende, entre outros, uma Secretária, uma Técnica Superior de Serviço Social, uma Directora Pedagógica. O movimento de expansão da Cidade de Coimbra para Norte tomou a designação de Cidade B, numa alusão directa com a estação ferroviária da cidade (Estação

Foto 86 – Creche e Jardim-de-infância de S. Miguel

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Velha). Cidade que se repartia ainda em Cidade A (núcleo antigo) e a Cidade C (margem esquerda). Em Eiras aguardava-se com expectativa o movimento de expansão urbana: «…as nossas aspirações vêem caminhar ao encontro da nossa antiga vila, Foto 87 – Urbanização de S. Miguel com airosas moradias, peitoris e sacadas floridas, quintais ajardinados, novas e variadas instalações industriais, ruas e avenida a cruzarem-se» (596). Alguns obstáculos tiveram de ser ultrapassados para que a Cidade expandisse na direcção de Eiras. Um deles foi sintetizado, numa expressão feliz, pelo então presidente da junta de freguesia de Eiras, em entrevista concedida à Gazeta de Coimbra no dia 10 de Maio de 1969: «Transferida a Carreira de Tiro, Coimbra corre para Eiras de braços abertos». Nas vésperas da revolução de Abril, a Freguesia de Eiras, devido à zona industrial do Loreto-Pedrulha, era uma das mais industrializadas do Concelho. No decurso de 1972 o parque industrial de Coimbra fora ampliado com 5 novas unidades industriais, que estavam em plena laboração nos inícios de 1973. A Miderâmica, por exemplo, estabelecera-se na Estrada de Eiras, com 70 postos de trabalho e produção absorvida pelos mercados externos e internos. Essa área tornara-se apetecível e esse seria o caminho a seguir. Paralelamente à implantação de novas indústrias foi-se sentindo a necessidade de mão-de-obra especializada. Em Outubro de 1966 decidiu-se criar um centro de Formação Profissional Acelerada na Pedrulha, na antiga Montureira, em terreno cedido pela Câmara Municipal. Mas demorará o seu tempo, a criação do actual Centro de Formação Profissional de Coimbra. O processo pode subdividir-se em duas fases: - A primeira remonta à criação do Centro de Coimbra, no 2º Semestre de 1973, integrando uma rede nacional de centros de formação estatais, recebendo Coimbra o Nº 6. Este período corresponde à centralização de todos os processos em Lisboa: programação, planeamento e fornecimento de materiais. Nesta Foto 88 – Urbanização de S. Miguel primeira fase da vida da

Manuel de Albuquerque Matos - «Dentro da Área da Cidade: Eiras – A cidade B (III)», In Gazeta de Coimbra, 21 de Janeiro de 1967.

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instituição, e contando com 19 funcionários, implantaram-se 4 secções: Fresagem, Dactilografia, Escriturários/Dactilógrafos e Carpintaria da Construção Civil e, no 2º Semestre de 1973, iniciaram-se 5 cursos que completaram 61 estagiários (4032 horas de formação). Mais tarde, implantaram-se mais duas secções; Electricidade (1977) e Serralharia Civil (1978). - A segunda fase, em que se operou a descentralização de funções, resultou da criação, em Junho de 1982, do Centro Coordenador da Região Centro e, mais tarde, em Fevereiro de 1987, da Delegação Regional. Desde então tomaram-se importantes decisões: aquisição da Quinta do Carmo (em 1982) que peimitiu o começo de acções de agricultura; o início do Curso de Serralharia Mecânica (1982), de Canalização (1984), de Soldadura (1986), de Electrónica (1988). Já nos anos 90 criaramse as Secções de Cabeleireiro, Esteticismo, Mecânica Automóvel, Pintura-Auto e Informática. Completa, no presente ano, 35 anos de existência. (597). Ao mesmo tempo e um pouco por toda a freguesia sentia-se a necessidade da construção de novas habitações para alojamento dos seus moradores. Entretanto, muitas pessoas de fora, procuravam moradias em Eiras, anunciando o futuro próximo que chegaria em tempos de liberdade.

3.2. Consequências do progresso: o abandono da Agricultura e alterações na população residente A Freguesia de Eiras assistiu, à semelhança do que foi ocorrendo no país, a profundas mudanças na ocupação profissional da sociedade local, entre o século XIX e os inícios do XXI. A sociedade que vinha do Antigo Regime havia passado por grandes dificuldades, como muito bem relatou Fabião Soares de Paredes em meados do século XVIII: «Estes meus freguezes vivem quaze todos do seu trabalho e são pobres a maior parte delles e como na Freguezia há muitos alem de pobres doentes, e intrevados, que padecem muitos e graves nesecidades mando todos os Domingos tirar pella Freguezia esmolas para os remidiar, do necessario sustento para a vida» (598). Na época, a sobrevivência passava por uma única saída: «Os moradores desta Villa vivem de suas fazendas, e muitos do seu trabalho, e recolhem todo o genero de frutos, especialmente azeites». Riqueza que não passou despercebida a Filipe IV, que por Provisão de 19 de Novembro de 1629, dispensou os Eirenses da plantação de árvores: «…não serem obrigados a plantar Arvores attendendo a que todo o seu limite estava muy povoado de olivais de nelle se cultivao trigos, cevadas, milhos, vinhos, frutos, e ortalices com abundancia de que se prove muita parte do anno a mesma Cidade de Coimbra» (599). Os Casais de Eiras seriam a excepção nesses tempos: «Os moradores deste lugar vivem quazi todos do ofisio de teçelão, e nelle se fabricão boas estamenhas, e

Dados retirados da brochura «Comemorações do 25 º Aniversário», Centro de Formação Profissional de Coimbra, 1998, 36 Pp. 598 A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 23v. 599 Id. Fls. 29-29v. 597

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outras teyas em que contratão; os mais são lavradores, e alguns vivem do seu trabalho, recolhem todo o género de frutos, especialmente vinhos e azeite» (600). E este dado merece-nos muita atenção pois reflecte a base de sustento de grande parte do povo dos Casais. Existe mesmo um alvará régio, de 10 de Abril de 1710, fazendo mercê a Manuel da Fonseca, fabricante de droguetes em Coimbra e ao seu sócio Gregório Pinto, confirmando o contrato para sociedade. No requerimento que o primeiro envia pedindo a confirmação régia da nova sociedade lêem-se os fundamentos que estiveram na sua origem: «porque pera aumento da mesma fabrica e conduzir melhores lans e fazer caza na villa de Eiras ou lugar dos Cazais junto á dita cidade nesecitava de mayor trato e ter hum socio que comcorrece com dinheiro e agencia pessoal» (601). Os documentos, longe de esconderem essa realidade, antes a confirmam. Na segunda metade do século XIX, tal como no passado, a agricultura é a base de sustento da sociedade; os homens vivem de e para ela. Uma breve análise às profissões dos pais aquando dos baptismos dos filhos, nos anos 1865, 1875 e 1885 não deixam margem para grandes dúvidas (602): - Nos 28 baptismos de 1865 apenas se registou a profissão do pai. Em termos de ocupação profissional os números repartiram-se da seguinte forma. 15 trabalhadores; 5 lavradores, 3 carpinteiros, 1 sapateiro, 1 marceneiro, 1 fazendeiro, 1 ourives e 1 pastor designado por “cabreiro”. - Em 1875 realizaram-se 25 baptismos e neles, excepto num caso, incluíram-se as ocupações quer dos pais quer das mães. Os pais distribuíam-se por: 15 jornaleiros, 2 lavradores, 2 pastores, 1 proprietário, 1 carpinteiro, 1 singeleiro, 1 trabalhador, e 1 empregado dos Caminhos-de-ferro. Quanto às mães o seu mundo é ainda a casa: todas dão como ocupação «empregada do governo doméstico», à excepção de um caso em que refere ser “leiteira”. - Em 1885, e analisando os 39 baptismos, a clássica separação entre a profissão dos pais e das mães não se concretiza sendo os registos reunidos sob designação familiar conjunta. Ainda assim é evidente a vivência de e para a terra: 29 jornaleiros, 5 proprietários, 2 sapateiros, 1 moleiro, 1 lavrador, 1 criada de servir. Esta dependência da agricultura, e em especial da horticultura fez nascer em Eiras uma tradição que ainda persiste. Chamam-lhe «pranta» e consiste na cultura de couves para plantar, vendidas posteriormente nos mercados regionais. A dependência da agricultura, com todo o trabalho e instabilidade a ela associada, levava muitas vezes a insuficiência de meios, com reflexos transversais na vida dos trabalhadores. Permanece bem viva a recordação desses tempos: almoços de trabalhadores rurais, constituídos por uma ou duas sardinhas, um casco de cebola e um naco de broa; para jantar, sopas de broa fervidas no caldo das couves. Nas roupas notavam-se mais os remendos do que os materiais originais de que as vestes eram feitas.

Id. Fl. 35. A.H.M.C. – Registo Tomo XLIII, Fl. 107. 602 A.U.C. – Dados extraídos dos Livros de Baptismos da Freguesia de Eiras de 1865, 1875 e 1885 que se encontram no Arquivo da Universidade de Coimbra. 600 601

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Mas, aos poucos, esta realidade económico-social mudará. E os primeiros sinais de mudança vêm da parte Sul da freguesia, no final da década de vinte, com a implantação da zona industrial do Loreto-Pedrulha, que provocou desde logo dois movimentos contrários: alguns rurais, que constituíam a população residente, começaram a procurar ocupação nas fábricas, sem abdicarem da sua ligação ao campo, ao mesmo tempo que uma outra população, vinda de fora e que se dedicava a actividades secundárias nas fábricas, decidiu ficar alugando ou construindo habitação, e tornando-se superior, numericamente, face à primitiva. As primeiras fábricas cedo começaram o processo de captação da mão-de-obra necessária: Lufapo, Estaco, Fundição Gomes Porto, entre outras. O reverso da medalha foi o definhamento da agricultura. As campanhas da azeitona foram sendo cada vez menos concorridas e, tirar azeitona dos olivais, tornou-se um ofício que rariava. Em finais de 1970, cerca de 236 anos depois de Fabião Soares de Paredes ter referido que os seus fregueses se dedicavam em especial ao azeite, outra figura da freguesia, Albuquerque Matos descreve um cenário nos antípodas daquele: «Todos fogem da lavoura, e com razão, porque a pobrezinha não tem possibilidades de acompanhar o que os outros ramos de actividade pagam. Entretanto, os terrenos ficam a monte, a cobrir-se de silvas e panasco. Essa vastidão de olivais, até à Estação Velha, que noutros tempos enchiam o celeiro, está inculta; há quanto tempo neles não entrou o ferro da charrua! As oliveiras, carecidas de amanho, estão a definhar, rareando os frutos que, noutros tempos, lastravam o chão e vinham às carradas. Por isso não há nem tem havido safras, do que as pragas e doenças também são culpadas» (603). A bucólica paisagem, aos poucos, foi-se alterando tornando-se memória do passado, as juntas de bois dos senhores Luís Ferreira da Silva (dos Casais), de Joaquim Maria de Almeida, Adrião Rodrigues, Joaquim Valença e Joaquim Carvalho (todos de Eiras). Eiras vive, actualmente, aquilo que se designa, em termos socioprofissionais, por terciarização dos espaços rurais periurbanos, apresentando uma grande diversidade de serviços. Esse processo, que teve notável expansão na década de setenta do século XX, partiu da rápida urbanização dos campos, alterando a sociedade rural, com modificação célere das condições económicas e sociais das populações. Consequentemente, aos serviços que, tradicionalmente, encontramos nos campos (educação, religiosos, administração local), novas actividades de comércio e serviços se implantaram pelos aglomerados urbanos da freguesia: serviços de reparação, prestadores de serviços pessoais e serviços de produção, de apoio às empresas (banca, seguros, serviços de contabilidade e gestão, de informática, ramo automóvel). Os dados retirados dos Recenseamentos de 1981 e 2001, no que toca à População Empregada da Freguesia de Eiras, são o grande testemunho das profundas mudanças sócio-profissionais verificadas nas últimas décadas: em 1981 para um total de 3329 pessoas em situação profissional activa, 65,6% ou 2185 indivíduos, Manuel de Albuquerque Matos – «Dentro da Área da Cidade: Eiras – Azeitona e azeite» In Gazeta de Coimbra, 19 de Dezembro de 1970.

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dedicavam-se a actividades do Sector dos Serviços, enquanto que 33,3% (1107 indivíduos) integravam-se no Sector Secundário, sendo residual a percentagem da população activa que então declarou pertencer ao Sector Primário; 1,1% ou 37 pessoas. Vinte anos volvidos, a tendência de Terciarização que se vinha desenhando intensificou-se, ao mesmo tempo que os outros sectores de actividade perderam peso, perante uma Cidade de Serviços que, efectivamente, se expandiu na direcção de Eiras: em 2001 para um total de 5996 pessoas empregadas - população activa - 81,2% (4870 indivíduos) integravam-se no Sector Terciário (Serviços), 18,4% no Sector Secundário (Indústria, Construção) e apenas 0,28%(17 pessoas!) se incluíam no Sector Primário (Agricultura, Silvicultura e Pesca). Paralelamente, algumas das profissões mais vulgares em Eiras no decurso do século XX, praticamente desapareceram. Onde estão hoje, perguntamos nós, os barbeiros, os sapateiros, alfaiates? Tendo desaparecido a prática de ofícios diversos há muito tempo conserva-se, vagamente, a memória dos homens e das actividade nos últimos 80 anos: - Alfaiates: Carlos Gil (Casais); Luciano Ferreira (Tojal), Manuel Bastos, João Grilo; Manuel Herculano (Largo das Flores), António Caniço (Tojal), Leonel (Terreiro da Fonte) e Amilcar Lucas. - Carpinteiros: Joaquim dos Santos, António Santos Jacome e José dos Santos Rodrigues (todos dos Casais); Clementino Soares de Campos, José Gomes Bastos, Joaquim Lopes Júnior, Américo dos Reis Guardado, Augusto Galhardo, José Breda, Olivério Forte e Marcelino Forte (todos de Eiras). - Marceneiros: Evangelino Santos e Silva (Casais); António Galhardo, Belmiro Tomaz, Francisco dos Santos e Arnaldo Tomaz (todos de Eiras). - Barbeiros: João Pataco, Joaquim Roxo, António Correia Roxo, Alberto Roxo e António Colaço (todos dos Casais); e António dos Santos Silva e Luis Pereira Forte (Eiras). - Sapateiros: Álvaro Lucas e António Pádua (Casais); Eduardo Lucas, António Lucas, António Costa, Adriano Carvalho, José Carvalho, Alberto Bastos (Eiras).

4. Os primórdios das novas urbanizações da freguesia: Monte Formoso e Ingote uma altura em que a Cidade de Coimbra avançava pela Freguesia de Eiras, em que a zona do Loreto-Pedrulha conhecia o auge em termos de implantação industrial e residencial, outras transformações ocorriam neste território. À cidade não bastava aquele espaço, já saturado de indústrias e de residências para trabalhadores. Definido entretanto o caminho a seguir – para Norte – a cidade lança-se em novas urbanizações. E o planalto do Ingote há muito constituía atracção. Assim, nos inícios de Abril de 1961, a Câmara Municipal aprovava o novo estudo apresentado pela empresa privada “Construções Ciferro” para uma urbanização no Planalto do Ingote, que se enquadrava dentro da “Urbanização parcial do Ingote” e que remontava a 1959 (604).

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A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 204, Fls. 99v.-100.

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A nova urbanização compreendia algo nunca visto em Coimbra: «…planificado para 315 famílias em edificações unifamiliares e multifamiliares, de prédios de dois a sete pisos, dispersos por uma área superior a 50.000 metros quadrados de terFoto 89 – Monte Formoso, anos 80 reno, incluindo as áreas de circulação e jardins públicos» (605). Acrescendo ainda área para escola, parques de estacionamento, arruamentos e integração do caminho principal (o antigo Caminho do Ingote). Teve o nome provisório de “Arco Pintado-Ingote” e o Diário de Coimbra apelidou-a de “cidade miniatura”. No entanto, por sugestão do gerente daquela empresa privada de construção deu-se o nome de Monte Formoso ao local (ver capítulo da Toponímia). A 5 de Junho de 1963, a Câmara Municipal, representada pelo Presidente Moura Relvas, e a Empresa de Construções Ciferro, Lda, representada pelo sócio-gerente Eugénio Dias, avançam para uma escritura de compromisso no seguimento da aprovação da planta definitiva e do projecto dos arruamentos: a empresa comprometia-se a concluir a urbanização nos terrenos que a mesma possuía na encosta do Ingote, Freguesia de Eiras (incluindo rede de água, rede de esgoto e rede eléctrica) no prazo de 10 anos, mediante condições (606). Em Julho de 1963, em sessão de Câmara, apreciou-se uma exposição dos seus moradores em que pediam que a Câ-

Foto 90 – Urbanizações Arco Pintado – Monte Formoso, vistas do Cemitério da Conchada

Mário Nunes – Ruas de Coimbra, 2º edição, Grupo de Arte e Arqueologia do Centro, Coimbra, 2003, P. 115. 606 A.H.M.C. – Livro de Escrituras Nº 67, 1963-1964, Fls. 20v.-28 605

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mara providenciasse no abastecimento de água. A resposta não deve ter agradado, mas pelo menos apontava o que viria a suceder: «A zona do Ingote está ainda por urbanizar (…) Esta razão parece-me bastante para que se não pense no estudo ao abastecimento geral de água antes que aquele outro tenha sido feito» (607). A Câmara procurará resolver este problema mandando proceder ao estudo do abastecimento de água e drenagem dos esgotos. Nos finais de Setembro de 1964 a Câmara Municipal faz um ponto da situação relativamente ao plano de urbanização parcial do Ingote: os trabalhos da empresa de construção “Ciferro” continuam; noutra zona do Ingote a Câmara adquirira terreno para nele ser construído um bairro pelas “Habitações Económicas do Ministério das Corporações”, que estava a ser estudado pelo Arquitecto Vasco Cunha; e

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Foto 91 – Bairro do Ingote

no Alto do Ingote a Câmara tomava conhecimento de movimentos de terra clandestinos que estavam a alterar a topografia (608). A urbanização que nasceu entre o Arco Pintado e o Ingote revolucionou a zona a vários níveis, tornando a voz dos moradores daquela área mais audível. Em satisfação dos seus pedidos alteou-se o caminho de acesso ao Ingote pelo Arco Pintado, que as cheias do Mondego alagavam, com a Empresa Ciferro a concorrer com 50% do custo, fornecendo a terra e pedra necessária. Próximo do Monte Formoso estava o Ingote, local que durante muitos anos funcionou como lixeira da cidade e que era conhecido, nos inícios do séc. XIX, como Montureira do Ingote. Nos inícios de 1966 avançou-se com novo estudo para a Urbanização da Zona do Ingote, concentrando-se a atenção nas “Habitações Económicas”, também designadas por “Bairro Operário do Ingote”. Em Agosto de 1966, este desejado bairro, já estudado, programado e lançado, paralisara por se terem levantado dúvidas, não só quanto ao abastecimento de água e energia, mas também sobre quais os lotes a destinar aos fogos que a Federação de Caixas de Previdência se propunha construir, tendo-se aprovado o conjunto de 147 fogos. A resposta chegará em Janeiro de 1967 e a Federação não aceita todos os lotes propostos para construção de habitações de renda económica pois alguns implicavam grandes encargos de construção e de projecto. Depois de se chegar a acordo e por proposta da vereadora Drª Maria José Bacelar, a Câmara decide oficiar à Direcção

607 608

A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 214. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 218, Fl. 22.

A Freguesia de Eiras num longo caminho: do Estado Novo corporativista aos alvores da Liberdade

Escolar do Distrito pedindo que seja incluída uma escola «…a construir em terreno camarário, no Ingote, na zona de urbanização já aprovada» (609). Em Novembro de 1971, o “Plano de Urbanização do Ingote” é aprovado numa altura em que as construções de habitações de renda económica continuavam a ser incentivadas pelo executivo municipal. Nos finais de Outubro de 1972, o executivo municipal aprovou a construção de mais 200 fogos a distribuir pela Quinta das Flores (64), Bairros do Ingote (88) e Relvinha (48). O Monte Formoso e o Ingote apresentavam, por esta altura, uma radical alteração na sua paisagem comparativamente à 1ª metade do século, com aglomerados populacionais muito relevantes. Nesse sentido é emitido parecer favorável à instalação de uma farmácia no Monte Formoso, com a concordância da Junta de Freguesia, em Setembro de 1972. E esta nova infraestrutura, ao abrigo da lei em vigor naquela época, não poderia construir-se pois pertencia à freguesia suburbana de Eiras, que já tinha uma farmácia e um número de habitantes inferior a 10.000. O requerimento apresentado pelo Dr. José Figueiredo Tavares a solicitar a abertura da farmácia, merecerá uma resposta histórica do município, com data de 24 de Novembro de 1972: «A Câmara entende que se justifica plenamente a instalação de uma farmácia no Monte Formoso, que é de facto um Bairro novo na Cidade de Coimbra. Efectivamente, trata-se de uma zona urbana da cidade de Coimbra, segundo a qualificação do respectivo Plano de Urbanização» (610). Estes bairros seguiram o caminho do progresso e da modernização: em 1971 constrói-se a subestação de electricidade na Relvinha, distribuem-se 17 moradias pré-fabricadas, instaladas junto do bloco residencial da P.S.P. para acudir a «casos difíceis; e, em 1973, dão-se os primeiros passos no sentido de promover-se a construção dos Reservatórios do Ingote e do Alto dos Cinco Reis, essencial para o abastecimento de água não só àquelas áreas, mas, em especial, à zona Industrial do Loreto e Eiras. Esta obra apenas se concluirá depois da Revolução de 25 de Abril, findas as expropriações amigáveis dos terrenos, cujas escrituras se lavraram em Setembro e Dezembro de 1974.

Foto 92 – Escola Primária do Ingote

609 610

A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 244, Fl. 94v. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 252, Fl. 65.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Fotos 93, 94 e 95 – Produção literária de Eiras, anos 70

Foto 96 – Eiras, nevão de 1983

FREGUESIA DE EIRAS: DE ABRIL DE 1974 AOS PRINCÍPIOS DO SÉCULO XXI

«O terreno objecto do presente pedido de licenciamento de loteamento apresenta, pela sua localização, dimensões e atendendo a proposta da sua ocupação urbana, caracteristicas que deverão ser devidamente ponderadas e apreciadas, de modo a preservar o adequado enquadramento urbano e paisagistico da povoação de Eiras, núcleo urbano que urge salvaguardar de ocupações atentórias do seu património urbanistico, arquitectonico e paisagistico, e que contribuam para a sua descaracterização» Informação emitida pela Divisão de Gestão Urbanistica Norte a 14 de Dezembro de 1987 a propósito do indeferimento de um pedido de loteamento no lugar de Eiras.

«O Bairro de Santa Apolónia constitui um exemplo de imprevisão dos acontecimentos, e por isso mesmo de ausência das providências necessárias para evitar a situação presente, em termos de garantir um minimo de condições para as pessoas que ali vivem» Mendes Silva, Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, em intervenção na sessão camarária de 30 de Dezembro de 1985.

Foto 97 - Perspectiva de Eiras vista da Ouressa FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

1. Como Eiras viveu a Revolução do 25 de Abril 1.1. A Junta de Freguesia depõe mandato e transmitem-se os poderes Revolução, que nos trouxe a liberdade, foi em Abril, mas os seus ecos ao nível da Junta de Freguesia, chegam alguns dias depois. A 2 de Maio de 1974, a Junta que vinha do regime anterior depõe o mandato, aparentemente de forma pacífica, aceitando o novo regime e enquadrando-se nos seus princípios:

A

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«-Considerando os recentes e históricos factos ocorridos no nosso País no dia vinte cinco do mês de Abril findo, em que um golpe de estado surgiu com pleno exito por parte das Forças Armadas, pondo fim ao regime de ditadura implantado em mil novecentos e vinte e seis em Portugal, tomando a chefia da Nação uma Junta Militar denominada “Junta de Salvação Nacional”; - Considerando que o movimento das Forças Armadas nasceu para salvar a Pátria de grave doença e restituir ao Povo as liberdades fundamentais de que há cerca de cinquenta anos vinha sendo privado, libertando-o da opressão e do medo, chamando-o a uma vida digna; - Considerando ainda esta Junta o facto de ter sido eleita no tempo do Regime agora deposto, sentem os seus Membros que sempre estiveram e estão, sem qualquer constetação, perfeitamente enquadrados em princípios de pura democracia, sem participação em qualquer facção política, deliberam: Primeiro – Registar nesta acta o seu veemente apoio e adesão à Junta de Salvação Nacional, louvando as Forças Armadas pelo extraordinário exito obtido; Segundo – Que é seu desejo colaborar o melhor possível dentro de um espirito democrático com as novas Entidades e dentro desse espírito reconhecem que o processo eleitoral que vinha sendo utilizado no anterior Regime não era o mais aconselhável, pelo que sente esta Junta a obrigação de depor o seu mandato; Terceiro – De conformidade com o número anterior foi marcado o dia de amanhã, três de Maio, para um contacto com a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Coimbra, com vista a depôr o seu mandato;

Quarto – Que, entretanto, se colocam à disposição das referidas Entidades continuando ao serviço desta Junta, para servir o povo, como até aqui o fizeram com toda a isenção, aceitando gostosamente, de cabeça bem erguida, as medidas de saneamento que se impoêm bem como as directrizes que venham a ser tomadas com vista à sua integral substituição num futuro próximo» (611). A transmissão de poderes entre o antigo e o velho regime ocorreu no dia 28 de Outubro de 1974, lavrando-se acta do respectivo auto: «Aos vinte e oito dias do mês de Outubro de mil novecentos e setenta e quatro, na sede desta Junta de Freguesia, reuniram pelas vinte e uma horas, os Membros da Comissão Administrativa desta Junta, nomeados pelo Diário de Governo Nº… que vão dirigir os destinos da Junta atè às próximas eleições, senhores António Manuel Faria Simões, Júlio da Costa e José Alcides Pereira, e os membros da Junta cessante, senhores Fernando Ferreira da Costa, Joaquim de Oliveira Pratas e José Pereira da Silva, respectivamente Presidente, Secretário e Tesoureiro, a fim de procederem à transmissão de poderes. Estiveram também presentes a esta cerimónia, por terem sido convidados, um delegado da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Coimbra, membros de todas as comissões de trabalho dos lugares desta freguesia e também membros das direcções dos Clubes Recreativos e desportivo da mesma freguesia de Eiras» (612).

1.2. As sessões de esclarecimento e a acção das Comissões de Moradores A 3 de Julho de 1974 criou-se o «Movimento Progressista da Freguesia Rural de Eiras», constituído pelas povoações de Eiras, Casais, Redonda, Vilarinho de Baixo, Murtal, Ribeira e Olivais. De acordo com o seu manifesto, datado de 3 de Julho de 1974, cada lugar elegia 3 elementos representativos, encarregues de estudar orientar e coordenar os problemas apresentados pelo povo, que deviam inscrever-se num 611 612

A.J.F.E. – Livro de Actas da Junta de Freguesia de Eiras, Nº 9, 1974-1977, Fls. 2-2v. Id. Fl. 6v.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

caderno único tendo em atenção o nível de prioridades: imediato, médio e longo prazo. A Comissão de cada lugar elegia, entre si, um elemento que faria parte da Assembleira Geral da Freguesia Rural, a qual solicitaria à Junta de Freguesia quais os trabalhos que esta tenha planeado e apresentado à Câmara Municipal e que não foram concretizados. Estas e outras normas foram aprovadas em diversas assembleias do povo. A Junta de Freguesia, paralelamente, promoveu a partir de Dezembro de 1974, sessões de esclarecimento nos vários lugares da freguesia, tornando-se um importante interlocutor e factor de estabilidade entre o povo e o novo poder: dava conhecimento à população das resoluções que a Junta havia tomado perante a Câmara Municipal, no que toca aos problemas mais prementes que lhe chegavam pelas Comissões de Moradores; por outro lado fazia chegar à Câmara as necessidades que iam sendo levantadas a nível local. A acção das comissões ou associações de moradores nos tempos que se seguiram à implantação da liberdade estão bem registadas. Através de subsídios concedidos pela Câmara Municipal promoveram obras e diversas actividades em prol da freguesia: por exemplo, em Novembro de 1975 a Comissão de Eiras e dos Casais juntou-se para fazer a limpeza das ruas: «…de enxada, pá e vassouras na mão deram inicio à limpeza das ruas, um trabalho que estava a ser necessário, pois as mesmas ofereciam um mau aspecto» (613).

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2. As primeiras eleições livres: Assembleia Constituinte, Assembleia da República, Presidência da República e Autárquicas primeiro acto eleitoral depois da Revolução foi a eleição livre para a Assembleia Constituinte: «Foram realizadas no dia 25 de Abril de 1975, as eleições para a Assembleia Constituinte. Este foi o acto mais importante realizado em Portugal no ano de 1975 até esta data, por se tratar de eleições livres, disputadas por vários partidos políticos. Estas eleições, que nesta freguesia se realizaram na Escola Primária, com 7 secções de voto, foram de modo a merecer uma nota altamente positiva, pela maneira ordeira como decorreram, demonstrando assim o civismo do povo de toda a Freguesia de Eiras, em que estavam envolvidos cerca de 4.000 votantes. Também contribuiu para o êxito desta memorável jornada, a boa organização que todo o pessoal, ligado à Comissão das Eleições desta Freguesia, a começar pela Comissão de Recenseamento e terminando nos elementos das secções de voto, imprimiram desde o início até ao fim de todo este trabalho.

O

Henrique Ferrão - «Eiras – A Comissão de Moradores faz a limpeza das ruas» In Diário de Coimbra, Quarta-feira, 12 de Novembro 1975.

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Freguesia de Eiras: de Abril de 1974 aos princípios do século XXI

Nesta freguesia, ganhou o Partido Socialista com grande vantagem sobre o segundo classificado, que foi o Partido Popular Democrático, classificando-se em terceiro lugar o Partido Comunista Português Os resultados finais na totalidade do País, a classificação foi idêntica» (614). Este inédito acto eleitoral provocou em Eiras um movimento de veículos e peões fora do normal: «Com ar prazenteiro, os eleitores dirigiram-se à Escola Primária, onde funcionaram as sete mesas eleitorais e, com uma compostura digna de registo, ocupavam o seu lugar na bicha que, às primeiras horas da madrugada, já se estendia por dezenas de metros. Em três e mais horas na fila, de pé, à espera de vez, não se deu pelo cansaço, nem o incómodo da permanência quebrou a boa disposição. Cá fora, estabeleciam-se comparações entre o passado e o presente, os poucos que para uma mesa bastavam e os tantos que para sete sobravam» (615). Um ano depois realizaram-se as eleições para a Assembleia da República com as 7 secções de voto novamente montadas na Escola Primária. Estavam inscritos 4230 eleitores tendo exercido o seu direito 3175. O Partido Socialista foi, de novo, a força política mais votada, com 1706 votos, seguida do PPD, PCP e CDS. Em Julho de 1976, Ramalho Eanes, tal como no restante país, ganhou as eleições para a Presidência da República. E o primeiro ciclo eleitoral livre na freguesia encerrará com as Eleições Autárquicas de 12 de Dezembro de 1976 «…que decorreu dentro do máximo civismo, tendo sido vencedor destas eleições nesta Freguesia, a lista apresentada pelo Partido Socialista» (616).

A.J.F.E. – Livro de Actas da Junta de Freguesia de Eiras, Nº 9, 1974-1977, Fl. 16v. Manuel de Albuquerque Matos - «Eiras: Reparos (III)» In Diário de Coimbra, Ano 45, Nº 15.383, Domingo, 27 de Abril de 1975. 616 A.J.F.E. – Livro de Actas da Junta de Freguesia de Eiras, Nº 9, 1974-1977, Fl. 45.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Segue-se a tabela com a lista dos vários executivos da Freguesia de Eiras de 1974 a 2009. Tabela 17 – Constituição do Executivo da Freguesia de Eiras, 1974-2009 (617) Mandato Presidente 1974-1976* António Manuel Faria Simões 1977-1980 Ulisses Tomás Henriques

Tesoureiro José Alcides Pereira

Sérgio Francisco Gomes Henrique Júlio Ferrão

Jaime Ferreira Jorge António Mário Gonçalves Fernandes Henrique Júlio Álvaro dos Santos Ferrão Lucas Carlos Marino David de Jesus Saldanha Borges Neves

1986-1990

Sérgio Francisco Gomes

João Manuel Lopes Pinheiro

1990-1993

Sérgio Francisco Gomes

Joaquim de Oliveira Júlio Pereira Forte Pratas

1994-1997

Sérgio Francisco Gomes

Fernando António da Costa Abel

Júlio Pereira Forte

1998-2001

Diamantino Carvalho

Manuel Inácio Murta da Costa

João Carlos Ferraz de Matos

1980-1983 1983-1986

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Secretário Júlio da Costa

David de Jesus Neves

Vogais

- António da Cruz Neves (1º Vogal) - Adelino António de Jesus Lopes (2º Vogal, substituído a 22/11/1984 por António da Conceição Miguel Gonçalves). - Artur Edgar Rebelo (1º Vogal) - Augusto Sá Campos (2º Vogal) - Marly dos Santos Antunes (1º Vogal) - João Simões da Costa (2º Vogal) - João Manuel Lopes dos Santos (1º Vogal) - António Valdemar Monteiro (2º Vogal) - Mário Andrade da Costa Murilho (1º Vogal, substituído por Valdemar Pereira dos Santos) - José Eduardo Freire de Carvalho (2º Vogal)

Tabela elaborada com base nos seguintes livros de actas do arquivo da Junta de Freguesia de Eiras: Livro de Actas Nº 9, 1974-1977; Nº 10, 1980-1982; Nº 11, 1983-1986; Pastas das actas de 1990, 1993, 1994-1998, 1998-2001 617

Freguesia de Eiras: de Abril de 1974 aos princípios do século XXI

Mandato 2002-2005

Presidente Secretário José Manuel Pereira João Carlos Ferraz Rodrigues Passeiro de Matos

Tesoureiro João Manuel Lopes dos Santos

2005-2009

José Manuel Pereira Ângelo Mendes Rodrigues Passeiro Dias

João Manuel Lopes dos Santos

Vogais - Diamantino Gomes (1º Vogal) - António José dos Santos Henriques (2º Vogal) - António José dos Santos Henriques (1º Vogal) - Alexandre Conceição Rodrigues Barros (2º Vogal)

* Comissão Administrativa

3. Melhoria das infraestruturas: a água, a luz, as estradas e a creche «Paraíso da Criança» ano já havia produzido grandes transformações político-sociais que ficariam gravados nos anais da História, mas dificilmente conseguem rivalizar com o dia 18 de Julho de 1974. Data histórica para a Freguesia, em especial para o lugar de Eiras, a água chegava finalmente às casas dos seus habitantes. Era realidade e não o sonho continuadamente adiado: «A Junta tomou conhecimento de terem sido colocados pelos Serviços Municipalizados de Coimbra, em dezoito de Julho findo, os primeiros contadores de água, acto que se regista com o maior agrado, ficando a marcar uma data histórica. Lamenta-se apenas que nem toda a população possa usufruir do benefício desta obra de tão grande alcance social, pois não é possível, para já, fazer chegar a água aos pontos mais altos da povoação, por falta de pressão. Está no entanto servida a maior parte da população e isso é motivo de regozijo para todos» (618). Nesta altura, os antigos membros da freguesia ainda estavam no exercício, esperando que a Comissão Administrativa tomasse posse, mas a alegria suplantava tudo o resto. Entusiasmados, deliberam que se solicitasse ao Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal a instalação de fontanários nos pontos vitais onde a água potável não chegasse. O pedido é prontamente aceite, começando ainda naquele mês, a funcionar dois fontanários públicos: um no “Açude” e outro no “Rego”. Assim, cedo se percebeu, que a água para todos era o sonho seguinte: as zonas dos lugares de Eiras (Cristo e Tojal) e dos Casais onde o líquido não chegava e o saneamento também não, ficaram dependentes das obras do reservatório do Alto dos Cinco Reis, situação que foi sendo resolvida com o abastecimento a partir de

O

618

A.J.F.E. – Livro de Actas da Junta de Freguesia de Eiras, Nº 9, 1974-1977, Fl. 4v.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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autotanques. Dentro do mesmo objectivo, em Novembro de 1977, adjudicou-se o saneamento da Estrada de Eiras, que principiará em Janeiro de 1978. A resolução do problema da electricidade, que passava pela remodelação de toda a rede eléctrica, foi colocado aos S.M.C. pela Comissão Administrativa da Junta, sendo a resposta promissora: «Quanto à parte da electrificação, foi-nos informado que a remodelação de toda a rede eléctrica da freguesia de Eiras, estava na agenda de trabalhos dos S.M.C. e que o seu custo seria de mil e dezassete escudos e que estava previsto, para ser executado na 1ª fase de trabalhos» (619). A remodelação fez-se, efectivamente, em duas fases: a primeira teve início em Outubro de 1977 no âmbito da empreitada de “Electrificação do Bostelim e remodelação das redes de Eiras e Torres do Mondego”; a segunda em 1978. A 13 de Março de 1975, reuniram-se na sede da Junta de Freguesia os membros do executivo, acompanhados do Vereador do Pelouro Rural, Aurélio dos Santos, e do Engenheiro Rebocho dos Serviços de Obras Rurais da Câmara Municipal. Depois de visitarem os lugares do Murtal, Redonda, Casais e Eiras acordam nos seguintes melhoramentos: pavimentação das ruas de Eiras, alargamento da Estrada à saída de Eiras, construção de um depósito em cimento no lugar da Redonda e canalização para dois fontanários dispersos pelo lugar; arranjo a curto prazo da Estrada que liga Eiras à Redonda; arranjo do depósito que alimenta a fonte do Escravote, nos Casais, para evitar a infiltração de bicharada; e o arranjo do fontanário do Murtal assim que viesse a ordem necessária. De todas as obras executadas a partir deste plano, o fontanário do Murtal merece um especial e justo destaque, uma vez que as obras seriam concluídas sem comparticipações da Junta ou da Câmara Municipal. Na realidade, foi o povo do lugar que a pagou directamente, suportando também parte das despesas com a abertura da Estrada a Santa Apolónia e alargamento do caminho público para Logo de Deus. Momento alto da longa história de abastecimento de água à freguesia foi a decisão tomada pela Junta de Freguesia a 28 de Fevereiro de 1983: «Fecho de todos os fontenários existentes na freguesia em virtude da população possuir já água ao domicilio» (620). Em 1975 dá-se continuidade às medidas de higienização do povo: colocam-se recipientes de lixo em Eiras para recolha de detritos, com os carros dos serviços de higiene a fazerem o serviço diário, medida muito aplaudida pela Junta de Freguesia; em Novembro, foi o Rio limpo pela 3ª vez em oitenta anos e, nos anos seguintes, fez-se a limpeza do Rio das Almoinhas até ao Murtal, e a Vala do Rego. A melhoria das estradas foi medida posta em prática, contando algumas vezes com o apoio das Comissões de Moradores e população em geral: alcatroamento da estrada que liga Vilarinho-Murtal à Estrada Ribeira-Adémia; ligação de Eiras com as povoações da Redonda e Lordemão; e, em Novembro de 1977, dizia-se que a Estrada de Eiras tinha já “nova cara”.

619 620

Id. Fls. 12v.-13. A.J.F.E.. – Livro das Actas da Junta de Freguesia de Eiras, Nº 10, 1983-1986, Fl. 3.

Freguesia de Eiras: de Abril de 1974 aos princípios do século XXI

Em Eiras a luta pelos melhoramentos não se circunscreveu às infra-estruturas básicas. Um dos processos mais interessantes foi o nascimento da Creche “Paraíso da Criança”. A 16 de Abril de 1975 a Junta de Freguesia de Eiras, lançava em acta um gesto de grande benemerência praticado pelo Dr. Augusto Vaz Serra: «Nesta data, foi doado verbalmente, à Junta de Freguesia e ao povo de Eiras, uma casa de habitação de rés do chão e 1º andar e o respectivo quintal, pelo Exmº Senhor Professor Dr. Vaz Serra» (621). No entanto, apenas a 4 de Maio de 1976 será feita, oficialmente, a escritura, depois dos irmãos Augusto Vaz Serra e Adriano Vaz Serra procederem a escritura de divisão de bens entre si. No mesmo acto declaram Foto 98 – Centro Cultural e Recreativo “O Paraíso da Criança” que parte do edifício se destina a instalações futuras da Junta de Freguesia. Estes actos foram, no entanto, simples protocolo. De facto, tudo se iniciara a 11 de Abril de 1975, quando o povo de Eiras reuniu no pátio da casa doada à Junta e ao povo de Eiras pelo Dr. Augusto Vaz Serra. A sessão, presidida pelo Presidente da Comissão Administrativa da Junta de Freguesia, estabeleceu como ordem de trabalhos: «1º - Esclarecimento sobre as ideias da comissão provisória e da Junta para o fim que a casa nos serve. 2º - Eleição de uma Comissão Coordenadora dos Trabalhos 3º - Alertar o povo para que nas visitas a efectuar pelas diversas comissões, lhes fosse concedido o máximo de apoio para o engrandecimento da obra» (622). Na discussão da ordem de trabalhos rapidamente se chegou a consenso no que toca ao primeiro ponto: «Quanto aos fins a que se destina a casa foi dada relevância á fundação de um infantário, e a par disto, a construção de condições para a edificação de sectores ligados à cultura, desportos e recreio, tendo ainda ficado assente que a sede da junta de freguesia e a regedoria passariam a funcionar nesta casa logo que isso fosse possível». Entretanto, e quanto ao segundo ponto, constituiu-se uma lista equilibrada de nomes, onde constavam: elementos pertencentes aos grupos existentes na freguesia, elementos representativos de todos os lugares da freguesia rural e elementos que mais colaboraram para a obtenção da casa. A Comissão Provisória ficou assim constituída: José Augusto Ferreira dos Santos, José Augusto F. Soares de Campos, Rogério Abrantes Baptista Pratas, Fernando da Silva Soares de Campos, Victor 621 622

A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº 9, 1974-1977, Fl. 15v. Livro de Actas do Centro Juvenil O Paraíso da Criança, 11 Abril 1975.

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Manuel F. Soares de Campos, Fernando Alberto Francisco dos Santos, Carlos José Gomes Pereira da Silva, Fernando Jorge dos Santos Lucas, Arménio Ferreira Vaz Loureiro, António Manuel Faria Simões, António Rodrigues Esteves, Álvaro dos Santos Lucas, Aníbal Inácio de Matos, Júlio da Costa, Fernando Lopes, Joaquim Neves dos Santos, António José Fachada Papizes, José Manuel Lopes, Luis Humberto Ferreira dos Santos e Alfredo Alves Pinheiro. Entretanto e ainda na mesma reunião regista-se uma nova onda de adesões, nomeadamente de mulheres dispostas a colaborar: Altina Cardoso, Ermelinda Maria de Oliveira Pratas, Judite Ferreira de Oliveira, Célia Dias de Oliveira Abrantes, Carolina dos Santos Antunes, Maria Francelina Albuquerque, Isabel Gomes Carvalho, Maria Clara Ferreira de Campos, Helena Albuquerque, Isabel Maria Duarte Ferrão, Esmeralda Pereira da Cunha, Maria Emília dos S. Soares e filhas, Maria Nazaré da Silva S. Campos, Maria da Paz dos Santos, Maria Adelaide F. Irene Campos, Amadeu Henriques Silva, Lúcio Antunes, Jorge Manuel Ferreira dos Santos (Nelo), José Rodrigues, Abel dos Santos Jácome, António Lopes Correia Marques, Jorge Fernando e Carlos Ferrão, Joaquim Campos F. Henriques, Luis Manuel Passeiro, Abílio Manuel Simões, João Carlos da Costa Gomes, Ermelinda Forte, Maria Helena Oliveira Santos, Joaquina Delfina Maria O. Santos, Isabel Maria P. da Conceição, Maria Augusta Figueiredo Gambôa, Urbana Cardoso, Aurora Simões Roxo, Belarmina Roxo, Belmira da Costa Gomes, Isabel Diniz Costa, Lurdes Costa, Fernanda Roxo, Rosa Diniz e Encarnação da Silva Jácome. A 13 de Abril a agora designada “Comissão das Obras” reúne e, entre outras decisões, atribui o nome à instituição, passando a designar-se, por sugestão do Senhor Esteves, “Centro Cultural e Recreativo – O Paraíso da Criança”. O sonho de uma Creche em Eiras era antigo, pelo que as duas Comissões, uma feminina e outra masculina, ficaram encarregues de dinamizar o processo, juntamente com uma Comissão Mista de Contactos. Promoveram-se em seguida um conjunto de iniciativas para sensibilização do povo e angariação de receitas; a 11 de Abril de 1976, no edifício doado realiza-se uma “Festa para Crianças”; a 11 de Maio uma tarde de desenho e pintura infantil aberta a crianças dos 3 aos 9 anos, que rendeu 117$50. Iniciativa que contou com o apoio da extinta “Fábrica Triunfo” que cedeu 6 caixas de bolos. Com arte e engenho conseguiram-se outras formas de angariação de fundos para a continuação das obras tais como; bailes, sessões de cinema e realização das fogueiras populares. Em Junho de 1976 a concertação entre as Comissões e a Junta era total: «Devido aos trabalhos a realizar na futura creche “Paraiso da Criança”, têm-se vindo a realizar reuniões conjuntas dos membros desta Junta com as Comissões feminina e masculina, dos trabalhos a realizar na Creche para se deliberar os pontos mais importantes, tanto no sector de obras, como no de angariação de fundos para o funcionamento futuro da referida Creche» (623). Em Julho já a Creche se encontrava em construção e, a então unificada “Comissão dos trabalhos da Creche”, organiza os festejos populares do ano. Os meses seguintes seriam de grande empenhamento na construção, com materiais vários

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A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº 9, 1974-1977, Fl. 18v.

Freguesia de Eiras: de Abril de 1974 aos princípios do século XXI

a serem fornecidos pela Comissão Administrativa da Junta de Freguesia ou pelo Secretariado das Juntas de Freguesia do Concelho de Coimbra. Com a obra inaugurada a 01 de Dezembro de 1976, a Comissão Administrativa da Freguesia resolve homenagear o esforço desenvolvido pela Comissão da Creche: «Deliberou esta Comissão Administrativa, registar aqui um voto de louvor, à Comissão gestora das obras da Creche de Eiras, pela grande obra de alcance social que conseguiram à custa do seu esforço e espírito de sacríficio, para benefício de toda a Freguesia. Pois só lamentamos que esta grandiosa obra, apenas tivesse a colaboração de tão poucos paroquianos, numa população de tão elevado número existente na Freguesia. Por este facto, esta Comissão Administrativa, redobra o seu apreço e admiração pelos elementos que compôem essa Comissão» (624). Fruto do desgaste do tempo e do elevado número de crianças, a Creche encontrava-se em 1990 em precárias condições e sem espaço para ampliação. Nos finais de Fevereiro de 1992 a Junta de Freguesia comunica a decisão de Albino Feitor de Lemos e esposa: «…estão na disposição de ceder, gratuitamente, uma parcela de terreno que possuem contígua às instalações do Centro Cultural Infantil “O Paraíso da Criança” e que esse Município vem procurando negociar desde 1988, para ampliação do recreio das crianças e estabelecimento de novo acesso à Rua do Rêgo» (625). A Junta solicita a aquisição, mas o processo demorará o seu tempo. De facto, apenas a 14 de Dezembro de 1996 se celebrará o designado “Protocolo de Cedência de Terreno entre a Junta de Freguesia de Eiras e o Centro Cultural e Infantil O Paraíso da Criança”. Presidia à Câmara Municipal o Dr. Manuel Machado e à Junta de Freguesia o Sr. Sérgio Francisco Gomes. O município cedia à Junta de Freguesia o terreno com 186m2, sito no Lugar de Quintal, Freguesia de Eiras e como se lê na Cláusula Terceira: «O terreno em causa destina-se exclusivamente ao alargamento do espaço verde e de recreio do Centro Cultural e Infantil “O Paraíso da Criança”, e à abertura de um novo acesso aquela Instituição, não podendo ser utilizado para outros fins» (626). Posteriormente e no seguimento do definido neste acordo, a Junta de Freguesia e o Centro Cultural celebraram um acordo autónomo pelo que, estando reunidas todas as condições avançou-se para a obra que culminaria a 20 de Junho de 1998, com a inauguração do Parque Infantil intitulado o Cantinho da Criança. O Centro Cultural e Infantil O Paraíso da Criança é hoje uma IPSS com suporte jurídico na Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra. É frequentada por 73 crianças distribuídas por 4 salas, sendo duas destinadas a creche e as outras duas a Jardim de Infância, cuidadas e vigiadas por 3 educadoras, 5 ajudantes de acção educativa, 2 empregadas de serviços gerais e 2 cozinheiras. Além destes espaços existem dois salões polivalentes destinados ao desenvolvimento motor das crianças.

624 625

Id. Fl. 43v.

A.J.F.E. - Actas de Janeiro 1990 a Jan. 1994 (Pasta).

A.J.F.E. – Protocolo de Cedência de Terreno entre a Junta de Freguesia de Eiras e o C.C.I “O Paraíso da Criança”, 14 de Dezembro de 1996.

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4. Dos anos 70 do século XX aos primórdios do Século XXI 4.1. A expansão urbana as últimas 3 décadas assistimos a uma expansão da área urbana da freguesia sem paralelo na sua História, dando continuidade aos precedentes abertos N com a criação da Zona Industrial do Loreto-Pedrulha e Urbanização do Planalto

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do Ingote. Momento particularmente importante e decisivo operou-se em 1980: a Carreira de Tiro, por despacho do General Chefe do Estado Maior do Exército, foi finalmente transferida para Condeixa, desaparecendo do território da Freguesia de Eiras o ultimo grande obstáculo ao seu desenvolvimento (627). Assim, em redor das primitivas zonas de desenvolvimento novas áreas surgiram, a maioria das quais constituídas por habitações. Hoje atente-se na comparação; se viermos da Estação Velha até Eiras fazemo-lo por uma estrada que é marginada por uma contínua mancha urbana. Longe estão os tempos em que entre Eiras e a Rua do Padrão só existia uma casa - a Casa do Polícia - que assim se denominava por ter pertencido a um agente da PSP. A expansão urbana generalizou-se e decorreu dos crónicos problemas habitacionais que durante décadas afligiram a população nacional. Em Eiras a necessidade de habitações fez-se notar a partir dos inícios da década de setenta e o ano 1970 pode mesmo definir-se como o momento em que o problema ganha maiores proporções. Estávamos no terceiro ano do mandato do Prof. Albuquerque, e a 02 de Maio de 1970, presidente e tesoureiro dão conta da situação: «…referiu-se à procura, por gente estranha à Terra, de moradias em Eiras e à falta que delas se verifica. O Senhor Presidente, corroborando o exposto pelo Senhor Tesoureiro lamentou que em algumas famílias que vivem em Eiras, se suponha haver promiscuidade, atendendo ao acanhado das habitações para famílias tão numerosas. Que, desde que ocupa este lugar, tem diligenciado junto do Senhor Presidente da Câmara no sentido de se obter um bairro de casas de renda económica. Que, deferido o pedido com o encargo de indicar terreno para a respectiva construção, a Junta indicou, sucessivamente, quatro, tendo todos merecido reprovação da parte da Câmara» (628). Para colmatar este grave problema habitacional, que não era exclusivo de Eiras mas sim de âmbito nacional, optou-se pela construção de bairros camarários no Ingote, de um bairro de iniciativa privada em Santa Apolónia e de novas urbanizações em torno da antiga zona industrial Loreto/Pedrulha. Paralelamente, novas áreas de urbanização se desenvolveram em redor dos povoados existentes. Vejamos uma síntese de cada um destes casos:

4.2. A Urbanização da Quinta de Santa Apolónia Em termos urbanísticos, logo a seguir à proclamação do novo regime, percebe-se que as sementes lançadas no passado irão frutificar. O exemplo maior foi o que aconteceu na Quinta da Ribeira, outrora pertença do Sr. Francisco Mendes da Silva. Esta foi a versão oficial para o fim da Carreira de Tiro na Freguesia de Eiras. Na realidade a Carreira de Tiro nunca chegou a transferir-se para Condeixa. 628 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 95v. 627

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Foto 99 – Bairro de Sta. Apolónia

Na década de 70 a Quinta de Santa Apolónia foi vendida a um empreiteiro do qual resultou o alvará Nº 1, da Câmara Municipal de Coimbra. O requerimento da firma Gomes & Almeida Lda., com sede em Vale de Cambra, foi presente para aprovação camarária a 29 de Junho de 1971 e intitulava-se «Urbanização da “Quinta de Santa Apolónia”, sita na Estrada de Eiras» (629). A 19 de Outubro do mesmo ano aprovou-se a urbanização da propriedade no valor estimado de 6.500.000$00. A concessão da licença de loteamento à firma e respectivo alvará foi passado a 18 de Agosto de 1972 para “Loteamento de um prédio situado no lugar da Quinta de Santa Apolónia”. A ideia inicial passava por construir uma urbanização de feição residencial com integração de uma considerável área industrial. Mas, em Maio de 1973, aprovou-se o aditamento solicitado pela firma, substituindo-se a zona industrial pela habitacional. Porém, entre Janeiro e Fevereiro de 1975, a empresa construtora suspende os trabalhos por impossibilidades financeiras. Um representante dos moradores e proprietários dos terrenos da Quinta de Santa Apolónia, o Sr. Américo da Costa Silva, intervém na sessão de câmara reservada aos munícipes para dar conhecimento do sucedido. O pânico apodera-se de alguns proprietários dos lotes de terrenos da nova urbanização e os pedidos de esclarecimento junto do executivo municipal sucedem-se.

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A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 248, Fl. 8.

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As razões para alarme são muito sérias: a empresa diz que já concluíra 70% das obras enquanto que a Câmara responde que nenhuma das fases está terminada. A 16 de Setembro de 1976 a Comissão Administrativa delibera, por unanimidade, considerar caducado o respectivo alvará (630). Nada mais poderia fazer a Câmara senão chamar a si a condução do processo, entrando na posse da urbanização para executar os respectivos trabalhos, levantando a caução para conclusão das obras. Com esse dinheiro e com os fundos que espera conseguir da venda dos lotes de terreno que a firma não conseguira vender, espera fazer face às despesas com os inesperados trabalhos. A situação define-se ainda melhor na reunião do município de 14 de Novembro de 1977, no tempo da Presidência da Dra. Maria Judite Pinto Mendes de Abreu. A partir daquela sessão o processo “quente” da Quinta de Santa Apolónia, resolve--se em 3 fases: a Câmara assume a responsabilidade de concluir todas as obras de urbanização ainda em falta (incluindo arruamentos, redes de água, saneamento e electricidade); a firma Gomes & Almeida transfere a propriedade dos lotes 46, 47, 50, 57, 65, 66, 67, 97, 107, 110, 140 e ainda a zona comercial para o município no valor total de 7.454.80$00 (escritura datada de 28 de Fevereiro de 1978); e a Câmara Municipal paga à firma Lourenço Borges, Lda. o crédito que esta tinha sobre Gomes & Almeida por obras feitas na urbanização a nível da electrificação (631). Uma nova fase tem início na vida conturbada da urbanização, com adjudicações de empreitadas de acabamento dos trabalhos, seguidas da venda de lotes de terreno em hasta púbica para continuar a primitiva urbanização. Daí em diante, pomares, vinhas e olivais foram destruídos, substituídos por loteamentos, novas edificações e ruas. A quinta tomava definitivamente o nome de Bairro de Santa Apolónia. Depois das primeiras vivendas iniciou-se a construção de vivendas de um só piso (tipo americano), que se dispuseram na encosta. Seguidamente, começaram os prédios de 3 andares e, mais tarde, 5 andares, que se espalharam pela encosta e zona baixa. O desenvolvimento habitacional, populacional e comercial deste núcleo urbano, justificou-se ao longo dos tempos devido a uma confluência de factores: o seu mercado imobiliário era competitivo, se comparado com outras zonas da cidade; boa acessibilidade ao nível da rede viária, tendo num raio de um quilómetro: acesso directo ao IC-2 (Coimbra-Mealhada-Porto); ao IP-3 (Viseu e Guarda); Estrada Nacional 111 (Figueira da Foz) e Auto-estrada para Lisboa, Porto e Figueira da Foz A 1,5 Km tem o apeadeiro da C.P. Adémia e a 3 Km a estação ferroviária Coimbra-B. O primeiro morador do Bairro de Santa Apolónia foi o Sr. Acúrsio Gomes Cunha que, depois de concluir a sua casa em 1974, viria a construir outras como empreiteiro. O segundo morador foi o Sr. Manuel Francisco Rodrigues (632). Apenas em

A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 265, Fl. 40. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 268, Fls. 92-93v.; Livro de Escrituras, Nº 87, Fls. 25v.-30v. 632 Filomena Soares – Santa Apolónia; Eiras; S. Paulo de Frades, Outubro 2004, P. 20. 630

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Setembro de 1980 se adjudicou a empreitada de “Conclusão da Electrificação da Urbanização da Quinta de Santa Apolónia”, orçada em 5.737.963$40 (633). A população inicial do bairro rondaria as 40 pessoas e a vida social fazia-se, nesses tempos, do seguinte modo: as crianças frequentavam a Escola Primária de Eiras, as missas realizavam-se em casas particulares ou garagens; por alturas do Carnaval organizavam-se bailes de máscaras, pelo S. João e S. Pedro fogueiras e arraiais; no S. Martinho, castanhas, geropiga e água pé. A grande expansão do bairro ocorreu nas décadas de 80 e 90, crescimento que decorreu quer da venda dos lotes de terreno da primeira urbanização em hasta pública, quer de outros entretanto aprovados. O Bairro de Santa Apolónia foi, durante muito tempo, considerado a Cidade Satélite de Coimbra. Aos poucos, às vivendas e apartamentos juntaram-se estabelecimentos comerciais, dando mais vida ao bairro e atraindo habitantes. Hoje o bairro terá, aproximadamente, 70 estabelecimentos comerciais e algumas infraestruturas, das quais destacamos: a Fábrica Dan Cake; um Centro de Distribuição Postal dos C.T.T., um Infantário “O Jardim da Rosa”, uma Casa de Repouso; um Ginásio, uma Clínica de Enfermagem e Reabilitação; uma Clínica Dentária; uma Escola de Condução, o Corpo Nacional de Escutas, a Igreja Católica, a Igreja do Nazareno e a Mesquita Muçulmana. Em termos comerciais merecem-nos especial atenção duas grandes superfícies praticamente coladas: o Modelo, localizado na zona conhecida por Ribeira de Eiras, abriu portas a 12 de Junho de 2000; e o Retail Park, inaugurado a 11 de Novembro de 2003, disponibiliza 14 lojas de média dimensão. Uma palavra especial merece-nos a Escola do 2º e 3º Ciclo de Ensino Básico Rainha Santa Isabel, localizada na zona da Ponte de Eiras, junto ao Bairro de Santa Apolónia. Esta escola esteve instalada, de forma provisória, entre 1975 a 1999, no local onde hoje está o Complexo de Piscinas Rui Abreu, na zona industrial da Pedrulha. A 28 de Setembro de 1999 transferiu-se para as instalações actuais (634). Ocupa uma área de 3 hectares, sendo constituída por 3 blocos principais (A,B,C), um refeitório, um pavilhão gimnodesportivo, uma oficina de manutenção, 2 campos de jogos exteriores e 2 balneários exteriores. Esta escola é a sede do Agrupamento de Escolas da Pedrulha, que é constituído não só pela escola-sede, mas também pelas seguintes escolas do 1º C.E.B. e Educação Pré-Escolar: EB 1 Botão, EB e Jardim de Infância de Larçã; EB 1 de Paço; EB 1 Póvoa do Loureiro; EB 1 e Jardim de Infância de Brasfemes; EB 1 e Jardim de Infância de Eiras; EB 1 e Jardim de Infância do Ingote; EB 1 do Loreto; EB 1 da Rocha Nova; EB 1 e Jardim de Infância da Pedrulha; EB 1 e Jardim de Infância de Santa Apolónia; EB 1 de São Paulo de Frades; EB 1 de Lordemão; EB 1 e Jardim de Infância de Souselas; EB 1 de Sargento Mor, EB 1 da Marmeleira; EB 1 e Jardim de Infância de Vilela; EB 1 e Jardim de Infância de Trouxemil; EB 1 da Adémia; EB 1 de Alcarraques; EB 1 da Cioga do Monte; EB 1 e Jardim de Infância de Vil de Matos.

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A.H.M.C. – Livro de Escrituras, Nº 90,1980, Fl. 88v. Vide Projecto Educativo do Agrupamento de Escolas da Pedrulha, Pp. 13-14 (acessível pela internet).

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O bairro está bem equipado ao nível das necessidades básicas: possui electricidade, água canalizada, rede de esgotos, saneamento básicos, contentores do lixo, ecopontos diversos e paragens de autocarro.

4.3. Novos bairros no Ingote e na Quinta da Rosa

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Nos inícios de Janeiro de 1974 novas habitações sociais se projectavam para o Ingote. A obra é declarada como urgente e a Câmara pretende construir 56 fogos no novo Bairro do Ingote no valor de 11.000 contos, com o financiamento do Fundo de Fomento da Habitação. No entanto, só depois da revolução de Abril, já em Fevereiro de 1976, se abriu concurso para elaboração dos estudos do “Plano de Urbanização do Ingote”, plano integrado para 1.100 fogos, aproveitando as infraestruturas do designado Bairro do Ingote, cujas casas estavam já em construção em 1974 e previa 152 casas. A Câmara disponibilizou 26 lotes, com 7 deles a serem vendidos em propriedade horizontal e os restantes 19 blocos «…representando 120 fogos foram submetidos a concurso público a que só tinham direito aqueles que viviam ou trabalhavam em Coimbra. Foram ocupados, em sistema de realojamento, 42 dos fogos por familias expropriadas em terrenos que serviram para a construção dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Lordemão, Cidral e Relvinha» (635). Em Outubro de 1977, sendo Presidente da Câmara Municipal a Dra. Maria Judite Pinto Mendes de Abreu, fez-se escritura de constituição de propriedade horizontal dos 7 blocos do Bairro do Ingote: «Que o Município de Coimbra que representa é dono e legítimo possuidor de sete prédios urbanos, denominados de “Blocos” e numerados de um a sete, sitos no Ingote (Bairro), freguesia de Eiras, deste concelho, com as áreas cobertas todos eles de cento e setenta e dois metros quadrados e trinta e seis decímetros quadrados» (636). Ainda neste ano, começou a venda da propriedade horizontal destes 7 blocos, no total de 116 fracções, destinados a funcionários e ao público em geral, cujo critério de distribuição se baseou no atendimento dos casos de maior carência. A electrificação do bairro arrancou em Junho de 1977 e o Saneamento em Fevereiro de 1978. O Plano Parcial do Ingote será reformulado pelo Plano Integrado do Ingote em 1982, enquanto que o Plano Parcial de Urbanização de 1971 foi revisto em 1985. A 15 de Julho foi aprovado o estudo de revisão onde se definiu uma área de 310 hectares. A zona delimitada foi classificada como «relativamente pouco ocupada» destacando-se o Bairro de Monte Formoso, o Bairro do Ingote, aglomerado de Coselhas, Bairro de S. Miguel, Bairro da Liberdade, e algumas construções ao longo da Rua do Padrão, da Estrada Municipal 537 e em Vale de Figueiras. O estudo apresentado tinha objectivos muito claros: «A zona do Ingote dada a sua localização próxima da cidade, apresenta boas perspectivas para o seu desenvolvimento urbano (…) Com o presente estudo preJ.V.Silva Pereira – «Processos de Periurbanização na expansão urbana de Coimbra. Os casos do Vale das Flores e do Ingote« In Cadernos de Geografia, Nº Especial, Actas do I Colóquio de Geografia de Coimbra, 1996, P. 196. 636 A.H.M.C. – Livro de Escrituras Nº 85, 1977, Fls. 36v.-37. 635

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Foto 100 – Bairro António Sérgio

tende-se criar bases urbanísticas que permitam o progressivo desenvolvimento da zona, prevendo-se que a população, no horizonte do Plano, ronde os 20.000 habitantes, projectando-se a estrutura de equipamento urbano e infraestruturas, necessária para servir cabalmente a população prevista» (637). A directriz foi acatada e, em Março de 1985, a Câmara Municipal aprova a intenção da Cooperativa de Habitação Económica dos Trabalhadores da Função Pública no sentido do ex-Fundo de Fomento à Habitação ceder à Cooperativa uma parcela de terreno necessária à implantação do seu empreendimento com a área de 17.210

Foto 101 – Urbanização Quinta da Rosa

metros onde desejava construir 192 fogos dispersos por 18 lotes e o restante para arruamentos, estacionamentos, recintos desportivos e zonas de lazer. O alvará será passado a 22 de Outubro de 1986 e, a 14 de Novembro de 1987, o novo espaço será inaugurado com o nome Bairro António Sérgio, composto por 144 fogos financiados pela dita Cooperativa, cabendo a construção e concepção à Turcopol (638).

A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 306, Fl. 77. J.V.Silva Pereira – «Processos de Periurbanização na expansão urbana de Coimbra. Os casos do Vale das Flores e do Ingote« In Cadernos de Geografia, Nº Especial, Actas do I Colóquio de Geografia de Coimbra, 1996, P. 196 637 638

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Em 1990, o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (ex-I.G.A.P.H.E.) deu continuidade à construção existente no primitivo Bairro do Ingote. Na extremidade leste da colina nasceu um novo Bairro Social «…ocupado por uma população que vivia em situação degradante, quer em barracas ou tendas (caso dos ciganos) ou foram desalojadas de outras áreas para que outro tipo de ocupação do espaço, quer habitacional e outros, tivessem possibilidade de se instalar em áreas consideradas nobres (639). O passo seguinte foi a urbanização de parte da Quinta da Rosa, a construir pela Câmara Municipal no âmbito do acordo de colaboração com a Administração Central e assinado pelo Primeiro-Ministro a 23 de Abril de 1988. A apresentação do projecto coube ao então Vereador Manuel Machado, em Julho de 1989: 210 fogos para arrendamento situados em terrenos contíguos ao Bairro do Ingote (na sequência dos Blocos da Função Pública). Os trabalhos arrancaram em Agosto de 1989 e o Bairro da Rosa, empreendimento Municipal de Habitação integrado num Programa de Realojamento, seria inaugurado oficialmente a 12 de Janeiro de 1996 por Sua Excelência o Primeiro-Ministro Engenheiro António Guterres. A última etapa da evolução urbana do espaço foi promovida pelo Departamento de Desenvolvimento Social – Divisão da Habitação Social da Câmara Municipal de Coimbra e consistiu na construção de 84 fogos, a custos controlados, na Quinta da Rosa, obra que aproximaria definitivamente o Monte Formoso do Ingote. Uma parte do Bairro do Ingote, actualmente, passa por obras de conservação e reabilitação numa intervenção que abrange 78 casas, financiada pelo Instituto Nacional de Habitação, e que se prevê esteja concluída em 2010. No Bairro da Rosa estão sedeadas duas importantes instituições sociais: a Associação dos Moradores do Bairro da Rosa (AMBR) e a Associação Social Recreativa Cigana de Coimbra. A primeira destas instituições tem personalidade jurídica desde 19 de Abril de 2005 (data em que cessou funções a Comissão Instaladora e se constituiu a associação), e a sua sede localiza-se no Lote Nº 13, R/C Dto desde o dia 20/08/2005 (data da entrega das chaves pelo Vereador do pelouro da Habitação Dr. Jorge Gouveia Monteiro. A Associação Cigana teve, como impulsionador, o extinto Futebol Clube Ciganos de Coimbra, com cerca de quinze jovens (alguns não pertencentes à etnia cigana), que tiveram o incentivo da União Romani. Esta união portuguesa de ciganos auxíliou na criação de uma associação, paralela às existentes em Águeda, Matosinhos e Porto. Assim, em 1999, a Associação Cigana de Coimbra foi legalizada, destacando-se o apoio que recebeu do Centro Comunitário de S. José (Cáritas Diocesana de Coimbra). Esta Associação tem levado a cabo um trabalho muito interessante com as comunidades ciganas dos bairros adjacentes, mas também com a população da cidade em geral. Neste contexto, ressalvam-se as inúmeras exposições organizadas na sede bem como em espaços camarários e académicos de Coimbra. As actividades que pretendem desenvolver e que têm como público-alvo a população do Planalto do Ingote e Rosa, apesar de algumas limitações financeiras e J.V. Silva Pereira – «Processos de Periurbanização na expansão urbana de Coimbra. Os casos do Vale das Flores e do Ingote« In Cadernos de Geografia, Nº Especial, Actas do I Colóquio de Geografia de Coimbra, 1996, P. 196.

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humanas são: apoio social a todos os moradores do Bairro; representar os moradores sempre que necessário no diálogo com a Câmara Municipal de Coimbra; cooperar com o município em acções que visem a melhoria da qualidade de vida dos moradores (higiene, tranquilidade e segurança pública); promover o convívio e entre-ajuda dos moradores; desenvolver o sentido cívico da população, tendo em vista o respeito pelo património público e privado; organizar actividades culturais, recreativas e desportivas; promover as tradições e origens do bairro (640). Por seu lado, o Bairro do Ingote conta com a actuação da AMBI - Associação dos Moradores do Bairro do Ingote – instituição com 3 anos de existência que tem pugnado pela melhoria da qualidade de vida da população. A Escola do 1º Ciclo do Ingote, encontra-se envolvida pelos Bairros Sociais do Ingote, da Rosa e de S. Miguel. Caracteriza-se pelo elevado grau de heterogeneidade sócio-cultural, em que as motivações, os interesses e as capacidades de aprendizagem dos alunos são muito diferenciados. Devido aos Programas Camarários de Realojamento e do Fundo de Fomento à Habitação, a comunidade cigana representa cerca de 10% da população total dos referidos bairros O edifício escolar é do tipo U3, estando a funcionar desde 1988/89. Nele se distribuem 4 salas de aula, 1 pequeno átrio, instalações sanitárias em boas condições, 2 arrecadações, um gabinete, um campo de futebol e espaço exterior amplo com declives em dois planos. A escola recebe diariamente 45 alunos sendo o corpo docente composto por cinco professores. Quatro deles possuem turma e uma professora desempenha, na escola, funções de apoio educativo em tempo parcial. Para além destes, outros elementos compõem o quadro de recursos humano da escola, nomeadamente: duas auxiliares de acção educativa e uma mediadora cultural. Também na zona do Monte Formoso novas construções se têm edificado, tornando-a num importante e destacado aglomerado populacional da Cidade de Coimbra. Por esse motivo foram aparecendo algumas infra-estruturas públicas exigidas pela população como o Pátio Desportivo do Monte Formoso com 355 m2, inaugurado a 25 de Julho de 2007 pelo Presidente da Câmara Municipal e pelo Presidente da Junta de Freguesia. No local existe também o Centro Social do Monte Formoso.

4.4. A expansão e reconversão urbana da antiga Zona Industrial Loreto/ Pedrulha/Eiras Por toda a área da freguesia novas construções surgiram no pós 25 de Abril. A 26 de Março de 1975 a Câmara Municipal cede o direito de superfície de um terreno destinado à construção dum novo bairro junto ao Bairro da Relvinha. A escritura de constituição do direito de superfície data de 15 de Dezembro do mesmo ano, e, por ela, o Município cede um terreno com a área aproximada de 8.465 m2, sito no lugar de Eiras, «…onde em parte se encontra implantado o denominado

Informações retiradas de texto gentilmente cedido pela Associação dos Moradores do Bairro da Rosa.

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Foto 102 – Bairro do Brinca, visto do viaduto

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Bairro da Relvinha, constituído por casas de madeira» (641). A cedência é feita em favor da Associação de Moradores do Bairro da Relvinha, para construção de um novo bairro, num programa de auto-construção financiado pelo Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL). Este bairro será electrificado no decurso de 1976, pelo valor de 406.352$00 (642). Ainda em Julho de 1975, aprova-se o “Plano de Urbanização da Zona Industrial Loreto-Pedrulha 1972-variante 1975. Nos finais de 1976, um grupo de moradores do Bairro do Brinca pede à Junta de Freguesia todo o apoio possível à urbanização dos terrenos que confinavam com a Estrada do Fragusto, merecendo da parte do executivo toda a atenção: «Esta Urbanização destina-se à construção de blocos habitacionais, pelo que ficou deliberado dar o máximo de apoio a esta obra, devido à carência de habitações existente nesta Freguesia» (643). Mais tarde outro loteamento irá avante com 48 fogos construídos pela firma Comocel e que principiaram em 1982. A urbanização então edificada será designada por “Bairro Novo da Relvinha”. A 30 de Março de 1981, o Engenheiro Pinto dos Santos apresenta à Câmara Municipal uma listagem dos loteamentos e urbanizações mais significativos que estavam em execução, aprovados ou em apreciação. Dados que mostram o afã da construção civil na freguesia: Bairro Camarário do Ingote (1.000 fogos); Quinta de Santa Apolónia (4.000); Ingote (Higino Moura, 260); Relvinha (SAAL, 234); Relvinha (Manuel Alves, 252); Bairro da Liberdade (Eugénio Homem, 70); LoreA.H.M.C. – Livro de Escrituras, Nº 83,1975, Fl. 94. A.H.M.C. – Livro de Escrituras, Nº 84,1975-1976, Fl. 30. 643 A.J.F.E. – Livro de Actas da Junta de Freguesia de Eiras, Nº 9, 1974-1977, Fl. 43v.

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to (Solum, 270); Bairro do Ingote (Câmara, 600); Ingote (Guilherme Penha, 830). A Câmara e certamente devido a este volume de trabalho, de quando em vez informa não ter capacidade técnico-financeira para levar a cabo a infraestruturação de todos os pedidos de urbanização e loteamentos particulares Tanto nas novas como nas anteriores urbanizações os problemas sentidos pelas populações eram os mesmos: abastecimento de água ao domicilio, saneamento, arranjo de estradas, que, aos poucos, os poderes foram resolvendo. As comissões de moradores, logo a seguir ao 25 de Abril, foram um precioso aliado na resolução de alguns, mesmo a nível financeiro. Hoje, a Freguesia de Eiras é, por direito próprio, parte da Cidade de Coimbra. Mas já não apresenta aquela típica feição industrial dos anos 70, envolvida por bairros camarários. Importante para o aspecto que hoje apresenta foi o “Plano Parcial da Zona de Eiras” cujos estudos a Câmara Municipal de Coimbra entregou ao Arquitecto Vasco Jorge Antunes da Cunha, por escritura de 06 de Fevereiro de 1978. As condições então acordadas previam que tivesse em conta o Plano de 1974 e que o trabalho fosse desenvolvido em estreito contacto com o Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal. O acordo continha um conjunto de cláusulas entre as quais se destacam pelo impacto que tiveram na área: «Conter uma proposta de estrutura geral, integrando os principais traçados das infra-estruturas, esquematicamente, assim como uma primeira ideia das potencialidades dos espaços de cada malha» (alínea c); Referir os aspectos de justificação sócio-económica relacionados com as soluções espaciais, nomeadamente as relações de habitação-trabalho, habitação-equipamento e habitação-recreio (alinea f); Incluir o estudo paisagístico da área em linhas gerais, destacando aspectos estéticos, ecológicos, funcionais e culturais» (alinea g) e conter peças (plantas) indicando «zonas de indústria e de armazéns, zonas habitacionais, zonas verdes e de protecção paisagística, áreas de equipamento urbano e áreas cívicas, áreas de reserva,

Foto 103 – As novas urbanizações no Alto da Estação Velha/Bairro do Loreto

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a definir posteriormente, espaços canais para vias e infraestruturas, dispositivos principais de transportes e distribuição de água e energia» (644). Nos anos 90, a urbanização industrial do Loreto/Pedrulha expandiu-se para Norte e, no Plano Director Municipal de 1993, passou a designar-se por Área Industrial de Eiras/Loreto/Pedrulha a localizada entre os nós da Pedrulha e da Adémia, ocupando uma área de 175 hectares «…parte da qual já ocupada com industria, muita dela dispersa e sem preocupação de enquadramento paisagístico» (645). Os anos seguintes trouxeram bonitas e modernas urbanizações residenciais, desenvolvendo-se ao mesmo tempo e ao longo das suas estradas, novas áreas comerciais. Em simultâneo fez-se a conversão do espaço industrial desactivado, pelo reaproveitamento das velhas instalações industriais ou de loteamentos uns e outros transformados em armazéns, abrindo-se caminho à Terciarização do espaço periurbano da freguesia. Um exemplo muito claro do reaproveitamento de uma área industrial para habitacional ocorreu no Loreto, com a construção de um conjunto habitacional nos terrenos da antiga Lufapo. A aprovação unânime do anteprojecto apresentado pela firma Proparede foi a 21 de Outubro de 1982 e o empreendimento designou-se por “Unidade Residencial do Loreto”. A nova unidade integrava-se na alteração do “Plano da zona Industrial Loreto-Pedrulha” numa medida que, como afirmou o Vereador Carlos Loureiro na sessão do dia 10 de Outubro de 1983, andava relacionada com o tema crónico da habitação: «Dada a carência de áreas para habitação próximas das zonas centrais e uma vez que foram criadas novas zonas para a instalação de industrias em locais que hoje se tornam mais convenientes como seja a Zona Industrial de Taveiro, julgamos de todo o interesse a alteração que se propõe, para a parte sul do Loreto, nos terrenos da Fábrica Lufapo. Uma vez cessadas as actividades desta fábrica, parece-nos de todo o interesse proceder-se a um aproveitamento habitacional, considerando-se algumas áreas para equipamento» (646). A viabilidade daquela construção aprovou-se a 16 de Janeiro de 1984: 1/3 do terreno era constituído por construções fabris que foram demolidas, previa-se uma zona comercial e uma área cívica; uma praceta para estacionamento de veículos; a manutenção do Posto de Combustíveis, a construção de um Hotel de 4 estrelas na zona do antigo campo de futebol (que não se veio a concretizar). Uma parte foi cedida para o Laboratório da Cerâmica e do Vidro. Em 1988 arrancou a construção de um bloco habitacional de 24 fogos no Loreto, ponto de partida para novas urbanizações nos anos próximos. Consequência do crescimento do bairro e das necessidades sentidas pela população, a 09 de Abril de 2006, inaugurou-se o conhecido Polidesportivo do Loreto. A dada altura a procura de habitações começou a colocar em risco a traça dos povoados mais antigos, sendo o lugar de Eiras um ponto critico. Por isso, a partir de meados da década de oitenta, regista-se uma atenção redobrada centrada na A.H.M.C. – Livro de Escrituras Nº 87, 1978, Fls. 11v.-12. Câmara Municipal de Coimbra – Urbanismo, Coimbra, Anos 90, 1993, P. 63. 646 A.H.M.C. – Livro das Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 292, Fl. 41v. 644 645

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preservação das características do núcleo antigo que remonta à época medieval. Esse pensamento estará na base da rejeição pela Câmara Municipal de Coimbra de um pedido de loteamento em Eiras: «O terreno objecto do presente pedido de licenciamento de loteamento apresenta, pela sua localização, dimensões e atendendo a proposta da sua ocupação urbana, caracteristicas que deverão ser devidamente ponderadas e apreciadas, de modo a preservar o adequado enquadramento urbano e paisagistico da povoação de Eiras, núcleo urbano que urge salvaguardar de ocupações atentórias do seu património urbanistico, arquitectonico e paisagistico, e que contribuam para a sua descaracterização» (647). Atentos ao que acontecia noutras áreas da freguesia, designadamente no Loreto e na Relvinha, a Junta tentou trazer para Eiras um bairro camarário daquele tipo, de forma a resolver o problema da habitação decorrente do aumento da densidade populacional. Por esses anos não vingará tal solução. Mas, logo após a revolução de Abril, as condições alteram-se.

4.5. Espaços urbanizados e estruturas de apoio em redor de Eiras, Casais e S. Miguel Hoje em dia, a freguesia apresenta, ao longo das suas vias de comunicação, várias urbanizações. Em redor de Eiras e dos Casais construíram-se muitas moradias, vivendas e prédios de vários andares. Em Eiras temos o caso da encosta da Oureça, as Urbanizações da Quinta da Cruz Nova, da Quinta do Prado, e Chaves; a Estrada do Cristo, a Estrada do Vale de Sapatinha, Montargil, o Bairro da Cruz do Vale de Seixo, O Bairro da Liberdade (assim baptizado em meados de 1976), as vivendas do Tojal, da Tojeira e Pragueira. Mais para Sul, a caminho da Estação Velha, encontramos: o Bairro de S. Miguel, urbanização em banda que começou a expandir-se nos finais dos anos 90 do século XX; a Urbanização Ar e Sol, concluída em 1996 sendo constituída por 13 blocos num total de 156 fogos, desenho do arquitecto Vasco Cunha. Em redor do Murtal e do Cordovão novas moradias vão também despontando.

Foto 104 – Urbanização da Cruz Nova

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A.H.M.C. – Livro das Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 323, P. 187.

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Foto 105 – Bairro da Liberdade

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Em volta das primitivas urbanizações que atrás abordámos (Ingote, Santa Apolónia, Loreto e Relvinha) a expansão urbana não cessou e novas construções, tanto para residências como para espaços comerciais continuam. Novas urbanizações que implicaram o alargamento de estradas, ruas e caminhos, de que foi exemplo muito significativo o alargamento da Estrada de Eiras, entre a Estação Velha e o Bairro de S. Miguel, e o acesso deste ao Monte Formoso e Ingote (que fora aberto em 1980). No Bairro da Liberdade a terraplanagem da estrada da Tulha para dar acesso ao Bairro da Liberdade teve a colaboração da Comissão de Moradores local. No entanto, o processo demorou o seu tempo e os primeiros loteamentos (4) são aprovados, por unanimidade, pela Câmara Municipal, a 5 de Janeiro de 1981, sitos no Vale Escuro. A estes outros se seguiriam na

Foto 106 – Urbanização Cruz de Vale do Seixo

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zona: Cruz do Vale do Seixo em Março do mesmo ano, a Pragueira em Dezembro de 1981. Como efeito dominó o crescimento demográfico da freguesia, aliado à expansão da Cidade de Coimbra levou a novas urbanizações. Estas, por sua vez, levaram à criação de estruturas de apoio à população incentivadas pelos tempos de progresso: - O Centro de Saúde de Eiras. Desde 1975 e até 1981 o Centro de Saúde de Eiras funcionou como Unidade de Saúde, integrado no S.N.S., com a designação de posto médico. Nesse ano passou a extensão do Centro de Saúde da Fernão de Magalhães. A partir de 1991 passou a Centro de Saúde de Eiras. Situava-se na Rua Dr. Alfredo de Freitas, mas devido a precárias instalações foi substituído em 2005 por novas, modernas e funcionais instalações na Pragueira. Foi seu Director o Dr. João Manuel Lopes Pinheiro (✝ 2002). - A Escola Secundária D. Dinis situa-se na Rua Adriano Lucas, sendo baptizada em 1985 com o nome de Escola Secundária da Pedrulha - Despacho Nº 260 do Ministério da Educação e Cultura, publicado no Diário da Republica II Série de 31 de Dezembro de 1985. Por proposta do então Presidente da Comissão Instaladora (Augusto Patrício) foi rebaptizada com a designação actual, evento certificado pela Portaria Nº 261/87 de 2 de Abril.

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Foto 107 – Escola D. Dinis

Começou as suas actividades a 25 de Novembro de 1986, em instalações próprias mas com alguns edifícios ainda em construção e outros ainda em projecto. Com o alargamento dos anos de escolaridade a escola foi aumentando os seus espaços: em 1986 concluíram-se os blocos A, B, C e F, seguiram-se os blocos D e E e em 1988/89 concluíram-se os balneários que permitiram a prática da Educação Física. Só em 1995 a Escola se completou com a construção de um Pavilhão Gimnodesportivo.

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Actualmente tem cerca de 400 alunos, do 7º ao 12º ano, e um corpo docente de 80 professores. Além de várias salas de aula, a escola possui um conjunto de equipamentos de apoio: Cantina, Biblioteca, Papelaria, Sala de Recursos Multimédia e um Auditório. A escola tem um grupo de teatro intitulado KAOS que actua na escola e noutros locais como Jardins-de-infância e Lares de 3ª idade. Os alunos da Escola D. Dinis têm-se destacado nas Escolíadas (tendo ganho durante três anos seguidos), com boas participações no Teatro, Música, Pintura e Cultura Geral. No desporto escolar foram campeões distritais de voleibol, destacando-se, a nível desportivo, no kinsurf e remo. A escola também tem servido de apoio aos peregrinos de Fátima.

5. Instituições de referência existentes na Freguesia de Eiras

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«Vamos, vamos em massa trabalhar, lealmente, sem desânimos, persistentemente, e os nossos rapazes, que tanto nos têm alegrado, com os seus triunfos, e tão bem têm colocado o nome da nossa terra, terão o seu campo, mais que isso, terão instalações desportivas que dignificarão o “Eirense” e Eiras». Vamos, vamos arranjar o nosso Campo de Vale Fojo, que tão falado foi na passada temporada, ou levá-lo para onde, em dias de jogo, seja forçada a passagem pela vila, para não prejudicar o comércio local. Mãos à obra». Manuel de Albuquerque Matos - «Dentro da Área da Cidade: Eiras – Instalações desportivas» In Gazeta de Coimbra, 10 de Dezembro de 1966.

«Foi deliberado agradecer à Junta de Freguesia de Eiras todo o apoio que deu a esta Direcção, e bem assim o interesse que sempre demonstrou pela valorização do União Clube Eirense, contrariando desta forma as atoardas que se propalavam acerca das suas relações com este Clube. De realçar muito principalmente a dedicação e carinho que vem devotando às instalações desportivas do clube, sempre com o intuito de as valorizar cada vez mais». In Livro de Actas da Direcção do União Clube Eirense, 1964-1970, Acta Nº 12 de 26/11/1970.

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5.1. União Clube Eirense lube fundado a 13 de Setembro de 1964 e inscrito na Associação de Futebol de Coimbra na época 1965/1966. Os seus estatutos foram aprovados a 25 de Novembro de 1965, por Despacho de Sua Excelência o Subsecretário da Juventude e Desportos, e publicados no Diário do Governo Nº 283 III Série de 3 de Dezembro de 1965. Os princípios do futebol amador são conhecidos: começou a jogar-se aqui e ali, muitas vezes às fugidas, vigiando-se os proprietários dos terrenos, improvisando campos de futebol com quatro pedras ou tábuas que serviam de balizas. Sabemos que, em Eiras, se jogou futebol em locais bem diferentes do actual Campo do Vale do Fojo: junto à Cruz Nova, depois perto da Capela do Senhor dos Aflitos (junto ao Caminho das Várzeas) e, mais tarde, na Tojeira. O nascimento do União Clube Eirense foi uma brincadeira de rapazes, apaixonados pelo desporto rei. Antes de ter a designação actual e por sugestão do Prof. Albuquerque Matos em alusão directa à festividade do Imperador, apelidou-se de Imperial Club Eirense, equipa que vestia de branco e que realizou alguns jogos em 1963/1964. O União Eirense foi factor de união social da freguesia, como se comprova pelo primeiro Livro de Registo de Sócios (648). Além dos Casais e de Eiras, aparecem inscritos, como associados residentes, não só em outros locais da freguesia, mas também em localidades fora da freguesia, fora do Concelho e mesmo do Distrito de Coimbra: Vilarinho, Casal da Rosa, Pinhal do Bispo, Lordemão, Adémia, S. Paulo de Frades, Balancho, Fornos, Antuzede, Vale da Luz, Assafarge, Pedrulha, Santa Luzia, Lisboa, Coimbra, Barcouço, Mealhada, Redinha, Rocha Nova, Amadora, Mesura, Coselhas, Póvoa do Pinheiro, Bencanta, Loreto, Alto da Estação Velha, Cioga, Pocariça, Santa Clara, Olivais. Foram sócios fundadores do Eirense: Afonso Simões de Oliveira, Albino Feitor de Lemos, Evaristo Monteiro Cardoso, Emídio da Costa Baptista, José da Silva Oliveira (Saíta), Manuel H. Ferreira de Oliveira, Carlos Alberto Gomes Lucas, António de Oliveira Lucas, Germano Correia de Oliveira (filho), Carlos Jácome dos Santos Lucas, Aires Dias Abrantes, Fernando Lopes, Diamantino Ferreira Marques, Fernando dos Santos Machado, Joaquim C. Neves Soares, Adriano C. das Neves Soares, Francisco S. Soares de Campos, Joaquim Maria Marques de Almeida, Fernando Alberto Ferreira dos Santos (Toca), Belarmino Pereira Diniz, Eduardo Soares de Campos, Filomeno Francisco de Oliveira, César das Neves Pereira Forte, Luís Alberto Augusto, Arménio Francisco Galhardo, Manuel José Albuquerque Ferreira, Manuel Augusto Santos Carvalho, Henrique Ferrão, António da Cunha, Humberto Soares de Campos Neves. Logo que foi criado as atenções viraram-se para o campo de futebol. Por empréstimo concedido pelo Sr. Marcelino Marques Roxo, iniciaram-se as obras no campo de futebol, em Agosto de 1964 (649), com a terraplanagem dos terrenos alugados para o efeito.

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A.U.C.E. – Livro de Registo de Sócios. A.U.C.E. – Livro de Actas da Assembleia Geral e Autos de Posse do União Clube Eirense,, 1965-1983, Acta Nº 1 (23/01/1965).

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Conhecer um Território e um Povo – A Freguesia de Eiras do Século Décimo à Actualidade

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Fotos 108 e 109 – Terraplanagem do Campo de Futebol Vale do Fojo, Agosto de 1964

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Foto 110 – União Clube Eirense: equipa campeã da 2.ª Divisão Distrital de Coimbra, 1965/66. Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Meno, Victor Piconero, França, Jorge, César, Fabião, Malícia, Marante, Bragança II, Carlos Alberto (capitão), Bragança I e Saíta

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Foto 111 – União Clube Eirense: equipa campeã da 1.ª Divisão Distrital de Coimbra, 1970/71. Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Fernando Lopes (massagista), Figueiredo, Olivério, Carlos Gonçalves, Raul Pinho (treinador), José Dinis, César, Correia, Agostinho, Evaristo (presidente), Meno, José Silva (Vogal da Direcção), Rogério, Emídio, Madeira, Assunção, Zézito, Valdemar, Neves e Carlos Alberto (capitão)

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Realizou alguns jogos no Campo do Loreto e, nos jogos efectuados fora do seu campo, foi valendo a boa vontade dos associados e simpatizantes que punham à disposição viaturas pessoais ou de empresas. Mais tarde o clube alugou autocarros para transporte de pessoas e material. O primeiro título da equipa de futebol foi obtido no segundo ano de existência do clube, na época 1965/1966, ou seja, logo na primeira época como inscrito na AFC. O primeiro jogo oficial do clube foi a 9 de Janeiro de 1966, batendo o Condeixa por 3-0 (hat-trick de Marante). Nesse ano o clube alcançava o título de Campeão da Segunda Divisão Distrital de Coimbra, depois de vencer o último jogo disputado em casa, com o Ançã, por 5-1. Estávamos a 10 de Abril de 1966 e o campo apresentava uma moldura impressionante com uma assistência a rondar as 1.500 pessoas. A subida de divisão obrigaria a obras no campo de futebol. A Junta de Freguesia em articulação com a Câmara Municipal foram preciosos aliados do União Clube Eirense: em 1966 o executivo municipal concede subsídio de 10.000$00. Mas o clube continuava sem campo próprio, com metade das instalações desportivas do Vale do Fôjo arrendadas. Os tempos de mudança da colectividade começam a 7 de Março de 1970, com a Câmara Municipal a conceder um subsídio de 16 contos destinados à aquisição de terreno para instalações desportivas (650). E o processo avança rapidamente: escolhe-se o terreno, fornece-se a indicação do mesmo à Câmara e esta manda adquiri-lo pelo preço justo. Assim, a 4 de Abril de 1970, a Junta delibera «… comprar ao Senhor José de Albuquerque Matos, casado com Dona Maria José da Costa Matos, pela quantia de dezasseis mil escudos, o terreno que possuem no sítio denominado “Vale do Fojo”, na freguesia de Brasfemes, deste concelho de Coimbra, e providenciou no sentido de que a respectiva escritura de compra e venda seja lavrada no mais curto espaço de tempo possível» (651). O sítio era excelente: perto da povoação mas longe de incomodar os moradores com a agitação; no alto de um monte e no meio de vegetação permitindo contemplar a paisagem. A ampliação das instalações desportivas do União Clube Eirense completa-se, a 25 de Maio de 1970, com a escritura de compra do «olival do Fojo». Ao vogal-tesoureiro da Junta, Afonso Simões de Oliveira, atribuem-se as funções de zelar e defender a propriedade acabada de adquirir (652). O Tesoureiro cumprirá a sua função e, a 4 de Fevereiro de 1971, pede a palavra na reunião do executivo local para referir-se «…às péssimas condições, desprestigiantes para o Clube e para Eiras, em que se encontra o bufete do Campo Desportivo e propôs que o planeado pelo Senhor Presidente, do qual há projecto elaborado, se construa com a brevidade possível» (653). A decisão de avançar para empreitada fica adiada até que dêem entrada nos cofres da Junta os 25 contos pedidos à Câmara Municipal. Continuando a sua exposição, referiu-se, em seguida, aos inconvenientes do terreno ocupado pelo Campo Desportivo, pois não era na totalidade propriedade da Junta

A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968-1974, Fl. 85v. Id. Fl. 89v. 652 Id. Fl. 100v. 653 Id. Fl. 129. Desta escritura existe cópia no Arquivo do União Clube Eirense.

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de Freguesia. O assunto, largamente debatido, traduziu-se na deliberação em «…adquirir a Augusto Carvalho, casado, agricultor, e a sua esposa Maria Isaura Cortezão, residentes no Balancho, freguesia de Brasfemes, deste concelho de Coimbra, pela quantia de 25.000$00 um terreno com 7225 metros quadrados de superfície, no sítio denominado Vale do Fojo (…) terreno que se destina a completar o seu Campo Desportivo» (654). Foto 112 – Festejos pela subida de divisão O União Clube Eirense do União Clube Eirense preparava-se para viver um momento histórico que se concretizou com a assinatura da escritura, no dia 16 de Fevereiro de 1971, corolário de uma sintonia perfeita com a Junta de Freguesia e Câmara Municipal. Na sessão de 18 de Fevereiro de 1971 o União Eirense aprova um voto de louvor à Junta de Freguesia: «Deliberou esta Direcção exarar em acta um voto de louvor à Exma. Junta de Freguesia de Eiras pela forma dinâmica e decidida como tratou o assunto relativo à compra do terreno onde se encontra instalado o nosso Parque de Jogos, conseguindo desse modo tornar realidade uma das maiores ambições do nosso EIRENSE» (655). Quis o destino que, na época 1970/1971, o União Eirense subisse à 3ª Divisão Nacional, tornando ainda mais urgente a ampliação do recinto desportivo. A Câmara Municipal põe à disposição máquinas e camionetas e a Junta compromete-se a pagar dias de trabalho aos operadores. A ampliação demorará o seu tempo e, nos finais de Setembro, o Campo de Jogos é aprovado para disputar o Campeonato Nacional e a Taça de Portugal. À custa de muitas horas extraordinárias de tractoristas e motoristas a obra fez-se e o União Eirense torna-se o centro das atenções: «Não basta que o Campo tenha as dimensões Foto 113 – Festejos pela subida regulamentares, é necessário que tenha um piso de divisão do União Clube Eirense

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Id. Fl. 129v.; Existe também uma cópia da Escritura no Arquivo do União Clube Eirense.

A.U.C.E. - Livro de Actas da Direcção do União Clube Eirense, 1964-1970, Acta Nº 5 de 18 de Fevereiro de 1971. 655

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conveniente, esteja satisfatoriamente ladeado, tenha acesso capaz, as diferentes cabinas e o bufete se apresentem de modo a não poderem dar motivo a críticas desprestigiosas para o Clube e para Eiras» (656). No ano seguinte, levantam-se problemas sobre a falta de electrificação do Campo Desportivo, com representantes do clube a visitarem a Junta de FregueFoto 114 – A Sede do União Clube Eirense sia «…no sentido de ali ser colocada iluminação mesmo a título precário, por forma a poderem ali efectuar os seus treinos, base que consideram fundamental para o bom rendimento da equipe» (657). O facto de não ter iluminação própria no campo, levou o clube a ter de encontrar alternativas para os treinos. Problema que resolveu com o entendimento estabelecido com o União de Coimbra e Associação Académica de Coimbra para poder utilizar os seus campos, respectivamente o Campo da Arregaça e o Campo de Santa Cruz. Numa primeira fase, a aproximação ao União de Coimbra, permitiu que para o Eirense viessem jogar sobretudo jogadores oriundos das ex-colónias, como foi o caso dos irmãos Bragança (658). Posteriormente e da aproximação à Associação Académica, o Eirense passou a contar nas suas fileiras com jogadores de formação universitária. Também em 1971, mas a 25 de Fevereiro, a Direcção do União Eirense delibera adquirir uma nova sede para instalação da Secretaria, na antiga farmácia da Rua Alfredo Freitas, por 350$00. Medida que justificava porque as antigas instalações «… já não conFoto 115 – Campo de Futebol do Vale do Fojo diziam com o actual movi-

Id. Fl. 154. Id. Fl. 178. 658 Alberto Bragança é um caso muito interessante. Depois de jogar futebol foi empregado bancário e de regresso à sua pátria, S. Tomé e Príncipe, chegou a desempenhar o importante cargo de Ministro dos Desportos. 656 657

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mento de sócios» (659). Consequentemente abandonaria a velha sede que funcionava no rés-do-chão do prédio do comerciante Marcelino Marques Roxo, situada também na Rua Dr. Alfredo Freitas. Em Novembro de 1976, iniciou-se a terraplanagem da estrada do campo de futebol, que em Agosto de 1984 levará calçada à portuguesa. O clube, desde a fundação e até 1970/1971, disputou sempre a 1ª Divisão Distrital. No entanto, em Junho de 1971 uma vitória sobre o Vigor entregou‑lhe o título de Campeão Distrital da 1ª Divisão, lançando o clube para um patamar nunca antes alcançado – A 3ª Divisão Nacional. O facto ficou registado em acta de Direcção: «Em face desta vitória o EIRENSE sagrou-se campeão distrital da 1ª Divisão a 3 jornadas do fim e o direito de ascender à 3ª Divisão Nacional» (660). Na época seguinte, disputará o Campeonato Nacional da 3.ª Divisão jogando com clubes de grande nomeada: Académico de Viseu, Feirense, Oliveirense, Ovarense, Associação Desportiva da Guarda, chegando a disputar uma eliminatória da Taça de Portugal com o Sporting de Espinho, tornando-se o primeiro clube da freguesia a entrar nessa competição. As duas Direcções do União Clube Eirense de 1970/1971 que o levaram ao mais elevado patamar da sua História: Direcção de 1970: Carlos Alberto Gomes Lucas (Presidente); Luís Manuel da Cunha Gambôa (Vice Presidente); Inácio dos Santos (1º Secretário); José Pereira da Cunha (Tesoureiro); Emídio da Costa Baptista (2º Secretário); Fernando Lopes, António da Cunha e João Cardoso (Vogais). Direcção de 1971: Evaristo Monteiro da Glória Cardoso (Presidente); Esmeraldo Simões Gomes (Vice-Presidente); Filomeno Francisco de Oliveira (Primeiro Secretário); Joaquim Carvalho das Neves Soares (Segundo Secretário); Manuel Humberto Soares de Campos e Helder Valente (Tesoureiros); Manuel José Albuquerque Roxo Ferreira, Agostinho Ferreira Lopes Choco e Victor Manuel dos Santos Rodrigues (Vogais). O momento mais alto da história do União Eirense foi, de certo modo, inesperado. Na realidade, o ano desportivo de 1969/1970 fora de grande turbulência dentro da instituição que, pelos finais de 1969, estava, financeiramente, numa «difícil situação». É parte da história do clube o aperto das crises financeiras que foi resolvendo como pode. Para solucionar uma delas, já no pós 25 de Abril, em 1978, tentou-se um conjunto de curiosas iniciativas: Comissão do Palpiteirense, Comissão da Gincana Automóvel (há registo de outra em 1971), Comissão do Concurso de Pesca Desportiva, e tomada de posse da nova direcção a ser marcada para o baile a realizar na Sede do Grupo Recreativo Eirense em beneficio do União Clube Eirense (661). A proximidade entre os elementos do Grupo Recreativo Eirense e do União Clube Eirense, levou as partes a discutirem a fusão/união das duas colectividades numa só. Inclusivamente, algumas reuniões dos órgãos sociais do União Clube A.U.C.E. – Livro de Actas da Direcção do União Clube Eirense, 1971-1974, Acta Nº 6 de 25 de Fevereiro de 1971. 660 Id. Acta Nº 17 de 11 de Junho 1971. 661 A.U.C.E. – Livro de Actas da Assembleia Geral e Autos de Posse do União Clube Eirense, 1965-1983, Acta de 08/01/1978. 659

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Eirense, muito concorridas pela massa associativa, realizaram-se na sede do Recreativo. No entanto a fusão entre as duas colectividades nunca se consumaria. Foi a 21 de Abril de 1980 que os dois clubes reuniram para estudarem a fusão/ união. Encontro precipitado pelo facto de se ter conseguido a cedência pelo Prof. Dr. Vaz Serra, do prédio do Clube Recreativo Eirense. Acordam sobre este assunto «…se fizesse uma reunião com as duas Direcções, a Junta de Freguesia e o Professor Dr. Vaz Serra para que este cedesse a casa à Junta de Freguesia» (662). Este processo demorará o seu tempo e a escritura da cedência do edifício à Junta de Freguesia feita pela família Vaz Serra (Professores Adriano e Augusto Vaz Serra e Maria Vaz Serra), data de 30 de Junho de 1982. O prédio urbano é vendido simbolicamente pelo preço de 10.000$00, sendo presidente da Junta de Freguesia o Sr. Sérgio Francisco Gomes (663). Sete anos volvidos, este compromisso conduzirá a um contencioso entre a Junta de Freguesia e o União Clube Eirense, motivado pelo facto de na doação feita pela família Vaz Serra não vir indicado se a casa era doada à colectividade ou para nova sede da Junta de Freguesia. Esta questão animaria a vida social em Eiras no decurso de 1989 e terminaria com a elaboração de um protocolo entre as duas instituições com data de 10 de Novembro de 1989 (664). Quanto à casa centro da polémica, acordou-se que o União Eirense devolveria à Junta de Freguesia, livre de qualquer ónus ou encargos, o edifício propriedade da Junta – descrito como “a adega” sita na Rua do Cónego - que até então vinha funcionando por empréstimo como bar da colectividade e onde se pretendia erguer a nova sede da Junta de Freguesia de Eiras. Efectivamente assim aconteceu e, a 5 de Outubro de 1993, as novas instalações da Junta de Freguesia foram inauguradas pelo Presidente da Câmara Municipal de Coimbra. No âmbito deste protocolo e como contrapartida, a Junta de Freguesia fez cedência ao União Eirense, do rés do chão e primeiro andar do edifício pertencente à Junta de Freguesia, localizado na Rua 25 de Abril, apelidado de “Celeiro”, para instalações sociais do clube. A cedência foi acordada gratuitamente, sob a forma de empréstimo e sem prazo limite, terminando logo que se verificassem condições de ocupação definitiva de outro espaço com igual finalidade. O dia 26 de Dezembro de 1988 foi também de grande significado histórico para a vida da colectividade. Nesse dia, Diamantino Carvalho (Presidente da Assembleia de Freguesia), Sérgio Francisco Gomes (Presidente da Junta de Freguesia) e José Manuel Rodrigues Passeiro (Presidente do União Clube Eirense) juntaram-se para assinatura do protocolo de cedência do Campo de Futebol do Vale do Fojo (665). Por esse documento a Junta de Freguesia cedeu ao União Eirense, sem qualquer retribuição ou compensação, pelo prazo de 50 anos, o Campo do Vale do Fôjo e todas as instalações nele compreendidas. Terminavam assim os tempos de instabilidade quanto à cedência do campo. A aquisição de uma carrinha para o clube foi decisão que demorou tempo a resolver. O assunto ganha força nos finais dos anos 70 do século XX, terminando com a compra de uma carrinha que dizem ter pertencido à PIDE. Em Março de 1983 a A.U.C.E. – Livro de Actas da Direcção do União Clube Eirense, 1974-1983, Acta Nº 14, 21 de Abril 1980. Existe cópia desta escritura no Arquivo do União Clube Eirense. 664 Existe cópia deste protocolo no Arquivo do União Clube Eirense. 665 Existe cópia deste protocolo no Arquivo do União Clube Eirense. 662 663

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Direcção avança para a compra de outra viatura, depois de um peditório que havia rendido, aproximadamente, metade da verba necessária: «Foi deliberado fazer a compra de uma Carrinha para Serviço do Clube, de marca Ford Transit, à Firma “Padaria Rainha Santa”, no valor de 90.000$00…» (666). A terceira fase da vida do clube compreendeu a instalação da luz no campo de jogos do Eirense, que foi antecedida pela luta em prol de um campo e, mais tarde, pelo seu alargamento. A inauguração da luz ocorreu em 1992, embora os primeiros postes tenham sido colocado em 1988. Para que tal fosse possível contou o clube com o apoio imprescindível de várias instituições: 6 empresas da região, que doaram os projectores; a Câmara Municipal de Coimbra que financiou a rede eléctrica no valor de 600.000$00; e a Junta de Freguesia do tempo do Sr. Sérgio Gomes deu o quadro eléctrico. Promoveu-se também um peditório pela freguesia e muita gente colaboraria ainda neste projecto quer com material, quer com força humana entre os quais se salientam: Júlio Forte, Manuel Silva, Mário Ferreira, Joaquim Henriques, José Passeiro… Depois da época áurea, o clube desceu aos distritais onde voltou a ser campeão por 2 ocasiões: Campeão da I Divisão Distrital em 2005/2006; e da II Divisão Distrital em 1990/1991. Formou uma equipa de veteranos em 1979, teve Futebol Feminino e tem actualmente equipas em todos os escalões de formação – infantis, iniciados, juvenis e juniores. Diz-se que alguns (bastantes) ex-jogadores do União Eirense e que fizeram a história da instituição teriam hoje lugar em equipas da 1ª Divisão Nacional de Futebol. O União tem realizado, promovido, dinamizado e participado em outras actividades para além do futebol, tendo como objectivo a angariação de fundos: concursos de pesca desportiva, rally-papers, pedy-papers, promove o dia das febras, festa de Natal para todos os sócios atletas e familiares, passeios nocturnos e diurnos B.T.T. (o 1º foi em Maio de 2007). Criou uma Secção de Natação que entrou em funcionamento em Setembro de 2004, no Complexo Desportivo Municipal Rui Fotos 116 e 117 – Secção de Natação do União Eirense; praticantes de Hidroginástica Abreu onde possui as valências de A A.U.C.E. – Livro de Actas da Direcção do União Clube Eirense, 1974-1983cta Nº 12, do dia 30 Março 1983.

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Hidroginástica, Hidrodeep, natação bebés. Em 2007, iniciou a pré-competição e, em parceria com a Atlântida-Sub promove os cursos de mergulho, para adultos e crianças. Anualmente realizam o festival aquático de encerramento de época. O clube sobrevive com parcos meios, vivendo da carolice, garra e entusiasmo dos seus dirigentes e praticantes. O Parque Desportivo do Campo Vale do Fôjo compreende campo de futebol, balneários, bar, rouparia. As instalações existentes foram objecto de remodelação na segunda metade de 2007, criando-se de raiz um salão polivalente adaptado a várias práticas desportivas.

5.2. Associação de Solidariedade e Cultura Sol-Eiras

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Esta associação (667) resultou de uma ideia dos senhores Manuel Silva e Carlos Ferreira, naturais de Eiras. No 1º Trimestre de 1995, decidiram que era a altura de concretizar um sonho antigo da terra: dar a Eiras um polidesportivo. A ideia inicial passava pela construção de um pavilhão moderno que desse resposta a actividades recreativas, desportivas e culturais, ao abrigo das más condições climatéricas. O passo seguinte foi o levantamento, lugar a lugar e rua a rua, das pessoas que poderiam colaborar no projecto. O Sr. Manuel Silva elaborou uma lista, o Sr. Carlos Ferreira outra e, unificando-se as duas relações numa só, fez-se uma Convocatória para a 1ª reunião pública tendo em vista a criação da Associação. Escolheu-se como local do encontro o Auditório da Junta de Freguesia de Eiras, numa Sexta Feira, dia 12 de Maio de 1995. Aí se juntaram cerca de 20 das 30 pessoas que haviam sido contactadas para assistirem à referida reunião: vindas dos lugares de Eiras, Casais, Redonda, Murtal e Vilarinho. A agenda de trabalhos compreendia: Informações, Projecto de Estatutos, Órgãos de Gestão durante a fase de arranque, localização da Sede, apresentação do projecto à Junta de Freguesia. Momento de grande importância para o futuro da associação ocorreu logo na primeira assembleia: «Uma das questões levantadas na Reunião foi a do conteúdo da Associação: se seria o factor desportivo a principal prioridade ou se, pelo contrário, seria o factor sociocultural o de primeira instancia. Depois de alguns considerandos (…) não foi difícil aos presentes chegar à conclusão de que a principal actividade deveria ser a vertente que não ignorasse o fomento da prática desportiva, mas que desse especial ênfase à ctividade de carácter cultural, sobretudo àqueles que se relacionassem com Eiras» (668).

Texto elaborado com base nas informações gentilmente cedidas pela instituição. Acta da 1ª Reunião preparatória para a criação de uma Associação em Eiras, 12 de Maio de 1995. Texto cedido pela direcção da Sol-Eiras.

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Assim, ficou decidido que o objectivo prioritário da associação deveria ser a acção social no apoio ao idoso e, num plano secundário, as actividades recreativas e culturais, as quais nunca poderiam entrar em concorrência com as actividades desenvolvidas por outras instituições de Eiras. Paralelamente, esvaziava-se a ideia inicial do Pavilhão Polivalente, uma vez que na Escola D. Dinis estava iminente o arranque de estrutura semelhante (o que veio a suceder). A associação caminhava para uma realidade, tinha objectivos bem definidos, mas faltava dar-lhe um nome. Na 2ª Reunião Preparatória, de 23 de Junho de 1995, e entre 4 propostas discutidas, vingará a de Fernando Abel com 13 votos Foto 118 – A Sede da Sol-Eiras – SOL-EIRAS – Associação de Solidariedade e Cultural. Após a realização de 4 assembleias no Auditório da Junta de Freguesia de Eiras, foram aprovados os Estatutos da Associação e eleitos os membros da Comissão Instaladora. A 27 de Novembro de 1995, a SOL-EIRAS - Associação de Solidariedade e Cultura foi oficialmente constituída como instituição por escritura pública, conforme publicação do Diário da República Nº 96/96 – III Séria de 23 de Abril de 1996. Entre 1996 e 1997, a vida da SOL-EIRAS resumiu-se a gestão burocrática e administrativa, promovendo recolhas de fundos através das festas do Divino Espírito Santo. Como as reuniões se vinham realizando em casa dos membros da Comissão Instaladora, fizeram-se várias diligências para aquisição de terreno para a instalação da sua Sede Social. Como a compra de terreno se mostrava difícil de concretizar alugou-se uma casa de habitação, para sede provisória, na Rua 25 de Abril. Mais tarde, adquiriu-se uma casa de habitação degradada, com área capaz de desenvolver as valências de Centro de Dia e Apoio Domiciliário. Este negócio concretizou-se em Maio de 1998, comprando-se por 2.000 contos o prédio situado no Terreiro da Esperança Nº9, para futuras instalações (hoje actuais), de Centro de Dia e sede do Serviço de Apoio Domiciliário. A casa localiza-se no Centro Histórico de Eiras, ocupa o rés-do-chão e primeiro andar e tem uma área global de 170 m2. Em 1998, a associação entregou a candidatura a IPSS (Inscrição Nº1/99, conforme Diário da República Nº41, III Série, de 18 de Fevereiro de 1999), mas apenas foi considerada como tal em 2001, sendo a primeira das IPSS reconhecidas pelo Estado durante aquele ano.

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Os primeiros Corpos Sociais foram eleitos para o Triénio 1998-2000: Presidente 1º Secretário 2º Secretário Presidente Vogal Vogal Presidente Vice-Presidente Secretário Tesoureiro Vogal

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ASSEMBLEIA GERAL Augusto José Oliveira Santos Patrício António Carlos Pereira Campos Ângelo Mendes Dias CONSELHO FISCAL António Martinho Monteiro Teixeira Carlos Alberto da Costa Ferreira Maria Odete Guardado Gaspar DIRECÇÃO Manuel Carlos Rodrigues Santos e Silva Alexandre da Conceição Barros Fernando António da Costa Abel António Pereira Pais Fernando Carvalho Lopes

O edifício do Centro Social da SOL-EIRAS foi inaugurado a 8 de Dezembro de 2001 pelo Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. Manuel Machado, iniciando as suas funções a 7 de Janeiro de 2002, com as valências de Centro de Dia e Serviço de Apoio Domiciliário. Actualmente, frequentam o Centro de Dia 20 utentes e 33 usufruem do Apoio Domiciliário. Uma palavra ainda para o Projecto Horizontes. Foi elaborado em Agosto de 2004 e esteve em vigor até ao final de Dezembro de 2007. Surgiu na sequência do projecto “Ser Criança”. O Projecto Horizontes refere-se a um projecto de desenvolvimento social, que determina a intervenção junto de pessoas e grupos de risco ou exclusão social (crianças, jovens e idosos, desempregados, deficientes e sem abrigo). A Sol-Eiras desenvolve um conjunto de parcerias com as seguintes entidades: Centro de Saúde de Eiras, Escola Secundária Jaime Cortesão, Instituto Português da Juventude, Instituto Superior Miguel Torga, Junta de Freguesia de Eiras, entre outros. Tem também em marcha um projecto relacionado com a Sociedade da Informação, designado “Projecto Clix-Solidário”. Da associação faz parte um Grupo de Cantares, constituído por 40 pessoas e que nasceu no seguimento de uma campanha de angariação de fundos. Os instrumentos utilizados pelo grupo são muito diversificados, produzindo uma riqueza acrescentada: acordeões, bandolins, bombos, cavaquinhos, ferrinhos, flautas, recorecos, violas. Fazem os seus ensaios na antiga residência paroquial, sita ao Terreiro da Fonte. Por fim, uma antevisão do futuro. Em Janeiro de 2004 a associação adquiriu o histórico Lagar das Laranjeiras, onde prevê a instalação de um eco-museu que integrará um salão polivalente com palco amovível e uma área administrativa. A outro nível, a instituição acalenta o sonho de construir uma creche e criar um lar de idosos com cuidados continuados e paliativos. Tem aproximadamente 650 associados, mais mulheres do que homens, de todos os níveis etários.

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Foto 119 – Grupo de Cantares Sol-Eiras. Da esquerda para a direita e de baixo para cima: 1.ª fila - Mário Reis, Pereira, José Silva, Baptista, Odete Guardado, Maria da Paz, Alcides Ferraz, Moreira António, Ângelo Dias; 2.ª fila - Quim “Escola”, Vítor Carapau, Clara Campos, Helena “Moleira”, Célia, Francelina “Leiteira”, Generosa Abel, Eulália Bandeira, Encarnação Jácome, Virgínia Mata, Albertina Correia; 3.ª fila - António “Fanfa”, Fernando Ferrão, Augusto Lopes, Álvaro Lucas, Fernando “Baunilha”, Rosa, Irene Guardado e Belarmina.

CANTO À SOL-EIRAS Em Eiras há tradições Gente alegre e feliz Nas suas recordações (BIS) Rainha Santa e D. Dinis Na associação Sol-Eiras O povo se reuniu Para cantar as cantigas (BIS) Que o tempo não destruiu

A Sol-Eiras nasceu De uma ideia genial Dar vida a quem a deu (BIS) Neste Centro Social

Rainha Santa Isabel Que de rosas fez pão E o Grupo de cantares (BIS) Das palavras fez canção

Cantemos com alegria E espírito folgazão Connosco não há tristeza (BIS) Viva a nossa Associação

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5.3. Comunidade Juvenil de S. Francisco de Assis

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A instituição (669) está hoje situada no Bairro da Liberdade, na zona do Vale do Seixo. A sua história confunde-se com o percurso de vida da Madre Teresa Granado, Directora e Fundadora da instituição. Maria Teresa Serra Granado, também conhecida por Madre Teresa de Eiras ou Madre Teresa de Portugal, natural da Covilhã onde nasceu a 29 de Março de 1929, dedica-se à causa pelos mais desfavorecidos há quase 4 décadas. Formada em Assistência Social pelo Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, ingressou na vida religiosa aos 22 anos, na Bretanha Francesa, nas “Franciscanas Missionárias de Maria.” Posteriormente, passou por Paris, Roma, Paquistão e Macau. E foi neste último local que iniciou o trabalho intenso de humanização e evangelização, dirigindo o Colégio Santa Rosa de Lima, a Escola de Enfermagem e o Hospital Conde de S. Januário. A pátria chamou-a de forma repentina em 1962, para dirigir o Instituto Superior de Serviço Social em Coimbra. A sua acção levaria também à criação do Secretariado dos Voluntários da Acção Social e, mais tarde, às Escolas da Amizade, estruturas vocacionadas para o apoio aos operários. Saiu da Congregação Franciscana Missionárias de Maria em 1966, porque o seu trabalho não se coadunava com as regras estabelecidas; andar nas ruas à noite, entrar tardiamente, estar sozinha em reuniões com os professores...Na altura tinha 37 anos com 15 deles dedicados à Congregação. Com o ordenado de directora do Instituto Superior decidiu alugar um apartamento para acolher as crianças desprotegidas provenientes dos Institutos da Família e Acção Social. Assim nasceria, em 1968, a Comunidade Juvenil de S. Francisco de Assis. Alguns sectores da sociedade compreenderam mal o alcance da sua obra e algumas portas fecharam-se em Portugal. Mas outras abrir-se-iam no seguimento de uma viagem que fez por vários países europeus, onde conseguiu apoios financeiros e voluntários para manterem a obra viva. A primeira fase da comunidade remonta ao tempo em que a mesma esteve instalada na Bencanta. Uma casa (670) que pertencia ao ilustre médico Prof. Dr. Bissaya-Barreto e que por interferência do Governador Civil lhe foi cedida em 1975. Passo muito importante pois os 2 apartamentos que acolhiam as 18 crianças da comunidade estavam em ponto de ruptura. A segunda fase permitiu resolver definitivamente o problema da falta de espaço. A 9 de Março de 1987, a Câmara Municipal aprova a instalação de pavilhões pré-facricados na Cruz de Vale do Seixo, cedendo à CoFoto 120 – Madre Teresa Granado munidade o direito de superfície sobre 5.000 m2, área Texto elaborado a partir da informação gentilmente cedida pela Comunidade Juvenil Francisco de Assis. 670 A casa é actualmente a Sede Oficial da Fundação Bissaya-Barreto, sita na Quinta dos Plátanos. 669

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onde se ergueram 8 casas pré-fabricadas. Assim surgiu a conhecida mini-aldeia ou “aldeia da madre”, com 8 pequenos lares onde convivem diariamente 160 crianças e jovens, portugueses e estrangeiros, de ambos os sexos, anteriormente em risco social e agora entregues à Instituição pelos Tribunais de Família ou pelas Comissões de ProFoto 121 – Vista aérea da Comunidade S. Francisco tecção de Menores. A instituição vem desempenhando um relevante papel sócio-caritativo. Tem o propósito de alojar crianças e jovens, provenientes de famílias carenciadas, disfuncionais, mal tratadas ou abandonadas, que são ali inseridas em ambiente e contexto de família. Cada casa constitui uma pequena comunidade e, vistas no seu conjunto, tornam-se num núcleo habitacional muito interessante, enquadrado por árvores, jardins e repuxos. Cada casinha tem o seu próprio nome: Ana, Arco-íris, dos Avós, Gansos Selvagens, Gulbenkian, Quente, Roseiral Vermelho, Santa Maria, e Terra dos Homens, onde vivem cerca de 80 crianças e jovens. As pequenas ruas do interior, que ligam os vários espaços, encontram-se também baptizadas. Na instituição promovem-se várias actividades: trabalhos manuais, olaria, jogos de computador, sessões de vídeo, passeios e acampamentos. Pelo Verão, a Câmara Municipal promove a ida de alguns alunos à praia e a Segurança Social assegura Colónia de Férias. Os jovens estudam até ao 9º ano, altura em que têm de optar: ou tiram cursos profissionais ou seguem a via escolarizante rumo à Universidade. Actualmente têm 22 alunos a frequentarem Cursos Profissionais e outros 2 a cursarem a Universidade. A reintegração dos jovens depende da autorização do Tribunal, enquanto que outros deixam a instituição abrigo quando reúnem condições para organizar sozinhos a sua vida (casamento, início de vida profissional). A Comunidade tem um protocolo financeiro com a Segurança Social, recebendo apoios monetários de outros organismos do Estado e de particulares. Possui uma série de valências: Casa para os Serviços Técnicos e Administrativos; 2 Gabinetes para Psicólogas, uma casa para apoio ao estudo, uma Ludoteca, um Pavilhão para jogos e uma Olaria. Trabalham ali cerca de 25 pessoas: 2 Psicólogas, 1 Técnica de Serviço Social, 1 Antropólogo Social, 1 Contabilista, 2 Animadoras socio-culturais, 1 motorista, 9 auxiliares de educação, 2 cozinheiras, 6 professores em destacamento, 1 costureira, 1 monitora de vigia à saúde dos utentes, 1 trabalhador polivalente… Algumas trabalhadoras são pontuais, vindas do estrangeiro no âmbito de convívios culturais estabelecidos entre países.

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5.4. Grupo Folclórico e Etnográfico do Bairro do Brinca (Eiras-Coimbra) Este grupo (671), fundado em Março de 1987, germina do contexto históricocultural de uma zona baluarte em tradições e costumes etnográficos – a Região de Coimbra. O estudo e recolha que tem efectuado visa preservar e recuperar um património ameaçado de desaparecer, que é afinal a base do seu repertório e trajes. O grupo é constituído por cerca de 50 elementos, distribuídos pelo toque (concertina, bandolim, violas, toeira, cavaquinhos, ferrinhos e pandeiros), cantadeiras/ cantadores e dançarinos. Um dos grandes objectivos do grupo tem sido o de retratar figuras e quadros--tipo característicos da vivência de outros tempos. Assim, os trajos que o grupo enverga abarcam uma cronologia que vai dos inícios do século XIX a 1920, destacando-se: os de trabalhos de campo, vendedeiras, domingueiros, tricanas, ir à feira, festa, ver a Deus, teres e haveres e noivos. A sua actividade desdobra-se em vários sentidos:

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1. Iniciativas ao nível da Freguesia de Eiras: Reposição da Romaria do Imperador de Eiras; Festa de S. Tiago; e Mercado das Faniqueiras. 2. Colaboração com a Câmara Municipal de Coimbra: Feira das Associações; Noites de Verão; À Mesa com as Freguesias; Mercado dos Chás e Plantas. 3. Cooperação com outras entidades: Feira de Fim de Século em Ribeira de Frades; encontros de folclore da Nazaré; Maias, Doces e Cantares e Cantares do Ciclo Natalício promovidos pelo INATEL. Paralelamente, tem desenvolvido importante trabalho na recuperação de receitas de gastronomia e doçaria regional, com destaque para a sopa ou caldo do Espírito Santo, para os bolos de Massa Sovada, Esquecidos, Maravilhas e licores. Fruto do seu empenhamento o grupo passou a ser considerado de interesse cultural pela Câmara Municipal de Coimbra. É também filiado na Associação de Folclore e Etnografia da Região do Mondego (AFERM) e no INATEL e sócio-fundador do “Eiranças” – Folclore Regional das Beiras.

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Texto redigido a partir do Historial entregue pela Direcção do Grupo.

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6 Foto 122 – Alguns trajos do Grupo Folclórico do Brinca: 1 - Domingar; 2 - D. Dinis e D. Isabel; 3 - Toque; 4 - Varejador e Mulher da apanha da azeitona; 5 - Teres e Haveres; 6 - Faniqueiras.

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6. Os últimos progressos na Freguesia de Eiras 6.1. O Cearte m 1994, o CEARTE – Centro de Formação Profissional do Artesanato – com sede EFreguesia em Coimbra e Pólos em Semide e Alvaiázere, instalou-se definitivamente na de Eiras (Zona Industrial da Pedrulha), na área fronteira ao Complexo de

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Piscinas Rui Abreu, após reabilitação do antigo Matadouro de Aves, numa adaptação magnifica da autoria do arquitecto Vasco Cunha. Este centro foi criado em 1986 através de protocolo celebrado entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional e a Caritas Diocesana de Coimbra, com o objectivo de promover acções de formação profissional orientadas para as diversas áreas do sector do artesanato. Em 2008, cumpre 22 anos de existência, sendo o único Centro de Formação da Rede de Centros do IEFP especifico para as Artes e Ofícios em Portugal, procurando ligar o artesanato, a formação, o emprego e o Foto 123 – Sede do Cearte desenvolvimento local. Desenvolve como principais áreas de intervenção: Formação Inicial de Dupla Certificação (escolar e profissional); Formação Contínua de Activos (com e sem dupla certificação); Prestação de Serviços de Formação; Gabinete de Apoio ao Artesão e à Microempresa; Centro de Recursos em Conhecimento para o Artesanato; Consultodoria, Formação e Apoio à Gestão de Microempresas; Espaço Internet; Centro Novas Oportunidades (reconhecimento, validação e certificação de competências escolares ao nível do 6º, 9º e 12º ano) e Profissionais. Ao nível da Formação Inicial de Dupla Certificação, desenvolve cursos para jovens e adultos e de aprendizagem em áreas onde o mercado de trabalho tem fortes necessidades como a Electricidade, Multimédia, Sistemas Ambientais e Conservação e Restauro, entre outras. Na Formação de Activos, realiza formação em todo o território nacional em colaboração com Associações de Artesãos, Associações de Desenvolvimento Local e outras entidades, com uma extensa área de formação: Apicultura, Azulejaria, Cerâmica Criativa, Comercialização, Design e Inovação, Douragem, Encadernação, Escultura, Gestão, Higiene e Segurança, Tecnologias de Informação e Comunicação… Neste campo desenvolve, em média, 150 acções de formação por ano, envolvendo mais de 1.500 formandos, dando corpo à consciência de que a formação profissional é uma importante ferramenta de desenvolvimento e inovação do artesanato (672).

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Dados retirados do texto gentilmente cedido pela Direcção do CEARTE.

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6.2. A criação de um espaço de lazer no Escravote No ano de 2002, a Junta de Freguesia instalou no Largo de Santo António, na zona do Escravote, várias estruturas de lazer: telheiro, pequeno balcão artesanal, lavatório, 4 mesas de pedra com bancos em volta e grelhadores, colocando uma escadinha de acesso à Ribeira, e fazendo uma pequena represa que se mantém com espelho de água, entre 30 de Junho e 30 de Setembro, dando ao espaço um aspecto bucólico e refrescante. Assim, nos dias em que o clima o permite, ali se juntam, nos domingos, feriados e dias de festa algumas famílias para confraternizarem. No Largo de Santo António e a escassos metros da fonte, construiu-se um nicho circular, em cimento, onde se colocou uma imagem do Santo.

6.3. O Complexo de Piscinas Rui Abreu Localiza-se no limite Oeste da Freguesia de Eiras, perto da povoação da Pedrulha (Freguesia de Santa Cruz) e representou um investimento público de aproximadamente 3 milhões de euros. Dispõe de uma piscina de 25 metros por 21, construída de acordo com as normas nacionais e internacionais, idealizada por forma a permitir provas de competição.

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Foto 124 – Complexo de piscinas Rui Abreu

No entanto, tem também como objectivo servir a população em vertentes que não a da competição, funcionando por isso em regime livre e possibilitando a frequência de aulas de hidroginástica, desporto de manutenção e aprendizagem. Por estes motivos dispõe de uma piscina mais pequena, de 21m por 10,5 com 1,10m metros de profundidade. O complexo dispõe ainda de um conjunto de infraestruturas de apoio: gabinete médico, balneários, salas de controlo anti-doping, zona de controlo e supervisão das piscinas e bancadas para atletas e público. No exterior, o complexo conta um parque de estacionamento para 81 viaturas e extenso espaço verde. O nome da piscina pretende homenagear o jovem nadador Rui Abreu (1961-1982) desaparecido prematuramente. O complexo foi inaugurado a 5 de Setembro de 2004, na presença de várias individualidades: Secretário de Estado Adjunto e da Administração Educativa, José Manuel Canavarro; Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, Dr. Paulo Pereira Coelho; e pelo Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. Carlos Encarnação.

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6.4. O novo Centro de Saúde de Eiras O novo Centro de Saúde de Eiras foi construído na zona da Pragueira, junto da Urbanização Chaves. Representou um investimento de 2,5 milhões de euros (entre construção e equipamento). Foi inaugurado pelo 1º Ministro Dr. Pedro Santana Lopes, a 18 de Janeiro de 2005. As novas instalações dotaram o Centro de Saúde de um conjunto de condições que permitem uma melhor articulação com outras entidades e serviços. A título de exemplo, o médico de Saúde Pública, o Técnico de Saúde Ambiental e o Técnico de Serviço Social dispõem agora de um espaço próprio para trabalhar, o que antes não acontecia. O Centro dispõe ainda de um parque de estacionamento privativo para utentes e para funcionários, existindo em volta do edifício um espaço verde. Em 2004 servia cerca de 22.500 utentes e nele trabalhavam 11 Médicos, 11 Enfermeiros, 11 Administrativos, 3 Auxiliares e 1 Motorista. Ali e além das consultas normais tem as especialidades(?) de Serviço Social, Saúde Pública, Atendimento Complementar, Fisioterapia e Saúde Oral. O Centro tem as seguintes extensões: Botão, Brasfemes, S. Paulo de Frades, Souselas e Torre de Vilela.

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Foto 125 – O novo Centro de Saúde de Eiras

6.5. A Variante de Eiras A inauguração e abertura da 1ª fase da Variante de Eiras, entre a Estrada Municipal 537 e a Rua da Oureça, sonho com mais de 50 anos, concretizou-se no dia 30 de Janeiro de 2005.

Freguesia de Eiras: de Abril de 1974 aos princípios do século XXI

Com esta obra, da responsabilidade de Civilias Construção Lda., surgiu, finalmente, uma alternativa às ruas estreitas do centro de Eiras, permitindo a circulação de veículos pesados e aumento de tráfego ligeiro, traduzindo um longo período de discussão popular acerca do trajecto da nova estrada. De facto, a Variante de Eiras, nasceu Foto 126 – Variante de Eiras muitos anos antes dos estudos e, por conseguinte, da sua concretização. Nos finais da década de 60 do século XX, acentuou-se a necessidade de uma nova estrada que desviasse o trânsito de pesados e mercadorias, já então intenso, do centro de Eiras. Pela mão do Prof. Albuquerque Matos, foi nascendo a ideia de fazer uma Variante do Alto do Balancho à bifurcação das estradas do Quarto e da Ribeira, indo pela encosta do Vale do Fojo e Ouressa. A Variante inaugurada foi apenas a primeira de duas fases: parte do cruzamento para Eiras desde a Rua Dr. Alfredo Freitas até sair à Rua Rainha Santa, seguindo depois pela Rua Dr. Albuquerque Matos, nos Casais de Eiras. A segunda parte diz respeito ao arrumamento de ligação entre a Rua da Oureça e a Rua da Fonte das Hortas, no Alto do Balancho. Quando se concretizar a ligação Circular Externa/ IP3, o trânsito da variante confluirá para a mesma.

6.6. O Parque Empresarial de Eiras Localiza-se na zona conhecida por Sezém (ou Cezem), perto da Escola Secundária D. Dinis, a meia dúzia de metros do Bairro S. Miguel, sendo constituído por 22 lotes. Em 2001, assinaram-se 21 contratos com a Câmara Municipal de Coimbra para 21 empresas se poderem ali instalar em outros tantos lotes. Trata-se do 1º Parque Empresarial na Região Centro, com condomínio empresarial, ou seja, serão as 21 empresas a organizarem toda a área do parque, estando reservado um lote para serviços comuns, incluindo um auditório. Prevê-se que sejam criados 528 empregos. A primeira empresa a instalar-se no local foi a “Beiridis”, que se dedica ao mercado dos ultracongelados e produtos de temperatura ambiente.

6.7. As obras de Saneamento Básico A Freguesia de Eiras celebrou, a 28 de Outubro de 2007, a conclusão de uma das mais importantes empreitadas da sua História: o Saneamento Básico passou a estar disponível quase a 100% para todos os seus habitantes no âmbito da Obra de Requalificação Ambiental da Zona Norte da Cidade de Coimbra. Um feito histórico dado que alguns lugares estavam totalmente desprovidos desta infra-estrutura. A assinalar o facto inaugurou-se o Fontanário do Parque do Escravote.

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Esta obra, como se disse, inseriu-se na empreitada de requalificação ambiental da zona Norte e saneamento das bacias das ribeiras de Eiras e Fornos, abrangendo mais oito freguesias do Concelho de Coimbra: Antuzede, Botão, Brasfemes, Santo António dos Olivais, São Paulo de Frades, Torre de Vilela, Souselas e Trouxemil. Com esta e outras obras, o Concelho de Coimbra deverá atingir as metas europeias propostas pelos PEAASAR – Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais para Portugal – que tem como meta estratégica para 2013 servir cerca de 95% da população com sistemas públicos de abastecimento de água e 90% com sistemas de saneamento e águas residuais. Eiras deu um passo fundamental rumo ao progresso, aumentando a qualidade de vida e proporcionando condições à fixação de pessoas e serviços na freguesia.

6.8. A Freguesia de Eiras torna-se a casa do INEM

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A 30 de Outubro de 2007, foram inauguradas na Estrada de Eiras, edifício B-Side, as novas instalações do Instituto Nacional de Emergência Médica, estrutura que veio transferida das instalações da Avenida Elísio de Moura, onde o INEM esteve sedeado 12 anos. Face às novas necessidades e desafios, a mudança impôs-se. O novo espaço dispõe-se por 2 pisos, ocupando cerca de 1.500 m2, ascendendo o investimento a 420 mil euros. A nova casa compõe-se de serviços de coordenação, administração e logística da delegação, Centro de Orientação de Doentes Urgente (CODU) e centro de formação. Fazem parte da estrutura as viaturas de suporte imediato de vida (SIV) e de suporte básico de vida (SBV). Diga-se a propósito que, a nível nacional, o INEM apenas dispõe de 4 CODU, tendo além deste os localizados em Faro, Lisboa e Porto. Compete-lhes fazer a triagem e avaliação de todos os pedidos de socorro. O CODU de Coimbra cobre 1 milhão e 900 mil pessoas. Os operadores de atendimento do INEM recebem uma média de 900 chamadas por dia, com acidentes e doenças súbitas no topo da tabela dos pedidos (673).

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«Nova Casa do INEM», In Saúde, Supl. Diário de Coimbra, 20/11/2007, Pp.4-5.

PATRIMÓNIO HISTÓRICO-ARQUITECTÓNICO DA FREGUESIA DE EIRAS

«Falar de património local, quer seja rural ou urbano, é falar de uma herança e de uma memória colectivas, as quais se inscrevem e revelam, por exemplo, na paisagem natural, no património construído, nas tecnologias, ofícios e transportes tradicionais, nos hábitos gastronómicos, no folclore, no imaginário colectivo patente nas crenças populares e em todo um amplo conjunto de vestígios associados ao modus vivendi de uma comunidade ao longo dos tempos». António Manuel P. Travassos - «As Populações e o Património. Que desafios? Que responsabilidades?» In Munda, Nº 47, GAAC, Maio 2004, P. 63.

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Fotos 126 e 127 – Igreja Paroquial de S. Santiago. Em cima a fachada principal e em baixo, vista interior

Foto 128 – Imagem de Santiago, pedra, séc. XVI

A – PATRIMÓNIO EXISTENTE 1. A Igreja Paroquial de S. Tiago actual Igreja Matriz da Freguesia de Eiras é construção do séc. XVIII. Exemplar de arquitectura religiosa barroca, foi implantada no vasto terreiro arborizado, de frente para a Igreja do Sacramento, tendo no flanco esquerdo a fonte ou chafariz também setecentista. Quando se deu autorização para a demolição da velha Igreja Matriz, em Dezembro de 1728, o Cabido permitiu a edificação de novo templo. No entanto, o processo demorou o seu tempo e, sem prejuízo da adesão popular, a nova matriz deveu-se, particularmente, ao empenho de duas figuras: num primeiro momento ao Vigário de Eiras, Fabião Soares de Paredes e, posteriormente, a El-Rei D. João V. De facto, a decisão para a construção da nova Igreja foi tomada a 12 de Setembro de 1734, iniciativa do Vigário Fabião Soares de Paredes. Como o próprio deixou escrito, foi o estado de ruína da antiga igreja, localizada à entrada da povoação no sítio que hoje designam por Passal, que desencadeou o processo. Escolhendo-se local para nova edificação, a construção avançou com o dinheiro do Cabeção das Sisas: «Eu Fabião Soares de Paredes Ferreira vigario desta Igreja vendo o lastimozo estado em que estava a Igreja Matriz, e o grande discomodo, que resultava aos meus freguezes por estar fora da povoação e outras descomodidades notórias recorri ao meu Prelado para que dentro da Villa me mandasse assinar sitio capaz para a nova Igreja, que foi servido mandar hũ Dezembargador da Meza o Doutor Pascoal Mendes Barreto, que assinou e demarcou para Igreja o sitio donde chamão as Eyras de que se mandou passar Provizão sendo Vigario capitular o Doutor Freyre de Faria: e como para fazer esta nova Igreja serão precizas varias despezas, e os ditos meus freguezes não podião suprir tam grandes dispêndios, eu e elles juntamente recorremos a Sua Magestade para que do Cabeção das Sizas desta mesma Villa nos fizesse graça conceder aquelle dinheiro que custasse a grande obra da Igreja Nova, que foi servido ha Villa assim por bem» (674).

A

674

A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 92.

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Como dissemos, a nova construção só foi possível com a compreensão e empenhamento do Rei D. João V, ao atender favoravelmente a petição enviada pelos moradores de Eiras, onde pediam a mudança da igreja para dentro do povoado, face ao estado de ruína da antiga Matriz. A necessária Provisão tem a data de 20 de Maio de 1734 e, por ela, se concederam 4 contos e 136.000 reis dos sobejos das Sisas do Cabeção da Vila de Eiras: «…por cujas rezoens dezejavão mudar a dita Igreja pera dentro do povoado, o que nam podiam fazer por falta de meyos pois ainda que estavam promptos para concorrerem com as esmollas e trabalho de suas pessoas, e dos seus carros, e hera isto muito limitado, e só fazendo-lhe mercê dos sobejos das sizas e da mesma Villa poderiam fazer a dita obra e assim me pediam lhe fizesse merce conceder-lhe provizam para que os sobejos que ouvesse na dita Villa se aplicasse para se fazer a obra da sua Igreja com seu Adro, e mais offecinas necessarias para a dita obra; E visto o seu requerimento, e informaçoens que se ouveram pello Provedor da Comarca de Coimbra ouvindo os officiais da Camera, Nobreza, e Povo, que nam tiveram duvida, e constar ser o ultimo lanço da referida obra de coatro contos e sento e trinta e seis mil reis; Hey por bem fazer mercê aos Supplicantes para que possam pellos sobejos das sizas do Cabeçam da dita Villa de Eyras gastar na obra da sua Igreja a referida quantia de coatro contos cento e trinta e seis mil reis o qual se aplicará, e gastará com effeito na dita obra…» (675). Apesar da disponibilidade financeira e de todas as autorizações necessárias, a “obra nova”demorou o seu tempo a concretizar-se, facto que seria estranhado pelo Visitador de 1736: «No temporal muito hé para estranhar, que tendose em repetidas vezitas recomendado a obra da Igreja nova pella grande necessidade, que della há assim Fotos 129 e 130 – Moedas de 10 reis pello estado em que a Igreja Velha se acha amiassando do tempo da construção da Igreja evidente ruina (…) muito mais havendo Sua MagestaMatriz. Em cima a de D. José de que Deos goarde consedido por sua Real grandeza e em baixo a de D. João V tam amplo subsucidio para a nova construcão della, e tendo-se alcançado do R.mo Prelado Licença, para a heração da nova, e dimulisão da antiga por tanto mando ao Rdo. Parocho mais não sellebre na Igreja Velha os officios Devinos alguns antes todos na Capella Igreja do Sacramento; e pera a mesma se mude a pia Baptismal, e as Imagens, que nella ainda se acharem e não estiverem em estado decente porque estas se enterrarão» (676). A.U.C. – Fundo da Câmara Eclesiástica de Coimbra: «Autos de requerimentos que fas o Reverendo Fabiam Soares de Paredes vigario da freguezia de Eyras sobre a obra da nova igreja da mesma freguezia», In Processos relativos à freguesia de Eiras. Construção de nova igreja, 6 de Maio, 1744, Fl. 6v. Vide também Apêndice Documental, Doc. X 676 A.U.C. – Fundo da Câmara Eclesiástica de Coimbra: «Autos de requerimentos que fas o Reverendo Fabiam Soares de Paredes vigario da freguezia de Eyras sobre a obra da nova igreja da mesma freguezia», In Processos relativos à freguesia de Eiras. Construção de nova igreja, 06 de Maio, 1744, Fl. 3v.

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PLANTA E ALÇADO PRINCIPAL DA IGREJA DE S. TIAGO

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Contudo, desde 1670 que era conhecido o motivo pelo qual a obra não avançara. No Capítulo da Visitação desse ano ordenara-se ao Juiz da Igreja que «…fizesse arrematar a obra da Igreja com a brevidade possivel como a necessidade della pede»(677). Como a tal decisão não dera cumprimento, Fabião Soares de Paredes avança com um processo na Câmara Eclesiástica em 1744, onde o dedo acusatório da corrupção aponta, uma vez mais, para os Juízes da Igreja: «…cuja obra ate qui se não tem principiado não obstante haverse ja feito Planta, e apontamentos, assinado sitio, e posta a pregão no Juizo da Provedoria tudo pella pouca diligencia dos Juizes da Igreja, e imbaraço de algum Paroquiano, que por se servirem dos dinheiros do dito acrecimo divertião o darsse principio a dita obra (…)» (678). A análise do processo julgado pela Câmara Eclesiástica entre 1744 e 1752 deixa perceber a grave questão levantada entre Fabião Soares de Paredes, Vigário de Eiras, e Manoel de S. Joseph de Carvalho, Juiz da Igreja e seu pai Luis de Carvalho, com o apoio de alguns fregueses. De facto, Fabião de Paredes em informação enviada para o Juízo Eclesiástico, acusa os segundos de andarem a desviar o dinheiro fixado em Provisão para execução das obras da nova igreja. Primeiro, desviaram 11.000 cruzados para as obras da fonte, com a agravante de terem arrematado a obra em proveito próprio por 7.000 cruzados, preparando-se para dar destino semelhante a 8.000 cruzados: «Agora sucede que tomando-se contas ao Cabeção se achão novamente nelle de sobejo oito mil cruzados, que quando eu cuidava se intrava com elles na factura da nova Igreja, me consta, que o mesmo fregues que fes a fonte anda fazendo diligencias para novamente se aplicarem os ditos sobejos, que de prezente ha para a obra de húas calçadas, que intenta se fação nesta villa, para o que elle mesmo, e seus apaniguados tem feito apontamentos por ordem do Dr. Provedor da Comarca, cuja obra se diz custará os mesmos oito mil cruzados, que ha de acréscimo, quando alias as necessarias calçadas da Villa; pelo que dizem os mais prudentes se fazem com menos de duzentos mil Reis, sem que seja necessario fazeremse calçadas por caminhos, onde nunca as houve, nem são precizas fora da villa: imsopando assim todo o dinheiro do Cabeção em notório projuizo da obra da Igreja para que esta aplicado há tantos anos...» (679). Estávamos a 9 de Junho de 1744, e o caminho para a nova igreja demoraria o seu tempo. O Juiz da Igreja, na sua defesa, alegará três razões principais para o procedimento que teve: - «…não he Juiz da Igreja senão do Natal passado a esta parte, sem que haja outros adjuntos senão elle eleito pelos Mordomos, do Sr. e mais oficiais e antes delle servirão outros mais Juizes ja desde tempo que se dis alcancava Provizão para nova Igreja sem algum fazer tal deligencia (…)

Id. Fl. 3. Id. Fl. 8v. 679 A.U.C. – Fundo da Câmara Eclesiástica de Coimbra: «Autos de requerimentos que fas o Reverendo Fabiam Soares de Paredes vigario da freguezia de Eyras sobre a obra da nova igreja da mesma freguezia», In Processos relativos à freguesia de Eiras. Construção de nova igreja, 06 de Maio, 1744, Fl. 18. 677 678

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Foto 131 – Pormenores do interior da Igreja de S. Tiago. Da esquerda para a direita e de cima para baixo: 1.º plano - retábulo principal ladeado pelos retábulos colaterais (2.ª metade do séc. XVIII); 2.º plano - altares laterais e ao centro o púlpito (2.ª metade do séc. XVIII); 3.º plano - Virgens sobre misulas do altar mor e ao centro Nossa Senhora do Rosário, imagem recente em roca coberta por manto bordado a ouro; 4.º plano - imagem do Sr. Salvador do Mundo, o Sacrário e Nossa Senhora do Rosário

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- Que a Abbadeca e Mosteiro de Cellas sam Donatarios da Villa de Eyras e Padroeiro da Igreja que nunca quizerão e nem convierão na fatura de nova Igreja por senão necitar della e se achar com segurança (…) na Vezita de ha dois annos que fes o Muito Reverendo Dr. Dezembargador Bento da Fonceca se mandou que ouvesse finta para se concertar a Igreja a que se procedeo sendo concertada de todo o necessario assim por sima como por baixo e se acha capas segura e com aseyo (…) - Não tem Provizão alguâ de S. Magestade para se dar dinheiro algum para a fatura de nova Igreja nem lhe foi emtregue e nem a vio nunca e nem os mais Juizes da Igreja e quem a tinha e deligenciou foi o Reverendo Vigario que a tinha em seo poder e he o que deve dar conta della» (680). Em resposta, Fabião defende-se, em especial, da suposta conivência do Mosteiro de Celas com a situação, denunciando o conluio existente entre o Padre Feitor das Religiosas e o Juiz da Igreja, relembrando ainda que, na qualidade de Padroeira da Igreja de Eiras, o Mosteiro recebe os Dizimos, motivo pelo qual poderia ser obrigado a fazer a Igreja Nova à sua custa. Por esta altura, os principais ofícios religiosos da Freguesia de S. Tiago realizavam-se, por força das circunstâncias, na Igreja do Santíssimo Sacramento. Entretanto chegava-se a 1745 e a situação altera-se, para melhor, no seguimento da designação de Manoel da Murta para o cargo de Juiz da Igreja. Assim que toma posse apressa-se a declarar, a 30 de Maio de 1745, que «nam só esta prompto (…) para convir na util e nesessaria obra do novo templo, mas tambem para fazer aquella moral deligencia que conduzir para esse effeito» Manoel dos Reys e Sousa, Protonotário Apostolico propõe que «…hajam de elleger a votos quatro ou seis homens dos de milhor inteligensia e zello da dita freguezia para em nome della tratarem dos requerimentos consernentes a esta materia pois a todos he util (…) e com este se não exhime o mesmo Juiz de obrar o que pudera» (681). Fabião tinha agora um precioso aliado, juntando-se-lhe, a 8 de Junho de 1745, «… no acto de Missa da terra e ahi fazendo e tomando votos para se ellegerem seis homens de boa intelligencia e capacidade». Os escolhidos foram: Tenente Manoel Marques Carrasco, Francisco Marques (Carpinteiro), Joze Rodrigues Moreira, (Boticario), e Luis Marques Cardozo [todos do lugar de Eiras]; e Joze de Macedo Varella e Manoel Gomes de Almeida (Casais de Eiras). Tudo parecia bem encaminhado. No entanto, e porque a obra não principiou dentro do prazo fixado, a 22 Agosto de 1745, Manoel dos Reis, Reverendo Promotor da Camara Eclesiastica, passa Carta Declaratória considerando-os excomungados. O processo voltava ao início e nova luta iria travar-se. Correm os Suplicantes a recorrer da decisão alegando que a Provisão Régia se perdera, transcrevem-se a pedido do Promotor Fiscal da Justiça Eclesiástica os documentos necessários e o assunto acaba por morrer tranquilamente na ordem do Juízo Eclesiástico: «Venham os Supplicantes buscallos para os levarem com a Segurança necessaria». O processo vai longo e decisivas se tornariam as conclusões do Capítulo de Visita de 15 de Agosto de 1750, feita pelo Dr. Manoel Roiz Teixeira, Provizor do Bispado às condições da Igreja Velha: «Pella indecencia da Paroquial Igreja desta freguezia; e do sitio não só despovoado mas muito húmido em que antigamente foi 680 681

Id. Fls. 24-24v. Id. Fl. 46.

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edificada se não administrão ja ha muitos tempos os Sacramentos, nem celebrão os officios Divinos, e se tem rezoluto com bom, e prudente acerto fazersse outra nova dentro da dita Villa e em sitio mais congruente qual já na vezita passado anno de mil setecentos e corenta e oito examinei ser junto da fonte da mesma Villa, e ao lado desta para a parte das Eyras sendo que ou por falta de zello dos Paroquianos, ou por causa de particulares objeçoens, e alguas circunstancias, que decorrem a respeito da importancia preciza para as despezas da obra se não deu athe o prezente principio a ella porem como agora se acha ja expedita hua Provizão de S. Magestade com a graça de des Mil Cruzados de produto dos sobejos das Sizas da mesma Villa para estas despezas cometemdo-se juntamente a superintendencia da dita nova obra ao Dr. Provedor da Cidade de Coimbra e mandandose fazer nova planta reguladora de sorte que não exceda as taes despezas aos ditos dez mil cruzados, ordeno ao Juiz da Igreja e aos eleitos para a administração das mesmas obras, que no termo de hú mês sob pena de excomunhão major, e agravação de mais sençuras como tambem a pecuniaria de quinhentos cruzados cada hum a metade para as referidas despezas, e a outra para as da Justiça façao por em execução a dita Provizão recorrendo ao dito Dr. Provedor e assim mais lhe parecer, não so para se por pronta a dita nova planta, mas tambem para se rematar a dita obra em forma que no termo de seis mezes se de principio a ella no referido sitio…» (682). Fabião reforçará a ideia de um espaço arruinado e abandonado: «Esta tal Igreja velha não tem outro uso, nem se abre para mais, que para se interrarem nella algúns defuntos pobres; se fazerem os bautizados, e dizerem as missas conventuaes, as quais não me he possivel por mais que trabalhe fazer assistir inda húa pequena parte dos freguezes, de que rezultão alguns inconvinientes espirituais» (683). Pelo meio, dos ditos 6 homens encarregues da obra nova da igreja, um já morrera e os outros estão cansados levando Fabião a pedir a nomeação de mais 6 pessoas em Agosto de 1751. A 8 de Outubro do mesmo ano, Fabião informa o Provisor que «… se rematou no Juizo da Provedoria ao Mestre de Obras Manoel Francisco do lugar de Sa freguezia de Esgueyra, o qual ofrece fiador, e bens para a segurança da mesma obra, e esta pronto a fazer Escritura e dar principio a obra» (684). Parece estar tudo pronto para a grande obra da Freguesia de Eiras do séc. XVIII. Mas falta transpor um último obstáculo: os oficiais da Vila de Eiras que «… não querem consentir (…) dizem que não hé abonado, nem basta o fiador, e nesta contenda estão ha perto de hum anno (…) na falta de igreja ha grandes detrimento nos materiaes da Igreja velha, porque chove nas madeyras que todas são de castanho e ha prigo da telha se perder arruinando‑se de todo…». Descobre-se então que o obstáculo de 1744 era de novo obstáculo em 1751: Manoel de S. Jozé de Carvalho ocupava o cargo de Juiz ordinário na Vila. Em Dezembro de 1751, a morte surpreendia Fabião Soares de Paredes que não assistiria à construção da obra porque tanto lutara e sonhara. E talvez o seu desaparecimento tenha tido o condão de desbloquear a situação, para o que também

Id. S/N. Id. Fl. 30. 684 Id. S/N. 682 683

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contribuiu o Despacho do Promotor Barreto, a 8 de Agosto de 1752, dirigido ao novo pároco da freguesia, que deve ter calado bem fundo nas gentes de Eiras: «Entendo que com a sua eficaçia moveria aquellez Parochianos a que se empenhassem com obra tam neçessaria e de tanta ponderação; reprezentando-lhe, que outras mesmas freguezias deste Bispado sem terem couza algua de ajuda, tem edificado Temploz magníficos» (685). Desbloqueada a situação, a construção teve princípio, certamente, na segunda metade do século XVIII, e no reinado de D. José, como indica o letreiro VIVAT REX IO/SEH, aberto no Escudo Nacional que encima a porta. O desenho da planta coube a Gaspar Ferreira e a execução, como vimos, foi arrematada por Manoel Francisco, do lugar de Sá, freguesia de Esgueira (686). Gaspar Ferreira, artista coimbrão de formação autodidacta, que morou no Bairro de Montarroio, foi arquitecto e entalhador que trabalhou não só em Coimbra, mas também um pouco por toda a Região Centro entre 1718 e 1761. O Prof. Vergilio Correia classificou-o como um dos dois melhores arquitectos da época joanina em Coimbra, juntamente com João Carvalho Ferreira (687). Em Coimbra, surge-nos, no ano de 1718, como mestre das obras da Universidade sendo responsável pela construção da Biblioteca Universitária (1718-1725). Mais tarde, em 1720, é chamado a Viseu para dar parecer sobre o restauro da Sé, cidade onde regressará em 1732 para refazer o Altar-Mor da Sé. Também em 1720 inicia a sua ligação com Mangualde, lugar onde encontramos um maior número de obras desenhadas por Gaspar Ferreira e executadas durante o séc. XVIII: a Igreja da Santa Casa da Misericórdia de Mangualde, o Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição e as casas de José Rebelo Castelo Branco. Em 1728, o arquitecto sofre rude golpe com a rejeição dos seus planos para a Torre da Universidade, provavelmente porque lhe faltava o contacto com os meios eruditos. Para Gaspar Ferreira, os tempos próximos seriam de deambulações pela Beira: depois de executar o Trono Episcopal da Sé da Guarda, desloca-se a Arouca reformando os dormitórios do Convento e riscando o Celeiro Novo; daqui partiu para Santa Comba Dão, pois havia recebido a encomenda do edificio da Misericórdia. Regressado a Coimbra ainda neste ano, e sobre planos de Carlos Mardel, levanta o grandioso claustro do Mosteiro de Santa Clara a Nova, obra que o ocupou alguns anos; entre 1752-1754 risca e dirige a empreitada da fachada do antigo Hospital de Nossa Senhora de Campos. Sabemos também que participou na obra da frontaria da Capela do Senhor das Barrocas, em Aveiro, e que a última empresa em que andou envolvido foi o início da construção da Portaria do Mosteiro de Santa Clara a Nova, em 1761. As características especiais de Gaspar Ferreira, no Universo da Arte, foram definidas por António Pimentel, em 1989: «Derradeiro testemunho conhecido da sua extensa carreira ilustra bem, no seu barroco de ressonâncias centro-europeias, o valor e a ciência de um mestre de pro-

Id. S/N. Id. Fl. 75 em diante. 687 Alexandre Alves - «A actividade de Gaspar Ferreira em terras do interior beirão» In Rev. Mundo da Arte, Nº 6, Maio, 1982, P. 2. 685 686

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vincia que bem sabia interpretar e dar corpo à arquitectura erudita que o País encomendava em Lisboa nela se formando e educando o gosto. E este seria, provavelmente, o seu maior talento» (688). A 13 de Abril de 1758, benzeu-se metade da Igreja, assistindo ao acto toda a clerezia da freguesia e, no mesmo dia, foi nela sepultada Maria Carvalha, dos Casais. O registo está assinado pelo Vigário da freguesia, Luiz Barreto de Figueiredo e Castilho: «Aos treze dias do mez de Abril de mil e setecentos e sincoenta e oito faleceo Maria Carvalha dos Cazaes desta freguezia veuva de Manoel Gomes, e foi a primeira pessoa que se sepultou na Igreja nova depois de benzida; e para constar fiz este assento» (689). As obras na Igreja Matriz foram uma constante no decurso do século XIX, dinamizadas pela Junta de Paróquia, contando com a ajuda preciosa das Irmandades e da família Pais da Silva: - Em Dezembro de 1868, a Junta de Freguesia entrega a obra dos pórticos dos lados da Igreja ao Sr. António Fernandes Maia de Vilarinho; - Nos princípios de Outubro de 1870, arranca a «Obra da Igreja Matriz». A Junta reúne para apreciação do orçamento assinado por peritos e a obra é classificada como «de urgente necessidade». Na ocasião o executivo local é claro quanto ao assunto: «…a Juncta demite de si toda a responsabilidade pelos prejuisos que possam haver de fucturo, caso esta obra se não faça com brevidade» (690). As Confrarias, presentes na reunião, percebem a mensagem e avançam com uma quantia entre 400.000 e 500.000 reis. O Dr. Antonio Jose Paes da Silva, também presente, intervém declarando que «…se associava á idea da compostura da Igreja Matriz, com o que a religião e a sociedade muito se engrandecereriam»; - Nos inícios de Dezembro do mesmo ano a obra das portas de ferro é entregue a António Pereira, oficial de Serralheiro, do lugar das Sete Fontes, da Freguesia de Santo António dos Olivais; - Nos finais de Fevereiro de 1871 o projecto sofre duro revés: O Governador Civil reprova a obra da Igreja proposta pela Junta. Os mesários das confrarias afirmam que contribuem com o que podem, num total de 630.000 reis, pelo que a obra pode avançar; - No entanto, o processo estagnará por alguns meses e só a 11 de Novembro de 1872 a Junta nomeará tesoureiro responsável pelas contas da Obra da Igreja, sendo designado por unanimidade Joze Adjuto Correa da Fonseca; - A 5 de Janeiro de 1873, a Junta dá de arrematação a Obra da Igreja Matriz que foi entregue ao perito Sebastião Dias, residente em Coimbra, pelo valor de 744.000 reis (691). A Junta contribuirá orçamentando verbas extraordinárias; - A 30 de Julho, com as obras a todo o vapor, a Junta de Paróquia procede «…à vistoria do emmadeiramento da mensionada Igreja, e assento e construção das

António Filipe Pimentel – «Gaspar Ferreira» In Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Editorial Presença, 1989, P. 188. 689 A.U.C. – Registos Paroquiais: Eiras – Livro de Óbitos da Freguesia de Eiras, 1626-1788, Fl. 203v. 690 A.J.F.E. - Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 1, 1867-1881, Fl. 12v. 691 Id. Fls. 22-22v. 688

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cambotas» (692). Os louvados nomeados aprovam as obras - Joze Alves de Faria, Mestre de Obras da Câmara Municipal; Joze Joaquim Penna Pacheco, empregado das Obras Publicas do Distrito e Julio Madeira Cardozo, proprietário, tal como o anterior do lugar de Vilarinho; - A 15 de Agosto de 1873, a Junta de Paróquia avança para a segunda fase da Obra da Igreja Matriz: «…foi dada de arrematação o conserto da Capella-mor da Egreja Matriz pela quantia de quarenta e quatro mil reis pago em duas prestações (…) que os empreiteiros Jeronimo da Cunha, Joze Gomes Junior, e seu fiador Joze da Silva, assignarão» (693); - A 20 de Julho de 1874 e uma vez que «…se acha concluida a obra da Matriz d’esta freguezia, a excepção da pintura dos altares, para o que a Junta não se acha habilitada por ora a mandar fazer, por falta de recurso», requere-se a bênção da Igreja Matriz, pedindo-se em particular que «…este acto tivesse lugar sabbado dia do Nosso Orago Apostolo San Thiago» (694). O Cabido foi rápido na resposta e, no dia 22 do mesmo mês, encarrega Augusto Henriques de fazer auto de revista à Igreja Paroquial e as conclusões não podiam ter sido melhores: «…a achei muito desente, magnifica ate, podendo nella celebrar-se os actos religiozos com o espplendor compatível com as forças da freguesia; pelo que a meo ver, são dignos de louvor não só a junta de parochia da freguesia pelos sacrifícios que fês, para levar ao cabo obra tão dispendioza, mas tãobem o povo, que generoso concorreo para a sua realisação. É esta a verdade que me cumpre communicar a V.Exª» (695). A 2 de Agosto de 1874, fez-se a trasladação do Santíssimo Sacramento e, em 1891, promoveu-se a ampliação da Capela do Santíssimo Sacramento (entretanto desaparecida), que foi benzida a 24 de Dezembro de 1891: «Aos vinte e quatro dias do mês de Desembro do anno de mil oitocentos e noventa e um procedi pelas 4 horas da tarde á benção da Capella do Santissimo Sacramento, com auctorisação do Ex.mo Senhor Bispo Conde D. Manoel Correa de Bastos Pina na forma do Ritual de Paulo V cuja capella deixei ampliada para a casa das sessões que mandei reedificar e ampliar. Tres annos antes a expensas da Confraria do Santissimo Sacramento, bem como á custa desta confraria forão as obras d’esta Capella que foi collocada Igreja Matriz para o lado da Epistola, resgoardada com suas grades de paó torneadas com um cortinado de jucta, ficando assim com mais decencia, e no dia 25 de Desembro pelas 8 horas da manhã do mesmo anno celebrei nesta capella o Santo Sacrificio da Missa em que reformei o Sacrario ficando difinitivamente desde este dia o Augustissimo Sacramento da Eucharistia encerrado no seu tabernáculo. Eiras 25 de Desembro dia do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de 1891» (696).

Id. Fl. 24. Id. Fl. 25. 694 A.U.C. – Capelas: Auto de requerimento de bênção da Igreja Matriz da Freguesia de Eiras, 20 Julho 1874, Cx. VIII, Nº 43. 695 A.U.C. – Capelas: Auto de revista Igreja Matriz da Freguesia de Eiras, 22 Julho 1874, Cx. VIII, Nº 43. 696 A.F.P.M.A.M - Memórias d’Eyras, 1728-1741, Fl. 11 (nova numeração). 692 693

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385 Fotos 132 e 133 – Em cima: ao centro a Capela Baptismal, à direita a tela representando o baptismo de Cristo (1889) e à esquerda a tela representando a decapitação de S. Tiago (séc. XIX). Em baixo: vista interior da Igreja a partir do Altar Mor.

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Por este registo, percebe-se que além da ampliação da Capela do Santissimo Sacramento, também a Casa das Sessões (a sacristia voltada para o lado das Eiras) foi reedificada e ampliada para nela poder funcionar a Casa das Sessões da Junta de Paroquia. O exterior do monumento mostra-nos uma frontaria, de pano único enquadrado por pilastras dóricas, ladeada de duas torres sineiras com remate piramidal. A sensação que transmite ao observador é de imponência compreendendo-se o titulo «Sé da Aldeia» que lhe deu um bispo da diocese. Uma porta de verga e cornija curva é encimada por um frontão interrompido onde se colocou o Escudo Nacional. Mais acima, veêm-se as duas janelas do coro, de frontão Foto 134 – Pequena imagem curvo, e na empena um óculo quadrilobado. setecentista de S. Sebastião, O interior revela-nos um edifício amplo, de planta lonem madeira gitudinal, com uma nave, capela-mor, dois arcos para altares no corpo, sacristia e anexos. O coro alto apresenta-se com um arco decorativo, dividido em três espaços por dois pilares. É coberta por uma abóbada redonda iluminada pelos vãos superiores da frontaria e por 3 janelas laterais, 2 delas na parede do lado direito. Todos os retábulos existentes (5) são em madeira, datados da segunda metade do século XVIII. O principal tem quatro colunas, é de talha policromada com frontão interrompido por uma glória solar. O arco cruzeiro, também com decoração policromada, é flanqueado por altares de madeira de 2 colunas. Nas paredes da nave rasgaram-se dois altares, um em cada lado, com retábulos do tipo dos anteriores, com frontão interrompido também por glórias solares. O altar do retábulo colateral esquerdo (de quem olha para o altar) é dedicado ao padroeiro da freguesia, S. Tiago. A imagem do Santo, renascentista do séc. XVI, merece especial destaque «…executada por artista de segunda ordem sobre modelo hodartiano» (697). Também de grande valor é a Virgem do Calvário, pequena escultura de madeira, gótica, e situada numa mísula do altar-mor. O altar do retábulo colateral direito é dedicado a Nossa Senhora do Rosário e nele estão duas imagens da Virgem: a mais pequena, em madeira, é de valor; sendo a maior de faFoto 135 – Custódia em brico recente, em roca, coberta por manto bordado a ouro. prata dourada, Na parede lateral esquerda temos o altar do Senhor Salséc. XVI vador do Mundo, com a imagem do Santo. Ladeiam-no duas

Vergílio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Distrito de Coimbra, Vol. IV, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1953, P. 54.

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pequenas estatuetas setecentistas, em madeira, de grande perfeição; uma delas dedicada a S. Sebastião. Na parede lateral direita está o altar de S. José. Na mesma parede, mas junto à entrada lateral para a Igreja, capta-nos a atenção uma tela do século XIX, representando a decapitação de S. Tiago e que veio do retábulo principal. Junto à entrada da Igreja, situada à esquerda e sob a torre, abre-se a Capela Baptismal, onde encontramos o baptistério. Na parede deste espaço, podemos ainda observar uma tela representando o Baptismo de Cristo, assinada pelo artista António José das Neves, datada de 1889. Merece um especial destaque a Custódia de prata dourada do século XVI, da renascença. De base quadrilobada é ornamentada com relevos representando 4 Santos: Tiago, Catarina, Paulo e Luzia. Tem um nó em urna, um mostruário em paralelepípedo e remate de dois corpos sobrepostos.

2. A Igreja do Sacramento ou do Espírito Santo sta Igreja localiza-se bem no centro do povoado antigo de Eiras, o que lhe conferiu, desde tempos remotos, grande importância, uma vez que a igreja principal estava isolada da comunidade. Conforme o atestam os registos paroquiais, serviu como Igreja Matriz, enquanto não se edificou a nova, nela se praticando todos os actos religiosos a partir de Janeiro de 1737, à excepção dos Baptismos. Factos relembrados por Fabião Soares de Paredes em 13 de Julho de 1737: «…isto porque dentro da Villa, e bem no mejo da Povoação está húa Igreja feita ao moderno com seis Altares todos paramentados, e decentes donde se dizem todos os dias muitas Missas, e nos dias de preceito se principião logo pella manha, e durão athe as onze horas, por haver ali obrigadas muitas Capellas de Missas, e nella ouvem missa os freguezes, e lhe parece duro ir ouvir a Conventual que intendem lhe fica longe. Nesta Igreja Nova está o Sacrario, e nella se administrão ja hoje todos os Sacramentos, menos o do Bautismo, e he capaz de ser Matris; porque suposto não seja grande com tudo está priciozamente ornada, e bem paramentada com muitos mais altares do que a velha para a expedição das missas, e mais officios Divinos; e nella se fazem as majores festividades com o Sacramento da Eucaristia exposto, occazioens dos majores concursso, que ahi se acomodão» (698).

E

A.U.C. – Fundo da Câmara Eclesiástica de Coimbra: «Autos de requerimentos que fas o Reverendo Fabiam Soares de Paredes vigario da freguezia de Eyras sobre a obra da nova igreja da mesma freguezia», In Processos relativos à freguesia de Eiras. Construção de nova igreja, 6 de Maio, 1744.

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A origem do templo andará relacionada com a devoção ao Sacramento que, no séc. XVI, se espalhou pelo centro do país e que conheceu grande desenvolvimento com o Espírito Santo. Em termos estruturais é possível, e até muito provável, que esta Igreja resulte da união de duas capelas vindas dos tempos da fundação da nacionalidade e que então se separavam por escassos metros: a Capela do Senhor dos Passos (hoje muito alterada nela se erguendo altar à Rainha Santa Isabel) e a Capela da Santíssima Trindade correspondendo hoje à Capela-Mor da actual Igreja. À primeira e no decurso do século XVII, princípios do XVIII, devido ao estado ruinoso da antiga matriz «…cortaram a cúpula para construírem alojamento provisório destinado a guardar, até à conclusão da actual matriz, o que, vindo da velha, existente à Cruz Nova, não cabia na Igreja do Sacramento» (699). A actual Igreja do Sacramento compreenderá, assim, duas fases de construção. A primeira, datada da segunda metade do século XVI, centrou-se na Capela-mor e compreendeu a cobertura do espaço por uma abóbada de arcos cruzados e a elaboração do retábulo principal. A segunda fase de construção, diz respeito ás transformações no corpo do templo, nos finais do século XVII: rasgou-se um arco cruzeiro ornado, o corpo da Igreja foi coberto com abóbada repartida em três tramos e, nas paredes laterais, rasgaram-se dois arcos destinados a altares que foram decorados com querubins e pendurados. Esta intervenção de fundo, por força do estado ruinoso a que chegara a construção, realizou-se no tempo do Vigário Bernardo do Valle. Como o próprio registou, valeu, uma vez mais, a atenção dos monarcas para com a Vila de Eiras, concedendo-lhe os sobejos do Cabeção das Sisas: «…e eu sei que no meu tempo a requerimento do mesmo povo foi Sua Magestade servido dos acresimos dos bens de rais mandar dar quinhentos mil reis para a reedificar por estarem as paredes cahindo» (700). Bernardo do Valle, Vigário de Eiras, alude também à antiguidade do templo e à iniciativa popular da sua edificação, afirmando que «…as noticias que se achão pellas pesoas antigas que a fes o povo» (701). Uma das descrições mais antigas do templo foi feita pelo dito Vigário e data de 15 de Maio de 1721: «No corasão da Villa esta hua Capella grande e no altar mor está colocado o Santissimo Sacramento donde se admenistra aos emfermos, e tambem o Sacramento da Unsão, no altar colateral da mão direita está hua Imagem do gloriozo Apostolo S. Pedro das mais prefeitas, e de grande venerasão, no outro esta a Imagem de S. Miguel» (702). A atenção do Vigário virou-se, em seguida, para as Capelas da Igreja e seus instituidores: «…e em cada parede das ilhargas está sua capella, junto ao altar de S. Miguel hua de Santo Antonio que instituio o padre Antonio gomes natural que foi desta freguezia, sendo Prior de Penacova a cuja fabrica obrigou fazenda que tinha nesta

Manuel de Albuquerque Matos – «Dentro da área da Cidade: Eiras – A Igreja do Sacramento» In Gazeta de Coimbra, 25 Fevereiro 1967. 700 A.U.C. - Informações Paroquiais da Freguesia de Eiras, 1721, Fl. 3. 701 Id. Fl. 3. 702 Id. Fl. 1. 699

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freguezia (…) no lado da outra parede junto ao Altar de S. Pedro está outra com a Imajem do Salvador do Mundo que levantou a mayor parte do povo desta freguezia emcorporados em irmandade do mesmo Salvador do Mundo» (703). O mesmo documento confirma que as Confrarias da freguesia andam relacionadas com estas capelas: a do Sacramento ligava-se à Capela de S. Pedro, pagando 1 alqueire de azeite da compra de uma sepultura para se enterrarem os pais do instituidor Antonio Gomes; a Irmandade do Salvador do Mundo, criada para erguer altar ao seu protector sustentava a capela «…com tudo o que he nesesario para o culto divino». O Altar de Santo António fora erguido, com licença do Pároco e Mordomos do Sacramento, em 10 de Julho de 1616, «…pello Reverendo Licenceado Antonio gomes desta freguezia e Pryor da Igreja Villa de Villa Cova, o quoal nelle instituio hua Cappela com o Anniverssario de Sinco Padres de Missa todos os annos no oitavario dos Santtos, e hua missa rezada no mesmo Altar em o dia de Santo Antonio, ao que obrigou o vinculado varias propriedades» (704). Desde tempos antigos que pertencia à Confraria do Santíssimo Sacramento a gestão da Igreja do Sacramento. De facto, quando a 11 de Fevereiro de 1738 o Juiz do Tombo da Irmandade deu por concluídos os respectivos autos, aclarou: «…e outrosim declaro a ditta Irmandade por Senhora de todo o Corpo da Igreja, e que so a ella pertence a administração de tudo o que na ditta Igreja se intentar fazer e também declaro pertencer-lhe ao tempo prezente todos os ornamentos assim de prata e todos os mais escriptos e declarados nestes autos» (705).

Foto 136 – Registo superior da fachada principal: frontão que possui ao centro a composição escultórica de um rótulo com a Custódia e dois anjos adoradores ladeando a Sagrada Eucaristia; torres sineiras laterais e remate por cruz Id. Fls. 1-1v. A.F.P.M.A.M - Fabião Soares de Paredes: Memorias d’Eyras, 1734, Fls. 28v.-29 705 A. P. E. – Autos do Tombo da Irmandade do Santissimo Sacramento da Igreja da Vila de Eyras feito no anno de 1737, Fls. 150-151.

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Fotos 137 e 138 – Em cima, fachada principal da Igreja do Sacramento ou do Espírito Santo e, em EIRAS: a suaMor História (do século décimo ao séc. xxi) baixo, vistaFREGUESIA do interiorde para o Altar

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Esta declaração rematava o «Termo de Inventario dos Bens da Irmandade», que a 17 de Dezembro de 1737, na Casa do Despacho da Capela do Santissimo Sacramento, e por mandado do Dr. Juiz do Tombo, Dr. Manoel Cerpins de Carvalho, foram inventariados pelos oficiais, seguindo a ordem apresentada na seguinte tabela: Tabela 18 – Bens da Igreja do Sacramento, a cargo da Confraria do Santissímo Sacramento, inventariados em 1738 Huma crux de prata com sua peanha triangular de altura de palmo e meyo em a quoal se acha uma reliquia do Santo Lenho, com tres pinguas de sangue Outra crux de prata liza que serve nas prosissois solenes a que assiste a Irmandade Mais huma Costodia de prata profumada de ouro com sua pianha e com huma imagem o Santo Salvador que lhe serve de remate com suas vidrasas de cristal no meyo por huma e outra parte e com coatro campainhas prezas com cadeas tambem de prata profumadas» Huma naveta de prata (…) com sua colher e cadea Hum tribolo com sinco cadeas tudo de prata Quatro quastissais de prata Huma lâmpada de prata com seis colunas Hum ornamento de tela branca forada de seda da mesma cor com capa de asperges e peramentos para acolitos em missas solenes e veo de hombros de cor avermelhada tessida em ouro Hum pano de púlpito (…) de tela branca tessida em ouro Mais hum palio com seis varas prateadas com seus caixilhos de prata (…) de tela branca forada de seda da mesma cor com seis borlas de fio de ouro Huma alva escoartijada com seus entremeyos e renda a roda Hum ornamento cor de pérola com sua capa de asperjes com duas dialmaticas com estolas e manipolos forados de saeta vermelha Hum palio de veludo vermelho cor de fogo com suas sanefas e franja de retrós Humas grades de ferro que servem de fichar a Capella mor Hum sino que serve de tocar as saudassois e pera o Santissimo hir aos emfermos e pera todas as funssois nessessarias Hum altar de madeira adomde se acha o Sacrario com duas imagens em vulto de huma parte Nossa Senhora das Angustias e o apostolo Sam Joam, com hum cruxifixo no meyo e no simo do dito altar junto a abobada, com as imagens do padre eterno Cristo Senhor Nosso, e o devino espirito santo Dois Altares Colatrais; huma na parte direita que tem Nossa Senhora do Rozario a quem peramentão os mordomos da mesma Senhora com hum cruxifixo no meyo do altar; o altar na parte esquerda, que tem huma imagem de Sam Miguel a qum peramenta a dita irmandade e tem no meyo do mesmo altar hum cruxifixo Mais hum altar do Santo Salvador do Mundo com duas imagens em vulto do apostolo Sam Joam e Nossa Senhora que hé preveligiado as segundas feirass a quem peramentam os ofissiais da sua Irmandade e he de entalhado sobre dourado, e tem no meyo do altar hum cruxifixo Na outra parte que hé da direita hum altar de Santo Antonio a quem peramenta Dona Izabel Thereza de Brito, viuva da Cidade de Coimbra e he emtalhado sobre dourado, e tem no meyo seu cruxifixo Mais hum altar a emtrada da porta da parte esquerda com huma imagem do Senhor dos Passos dentro em huma Capella com duas imagens de Sam Francisco Xavier e Sam Francisco de Borga Mais alguns ornamentos velhos de uzo pera dizerem os sacerdotes missas pela somana

Alguns anos antes, em 1734, Fabião Soares de Paredes, descreveu a Igreja do Sacramento, dando especial atenção aos altares erguidos no seu interior: «Dentro da Villa bem no meyo esta hua Igreja a que chamão alguns Capela do Sacramento, tem frontespicio de cantaria com seus lavores, e das ilhargas dois

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torriois com dois sinos; he toda fabricada de Abobeda com Arcos, e Cornijas de pedraria lavrada; tem coro, púlpito, duas Sacristias, e seis Altares; o primeiro na Cappella mor, que he taobem de Abobeda antiga com Retabolo e Sacrario de pedra dourada em que estão no alto o Padre Eterno, e dos lados S. João Evangelista, e a Senhora das angustias, e pello meyo alguns Anjos todos levantados em busto na mesma pedra. No Sacrario está actualmente o Sacramento da Eucharistia, no arco desta Cappela que he todo lavrado estão huas grades de ferro douradas que tomão quazi toda a altura do Arco, e dentro está hua boa lâmpada de prata (…) os mais Altares são dois Colleterais, hũ de S. Miguel, e outro de S. Pedro ambos com Retabolos de pedra dourada, e seus labores, e os mesmos Santos sao tambem fabricados em busto de pedra inteiriça; e das ilhargas estao embebidos na parede com Arcos de pedraria e seus labores dois Altares com Retabolos de páo estofados e dourados, hum do Salvador do Mundo; e outtro de S. Antonio; e para a parte esquerda logo ao entrar da porta principal está hua Cappelinha de Abobeda fechada donde está hũ Altar com hua Venerandissima Imagem do Sem.hor com Cruz ás costas que chamao o Senhor dos passos; e outros o Senhor Salvador do Mundo» (706). Se compararmos aquela descrição com o existente nos nossos dias verificamos que actualmente não existem duas Sacristias, a capela à entrada da porta principal (Capela do Senhor dos Passos) não tem abóboda fechada e está profundamente adulterada, o arco não tem grades, e que não existe a lâmpada de prata. Por outro lado temos dois altares colaterais em madeira que vieram substituir os de S. Miguel e de S. Pedro feitos de pedra dourada (com a imagem deste último a ser deslocada, recentemente, para a Capela do Santo Cristo). Anote-se ainda o desaparecimento dos retábulos de madeira estofados e dourados que se abrigavam nos arcos de pedraria laterais; o da esquerda dedicado ao Salvador do Mundo e o da direita a Santo António. De volta ao passado. Por decisão do Vigário Soares de Paredes ergueu-se novo altar à Imagem do Senhor dos Passos. A primeira missa, realizada a 27 de Abril de 1734 foi «…cantada solenemente, com grande aplauzo e contentamento de todos os meus freguezes». Decisão que justificou com a necessidade de conferir decência ao culto: «Declaro que a Santissima Imagem do Senhor dos Passos já estava dentro da mesma Capelinha de tempo immemorial mas vendo eu a muita indecencia com que estava fichada todo o anno sem aparecer o Senhor mais que nas Sestas feiras de Marco em hũ andor posto em sima de hũs bancos, lhe mandei erigir Altar com trono para a dita Imagem, e nelles esta hoje decentemente, e se diz Missa» (707). Decisão acertada do Vigário de Eiras. A partir de então, a devoção intensificou--se e o «Senhor d’Eiras», ligado à Capela do Senhor dos Passos, era invocado por toda a região, no campo ou na serra, especialmente nos momentos de maior aflição com a súplica «Valha-me o Senhor d’Eiras».

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A.F.P.M.A.M - Fabião Soares de Paredes: Memorias d’Eyras, 1734, Fls. 26v.-27.

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Estando a antiga Igreja Matriz em ruína e como demorasse a obra do templo novo, por iniciativa do dito Vigário, Fabião de Paredes, fez-se a trasladação para a Capela do Espírito Santo da imagem de Nossa Senhora do Rosário: «…mas como conciderei que esta nova Igreja havia de levar tempo, e vi a pouca devoção, e culto com que estava na Igreja Velha a Santíssima Virgem Senhora do Rozario, Imagem antiquissima de pedra inteiriça: convindo todos os meus Freguezes a tresladamos para a Igreja ou Capella do Sacramento donde se colocou em hũ Altar Colateral, que fica a mão direita a cuja trasladação asistio cantando a Missa da festa o Reverendo Doutor Antonio de Alvarenga Peixoto Dezembargador da Meza Ecclesiastica, e visitador actual do Arcediagado do Vouga, que nesta occazião assistia nesta Freguezia em acto de Vezita; achando-se ahi toda a freguezia junta com contentamento extraordinario de verem aquella Sagrada Imagem tirada do deserto em que estava naquella velha Igreja fichada toda a Semana, e so aos Domingos, e dias de preceito se abria para nella se dizer Missa; ficando assim por esta mudança rezultando em todo este povo hũa espicial devoção a dita Santa que com terços, Ladainhas, Missas Novenas, e oraçoens está todos os dias frequentada, e assistida dos fieis nesta Capella, ou Igreja do Sacramento; a qual foi quase feita a custa da mesma Senhora toda pintada de novo, e reedificada em Altares, e Pavimentos, e outras curiuzidades, que fazem a bem do seu milhor asejo» (708). A Igreja, no interior e exterior, reflecte as várias fases de construção porque foi passando. Enquadra-se na tipologia de arquitectura religiosa maneirista de raiz classicizante, detectando-se a gramática renascentista no retábulo, e apresentando influências nórdicas ao nível do decorativismo. No exterior, a fachada principal, delineada lateralmente por duas pilastras, é o elemento de maior relevo, subdividido em 3 registos: o primeiro apresenta um portal de moldura recta, sem decoração, rematado por frontão normal; sobre este temos a janela do coro, gradeada, encimada por um friso de características pitorescas; no terceiro registo, apresenta um frontão que possui ao centro e em destaque a composição escultórica: um rótulo com a custódia e dois anjos adoradores ladeando a Sagrada Eucaristia. O conjunto possui ainda duas sineiras, sendo rematado por cruz. Tanto os pináculos como o frontão da fachada, denotam a influência flamenga ao nível dos motivos decorativos geométricos que chegaram a Portugal na segunda metade do século XVI, através da circulação de gravuras. Facto que demonstra uma actualidade de gosto que andará, certamente, relacionada com a proximidade à Cidade de Coimbra, na época um dos mais importantes centros artísticos de Portugal. De planta longitudinal, compõe-se de uma Nave e Capela-Mor. Aquela compreende dois arcos laterais, decorados com querubins, símbolos da perfeição espiritual, sendo o espaço coberto por abóbada de 3 tramos. Um arco semi-circular apoiado em pilastras faz a articulação entre a Nave e a Capela-Mor, sendo esta coberta por abóbada de cruzaria de ogivas.

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A.F.P.M.A.M - Fabião Soares de Paredes: Memorias d’Eyras, 1734, Fls. 92-92v.

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O retábulo de pedra da Capela-Mor, da segunda metade do século XVI, merece--nos particular atenção, desde logo porque foi obra de artista da escola de João Ruão. Tem sacrário central, ladeado por pilastras aos lados, possuindo nos espaços intermédios dois pares de nichos sobrepostos: nos de baixo surgem as imagens da Virgem e de S. João Evangelista; e nos de cima dois anjos músicos. No remate central a figura do Espírito Santo (Trindade), com o Padre-eterno em meio corpo. Corresponde este retábulo à figuração iconográfica mais comum da Santissíma Trindade com as três pessoas distintas – Pai, Filho e Espírito Santo - e um só Deus verdadeiro. A representação, inspirada no Novo Testamento e oriunda da França do séc. XII, é pacificamente aceite pela Igreja: «Trono da Graça ou Trindade Vertical – grupo onde aparece o Padre Eterno sentado num trono, majestoso, de vestes pontifícias, tendo entre os joelhos e os braços um Cristo crucificado de menores proporções, cuja cruz o Padre Eterno segura nas mãos, e estando pousada no madeiro, de asas abertas sobre ele, a pomba do Espírito Santo» (709). Na cornija do retábulo apuseram-lhe duas pequenas esculturas de pedra, ambas setecentistas: S. Francisco de Borja (à esquerda) e S. Francisco Xavier (à direita). Esta última, juntamente com a de Santo António, veio da Igreja Matriz em Agosto de 1898, por ser muito pesada e estar a prejudicar o retábulo. O retábulo colateral esquerdo (de quem olha para a Capela-Mor) é dedicado a Nossa Senhora das Dores, onde está a imagem da Virgem, em roca, dos princípios do séc. XVIII. Por baixo o Cristo Jacente, também do mesmo século. O retábulo colateral direito, da invocação do Senhor dos Passos, tem imagem de grande dimensão do Santo, feita em roca. Nas paredes rasgam-se arcos em pedra com composições retabulares adulteradas, onde se dispõem imagens muito interessantes. No arco da esquerda, e ao centro do retábulo, é de grande relevo uma rara imagem da Piedade (Virgem com Cristo acompanhada de S. João), do séc. XVI, ladeada à esquerda por uma imagem de Santo Antão, em pedra, do séc. XVI, e à direita por uma pequena estatueta de Nossa Senhora da Conceição, em madeira. No arco da parede lateral direita, temos o altar de Santo António, com a imagem ao centro, de princípios do séc. XVII. Ladeiam-no duas imagens do séc. XVI; à esquerda temos a imagem de S. João Baptista, em pedra, do séc. XVI e, à direita, um S. Sebastião. Na antiga Capela do Senhor dos Passos ergueu-se altar moderno à Rainha Santa Isabel. Ladeia-a uma relevante imagem quinhentista de Santo Mauro (vulgo Santo Amaro). O púlpito é também do século XVII e assenta em dois cachorros. No tempo do Vigário Santos Campos, que tomou posse em 1883, a Igreja foi beneficiada, sendo dotada com um altar de invocação a Nossa Senhora de Lurdes, localizado do lado da Epístola, ao fundo da parte do corpo da Igreja. O altar foi benzido a 1 de Maio de 1887, rendendo a subscrição tirada pelo povo 37.140 reis. As despesas com a instalação do altar, a mudança do tapavento para o fundo da porta principal, grades em volta do altar, a reforma dos altares laterais com arcos de pedra lavrada foram custeadas pelos benfeitores Dr. António José Paes da Silva Flávio Gonçalves – «Iconografia trinitária: A Trindade Trifonte» em Portugal, Sep. In O Tripeiro, n.º 6 Porto, (1962), Pp. 5-7

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Foto 139 – O retátulo de pedra da Capela Mór: obra da Escola de João de Ruão, 2.ª metade do séc. XVI. Em cima, vista principal e, ao lado e em baixo, alguns pormenores.

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Foto 140 – Arcos em pedra e altares das paredes laterais

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Foto 141 – Imagens em roca dos retábulos colaterais; à esquerda a imagem de Nossa Senhora das Dores e à direita imagem do Sr. dos Passos

Foto 142 – À esquerda, altar em corticite de Nossa Senhora de Lurdes e pastorinha Bernardete (1887) e à direita o púlpito do séc. XVII

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e sua esposa D. Maria da Conceição Paes Pires da Costa, que também ofereceram duas banquetas de castiçais e dois crucifixos. Foi encarregado destas obras Luiz Pereira Serra, carpinteiro, solteiro, da freguesia de Eiras. Esta Igreja mereceu também a designação de Capela devido ás suas médias dimensões. E foi com essa denominação que se afixou, em 1865, um letreiro que a Junta de Paróquia mandou lavrar, comemorando as obras realizadas com a decisiva ajuda da benemérita família Pais da Silva. Está sobre a porta principal da Igreja e tem a seguinte inscrição: «A obra desta Igreja foi mandada fazer no ano de 1865, pelo Dr. Joaquim Jozé Paes da Silva e seu filho António José Paes da Silva. A Junta da Paróquia d’Eiras mandou por sua livre vontade lavrar esta inscripção». Mais tarde, construíram por cima da Capelinha do Senhor dos Passos (hoje altar erguido à Rainha Santa Isabel), a Casa da Junta, mais conhecida por Casa do Despacho e que deve ter sido construída para arrecadação do material existente na velha Igreja Matriz enquanto a nova se concluía. Posteriormente, edificou-se, pegada a ela uma casa de habitação. O abalo sísmico de 28 de Fevereiro de 1968 abalou seriamente a sólida construção da Igreja do Sacramento: «…fenderam as paredes, deslocaram-se as pedras e tijolos da abóbada, a torre inclinou-se a espreitar o sopé. A ruína avizinhava-se» (710). A demolição chegou a ser equacionada. Valeu então a devoção do povo pelo Divino Espírito Santo, a acção da Comissão Fabriqueira da Igreja de Eiras, e o apoio camarário. Pelo Decreto Nº 28 de 26 de Fevereiro de 1982, o Templo foi declarado Imóvel de Valor Concelhio.

Foto 143 – Três valiosas esculturas, em pedra (séc. XVI), da Igreja do Sacramento: ao centro uma Piedade, à esquerda, Santo Antão e à direita Santo Mauro Manuel de Albuquerque Matos – «Dentro da Área da Cidade: Eiras – A Igreja do Sacramento e a derrocada que a ameaça» In Gazeta de Coimbra, 27 Março de 1971, P. 4.

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3. A Capela do Santo Cristo sta capela localiza-se na velha estrada que conduz a Coimbra pela saída Sul da povoação. O Vigário Bernardo do Valle, em Maio de 1721, informa-nos que a capela «…se fes por ordem de hum Bernardo Roiz sendo desta Villa, e nella depozitario dos acresimos dos bens de rais concorrendo o povo com as esmolas do seu trabalho». Do registo percebe-se, uma vez mais o quanto os monarcas estimavam Eiras: «…e Sua Magestade que Deos aja em mandar dar dos ditos acresimos o nesesario pera custo della o que sei por mo dizerem as pesoas velhas desta freguezia» (711). Nestes tempos, a Imagem do Santo Cristo era especialmente venerada pelo povo: «…tem feito muitos milagres tirando as maleitas e sezões as pesoas que se lhe ofresem pois muitas indoas cortir a dita Capella vem sem ellas». Fabião Soares de Paredes confirmará, 13 anos depois, a reputação milagreira da imagem e fará especial menção à reedificação da capela à custa do povo e da trasladação, em 1729, da Imagem do Santo Cristo que se encontrava na Capela do Sacramento: «Tem mais esta Villa de Eyras logo á entrada della quoando se vem de Coimbra, hua Cappela do Santo Christo antiga mas agora novamente redeficada á custa do povo da freguesia e diligencias do Pároco, que no anno de 1729 fez publica tesladação da Imagê do Santo Christo que estava na Igreja do Sacramento para onde tinha sido quoando se aruinou a sua Ermida. Hé este Senhor hua Venerandissima Imagê de hũ crucifixo antiquisimo, e está collocado entre vidraças nesta Cappela que com continuação de seus milagres he frequentada de Romeyros que com profundo respeito e amoroza devoção deixão memoria de seus prodigios que na mesma Ermida se vem pendurado. Sobre a porta principal desta Ermida, está um Alpendre de abobeda antiga, que assenta sobre quatro colunas de pedra no qual está hum púlpito tão bem de pedra (…) entre a Simalha da porta e abobeda, que he pintada está hũ crucifixo de pedra inteiriço» (712). Aquela trasladação ocorreu na tarde de 25 de Julho de 1729, assinalada com a realização de uma procissão dirigida por Fabião de Paredes, finda a qual foi apresentado o ermitão Bartolo da Cunha Lobo: «…juntamente com todos os meus freguezes juntos compostos em duas Irmandades a saber do Santissimo Sacramento e do Senhor Salvador do Mundo em publica procição com a Solenidade possivel tresladamos a Santissima Imagem do Santo Cristo da Igreja do Sacramento donde estava desde quando se lhe arruinou a sua Irmida, que havia antigamente estava de todo desbaratada, e a colocamos na dita sua Capella, ou Irmida, que de novo o poder de minhas diligencias, a custa dos fieys desta Freguezia, que em incançavel trabalho, e pia devoção comcorrerão para a obra com as despezas necessarias; no fim da qual tresladação que foi de tarde se fes hũ raro, e prodigiozo Sermão de Missas em que concorreo grande auditorio indo das Freguezias vezinhas com mostras geraes de contrição verdadeira;

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A.U.C. - Informações Paroquiais da Freguesia de Eiras, 1721, Fl. 1v. A.F.P.M.A.M Fabião Soares de Paredes In Memorias d’Eyras, 1734, Fl. 29.

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Fotos 144 e 145 – Em cima, fachada principal da Capela do Santo Cristo e, em baixo, vista do interior para o Altar Mor

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e vendo eu que os Milagres do dito Senhor erão continuos, e a devoção dos fieis concorria com varias ofertas passei a Aprezentação de Irmitão a meu fregues Bartolo da Cunha Lobo conciderando a sua boa vida, e costumes» (713). O ermitão tinha de tomar conta da capela, apresentando contas ao Vigário, inclusive dos olivais que para ela rendiam. Em 1735, foi novamente nomeado na função. A Capela é simples e resultará das transformações operadas no antigo cruzeiro de caminho cuja estrutura ainda se detecta: templete de quatro pilastras suportando um entablamento com cúpula hemi-esférica e simples. Estes cruzeiros setecentistas localizavam-se à entrada das povoações de grande importânFoto 146 - Imagem de S. Pedro, em pedra, cia e, embora neste caso esteja da oficina de João de Ruão, finais do séc. XVI disfarçado pelo acrescento do corpo da igreja, na não muito distante povoação de Botão pode observar-se um desses exemplares. Esta adaptação do templete para alpendre da Capela, levou a que o Crucifixo que estaria ao centro, fosse colocado sobre a porta principal. No alto, colocou-se uma cruz de grandes braços, do século XVI. Registe-se ainda que um dos pilares do templete da Capela do Cristo tem inscrito o ano 1649, que nos suscita algumas dúvidas: por um lado pode aludir à construção do antigo cruzeiro; mas, por outro, pode muito bem representar o ano de grande milagre atribuído ao Senhor dos Aflitos, pois durante ele «…ouve perdas de consideração: O incendio das cazas do çeleiro de Eiras, que milagrosamente se não consumio todo» (714). A planta é longitudinal, composta por uma Nave e Sacristia. Os alçados são simples com empena triangular no principal. A porta central é rectangular e existem duas frestas aos lados do templete. No interior encontramos várias imagens, antigas e recentes. A mais importante diz respeito a um S. Pedro, sentado, de grandes dimensões, dos finais do século XVI, A.F.P.M.A.M - Fabião Soares de Paredes: Memorias d’Eyras, 1734, Fl. 87. A.U.C. – Fundo dos Próprios Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas - Nº 35: Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 1219-1662,Fl. XIv. 713 714

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em pedra, que veio da Igreja do Sacramento. As suas características enquadram-no como peça da oficina de João de Ruão. Ao longo do tempo, a Capela do Cristo sofreu diversas intervenções, quase sempre custeadas pelo povo: Por volta de 1910 a capela foi modificada: tendo caído, levantaram-lhe parte das paredes, taparam o passadiço que tinha e construíram a Sacristia da Capela. Mais tarde, nas obras de restauro de 1957, promoveram-se intervenções decisivas: levantaram as paredes caídas, pintaram-na, recuperaram o telhado, construíram-lhe o altar e abriram na parede um nicho para a grande Imagem de S. Pedro. E honra seja feita à esforçada Comissão, composta pelos seguintes elementos: Afonso Simões de Oliveira, Crispim Gomes, António Simões Mata da Conceição e Manuel Herculano Jorge (715). O Padre Abílio benzeu a capela restaurada. Uma palavra também para Joaquim Maria de Almeida que «…com mostras de tanta dedicação pela nossa e sua terra, em prejuízo dos seus bens materiais, ofereceu gratuitamente o terreno para que a Capela voltasse a ficar com o passadiço que teve à volta e que aí por alturas de 1910 apanharam e taparam» (716). Removeu-se também o pedregulho que por cima da padieira da porta suportava o crucifixo. Ao longo dos tempos, o povo designou entre si quem se encarregaria de zelar pelo templo: A D. Alexandrina, a Sra. Joana do Cristo, a D. Zulmira.

4. A Fonte ou Chafariz de Eiras ocaliza-se no antigo Terreiro da Fonte e está enquadrada por uma casa de habitação, à esquerda, e pela Igreja Matriz, à direita. Trata-se de um exemplar de arquitectura barroca civil do tempo de D. João V, e do tipo da Fonte Nova em Coimbra. A população de Eiras, em tempos longínquos, abastecia-se de água a partir das minas de Santa Catarina e da Ouressa, ou de poços particulares. E esta foi a solução encontrada durante séculos para resolver os graves problemas de abastecimento de água. A situação alterar-se-á nos tempos áureos do funcionamento do Concelho Eirense: a terra era cabeça de Concelho e de Comarca, viviam nela figuras de prestígio e o deficiente abastecimento de água era vexame perante as regalias e categoria que usufruía. Foi então que a Câmara, o Povo e a Nobreza da Vila de Eiras se uniram na procura de uma solução que resolvesse o problema. Pesquisaram em vários locais mas, o escolhido, seria o que então se designava por Pisão. O local da captação de água era propriedade de João Gil, sendo hoje conhecido como “Gingil”, numa derivação do nome primitivo do seu proprietário que teve, ao longo dos tempos, as formas “Jão Gil”, “Jã Gil” e “Jaogil”. João Gil vem referenciado no Tombo dos Bens e Rendas do Mosteiro de S. Paulo (1108-1738) como tendo bens dentro do Casal dos Penedos. De facto, em meados

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Manuel de Albuquerque Matos - «Arrabaldes de Coimbra: Eiras – VIII», In O Despertar, Ano XLV, Nº 4378, 15 X 1960. 716 Manuel de Albuquerque Matos - «Arrabaldes de Coimbra: Eiras – XII» In O Despertar Ano XLV, Nº 4396, 21 XII 1960. 715

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do século XVIII, surge como possuidor de um pisão «…junto do Rio defronte do asude de Pedra que vai para as Azenhas do Carvalho» (717). E este homem em tudo colaborou, autorizando as explorações gratuitamente, à semelhança dos restantes proprietários que permitiram nos seus terrenos as construções necessárias para levarem a água a Eiras. Água que chegou no tempo de D. João V, no seguimento do conjunto que o monarca mandou edificar - Igreja Nova, Fonte e Adro - utilizando-se uma vez mais parte dos sobejos do Cabeção das Sisas da Vila de Eiras, acrescentado com o dinheiro e trabalho do povo de Eiras e dos Casais. Com o subsídio real, foi possível explorar as três nascentes primitivas, construiu-se a «Arca Velha» e os 900 metros de conduta. Foto 147 – A imponente Fonte de Eiras, séc. XVIII A água canalizou-se por uma caleira cavada em pedra de cantaria, assente em alvenaria, que tinha ao longo do seu percurso, pias para depósito de resquícios. A caleira foi resguardada com lajes de cantaria, protegendo da contaminação atmosférica, permitindo ao mesmo tempo que se caminhasse por ela para efeitos de vigilância e limpeza (parte da cobertura e cavidade desapareceram nas obras de 1968). Este cano obrigava a limpezas regulares anuais, devido às frequentes irregularidades no abastecimento de água. Como a água das três nascentes se tornou insuficiente para abastecimento da população, as autoridades decidiram promover novas pesquisas no mesmo local: construiu-se então a «Arca Nova», de simples arquitectura. Mais tarde, entre 1921 e 1923, fez-se uma conduta com manilhas de grés. Em 1968, promoveram-se importantes obras: algumas das velhas manilhas foram substituídas por outras mais modernas, em fibrocimento; sacrificou-se parte da primitiva construção baixando-se a entrada do cano para obter corrente contínua e aumentar o caudal e todas as nascente foram limpas e isoladas. Dois factos levaram ao declínio da função primitiva do Chafariz de Eiras: as análises periódicas à pureza das suas águas revelavam que a mesma era imprópria para consumo, facto conjugado no decurso da década de 70 do século passado, com as obras de abastecimento de água ao domicílio.

A.U.C. – Fundo Próprios Nacionais: Mosteiro de S. Paulo de Almaziva – Nº 13: Tombo dos Bens e Rendas do Colégio de S. Bernardo de Coimbra, 1108-1738, Fl. 66v.

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A fonte, em termos artísticos, é uma obra decorativa setecentista, formada por um corpo central e dois laterais ligeiramente rebaixados, tendo ao meio o tanque e, nas alas, 2 bancos apoiados em modilhões. O corpo central é constituído por pilastras, entablamento e frontão interrompido pelo Escudo Nacional. Para o tanque escorrem duas bicas que se desprendem de carrancas. Um pouco acima, um grande rótulo com letreiro onde se pode ler: ESTA OBRA MANDOV FA/ZER ELREI DOM JOÃO V DOS SOBEIOS DO CABESAM DAS /SIZAS DESTA VILA DE EI/RAS ANNO DEE MDCCXXXXIII. As obras não se fizeram todas de uma só vez e nos anos seguintes à conclusão do corpo principal, o Concelho de Eiras mantém as preocupações com o chafariz. Em Março de 1789 a Câmara troca com o Reverendo Luis Barreto «…hum bocado de terra pouzia no citio de tras das Eyras da mesma Villa recebendo a dita Camera outra porçam igoal propria delles Reverendo sobragante cita a Fonte achando o dito Senado que lhe era de utilidade a dita sobragaçam em atençam a modança do chafaris e ficar mais ampliado o terreno da fonte e com milhor utilidade ao povo da dita Villa por ficar com mais descoberto para beberem os gados no dito chafaris» (718).

5. A Capela de Nossa Senhora do Loreto o lugar do Loreto, e voltada para os Campos do Bolão, existe uma pequena capela, de arquitectura religiosa e maneirista, que tem uma longa história. A Corografia de Carvalho da Costa indica que a ermida de Nossa Senhora do Loreto foi fundada pelo Bispo D. Afonso de Castelo Branco (719). Na verdade, as suas origens remontam ao século XVI quando, por escritura de 18 de Maio de 1548, D. Leonor Cabral, viúva, moradora em Coimbra, doou ao Cabido os terrenos necessários para a edificação de uma capela. A história consta do Tombo mandado realizar pelo Cabido em 1746: «…que entre as mais couzas e regalias pertencentes a ademenistracam da Meza Capitular do Reverendo Cabbido seu constituinte bem assim hera a Irmida de Nossa Senhora do Loreto extramuros desta cidade cujo terreno lhe fizera doaçam pera nelle o dito Reverendo Cabbido edeficar a dita Irmida, Leonor Cabral Dona viuva no anno de mil e quinhentos e quarenta e outo e depois de edificada a dita Irmida pello dito Cabbido aprezentaram logo irmitam nella dando‑lhe as ofertas cazas de rezidencia e mais pertenças a dita Irmida com a obrigaçam de paramentar, e reparar alguns dannos (720). O primeiro eremitão da capela foi Fr. Manuel, que está sepultado na Capela-Mor, como regista uma das pedras tumulares: «S(EPVLTVR)A DO PA/DRE FREI / MANOEL. IRMI/TÃO.Q.FOI DESTA CA/ ZA. DIZEM Q(VE) FOI / O INSTITVII/DOR DE/LLA.

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A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1788-1790, Fl. 22. António Carvalho da Costa - Corografia Portugueza, e Descripçam Topográfica do Famoso Reyno de Portugal, com as noticias das fundações das Cidades, Villas, & Lugares, que contêm; Varões illustres, Genealogias das Familias nobres, fundações dos Conventos, Catálogos dos Bispos, antiguidades, maravilhas da natureza, edifícios, & outras curiosas observaçoens, Tomo II, Ed. Valentim da Costa Deslandes, Lisboa, 1708, P. 10. 720 A.U.C. – Fundo do Cabido: Tombo do Cabido II, 1748, Fl. 942v. 718 719

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Fotos 148 e 149 – Em cima, fachada principal da Capela de Nossa Senhora do Loreto e, em baixo, vista para os Campos do Mondego

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O Cabido tomou posse da administração da Capela do Loreto no ano de 1564, tornando-se, a partir de então, Directo Senhorio da capela e bens a ela afectos «…a quem pertencem as offertas e principalmente recebem as de huma cayxa que está junto a Estrada ahonde esta huma Senhora metida em hum Nicho com suas grades de ferro a que os Passageiros chamam a Senhora da Guia» (721). Nas informações paroquiais de 1721, entre as 19 ermidas pertencentes à freguesia da Sé da Cidade de Coimbra, descreveu-se em primeiro lugar a do Loreto: «A primeira he de Nossa Senhora do Loreto, cita adiante da ponte de agoa de Mayas, junto a estrada que vay para os fornos. A invocasam he a mesma Senhora do Loreto, he particular, o primeiro instituidor foi o Reverendo Conigo Manoel Telles, e hoje he admenistrador della o Muito Reverendo Conigo Sebastiam Tavares, tem hum cappelam actual, a quem se dam vinte e dois mil reis cada anno, tem obrigassam de dizer as missas dos Domingos e dias Sanctos e tres dias na somana, e o dito instituidor lhe deixou bens para pagar ao dito Cappellam, e aos administradores que forem sucedendo quatro mil reis cada anno, e todo o necessario para paramentos, e reedificassam por rendimento que tem de cazas que aluga» (722). Conclui-se desta resenha historica que o grande reformador do templo fora Frei Manoel Telles que dela se conservou como administrador até falecer em 1625: reformou a capela em 1596 e a casa do eremitão em 1617. Benemérito da Capela do Loreto, deixou-lhe por testamento importantes fontes de rendimento: «…huma Capella de Missas na dita Irmida todos os Domingos e dias Santos de Guarda, e nas segundas e sestas feiras e Sabbados de cada somana (…) quoal Missa e Azeite da Alampada e ornamentos e paramentos necessarios deixou as cazas que se acham defronte da porta traveca da Capella com seu pumar que costuma rezidir o Capellam, e outras cazas térreas por sima das nomeadas que ficam defronte da Parede que forma a Capella mór e pera a parte do norte outras cazas de sobrado e outras terreas com seu chaom tapado e murado, e por baixo junto a Estrada Real huma caza terrea, e por baixo do Pumar outra caza térrea piquena ao pe da mesma Estrada e pera a parte da Cidade adiente do Pumar outro pedaco de olival, e deixou o dito conego mais dinheiro pera se comprarem fazendas de rays pera rendimento pera a subsistencia do dito Capellam e com efeito se compraram humas cazas nesta Cidade ao Arco de Almedina » (723). Estas casas que rendiam 25.000 reis anuais de foro, têm uma história muito curiosa. Eram foreiras à Câmara da Cidade de Coimbra que as descreveu nos tombos de propriedades de 1678 e 1768. Localizavam-se junto e por cima do arco pequeno de almedina onde se erguiam as «cazas chamadas da capella do loretto que tem as armas da cidade» (724). A relação com a Capela do Loreto levaria a que entre o séc. XVII e o séc. XVIII o arco tomasse o nome de Nossa Senhora do Loreto: «Tem mais a dita Cidade o dominio directo de humas cazas na Rua da Calçada chamada da Capella do Loreto que pessue Jeronimo Monteiro da Silva mercador desta cidade que partem do Sul com o arco da Senhora do Loreto e Rua que vem

Id. Fl. 943. A.U.C. – Informações Paroquiais de 1721: Freguesia da Sé da Cidade de Coimbra, Fl. 1. 723 Vergílio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Distrito de Coimbra, Vol. IV, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1953, Fls. 942-942v. 724   A.H.M.C. – Tombo dos bens da cidade de Coimbra, 1678, fl. 18. 721 722

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do arco de Almedina para a Calçada onde fazem quina e do Poente com a Rua da Calçada e do norte com cazas de Domingos de Freitas Guimaraens» (725). Julgamos que as referidas casas foram aquelas que se demoliram para a construção do Banco Pinto & Sotto Mayor e que estão na origem da grande polémica que se levantou em Coimbra em 1921. De facto aquando da referida construção ventilou-se a demolição do arco e alargamento da rua com o apoio da Câmara Municipal de Coimbra. Nomes como Trindade Coelho, Dias Urbano, Sousa Costa ou Lopes Vieira defenderam na imprensa a sua preservação, tudo terminando com a classificação do arco como Monumento Nacional. O reformador encontra-se sepultado em campa do coro onde há alguns anos ainda era possível ler com perfeição (726): S(EPVLTVR)A de M(ANV)EL TELLEZ. CONE/GO.Q(VE)FOI.DA SEE DE / COIMBRA. REFORMA/DOR. DESTA. IRMIDA / E FALLEÇEO A DE MAIO / 1625. Na verga da porta de entrada da antiga Casa do Ermitão, outra inscrição alude ao reformador: «EMANVEL.TELLES./ME FECIT.1617.ANOS» (727). Pelo menos   A.H.M.C. – Tombo dos bens da cidade de Coimbra, 1768, fl. 31.   Na realidade já não se conseguem ler todos os caracteres. O que recolhemos resulta do levantamento feito em 1953 por Vergílio Correia e Nogueira Gonçalves. 727   Está casa está hoje na posse de particulares. Pude constatar em diligência feita no dia 10/01/2008 e por amabilidade dos actuais proprietários do imóvel, que a inscrição se encontra em excelente estado de conservação. 725 726

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Foto 150 – A Capela de Nossa Senhora do Loreto; Altar Mor e os retábulos colaterais em pedra, finais do séc. XVI

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até 1746, conservou-se a capela no seio da família de Manoel Telles, sendo ao tempo administrada por João Leite Cabral Tavares. O templo gozava de grande prestígio no decurso de setecentos devido à sua antiguidade. Talvez por esse motivo foi escolhida pelo novo bispo D. Miguel da Anunciação para constar do itinerário da sua entrada pública, realizada a 17 de Junho de 1741, em procissão pela Cidade de Coimbra: «Pouco depois de ter chegado o Reverendo Cabbido, chegou ao dito citio o Reverendo Bispo Conde, o qual sahio da Capella de N. Sra. do Loureto, onde os seus criados o vestiram, e o ajudaram a montar a cavallo em húa mula preta, com gualdrapa(?), e carreyos cobertos de pano roixo, e dahi abalou no meyo de quatro Cónegos deputados pelo Reverendo Cabbido» (728). Alguns anos volvidos, na tarde do dia 15 de Outubro de 1772, visitou-a o Marquês de Pombal, que se achava em Coimbra a reformar a Universidade (729). Entre 1807 e 1832, foi administrador da Capela, Manoel Joze Coutinho, tendo passado a 9 de Abril de 1832 para Jozé Paes do Amaral (730). Na sequência da Portaria Nº 7.130, publicada Foto 151 – Nicho de passagem deno Diário do Govêrno n.º 138, 1ª série, de 17 de Junho dicado a Nossa Senhora da Guia de 1931, foi nomeada uma Comissão encarregue do Arrolamentos dos Bens Cultuais da Freguesia de Eiras. Dela faziam parte o Juiz de Paz, Manuel Albuquerque Matos, o Escrivão do Julgado de Paz, João Marques de Campos, e o Regedor da Freguesia, José Pereira Simões Cravinho. A dezoito de Julho de 1931, a Comissão reuniu para fazer o inventário desta Capela: «Uma Capela (Loreto) com uma sacristia e uma capela mór; um alpendre com colunas de cantaria, um adro com um muro de suporte, tendo êste muro em cima e em frente da porta da capela um cilindro de pedra, ao alto, restos duma empena. No dito adro há um freixo. A capela para a qual se sobe por escadas de cantaria confronta do nascente e norte com Francisco Coutinho Gouveia e do sul e poente com o seu adro; êste confronta do nascente com a dita Capela e com Francisco Coutinho Gouveia, do sul com Manuel Carvalho, poente com estrada camarária denominada estrada do Loreto, e do norte com Francisco Coutinho Gouveia. A capela tem uma pequena sineta a qual não foi possível pesar-se fazendo-se-lhe o cálculo de trinta quilos. No cimo da parede fronteira da Capela há uma crus de pedra. Na sacristia existem: - uma velha comoda de castanho; dois missais; quatro castiçais em madeira dourada e quatro castiçais em madeira pintada de azul. Na Capela mór existem: - uma mesa de pinho, uma campainha de metal; um par de galhetas em chumbo; uma bandeja e uma concha tambem de metal; um crucifixo e uns castiçais em madeira dourada; uma lâmpada de cobre; uma imagem da Senhora de Fátima; um confessionário de pinho. Em toda a capela há vinte jarras de louça A.U.C. - Fundo do Cabido: Acordos do Cabido 1739-1745, Fls. 62v.-63. Volume V de O Instituto. 730 A.U.C. - Fundo do Cabido: Acordos do Cabido 1826-1866, Fl. 45. 728 729

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e dois solitários de vidro. Por cima e a meio do arco que separa a capela-mor, há um crucifixo que parece ser de madeira. Na capela há as seguintes imagens: - Um Santo Amaro, um Santo António, uma Santa Apolónia, um S. Bento, um S. Romão e uma Santa Luzia; três toalhas de altares; duas caixas para escudos sendo uma em madeira e outra em folha de ferro; um púlpito em madeira de castanho; quatro bancos compridos; um banco (mocho) em castanho; dois crucifixos e oito castiçais em madeira dourada. No muro de suporte do adro há umas almas pintadas a óleo, uma chapa de ferro, metidas num nicho de cantaria que tem dentro um cofre de ferro e estão vedadas por uma grade tambem de ferro» (731). Em 1953, o conjunto ameaçava ruína mas, nos inícios de 1961, à custa do empenho do povo do Loreto, a situação modificou-se, para melhor: «…presentemente está muito bem conservada, muito cuidada, muito limpa, os altares ornamentados, dando tudo uma nota de elevado interesse da parte de quem a tomou a seu cargo. De resto, pelas informações colhidas, toda a gente do Loreto tem, e com razão, muito empenho na sua capela; sempre que é necessário, quotiza-se para a reparar e conservar» (732). Em 1990 e porque o imóvel ameaçava ruína eminente, realizaram-se obras de restauro e consolidação sob a orientação do arquitecto Santiago Faria, do IPPAR, que contaram com o apoio camarário. Temos acesso ao Templo por dupla rampa que tem, ao centro, um cruzeiro sobre coluna. Na base do mesmo, pode ler-se a referência ao grande benfeitor da Igreja: M(ANO)EL TELLEZ O FEZ. A capela, a que se tem acesso subindo uma escada de 10 degraus, edificou-se em terreno inclinado. É do tipo dos finais do século XVII, com planta simples de uma só nave, do tipo longitudinal, com volumes articulados horizontalmente. Acedemos ao espaço através de um alpendre de três vãos de frente, que se dividem por pilares rematados de capiteis jónicos com volutas para fora. O nártex, com cobertura de madeira, dá acesso ao interior da Igreja e é de planta quadrangular. A porta principal é de verga recta com 2 degraus. Por cima uma arquitrave serve de suporte à cornija e ao telhado de 3 águas. Na empena há uma pequena sineira e no alçado virado a Norte rasgou-se uma janela de verga rectangular. Na Capela-Mor, temos o altar-mor que apresenta pintura popular e, nos laterais, esculturas de vulto. A cobertura do espaço interior é em madeira e a Sacristia tem planta rectangular simples, sendo iluminada a partir da capela mor e de pequena janela no topo. No interior, três retábulos de pedra, da renascença coimbrã tardia, dos finais do século XVI. As esculturas são da mesma época: S. Mauro (vulgarmente conhecido por Santo Amaro), S. Brás, S. Roque e Santa Luzia. Acima do arco cruzeiro está um Crucifixo. Em parte do olival da capela e encostado à Casa do Ermitão, construíram-se, na sequência da passagem dos bens eclesiásticos para o Estado e deste para particulares, algumas construções que alteraram a fisionomia do conjunto. É também motivo de orgulho para o povo o belo Missal de 1754.

A.F.P.M.A.M - «Julgado de Paz de Eiras – Arrolamento dos Bens cultuais». Documento avulso. Fls. 1-1v. Manuel de Albuquerque Matos - «Arrabaldes de Eiras: Eiras – XV» In O Despertar, ANO XLV, Nº 4408, 1 II 1961.

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6. A ponte de Eiras-Casais, a Fonte dos Casais (Escravote) e a Fonte de Santa Catarina, Casas Antigas, o Moinho de Vento e o Lagar das Laranjeiras ponte que une as povoações de Eiras e dos Casais é simples, com 2 arcos, mais visíveis de Norte, separados por um forte maciço central de tabuleiro plano, sobre os quais assenta um alto pavimento de alvenaria de pedra. Esta ponte data do século XVIII e enquadra-se na arquitectura civil, com as conhecidas características de simplicidade e funcionalidade da construção, adequada e integrada no meio. E esta talvez seja parte de uma das pontes que Fabião de Paredes descreveu em 1734: «…hua com hũ arco e outra com trez; mas todos de cantaria com seus bordos capeados, formadas sobre dois Ryos que passão por dentro da Villa». A outra pon- Foto 152 – A Fonte dos Casais de Eiras (Escravote), 1898 te seria a que ficava ao fundo da Ladeira do Cristo entretanto entulhada nas obras da estrada. À beira da estrada municipal Eiras-Redonda, no sopé da Mata com o mesmo nome está o Largo de Santo António, onde encontramos a “Fonte do Escravote”; de arquitectura simples tem inscrito a data 1898, ano em que naquele frontispício foi posta uma biqueira por onde corria a água captada superiormente. Antes desse melhoramento, a água nascia debaixo dum saibreiro e era aproveitada numa poça donde, com um púcaro, se enchiam os cântaros. Posteriormente e para obtenção de mais água fizeram uma mina.

Foto 153 – A ponte de Eiras-Casais

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Esta fonte sofreu, ao longo dos tempos, diversas reparações e, numa delas, porque a água não bastasse, substituíram a biqueira por uma torneira, deixando a água de correr permanentemente. Posteriormente prolongou-se a mina por a água não chegar à população, e a Junta de Freguesia de 1968-1971, aumentou o caudal, fazendo por motivos higiénicos, o depósito na própria mina. A última intervenção, datada de 2003, alindou-a mas modificou-lhe ligeiramente a originalidade da traça rústica e antiga que apresentava. Na Mata de Santa Catarina, existe a antiquíssima mina de Santa Catarina, feita de pedra aparelhada, onde os moradores de Foto 154 - O antigo Moinho de Vento Eiras e Lordemão iam buscar água para consumo doméstico. Localiza-se no sopé do monte, no meio de arvoredo e junto a um caminho florestal. Necessita de obras urgentes que lhe devolvam a beleza de outrora. Também no Escravote, existiu uma velha ponte, cujos vestígios foram descobertos nas obras da nova ponte, em 1949. O património civil da freguesia regista, aqui e ali, motivos que poderão ser objecto de estudo, em especial as Casas Antigas datadas do século XVII. Destacam-se das restantes pois possuem as arestas das aberturas boleadas e conservam cachorros para gelosias ou flores. Aqui devemos incluir a antiga casa da Quinta do Paço em Eiras (já profundamente alterada), a do Arco Pintado, com o seu arco de janelas de avental rectangular, carecendo de urgente intervenção; e a do Ingote (desaparecida há pouco tempo). Um desses exemplos, dos melhores que a freguesia tem, é a casa da Rua Dr. Alfredo Freitas Nº 18, mesmo em frente à sede da Junta de Freguesia, que possui nos nossos dias uma dupla função; residencial e comercial. No Cabeço de S. Domingos, também chamado Monte do Moinho Velho existe um tíFoto 155 - A Mina de Santa Catarina pico “moinho de cantaria” em adiantado estado de degradação. Não sabemos se a referência feita a D. Maria Manoel abadessa do Mosteiro de Celas pela qual «… tornou a fazer de novo o moinho antigo de Eiras e não foy nexessario moerse o pão em Sernache, que resultou em grande e notavel proveito desta casa» (733), diz respeito a este moinho que seria restaurado em 1646. Pertenceu à Sra. D. Helena Mendes Vaz da Silva e perdeu, aos poucos, muito da sua beleza. Em avançado estado de degradação, está o antiquíssimo Lagar das Laranjeiras. Foi adquirido recentemente pela associação Sol-Eiras, tendo em vista a sua recuperação e adaptação do espaço a um museu, sala de conferências e reuniões. A.U.C. – Fundo dos Próprios Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas - Nº 35: Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 1219-1662, Fl. XIv.

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Foto 156 – O desaparecido aro de pedra do séc. XVI que esteve no muro da Quinta do Paço. Pertencia à Capela de Santa Catarina

B – PATRIMÓNIO DESAPARECIDO 1. A antiga Igreja Matriz primitiva Igreja de Eiras foi mandada fazer por D. Afonso Henriques, aquando da criação da paróquia do mosteiro de Santa Cruz no século XII, sendo bispo D. Vermudo (734). No século XIII, surge no rol das igrejas do Bispado de Coimbra, de padroado régio, designada por «Sanctus Jacobus De Eiras» (735). Desconhecemos, no entanto, se a localização da primitiva igreja corresponderia aquela que aqui designamos por antiga Matriz e que, em 1721, foi descrita pelo vigário Bernardo do Valle: «Esta minha freguezia tem a Igreja matris fora do povo menos distancia de hua carreira de cavallo na entrada dos Alquebes da Villa o orago he o gloriozo Apostolo Santiago, quem a aprezenta são as Religiosas de Cellas e os altares colatraes hum he da Imagem de nosa S.ra e o outro da Virgem S. Catherina» (736). Socorrendo-nos uma vez mais do registo do padre Fabião Soares de Paredes, em 1734, dele extraímos a descrição do templo: «A Igreja Matriz está no limite da villa fora da povoação hum tiro de funda; pera a parte do Poente; tem huma só Nave com Capella Mór, qoatro Altares hũ na Capella que he o primeiro de S. Thiago Patrão da freguezia; os tres estão no corpo da Igreja e são da Senhora do Rozario e Santa Catharina; e de Jezus. O de S. Thiago tem de renda cada anno vinte mil reis; e o da Senhora do Rozario corenta. Estas rendas se despendem em seu culto, e algumas Missas; e Anniversarios de obrigação por mão de tres Mordomos á ordem do Parocho. Há nesta Igreja hua torre de Sinos; Pia Baptismal; duas Sacristias: hũ púlpito; e duas portas, travessa e principal

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Vergílio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Distrito de Coimbra, Vol. IV, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1953, P. 54. 735 António Gomes da Rocha Madahil - Milenário de Aveiro: colectânea de Documentos Históricos I, 959-1516, Edição da Câmara Municipal de Aveiro, 1959, P. 49 736 A.U.C. - Informações Paroquiais da Freguesia de Eiras, 1721, Fl. 1. 734

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(…) tem hũ Alpendre cuberto, e para a parte do Sul hũ adro com levantado Cruzeiro, e outras cruzes de pedra lavrada de Via Sacra» (737). Resumindo: nas duas descrições é clara a localização do templo, que ficava na entrada Oeste da povoação, e a uma distância considerável do povo. Tinha apenas uma torre, o interior era de uma só nave e, se em 1721 existiam apenas 3 altares, sendo o principal da invocação de S. Tiago e os outros da Senhora do Rosário e de Santa Catarina, em 1734 acrescentava-se o dedicado a Jesus. Além de uma pia baptismal tinha 2 Sacristias. Pelo menos desde a segunda metade do século XVII, que a antiga Matriz apresentava estado de ruína, facto que não passou despercebido às Visitações de 1669, 1670, 1734 e 1736. A 10 de Novembro de 1669, foi Visitador o Cónego Salvador Aranha Chaves. Após inspecção ao templo intimou o Juiz da Igreja para assim que viesse «…provizão para se fazer a Igreja aplicará com todo o cuidado a exzecução della, que assim o pede a necessidade e ruina a Foto 157 – Fragmento de pedra de cantaria da antiga Igreja Matriz que está propinqua a dita Igreja se lhe não acudir com a brevidade possivel, o que fara para se poder dar principio a obra na Primavera ao que dara cumprimento dentro do dito termo com pena de coatro mil reis» (738). Parece-nos que a ruína do templo não era facto recente, o mesmo sucedendo com os pedidos para concessão de Provisão Régia dando licença para a construção da nova Matriz. Atento à situação andava o Vigário Soares de Paredes, que diligenciou junto do Cabido a sua demolição, e construção de novo templo. Intentos que, a 14 de Dezembro de 1728, seriam coroados de êxito com o Cabido de Coimbra, por intermédio do Dr. Joseph Freyre de Faria, Vigário Capitular na cidade e bispado de Coimbra, a conceder aos moradores da Vila de Eiras, a licença necessária para demolirem o velho e arruinado templo: «…faço saber, que havendo respeito ao que por sua petição me enviarão a dizer os moradores da Vila de Eyras, e fim de lhe conseder licença para demulirem a Igreja Matris da dita Vila e se edeficar outra de novo em o sitio mais acomodado pellas cauzas que impuzeram vesturia, que mandey fazer informação, que tive que mandey autoar na Camera Eccleziastica lhe consedo a licença para demuli-

A.F.P.M.A.M - Fabião Soares de Paredes: Memorias d’Eyras, 1734, Fl. 25v. A.U.C. – Fundo da Câmara Eclesiástica de Coimbra: «Autos de requerimentos que fas o Reverendo Fabiam Soares de Paredes vigario da freguezia de Eyras sobre a obra da nova igreja da mesma freguezia», In Processos relativos à freguesia de Eiras. Construção de nova igreja, 06 de Maio, 1744, Fl. 3. 737 738

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rem a Igreja Velha ficando-se, e conservando-se nella hua Capella para memoria dos vindouros, e lembrança dos defuntos, que se achão sepultados, e para se não profanar, nem o adro della se murara a toda a roda, e outro si lhes concedo licença para edeficarem a nova Igreja Parochial que pertendem no citio asignado para a sua fundação, adro, e simiterio, e no sircuito della ficará area bastante para as prossiçoens» (739). O final do Outono de 1736 marca o ocaso da velha Matriz. A 13 de Dezembro Fabião dava conta ao Provisor do Bispado «…que a Igreja velha com o tempo e força de Inverno tem chegado a tal estado que amiaça proxima ruina, e chove nella quasi por todas as partes, e já a samcristia, que he das religiozas do Convento de Cellas de todo se lhe alagou o teto, e parte das paredes, e como pode acontecer mayor prigo na continuação de se usar da dita Igreja (…) peço a v. merce licenca para poder dizer a Missa Conventual na Capella do Santissimo Sacramento» (740). Licença que chegaria a 20 de Janeiro de 1747 e que marcou o fim de todos os actos religiosos praticados na antiga igreja, à excepção dos Baptismos, os quais se mantiveram devido aos direitos da comunidade de Celas como Padroeira, e que poderiam obrigar o mosteiro a edificar igreja nova à sua custa, em caso de abandono total do espaço. Acrescente-se que a determinação da autoridade eclesiástica de 1728, não foi respeitada em toda a sua extensão: a capela, para memória futura, nunca se construiu e, a assinalar o local, apenas existe a Cruz Nova hoje inserida no espaço ajardinado da rotunda. O terreno onde esteve a igreja e o adro, vendeu-se e a profanação, que tanto se procurou evitar, consumou-se, como claramente refere a notícia de 1965: «…a tal ponto que as sepulturas são removidas pelo bico da charrua e as ossadas (…) há uns quatro anos, em consequência do cultivo da terra, ficou a descoberto um esqueleto completo» (741).

Foto 158 – Local onde se localizava a antiga Igreja Matriz A.U.C. – Fundo da Câmara Eclesiástica de Coimbra: «Autos de requerimentos que fas o Reverendo Fabiam Soares de Paredes vigario da freguezia de Eyras sobre a obra da nova igreja da mesma freguezia», In Processos relativos à freguesia de Eiras. Construção de nova igreja, 06 de Maio, 1744, Fl. 5. 740 Id. Fls. 86-87v. 741 Manuel de Albuquerque Matos - «Dentro da Área da Cidade – Eiras: a antiga Igreja Matriz (IV)», In A Gazeta de Coimbra, 02 Janeiro 1965. 739

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Acrescente-se que foi na antiga Igreja Matriz que se celebraram os ofícios referentes ao primeiro registo paroquial conhecido para a Freguesia de Eiras, sendo Vigário Manoel Gomes: «bautisei eu vigr.º hǔ f.º de mael e sua molher Ana Domingues por nome Miguel, forão ps. ioão galvão aos 21 de setebro de 1624.» (742).

2. A Capela de S. Domingos ara quem entra em Eiras pelo lado Oeste, reparará, certamente, num monte soerguido à direita onde um velho moinho parece sentinela da encosta. Este monte designa-se por «Monte ou Cabeço de S. Domingos», embora com a presença daquele engenho, tivesse recebido o baptismo de «Monte do Moinho Velho». O primeiro nome resulta da existência de uma antiga ermida da invocação de S. Domingos. A localização do pequeno templo suscita dúvidas: uns dizem que existiu onde hoje está a Cruz da Costa, de grandes braços, datada do século XVII; outros apontam o local onde foi construído o moinho. Se esta capela tivesse resistido aos homens e ao desgaste do tempo, seria, provavelmente, um dos mais antigos monumentos não só de Eiras, mas de toda a região. De facto, é tradição corrente entre o povo, que ali existiu um templo e já Fabião Soares de Paredes a ela se refere em 1734: «…hũ cabeço a que chamao S. Domingos, por haver em sua alta planicia estado hũa Ermida deste Santo de que inda se descobrem vestigios» (743). Refira-se, a propósito, que existe uma forte probabilidade de a Capela de S. Domingos andar relacionada de perto com a edificação da Capela do Cristo. A data que nos surge no pilar da cúpula do Cristo (1649), pode muito bem referir-se à data em que, junto ao antigo cruzeiro, veio a edificar-se o novo templo, erguido em substituição da arruinada Capela de S. Domingos. Falta-nos, no entanto, dados mais objectivos que confirmem a hipótese, sendo mais as dúvidas do que as certezas; por um lado, a invocação é do Cristo (e não S. Domingos); e, por outro não existe uma imagem de S. Domingos na Capela do Cristo, o que, a acontecer, reforçaria a possibilidade.

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3. A Capela de Santa Catarina a Quinta do Paço existiu, durante muitos anos, uma Capela dedicada a Santa Catarina, tendo o último vestígio desaparecido não há muitos anos: uma argola ou aro de pedra, centro de uma abóbada de capela do século XVI (data provável da construção da Capela de Santa Catarina) que se destacava sobre o muro Sul da quinta. Conhecemos, através de fotografias, que o aro redondo era decorado a toda

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A.U.C. – Fundo Registos Paroquiais: Livro de Baptismos da Freguesia de Eiras, 1624-1779, Fl. 2 A.F.P.M.A.M - Fabião Soares de Paredes: Memorias d’Eyras, 1734, Fl. 25v.

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a volta com motivos vegetalistas, óvulos e dardos. Nas informações paroquiais de 1721 alude-se ao conjunto: «Ha mais hua ermida de Santa Catherina que esta pegada com as cazas do Prazo que oje pesue francisco parte que fez Lorenço de Mattos quando posuia o dito prazo nesta ha muitos annos que senão abre nem nella se dis misa» (744). Mais feliz é a descrição feita pelo Vigário Fabião de Paredes em 1734: «Neste mesmo lugar dos Casais logo ao pee da Villa junto à ponte estão huas cazas com seis janelas largadas sobre o Rio para a parte do Norte ao pee das quais está com porta para a Estrada hua Capela da invocação de S. Catherina tem so hũ altar, e coro donde ouve missa a familia das mesmas cazas para donde tem porta por dentro; pella parte de fora sobre a porta prinçipal está hua pedra em que estao as armas dos Juzartes asentada em o mez de Março no anno de 1734 por ordem do Sr. que hoje he das ditas cazas Antonio Xavier Juzarte Maldonado de Cardozo fidalgo da caza de S. Magestade filho de Francisco Juzarte Maldonado de Cardozo taobem fidalgo da Caza Real e de D. Mariana Machado de Passos, o qual no sobredito anno readificou quazi afundamentis a sobredita Capela que se achava totalmente profanada» (745). Do cruzamento destes dados, concluiu-se que a Capela de Santa Catarina, sendo muito antiga, estava em decadência nos anos 20 do século XVIII. Valeu então a acção do seu proprietário. Advertido pelas autoridades eclesiásticas tratou de a reedificar, assentando o seu brasão para assinalar, com dignidade, as obras que levara a efeito, realizando-se a primeira missa a 8 de Setembro de 1734, celebrada por Fabião Soares de Paredes, que também historiou o que apurou sobre o pequeno templo: «…a qual Capella havia muitos annos estava de todo arruinada, e desbaratada sem Santos, nem paramentos descuberta ja sem similhanças de Irmida; e como he particular, e pertencente ás cazas do prazo dos Casais, e Villarinho de que hoje he Senhor Util Antonio Xavier Zuzarte Maldonado de Cardozo, Fidalgo da Caza de Sua Magestade, e correyo actual na Cidade de Coimbra este por ver o mizeravel estado da perdida Capella, e por varias vezes lhe ser advertido a mandou reedificar, levantando-lhe as paredes, cobrindolhe o teto e nella se colocou a Imagem Santa Catherina, Sam Francisco e Santo Antonio, que disse erão as mesmas Imagens que em algũ tempo havião estado na mesma Capella e se conservarão recolhidas nas cazas; as quais são todas tres de pedra: E na reedificação desta Capella que agora se fes se acentou de novo hũ Coro sobre a porta principal com porta para dentro das cazas donde a familia dellas ouve Missa de minha licença sem prejuízo dos direitos paroquiaes na forma do Concilio Tridentino» (746). Em data incerta, a Capela de Santa Catarina entrou em ruína, talvez consequência das transacções que envolveram a Quinta do Paço no decurso do século XIX. Sabemos, porém, que por volta de 1834, a Capela de Santa Catarina servia de arrecadação e armazém, dando lugar, mais tarde, à casa construída por Joaquim Soares de Campos. A.U.C. - Informações Paroquiais da Freguesia de Eiras, 1721, Fl. 1v. A.F.P.M.A.M - Fabião Soares de Paredes: Memorias d’Eyras, 1734, Fls 35-35v. 746 Id. Fls 89v.-90.

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4. A Azenha das Rodas sta azenha situava-se em frente da Casa da Quinta do Paço, do lado de cá da Ribeira, em território do lugar de Eiras, e pertencia ao casal Francisco Mendes da Silva e D. Helena Vaz. A azenha tinha raízes perdidas no tempo, já se lhe chamando antiga nos inícios do século XVII. Durante os longos anos em que pertenceu ao Mosteiro de Celas, sofreu várias obras de conservação e ampliação. Foi conhecida ao longo dos tempos como “azenhas das rodas e lagar da ponte”. Sabe-se que, no terceiro abadessado de D. Maria Manoel, eleita em 1644, uma das acções que empreendeu em Eiras relacionou-se com este património: «…Comprou a quinta do pizão com seus moinhos» (747). Dona Maria Magdalena da Silva, eleita abadessa a 01 de Junho de 1654, levou a cabo duas obras importantes: levantou os moinhos do Casal de Eiras e «…no lagar da ponte meteu 2 varas de fazer Azeite obra de grande concideração». Mais tarde e no tempo da abadessa D. Ana da Silva, que tomou posse em Setembro de 1662, o lagar que fazia parte da azenha fez-se de raiz: «Gastou no lagar da ponte de Eiras que se fez de novo 45.950 reiz e reparou as Azenhas e moinhos, e tudo o nesessario» (748). Durante grande parte do século XX, a Azenha das Rodas era um motivo do agrado de muitos pintores, «…atraídos pela beleza e o invulgar, vinham de fora pôr na tela, e levavam, o que tanto impressionava os seus sentidos de artista» (749). Foi seu último moleiro, Belarmino Crisóstomo. Entre 1968 e 1969 chegou-se a acordo com a Senhora D. Maria Helena Mendes Vaz da Silva, para que o prédio fosse doado à Junta de Freguesia, com a condição de retirar-se a cabine eléctrica para fora do pátio do lagar. A velha cabine veio abaixo, outra edificaram em seu lugar, tendo-se pensado construir o edifício-Sede da freguesia naquele espaço ou então um lavadouro público. Em meados de 1974 já pouco restava da velha azenha: «Desapareceram as rodas, o caleirote e tanto mais e a azenha não é hoje mais que um casebre em ruínas, cheio de imundices mal cheirosas» (750). O golpe final chegou a 17 de Dezembro de 1974. Foi arrasada e transformada num monte de escombros sem que dela se tivessem salvo as mós, as moengas com os seus quelhos, as entrosgas e os piões (751). A escritura definitiva do terreno, doado à Junta de Freguesia, foi lavrada a 7 de Agosto de 1975.

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A.U.C. – Fundo dos Próprios Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas - Nº 35: Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 1219-1662, Fl. XIv. 748 Id. Fl. 104. 749 Manuel de Albuquerque Matos - «De Eiras: de Vila próspera a aldeia sendo imensas as carências… (XI)», In Diário de Coimbra, 16-7-1974, P. 2. 750 Id. P. 2. 751 Manuel de Albuquerque Matos – «De Eiras: Reparos – VI», In Diário de Coimbra, Ano 45, Nº 15.298, Sábado 18 Janeiro de 1975. 747

NOTAS DE ETNOGRAFIA, ETNOLOGIA E CULTURA POPULAR

«O Espírito Santo é o dom de Deus Altíssimo. E Deus enriquece‑nos com esse incomensurável e glorioso valor. Apenas usufruímos de quinze centésimas desse augusto tesouro. O Divino sopra onde e como quer. Dentro de cada um de nós, onde Ele habita. Abrem‑se “portinhas” donde saem raios divinos, que são os Seus dons; uma palavra de ânimo, um gostar de partilhar com os outros…caminhar juntos, dar bons conselhos, exercer a caridade, irradiar boa disposição, ser gentil, condescendente e simpático, consolar corações magoados, acompanhar quem se encontre em solidão, confraternizar, ser agradável, cortês, saber ouvir quem quer desabafar, ser divertido, espontâneo nas gargalhadas – esse riso puro, franco, que faz vibrar o ar com a explosão de alegria contagiante. Irradiar alegria é espalhar riqueza divina». Aurélia Armas Fernandes; Manuel Fernandes – Espírito Santo em Festa, Coimbra, 2006, P. 39.

«A grande festa ao Sol triunfante e fálico subsistiu e com ela os resíduos dos cultos do fogo e das pedras, das plantas e das águas; destas últimas as virtudes crescem – nem veneno, nem poder diabólico – na universal hossana ao astro. Impotente para destruir, a igreja procurou ou consentiu em identificações e em equivalências: as fogueiras são, na terra, o símbolo dos fogos celestes, a grande luz que nesta noite inflamava o céu, nas antigas crenças; a água do baptismo é o sinal de redenção que S. João institui, como já fora a água colhida esta noite, a fecundadora, a divinatória e a salvadora». Rocha Peixoto – Etnografia Portuguesa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1995, Pp. 57‑58.

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Foto 159 – Alguns prospectos com o programa das festas do Divino Espírito Santo de Eiras

1.1. Festas que foram caindo em desuso

Foto 160 – Pendor ou Bandeira do Espírito Santo de Eiras

1. As Festividades Sacro‑Profanas

este espaço, não nos iremos alongar na descrição de velhas festividades, sejam elas as que desapareceram há muito e das quais só resta memória documental, ou aquelas que foram caindo em desuso mais recentamente e de cujo rasto apenas se vislumbra uma ténue luz. Fabião Soares de Paredes referiu que no seu tempo ‑ inícios do século XVIII ‑ Eiras tinha duas grandes festividades: «Nesta Igreja se fazem varias festas de devoção todos os annos; mas com especialidade hé uso fazerem-se duas como principais, hua em vinte e sinco de Julho; e outra em quinze de Agosto. Neste se festeja a Asumpção da Senhora com o titulo do Rozario; e naquelle o Appostolo S. Thiago orago da freguesia; nestes dias está o Sacramento exposto com magnifica pompa de Luzes, Armaçoins Muzicas e Sermoens de manha, e de tarde em que vem ser oradores os milhores pregadores da Univerçidade de Coimbra: pello tempo da quaresma há nesta mesma Igreja Sermão de Cinza, e nos Domingos de manha e tarde; e nella se officia a Semana Santa com todo o primor adonde bem assistir muitos dos povos vezinhos com grande edificação sua» (752). Deste excerto, conclui‑se que, das duas grandes festividades existentes aquela data, mantém‑se apenas a de S. Tiago, padroeiro da freguesia. Perdidas estão as festas de devoção a Nossa Senhora do Rosário, a que poderemos ainda juntar as Festas de Santo Antoninho. O século XX foi também testemunha do declínio de três festividades: ‑ A Festa do Senhor dos Passos, que se realizava pela Páscoa. Compreendia uma procissão que percorria as principais ruas da localidade, com incorporação de centenas de pessoas e, ao alto, os estandartes de todos os Grupos e Associações. ‑ A Festa de Santo António, no Escravote, em Junho.

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A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728‑1741, Fls. 25v.‑26.

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‑ A Festa em honra do Senhor dos Aflitos. Em 1965 o seu reaparecimento fôra motivo de notícia: ornamentou‑se a rua e a Capela do Senhor dos Aflitos (Capela do Cristo) sob orientação da Dra. Lídia Albuquerque Matos, realizou‑se uma vistosa procissão e sugeriu‑se que a festividade fosse efectuada de 2 em 2 anos para que não se perdesse. A festividade distribuía‑se por 2 dias (em 1969 realizou‑se a 12 e 13 de Outubro): ‑ No primeiro dia: a alvorada marcava o início dos festejos, seguindo-se a entrega da Bandeira do Santo Cristo, que, depois, era transportada pelas ruas da povoação. A meio da manhã, missa solene na Capela do Santo Cristo, seguindo‑se a procissão pelas ruas. A meio da tarde, cortejo de oferendas e, ao final do dia, Entrega da Bandeira aos novos mordomos. Por volta das 19 horas encerrava‑se a Capela. A noite era inteiramente profana com arraial e sessão de fogo de artifício. Também colhemos notícia do pagamento de promessas em volta da capela, algumas delas de joelhos. ‑ O segundo dia abria com os gaiteiros pelas ruas e, depois, Missa na Capela terminando os festejos com novo arraial.

1.2. As grandiosas e antiquíssimas Festas do Espírito Santo

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São as grandes festividades da freguesia, também designadas como Festas da Vila ou Festas do Ano. Têm, na figura do Espírito Santo, o centro de todas as celebrações suplantando as dedicadas ao padroeiro S. Tiago. Admite‑se, como hipótese mais provável, que tenham sido os Franciscanos a introduzir o Culto do Espírito Santo em Portugal, pelos finais do século XIII, no tempo de D. Dinis, «…apresentando já o bodo com as suas festividades inerentes, mas ainda sem a ideia de império» (753). Mais tarde, Isabel de Aragão (a Rainha Santa), que foi profundamente influenciada pelos Franciscanos, conferirá forma própria ao culto com a Coroação Imperial. Em Eiras, as razões desta fé e desta profunda religiosidade parecem remontar a um tempo incerto, perdido nas penumbras dos séculos, em que o Espírito Santo se revelou como protector da freguesia perante a ameaça de peste. Pinho Leal situou na segunda metade do século XVI a origem da festa em Eiras: «Teve principio em um voto feito por occasião da terrível peste do anno de 1569, que assolou esta freguezia, escapando sómente com vida a familia de Luiz Eannes e o vigario Simão Braulim, que n’esse nefasto anno deu grandes exemplos de caridade e dedicação» (754).

Dina Fernanda Ferreira de Sousa – A Festa do Imperador de Eiras e o Culto do Espírito Santo, Inatel, Coimbra, 1993, P. 10. 754 Augusto Soares de Pinho Leal – Portugal Antigo e Moderno: Diccionario Geographico, Estatístico, Chorographico, Heraldico, Archeologico, Historico, Biographico e Etymologico de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, Lisboa, 1874, P. 9 753

Notas de Etnografia, Etnologia e Cultura Popular

Tabela 19 – Lista dos Imperadores da Festa do Espírito Santo em Eiras, 1754‑1827 Ano 1754 1755 1756 1757 1758 1759 1760 1761 1762 1763 1764 1765 1766 1767 1773 1774 1775 1776 1777 1778 1779 1787 1788 1789 1790 1791 1792 1793 1794 1795 1796 1800 1801 1802 1803 1804 1805 1806 1807 1808 1809 1810 1812 1814 1815 1818 1819 1820 1821 1826 1827

Imperador Filipe Cardoso Botas António da Cunha Inácio Manuel Rodrigues Moço António Francisco das Neves Manuel Cardoso Botas João Rodrigues de Matos João Rodrigues de Matos João Rodrigues de Matos Manuel Marques Rocha Manuel Marques Rocha ou Manuel Gomes da Costa Cardoso António Fernandes Bruxeiro Manuel Marques Valença Filipe Luís da Costa José Marques Carpinteiro João de Oliveira Lourenço Marques Joaquim José Pereira António Pereira da Cruz Lourenço Marques Luís de Sousa António Pereira da Cruz Luís Bernardes Cardoso António Pereira da Cruz António Pereira da Cruz Lourenço Marques Lourenço Marques Manuel Fernandes Valente José António da Ponte Lourenço Marques Sebastião Pereira da Silva António Ferreira Jerónimo Ferreira Pessoa Manuel da Silva, Ferreiro João Gonçalves Manuel Marques Cardoso João Gonçalves António Pereira Dinis António de Matos António Ferreira da Silva José Bernardes Coutinho (mordomo/ festeiro) José Bernardes Coutinho (mordomo/ festeiro) Jerónimo Simões Mota António Pereira Dinis José António Joaquim Marques Cardoso Isidoro Alexandre António Pereira Dinis Manuel Fernandes Valente Manuel Marques Cardoso Lucas Rodrigues (assina logo por 2 anos) Lucas Rodrigues

Naturalidade Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Casais de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Casais de Eiras Casais de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Casais de Eiras Vila de Eiras Casais de Eiras Casais de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Carvalho (Casais de Eiras) Casais de Eiras Vila de Eiras Casais de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Casais de Eiras Casais de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Casais de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Luso Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras Vila de Eiras

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O povo tem o mesmo entendimento, que é coincidente com o registo que o Padre Fabião Soares de Paredes apresentou, por volta de 1734: «Consta por tradição antiquíssima, entre os moradores desta Villa tem grande fee, que sendo combatida toda esta Comarca de Coimbra de peste, todos estes juntamente com o seu Paroco entrarão a fazer gravissimas deprecações ao divino espirito Santo Foto 161 – O Cortejo da Bandeira nos anos 20 do séc. XX. que os livrase de tao grande conCarro de cavalos, ida e volta para Quinta da Ribeira. tagio; e como quer que ficassem singularmente livres, fizerão voto, ou promessa de todos os annos elegerem hũ home dos milhores do povo a quem os mais havião de tributar offertas dos seus frutos, para que este com o nome de Imperador do Esprito Santo festejasse ao mesmo divino espirito Santo em os dias das Pascoas da Resurreição, e Pentecostes, e com effeito inda hoje se consserva esta antiguidade» (755). Neste contexto, não deixou de nos causar alguma estranheza que, alguns anos antes desta descrição, o Vigário de Eiras, Bernardo do Valle, em resposta a um inquérito da Diocese de Coimbra em 1721, não tenha feito qualquer anotação relativa a esta cerimónia: estaria então a cair em desuso? A Igreja discordaria das festividades? O pároco não nutria especial devoção? Esquecimento puro? Fica a dúvida que estranhamos. Em reconhecimento, erguer‑se‑iam 4 cruzes em redor do povoado – Cruz Nova, Cruz da Costa, Cruz do Vale Seixo e Cruz Joaquim Maria ‑ assinalando o facto e demarcando o perímetro de protecção sagrada. Voltando à devoção. A partir dos pedidos feitos ao Espírito Santo, a peste não entrou em Eiras, erguendo-se quatro cruzes a assinalar o facto. A devoção intensificou‑se nos anos seguintes, atingindo o auge em meados do século XVIII, contando já com a figura do Imperador. A descrição do vigário Fabião de Paredes é de uma riqueza tal que merece a reprodução na íntegra: «A Camara faz eleição de Imperador a quem entrega em dinheiro 26$000 rs em trigo 56 alqueires e de vinho seis almudes para ajuda do Bodo; este toma posse em a primeira oitava do Espirito Santo, dia em que vai acompanhado da Camara e dos Nobres da Villa com dois pages, e outros criados precedendo a todo este acompanhamento hua Bandeira de Damasco encarnado emthe a Igreja Matriz; ali se poem o eleyto Imperador de joelhos no arco da Cappela Mor diante do Paroco da Villa, que está assistido do Juiz da Igreja com Cruz de prata levantada e duas tochas, e

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ministrando-lhe hũ dos pages a Coroa que para esse effeito hé de prata lha põe na cabeça sobre hũ casquete encarnado dizendo o constitue Imperador de Eyras, e depois tomando da mão do outro pagem hum traçado que se consserva antiquissimo, o entrega ao Imperador, que o beija, e torna a entregar ao dito pagem; e assim desta sorte coroado toma com o mesmo acompanhamento vindo de mais a Cruz da Igreja levantada entre duas tochas; e passando por dentro da Villa, chegão emthe a Cappela do Santo Christo adonde dentro della ajoelha ante o Paroco que emthe aqui o bem acompanhar, o quoal lhe tira a Coroa e casquete, e a entrega a hũ dos pages». Neste sitio estão ja promptas as cavalgaduras necessarias para o Imperador, seus pages, toda a Camara, e muitos dos Nobres, que o querem acompanhar, e precedendo a Bandeira e alguns Instrumentos, vão athe o Mosteiro de Santa Maria de Cellas, que lhe fica em distancia de hua legoa em cuja Igreja depois que o Imperador faz oração se canta o Te Deum o coroa hum Cappelao que para isto leva, e assentado em cadeira nas grades do Coro das Religiosas fala á D. Abbadeça que está a este tempo acompanhada de muitas Religiozas, e depois de mutuamente se saudarem, e cumprimentarem se recolhe ás cazas da Hospedaria do Convento em que descança e toma algũ refresco que por parte da Abbadeça se lhe oferece: esta manda pedir a Coroa que vay dentro do Convento donde com fee de milagroza he beigada por muitas das freiras e logo se remete com alguas prendas outra vez ao Imperador, a quem com repiques de Sinos se festeja a entrada e sahida. Feita assim esta funcção vem o mesmo acompanhamento á Cappella do Espirito Santo que fica perto de Cellas por baixo da cerqua do Convento de S. Antonio dos Olivais, e ahi diz missa o Cappelão que ouve o Imperador, depois vem para esta Villa donde em caza do Imperador se faz hum grande Banquete em que se dá gentar publico, no fim do quoal se reparte pella Villa toda por mao dos Almotaceis dellas, hua bebida ao povo e plebe, e a este tempo está o Imperador acompanhado do Paroco, e do velho Imperador em hũ tabolado alto toldado de sedas asentados em cadeiras igoais com Meza posta publicamente mandando por dois pages, e outros criados varios prezentes com diversidade de igoarias a caza de alguns particulares, e ahi mesmo mandão dar varias esmolas de pão, vinho, fartes, bolos, e tremoços, em que por serem bentos tem grande fée os moradores da Villa e seos circunvezinhos. Satisfeita assim esta parte se passão carreiras em legoas na prezença do Imperador, a quem sempre acompanha a Camara, egoas em que ganhão para seus donos carneyros, e fogaças por premio, e taobem se fazem em o sitio a que chamão as Eyras lutas por homens que ganhão fogaças no que se acaba o dia da primeira oitava do Spirito Santo. Na Segunda oitava só sai de caza o Imperador acompanhado dos dois pages a ouvir missa na Igreja do Sacramento desta Villa, e recolhido desta se ordena em sua caza hua meza a que são convidados pellos seus criados da parte do Imperador todos os moradores da Villa, e muitos dos seos oradores donde gentão e ceão durando o banquete emthe o amanhecer da 4ª feira. Em o dia da Pascoa da Resurreição coroa com as mesmas seremonias o Paroco a este mesmo Imperador que vai acompanhado da Camara, e Nobreza e dois pa-

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ges e outros criados com Cappelão á Capela do Spirito Santo donde ouve missa, e recolhendo-se a Villa da de jentar a todos os que o acompanharão, e de tarde distribue por mão dos da Governança largas esmolas pella Villa toda e manda outros prezentes a varios particulares. No Domingo do Spirito Santo que he o dia da sua festa principall festeja este Imperador o Divino Espirito Santo na Igreja do Sacramento desta Villa com Sermão e Missa Cantada depois de haver hido com as Solenidades sobre ditas á mesma Cappela supra em que taobem manda dizer Missa a que assiste: Neste dia se fazem o mesmo Bodo, e festejo que asima fica dito no dia da sua posse. Na 1ª 8ª se faz nova eleição na maneira assima referida. Oito dias antes do Pentecostes semana a que nesta terra chamao dos fermentos por em todos os dias della se ocuparem os fornos em cozer pão para o sobredito Bodo, se fazem nesta Villa pellas Ruas della publicas danças, e Festejos em que sahem ao seu modo primorosamente aceadas dançando as donzellas de toda a terra assistidas de hum honesto e honrado Varão, que lhe faz instrumento com que ellas bailao, tendo grande fee que por este publico festejo alcanção do Divino Spirito Santo a melhor acomodação para o seu estado. Em as noites de todos estes dias se fazem ajuntamentos e applauzos pellos Mancebos da terra com cantos, e dizcantes, em que discorrendo por toda a Villa cantão a letra seguinte = Ora viva quem há de reynar; o espirito santo no há de livrar. Este Imperador alem da entrega que lhe faz a Camara que asima se disse, nao tem mais renda que pellas Eyras no tempo do recolhimento dos frutos recolher e que lhe tributao voluntariamente os lavradores deste contorno, em que emseleyra o milho, trigo, cevada, e vinho em abundançia para as suas despezas. A estes lavradores não obstante os convidar para o seu Bodo (…) manda dar de seo Asougue (…) varias postas de vaca a cuja distribuição assistem os Almotacés que passão de ser 10 boys que nella se dispendem. O Paroco tem de propina, que lhe vai a sua caza em tabuleiros (…) – 1 arroba de vaca; 24 postas de arrátel sem osso; 2 pratos de arroz de leite; 2 quartos de carneiro; 6 pães, 6 bolos de açúcar e manteiga; alguns queijos (…) Este não genta, nem come, em caza do Imperador em ninhua das ocazioes sobreditas; mas vai com o Juiz da Igreja que vai diente com cruz levantada benzer a bebida, e tudo o mais que está para o banquete (756). Por esta extraordinária descrição compreendemos o peso social das festividades, que procuravam o equilíbrio possível entre o sagrado e o profano. Os originais e principais passos da celebração estão bem definidos: tudo passava, em grande medida, pela Câmara da Vila de Eiras onde se fazia a eleição do Imperador de Eiras; seguia‑se o acompanhamento da bandeira e a Coroação do Imperador na Igreja, o ajoelhar na Capela do Santo Cristo; o cortejo ao Mosteiro de Santa Maria de Celas onde, além de entregar rendas às freiras, é de novo coroado, privando com as frei-

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A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728‑1741, Fls. 32‑34.

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ras; a ida pela Estrada das Várzeas (757) à Capela do Espírito Santo por baixo da cerca do Convento de Santo António dos Olivais onde um Capelão diz missa; o regresso à Vila de Eiras onde se promove um grande banquete em casa do Imperador; a distribuição de bebida pelo povo; a ida a casa de alguns particulares onde se distribuiam presentes e se levavam esmolas (pão, vinho, bolos, tremoços) com fama de bentas; a arrematação de fogaças e as lutas de homens; as cerimónias da segunda oitava; a coroação no dia de Páscoa; e o dia da festa principal, no Domingo do Espírito Santo, com Sermão e Missa Cantada na Igreja do Sacramento seguido do Bodo. A Câmara de Eiras seria a maior contribuinte para as despesas com os festejos. Extinto o Concelho de Eiras por volta de 1836, a Junta de Paróquia chamou a si a obriga- Foto 162 – O Cortejo ou acompanhamento da Bandeira nos Casais de Eiras ção de realizar a festividade. Em 1912, a Comissão Distrital reprovou‑lhe a verba orçada para a festa do Divino Espírito Santo, facto que levou a Junta a entregar, em sessão de 26 de Maio de 1912, à comissão particular formada para levar a efeito as festas, a lista de arrematação de fogaças. Em todo o conjunto das cerimónias, o Bodo do Imperador destacava‑se pela sua originalidade, pois nela se casava na perfeição o sagrado e o profano. As Ordenações permitiam‑no (Liv. V, Tit. V, § 1) e a Igreja tolerava‑o (embora noutros bispados tentasse proibi‑lo) pois o bodo calava a fome que, ciclicamente, atacava naquela altura do ano, no seguimento das carências de Inverno, ao mesmo tempo que se alegravam as gentes pobres. Aires de Campos, em 1865, refere esta comunhão: «Nelle, como nos antigos autos e mysterios, sem quebra da orthodoxia da crença, sem resaibo de paganismo, a austeridade dos exercicios espirituaes casava‑se perfeitamente com as profanidades mais extravagantes e ruidosas dos populares. Os cantores das missas e do Te Deum, os que do pulpito prégavam a palavra divina, e os fieis que lhes assistiam e os ouviam, eram os mesmos que figuravam em seguida nos banquetes, chorêas, descantes e mais episódios da folia» (758).

Actualmente o Cortejo do Imperador segue um trajecto diferente, fruto das novas estradas que se abriram: no percurso para o Convento de Santo António dos Olivais parte do Terreiro da Fonte, sobe a Rua do Santo Cristo, Cruz de Vale do Seixo, Bairro da Liberdade, Bairro do Ingote, Vale Figueiras, Coselhas, Avenida Gouveia Monteiro (a caminho dos Hospitais da Universidade de Coimbra), Largo da Cruz de Celas, Mosteiro de Celas, e Santo António dos Olivais; no percurdo de regresso vem por outro caminho – Calçada do Gato, S. Romão, Mainça, Lordemão, Redonda (onde se servem aos romeiros água fresca, bolos e tremoços), Escravote, Casais de Eiras e Eiras. 758 J. C. Aires de Campos ‑ «Apontamentos Históricos de Coimbra: O Imperador d’Eiras» In O Instituto, Jornal Scientifico e Litterario, Vol. XII, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1865, P. 45 757

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Mas a tolerância da Igreja com o profano tinha os seus limites, especialmente quando o cortejo, como vimos, dava mostras de estar a tornar‑se mais pagão que espiritual, diríamos mesmo carnavalesco. José Freire de Faria, Vigário Capitular de Coimbra, por circular de 20 de Novembro de 1728, lançou interdição sobre as festas do Imperador de Eiras sob pena de excomunhão e suspensão do oficio paroquial. A Carta Pastoral foi muito clara quanto aos fundamentos da proibição: «…que à nossa noticia hão chegado, com bem sentimento nosso, e magoa grande, as menos catholicas acções, e escandalosos abusos, que o inimigo cõmum tem introduzido na procissão do Espírito Santo, acompanhando à sua capella o fingido Emperador de Eyras, havendo antes e depois da procissão, e ainda na mesma procissão e capella Foto 163 – O Cortejo dos Andores: muitas danças de mulheres, e homens, o “barco” de Eiras, 1938 vestindo‑se muitos delles em trajes de mulheres, e as que o são, vestindo‑se em trajes de homens, cantando trovas e cantigas inhonestas e indecentes, mandando vir para o peccaminoso festejo a dança de Tentugal com mulheres saltatrices, e de deshonesto procedimento, fazendo ajuntamentos em casas particulares, e ainda nas casas publicas da Camera, com acções e palavras obscenas e tocamentos libidinosos, resultando de tudo ruina espiritual nas almas, com gravíssimo escandalo dos fieis e perda de credito de honras e o que mais he de lamentar» (759). Apesar da interdição, o enraizamento na população era de tal ordem que as festividades ao Imperador de Eiras continuaram a realizar‑se durante mais de um século. A tradição associa a Rainha Santa Isabel não só aos festejos do Imperador de Eiras, mas também à própria origem da cerimónia em Portugal. Crê‑se que o Bodo do Imperador foi instituído pela esposa de D. Dinis na sua Vila de Alenquer, em 1296, e, mais tarde, difundida por todas as povoações onde existiam capelas ao Divino Espírito Santo. Em Eiras, a relação da Rainha Santa Isabel com as festas do Imperador é facto profundamente enraizado: «Hé tradição constante nesta Villa que Santa Izabel Rainha e Senhora de Portugal dera a esta Villa a coroa de prata e traçado que serve ao Imperador, e os vinte e seis mil reis, sincoenta e seis alqueires de trigo, e oito Dina Fernanda Ferreira de Sousa – A Festa do Imperador de Eiras e o Culto do Espírito Santo, Inatel, Coimbra, 1993, P. 37.

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almudes de vinho, que se consservao para ajuda do bodo, e festejo do mesmo Imperador do Espirito Santo» (760). Se pensarmos que Eiras foi terra reguenga até ao tempo de D. Dinis é possível que o monarca tenha edificado aqui os seus Paços Reais, atraído pela caça abundante e ambiente natural favorável à composição das suas trovas. Com ele teria vindo sua esposa que estabelecera especial relação com os habitantes de Eiras, ofertando a Coroa, o Traçado e os fundos necessários para ajuda do bodo. E há um dado adicional a reforçar esta hipótese: sabendo‑se que estes festejos andavam intimamente ligados às Confrarias do Espírito Santo, que zelavam pelos hospitais e albergarias (que a Rainha Santa protegia), encontrámos o registo da existência de uma Confraria de Eiras em pleno século XIV. Teria sido fundada pela Rainha? Seria dedicada ao Espírito Santo? A resposta é desconhecida, mas o caminho adivinha‑se. A Coroação e a figura do Imperador merecem‑nos alguma atenção pelo grande simbolismo que encerram. O historiador Jaime Cortesão defendeu que o auge do culto do Espírito Santo em Portugal coincidiu com o período mais intenso da expansão portuguesa pelo mundo. É crível que a cerimónia da coroação possa ter sido introduzida com duplo sentido: ao mesmo tempo que simbolizava a investidura simbólica da Nação pelo Espírito Santo, na missão de espalhar a fé pelo planeta, negava ao Papa o direito da investidura, sagrando com ela a democratização ou liberdade de um culto popular e próprio. No mesmo sentido, surge a figura do Imperador, homem do povo, que ofusca o Clero e a Nobreza e que «…é entendido como um benfeitor que vai financiar uma grande parte das despesas, pelo que o exercício de tão grandioso acto impõe antes de tudo ser‑se rico, ou mais concretamente que se enriqueceu» (761). O Imperador torna‑se a figura central dos festejos, que é coroado pelo pároco, e enquadrado por um cerimonial imponente. Depois da coroação, o Imperador, antes homem simples e humilde, é agora um grande senhor, que passeia pela povoação não reconhecendo os vizinhos e os amigos. Do século XIII ao XVI, o Culto ao Espírito Santo e a Festa do Imperador desenvolveram‑se a alcançaram a sua maior dimensão. Até à extinção do Concelho de Eiras, grande parte dos actos relacionados com a festa registavam‑se nos livros de actas da Câmara de Eiras e na presença dos seus oficiais: nomeavam o tesoureiro da festa, ratificavam as propostas do indivíduo que se apresentava para Imperador, registavam o termo de aceitação da pessoa indicada para Imperador, procediam ao termo de obrigação e entrega dos bens à guarda do tesoureiro (incluindo coroa de prata, bandeira e traçado), ao termo de entrega do dinheiro e géneros para o bodo, arrolavam a arrematação das fogaças, as esmolas e contribuições particulares. De um modo geral, os livros de actas da Câmara de Eiras eram o registo oficial de todos os actos relacionados com as festividades. A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memorias d’Eyras, 1728‑1741, Fl. 34v. Dina Fernanda Ferreira de Sousa – A Festa do Imperador de Eiras e o Culto do Espírito Santo, Inatel, Coimbra, 1993, P. 11. 760 761

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António da Cunha Inasio, natural da Vila de Eiras, foi eleito como imperador para o ano de 1755 pela Câmara de Eiras, substituindo Felipe Cardozo Botas, sendo este o mais antigo indigitado (conhecido) para o cargo. A eleição do novo imperador data de 06 de Abril daquele ano: «Termo de ileisão de emparador para o ano de mil e setecentos e sincoenta e cinco annos» «Aos seis dias do mes de Abril de mil e setecentos e cincoenta e sinco anos nas cazas de morada de Jose Antonio Juis ordinario nesta dita vila onde vim chamado da camara da dita vila que se achava presente joão gomes de ornellas verador mais velho Bernardo Lopes da Silva verador mais novo e Lourenso Marques para efeito delegerem emparador para o dito anno e logo pelos ditos veriadores foi dito que elegião Antonio da cunha innasio desta mesma vila ofresendo fiadores que aseitarão i por estar o dito Antonio joze da cunha perzente de que asinou este termo de asetasão com os ofesiais da dita camara em ser o iperamdor por mais concordar com seu voto com a mais camarra de que fis este termo que asinarão comigo escrivão da camara Almontasaria que este fes e asinei escrivão de camara e Almontasaria Luís Marques de Mattos» (762).

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Alguns dias depois, a 13 de Abril, aceitaria o cargo, obrigando sua pessoa e todos os seus bens e apresentando fiador (763). Seguiu‑se a entrega dos bens para o Bodo, feito pelo velho ao novo imperador (764). A partir deste momento e depois dos preparativos necessários, a festa realiza‑se e novo ano chega, reiniciando‑se o processo; primeiro com a nomeação pela Câmara de novo tesoureiro para a festa, e posteriormente, com a entrega dos bens do Divino Espírito Santo (Coroa, Bandeira e Traçado): «Termo de entrega que fes Manoel Ferreira Tizoreiro que foi do ano de mil e setesentos e cincoenta e sincco anos pera o tizoureiro novo Antonio Fernandes bruxeiro que para ilasam que fes o juis e mais ofesiais da Camara Manoel Marques Rocha e juos ordinario e mais ofesios Joam Marques Mosso e João Fereira Pesoa e Donizio Roiz porcurador e Logo o tizoureiro novo Antonio Fernandes Bruxeiro resebeu huma coroa de prata com dois cinteis em prata pera enderem juntos a mesma coroa = e mais dois Baretes hum novo e outro vélho = e mais huma Bandeira nova e outra velha = e hum trasado com seu tallaborte = e mais hum alfange velho e logo o dito juis deu enterega por feita com os mais ofesial de que fis este termo que elles todos asinaram com o dito juis eu Luis Marques de Mattos Escrivam da Camara que este escrevi» (765).

  A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755‑1767, Fl. 3v. 763 Id. Fls. 4‑4v. Vide também Apêndice Documental, Doc. XI 764 A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755‑1767, Fls. 5v.‑6v. 765 Id. Fls. 22v.‑23. 762

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A pessoa candidata ao lugar de Imperador (766) disponibilizava‑se para fazer as festividades, por devoção ou promessa, quase sempre por causa anterior em que o Espírito Santo manifestara a sua presença. Assim aconteceu em 1778 com Luís de Sousa: «…E logo apareceu Luiz de Souza destta Villa E por elle foi ditto que elle em huma grande maligna de que tinha convalescido havia pouco do que a tivera em artigo de morte, sem esperanças devida se apegara com o Devino Spirito Santo com grande fé e lhes fes permessa de que sendo Deus servido darlhe vida e escapar daquella doença de ser emperador e fazer ofertta do Devino Spiritto Santto nestta Villa comforme o Huzo e Costume, que assim se obrigava a fazella e melhor podendo ser comvindo estte sendo o que para o fazer e dar conta do que agora recebesse do imperador actual obrigava todos os bens» (767). Pelos livros de actas do extinto Concelho de Eiras, percebe‑se que as festividades estiveram algumas vezes em perigo, por não haver quem quisesse servir de Imperador, consequência lógica da responsabilidade que o desempenho da função acarretava. Por exemplo, em 1765, valeu a intervenção do vereador mais novo: «…e logo ahi por não haver quem fizese a festa por senão acabar disse o veriador mais novo Antonio Fernandez bruxeyro que elle a queria fazer na forma custumada» (768). Um caso diferente foi o vivido em 1779, com um ano de seca a fazer perigar a festividade, valeu António Pereira da Crus, barbeiro, dos Casais, que aceitou realizá‑la mediante certos abatimentos nas quantias a entregar de trigo e dinheiro: «…que por não ter athé o prezente havido pessoa que quezesse fazer a festa do Divino Spiritto Santto com o relevo justo de não haver novidades em rezão da grande falta de agoa que tem havido, e por esta cauza não terem os lavradores e mais pessoas devottas de que dar as esmollas de que se montem a ditta festta tenhão feitto deligençia por achar pessoa que o quizesse fazer a dita função fazendo--se algum abatimento no trigo da entrega como no denheiro. E logo ahi apareceo Antonio Pereira da Cruz barbeiro e morador nos Cazaes desta Villa e por elle foi ditto, que visto não haver pessoa que athe o prezentte se tenha oferecido para imperador, por se não deixar de fazer huma festa tão antiga como hera a referida, o que se poria estranhavel não só nesta Villa, mas ainda em todas as terras destas vezinhanças, se oferecia a fazer a dita festa» (769). Mas, na segunda metade do séc. XIX, as profundas alterações na sociedade (extinção das ordens religiosas em 1834, reformas liberais, subordinação da Igreja ao Estado), conduziram o culto a uma decadência. A partir de 1829, o percurso das festividades torna‑se difícil de perceber. Um sinal de que algo não iria bem, foi o facto de, no ano de 1826, se ter entregue a festa do Espírito Santo do ano seguinte à mesma pessoa, Lucas Rodrigues, da Vila de Eiras. Mas, em 1829, atingira‑se o

A partir de 1808 a designação de Imperador começa a ser substituída por Festeiro e Mordomo. A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eira: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1773‑1779, Fl. 79 768 A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755‑1767, Fl. 139v. 769 A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1773‑1779, Fl. 96. 766 767

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limite e a Câmara de Eiras reúne‑se com a Nobreza e Povo, a 28 de Maio, para deliberarem conjuntamente sobre o assunto: «…convocados para este acto, por elle sobreditto Juis ahi pello mesmo foi proposto que não havendo quem fisesse no prezente anno a festa do Divino Espirito Santo, era nessessario que se désse destino ao dinheiro e fructos que para aquella festa havião destinado (…) assentarão que se pozesse a juro o dinheiro bem como o preço dos fructos que deverão ser vendidos em asta publica; procurando‑se pessoa que com segurança possa responder pello dinheiro e seus juros, para o que pressederão Edittais públicos, e que os juros se aplicarão para huma festa] ao Divino Espiritto Santo no seu proprio dia; porem se em qualquer dos futuros annos houvésse pessoa que tivesse devoção de fazer a fésta costumada ficaria obrigado aquelle a quem o dinheiro se desse a juro e a prompto, para o que seria noteficado tres mezes antes do dia da festa» (770). Embora nunca tivessem deixado de ser assinalados pelos seus habitantes, a verdade é que, por volta de 1918, os festejos atingiram a sua maior decadência: tinham início por ocasião de Pentecostes, com versos cantados ao Divino Espírito Santo à porta da Igreja, e seguiam depois acompanhadas do Senhor Vigário com os mesmos cantores de canas verdes levantadas a darem a volta às ruas da antiga Vila; o azeite utilizado na iluminação vinha da Quinta da Ribeira de Eiras, propriedade de Francisco Mendes Silva, benemérito cidadão da freguesia; a porta da Igreja mantinha‑se aberta todo o dia para quem quisesse cumprir com os seus votos e esmolas; e os pastores compareciam com os rebanhos enfeitados e em acção de graças por o Divino Espírito Santo lhes ter livrado o gado da peste, fazendo correr as ovelhas em volta da Igreja até se cansarem; no final, um dos mais lindos borregos era oferecido ao Santo; havia missa rezada, acompanhada a gaita‑de‑foles e, pela tarde, leilão de fogaças e arraial. Nesses tempos, que a memória quase apagou, entoavam‑se duas quadras: Divino Espírito Santo Da Igreja de Eiras Que é o Imperador Das moças solteiras Ora viva quem há‑de reinar O Divino Espírito Santo Nos há‑de acompanhar Em todas as nossas coisas Quando por ele eu chamar Dos versos percebe‑se que o Imperador se tornara no protector das moças solteiras. Transformação que poderá relacionar‑se com o facto de, chegado o século XX sem a figura humana do Imperador, ele se tenha divinizado na sagração do Espírito Santo. A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1826‑1833, Fls. 56v.‑57.

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Pensa‑se que foi devido á acção do padre José Maria Teles Sampaio Rio, que se operou o renascimento da festa, readquirindo a perdida importância. Em 1919 a festa renova‑se e transforma‑se nas grandes festas da Vila. O seu programa é delineado ao pormenor e, além das solenidades religiosas, promoviam‑se vistosos arraiais, com gente da Vila e de fora a encherem por completo o Terreiro da Fonte! Este ressurgimento relacionou‑se, de perto, com o regresso a salvo, dos 9 soldados de Eiras que participaram na 1ª Guerra Mundial – incluindo Adrião Rodrigues que fora feito prisioneiro pelos alemães. Tal acontecimento foi sentido pelas famílias como resposta às súplicas que haviam sido dirigidas ao Divino Espírito Santo durante do conflito. O povo voltou‑se para Igreja agradecendo o milagre e, nesse distante ano de 1919, por iniciativa do padre Teles, Vigário de Eiras, assentou‑se que os tradicionais festejos do Espírito Santo se fizessem em acção de graças, pelo reconhecimento do milagre: «E fez‑se a festa, a mais sentida e a mais comovente das de há séculos realizadas e das que, até hoje, se realizaram. Na procissão, os ex‑combatentes, com porte marcial, dentro da sua farda de campanha ocuparam os lugares de maior destaque e representação. As ruas da antiga Vila engalanadas de ricas e vistosas colgaduras e de admirável profusão de variadas flores, foram tapetadas com rosmaninho e alecrim (…). Foi nesta festa de 1919 que, primeiramente, tomaram parte os “andores”, modalidade que viria a ser o sustentáculo principal dos festejos dos anos seguintes, pelo produto do leilão do que, a capricho dos novos e velhos, serão cheios – variados produtos, principalmente géneros comestíveis» (771). Durante o século XX, os festejos ficaram marcados pela integração do benemérito Francisco Mendes Silva, que substituiu em parte a figura do Imperador: «…o domingo era o dia grande em que chegava pelas 10 horas um carro puxado por cavalos vindo da Quinta da Ribeira de Eiras. Atrás, instalado num Rolls Royce, seguia o imponente cidadão Sr. Francisco Mendes da Silva e sua família. O carro de cavalos, enfeitado com flores e colchas de seda, transportava 3 pessoas (além do cocheiro), das quais uma era a portadora da “Bandeira do Divino Espírito Santo”, oferecida pelo referido proprietário da Quinta à freguesia de Eiras. O carro era ainda ladeado por “dois anjos”» (772). Tratava‑se de um pequeno cortejo popular, com assistência do povo e que percorria as ruas da freguesia acompanhado pela filarmónica. Ficou conhecido como «o cortejo da bandeira», com ida e volta para a Quinta de Santa Apolónia. O facto da religião estar praticamente ausente, com festejos marcadamente exibicionistas e profanos, aproximam‑no, nesse particular, do antigo cortejo do Imperador de Eiras. Este cortejo não era comparável a uma procissão, a qual ocorria mas apenas no fim da missa, onde se incorporavam as irmandades e confrarias e crianças vestidas de anjos. O benemérito cidadão mostrava à comunidade as suas virtudes de

Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Eiras: Reparos (XXXI)» In Diário de Coimbra, Sábado 10 de Setembro de 1977, Pp. 2 e 5. 772 Dina Fernanda Ferreira de Sousa – A Festa do Imperador de Eiras e o Culto do Espírito Santo, Inatel, Coimbra, 1993, P. 26. 771

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exemplar cristão, e a comparação com o Imperador é incontornável até porque financiava grande parte das despesas da festa. Pelo final da tarde do mesmo Domingo, pelas 17 horas da tarde, realizava‑se outro cortejo que tinha como objectivo a realização de um leilão que revertia a favor da festa – o cortejo dos andores instituído pelo padre Teles em 1919. Enquanto que Eiras adoptou como simbologia o “Barco”, os Casais escolheram o “Hidrovião”, e a Redonda, quando quis participar, seleccionou para símbolo o “Foguetão”. Iconografia que deve andar relacionada com a noção de progresso: Eiras, como local de origem das festividades, Casais e Redonda, como consequência do aparecimento de novas invenções técnicas. Outro pormenor da substituição de valores e de práticas, foi a realização de jogos tradicionais, também no Domingo à tarde, que de certo modo vieram substituir as corridas de cavalos e lutas de homens. O dia terminava no Terreiro da Fonte, com um bailarico prolongado até altas horas da madrugada. A Segunda‑feira de festa tinha, como momento alto, a procissão dedicada às pessoas enfermas. Percorria Eiras, Casais e Redonda, sendo acompanhada pela Confraria do Santíssimo Sacramento. O dia de Terça‑feira encerrava os festejos. Da parte da manhã o único elemento religioso era a missa. De tarde, a “bandeira do Espírito Santo” regressava no carro de cavalos em direcção à Quinta da Ribeira. Pelo caminho, o povo acompanhava entusiasmado, cantando e tocando instrumentos. E tudo terminava no largo da casa do Sr. Francisco Mendes Silva, com improvisação de um bailarico. Em retribuição da atenção o dono da Quinta oferecia à população bolos, pão e vinho o que encontra de novo correspondência com o antigo Imperador de Eiras, que entregava ao seu povo esmolas de pão, de vinho, de bolos e tremoços. Esta personalidade ofereceu à Paróquia, a Bandeira ou Pendão do Divino Espírito Santo, que durante muitos anos ficava guardada na sua residência e apenas saía para este cortejo. Em 1994, promoveu‑se um esforço de grande alcance para recuperação dos antigos usos e costumes associados aos festejos do Imperador de Eiras, com especial enfoque na reabilitação do cortejo ao Mosteiro de Celas e ao Convento de Santo António dos Olivais. O objectivo foi conseguido graças à colaboração de diversas instituições e personalidades: Junta de Freguesia de Eiras, Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais, Grupo de Arte e Arqueologia do Centro, Inatel e os Professores Doutores Nelson Correia Borges e José Manuel Azevedo e Silva e Dra. Dina Fernanda Ferreira de Sousa. Até aos nossos dias as directrizes então fixadas têm sido respeitadas, com programas estáveis de ano para ano, onde incluem; o leilão com a presença dos andores de Eiras, Casais e Redonda, a Largada do Preso e das pombas brancas após a missa dominical, a realização de um peditório pela freguesia, e a distribuição de tachos de barro a todos aqueles que queiram oferecer a chanfana típica da região que depois é leiloada. Aproxima‑se, neste ponto, de dois momentos que marcaram, noutros tempos, a festa: quando ao Imperador era entregue, anualmente, uma quantia em dinheiro, trigo e vinho para ajuda do bodo; e quando se procedia à arrematação de fogaças. Não há muito tempo, as festas em louvor do Espírito Santo começavam com a Semana dos Fermentos: os fornos mantinham‑se em permanente actividade, para que o pão, o Bodo de outros tempos, não faltasse.

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Fotos 164, 165, 166 e 167 – Momentos do Cortejo do Imperador, 2004

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Fotos 168, 169, 170 e 171 – Momentos do Cortejo do Imperador, 2007

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Os «Milagres do Espírito Santo» andam profundamente enraizados na população eirense e contam‑se algumas histórias em que a acção divina se manifestou na protecção da terra e da gente: Diz a tradição que a Cruz da Costa terá sido levantada devido a certa peste (Febre Amarela e a Cólera Morbus) que grassava na região envolvente, vitimando pessoas e o gado precioso. Mas, em Eiras, o Espírito Santo operara, e nem um caso pestilento se registou. Também se conta que na encosta de S. Domingos, andando um pastor apascentando o rebanho, viu morrer as cabeças de gado que se haviam afastado para lá da Cruz, enquanto que, daquelas que ficaram aquém nem uma se perdeu É também voz corrente que, vindo na direcção de Eiras, um violento tornado, causando destruição pelo caminho, ao chegar às suas portas e perante os gritos e preces do povo ao Divino Espírito Santo, desviou‑se subitamente à direita, pelo Vale do Fojo, poupando a povoação. Mesmo assim registaram‑se prejuízos materiais de monta, mas nenhuma vida se ceifou e ninguém saiu ferido.

CÂNTICO AO ESPÍRITO SANTO

I Divino Espírito Santo Em vossa capela cheira Ai, cheira a cravos e cheira a rosas - (BIS) Ai, cheira à flor de laranjeira Refrão Ora viva quem há-de reinar Espírito Santo nos há-de ajudar Em todas as nossas coisas Ai, quando por Ele chamar II Divino Espírito Santo Quem lhe varreu o patim Ai, foram as moças solteiras – (BIS) Ai, com pontinhas de alecrim Refrão Ora viva, Espírito Santo, ora viva Viva o filho da Virgem Maria

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III Divino Espírito Santo Que tendes na mão, que luz Ai, é um raminho de perpétuas – (BIS) Ai, para dar ao Bom Jesus Refrão Ora viva quem há-de reinar Espírito Santo nos há-de ajudar Em todas as nossas coisas Ai, quando por Ele chamar IV Vamos às casas novas Divino Espírito Santo Aonde se amassa o pão Ai, lá vêm as amassadeiras – (BIS) Ai, com canas verdes na mão

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Refrão Ora viva Espírito Santo, ora viva Viva o Filho da Virgem Maria V Divino Espírito Santo Quem lhe varreu o terreiro Ai, foram as moças solteiras – (BIS) Ai, com pontinhas de loureiro Refrão Ora viva quem há-de reinar Espírito Santo nos há-de ajudar Em todas as nossas coisas Ai, quando por Ele chamar VI Divino Espírito Santo A vossa capela é de vidro Ai, que lhe fez um marinheiro Ai, que andava no mar perdido

Notas de Etnografia, Etnologia e Cultura Popular

Refrão Ora viva, Espírito Santo, ora viva Viva o filho da Virgem Maria VII Espírito Santo da Igreja de Eiras É amparo das moças solteiras Ai, fazei-as boas mulheres – (BIS) Ai, livrai-as das chocalheiras Refrão Ora viva quem há-de reinar Espírito Santo nos há-de ajudar Em todas as nossas coisas Ai, quando por Ele chamar VIII Vamos à cruz da Costa Divino Espírito Santo A ver se a pombinha cria Ai, ela não é criadeira Ai, como pode ser a filha Refrão Ora viva, Espírito Santo, ora viva Viva o filho da Virgem Maria

1.3. O dia da Freguesia de Eiras A 25 de Julho, comemora‑se o dia da Freguesia de Eiras, ou seja, o dia do Santo Padroeiro, o Apóstolo S. Tiago. No século XVIII, das 369 paróquias existentes na Diocese de Coimbra, cerca de 22 tinham S. Tiago como orago. Este número representava a terceira invocação mais frequente, com 5,9 %. Números relativamente perto da segunda invocação (S. Pedro com 7,5%), mas ainda longe da mais frequente, a mãe de Cristo, a Virgem Maria, que surgia em 106 paróquias, ou seja em 28,5 % (773). Joaquim Ramos de Carvalho e José Pedro Paiva ‑ «A Diocese de Coimbra no século XVIII. População, Oragos, Padroados e Títulos de Párocos», Sep. da Revista de História das Ideias, Vol. 11, Coimbra, 1989, P. 216.

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A importância de S. Tiago na História Peninsular Religiosa e Civil é bem conhecida. A História de S. Tiago está envolta no lendário, maravilhoso e misterioso. S. Tiago Maior nasceu na localidade de Jaffa, perto de Nazaré (Palestina). Era filho de Zebedeu e Salomé e irmão de João Evangelista. Após a morte de Cristo, os seus discípulos espalharam‑se pelo mundo levando a Fé e a Doutrina. Santiago vem para Ocidente, calcorreando por terras peninsulares milhares de quilómetros, razão porque veio a ser conhecido como o Apóstolo Evangelizador do Ocidente: «Esteve em Mérida, Braga, Iria Flávia (Padrón) e chega à comarca de Lebredón que é hoje Santiago de Compostela. Faz a sua peregrinação por todo o norte da Península. Nem sempre é fácil converter os povos, ensinar‑lhes a cristianíssima doutrina» (774). Por volta do ano 40 da Era Cristã, voltou à Palestina onde os romanos o detêm. Martirizado pelas mãos de Herodes Agripa, a sua cabeça rolará em Jaffa, cidade que o viu nascer, tornando‑se mártir. Pouco tempo depois, o seu corpo foi trasladado para a Galiza onde, no passado, estivera a evangelizar, vindo a ser enterrado em Lebredón, lugar seguro, longe das perseguições, onde os seus companheiros lhe erguem um mausoléu. Inesperadamente, e talvez devido a epidemias, o lugar fica despovoado por volta do séc. VII, caindo no abandono e esquecimento. Mas Santiago não será esquecido pelo povo cristão peninsular. Segundo versões da Hagiografia, os seus restos mortais foram descobertos «… nos princípios do séc. IX, graças ao brilho de uma estrela que apareceu no alto de um campo – campus stellae ‑, Compostela significa assim, “campo da estrela”» (775) Aquela descoberta intensificaria o culto e devoção a Santiago: por volta de 829 o Bispo Teodomiro, ajudado pelo Rei Afonso II das Astúrias, ergueu no local onde se presumiu estar sepultado, um templo em honra de Santiago Maior; em 866, Afonso III eleva Santiago de Compostela a Bispado; em 899 inaugura‑se a primeira catedral, a de maiores proporções da Península. Mas o tempo era de guerra religiosa. O Santuário será destruído por Almansor, erguendo‑se uma nova Catedral em 1078 que seria consagrada em 1211. Momento importante foi a união das familias reais de Castela e Borgonha: «…a peregrinação a Compostela pelos “Caminhos de Santiago” europeizou‑se. Funda‑se a Ordem Militar de Santiago da Espada em 1170 na cidade de Cáceres provisoriamente conquistada» (776). O futuro mostraria a força de Santiago: em 1504 funda‑se a Universidade com o seu nome e os peregrinos multiplicam‑se pelos antigos caminhos que conduzem a Compostela, itinerário que em 1993 se torna o primeiro caminho europeu património da Humanidade. De regresso a Eiras. Na freguesia verifica‑se um acontecimento pouco comum que é o facto da festividade em que se pretende homenagear o Padroeiro não coincidir com a grande festa da freguesia – a do Espírito Santo. No entanto, este dia tem sido objecto de programação especial, na procura de honrar S. Tiago: animação de rua, jogos tradicionais, workshops, homenagens, actuação de grupos e associações ao nível da musica, folclore e representação. Maria José Albuquerque – «Santiago Maior: o Apóstolo da Península Ibérica» In Rev Pampilhosa Uma Terra e Um Povo, Nº 18, Novembro de 1999, P. 62. 775 José Machado Lopes – «Santiago de Compostela, o Milagre da Esperança no Ano Santo Jubilar de 1999», In Rev Pampilhosa Uma Terra e Um Povo, Nº 18, Novembro de 1999, P. 57. 776 Id. P. 58. 774

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1.4. As Fogueiras de S. João, Santo António e S. Pedro Em Eiras, estes festejos populares realizam‑se, hoje como ontem, no Terreiro da Fonte. Durante grande parte do século XX, as fogueiras faziam‑se sem ajuda de aparelhos: havia uma orquestra que dava «o toque», como então se dizia, e as danças eram comandadas pelos «mandadores». Alguns nomes fizeram a história destes festejos: na orquestra Anacárris, Francisco Lucas, José da Grila, Quinzinho, Adriano Carvalho…como mandadores Zézinho Ferreira ou Francisco Roxo. As donas Natália e Alexandrina faziam as honras das fogueiras de S. Pedro. Nos inícios de 1971, as fogueiras no Terreiro da Fonte tinham outros protagonistas: Adriano Carvalho, a Encarnação Gaivota e Angélica Carreira, Joaquina Caixeira e mais raparigas, o Zé d’avó com as suas vides. As músicas de ontem, são em grande parte, as músicas de hoje: subi ao céu, olha amor se queres, apanhar o trevo. Não muito distante, no lugar dos Casais, as antigas fogueiras de S. João e de S. Pedro realizavam‑se à porta da nhó Rosaria Chita e da sua irmã Ana, contando com a colaboração das Caridades e Melras: «Elas, já velhas, eram a alma daquilo tudo! Mesmo só com o João Moleiro a farrunfar a viola, cantava‑se e dançava‑se toda a noite com uma alegria contagiante. Lá estava o S. João ou o S. Pedro no seu nicho, armado no vão duma porta, decorado a preceito, por sobre um pequenino largo, onde nadavam peixinhos e ao meio tinha um repucho, alimentado pela água que, duma barrica colocada na janela do primeiro andar lhe era levada por mangueiras de máquinas de sulfatar. Toda a noite, à entrada de S. Paulo, ou na da azinhaga do Escravote, vides e madeiros mantinham a tradicional fogueira em actividade» (777). O povo dos dois lugares, apesar das rivalidades, cumprimentava‑se de madrugada: no âmbito das alvoradas Eiras ia aos Casais e os Casais a Eiras, havendo quem se recorde de idas a sítios mais distantes como Brasfemes. É também curioso verificar como noutros tempos, e no regresso das alvoradas, os trabalhadores agrícolas iam ceifar trigo e centeio aproveitando o fresco da manhã.

2. A actividade dos Ranchos Folclóricos or falta de dados, não é fácil fazer a história dos Ranchos que existiram na freguesia. Sabe‑se que existiu um nos princípios do século, que ensaiava num pavilhão que foi depois a casa do Sr. António Abrantes. Posteriormente, houve outro que teve no Sr. Francisco Vicente o grande entusiasta. Mais tarde, constituiu‑se outro que actuou nas festas da inauguração da electricidade em 1931.

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Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Arrabaldes de Coimbra: Eiras – XIX» In O Despertar, Ano XLV, Nº 4444, 14 VI 1961. 777

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Foto 172 – Foto do Rancho Folclórico de Eiras em 1936 (?). Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Emília Bairrada; José Pirete; Eduarda Oliveira; António Parrana; Joaquina Serrana; Manuel Pádua; Carmina Miguela; Clementino Campos; Ducelina Leiteira; Manuel Quiquetas; Alice (do Paço); António Grilo; Espírito Santo (irmã da Corina); Ernesto; Joaquina Fanfa; José Carvalho; Adelaide Breda; Isaura; José Breda; Inácio Campos; Natália Pirete; Álvaro Lucas; Felisbela; Manuel Miguel; Hilda Galinha; Abel Lucas; Rosa Grila; António ou Manuel Fanfo; Marcelino Marques Roxo; Alexandrina da Conceição Marques Roxo; António Maria (dirigente); Daniel Serrano; Sr. Magalhães (ensaiador); ? (dirigente); Maria Calada; Daniel Bairrada.

Contudo, o mais importante rancho da freguesia foi o Rancho Folclórico Eirense também apelidado Rancho Folclórico das Tricanas de Eiras. Era ensaiado pelo Sr. Raul e contava com a grande dedicação do Sr. António da Cruz Neves. Levou o nome de Eiras, da freguesia e do Concelho de Coimbra onde actuou, em articulação com a Comissão de Turismo. Tal como aconteceu noutros locais a sua criação teve como objectivo fazer reviver as tradições da Terra, os seus usos e costumes, através das cantigas, das danças, e trajes. Foi ao seu tempo um dos melhores: «…pelo gosto e saber com que tem sido ensaiado, pela variedade das suas inéditas marcações, pela harmonia das suas músicas e dos seus cantares e até pelo friso de mocidade que apresenta» (778). O Rancho, sempre dependente da oferta de franca e leal colaboração do povo, foi um dos meios privilegiados de publicidade à freguesia. Teve como ensaiador o Sr. Raul, pessoa muito dedicada. Nos princípios dos anos 60 impunha‑se uma renovação dos trajes e inclusão de canções mais antigas. Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Arrabaldes de Coimbra: Eiras – XXXI», In O Despertar, Ano XLVI, Nº 4557, 8 VIII, 1962.

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Mais recentemente, existiu o Rancho Folclórico Infantil‑Juvenil dos Casais de Eiras. Iniciou a sua actividade em 1976, com 12 pares, e actuou em Eiras, Coimbra e outras localidades do Distrito. Foi fundador o Sr. Cipriano Simões Pereira da Silva que, juntamente com a Dra. Rosário Fachadas, foram os primeiros ensaiadores. O rancho extinguiu‑se 8 anos depois da sua criação por falta de apoios. MARCHA DE EIRAS E DOS CASAIS Gosto de Eiras, dos Casais E do Terreiro da Fonte Onde à tarde de Domingo Se junta gentinha ao monte Meu berço berço natal Muito humilde e pobrezinho Por isso de quero tanto Como eu quero ao meu benzinho Terra que me viste nascer Me verás morrer Quando eu já for velhinho Eu te amo na tua pobreza Tua singeleza Com todo o carinho Lá na mata do Escravote Onde cantam passarinhos Onde comemos nossos farnéis Pelas festas dos Santinhos Lembro ainda a Cruz da Costa Onde vamos pôr flores E comer nossas merendas Sem canseiras nem suores Terra que me viste nascer E me verás morrer Quando eu já for velhinha Eu te amo na tua pobreza Tua singeleza Com todo o carinho Benditas sejam as fontes Os pomares e as ribeiras Benditos os horizontes Desta linda terra d’Eiras Trazemos saudações Desta marcha que é uma prece E as nossas lindas canções De que nos fala os corações Neste dia que não esquece A nossa terra Neste lindo Portugal Toda a beleza qu’encerra No mundo não há igual E o coração Vai no peito a palpitar Por isso haja silêncio Aqui está Eiras a cantar

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Foto 173 – Foto do Rancho Folclórico das Tricanas de Eiras em 1960. Da esquerda para a direita e de baixo para cima. Mulheres - Maria do Céu; Irene Jácome; Maria da Graça; Clara Faria; Deolinda Papizes; Maria de Lurdes Brás; ?; Graziele Conceição Gomes; Clara Soares Campos; Alcina Marques Valença; Ermelinda Nascimento; Arminda Gomes; Cesaltina Gil Nascimento; Maria Helena Valença; Gracinda; Edite Sousa Tomás; Maria Silvina Gomes. Pequenitos - Rogério Pratas e Leonilde Simões. Homens - Raul; Luís Ventura; José Guilherme; Álvaro Lucas; Nobre; Costa; Júlio Mariano; José; Carlos Gil; Raul Pereira; Humberto Neves; Manuel Bento; Samuel; Carlos Bandeira; Manuel “Chixarro”; Augusto Lopes; Luís “Brasileiro”; Carvalho; Mário Catambas; António; Albino Lemos; Vítor Piconero; Aires Leal Gomes; Charló; Liberto; António Bandeira; Alberto Valença; Alberto Matos; José Simões Estanqueiro.

3. Tradições, usos e costumes 3.1. Pelo Carnaval: as pulhas e o enfarruscar s pregões têm raízes antigas na freguesia. Em passando a época natalícia, o recolhimento familiar dava lugar às arruaças nocturnas que se intensificam e atingiam o auge por alturas do Carnaval. Em Dezembro de 1902, as desordens na noite eram já uma preocupação da Junta de Paróquia: «O vogal Antonio Marques Vallença, fazendo varias conciderações sobre o constante estado de desordem que reina n’esta freguezia e fincando d’um modo particular a completa falta de respeito pelos direitos dos cidadãos cuja tranquilidade domestica é perturbada pelas arruaças ate deshoras da noite feitas por grupos numerosos d’individuos que se permittem fazer e dizer o que é contra os mais ele-

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Notas de Etnografia, Etnologia e Cultura Popular

mentares principios da moral – e lembrando que está chegada a epocha carnavalesca durante a qual julgam poder gosar da liberdade sem lei, liberdade desenfreada, até ao ponto de o que há de mais sagrado para as familias e pera os individuos = a honra = ser mortalmente offendida em pregões altivamentes lançados durante a noite das encostas dos montes proximos» (779). Em tempos mais recentes, os pregões deram lugar às pulhas. Por alturas do Carnaval e pela calada da noite, os rapazes, acompanhados muitas vezes por adultos, iam para os locais mais altos em redor de Eiras (no Moinho de Vento junto à Cruz da Costa e nas Lapas ou Lapão da Redonda) deitar as “pulhas”. Escondidos em buracos, sopravam pelos funis e falavam muito alto, fazendo ecoar os seus discursos por todo vale. Umas vezes diziam verdades, outras mentiras, mas a vergonha das pessoas era grande quando confrontada com a maledicência. As moças irritavam‑se com ciúmes, outras vezes reagiam às ofensas da sua dignidade já que muitos dizeres eram “picantes”. Uma parte da população aceitava mal esta tradição. Muitas vezes, os dizeres eram muito indecorosos, não sendo raro que as autoridades fossem chamadas ao local para prender os folgazões malcriados, que na fuga saiam aleijados. O regedor chegou a proibir, oficialmente, a tradição. De facto, o Carnaval era vivido de forma intensa em Eiras e nos Casais. As pessoas mal vestidas, assustavam pelas ruas, com as caras tapadas. No Terreiro da Fonte, miúdos e gráudos jogavam ao Jogo do Caqueiro (ou Caqueirada). Mas era o “enfarruscar”, também designado por “enfarinhar” que mais divertia. Homens e mulheres, envolviam as mãos com uma mistura de cinza das lareiras (ou carvão), farinha, óleo ou azeite, divertindo‑se a sujar as caras dos desprevenidos. Na sua forma mais atrevida, os homens chegaram a utilizar escadas para entrar pelas janelas nas casas onde sabiam estar raparigas.

3.2. Alcunhas É costume antigo o povo “baptizar” algumas figuras da terra com alcunhas. Homem, mulheres ou crianças, ninguém escapava ao uso e costume. Umas relacionavam‑se com a profissão, outras com atributos físicos, outras com acontecimentos e situações vividas, e algumas com a natureza. Em Eiras, a recolha efectuada, que compreensivelmente, apenas reporta ao século passado, produziu significativos resultados: Abade, Abrajona, Baixinho, Balalaica, Bandolheiro, Barril, Batata, Batateiro, Bate Orelhas, Baunilha, Beira Alta, Benfeita, Bezerrinha, Bolinhas, Borrachincho, Botâna, Braço Curto, Brajona, Breda, Broas, Burro, Burrinha, Cabalinha, Cabeçudo, Calhau, Cambaia, Canhoto, Caniço, Cagalérias, Caganoto, Capelão, Carapau, Carapinha, Carequinha, Carocha, Carramona, Carreto, Carriça, Carricarró, Casulo, Catambas, Catapirro, Cá Olho, Cava Valinha, Cebola, Cesteiro, Chadiço, Chaninha, Charrueco, Chatice, Chazinho, Cheira, Cheirote, Chelique, Chicarote, Chico das Silvas, Chigaio, Chimpã, Chixarro, Chôco, Choriço, Cirilo, Climpã, Coelho, Cobra, Conde, Conila, Corta Esfurrica, Espicho, Engenheiro, Enorme, Escrivão, Estoira, Es-

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A.J.F.E. ‑ Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 2, 1892‑1903, Fl. 90.

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treito, Faco, Fala Barato, Farrusco, Fininho, Figo Passado, Fon, Fu, Furacão, Galão, Galito, Galinha, Ginja, Guerra, Grilo, Lã Branca, Lão, Lapeiro, Licas, Licu, Liguinhas, Limpinho, Lindos Olhos, Liró, Maçaroca, Major, Malariça, Mal‑lavado, Manias, Mata‑gatos, Matateu, Matemático, Meio‑tostão, Melra, Metralhas, Minhoca, Moca, Mochila, Mocho, Morto‑vivo, Mu, Mula, Mulhelha, Não Quero, Néu, Nhã, Olho de Boi, Paco, Padeirão, Palhó, Paparolo, Pardal, Parrana, Passareta, Pato, Papa‑açucar, Patilhas e ventoinha, Patau, Pechincha, Pena Verde, Perna Torta, Petisqueiro, Piconero, Pilha Galinhas, Pilonga, Pinga, Pingorréco, Pintassilgo, Pintelho, Pipi, Pirete, Piriquito, Pirolito, Porreta, Pranchedas, Preto, Quiquetas, Quinze, Rabelho, Rabiça, Rata, Ratinha, Rola, Rolinha, Saíta, Sansão, Sapateiro, Sapinha, Serrote, Shell, Silvanito, Sobe e Desce, Soda, Sola, Sorte, Sorte Nenhuma, Tamanã, Tanoeiro, Tarrazana, Tátá, Tati, Tesas, Tirapitos, Ti Petiz, Ti Picha, Ti Lhe, Toca, Tralhão, Velhinha, Trinta, Vaqueiro, Xiquinho da Ribeira, Zé da Avó, Zé do Armário, Zé do Telhado, Zé dos Bois, Zé Borrado, Zé Broaça, Zé ía, Zé Paveiro, Zé Santinho, Zeca Diabo. Mas o povo não se limitava a alcunhar apenas pessoas. Lugares e coisas não fugiam ao baptismo popular. Um dos casos mais engraçados é o da Fonte do Lagarás, que o povo entendeu designar por…”Fonte do Cagarás”.

3.3. Os divertimentos das crianças de ontem 444

No tempo dos nossos avós não existiam computadores, nem as grandes superfícies onde hoje vamos escolher os brinquedos que queremos comprar. Nem em sonhos se falava em “Espaço Internet” onde a juventude de hoje comunica on‑line. O tempo livre, que era na maior parte dos casos coisa rara, era vivido nos espaços públicos dos lugares, inventando jogos e brincadeiras. A maioria dos divertimentos desenrolava‑se na rua e, em especial, no Terreiro da Fonte, então mais inclinado e feito de calçada irregular. Ali se jogava à bola, ao Rei e à Rainha, às escondidas, ao pião, ao saltar o eixo, ao jogo da estaca, à malha, à corda rija, ao cordel na porta.

3.4. As Faniqueiras Diz‑se que Eiras foi terra de comerciantes. No final das colheitas, por terras de Eiras o povo costumava realizar um mercado no Terreiro da Fonte. Ali vendia‑se a retalho ou “a fanicos”, quase todos os produtos que a terra dava. O facto de durante muito tempo ter atravessado Eiras a principal via de ligação entre o Litoral e o Interior (Estrada de Viseu), levava a que muitas pessoas acorressem aquele mercado, não só para venderem os seus géneros, mas também para comprarem aquilo de que necessitavam. E tudo ali se vendia: produtos hortícolas, sopas, carne assada, bebidas, peças de artesanato, iguarias (arroz doce, leite de creme, queijadas e pasteis de Tentúgal, arrufadas de Coimbra). A importância desta tradição, recuperada pelo Grupo Folclórico do Brinca e que vai para a 5ª edição, assume hoje uma relevância muito especial, ao permitir que muitas crianças tenham contacto directo com os produtos e animais do campo.

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3.5. A “pranta” Durante anos, muita gente fazia da “Pranta” a fonte de rendimento e sustento familiar. Esta tradição consistia na cultura de vários produtos agrícolas, em especial a couve e alface, destinada a plantio jovem. As férteis planícies da Ribeira de Eiras eram dos locais mais apropriado para estes viveiros. Esta tradição caiu em desuso.

3.6. Os convites de casamento O costume vai‑se perdendo mas em Eiras os convites de casamento fazem‑se de modo original. De facto, o convite de casamento mais usual era não em papel, mas sim um pratinho de arroz doce, que a noiva alegremente levava aos convidados de porta em porta. Colocavam‑se vários pratinhos numa cesta ou tabuleiro, tapavam‑se com uma toalha branca em linho e eram levados à cabeça assentes numa rodilha branquinha.

3.7. Dia de Nossa Senhora das Candeias Neste dia do calendário cristão e de acordo com a tradição, a população costuma alumiar pela noitinha as janelas e varandas das casas em que habita em sinal de devoção: «Utilizam‑se neste acto lanternas, lamparinas, mas o mais usado e tradicional são as “casas” que os caracóis trazem às costas, como diz o povo, que cheias de azeite e com uma “torcida” feita de trapo, dão um aspecto maravilhoso que os eirenses gostam bastante de admirar passeando nessa noite pelas ruas» (780).

4. Lendas 4.1. A Moura Encantada: no Escravote e na Ouressa onta‑se que, na Mata do Escravote, vivia uma moura muito bonita, com uns cabelos muito lindos, que vivia na Gruta do Escravote, onde tinha os seus tesouros enterrados (moedas de ouro). Muita gente a procurou, subindo a encosta do Escravote à procura da moura amiga que aqui tinha ficado sozinha. De quando em vez há quem a veja, a pentear os seus lindos cabelos ao sol, junto ao penhasco. Outra lenda é a Moirinha da Ouressa. Diz‑se que vivia num palácio subterrâneo, do qual por vezes saía para estender ao sol o seu maravilhoso bragal, cuja alvura extasiava os habitantes da localidade.

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780 Augusto Almeida Antunes ‑ «Dentro da Área da Cidade: Eiras» In Gazeta de Coimbra, 12 de Fevereiro de 1966.

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4.2. A costureirinha Em consequência de uma peste que varreu a região, ceifando muitas vidas, veio parar a Eiras o cadáver de uma menina que foi sepultada no cemitério. Na ausência de quem a chorasse, as pessoas da terra começaram a colocar flores na sua campa. Diz‑se que, por vezes, se ouve a tesoura a cortar o tecido e o som metálico desta a pousar na mesa.

5. Espaços Sociais: as Tabernas e os Grupos Recreativos s Tabernas foram, noutro tempo, os espaços de sociabilidade, antepassados dos nossos cafés e restaurantes. Sabemos que, em Eiras e nos Casais, existiram vários locais deste tipo: Chico Mariquinhas, António Mariano, Luis, Sra. Corina, (estes nos Casais); Marcelino Roxo, Alexandrino, Augusto Fiel de Almeida, Francisco da Silva, Leonel, Catarino, Deolinda, Sr. Maribel (Eiras). Momento importante viveu‑se na Taberna do Sr. Fiel de Almeida, pois foi o primeiro espaço social a ter televisão em Eiras. Quem queria ver pagava 5 tostões por 2 horas de emissão. Nos Grupos Recreativos, Eirense e 1º de Janeiro, organizavam‑se bailes aos fins‑de‑semana, durante todo o ano, excepto no período da Quaresma. Nas sedes destas instituições, além da dança, havia outras diversões como os jogos, ou a projecção de filmes. Fazia parte dos bailes a tradição de leiloar chocolates ou bolachas para dançar com determinada rapariga, antiga forma de angariar receitas para o clube. O Grupo Recreativo Eirense foi fundado a 28 de Março de 1937, e os seus estatutos foram aprovados e registados pelo Governo Civil de Coimbra a 23 de Março de 1938, sendo Presidente do Grupo Álvaro Lucas (781). Neste acto e além da sua assinatura, constam as dos sócios; José Carvalho, António Cardoso, Germano Correia de Oliveira, Abel dos Santos Lucas, António Marques, António Francisco Galhardo, António Correia Gomes, António dos Santos Roxo, Avelino de Almeida, José Maria Simões d’Oliveira, António Marques Valença, Manuel da Silva e Marcelino Marques Roxo. O Recreativo Eirense, desde Janeiro de 1964, teve como sede o actual prédio da Junta de Freguesia de Eiras, cedência do Dr. Adelino Pais da Silva, por 50$00 mensais. Este clube começou a perder fulgor no decurso da década de 60, muito por força do aparecimento em 1964 do União Clube Eirense. Nunca se extinguiu oficialmente, mas, no decurso dos anos 80, passou à inactividade. Tinha como principais actividades: Atletismo, Ténis, Ciclismo, Teatro Amador, Pesca Desportiva,

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781

A.G.C.C. ‑ «Estatutos do Grupo Recreativo Eirense, 1938».

Notas de Etnografia, Etnologia e Cultura Popular

Instrução e Beneficiência. Teve como sede o local onde hoje se encontra instalada a Junta de Freguesia de Eiras, espaço onde organizou muitos bailes. O contrato de arrendamento feito pelos herdeiros do Dr. Adelino Pais da Silva, data de 1 de Abril de 1938. HINO DO RECREATIVO EIRENSE Cantar é ter alegria, e o prazer E o prazer não tem igual Cantemos todos com alegria O nosso hino, o nosso hino triunfal Vamos cantar pelas nossas obrigações E vem assim a quem a nós pertence As vivas cores são símbolos dos leões O nosso clube é o Recreativo Eirense

Foto 174 – Baile no Recreativo Eirense, anos 60

História semelhante sucedeu com o Grupo Recreativo 1º de Janeiro. Fundado a 1 de Janeiro de 1937, teve estatutos aprovados e registados no Governo Civil a 8 de Setembro de 1939(782), sendo Presidente António Abrantes Tintim, e Secretários José Pereira d’Almeida e António Maria Pereira. Na assinatura dos estatutos, consta uma extensa lista de associados; João de Campos, José Policarpo de Jesus, Joaquim dos Santos Jácome, José de Oliveira, Abel Marques, Manuel Correia, Custódio Pereira da Silva, Samuel Jorge, José Correia, Manuel das Neves, João Fernandes António Maria Correia, Luiz Ferreira da Silva, António Francisco Mariano, António Correia, Custódio Pereira Catarino e Leonarda da Silva (única mulher!). Tem a sua sede na Rua Professor Albuquerque Matos, nos Casais de Eiras, inaugurada pelos inícios de Dezembro de 1965. Os sócios divertiam‑se jogando às cartas e à malha. Conta‑se que, há muitos anos atrás, antes de existir luz eléctrica, a iluminação do Clube dos Casais fazia-se através de candeeiros a petróleo. E, quando já de madrugada as luzes se apagavam havia quem cantasse: «Jé se apagaram as luzes No Clube dos Casais Cortou‑lhe o Chico Marquinhas Com licença dos fiscais». Constituiu em tempos um grupo cénico e teve uma pujante modalidade de Atletismo da qual saiu um campeão nacional, facto realçado pela Junta de Freguesia em Junho de 1990: «Aprecia‑se o ofº da secção daquele clube, no qual é dado conhecimento a esta autarquia de que o seu atleta Rui Gomes se sagrou Campeão Nacional

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A.G.C.C. ‑ «Estatutos do Grupo Recreativo 1.º de Janeiro, 1939».

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de Juvenis nos 3.000 metros em pista, no passado dia 17 do corrente, no Estádio da Maia‑Porto, onde decorreram aqueles Campeonatos Nacionais, facto que consideram inédito nesta Freguesia, pelo que propõem louvor público ao referido atleta através desta Junta e da Assembleia de Freguesia» (783). A Secção de Atletismo esteve em funcionamento de 1985 a 1995. A sua origem remonta a 1984, quando a Comissão de Festas do Espírito Foto 175 – A equipa de atletismo do 1.º de Janeiro participante Santo decidiu realizar um na volta à cidade de Coimbra. Da esquerda para a direita e de Grande Prémio de Atletismo. cima para baixo: José Dinis, Silvino Lemos, António Ramos, A organização ficou a cargo Joaquim Rodrigues, Carlos Augusto, Joaquim Rodrigues de Silvino Lemos e Pedro (seccionista), Abílio Simões, Rui Lucas, Jorge Cordeiro, Monteiro, na altura atletas Carlos Cardoso, Pedro Monteiro e Tino Marques da Cruz de Cristo. O facto de ter havido muita adesão da parte dos jovens de Eiras, levou a direcção do 1º de Janeiro a dar os primeiros passos para a fundação de uma secção de atletismo, constituindo‑se o grupo de fundadores: Fernando Santos (Toca), Fernando Pires, Silvino Lemos, Pedro Monteiro, António Esteves e Abilío Simões. A Secção de Atletismo do 1º de Janeiro, teve a prática de todas as especialidades e atletas nas categorias de Minis, Infantis, Iniciados, Juvenis, Juniores e Seniores. Em 1986, tinha 200 sócios e 70 atletas. Pode dizer‑se, com certa segurança, que o fim destes clubes foi fruto do progresso. O aparecimento de discotecas, bares, cafés e restaurantes, veio esvaziar o fundo social destas agremiações, que tiveram grande importância no encontro de rapazes e raparigas.

6. Gastronomia Carne Assada, vulgarmente designada por Chanfana, teve em Eiras uma variante especial. A terra, além de muitos agricultores, era conhecida pelos seus pastores, que andavam pelos campos das redondezas acompanhados de rebanhos de cabras. Frequentemente morriam algumas cabeças de gado, que tombavam vítimas das doenças. Estes animais, fruto das necessidades alimentares do povo, entravam no circuito alimentar, mediante um processo de tratamento da carne.

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783

A.J.F.E. ‑ Actas da Junta de Freguesia de Eiras, 1990-1994 (pasta).

Notas de Etnografia, Etnologia e Cultura Popular

No restante, a gastronomia não foge à zona onde se insere. Como principais pratos de peixe temos: as sardinhas (frita ou de pasta) acompanhadas de papas nabiças, as pataniscas de bacalhau, o carapau frito acompanhado de feijão‑frade, os peixinhos da horta. Ainda dentro dos pratos de peixe, merece especial relevo o bacalhau à lagareiro; quando os lagares antigos laboravam, fazia‑se o tradicional bacalhau à lagereiro (ou Tiborna), que consistia em bacalhau e batatas assadas na fornalha, temperado com azeite, tirado com a concha de qualquer talha onde estivesse. Ao nível das sopas temos: o caldo‑verde, a canja, a sopa de vaca com hortaliça. Como principais doces: o arroz doce (dito dos Casamentos), leite de creme, broinhas, filhoses, velhoses, pão‑de‑ló e fatias paridas.

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PERSONALIDADES COM HISTÓRIA

«A nossa memória está cheia dos nomes desses bem‑aventurados que puderam cumprir‑se inteiramente nas artes, nas ciências, nas letras, ou na simples maneira de existir». Miguel Torga

1. Introdução ao estudo das Personalidades tema das personalidades é sempre difícil de abordar, pois o ser humano, devido às características intrinsecas, dificilmente consegue reunir consenso. Por outro lado, o desconhecimento reina neste campo com certo à vontade uma vez que não existem dados suficientes para alargar, com alguma segurança, o campo das personalidades, para lá do século XIX. Assim, ao investigador cabe reproduzir, com a maior fidelidade possível, os ecos que foi encontrando nas pessoas que entrevistou, conjugando‑os com os dados documentais escritos que foi recolhendo. Sem dúvida que D. Dinis e D. Isabel foram figuras marcantes na freguesia apesar de não serem dela naturais. È crença enraizada na população que a Quinta do Paço foi residência do Rei Trovador e da Rainha Santa. Das informações paroquiais de 1721 e de 1758, resulta um primeiro quadro de personalidades ilustres, ligadas ao meio eclesiástico, das quais pouco se sabe: o Padre Frei João de Eyras, Religioso de Sto António da Provincia da Piedade, onde foi Provincial; Frei Bento de Santa Thereza, Carmelita Descalço, Mestre Jubilado em Teologia, que era respeitado por religioso de virtude; Frei Francisco Carvalho de Macedo, natural da Vila de Eiras, Cónego e Arcediago na Sé de Coimbra era frequentador da Cúria Romana, Confessor do Papa Inocêncio X e parente de Frei Francisco de Macedo, natural de Botão; Frei Bento de S. Boaventura, Relligioso Monge de S. Bento; Frei Jorge de Eyras, Religioso de Santo António na Provincia da Piedade; Frei Félix de Macedo, Religioso Carmelita Calçado, Padre Manuel Antonio de Andrade, Religioso da Companhia de Jesus, Pregador de S. Magestade, tio do Capitão João de Campos; Bento Fonseca Correia, natural de Eiras, cursou Cânones, bacharel formado em 1727, foi Provisor e Vigário Geral do Bispado e Presbítero da Ordem de S. Pedro (faleceu em Eiras em 13-3-1781); Manuel Gomes da Costa Cardoso, fez Cânones em 1762 (faleceu em Eiras em 4-3-1774) e Bento Nogueira da Costa, natural de Eiras. A outro nível, surge um segundo conjunto de indivíduos, que, por terem ocupado cargos públicos de relevo no decurso do século XVIII, são referenciados em diversos momentos: o Capitão João Marques de Campos que ocupou durante muitos

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anos o cargo de Tenente da Tropa da Guarnição da Corte; Manuel Marques Carrasco, Tenente da Infantaria da Guarnição de Buarcos. Juiz ordinário de Eiras em 1740, 1757, 1765. Morreu a 13 de Dezembro 1766, sendo enterrado na Igreja do Santissimo Sacramento de Eiras; Dr. Jerónimo Roiz de Castro, natural de Coimbra, advogado de Eiras na sua emancipação do Mosteiro de Celas em 1740. Casado com Joana Maria da Rainha Santa, que foi enterrada na Capela do Santíssimo Sacramento. Para o século XIX, temos outro leque de indíviduos de quem obtivemos breves referências: José Maria Cipriano Pereira da Silva, nascido em Eiras casou com Maria Pratas. Foi reputadíssimo jurisconsulto. Desempenhou várias comissões de serviço na Metrópole e no Ultramar. Foi Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra. Proprietário; o Dr. João Baptista, Ministro do Reino e Corregedor da Guarda. Faleceu na sua Quinta de Vilarinho e foi sepultado na Igreja de S. João de Brasfemes; António Pereira Coutinho, Filho do Dr. João Baptista, foi Cavaleiro do Habito de Cristo com tença de 30.000 reis e Capitão‑mor de Eiras; o Dr. Manuel dos Reis e Sousa. Vivia em Eiras onde era jurisconsulto. Era tido por advogado e conselheiro infalível; António Soares de Campos, natural de Eiras, Magistrado, foi Desembargador do tribunal da Relação de Goa. Segue‑se a relação das personalidades naturais de Eiras e ou com a freguesia relacionados, de cuja vida conseguimos apurar dados muito significativos.

1.1. Dr. Xavier Lopes Vilela 454

Natural da Vila de Eiras. Filho do Capitão Manoel Lopes Villela, foi Bacharel formado em 1703. Foi aprovado pelo Desembargo do Paço para a carreira da Magistratura em 11-5-1708, contando 31 anos. Foi Ouvidor em Cabo Verde e Desembargador da Relação da Bahia. Quando faleceu deixou em testamento grande património: «…à Irmandade do Sacramento desta Villa hua Cruz de ouro que com hũ cordão e que está preza, peza corenta e oito oitavas, dentro desta deixou authentico Santo Lenho, e o sangue do Santo Xavier com obrigação de em tempo algũ se não alhear» (784).

1.2. Dr. Manuel Serpins de Carvalho Natural da Vila de Eiras, serviu em Letras vários lugares do reino. Foi casado com Isabel de Seiça e com Maria Leonarda de Castro. Familiar do Santo Oficio por Carta do Rei D. Pedro II, de 1 de Janeiro de 1710 com tença de 100.000 reís, e Cavaleiro do Hábito de Cristo por Carta de El‑Rei D. Pedro II. Foi aposentado no lugar de Corregedor de Coimbra com todos os ordenados e propinas por Provisão de 12 Fevereiro 1733. Viveu numa quinta no lugar de Vilarinho. Foi fundador da Capela de Santo António, em Vilarinho, no ano de 1721, onde está sepultada D. Isabel de Seiça, primeira mulher do fundador. Faleceu em 13 de Outubro de 1741 tendo sido sepultado na Capela do Santíssimo Sacramento junto ao altar-mor.785

A.F.P.M.A.M Fabião Soares de Paredes In Memorias d’Eyras, 1734, Fl. 31v.   A. U. C – Registos Paroquiais da Freguesia de Eiras, assento de óbito, 13-10-1741, fl. 156V.

784 785

Personalidades com História

1.3. Fabião Soares de Paredes Ferreira Formado em Cânones pela Universidade de Coimbra, era Protonotário Apostólico de Sua Santidade, Juiz Conservador do Colégio dos Religiosos da Santíssima Trindade e dos Cónegos Regulares de S. João Evangelista da Universidade de Coimbra (786). Foi Vigário da Freguesia de Eiras, tendo tomado posse a 01 de Dezembro de 1728. No seu tempo, promoveu a demolição da arruinada Igreja Matriz e edificação de uma nova. Redigiu um curioso e importantíssimo manuscrito onde foi historiando as coisas que viveu no seu tempo e aquelas que então se contavam acerca de múltiplos aspectos dos lugares que administrava na Vigararia: Eiras, Casais, Murtal e Vilarinho. Ao manuscrito, que aproveitou as páginas em branco de um Rol de Confessados, foi dado o nome de «Memórias d’Eyras» e nele, Fabião de Paredes deu provas de grande capacidade enquanto investigador e escritor, num imenso esforço de sistematização e inventariação das informações que foi recolhendo. Muito provavelmente este documento resulta de um inquérito enviado pela Diocese, uma vez que, no dito manuscrito, se encontrava um Impresso de Interrogatório para Estatística, do qual não achámos rasto. Uma das suas primeiras decisões, após tomar posse da Igreja, foi mandar organizar o cartório da Igreja Matriz, em especial os registos paroquiais, como se deduz da introdução ao primeiro livro de baptismos da Freguesia de Eiras: «…eu mandei ajuntar todos os cadernos, que havia dos taes assentos, que por velhos, rotos, e desencadernados corria risco grande o poderem-se conservar sem que eu fizesse esta diligencia» (787). Graças a esta medida, é hoje possível consultar os registos paroquiais a partir do primeiro quartel do século XVII. Faleceu a 8 de Dezembro de 1751. Está enterrado na Capela‑Mor da Igreja do Sacramento de Eiras.

1.4. Manoel Gomes Bezerra de Lima (788) Filho de Joao António Bezerra de Lima. Entrou para a Universidade em 1778 e tomou o grau de Licenciado em Leis a 03 de Abril de 1784 (789). Professor Jubilado de História e Antiguidades no Real Colégio das Artes da mesma Universidade. Foi Cavaleiro Professo na Ordem de Cristo, com Tença. Doutor na Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra, e Desembargador Aposentado na Relação e Casa do Porto, com ordenado. Compôs a obra «O Especulador Social» dividida em 2 tomos: no primeiro, tratou da Origem das Sociedades e Corpos Políticos e seu Governo; no segundo, dos 3 principais poderes da Soberania: Legislativo, Judiciário e impor Tributos. Casou com Maria do Rosário de Campos.

A.U.C. – Fundo Registos Paroquiais: Livro Livro de Baptismos da Freguesia de Eiras, 1624‑1779, Fl. 1. A.U.C. – Fundo Registos Paroquiais: Livro Livro de Baptismos da Freguesia de Eiras, 1624‑1779, Fl. 1. 788 Dados recolhidos no espólio da família de Ildefonso Marques Mano onde existe um exemplar de O Especulador Social. 789 A.U.C. – Cartas de Curso: Carta de Curso de Manuel Gomes Bezerra de Lima, 1784. 786 787

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

1.5. João Luís Pereira e Oliveira

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Natural de Eiras, onde nasceu a 12-5-1779. Cedo rumou a França onde integrou o exército imperial francês de Napoleão, no âmbito da Legião Portuguesa, tendo sido condecorado por Luís XVIII. Quando regressou a Portugal, pediu à Câmara de Eiras que copiasse para os livros de actas uma série de documentos relativos ao seu percurso militar, que foram transcritos a 9 de Outubro de 1821 (790). Esta cópia pública dos seus documentos, permitiu reconstituir o percurso militar que trilhou. Filho segundo do Dr. João Felix Pereira, natural do Couto de Maiorca, e de Josefa Teresa Tomásia de Oliveira, natural de Eiras e filha do Tenente Manuel Marques Carrasco. Serviu no exército francês durante seis anos pela Legião Portuguesa, vindo a ser condecorado pelo Rei Luis XVIII com insígnia da ordem Real da Cruz de Lis, em remuneração dos seus bons serviços e da dedicação à causa Real da família dos Bourbons. Regressado a Portugal, continuou a servir na vida militar e D. João VI autorizou‑o, por diploma de 7 de Abril de 1821, a continuar a usar a marca da Ordem Real da Cruz de Lis no Reino Português. Por terras francesas, obteve as seguintes graduações: assentou praça voluntariamente a 14 de Fevereiro de 1801; passou a Porta Estandarte a 4 de Novembro de 1804; passou a Marechal de Logia em 15 de Fevereiro de 1808; passou a Alferes em 30 de Dezembro de 1813, na Praça de Witamburg, Reino de Saxe. Realizou um conjunto de relevantes campanhas militares: a de 1809, na Alemanha contra os Austríacos; a de 1812, na Rússia; a de 1813, na Sicilia onde foi ferido; a de 1814, na Saxe, em praça de Vitamberg onde se achava de guarnição no momento em que a dita praça foi tomada de assalto pelos aruçianos onde perdeu dois cavalos e sua mala e toda a bagagem. Dissolvida a Legião Portuguesa por Decreto de Napoleão de 25 de Novembro de 1813, abdicando o Imperador a 12 de Abril de 1814 e restaurado o trono da monarquia francesa por Luís XVIII, regressou João Oliveira à pátria, onde continuou a seguir a carreira militar. Em Outubro de 1821, desempenhava o cargo militar de Alferes do Regimento de Cavalaria nº 11 estacionado na Cidade de Castelo Branco.

1.6. Dr. Joaquim José Pais da Silva Júnior, sua esposa D. Maria da Conceição e seu filho António Pais da Silva. Joaquim José Pais da Silva Júnior, nasceu em Eiras a 25 de Junho de 1832. Era filho do Dr. Joaquim José Pais da Silva, Lente na Faculdade de Leis, natural de Currelos‑Viseu, e de Ana Angélica. Tirou o Curso de Direito na Universidade de Coimbra, obtendo o Bacharelato a 8 de Maio de 1852 e o Doutoramento a 31 de Julho de 1854. Regeu várias cadeiras na Faculdade de Leis: Enciclopédia Jurídica (1858‑1859); História Geral da Jurisprudência (1858‑1859); Jurisprudência Formularia e Euremática (1858‑1859); Teoria do Processo (1859‑1863); Hermenêutica Jurídica (1859‑1863). Já como Lente Catedrático, regeria as cadeiras de Hermenêutica Jurídica (1863‑1864), de Processos Civis Especiais (1865 e 1867‑1900), Organização

A.H.M.C. – Fundo do Concelho de Eiras: Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1819‑1823, Fls. 37‑39

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Personalidades com História

Judicial (1866‑1867). Conselheiro por decreto de 13 de Novembro de 1866. Aposentou‑se a 15 de Maio de 1891.Membro da Comissão encarregada de organizar o Código Civil em 1853. Tomou parte na Reforma da Administração dos Campos do Mondego, criada em Agosto de 1866, e da Comissão, criada em Julho de 1867, para a extinção dos pântanos e arrozais do Distrito de Coimbra. Desempenhou o cargo de Vereador da Câmara Municipal de Coimbra entre 1856 e 1857. Foi sócio efectivo do Instituto de Coimbra em 8 de Fevereiro de 1861 e sócio honorário em 4 de Julho de 1896. Colaborador e redactor da Revista de Legislação e Jurisprudência. Desempenhou os cargos de Presidente do Instituto de Coimbra em 1873‑1876 e da Sociedade Filantrópico‑Académica de Coimbra. Faleceu em Outubro de 1907. António Pais da Silva. Nasceu e viveu em Eiras. Foi Lente de Direito da Universidade de Coimbra de 1853 a 1877. A 14 de Abril de 1868, a Câmara Municipal de Coimbra aprovou um voto de louvor a António Pais da Silva, por ter concorrido, com valioso auxílio, na construção da estrada que vai da estrada real para Eiras. Era do Conselho de Sua Magestade e fez parte de várias e importantes comissões de serviço público. A família promoveu, em Eiras, vários melhoramentos: Quando por iniciativa do padre Santos Campos se levantou altar a Nossa Senhora de Lurdes na Igreja do Sacramento, suportaram as despesas com a instalação, mudança do tapavento para o fundo da porta principal, grades em volta do altar; reformas nos altares laterais de arcos de pedra lavrada. ‑ Financiaram as obras de conservação e reparação da Igreja do Sacramento concluídas em 1865, do que se lavrou uma inscrição homenageando o Dr. Joaquim Pais da Silva e seu filho, que está por cima da porta principal. D. Maria da Conceição Pais da Silva mandava distribuir pela Semana Santa e em Quinta‑feira d’Ascensão, géneros alimentares pelos que não tinham.

1.7. Conselheiro Ildefonso Marques Mano (791) Nasceu em Eiras a 1 de Abril de 1858. Filho de José Marques Mano e de Maria do Rosário de Campos, contraiu matrimónio duas vezes; a primeira com Maurícia da Purificação Bezerra d’Abreu e Lima Marques Mano, natural de Eiras; a segunda com Maria Margarida da Cunha e Costa, natural de Aveiro. Bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra, com formatura concluída a 11 de Julho

Foto 176 – Ildefonso enquanto estudante universário

Texto elaborado a partir de Registo Biográfico gentilmente cedido pela família da personalidade de que é principal representante D. Maurícia Celeste Pereira Amorim de Lemos Bezerra d’Abreu e Lima Marques Mano. 791

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

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de 1883 (792). Foi professor de Filosofia e História no Liceu Nacional de Aveiro (1893 a 1907) e professor no Liceu Nacional da Guarda (1890,1891) onde viveu na Freguesia da Sé da Guarda. Desempenhou os cargos de Administrador Substituto do Concelho de Coimbra (1887), de Director Geral de Instrução Primária (1908,1909) e foi Conselheiro Real. Dele se diz que foi amigo pessoal de D. Manuel II, privando com ele nos frequentes almoços e jantares. Faleceu a 24 de Fevereiro de 1911, e corre há décadas entre a família a informação que fora vítima de envenenamento lento. Crê‑se que por ter fumado charutos, num daqueles encontros, que estariam envenenados e destinados ao monarca. Advogado, investigador e escritor deixou um conjunto valioso de publicações: os 2 volumes de Elementos de Philosophia, publicados em 1891 e 1898; Compêndio de Geografia, para a 7ª Classe dos Liceus; Compêndio para a História Antiga da Edade Média, Moderna e Contemporânea, 4ª e 5ª Classe, Obras aprovadas pela Comissão dos Livros e pelo Conselho Superior de Instrução Pública – Diário do Governo, de 09 de Setembro de 1907; Compendio de Chorographia Portugueza e Historia de Geographia, para a 7ª Classe, Obra aprovada pela Comissão de Livros – Diário do Governo Nº 192 de 27 de Agosto de 1909; Compêndio de Geografia, para a 1ª, 2ª e 3º Classe dos Liceus (1917); Compêndio de Historia Geral, em 2 volumes, aprovado por Decreto de 28 de Fevereiro de 1914, publicado no Diário do Governo de 7 de Março, II Série, Nº 54; e Compêndio de Geografia em co‑autoria com Manuel Rodrigues Vieira (1893); Estudo elementaríssimo da historia dos povos orientaes; egypcios, babylonicos e assyrios; phenicios, israelitas, medos e persas, (1896, inédito). Desempenhou a função de Secretário da Junta de Paróquia de Eiras em 1872 e 1874.

1.8. António José dos Santos e Campos Veio para Eiras em 1883, transferido, a seu pedido, da freguesia de Alfarelos. Paroquiou durante 15 anos e daqui saiu de livre vontade para a paróquia de Semide em Agosto de 1898. Foi colocado em Eiras na qualidade de pároco encomendado, na vaga que o seu antecessor deixara por incapacidade (Portaria de D. Manuel Correia de Bastos Pina de 25 de Julho de 1883). Entrou em exercício na paróquia de Eiras a 12 de Agosto de 1883, mas, a 3 de Abril de 1889, obteve a instituição canónica com o título de Vigário, tomando posse no dia 14 de Abril do mesmo ano. Promoveu em Eiras uma série de melhoramentos materiais e espirituais: ‑ Na Igreja do Sacramento, em 1887 levantou o altar da invocação de Nossa Senhora de Lurdes; ‑ Na Igreja Matriz e por sua iniciativa, construiu‑se a Capela do Santíssimo Sacramento; ‑ Fez várias diligências para que o Cemitério fosse construído, tendo inaugurado o espaço em 1893. ‑ Enriqueceu o património da Igreja Matriz: em 1894, comprando uma imagem de S. José que mandou fazer em Coimbra, com o produto de uma subscrição que mandou tirar pelo povo; e em 1896, com o Sagrado Coração de Jesus, que foi co792

A.U.C. – Cartas de Curso: Carta de Curso de Ildefonso Marques Mano, 1884.

Personalidades com História

locado no Sacrário na Capela do Santíssimo Sacramento, que mandou fazer em Braga, a expensas da Confraria do Santíssimo Sacramento.

1.9. Francisco Mendes da Silva e sua esposa D. Helena Mendes Vaz Francisco Mendes da Silva nasceu em Ansião no ano de 1886, tendo exercido a profissão de caixeiro na Rua do Corvo. Abastado proprietário, dono da Quinta da Ribeira que pertencera a D. António Pais da Silva. Casou primeira vez com D. Delfina Borges, tornando‑se administrador de todos os seus bens, entre os quais a Quinta da Ribeira. Por falecimento de sua esposa veio a casar com D. Helena Foto 177 – Francisco Mendes da Silva Mendes Vaz. Tinham as alcunhas de “Sr. Chiquinho da Ribeira” e “D. Helena da Ribeira”. Pessoas afáveis e beneméritas, contribuiram com o seu espírito sócio‑caritativo para a ajuda da população; dando emprego a muitas pessoas que se dedicavam às tarefas agrícolas, doando terrenos a empregados seus. A esposa, D. Helena Vaz, ofereceu a habitação para residência paroquial no Largo do Terreiro e doou um terreno para construção de uma Capela no Bairro de Santa Apolónia, para o que foi contribuindo mensalmente, com uma quantia que depositava numa Comissão organizada para o efeito. Foram padrinhos de baptismo e casamento de muitos jovens. Foi o Senhor Mendes Silva quem ofereceu a Eiras o Pendão do Divino Espírito Santo. A Quinta da Ribeira produzia mel de excelente qualidade e as oliveiras eram de fartas azeitonas, fazendo‑se na própria quinta o azeite, quer para consumo interno, quer para venda. O vinho ali produzido era de excelente qualidade obtendo vários prémios em concursos promovidos pela Junta Nacional do Vinho. Francisco Mendes da Silva faleceu a 28 de Novembro de 1958, contando 72 anos de idade. Sua esposa, D. Helena Vaz, faleceu a 24 de Novembro de 1980, contando 80 anos. Os seus restos mortais repousam no Cemitério da Conchada, em Coimbra. Foi Vereador efectivo da Câmara Municipal de Coimbra (1931‑1934) e Vogal da Junta de Província da Beira Litoral (1942-1958). A 18 de Fevereiro de 1966, o povo de Eiras prestou homenagem póstuma a Francisco Mendes da Silva.

1.10. José Maria Teles de Sampaio Rio Homem culto e liberal. Quando a escola de Eiras funcionou irregularmente por falta de professor teve na sua residência uma sala de aula onde recebia as crianças e gratuitamente ministrou instrução. Foi presidente da Junta de Paróquia de Eiras entre Agosto de 1898 e 1910, altura em que foi o principal dinamizador da criação de uma Escola do Sexo Feminino no lugar (1904). Deve‑se à sua actuação a recuperação grandiosa das Festas do Divino Espiríto Santo, em 1919.

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1.11. Professor Dr. Augusto Pais da Silva Vaz Serra (e família)

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O Professor era filho do Bacharel José Antunes Vaz Serra e de Delfina Pais da Silva. Matriculou‑se na Faculdade de Medicina em 1920, onde fez todo o percurso académico até à obtenção do Grau de Doutor a 16 de Dezembro de 1927. Foi assistente entre 1927‑1930, sendo já na qualidade de professor auxiliar que assumirá a regência da cadeira de Medicina Interna (1930‑1941). Como professor catedrático dirigiu Dermatologia e Sifiligrafia (1941‑1942); Patologia Médica (1942‑1962), Clinica Médica (1962‑1975). A 5 de Junho de 1965, jubilou‑se e, a 1 de Maio de 1975, aposentou‑se. Ao longo da sua vida desempenhou, na qualidade de Director, uma série de cargos ligados à Universidade e Hospital de Coimbra: da Clínica dos Hospitais da Universidade; do Instituto de Anatomia Patológica; da Faculdade de Medicina, do Laboratório de Análises Clínicas; do Laboratório de Rádio‑Isotopos; do Instituto de Química Fisiológica; de Clinica dos Serviços de Assistência dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Publicou diversos artigos em publicações periódicas destacando‑se Portugal Médico, Coimbra Médica. Foi membro correspondente da Academia de Medicina de São Paulo (Brasil). Do seu currículo, faz parte uma extensa lista de cargos sendo de destacar: Membro da Comissão encarregada de rever as soluções adoptadas para a Assistência Nacional aos Tuberculosos (Maio de 1942), Vogal da Junta de Energia Nuclear (Abril de 1954) e Membro do Conselho Consultivo da mesma (Fevereiro de 1959); Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (1956); Membro da Comissão Técnica Consultiva da construção do Hospital Escolar, junto da Comissão Administrativa do Plano das Obras da Cidade Universitária (Janeiro 1957). Da sua casa saíam as carroças, fartas em géneros alimentícios, que pela Semana Santa eram distribuídos pelos necessitados. O mesmo sucedia com as cestas de pão e peixe frito, que pelo 3 de Maio e na Cruz da Costa, se repartiam pelas crianças. A longa carreira devotada ao ensino da medicina, mereceu diversas homenagens: Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil (Rio de Janeiro, em 1959); Grande Oficial da Ordem da Instrução Pública em 2 de Junho de 1967; Agraciado pela Santa Sé com as insígnias da Ordem de S. silvestre. Em 1975, o professor Augusto Vaz Serra ofereceu gratuitamente à Junta e ao Povo de Eiras, a sua casa enorme para nela se edificar a tão desejada Creche. Mais tarde, a família Vaz Serra ‑ D. Maria Irene Pais da Silva Vaz Serra, Prof. Dr. Adriano Pais da Silva Vaz Serra, Prof. Dr. Augusto Pais da Silva Vaz Serra, D. Maria Conceição Pais da Silva Vaz Serra e D. Maria da Natividade Pais da Silva Vaz Serra – venderam à Junta de Freguesia, em Junho de 1982, pelo preço simbólico de 10.000$00, o prédio que possuíam na Rua do Cónego e que anteriormente servira de sede do Grupo Recreativo Eirense, local onde posteriormente se instalou a Junta de Freguesia de Eiras.

1.12. O Dr. Alfredo Freitas e Dr. Carlos de Melo Freitas O Dr. Alfredo foi muito conceituado Médico de Eiras (facultativo municipal do Partido de Eiras). Nasceu a 09 de Agosto de 1864 e só muito tarde alugou casa em Coimbra. Foi nomeado para o cargo pela Câmara Municipal a 21 de Dezembro de 1893, tomou posse a 28 do mesmo mês e entrou em exercício no dia seguinte. Pediu a aposentação do cargo a 9 de Junho de 1932. Visitava os doentes com regularidade fazendo o trajecto a cavalo. Obteve o lugar de professor do Liceu da Escola

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Normal, em Coimbra e foi também professor no Liceu José Falcão. Interessava‑se pelos melhoramentos da terra e livrou muitos rapazes da vida militar. Faleceu a 6 de Maio de 1933. A rua principal de Eiras, para quem entra pelo lado Poente, tem o seu nome, resultado de uma proposta da Junta de Freguesia à Câmara Municipal, aprovada a 14 de Maio de 1936. O Dr. Carlos de Melo Freitas era filho do Dr. Alfredo. Nasceu em Eiras a 12 de Fevereiro de 1906. Licenciou‑se pela Faculdade de Medicina a 7 de Novembro de 1929. Iniciou a vida profissional fazendo clínica no partido, ao lado do pai, logo após a formatura. Chegou a leccionar a cadeira de Higiene, entre 1934 e 1938, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Foi também médico municipal de Eiras. Residia em Coimbra. Feitio difícil, era áspero, por vezes grosseiro. Tinha consultório particular em Eiras, na casa do sr. Marcolino Roxo, acumulando este cargo com as funções de funcionário da Previdência, no Posto Médico, por cima da actual sede do Eirense. Teve alguns gestos de grande amabilidade para com o povo, sendo certo que muitas vezes não levava dinheiro das consultas a quem não tinha posses. A 23 de Setembro de 1962, realizou‑se homenagem pública, ao fim de 30 anos de serviços prestados como médico municipal, com sessão solene no Largo Dr. Moura Relva e descerramento de uma placa comemorativa na casa onde nasceu. Faleceu a 22 de Março de 1974. Ambos (pai e filho) foram clínicos na Associação Beneficente “A Pedrulhense”, uma curiosa instituição de cariz assistencial de forte implantação regional com Sede na Pedrulha, freguesia de Santa Cruz. O Dr. Alfredo Freitas foi o primeiro médico da instituição e o Dr. Carlos Freitas que lhe sucedeu foi o primeiro sócio benemérito.

1.13. Manuel de Albuquerque Matos e Lídia Helena de Sousa Albuquerque Matos «O meu pai lutou pela Terra, lutou pela Escola, lutou para que Eiras e as pessoas evoluíssem. Era firme, forte, sabia o que queria, lutava pelo que queria. Normalmente o que ele queria era relacionado com os outros. Punha sempre o interesse da sua terra, da sua escola, à frente do seu interesse pessoal. Esforçou‑se sempre por Eiras». Entrevista audio concedida pela Dra. Lídia Albuquerque a João Pinho, Janeiro de 2007.

Foto 178 – Lídia Helena de Sousa e Manuel Albuquerque Matos

Manuel d’Albuquerque Matos nasceu às 21h 00m do dia 08 de Outubro de 1895 no lugar dos Casais de Eiras e foi baptizado na Igreja Paroquial da freguesia de Eiras a 26 de Outubro do mesmo ano. Filho de José do Nascimento Albuquerque e Elvira Augusta da Conceição Matos, proprietários, naturais e residentes nos Casais de Eiras. Concluiu o exame de instrução primária do 2º grau no dia 07 de Agosto de 1908, sendo aprovado com distinção, e o exame final das disciplinas do curso na Escola de Ensino Normal de Aveiro a 01 de Agosto de 1919, com a classificação Suficiente.

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Cumpriu serviço militar no Regimento de Infantaria Nº 35, 7ª Companhia, em Coimbra. Alistou‑se a 18 de Outubro de 1916, no Regimento de Infantaria Nº35 (Convento de Santa Clara, Coimbra), tinha o Nº 333, saindo do serviço a 24 de Fevereiro de 1918. Começou a vida de professor primário leccionando interinamente em Souselas entre 1920 e 1922, transitando para Pala (Mortágua) onde se manteve de 1923 a 1926. A 8 de Dezembro de 1926, foi provido definitivamente como professor primário de Eiras onde se manteve até 26 de Fevereiro de 1963, data da sua aposentação, contando 43 anos de serviço, 36 dos quais dedicado à Escola de Eiras. Foi nomeado, pela Inspecção do Distrito Escolar de Coimbra, para fazer parte de vários júris em serviço de exames. A partir de 1954, foi Chefe das Missões Culturais da Campanha Nacional de Adultos no Distrito de Coimbra, sequência lógica do pioneirismo que revelou no campo da Educação Popular, enquanto professor na Escola de Eiras. Ao serviço da Campanha, levou o conhecimento a muitas povoações do Distrito, promovendo sessões de esclarecimento, apoiadas na projecção de filmes educativos e gravadores. Além do ensino, o professor Albuquerque tinha outra grande paixão: a vinicultura. E foi com grande alegria que recebeu a notícia de ter sido premiado em diversas ocasiões: no Concurso do Melhor Vinho, realizado pela Junta N. do Vinho, em Lisboa, referente à colheita de 1938; premiado no âmbito de “O Melhor Vinho” referente à colheita de 1939, obtendo o 1º prémio da zona de Coimbra – 2ª da escala. Foi também a primeira pessoa a ter automóvel no lugar de Eiras. O jovem Albuquerque conhecera, nos tempos de estudante, em Coimbra, uma rapariga chamada Lídia. Quis o destino que se reencontrassem em Eiras para onde vieram dar aulas de instrução primária e…a 17 de Setembro de 1921 acabaram por casar. A professora Lídia Helena de Sousa, nasceu a 12 de Julho de 1899, na freguesia de Nossa Senhora do Rosário Aparecida, em Santos, Brasil. Filha de Francisco Augusto de Sousa e de Quirina Augusta de Ascensão e Sousa, passou a infância em Ansião. Tirou o Curso do Magistério Primário em Leiria tendo leccionado em várias escolas: Lagarteira‑Ansião e Espinho‑Mortágua. Faleceu com 92 anos. Foi professora oficial na Escola de Eiras. Segundo a Profª Licínia (sua antiga aluna e ex‑professora da Escola Primária de Eiras), era «uma mulher diferente, que se correspondia com antigos alunos, delicada, ternurenta, doce, muito religiosa e crente em Nossa Senhora da Conceição» (793). À professora Lídia, recorda, «…devem‑se muito dos projectos escolares, pois tinha uma grande preocupação em cultivar, educar e formar as suas alunas: compôs cantigas, peças de teatro, poesia, fez fatos para as Festas da Primavera». È ela a autora da maioria das letras de canções que hoje fazem parte do repertório do folclore de Eiras Enquanto pedagoga, esforçava‑se por transmitir não só os conhecimentos elementares da instrução primária, mas também a preparar as pupilas para a vida, ensinando a bordar, a fazer trabalhos manuais. O casal teve dois filhos: Augusto José de Sousa Albuquerque Matos (✝) e Lídia Elvira de Sousa Albuquerque Matos. O professor afirmou‑se como a grande personalidade da Freguesia de Eiras do século XX. Contando sempre com o apoio indispensável da esposa, idealizou e

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Entrevista concedida pela Profª Licínia a João Pinho no dia 12 Abril de 2007.

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executou a sua grande obra: a Nova Escola de Eiras, fruto visível de uma dedicação e empenho difíceis de descrever. Desempenhou, ao nível local, um conjunto de cargos tendo procurado, em todos eles promover o progresso material e social da sua terra: ‑ Ajudante do Posto de Registo Civil de Eiras de 1920 a Setembro de 1921 e de 1934 a 1953, tendo sido exonerado a seu pedido por despacho de 09 de Abril deste ano. No cumprimento das funções levantou alguns autos de notícia (difamações, roubos, agressões), registou certificados e processos de casamento, nascimento, óbitos; diligenciou para afixação de editais. ‑ Foi presidente da 1ª Direcção da Cantina Escolar de Eiras, da qual fazia parte sua mulher como secretário. Foi Presidente da Junta de Freguesia no período 1968‑1971. Assumiu o cargo pelas expectativas que depositava em concretizar o progresso material e social da sua freguesia que, ao longo de décadas, vinha defendendo e projectando. Contudo, abandonará o exercício da função antes do previsto, na reunião de 2 de Janeiro de 1972, quando se preparava para iniciar novo mandato. Sairá desiludido com o não cumprimento das promessas que lhe foram feitas pela Câmara Municipal de Coimbra, nomeadamente: a corrente eléctrica e iluminação pública, água domiciliária, serviço de autocarros dos Serviços Municipalizados a Eiras e um bairro de casas de renda económica. Notável investigador da história da sua freguesia, foi colaborador regular de praticamente todos os jornais da região ‑ Notícias de Penacova, Diário de Coimbra, Gazeta de Coimbra e O Despertar ‑ e pontualmente de jornais nacionais – O Século, Diário de Noticias, 1º de Janeiro ‑ onde publicou, ao longo da sua vida, centenas, talvez milhares de artigos, sobre as temáticas que interessavam à freguesia. Os artigos que publicou podem subdividir‑se em dois grandes núcleos: aqueles onde foi publicando os resultados das investigações históricas que realizou sobre a freguesia; e os que testemunham os progressos e retrocessos da evolução material e social da freguesia no seu tempo: caminhos, estradas, higiene, trânsito. Uns e outros tinham o mesmo objectivo: despertar nos Eirenses o bairrismo e o interesse pelas coisas da terra. Segundo as suas próprias palavras, 1926 foi o ano em que tudo começou, «para alcançar os almejados fins, pela palavra e pela escrita, usando diversos, variadíssimos meios, afora outras diligências, temos procurado insuflar no ânimo dos nossos conterrâneos um mais fervoroso bairrismo, ativar‑lhe o amor, interesse e brio que todos sentimos por esta terra que a todos nós serviu de berço, que alberga os recantos que avivam as nossas saudosas recordações da meninice» (794). Naquele ano, Albuquerque Matos fixara-se definitivamente em Eiras, ano que marcou também o princípio da «Escola Livre»: além da actividade regular, a Escola procurava dinamizar múltiplas actividades educativas e culturais: à noite ministravam‑se aulas para homens, onde não faltavam a música e as cantigas. Os seus primeiros artigos não andam relacionados proximamente com a História da Freguesia de Eiras. Aos poucos, porém, e certamente pela influência do pai e também do padre José Maria Teles de Sampaio Rio, foi nascendo nele a curio-

794 Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Dentro da Área da Cidade: Eiras – Abertura», In Gazeta de Coimbra, 11 de Dezembro de 1965, P6.

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sidade por uma particularidade da História de Eiras: havia sido Vila e sede de um Concelho. A sua formação base, como professor, aliou‑se ao espírito curioso e aberto (que procurou passar para os filhos), levando‑o a conhecer os antigos fundos documentais da também antiga Biblioteca Municipal de Coimbra. Um novo mundo se lhe abria… Descobriu então que se haviam preservado livros que registavam a actividade do Concelho de Eiras. Decidiu estudá‑los e, um dia, dá‑se acontecimento extraordinário, que mudaria o curso da investigação que vinha realizando ao extinto concelho da sua terra: o amigo e filósofo Tomás da Fonseca oferecera‑lhe uma raridade comprada num leilão de livros em Coimbra: o livro manuscrito pelo Padre Fabião Soares de Paredes datado de 1734 e intitulado «Memórias d’Eyras». A esta conjuntura se referiu, em 17 Novembro de 1950, no primeiro artigo que publica na Gazeta de Coimbra sob o título «Arrabaldes de Coimbra: Eiras de ontem de hoje e de amanhã» no qual anuncia a intenção de ir publicando tudo o que apurar da antiga Vila de Eiras: «O arquivo da sua antiga Câmara tem curiosidades muito apreciáveis e num velho manuscrito adquirido em leilão de alfarrabistas – presente valiosíssimo que mão amiga nos ofertou – encontramos em narrativas do antigo vigário desta freguesia, sr. Fabião Soares de Paredes Ferreira, assuntos que nos deixam descortinar a valia da que foi a “nobre vila de Eiras» (795). Na sequência das eleições de deputados à Assembleia Nacional, realizadas a 13 de Novembro de 1949, foi‑lhe movido um processo disciplinar, por não ter cedido a sala de aulas para o efeito. A denúncia partiu do presidente da Junta de Freguesia que, na qualidade de Presidente da Assembleia Eleitoral, se queixará de apenas ter sido cedido um pequeno compartimento e não a sala de aula como pretendia, além de não lhe ter confiado a chave do edifício atrasando a abertura da mesa eleitoral da parte da tarde. Segundo relata o processo, Albuquerque Matos foi acusado de «reviralhista», de não ser uma «pessoa integrada e nem sequer simpatizante do Estado Novo» e de «ter em atenção o movimento oposicionista em favor do General Norton de Matos» (796). Mas as acusações mais perigosas remontavam a 1946‑1947, quando a junta mandou angariar, pela povoação, assinaturas para uma mensagem de apoio a Salazar, teria o professor declarado que «apenas o fazia por dever de oficio». A PIDE confirma‑o como «elemento desafecto ao Estado Novo» e o processo vai tramitando até que, a 13 de Fevereiro de 1950, é‑lhe enviada a nota de culpa. Em 4 artigos se baseava a acusação: oposição à realização das eleições, cedência de um pequeno vestiário não obstante indicações em contrário, não ter confiado a chave e mostrar ser desafecto à situação política. A defesa que fez de todas as graves acusações apontadas, foi demolidora. Dispensou advogado, apresenta uma lista de testemunhas onde se incluíam presidentes de Câmara, professores da Universidade, grandes proprietários da zona. Como a acusação política era a mais perigosa, junta ao processo recortes de jornais e extractos dos seus discursos

Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Arrabaldes de Coimbra: Eiras de ontem, de hoje e de amanhã», In Gazeta de Coimbra, 17 Novembro 1950, P. 5. 796 A.F.P.M.A.M. – O meu processo disciplinar 795

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públicos onde participara em sessões promovidas pelo S.N.I. e onde enalteceu a obra educativa do Estado Novo. Mais. Como a P.I.D.E. levantara dúvidas sobre a sua personalidade quanto a actividades políticas, pede que lhe seja levantado um inquérito para apuramento da verdade. Passava ao ataque e restou‑lhe aguardar a comunicação da pena que chega a 4 de Agosto de 1953; reduz‑se a uma multa correspondente aos vencimentos de 10 dias. Provara‑se as duas primeiras acusações, motivo para que Albuquerque Matos recorra directamente para o Ministro da Educação Nacional, de modo a limpar totalmente a sua honra. Contudo, a Direcção Geral do Ensino Primário não dará autorização para a revisão do processo. Da análise do processo, percebe‑se que o professor não cedera a sala de aula por motivações políticas, mas sim, como o próprio declarou nos autos «…tão somente pelo amor, pelo carinho, que voto à minha Escola e ás minhas plantas». E daqui resultara um grande mal entendido que a maquinação de outros fizera tomar proporções desnecessárias. Ao professor deveu‑se também a organização do arquivo da Junta depois do incêndio que parcialmente o inutilizou. Era adepto confesso e sofrido da Associação Académica de Coimbra. Gostava de viajar percorrendo o país. O Casal foi sócio do Grémio dos Professores Primários de Coimbra e Manuel Albuquerque desempenhou o cargo de Secretário na instituição em 1927. Por proposta da «Comissão de Amigos de Eiras residentes em Lisboa» aprovada pela Câmara Municipal de Coimbra em 03 de Dezembro de 1970, foi dado o nome do professor Albuquerque Matos a uma rua dos Casais. O professor faleceu a 27 de Novembro de 1985, a professora a 12 de Julho de 1997. Dez anos depois, a 25 de Julho de 2007, os antigos alunos dos professores prestaram ao casal uma homenagem, com o descerramento de uma placa na fachada principal da escola.

Foto 179 – O escritório do Prof. Manuel Albuquerque Matos

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CAMINHANDO E SABOREANDO COM HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DE EIRAS

1. O empréstimo da Imagem do Senhor dos Passos – meteram Nosso Senhor no curral das cabras! lgumas das Imagens dos Santos dos templos da Freguesia de Eiras, devido à sua beleza eram bem conhecidas pelas redondezas. A comprová-lo veio‑nos ao conhecimento uma história em que a Vila de Eiras emprestou a outra localidade a sua Imagem Sagrada, para que o culto nesse lugar se continuasse a fazer. A história data de 1727 e envolve a Irmandade de S. Nicolau das Almas que foi erecta no Colégio de Nossa Senhora da Graça, na Rua da Sofia. Através do estudo do Cartório do extinto colégio pudemos apurar a sua veracidade. Ao tempo, ainda estava em pleno funcionamento o Colégio e já então andavam de candeias às avessas a dita Irmandade e os frades da Graça. Todos os anos era costume fazer‑se em Coimbra a procissão do Senhor dos Passos e, em 1727, decidiram fazê‑la a 9 de Março. Na véspera da cerimónia, frades e irmãos reuniram‑se para ultimar os preparativos, mas o encontro acabou por azedar e a cerimónia adiada, como relata a petição, datada de 29 de Março, entregue pelos religiosos da graça na acção que correu no Juízo da Conservatória da Universidade: «Dizem o Pe Reytor, e mais Religiosos do Collegio de N. S. da Graça desta Cidade, que estando os Supplicantes na posse de fazerem procissão de Passo, na 2ª Dominga de Quaresma de cada anno, trazendo a Sagrada Imagem de Cristo S.or nosso para o Collegio da Companhia de Jezus na véspera a tarde e delle para a dos Supplicantes no dia seguinte, sucedeu, que sendo no dia 8 do correntes més de Março estando a Irmandade de S. Nicolau chamada dos Passos na Igreja do Collegio com as insignias levantadas já na Rua, e a sera destrebuida, e o Andor as costas dos irmãos, se levantou de facto, e dezobedecendo ao P. R.or e Prezidente, negandolhe obediencia, de protector e economica de que os Supplicantes estão de posse, e não quizerão acompanhar a procissão no dia seguinte cometendo força, e esbulho aos Supplicantes, que egualmente estão na posse de serem acompanhados pella sobredita Irmandade» (797).

A

A. U. C. – Fundo das Congregações Religiosas: Colégio Nossa Senhora da Graça – «Autos de Acção de Força interposta no Juízo da Conservatória da Universidade pelo Colégio da Graça contra a Irmandade de S. Nicolau», 1727, Cx. 7, Doc. n.º 29.13, Fl. 2.

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Os frades não desistiram e, sem colaboração da dita Irmandade, realizaram a procissão no dia 16. Claro está que os irmãos revoltados com a desfeita, reuniram em assembleia‑geral para debater o assunto. Depois de discussão acalorada, todos foram unânimes na resposta a dar à ofensa: tinham de fazer também a sua procissão! Só que, a meio da assembleia e quando começavam a fazer os preparativos, verificaram que faltava o mais importante: a Imagem do Senhor dos Passos…sem a qual a procissão não se poderia realizar e, para aumentar ainda mais o desespero, só havia por ali a Imagem da Graça, que os frades guardavam ciosamente. Nova discussão se levanta. Uns ainda pensaram em pedi‑la, outros declararam que nem pensar em tal humilhação e, no meio da confusão, um irmão pede a palavra para expor a sua ideia luminosa: «Em Eiras há uma bonita imagem do Senhor dos Passos: se a pedirmos não nos dizem que não. Não é da cidade, mas é de perto, é um santo de ao pé da porta». Os de Eiras, vaidosos pela figura que o seu Santo, certamente, faria na cidade, acederam ao pedido. Marcou‑se o Domingo de Lázaros para levar a efeito a procissão, dando assim uma valente bofetada de luva branca aos frades. Assentou‑se então que a Imagem do Senhor dos Passos iria de Eiras para a Sé Velha, donde sairia em procissão no dia 23 de Março. Contudo, as coisas voltariam a azedar: «E outro sim estando os Supplicantes na posse de se não fazerem procissois de passos fora dos mosteiros de sua religião, nem do seu collegio nesta cidade; e menos em outro dia que não seja o da 2ª Dominga da Quaresma aconteceu que sendo aos 22 do corrente més de Março introduzirão os oficiais da Meza da Irmandade de S. Nicolao o andor de passos da Vila de Eiras já alta noute pellas ruas desta cidade, as escuras com toda a indecencia, acompanhado de gente armada, e depozitando na Caza do R.do Cabido da Cathedral, fizerão procissão no dia seguinte acompanhada do mesmo Reverendo Cabido, que dava precedência aos Irmãos, e concentindo nellas os officiais da Meza, e outras pessoas seculares, e ecleziasticas, que declararão as testemunhas, os quais hião notoriamente excomungados por terem posto mão violentas em alguns religiosos dos Supplicantes, se recolherão na Igreja de Santa Justa, rogarão pregadores fora da ordem dos Supplicantes que estão na posse de os dar, no que tudo commeterão força, e esbulho com volencia e notoria devem ser restituídos os Supplicantes com todas as perdas e danos na melhor forma de direito, portanto P. a V. mercê lhe faça merce mandar, que o Juis, e officiais da Meza da Irmandade sejão notificados pello Escrivão» (798). E chegou o grande dia. Tudo preparado e organizado para sair a procissão, faltando apenas que o frade crúzio S. Luis Galvão terminasse o sermão. Mas, de repente, Frei Miguel Távora, dirige‑se à porta da Sé e lê uma bula que proibia a procissão e ameaçava com excomunhão todos que nela tomassem parte. Tratava‑se da contra‑ofensiva dos frades da Graça, que habilmente se mexeram junto da autoridade eclesiástica. Mas, para surpresa, o povo não arredou pé. Conhecedor das manobras pouco claras dos frades, começaram a gritar «Morra a Graça». Num ápice, correram a suas casas buscando as armas de então – escopetas, cacetes, chuços, pedras – e, armados em pé de guerra, a procissão lá se fez, resguardada no povo em fúria, recolhendo à Igreja de Santa Justa.   A. U. C. – Fundo das Congregações Religiosas: Colégio Nossa Senhora da Graça – «Autos de Acção de Força interposta no Juízo da Conservatória da Universidade pelo Colégio da Graça contra a Irmandade de S. Nicolau», 1727, Cx. 7, Doc. n.º 29.13, Fls. 2-2v.

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Caminhando e Saboreando com Histórias e Estórias de Eiras

O Colégio da Graça nunca se conformou com o facto de tal modo que chegou a requerer justiça directamente ao Rei. Difícil foi no entanto a restituição do Senhor dos Passos a Eiras. Os da Irmandade de S. Nicolau foram arranjando escusas e desculpas para evitarem a devolução e quase se levantou nova guerra para que a Eiras tornasse. No ano seguinte, para espanto dos Eirenses, a Irmandade voltou a pedir a imagem. Só que o povo, escaldado com a artimanha do ano anterior, tirou a Imagem do Senhor dos Passos da Igreja e tratou de a esconder numa loja, não viessem os indivíduos buscá‑la a mal, de dia ou de noite. Por esta razão, que é a de terem sabido defender‑se com habilidade de sarilhos e confusões, é costume dizer‑se por estas bandas «que os de Eiras meteram Nosso Senhor no curral das cabras» (799). Fabião Soares de Paredes, que viveu por esses tempos, fez leve alusão ao facto: «He esta Imagem fabricada com Summa perfeição, de tal sorte que ia os cidadoes da Cidade de Coimbra a levarão por imprestimo no anno de 1727 para a sua procição dos paços que se fez na mesma Cidade onde se vio com rara e pia devoção» (800).

2. Os estragos provocados pelas invasões francesas 27 de Setembro de 1810, travou‑se dura batalha entre as forças anglo‑lusas, comandadas pelo duque de Wellington e as tropas francesas, comandadas por A Massena, na Serra do Buçaco. O confronto é favorável num primeiro momento às

forças aliadas, mas, a reorganização das tropas francesas, leva a que de 28 para 29 o exército anglo‑luso se precipite serra abaixo na direcção de Coimbra. A retirada lenta e penosa dos exércitos é feita pelas duas estradas existentes: a que, por Moura e Sula, contornava a Cerca Conventual, descendo para a Mealhada; e a que vindo de Viseu, Santacomba e Mortágua subia por Santo António do Cântaro na direcção da Cidade por Botão e Eiras (a Estrada Real). No dia 30 de Setembro, a Cidade de Coimbra escuta, atónita e horrorizada, os relatos das atrocidades cometidas na passagem do exército francês por Eiras, que foi entre todas as freguesias pertencentes ao Arciprestado de Mortágua «…a que padeceo mais». As averiguações fizeram‑se entre finais de Setembro e Outubro de 1810 pelo Arcipreste e fornecem‑nos várias informações sobre a dimensão do horror praticado. O número de mortos ascendeu a treze homens (o total do arciprestado foi de 52 mortos distribuídos por 29 freguesias) havendo também noticia de que «Abuzarão desde a mais tenra idade athe a mais avansada do sexo femenino». O facto de parte do exército ter ficado acampado na freguesia, enquanto decorriam os combates na Cidade de Coimbra, levou a que os roubos e pilhagens fossem devastadores: «Toda a Alla do Exercito que esteve acampada nesta freguezia em quanto estiverão combatendo a Cidade de Coimbra as outras Allas; motivo porque ficou inteiramente roubada e destruhida esta freguezia não so nos frutoz que estavão

História recriada a partir do artigo de Manuel de Albuquerque Matos: «Arrabaldes de Coimbra: Eiras ‑ XXV» In O Despertar, Ano XLV, Nº 4484, 8/XI/1961. 800 A.F.P.M.A.M – Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728‑1741, Fl. 27v. 799

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pendentes nas propriedades mas tambem pellas cazas e todos os moveis ficarão inutilizados huns e outros roubados principalmente roupas de linho» (801). Mas foi na Igreja Matriz que decorreram os actos que mais fundo devem ter tocado as almas chocadas de um povo impotente perante a sucessão de sacrilégios: «Na Igreja arrombarão o Sacrario tirando o vazo das sagradas formas estas forão espalhadas por toda a parte e se dis que hum Clerigo o primeiro que veio estes o consumirão; e despindo o Senhor dos Passos que estava na Igreja velha huma tunica roxa, com ella se vestio hum soldado françes, e fora cortar carne; e depois tornando-a sobredicta egreja velha dera duas cutiladas nos braços do Senhor em que a segunda cutilada que dera ficara a espada quebrada; e quebrarão tambem, e trespassarão todas as imagens que estavão na Igreja vazando humas para as ruas ficando outras na Igreja despedaçadas lançarão por terra os Santos Oleos que estavão nas Ambulas. Na verdade he para lamentar tão grande desgraça. Forão roubados todos os ornattos das Sagradas Imagens; como tambem todos os ornamentos a saber alvas amittos cordoens e todas as toalhas dos altares comunhão; e alguns ornamentos que ficarão destruhidos e inutilizados» (802).

3. Em 1870: pede‑se a imagem do Senhor Morto a Botão mas ela não chegou. Porque terá sido? 472

m 1870, no âmbito das solenidades da Semana Santa, pretendeu‑se fazer a procissão do enterro do Senhor, mas não existia em Eiras tal imagem. O Dr. António Pais da Silva, colaborador de todos os actos religiosos e benemérito de Eiras, resolveu intervir no assunto e, tendo bons contactos em Botão, decidiu pedir ao prior da paróquia, que lhe emprestasse por algum tempo a imagem necessária. O prior levou o pedido à Junta de Paróquia, da qual era Presidente segundo a lei desse tempo e, em sessão do dia 06 de Março de 1870, a Junta deliberou por unanimidade, aceder ao pedido. Só que, no dia 10 de Abril de 1870, a Junta de Paróquia de Botão volta a reunir e declara não emprestar a imagem devido à eminência de uma sublevação popular na freguesia, alegando que queriam a imagem disponível para o Sermão da Paixão da Quinta Feira Santa. E assim o Senhor Morto de Botão não veio a Eiras, nem a procissão se realizou. Sabe‑se hoje, pelo depoimento do Professor Albuquerque Matos (que conheceu em vida o Prior Augusto da Costa, da paróquia de Botão) que não havia qualquer risco de sublevação popular e que tudo «…foram artimanhas do secretário que andava de candeias às avessas com o Padre e o queria aborrecer por ele mostrar tanta vontade que o Senhor Morto viesse a Eiras» (803).

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A.UC. – Fundo Invasões Francesas: Colecção Belisário Pimenta ‑ «Relação dos assassinattos, roubos inçendios; e atrocidades cometidos no Arciprestado de Mortagoa desde o dia vinte e hum de Setembro de mil e outocentos e des athe o dia quatro de Outubro pelo Exercito dos Francezes comandado pelo General Maçena», Doc. Nº 84, Fl. 10v. 802 Id. Fls. 10v.‑11. 803 Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Arrabaldes de Coimbra. Eiras ‑ XXIV», In O Despertar, Ano XLV, Nº 4471, 20/IX/1961. 801

Caminhando e Saboreando com Histórias e Estórias de Eiras

4. À espera de encher o cântaro na fonte de Eiras urante grande parte do século XX, o modo mais usual de ter água em casa pasD sava por ir buscar o liquido precioso à fonte. Quando se dizia «Fiquei sem gota de água em casa», o caminho ou solução estava no Terreiro da Fonte. Mas pelas

biqueiras escorria pouca água, levando a que o abastecimento fosse demorado. Em consequência, formavam‑se, diariamente, longas filas de mulheres acompanhadas dos seus cântaros: «Com cântaros, em fila, nos poiais não havia um lugar vago! As donas de casa consumiam‑se e mais se amofinavam quando o sino pintado anunciava que mais uma hora passara, desaproveitada nos trabalhos domésticos. As mais espevitadas, ralhavam, barafustavam, insultavam‑se a discutir a quem pertencia a vez e partiam as vasilhas de barro e amolgavam as de lata, na conquista da prioridade. As mais pacatas, à sombra do falecido chorão, apreciavam divertidamente o espectáculo, quando não, pecando, murmuravam» (804).

5. A venda dos «raposos» odos os anos, havia que limpar o cano da fonte. A Junta de Freguesia contratava rapazes, de à volta de 10 anos de idade, para limparem o cano. Metidos T dentro dele, o dia era de grande algazarra e brincadeira para os mais pequenos «… que se divertia com os compridos blocos de compridas e delgadas raízes, multiplicadas e entrelaçadas, que dele eram retirados aos quais davam o nome de raposos. Eram levados ao ombro ou arrastados pelas ruas à frente dos trabalhadores da limpeza, que do povo ia recebendo ofertas, tal qual é quando matam algum ginete (gato‑bravo), ou alguma manhosa raposa (805). Ainda há quem se recorde de dar à pequenada 5 reis para tremoços.

6. Os Guardadores das Hortas onta‑se que, em tempos que já lá vão, os garotos iam tomar conta das hortas C no Escravote, onde existiam plantações de hortaliças, muito atractivas para as aves famintas que as debicavam e estragavam.

A pequenada, de varas, paus e outros utensílios, enxotava as aves, especialmente os pardalitos, dizendo: «Xô, passarada má. Vão comer para o quintal da Rosa Calhá…»

7. Os salteadores dos Marcos da Pedrulha onta‑se que, numa antiga estrada que ligava Eiras à Pedrulha, um grupo de C salteadores interceptava a malaposta e outros veículos de tracção animal. Fazia‑o em determinada etapa do percurso, denominada Marcos da Pedrulha, e

sempre pela calada da noite. Dizem as más‑línguas que o padre da Cezém, ao tempo Abade de S. Paulo, fazia parte dos salteadores.

804 Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Dentro da Área da Cidade: Eiras – as nossas fontes» In Gazeta de Coimbra, 10 de Outubro de 1970, P. 9. 805 Id.

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8. Certa eleição em S. Paulo de Frades os princípios do século XX, a população da freguesia teve de ir votar a S. Paulo de Frades. Pais acompanhados dos filhos meteram‑se ao caminho para exercer o seu direito. Os tempos eram outros, a rivalidade com os vizinhos andava à flor da pele, e as coisas resolviam‑se doutra maneira: «O acto realizou‑se na Igreja e mesmo ali, não obstante uma força de 23 ter as armas ensarilhadas no adro, em dada altura desencadeou‑se tal zaragata, por acidente ou premeditada, que o recinto foi varrido pelos paus que rodopiavam e se batiam. Ficou apenas a mesa…» (806).

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9. O ciclo do pão os arredores de Eiras, a cultura do milho nos campos fertéis assumia grande destaque, num processo que começava e terminava no lugar. Depois da colheita, seguia‑se a escamizada e secagem do cereal nas eiras que por aqui existiam, seguindo-se a moagem do milho nas azenhas e, por fim, da cozedura da broa nos fornos a lenha. No ciclo do pão, a cozedura não era um processo fácil, pois a maioria dos fornos eram privados, ficando o povo dependente do empréstimo. Neste caso, as mulheres quase sempre assumiam o protagonismo, aquecendo o forno com a lenha que iam buscar aos pinhais. Cada uma ficava responsável pela sua cozedura, sendo disputado o último lugar no forno, pois era aquele onde se gastava menos lenha, o que não raras vezes acabava em discussão. O processo de cozedura compreendia: o varrer‑se o lar do forno com vassouro feito de erva; em seguida tendia‑se a massa com o tijelão, sempre com farinha no fundo para não deixar pegar a massa, metida e tirada do forno com a pá. Normalmente guardava‑se um pouco de massa para fazer a torta com sardinha. Quando a massa estava bem apunhada, juntava‑se o fermento (que as pessoas emprestavam umas às outras) e a mistura de trigo e centeio, conforme o gosto e as posses, para tornar a broa mais macia. Depois de amassada, colocava‑se a massa no meio da gamela, passando‑se com a mão por cima para ficar lisinha. Neste ponto dizia‑se a seguinte lenga‑lenga:

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São Mamede alevede São Vicente acrescente São João te faça pão Santíssimo Sacramento Ponha a Sua Sagrada Benção Depois cobre‑se a massa com um paninho branco, seguido de uma manta, mais ou menos grossa conforme a temperatura ambiente. Principalmente no Inverno havia quem, por cima da manta, colocasse umas calças de homem para levedar mais depressa. Manuel de Albuquerque Matos ‑ «De Eiras: ainda a eleição da Junta de Freguesia», In Diário de Coimbra, Ano XLII, Nº 14.212, 3ª Feira, 7 Dezembro 1971.

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10. As vindimas e a apanha da azeitona que na apanha da vindima a alegria e a garridice marcavam os trabaEpoisnquanto lhos, na apanha da azeitona, que hoje rareia, as cantigas pouco se entoavam, devido ao frio andava‑se encolhido e desejoso de que rapidamente o trabalho

acabasse. Fieis ao ditado «quem vareja antes do Natal deixa a funda no olival», os varejadores actuavam entre Janeiro e Fevereiro. Ranchos de mulheres enchiam os olivais, dobradas a encherem o cesto, com as azeitonas negras com verde a salpicar, que na gíria rotulavam de «maquia». Iniciava‑se a colheita manhã cedo e despegava‑se ao lusco‑fusco, trazendo para a tulha as sacadas do dia. Os homens iam então para o lagar, entretendo‑se a cavaquear, com uns a esquentarem os cabos para a fornalha, outros a aquecerem‑se ou a secarem a roupa que traziam vestida. Só no último dia os cantares e gargalhadas apareciam e o clima era de festa rija: foguetes durante a tarde e, à noite, com a canção que mais agradava, vai para o patrão o ramo mais carregado de frutos pretos e reluzentes, recebendo em troca os presentes, filhós e bolos. Hoje é raro este clima, fruto de uma conjugação de factores: por um lado, modernizou‑se o sistema produtivo melhorando a qualidade de produção, mas as irregularidades climáticas, o abandono dos campos, as doenças da própria árvore, fazem com que, por alturas do Natal, tudo esteja terminado e aquele ditado perca algum sentido. A alegria marca ainda a época das vindimas. Alguns anos atrás, as primeiras vindimas faziam‑se pela Senhora da Nazaré. Em pipitos, por vezes em cântaros de barro, com panelas de água a ferver para que coza mais depressa, preparavam‑se as primeiras pingas de água‑pé, que por aqui tinham muitos admiradores, ao saber de tigeladas ou canecadas, e acompanhadas de castanhas. Por norma, as grandes colheitas eram na segunda quinzena de Setembro. Ranchos de raparigas iam para as vindimas, cantando despreocupadas, levando no braço o cesto. Os homens, de perna à vela, pisavam as uvas mexendo‑se ao compasso das canções. Usavam trajes garridos e lenços vistosos. Hoje as coisas modificaram-se bastante: a vindima é feita em família, quando muito com a ajuda de mulheres e homens maduros, a maioria vestidos em tons de negro, que não cantam mas trocam notícias das suas alegrias e tristezas. E os ranchos que costumavam animar as tardes, também já desapareceram.

11. Os soldados de Eiras: na primeira guerra mundial e no Ultramar a 1ª Guerra Mundial, integraram o corpo expedicionário português (C.E.P.) N e combateram em França alguns soldados oriundos de Eiras: Alípio Gomes, falecido em Setembro de 1974 com 86 anos, foi um deles. Era pedreiro de profissão,

lia e traduzia francês com facilidade, era republicano convicto e de ideias democráticas (807); José Ferreira Poiares Júnior, nascido a 24 de Dezembro de 1892, nos Casais de Eiras, falecido em 1977 com 85 anos; Adrião Rodrigues, nascido em Eiras a 18 de Fevereiro de 1892, proprietário e um dos principais lavradores da zona, faleceu em 1973; José Jorge, nascido em Eiras a 16 de Outubro de 1895 teve louvor

807

Manuel de Albuquerque Matos ‑ «De Eiras: Reparos» In Diário de Coimbra, 21 Setembro 1974.

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pelos bons serviços prestados; José dos Santos Cardoso, nasceu a 25 de Abril de 1892, no Murtal‑Eiras, faleceu com 76 anos no Murtal); José Augusto Soares, era natural de Lordemão, casado em Eiras foi condecorado com a medalha de 4ª classe da Cruz de Guerra; Abel dos Santos (conhecido por Moca); João da Costa; António Maria Roxo; Joaquim Francisco nascido em Eiras a 5 de Fevereiro de 1890, foi condecorado com a medalha comemorativa das campanhas do Exercito Portuguez França 1917/1918; e Daniel Simões. Enquanto a guerra durou, os corações das mães, dos pais e dos avós desses militares devem ter batido de ansiedade. Por ocasiões especiais, como o Natal, chegavam as mensagens de solo africano, enviadas por aqueles que cumpriam serviço militar distante. As mensagens vinham dirigidas aos eirenses e a saudade pela terra era denominador comum, aqui representado pelo soldado Luis Alberto Augusto: «Envio por intermédio deste simpático jornal, a meu pai, minha irmã, futura noiva, a toda a minha família, madrinha de guerra, e a todos os eirenses, os votos de um Feliz Natal e um Ano Novo cheio de prosperidades são os desejos sinceros deste eirense que muito se considera» (808). Foram vários os soldados que regressaram: António Correia Martins, Patrício, Alberto Simões Jácome; Vitor Ferreira; Alberto Valença; Abel Fernandes. Algumas mortes no Ultramar pintaram de negro a alma das gentes de Eiras: os primeiros‑cabos Joaquim Matos Campos (1968) e António de Oliveira Lucas (1970); o furriel Crispim Ferreira Gomes (1973); alferes miliciano Eduardo da Conceição, do Bairro do Brinca‑Loreto.

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12. Uma escola que o tempo (quase) apagou: a Escola do Casal do Ferrão a zona do Alto da Estação Velha existiu, até há relativamente pouco tempo, um pequeno lugar designado como Casal do Ferrão. Sobre a origem do topónimo é bem provável que ande relacionado com essa forma de organização e exploração da terra (o Casal). Localizava‑se, sensivelmente, nas imediações do actual Hipermercado Lidl e nele existiu uma escola oficial de ensino primário, que dava apoio não só ao Casal do Ferrão, mas a toda a área envolvente, incluindo a zona Alta e Baixa da Estação Velha e parte dos bairros do Loreto, da Relvinha e do Brinca. A primeira notícia relacionada com a história desta escola data de 16 de Março de 1933, quando um abaixo‑assinado de moradores da parte extremo‑ocidental da cidade pede a criação de uma escola primária no Alto da Estação Velha ou Loreto. A reclamação é apreciada em sessão camarária e, em resposta, a 11 de Maio do mesmo informou‑se o Inspector da Região Escolar de Coimbra da conveniência na criação de uma escola elementar mista no Alto da Estação Velha, ou Loreto, assumindo a Câmara a tarefa de procurar conseguir casa para a instalação da mesma (809). Como o assunto se não resolvia, o povo voltou a insistir junto das autoridades municipais e, a 26 de Setembro de 1935 «…foi apreciada uma representação de vários moradores do Casal Ferrão (Alto da Estação Velha), solicitando a criação de

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808 809

Diário de Coimbra ‑ «Mensagens de Natal», 8 de Janeiro 1966. Anais do Município de Coimbra, 1920‑1939, Pp. 362‑365.

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um posto de ensino primário no referido lugar. Resolveu‑se pedir a criação dum posto de ensino, nos termos do Decreto n.º 20 604, assumindo a Câmara o encargo do pagamento da importância de 150$00 mensais para a sua manutenção a partir de 1936, e dotá‑la com o mobiliário necessário» (810). A escola será uma realidade e dela colhemos algumas notícias. O professor Albuquerque Matos refere que, em meados dos anos sessenta, costumava realizar‑se em Dezembro a festa na Escola, com distribuição de roupa e calçado. Evocava‑se a Mãe do Céu na Capela do Loreto com professores e alunos. As actas da Câmara Municipal registam também que, em Outubro de 1967, o município mandou fazer o estudo para aquisição do terreno em Casal do Ferrão, reparando‑se entretanto e com urgência, as instalações sanitárias da escola. Em Abril do ano seguinte, a Junta de Freguesia de Eiras atribui 5.000$00 para reparação das instalações sanitárias, que seriam melhoradas em Maio de 1968, e o edifício pintado em Novembro do mesmo ano. A 5 Abril 1973, a Câmara Municipal delibera, por unanimidade, aprovar o «arranjo de implantação» para a construção do edifício escolar do núcleo de Casal de Ferrão, pedindo‑se superiormente a declaração de utilidade pública.

13. A rivalidade entre os lugares de Eiras e dos Casais m dos factos mais visíveis nos contactos que efectuámos com várias pessoas da Freguesia de Eiras, foi a recordação de uma antiquíssima rivalidade, perdida no tempo, entre os habitantes das povoações de Eiras e dos Casais. Para nós essa rivalidade terá muitas explicações: Eiras foi sede de um Concelho de médias dimensões enquanto que os Casais eram sede de um pequeno concelho a este encostado; por outro lado, em Eiras fez‑se sentir durante séculos o peso do Senhorio de Celas, enquanto que nos Casais repartia‑se a influência deste com o Cabido de Braga; por fim, o facto de serem dois lugares muito próximos, com limites territoriais comuns, terá favorecido o aparecimento e afirmação de identidades diferentes, não sendo por mero acaso que os dos Casais sejam reconhecidos pelos de Eiras como mais «bairristas», enquanto que os de Eiras são vistos pelos dos Casais como «citadinos» e desligados entre si. Durante os finais do século XIX e grande parte do século XX, a rivalidade atingiu, de quando em vez, situações extremas, com graves mas passageiras implicações sociais: pessoas de Eiras não podiam namorar com as dos Casais e vice versa; quando pelas fogueiras de S. João se fazia o toque, em que os de Casais vinham chamar os de Eiras, algumas vezes o assunto acabou à paulada. Esta rivalidade tinha também o seu aspecto divertido, por exemplo ao nível dos principais grupos recreativos: o dos Casais, designava‑se Grupo Recreativo 1º de Janeiro, tinha equipamento vermelho e branco e como símbolo uma águia, enquanto que o Grupo Recreativo Eirense tinha equipamento verde e branco e como símbolo um leão. O futebol, através da criação do União Clube Eirense, em Setembro de 1964, foi o grande passo no sentido de acabar com a rivalidade, conseguindo agregar as vontades e os sentires das duas partes, reunindo jogadores e directores de ambas as povoações.

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Id. P. 421.

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Foto 180 – José Alcides Pereira na sua oficina na Ouressa - Casais de Eiras

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14.  Dois grandes artífices de Eiras, de ciências diferentes: José Alcides Pereira e Mário Cesteiro freguesia de Eiras não é rica ao nível do artesanato, embora se perceba que, noutros tempos, o terá sido. José Alcides Pereira é um grande artista vivo, discípulo da distinta Escola do Ferro Forjado de Coimbra, que noutros tempos e sob a orientação do Mestre e Professor António Augusto Gonçalves, brilhava na Lusa‑Atenas. Foto 181 – Uma peça em ferro forjado: Nasceu a 23 de Maio de 1937, em Eiras, e o Brasão de Coimbra cedo começou a trabalhar a latoaria. Mas a (concluído em Março de 2008) sua grande aprendizagem como Serralheiro Artistíco colheu‑a na oficina de Albertino Marques donde saiu para trabalhar com outro grande vulto do ferro forjado, Pompeu Aroso. Alcides Pereira disse‑nos «considero‑me um artista» e bem o pode afirmar, pois as peças que produz falam por si. E entre tantas que já produziu, destaca o Livro de Honra da Câmara Municipal de Coimbra, obra que data de Abril de 1955. Sempre atento à sua terra, foi Presidente do Conselho Fiscal do Grupo Recreativo 1º de Janeiro e Tesoureiro da Comissão Administrativa saída do 25 de Abril de 1974. Em Eiras, toda a gente conhece Mário Ferreira, “Cesteiro”, figura sempre bem disposta, que trabalha como niguém a arte da Cestaria no rés‑do‑chão da sua casa, na Ladeira do Cristo. Reside na freguesia há perto de 50 anos, pois aqui contraiu matrimónio. Natural da Cidreira (Antuzede), aprendeu a profissão na Geria com os cesteiros da

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Foto 182 – Mário Cesteiro rodeado das suas peças em verga

Guarda e principiou por transportar às costas para as casas de venda os trabalhos executados na oficina. Descoberta a sua queda para trabalhar o vime (ou verga), dedicou‑se ao ofício, não esquecendo o primeiro ordenado de 5$00, quando já tinha alguma experiência. Estabeleceu‑se, posteriormente, em Coimbra, na Rua da Moeda onde esteve até 1966, vivendo da arte até 1974. Emigrou na procura do sucesso, mas as saudades falaram mais alto e, ao fim de pouco tempo, estava de novo em Eiras. Aceitou ser empregado da Previdência como cobrador e teve um conhecido café em Eiras. Em boa hora aprendeu a arte que caracteriza como «viciante», pois a beleza das suas peças são inigualáveis. Artesão na área da Cestaria há perto de 60 anos, fez exposições em várias vilas e cidades do país; em escolas, liceus, universidades, onde vem demonstrando como faz a sua arte. Como pretendeu sempre transmitir a arte e possui capacidade extraordinária para ensinar, foi artesão‑formador do CEARTE em 1993 (Curso de Cestaria e Mobiliário em Vime).

Foto 183 – Um aspecto da sala museu

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Na sala que adaptou a espaço de exposição das suas peças, podemos admirar dezenas de peças artesanais de vários feitios e utilidades. A Arte do Ferro Forjado e a Arte da Cestaria. Labores diferentes, métodos e técnicas díspares. Aproximam‑se pela necessidade de valorização e revitalização.

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Foto 184 – Eiras na Mostra das Freguesias, Abril 2008

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Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Arrabaldes de Coimbra: Eiras – XIX», Ano XLV, Nº 4444, 14 VI 1961. Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Arrabaldes de Coimbra. Eiras ‑ XXIV», Ano XLV, Nº 4471, 20/IX/1961. Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Arrabaldes de Coimbra: Eiras ‑ XXV», Ano XLV, Nº 4484, 8/XI/1961. Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Arrabaldes de Coimbra: Eiras – XXXI», Ano XLVI, Nº 4557, 8 VIII, 1962. Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Arrabaldes de Coimbra, Eiras, XXIX», 23/VI/1962. Manuel de Albuquerque Matos ‑ «Arrabaldes de Coimbra, Eiras, XXXIII», 15/IX/1962. DIÁRIO DE COIMBRA: «Dentro da Área da Cidade: Eiras – A Casa Amarela e a Casa do Polícia», 29 de Agosto de 1964. «De Eiras: Os C.T.T – considerações, sugestões, melhoramentos», Ano XLI, Nº 13.664, Quinta‑feira, 28 de Maio de 1970. Manuel de Albuquerque Matos ‑ «De Eiras: ainda a eleição da Junta de Freguesia», Ano XLII, Nº 14.212, 3ª Feira, 7 Dezembro 1971. Manuel de Albuquerque Matos ‑ «De Eiras – Transportes Colectivos», Nº 14.332, Sábado, 8 de Abril 1972. Manuel de Albuquerque Matos – «De Eiras: De Vila próspera a aldeia sendo imensas as carências…», 08/02/1974.

Bibliografia e Fontes

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

FONTES 1. FONTES MANUSCRITAS/DOCUMENTAIS ARQUIVO NACIONAL TORRE DO TOMBO

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‑ Fundo Antigo: Nº 287: Livro dos direitos del rei da cidade de coimbra ‑ Processo para o foral novo do concelho de Eiras, Gaveta 20, Maço 11, Nº 33 ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Fundo dos Próprios Nacionais: *Mosteiro de S. Paulo de Almaziva/Colégio de S. Bernardo: ‑ Nº 13: Tombo dos Bens e Rendas do Colégio de S. Bernardo de Coimbra, 1108‑1738, (600 fls).‑ Nº 28: Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, 1220‑1729 (290 fls.) *Mosteiro de Santa Maria de Celas: Nº 35: Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 1219‑1662 (104 fls). Nº 47: Índex Geral de todos os Titullos e documentos que há no Cartorio do Real Mosteiro de Santa Maria de Cellas (315 fls.) *Casa de Aveiro Nº 10 ‑ Livro dos proprios da Casa de Aveiro na Cidade de Coimbra, 1734‑1791, (995 fls.)

Bibliografia e Fontes

Fundo do Cabido da Sé de Coimbra: *Cabido: ‑ Tombo I do Cabido da Sé, 1748 (679 fls.). ‑ Tombo II do Cabido da Sé, 1748 (Fls. 680‑1222) ‑ Livro da Capela do Loreto, 1675 .(98 Fls) ‑ Informações Paroquiais da Freguesia de Eiras, 1721. ‑ Informações Paroquiais da Freguesia da Sé da Cidade de Coimbra, 1721. ‑ Acordos do Cabido, 1543‑1555 ‑ Acordos do Cabido, 1682‑1690 ‑ Acordos do Cabido 1739‑1745 ‑ Acordos do Cabido 1826‑1866 ‑ Capelas: Cx. VIII, Nº 43. Fundo das Congregações Religiosas: *Igreja de S. Pedro ‑ Livro Imperial com seus indices de emprazamentos, 1496‑1544. ‑ Tombo dos casais de Villa de Matos e Murtal, 1721 (164 fls) * Igreja de Santa Justa ‑ Index de Prazos e Títulos da Igreja de Santa Justa, 1742‑1743 (228 Fls). * Colégio Nossa Senhora da Graça ‑ Cx. 7, Docs. n. : 29.13, 29.14 os

Fundo do Governo Civil: ‑ Obras em Cemitérios (caixa), 1852‑1868. ‑ Livro de posse aos mestres e mestras do ensino primário, Nº 159 ‑ Livros de Registo dos Regedores das Freguesias, 1871‑1915 e 1896‑1933 ‑ Livro de Alvarás, Nº 47, 1883‑1893, 2ª Repartição (98 Fls). ‑ Livro de Alvarás, Nº 49, 1881‑1909, 2ª Repartição (100 Fls). Fundo Invasões Francesas: Colecção Belisário Pimenta ‑ Doc. Nº 84 Fundo Registos Paroquiais: ‑ Livro de Óbitos da Freguesia de Eiras, 1626‑1788 ‑ Livro de Baptismos da Freguesia de Eiras, 1624‑1779 Fundo da Câmara Eclesiástica: ‑ Processos relativos à freguesia de Eiras. Construção de nova igreja, 06 de Maio, 1744 (Pasta). Fundo Judicial: ‑ Auttos de requerimento para reunião do Conselho de Família e venda de bens; 1844. ‑ Dependencia do Inventario a que se procedeu por falescimento de Antonio Nuno d’Araujo Cabral e Montez, 1854.

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FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Fundo dos Inventários Orfanológicos: – Inventário Orfanológico pelo falecimento de António Nuno d’Araujo Cabral Montez, 1843 (192 Fls) – Inventário Orfanológico de Maria Joaquina de Oliveira, 1899, 1º Volume. Fundo Notarial: ‑ Tabelião Manuel Rodrigues da Costa, Livro Nº 20, 1704 Cartas de Curso: – Carta de Curso de Manuel Gomes Bezerra de Lima, 1784 – Carta de Curso de Ildefonso Marques Mano, 1884. ARQUIVO HISTÓRICO‑MUNICIPAL DE COIMBRA Fundo Concelho de Eiras:

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Livros das Actas e Termos da Camara do Concelho de Eiras ‑ Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras 1755‑1767 (182fls.) ‑ Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1773‑1779 ‑ Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1788‑1790 (50 fls) ‑ Livro das Actas e Termos da Camara de Eiras, 1791‑1794 (44 fls). ‑ Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1794‑1796, (53 fls) ‑ Livro das Actas e Termos da Câmara 1800‑1811, (107 fls) ‑ Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1819‑1822 (77 Fls.) ‑ Livro de Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1822‑1826 (56 Fls). ‑ Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1826‑1833 (99Fls.). ‑ Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1833‑1836, (32 Fls.) ‑ Livro dos Termos de Apresentação dos Presos da Cadeia de Eiras, 1787‑1809 (41Fls.) ‑ Livro das Coimas do Concelho de Eiras, 1816‑1817 (42 Fls.) ‑ Livro das Coimas do Concelho de Eiras, 1826‑1828 (58 Fls.) ‑ Livro das Coimas do Concelho de Eiras, 1829‑1836 (100, fls) ‑ Livro das Correições e Condenações dos Almotaseis, 1811‑1819 (100 fls) ‑ Livro de Registo de Legislação e Ordens da Câmara de Eiras, 1788‑1793, 148 Fls. ‑ Livro de Registo da Câmara de Eiras, 1763‑1829 (97 fls) ‑ Livro de Audiências de Posturas, 1789‑1803 (30 fls). Fundo do Concelho de Coimbra: ‑ Tombo dos bens da Cidade de Coimbra, 1678, Vol. II, 142 fls. ‑ Tombo dos bens da Cidade de Coimbra, 1768, Vol. I, 467 fls. ‑ Tombo dos bens da Cidade de Coimbra, 1768, Vol. II, 234 fls. ‑ Diversos, Maço IV, Doc. 1. - Papéis, Maço III, Doc. 4. ‑ Actas da Commissão de arredondamento de freguesias, 1862‑1865 (28 fls.) - Representações ao Rei e às Cortes, 1874-1880 (44 fls.) ‑ Regimento dos Lagares de Azeite, 1515 (ou 1551?) ‑ Correspondência Recebida, 1929 (cx.) ‑ Registo da Correspondência T. Nº 2, 96 fls. ‑ Registo Tomo XLIII ‑ Livros de Registo de Minas: 1868‑1883 e 1883‑1887. ‑ Livro de Registo dos Fogos, e Moradores no Destricto da 2º Companhia da Capitania Mor das Ordenanças de Cazais de Eiras, Governo das Armas do Partido do Porto, Impressão Regia por Ordem Superior, 114 fls.

Bibliografia e Fontes

‑ Livro de Escrituras, Nº 27, 1903‑1905 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras Nº 45, 1932‑1935, (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras Nº 50, 1945‑1947, (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras Nº 53, 1952‑1953 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras Nº 54, 1953‑1954 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras, Nº 55, 1955 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras, Nº 56, 1955‑1957 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras, Nº 57, 1957‑1958 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras, Nº 59, 1958‑1959 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras, Nº 62, 1960‑1961 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras, Nº 66, 1962‑1963 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras Nº 67, 1963‑1964 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras Nº 75, 1969 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras Nº 83, 1975 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras, Nº 84,1975‑1976 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras Nº 85, 1977 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras Nº 87, 1978 (100 fls.) ‑ Livro de Escrituras, Nº 90, 1980, (100 fls.) ‑ Livros de Actas: Nº 202; 204; 207; 210; 213; 214; 217; 218; 236; 244; 248; 252; 268; 310. Outros livros: Livro dos Juramentos das Justiças dos Concelhos do Termo de Coimbra: 1719‑1723 (140 fls); 1723, 1733 (137fls), 1723‑1728 (s/numeração); 1728‑1733 (s/numeração); 1742‑1750; 1748‑1754, 1755‑1757; 1776 (106 fls); 1780‑1782 (179fls); 1786‑1789 (428 fls); 1790 (103 fls.); 1791 (103fls); 1792 (106 fls); 1793 (100 fls); 1794 (99 fls); 1795 (100 fls); 1796 (s/numeração); 1797 (100 fls); 1799 (71 fls…incompleto); 1800 (69 fls); 1801‑1803 (207 fls); 1803 (numerado até 48 fl);1804 (até fls. 49); 1805‑1807 (200 fls); 1807‑1812 (sem numeração);1814 (s/numeração); 1815 (s/numeração);1829 (s/numeração) ARQUIVO DO GOVERNO CIVIL DE COIMBRA «Estatutos do Grupo Recreativo Eirense, 1938». «Estatutos do Grupo Recreativo 1º de Janeiro, 1939». BIBLIOTECA GERAL DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Sala dos Reservados: Manuscrito 3363 ‑ Belisário Pimenta: Memórias, Vol. 9º (1910‑1911). ARQUIVO DA JUNTA DE FREGUESIA DE EIRAS ‑ Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 1,1867‑1881 (50 fls). ‑ Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguezia de Eiras, Nº 2,1892‑1903, (98 fls). ‑ Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº3,1904‑1916, (100 Fls.) ‑ Livro das Actas da Junta de Parochia da Freguesia de Eiras, Nº5,1916‑1943 ( 252 Fls.) ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Eiras, 1916‑1943, (252 Fls.). ‑ Livro das Actas da Junta da Freguesia de Eiras, Nº8, 1968‑1974, Fls. 198 Livro de Actas da Junta de Freguesia de Eiras, Nº 9, 1974‑1977, 48 Fls. Livro de Actas da Junta de Freguesia de Eiras, Nº 10, 1983‑1986 33 Fls. ‑ Actas da Junta de Freguesia de Eiras, 1990‑1994 (Pasta) ‑ Protocolo de Cedência de Terreno entre a Junta de Freguesia de Eiras e o C.C.I “O Paraíso da Criança” (Pasta)

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ARQUIVO FAMILIAR PROFESSOR MANUEL ALBUQUERQUE MATOS ‑ Fabião Soares de Paredes: Memórias d’Eyras, 1728‑1741. ‑ Livro de Correspondência Expedida, (76 Fls.) ‑ Livro 1º do Registo Civil, 1934‑1937, (5 Fls.) ‑ Livro das Actas das Reuniões do Grémio dos professores primários de Coimbra (28 Fls). «Julgado de Paz de Eiras – Arrolamento dos Bens cultuais». Documento avulso, (3 Fls.) ‑ Alguns documentos referentes à Casa do Paço, 1849 – 1909, (Pasta S/N). ARQUIVO DO UNIÃO CLUBE EIRENSE ‑ Livro de Actas da Assembleia‑geral e Autos de Posse do União Clube Eirense, 1965‑1983 ‑ Livro de Actas da Direcção do União Clube Eirense, 1964‑1970 ‑ Livro de Actas da Direcção do União Clube Eirense, 1971‑1974 ‑ Livro de Actas da Direcção do União Clube Eirense, 1974‑1983 ‑ Livro de Registo de Sócios ARQUIVO PAROQUIAL DE EIRAS ‑ Autos do Tombo da Irmandade do Santissimo Sacramento da Igreja da Vila de Eyras feito no anno de 1737 (130 fls)

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2. FONTES IMPRESSAS AZEVEDO, Rui Pinto (introdução e notas) – Documentos Medievais Portugueses, Documentos Régios, Vol. I, Documentos dos Condes Portugalenses e de D. Afonso Henriques, 1095‑1185, T. I, Lisboa, 1958. 512 Pp. HERCULANO, Alexandre (org. de); BASTO, João Portugaliae Monumenta Historica, Diplomata et Chartae, 1867. RODRIGUES, Manuel Augusto (Dir. e Coord. Ed.); COSTA, Avelino de Jesus da (Dir. Cientifico) – Livro Preto, Cartulário da Sé de Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, 1999, Pp. 857‑859. VENTURA, Leontina; FARIA, Ana Santiago – Livro Santo de Santa Cruz, Cartulário Século XII, Coimbra, Instituto Nacional de Investigação Cientifica, 1990, 499 Pp. Mappa Geral das Povoações, casaes, quintas, etc., das freguezias que compõem a Comarca de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1865 (57 Pp.). Collecção de Leis e Outros Documentos Officiaes Publicados, desde 15 de Agosto de 1834 até 31 de Dezembro de 1835 Anais do Município de Coimbra, 1840‑1869, Nota Preambular, Síntese e Índices por Armando Carneiro da Silva, Publicação Comemorativa do Cinquentenário da Biblioteca Municipal, Coimbra, 1972‑1973, 545 Pp. Anais do Município de Coimbra, 1870‑1889, Org. José Pinto Loureiro, Ed. da Biblioteca Municipal, MCMXXXVII, 330 Pp.

Bibliografia e Fontes

Anais do Município de Coimbra, 1890‑1903, Org. José Pinto Loureiro, Ed. da Biblioteca Municipal, Coimbra, MCMXXXIX, 303 Pp. Anais do Município de Coimbra, 1904‑1919, Dir. José Pinto Loureiro, Ed. Biblioteca Municipal, MCMLII, 323 Pp. Anais do Município de Coimbra, 1920‑1939, Nota Preambular e Síntese por Armando Carneiro da Silva, Ed. Biblioteca Municipal, 1971, 568 Pp. Anais do Município de Coimbra, 1940‑1959, Nota Preambular e Síntese por Armando Carneiro da Silva, Ed. Biblioteca Municipal, 1981, 651 Pp. ‑ X Recenseamento Geral da População no Continente e Ilhas Adjacentes, Tomo I, Vol 1º, 1960 (Instituto Nacional de Estatística) ‑ XI Recenseamento da População, Continente e Ilhas Adjacentes, Estimativa a 20%, 1º Volume ‑ XII Recenseamento Geral da População, Resultados Definitivos, Distrito de Coimbra, 1981 ‑ XIII Recenseamento Geral da População, Resultados Definitivos, Centro, 1991 ‑ XIV Recenseamento Geral da População, Resultados Definitivos, Centro, 2001

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Apêndice Documental e Anexos

APÊNDICE DOCUMENTAL Documento I – Ano 966 D.C. Tradução do Testamento de Sancho, rei de Alvalade (Albalat), pelo qual doa ao Mosteiro de Lorvão a propriedade (ou lugar) designado por Alvalade. Fonte (em Latim): Portugaliae Monumenta Historica, Doc. XCII, P. 58

495 Em nome da Santa e Indivídua Trindade Pai, certamente Filho e Espírito Santo. Aqui se encontra o tomo, série de escritura e testamento ou doações, que mandei fazer. Eu, Sancho, favorecido, consolidei a virtude no reino. Dou‑vos, primeiro abade com colégio de irmãos, que prosseguem connosco no lugar de São Mamede, os quais foram reconhecidos como aqueles que fundaram a basílica de Lorvão, em nome do Senhor Deus, para sempre saudado, ámen. Aprovou e assim reuniu‑se pela espontânea serenidade da nossa glória, para que déssemos. Assim tomamos como testemunha para vós todas as rupturas que quebraram. Gundemiro, do mesmo lugar, deu por este circuito para que fossem os próprios [karualiares] que romperam como por um lado prejudicava Alvalade, e avança para a parte de Eiras por todo lado, mas também como aquele reteve no seu juízo a própria via por inteiro, concedemos e para vós testemunhamos para que seja a favor da vossa subversão o seu hospitaleiro pobre e peregrino, e por causa do remédio das nossas almas. Porque, assim relembra‑nos a santa escritura—Dá Senhor, porque dei, tiveram piedade de mim, porque pedi misericórdia. Assim para que do presente dia e tempo seja tudo testemunhado, pela parte de detrás, o lugar já referido, e pela vossa perenidade que será omitida para sempre. Se alguém, na verdade, algum homem, qualquer que seja, viesse a este nosso desejo (voto) querer infringir e contaminar, em primeiro lugar seja afastado do corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo e com punição, leve para o inferno dos infernos; este nosso tratado, em todas as escrituras, obtenha assinatura. Acrescentamos para vós também no mesmo, com aquele moinho, depois de vossa parte concedemos ou testemunhamos para que se afaste aquilo perpetuamente tudo através disto [euo]. Realizada a série de testamento no 17º dia antes das kalendas de Dezembro [= 15 de Novembro] Era milésima 4ª (1004) [ano 966]. Sancho sereníssimo príncipe foi feita esta concessão por vós.

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Gonçalo oficial conf.; [Ennego] uegilani conf.; Fernando uermudiz conf. [Ennego] azinariz mordomo conf.; Telo Mirelle conf. Nuno mirelle conf.; Fredinando Rodrigues conf; Nepozannus Didaz conf. Gonçalo uermudi escudeiro conf. Nuno Garseani conf. [Veremudus] rei conf.; irmo. Documento II ‑ Ano 968 D.C.: Tradução do tratado ou carta de venda firmado entre o árabe Maomé, e o Cenóbio de Lorvão, pelo qual o primeiro vende ao segundo a sua herdade no lugar de Abdella, em Vilela, território de Coimbra, cujas confrontações se estendem até ao Monte de Eiras e Vale Covo. Fonte (em Latim): Portugaliae Monumenta Historica, Doc. XCVI, P. 58

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Em nome de Deus. Esta é a carta de venda que eu, Maomé, fiz, filho de Abderahmen, neto de Barit, para o abade Lúcio, do Cenóbio de Lorvão, e para toda a congregação de toda a minha herdade que tive da parte do meu lugar afastado, no mesmo lugar Abdella, na vila Vilela, território de Coimbra, com tudo o que foi apresentado, isto é, de todas as partes, referidas e não referidas, com seus casais e todos os edifícios. Estas coisas são terminações delas de uma parte do monte, até Zuleima, de tal modo que iguale através daquele Monte de Eiras e do Vale Covo até que leve para a aquela fonte de gases e de outra parte, através do monte que chamam outeiro de Rando e ainda para aquela ponte e continua por aquele ribeiro no rápido, até que leve para aquela água que corre daquela fonte de gases. Tudo que nomeei por inteiro, concedi ao referido abade por 40 soldos de prata pura. O abade, não só deu a toda a congregação e eu recebi, mas também pelo preço, junto deles, nada ficou. E aquele abade, que comprou, e eu que vendi de forma igual de ambos os lados, espíritos sãos e mente, sem algum peso de homem fizemos. Se alguém, na verdade, algum homem chegar a romper este meu testamento ou qualquer um vier fazer mal nesta herança, eu não poderei reivindicar a parte igual para vós aquela herdade [dublatam]. E aquele abade firmemente tenha a referida herdade. Realizada a carta no [8º dia das kalendas de Fevereiro] [= 25 de Janeiro. Era [1006] 968. Documento III – Setembro 1137: O Rei D. Afonso Henriques, na doação da Almuinha do Rei, no arrabalde de Coimbra, e da azenha de Matelas aos cónegos de Santa Cruz, concede‑se aos habitantes daquela almuinha a faculdade de plantarem vinha na herdade reguenga de Eiras, mediante o pagamento da quarta parte do vinho Fonte (em Latim) – Documentos Medievais Portugueses, documentos régios, Vol. I, T. I, 1095‑1185, Doc. Nº 161, [Pp. 195‑196]. Em nome do Pai, do Filho e Espírito Santo, Ámen. Eu, Afonso, príncipe de Portugal, filho do amável Henrique e da rainha Teresa, neto de Ildefonso, Imperador de toda a Espanha, considerando meu óbito e o dia da decisão final a decretou fazer o testamento para o cânone da Igreja de Santa Cruz de Coimbra da minha própria herança que possuo no subúrbio da cidade, situada junto da vossa doação que se chama Almuinha do Rei, de quem estas coisas estão terminadas. Pelo Oriente, pelo Norte e pelo Sul é limitada da mesma maneira dos habitantes que nela moram. Pelo Ocidente do mesmo modo se divide com a Almuinha inferior pela cerca do poço. Assim dou‑o e concedo pelas vossas doações proteladas a própria herança segundo a consideração referida e remédio da minha alma e dos meus pais. Observando o que foi dito pelo profeta: «Dai esmola do que possuis, e para vós tudo ficará limpo». E o Senhor respondeu: «arranjai amigos com o dinheiro desonesto, para que, quando este faltar, eles vos recebam nas moradas eternas»‑ E o apostolo: «pratique-

Apêndice Documental e Anexos

mos o bem para com todos, mas principalmente para com os irmãos na fé» E assim tereis a própria herdade não só para vós mas também seguramente para os vossos descendentes; e a fareis segundo a vontade popular e vosso poder e recebereis daí restituído, os que entre vós tenham estabelecido. Assim, alguém que venha nela a ter, terá licença de plantar a vinha na minha própria herdade que se chama Eiras, debaixo da via pública, a qual se dirige por Vilarinum até ao monte Buçaco, isto é, com tal pacto para que daí a minha 4ª parte do vinho restituam, senão por outro tributo. E por isso, para vós, as primeiras e décimas tanto do vinho como dos cereais (trigo) e do que resta das sementes retirado em toda a ocasião, pagam integralmente. Os habitantes, na verdade, da referida Almuinha, pertençam sempre aos filhos da Igreja de Santa Cruz e não a outra, e toda a décima para ele de tudo as queixas e premissas para si, de tal modo que paguem o que foi referido pontualmente. Por isso também para vós aquele desgosto sobre Matelas, para que tenhais e aos vossos outros sucessores, considerados anteriormente os melhores pela norma eterna; sempre em lugares referenciados, multiplicar preces a Deus pela saúde do meu corpo e alma até aos meus antepassados. Realmente se de qualquer modo a eclesiástica (Igreja) por todos os meios seculares ou alguém que saiba a página desse decreto contra ela, venha atentar, ao acaso chegar ou diminuir nisto, perturbar segunda ou terceira vez, seja advertida se não vier retificar a satisfação conveniente, seja maldita e pelo Senhor Deus dividida e além disso, reúna para vós não só os vossos sucessores da própria herança em dobro; ou quanto fosse melhorada não só em cinco talentos de puríssimo ouro, mas também a parte se pelo divino juiz existir, venha a conhecer a iniquidade perpétua e assim no último olhar, esteja subjugado ao povo. Para todos sem excepção, nisto referido para os servidores esteja a paz de nosso senhor Jesus Cristo para sempre e recebam este fruto pela caridade e diante do juiz adstrito venham a conseguir a eterna paz. Elaborada a carta deste firmíssimo testamento no mês de Setembro de 1137. Eu prefeito Afonso de Portugal, príncipe da pátria que mandou escrever esta série de testamento na presença do meu barões escritores, o inferior, rubrico e pelas próprias mãos assino. Esteve presente João, bispo de Portugal, Egaz Moniz conf.; Mendo Moniz conf., Fernando [Pedro], Ega Gonsendiz conf., Geda Mendes conf., Gundisaluus Rodrigues conf., João Rania conf. Lourenço Venegas, conf., Pelagio Guterres conf., Didaco Gondisaluiz conf., Randolfo Ts., Gundisaluus Diaz ts., Soeiro Gundesaluiz ts., João Belidiz ts. Mendo Afonso escudeiro na cúria soba mão de Egas Monis. Rodrigo Pais era alcaide. Pedro Mendes era juiz. Presbítero escrivão Pedro assinou. (sinal) Portugal Documento IV – Março 1139: O Rei D. Afonso Henriques faz carta de testamento ao Mosteiro de Santa Cruz, doando‑lhe três vinhas; uma em Villa Mendiga, outra em Assamassa e a terceira em Eiras, aos cónegos de Santa Cruz de Coimbra. Fonte: Documentos Medievais Portugueses, documentos régios, Vol. I, T. I, 1095‑1185, Pp. 195‑196. Doc. Nº 168, [Pp. 205‑206]. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo Ámen. Desde o momento em que é rei além disso também e de quem na força da sinceridade pelo titulo ornado das próprias possessões, executar a própria vontade, eu Afonso, rei portucalense filho mais velho dos amáveis Henrique e da rainha Teresa, igualmente neto do rei Afonso, ao considerar meu óbito e dia do severo juízo quando retribuirá a cada um segundo o que tenha levado na pobreza a Cristo, mandei fazer carta de testamento e segundo as vossas regras canónicas

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da Santa Cruz, acerca daquelas vinhas que tereis, uma a saber na Vila Mendiga e outra em Assamassa e outra em Eiras. Por isto, lanço‑vos para que façais quatro guarnições no vosso açude de Matelas e nenhum outro imagine aí fazer outro nem perante vós. A décima, na verdade, de [sauales] que os soldados de Coimbra vos deram porque era daqueles que à muito tempo vos concedo e para que vosso homem dirija a nau (navio/embarcação) para a vossa parte com meu homem e para que por ninguém venha a reclamá‑lo por garantia. Pela garantia para vós a vossa nau piscatória no mar e no rio Mondego para que nenhuma parte dela faltais e nem do rei e nem do pretor, nem do juiz e nem de algum homem, mas façais dela o que for visto melhor para vós. Isto, então faço, comovido pela piedade, a favor do trabalho que fazeis dia e noite, para que tenha algum consolo e sustento, e sobretudo para que pela saúde do meu corpo e alma, dos nossos antepassados incessantemente para Deus as preces sejam ouvidas. Se alguém, pois, contra esta carta de testamento e regras dos meus parentes ou propriedades venha a vender, que tenha tentado infringir ou diminuir nisto, em dobro para vós reúna para cima de quinhentos soldos por boa punição e pelo senhor da terra outro tanto. Realizada a carta da escritura no mês de Março, na era de 1139 (1177). Eu Afonso, rei de Portugal que mandei fazer esta carta, por mão própria rubrico e faço este sinal (+). Estiveram presentes: Eu, D. João, bispo da arquidiocese de Braga conf., eu, Bernardo, bispo de Coimbra conf., eu D. Pedro, bispo de Portugal conf. Egas Moniz servidor da cúria conf., Fernando Pedro conf., Gonçalo Rodrigues conf., Mendo Moniz conf., García Mendes conf., Lourenço Venegas conf., Gonçalo de Sousa conf. Pais Guterres ts, Gonçalo Dias ts, Rodolfo ts, Fernando Guterres ts, Marinho Anais ts, Rodrigo Pais alcaide ts, Pedro Mendes ecónomo do rei ts., João Belediz ts. Mestre Pedro Alfarde escreveu. (sinal) Portugal Documento V – 1306, Abril, 14, S. Martinho do Bispo ‑ D. Dinis, com sua mulher e filho, dá ao mosteiro de Celas a sua aldeia e reguengo de Eiras (c. Coimbra), em troca da terça parte de Aveiro. Fonte – Maria do Rosário Barbosa Morujão: Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas (Século XIII‑XV), Doc Nº 158, [Pp. 392‑394]. «En o nome de Deus ameno Conhoscam quantos esta carta virem como eu don Denis pela graça de Deus rey de Portugal e do Algarve ensenbra con a raynha dona Isabel rnha mlher I e con o infante don Affonso nosso filho mayor e herdeyro dou e outorgo en escanbho a vos dona Tareyja Reymondo abadessa e ao convento do moesteyro das Celas de Guimarees da par de Coymbra a mnha aldeya d’Eyras que e mnha aldeya e meu regeengo como parte con ha Pedrulha do Bispo e com San Paulo pela 3 meya d’ agua e com Bragaa pela meya d’agua e como parte con o dicto San Paulo pelas acenhas e per VaI de Boroas agua vertente pela estrada coynbrãa como sse vay ao marco da careyra vertente agua pera Eyras e como parte com Joham da Vidigueyra pera Eyras con vinha d’ Antonio Johannes per a rnha adega de Coymbra e con vinha de Mateus Ivaaz per adicta rnha adega e con vinha de J oham Almuneyro per a dieta adega e con vinha de Pedro Enanes pasareyro per a dicta adega e como parte con vinha de Zureyba (?) per a dicta adega e con vinha de Joham Enes Tyoso per a dicta adega e con herdamento de Pedro Lopiz odreiro (?) de Coymbra e da outra parte con o bispo de Coymbra e I quanto (?) sex quorelas de vinhas que jazem contra adega son dos vezinhos de Eyras e devem a dar o foro das dictas vinhas

Apêndice Documental e Anexos

ao dicto moesteyro as quaes vinhas son de Domingos Perez e de Martim Perez e de J oham Canhestro e 2 de filhos de don Momede e de don Affonso e de dona Setevãa. E sse os sobredictos vezinhos d’Eyras ou os outroos que morarem e conprarem vinhas contra a dicta adega salvo estes de susodictos devem ende a dar o quarto a mim per adicta rnha adega assy como dan os outros seus vezinhos. A qual aldeya eu a vos dou e outorgo en escambho con entradas e con saydas e con montes e con vales rotos e por ronper e con pastos e con matos e con todalas cousas que adicta aldeya pertencem assy como eu melhor senpre ouvy e com todolos derectos que eu hy ey e de derecto devo aver e con o padroado da eygreja desse logar d’Eyras assy que deste dia adeante ajades vos abadessa e o dieto convento sen contenda nenhua as dictas cousas con todolos derectos con que as eu avya e façades delas aquelo que vos aprouguer pera todo senpre assy como eu faria quando minhas eran. E todas estas cousas sobredictas vos dou en escambho pela vossa terça parte da vila d’ Aveyro e por todo o derecto que vos hy avedes e derecto devedes aver e polo padroado que vos avedes na eygreja desse logar assy como o vos avedes e de derecto devedes aver que eu o aja deste dia deante e todolos outros meus succesores pera todo senpre. E porque vos dictas donas fezestes este escambho conmigo de vossa vontade e da mim e my pedistes por mercee que me partyse da demanda que eu avya contra vos sob[r]elos moynhos que vos avedes en Alanquer de que eu dizia que era mia a meadade e eu querendo vos fazer mercee quito me da dicta demanda e outorgo vo los por mnha alma e de mnha molher raynha Isabel e de meu filho don Affonso todo o derecto que eu hy ey e de derecto devo aver poys este escambho fezestes a mnha vontade e todas estas cousas ey por firmes e por estaves pera todo senpre. O qual escambho e coussas de susodictas nos d’avandictas abadesa e convento louvamos e outorgamos e avemos por fIrmes e por estaves pera todo senpre e prometemos a boa fe a conpri las e a guarda las assy como dicto he pera todo senpre. E nos d’avandictas raynha e don Affonso louvamos e outorgamos todalas coussas de susodictas e cada hua delas. En testemuyo da qual cousa fezemos ende duas cartas fazer semelaves per mão de Martim Fernandiz publlico taballiom de Coymbra seladas dos nossos seelos pendentes por mayor fIrmidoeen. E eu d’avandicto taballiom de mandado e de rogo dos sobredictos senhores el rey e raynha e don Affonso e das dietas abades a e convento duas cartas semelaves com rnha mão propria screvy en cada hua delas este meu sig (sinal) nal pusy en testemuyo das dietas cousas. Esto foi fecto en San Martinho do couto do bispo de Coy[m]br[a] a catorze dias d’ Abril da Era de mil e trezentos e quareeta e quatro anos. Que presentes forom: don Joham Sirnhom mayordomo e meyrinho moor deI rey, ffrey Stevam costodio, ffrey Martim essemoel deI rey, Martim Gomez ayo do infante, maestre Pedro fIsico deI rey, Ffernan Paaiz, Pedro Eanes, Egas Lourenço contadores deI rey, Miguel Lourenço taballiom de Coymbra. En outro dia quinze dias do dicto mes d’ Abril da dieta Era foy esto outorgado das dietas donas abadessa e convento no dicto moesteyro das Celas dentro no seu cabidoo. Que presentes forom: os 2 dictos costodio e ffrey Martim essermoel3, Egas Lourenço daya[m] de Lixboa, ffrey Joham de Palmela da Ordem dos Meores, Pedro Lourenço Faraz, Gonçal Stevenz, Nicolao Garcia, Pero Stevenz, Affonso Perez escudeyros do arcebispo, Pedro Anes cavaleiro de Santarem, Joham d’ Amarante taballiom de Coymbra testemuyas». Documento VI – 1311, Maio, Coimbra: Os moradores de Eiras e o mosteiro de Celas têm questão sobre os direitos e foros que este cobrava e que não eram os seguidos no tempo em que a aldeia pertencia ao rei. Decide‑se que se faça como nesse tempo. Fonte – Maria do Rosário Barbosa Morujão: Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas (Século XIII‑XV), Doc Nº 158, [Pp. 400‑404.]

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«Saibham quantos este estormento virem como seis dias do mes de Setenbro ano do naçimento de Nosso Senhor Jhesu Christo de mil e quatroçentos e trinta e çinquo anos em a çidade de Coinbra na ribeira do arrabalde dessa meesma açerca das poussadas onde jaziam os pressos do corregedor J ohane Meendez na correiçom da Estremadura estando hi o dicto Johane Meendez corregedor perante elle pareçeo Gonçallo Nunez escudeiro do senhor iffante dom Anrrique irmaao de dona Guimar Nunez abadessa das Çellas da pres e termo da çidade de Coinbra morador na villa de Tomar em pressença de mim Joham Rodriguez tabaliam por nosso senhor el rey em adicta çidade e das testemunhas que adiante som escpritas logo hi o dicto Gonçallo Nunez apressentou e per mim sobr[e]dicto tabaliam leer fez ao dicto corregedor huum estormento escprito em purgaminho que pareçia seer fecto e asiinaado per Johanne Anes tabaliam que fora na dicta çidade segundo se per elle pareçia e fazia meençom do quall estormento o theor delle tall he como sse adiante segue: Saibham todos que na Era de mil e trezentos e noveenta e sete anos sete dias do mes de Setenbro na alcaçeva deI rey perante Affonsso Martinz Alvemaz vassallo deI rey e juiz por ell na dicta çidade que hi siia ouvindo os fectos em pressença de mim Johanne Anes tabaliam ppublico deI rey em adicta çidade e das testemunhas que adiante som escpritas perante o dicto juiz pareçeo Domingos Domingez dieto Cordeirom morador em Eiras termo da dicta çidade e juiz que se dezia do dicto logo d’Eiras e mostrou e pobricar ffez per mim dicto tabaliam perante o dicto juiz hum estormento escprito em purgaminho de coirom ffecto e asynaado per Stevam Martinz tabaliam que ffoy na dicta çidade do seu synall segundo em elle pareçia do quall o theor deI tall he: Saibham quantos esta carta virem como contenda e demanda ffosse antre os moradores d’Eiras da hua parte e frey Martinho procurador do moesteiro das Çellas de Gimaraaes da outra sobre muitos dos afforamentos que os moradores d’Eiras deziam que reçebiam do dicto moesteiro e procurador dizendo esses moradores d’Eiras que o dicto moesteiro e procurador lhes hiam contra seus fforos e hussos e custumes de que senpre husarom com nosso senhor eI rey no dicto logo comvem a saber em esta gissa primeiramente que deram senpre a eI rey ho quarto do pam e do vinho e de linho e d’alhos e de çebollas secas e de chicharos. Item que hussarom senpre com el rey que devem dar tantos alqueires de pam do monte d’ alquir quantos quarteiros de pam derem a el rey e a teeiga d’ Abrãao da segunda e huum alqueire do panall e dar el rey o panalI em que o metam. Item dous quarteiros de pam meiado d’eiradega se lavrar trigoo e segunda e se nom lavrar salvo huum pam dar huum quarteiro ho moyo do monte e o moyo do canpo e o que ffezer seara e nom ffor lavrador dar huum quarteiro de pam meiado esse ssemear trigoo e segunda e se nom lavrar salvo huum pam emtom dar duas teeigas alqueires e meio dizendo que outro foro nenhuum nunca ffezerom a nosso senhor el rey do dicto logo d’Eiras e que a talI ffoy o pobramento d’Eiras e que asy hussarom senpre com el rey. Item disserom os moradores d’Eiras que reçebiam outros desafforamentos do dicto procurador e moesteiro sobre aquello que senpre hussarom com el rey e esta gissa ho dicto procurador lhes toma as bestas per fforça e contra sua vontade sem alquir nenhuum tragendo os quanto ell quer. Item que o dicto procurador e os seus do dicto moesteiro lhes tomam a ssas galinhas e nom lhes querem dar por elIas senom quanto quer. Item que lhes vaam as vinhas as servas do dicto moesteiro que andam com o dieto procurador e que lhes cortam a madeira que hi teem e levan a pera o dicto moesteiro per fforça e ssem sa vontade e outrosy os paaos. Item que o dicto procurador e moesteiro lhe metem juiz e o canpeiro contra sua vontade e contra husso e custume d’Eiras dizendo que ell[e]s hussarom senpre com el rey que quando metem juiz ou canpeiro pera guardar os paaes que se mete pelIos moradores d’Eiras e que emtom devem de jurar ao senhor que ffaçam direito. E eu Stevam Dominguez alvazil na çidade de Coinbra conffesso que reçeby mandado de nosso senhor el rey per que ffosse juiz hordenairo certo antre os moradores d’Eiras e o dieto procurador e moesteiro por razom das

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dictas coussas e que todallas coussas de que eu ffosse çerto e hi julgasse que ffossem firmes estavees pera todo senpre. E porem eu sobredicto Stevam Dominguez foy çerto das dictas coussas per muitos homeens boos e avudo consselho sobre todo julgando mandey que os dictos moradores d’Eiras hussem com o dicto moesteiro e procurador como dicto he e como senpre hussarom com nosso senhor el rey e que sse o dicto moesteiro ou procurador ou outro quem quer do dia adiante escprito adiante quiser do dicto logo d’Eiras galinha ou galinhas que pague por cad’hua dellas dous soldos e em outra gissa nom. Pressente o dicto procurador do dicto moesteiro e procurador dos moradores d’Eiras comvem a saber Pero Dominguez da qualI sentença nom ffoy apellado pressentes as dietas partes das quaes eoussas todas sobredietas o dieto Pero Dominguez pedia a mim Stevam Martinz ppublieo tabaliam deI rey em a dieta çidade em hua carta. E eu Stevam Martinz tabaliam sobredieto a estas eoussas asy dietas como dieto he pressente ffoy e a rrogo do dieto Pero Dominguez e de mandado do dieto alvazill esta carta eseprivi e meu synall puge que tal he. Em testemunho das dietas eoussas aquesto ffoy ffeeto em Coinbra oyto dias de Mayo na Era de mil e trezentos e eorreenta e nove anos. Testemunhas que pressentes fforam: Martim Anes almoxariffe deI rey en Coinbra e Christovam Eanes e Christovam deI rey, Salvador Dominguez tabaliam e Martim Martinz mercador e Pero Tome e Stevam Periz Lirano e Migeell Periz Cabaaço e outros. A quall carta asy mostrada como dieto he o dieto Domingos Dominguez disse que os moradores do dieto logo d’Eiras se temiam de sse lhes perder a dieta carta per ffogo ou augua ou traça ou outro eajom alguum e que outrosy lhes era mester de mandarem a alguus logares os trellados da dieta carta em ppubliea fforma e pedia ao dieto juiz em nome dos dietos moradores d’Eiras que desse a mim Johanne Anes tabaliam sobredieto sua auturidade hordenaira pera lhes dar huum e dous e tres theores da dieta carta em ppubliea fforma so meu synall ou quantos lhe mester ffossem. E o dieto juiz vista a dieta carta como nom era rassa nem antrelinhada nem em nenhuum logar sospeita deu a mim Johanne Eanes tabaliam sobredieto sua autoridade hordenaria pera dar os dietos theores de carta em ppubliea fforma de meu synall. Ffeeto ffoy este no ssobredieto dia e mes e Era e logar. Testemunhas que pressentes fforam: Saneho Gonçallvez e Vaaseo Lourenço e Martim Gill tabaliaaes e Affomso Anes que ffoy almoxariffe e Joham Affomso lavrador e Ffernam Eanes moradores em a dieta çidade e outros. E eu Joham Eanes sobredieto tabaliam que a esto pressente ffoy e arrogo do dieto Domingos Dominguez e per mandado e auturidade do dieto Affonsso Martinz juiz este theor de carta em ppubliea fforma eseprivi e ffiz meu synall que tall he. O quall estormento asy apressentado ao dieto eorregedor como dieto he o dieto Gonçallo Nunez disse que os moradores d’Eiras se temiam de sse lhes perder o dieto estormento per ffogo ou augua traça porquanto o dieto estormento era muito velho e de longo tempo ffeeto e que outrosy lhes era mester pera sse ajudarem delle em alguus logares destes reynos pedi o ao dieto eorregedor em nome dos dietos moradores d’Eiras que lhe mandasse dar o trellado do dieto estormento em ppubliea fforma so synall de mim tabaliam e esto meesmo outro tall pera o dieto moesteiro das Çellas porquanto dezia que o dieto moesteiro se intendia d’ajudar delle em alguas partes destes reynos. E o dieto eorregedor visto o dieto estormento como nom era rasso nem antrelinhado nem em nenhuum logar em sy sospeito deu a mim Joharn Rodriguez tabaliam sobredieto sua auturidade pera dar os dietos theores do dieto estormento em ppubliea fforma so meu synall pera os dietos moradores d’Eiras e pera o dieto moesteiro e mandou que fezessem ffe em juizo e fora dell como o seu verdadeiro horeginall. Testemunhas que pressentes fforam: Luis Eanes tabaliam dante o dieto eorregedor e Gill Affomso escudeiro do senhor iffante dom Pedro morador em a dieta çidade e outros. E eu Joham Rodriguez tabaliam sobredieto que este estormento pera o dieto moesteiro eseprivi e em elle meu synall ffiz que tall (sinal) he. Pagou LXX rreaes.»

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Documento VII ‑ 1361, Setembro, 1, Casais de Braga (Casais de Eiras): A abadessa e o convento de Celas têm questão com dois moradores de Eiras para os obrigar a utilizar os fornos de telha do senhorio, e não quaisquer outros. Fonte– Maria do Rosário Barbosa Morujão: Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas (Século XIII‑XV), Doc Nº 158, [Pp. 498‑499].

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«Sabham todos como onze dias de Setembro Era de mil e trezentos e noventa e nove anos a par dos Casaaes de Bragaa terrnho de Coinbra hu esta huum forno de telha que mandou fazer Pedr’Eanes canbhador en presença de miim Gonçalo Martinz tabelliom de nosso senhor el reii en na dicta çidade de Coinbra e en seus terrnhos e as testemunhas adeante scriptas Pero Besteiiro procurador de dona Costança Regadas abbadessa e do convento do mosteiiro das Çellas de Guiimarãaes que presente stava disse en nome das dictas abadessa e convento a Affomso Dominguez e a Alvaro Dominguez moradores en Eiras que hi presentes stavam fazendo telha que bem sabiiam en como vivem nas herdades das dictas abadessa e convento e que a dicta abadessa lhi defendera ja que nom ffezessem a dicta telha no dicto logo porque dezia que era en gram perjuizo sseu e do dicto sseu moesteiro e que xe lhi seguia perda e dapno e que porem el da parte das dictas abadessa e convento lhi defendia agora que nom ffezessem no dicto logo a dicta telha e que de como lhi esto dezia e defendia que pedia huum stormento pera a mercee deI reii. E logo o dicto Alvaro Dominguez disse e deu en reposta que el he homem pobre e tem ssa molher e seus ffilhos e que na terra da abadessa nom acha hu gaanhe pam que comha e que o quer gaanhar hu quer que o achar ante que o hir furtar. E outrossii o dicto Affomso Dominguez disse que el aviia mester telha pera as azenhas e pera hua casa que tem na aldeiia d’Eiiras e que veo fazer alii hua pouca que aviia mester e do maiis disse que sse husava no senhorio de Purtugal que cada huum vaii fazer ssa prool per u quer que entende que a maiis pode fazer pera gaanhar pam que comha. E o dicto Pero Beesteiiro disse que os ffomos da telha estam no senhorio d’Eiiras e que fezerom e fazem telha de viinte e trinta anos aa ca e que por lhi ffazerem perjuizo e perda aas dictas abadessa e convento nom quiserom ffazer en elles e forom ffazer naquele de Pedr’Eanes. Das quaaes cousas os dictos Pero Beesteiiro e Alvaro Dominguez e Affomso Dominguez pedirom a miim tabelliom senhos stormentos. Testemunhas que presentes forom: Pasqual Dominguez e Bertolameu Dominguez sseu ffilho e Domingos Neto e outros. E eu Gonçalo Martinz tabelIiom sobredicto a esto presente ffuii e este stormento e outro tal screvii e em cada huum delIes fiz meu signal que tal (sinal) he. Pagou dez ssoldos com camiinho.» Documento VIII ‑ 1377, Junho, 8, Eiras: Vasco Esteves, escudeiro e procurador do mosteiro de Celas, faz ler perante o concilium de Eiras as deter­minações régias sobre os campos não aproveitados e comunica a designação, pela abadessa, de Afonso Ildez e Fernão Peres como vedores das herdades e mancebos, que têm de elaborar um rol desses campos e dos seus possui­dores. Fonte – Maria do Rosário Barbosa Morujão: Um Mosteiro Cisterciense Feminino, Santa Maria de Celas (Século XIII‑XV), Doc Nº 158, [Pp. 539‑541]. «Sabham quantos este stromento virem como Era de mil e quatroçentos e quinze anos oyto dias de Junho em Eyras terrnho da çidade de Coinbra nas casas da honrrada religiosa dona Tareyga Regadas abbadessa e convento do moesteiro das Çellas de Guimaraaes sseendo hii Afonso lldez juiz do dicto logo por a dicta senhor abbadessa e Martim Dominguez, Vasco Dominguez, Joham da Pedrulha e Afonso Anes, Martin Canavesses, Lois Anes, Afonso Perez e Domingos Velho e Joham Perez, Bertollameu Domingez e J oham

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da Serra todos juntos per conçelho na presença de mim Gomez Lourenço tabeliom pubrico deI rei na dicta çidade e em sseus terrnhos e das testemunhas adeante scriptas Vaasco Stevez scudeiro procurador das dictas abbadessa e convento que presente ssiia disse ao dicto Affomso lldez e a Ffemam Perez veedores postos no dieto lugar pera conprir aas ordinhaçoes ffectas per o dieto senhor em rrazom das herdades e mançebos e serviçaaes que bem ssabiiam como ffora dicto e requerido da parte do dicto senhor rei aas dictas abadessa e convento dentro no dicto sseu moesteiro e lhi ffora ffrontado da parte do dieto senhor que costrangesse todollos sseus casseeyros e lavradores que ffezessem de guisa tale que como lavrassem e afruitassem todallas herdades que avüam e tra[z]iam do dicto sseu moesteiro em cada huum ano a sseus tempos e ssazoes e nom o ffazendo assii que essas herdades que fficassem por lavrar e ssementar que lhe sseeriam tomadas pera o comum e outras penas que nas dictas ordinhaçoes eram conthudas. Por a qual rrazom a dicta senhor abbadessa temendo sse dello e o dicto sseu moesteiro e os sseus casseeiros e lavradores I receberem alguum dampno e pera sse perçeber do que sse podia sseguir ao deante e querendo ffazer conprir mandado de sseu senhor el rei que mandara ao dicto Vaasqu’Estevez que comiigo tabelliom chegasse ao dicto logo d’Eyras e que ffezesse esto a saber a elles dictos moradores e lhi ffezesse leer e pubricar as dictas ordinhaçoes. E que el per sseu mandado chegara hii ao dicto logo e cassas da dicta abbadessa e ffezera hü juntar el dicto Affomso Ildez e Ffemam Perez e os outros moradores do dicto logo e que per mim dicto tablliom lhi ffezer leer e pubricar todallas dictas ordinhaçoes e lhi ffezera tomar o trallado dellas pera guarda do direito do dicto conçelho d’Eyras e que pera poerem todo em obra que posera em nome das dictas abbadessa e convento dous veedores convem a ssaber o dieto Affomso Ildez e Ffemam Perez e que lhis dera juramento aos Sanctos Evangelhos que bem e direitamente conprisse as dictas ordinhaçoes como em ellas era conthudo e pelo dicto senhor rei era mandado. E que ora que era dicto aas dictas abadessa e convento que ora este ano e novydade que ora he que alguuns dos lavradores e moradores do dicto logo d’Eyras maliçiosamente leixarom muitas leyras de terras por lavrar e as non quiserom lavrar as quaes ouverom sseer lavradas ora este ano e desta ffolha sseendo avezinhadas antre outras que ora jaziam com pam por a qual rrazom disse e requereo aos dictos veedores que logo no dicto dia ffezessem de guisa tal como lhi dessem em scripto todallas herdades e leyras de terra que hy desta ffolha fficarom pera lavrar e ssemear e cujas eram pera a dicta senhor abbadessa hii tornar como sua mercee ffosse com guarda do dicto sseu moesteiro e pera o serviço do dieto senhor rei sseer guardado como deviia e que por mayor avondamento lhis dezia e ffrontava da parte do dicto senhor rei e outros si de ssua senhor abbadesa que ffezessem de guisa tal que todallas herdades e terras que eram pera dar pam que ffossem lavradas e aproffeytadas e ssementadas a sseus tempos e sazoes em cada huum ano ssenom em outra guisa nom o ffazendo assii que protestava contra elles e contra sseus bees por todallas perdas e dampnos e interesse que sse aas dietas abbadessa e convento e sseu moesteiro sseguise por adicta rrazom. Testemunhas: Joham Dominguez Malffrade e Lucas e Pero Lourenço moradores no dicto logo. E estando assii o dicto ffecto logo no dicto dia os dietos Affomso lldez e Ffemam Perez veedores derom em scripto as terras e herdades que acharom que amdem sseer lavradas da ffolha deste ano e cujas eram as quaes o dicto Vaasco Stevez levou scriptas em huum rrool. O qual Vaasco Stevez em nome das dictas abbadessa e convento como seu procurador disse e ffrontou aos dictos veedores que oolhassem bem as dictas ordinhaçoes e as conprissem em todo e per todo como pelo dicto senhor rei era mandado ssenom que protestava o que protestado avia I pera todo sseer correjudo per sseus bees delles e pedio huum stromento. Testemunhas: Pero Lourenço e Domingos Affomso e Diego Martinz homem de Martim Vaasquez de Tomar e outros. Eu Gomez Lourenço tablliom sobredicto que este stromento screvi e ffiz meu signal que tal (sinal) he. Pagou deste stromento VIIlo ssoldos.»

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Documento IX ‑ 07, Dezembro, 1534, Coimbra: O Cabido da Igreja de S. Pedro de Coimbra, aceita a renuncia a metade do Casal do Murtal que trazia João Goncalvez e sua mulher Felypa Fernandez, e afora‑o novamente e por vontade destes a seu filho João Goncalvez e sua mulher Marguaida Vaz. Fonte ‑ Livro Imperial com seus indices de emprazamentos, 1496‑1544, [Fls. 30‑31v.] «Casal do murtal a hum João Goncalvez o moço com todos seus encarregos direitos»

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«Saibam quamtos este estormento de novo Afforamento por via de de Renunçiação virem que aos sete dias do mez de Dezembro do ano do naçimento de noso Snõr Jhesû Xº de mill e quinhemtos e trinta e quatro Anos na Igreja de Sam p.º da Çidade de Coimbra semdo em ela jumto em cabido chamados ao som de campãa tamgida os vertuosos ho priol e chamter e benifiçiados dela aquy diamte nomeados paramte elles e em presemça de mym tabaliam e testemunhas ditas pareçeo João Goncalvez lavrador morador no loguo do murtal termo desta çidade com avizo da dita Igreja e lhes dise que trazia no dito loguo do murtal hû casal imteiro que se lhe fizera de huû meo casal // do casal que damtiguamente avia no dito loguo e que deste seu meo casal que já era roito casall ele renunçiava ametade que era hû no quarto do total casaal que damtiguamente no murtall avia e que esta quarta parte de casal que era ametade do dito seu casal ho renumçiava com [Fl. 30v.] felypa fernandez sua molher que tambem presemte estava nas mãos deles snorios e de sua Igreija que ho outro meo casall lhe fique com a Reção que dantes pagava e com ho foro imteiro do capâ com meo foro do trigo e sygunda e fogaça e que este meo casal que renûçia que o afore a João Gonçalvez seu ffilho e a seus erdeiros e que quãdo a este meo casal os livrem dos emcarguos dele // coô tamto que hûa casa nova que ele renûçiador fez que lhe fique no meo casal que a elles renûçiadores fiqua e qualquer todas as mais terras casas vinhas erdades que hy trazem de todo renûçiâ a metade e fiqua cõ ha outra metade e que esta metade que asi renûçiam tiramdo as ditas casas novas eles snorios lhe receberão dela a dita renumçiaçam que lhe os ditos imqlinos para semper fizerão e novamente me(? diserão a eles prioll e beneffiçiados que em seus nomes e de sua Igreja novamente afforavã este meo casall aquy renunçiado ao dito João Goncalvez no presemte em presença de my tabaliam e do dito João Goncalvez renûçiador seu pay para que depois seu filho o aceite e receba parante mi tabaliam asy ho aforã ao dito João Goncalvez filho dos renûçiadores e para ele e para sua molher Marguaida Vaz nõ prezentes e para seus ffilhos e erdeiros cõ este preito e comdiço do qual falecimento dos renûçiadores este meo casal que aos renûçiadores ora fiqua se torne logo a estes João Goncalvez imqlino e ha sua molher e erdeiros para que hû meo casal e outro amde nele cõjûnto ahy avante(?) em seus erdeiros e que as terras deste erdamento que as semeye lavre e de fruytos as fazendas sob pña dos estimar e qualquer toda novidade que lhe o Snõr Deos em helas der pague a Igreja de seisto o pam na eira lîpo e dibulhado e ho linho cortido e emxuto no tendal e o vinho a biqua do lagar e ligumes ao tpõ do recolher delles sem asy levarem nada sem partir sob pña de o perderem, para o senorio e que de foro de todo o monte deste meo casal pague alqueire e meo de trigo e alqueire e meo de çevada e de fogaça do seu proprio pague hû alqueire de triguo todo pago na eira cô Reçam e mais o dizimo todo a Igreja de sã Pedro sobredita de que são foreyros(?) e de foro pague hû capâ cada anno bô e de reçeber e çinqo ovos por sã migel de setembro e que o meo casal que aos renûciadores fiqua que elles renûçiadores / em sua vida pagem o meo de foro do pam e fogaça que te ora paguara e o capa imteiro e ovos e por seu faliçimento seu filho e sua molher erdeiros pagarao o foro e fogaça do pam e sygunda e dous capois e dez ovos quãdo se a eles tornar o dito casal imteiro que eles sñorios querem qual faliçimento dos renûçiadores venha a estes imqlynos a que deste estromento sem mais outro titulo e que faça a primeira paga da Reçã e foros e fogaça por novidade e ano estromento queira no

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seguîte ano de mil e quinhemtos e trimta e çiquo anos e dhy em dyante o pague em cada hû anno para semper e que lhe não possa destes emcarreguos escâpar nê renuncyar nem elles snorios e sua Igreja lhe nô posa tomar nem filhar por nhûa gisa que seja e que ho nô vendam nem comluyem nem descomjumtem sem licenca da Igreja e outorguaram as… que o asy nom comprir pagara vîte mil reis de pña e as custas delas e as pñas levadas ou nam este fique firme e se cumpra como se aqui contem pelos bês remdas da Igreja que obriguara e o dito João Goncalvez renuçiador como pay do dito João Goncalvez imqlyno e em seu nome e por nom ser prestante em seu nome e de sua nora. // molher do dito seu ffilho e de seus filhos e erdeiros e eu tabaliam tambem por …outorgando eles em esto aceitamos por elles este aforamento cô todas pñas clausolas comdiçois obrigações aqui escriptas e que has cumprã e paguem hos ditos Foros pemsões Rações aqui comteudas por seus beês e de seus erdeiros com testemunho de verdade da nota que se asynou lhe outorgaram a cada huûs seis estormentos a que forão testemunhas presemtes deste com os ditos prioll e beñiffiçiados que forã [Fl. 31]Amdre Diaz pryoll e aº mideiros chamtre e aº Roiz e Afomso Diaz e guaspar da cunha benifiçiados da dita Igreja forão testemunhas guaspar de figueiredo tisureiro na dita Igreja e p.º miz prioste delle e mateus pereira estudante naturall de Lixboa e ho dito mateus pereira tº asynou por sy e por hos renunçiadores ambos marido e molher a seu roguo que esprever nõ sabia e mais disiao os renumçiadores que se obriguavã em quamto elles fossem vivos nõ paguarê há Igreja sua Reção Dizimo he foros e foguaça e tamto como elles renunçiadores que elles renunçiadores ho paguem por elles e que pera isso se comstetuiam paguadores e primcipaes devedores ha Igreja de todo testemunha o hos atras espritos que eu Goncalo Lourenco tabaliam ho esprivy e mais estes imqlinos darao cada hano aos prioll e benifiçiados desta Igreja ho seu quarto do gantar em cada ho ano dam os casães do murtal do que lhes Louremço tabalião ho esprivy e em todo ho mais estes imqlinos compriráo com ha Igreja ho titolo dos renunçiadores do que lhe aprouve testemunhas hos hatras espritos que eu Gonçalo Lourenco tabaliam ho escripvy E no dito dia de sete dias do mes de Dezembro ano de mil he quinhentos e trimta e quatro anos na cidade de Cojmbra e moradas de my tabaliam hy veo João Goncalvez imqlino deste aforamento de sã Pedro atras espritos deste meo casal no murtal omde elle he morador que seu pay outorguou. e por ele açeitou e eu tabaliam da mão do sñorio o qual aforamento lhe ey de verbo ha verbo eu tabaliam he elle João Goncalvez o moço imqlino ho aceitou he recebeo em seu nome e de marguaida Vaaz sua molher he filho he erdeiros pera sempre como nelle he comtheudo e obrigou sua fazenda asi comprir em presença de my tabalião que por ho Sñorio [Fl. 31v.] Esta outorgua açeitey testemunhas presentes que ho confeçerão joão alvez de Sousellas e Fernando alvez de Vilella e Samtiago anes de treixomil lavradores termo desta cidade e Diogo Jorge alfayate aqui morador que ha seu roguo asynou por sy e por elle que esprever nõ sabia e este se notou quando dito for e se outorgouse a vimte e dous dias de Fevereiro de mil e quinhentos e trimta e çimquo anos…». Documento X ‑ Lisboa, 20, Maio, 1734: Provisão de D. João V, pela qual concede aos Moradores de Eiras 4 contos e 136.000 reis dos sobejos das Sizas da Vila de Eiras para fazerem a Igreja Nova. Fonte: A.U.C. ‑ Processos relativos à freguesia de Eiras. Construção de nova igreja, 06, Maio, 1744, [Fls. 6‑7.] «Dom Joam por graça de Deos Rey de Portugal dos Algarves daquem e dalem mar e africa Snr de guine faço saber que havendo respeito a me reprezentarem por sua petiçam os moradores da Vila de Eyras que a sua Igreja Matris estava em hum dezerto fora da Vila por cuja cauza tinhão o Sacrario em hua Capella dentro da dita Villa como tambem toda a pra-

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ta, e hurnamentos ricos da dita por se livrarem aos prigoz a que estavam expostos na dita Igreja de que se rezultava grande deformidade e falta de servico de Deos, e bem das almas havendo muitas vezes desordem na administração dos Sacramentos em rezam de estarem os Santos Olios na dita Igreja e o Sacrario na referida Capella alem de grande prejuizo que recebiam na passagem de hum Rio no tempo de Inverno invadiavel para hirem para Igreja, e assim poucas pessoas hiam a dita Igreja fora da Missa Conventual, e Somana Santa por cujas rezoens dezejavão mudar a dita Igreja pera dentro do povoado, o que nam podiam [Fl. 6v.] fazer por falta de meyos pois ainda que estavam promptos para concorrerem com as esmollas e trabalho de suas pessoas, e dos seus carros, e hera isto muito limitado, e só fazendolhe mercê dos sobejos das sizas e da mesma Villa poderiam fazer a dita obra e assim me pediam lhe fizesse merce concederlhe provizam para que os sobejos que ouvesse na dita Villase aplicasse para se fazer a obra da Sua Igreja com seu Adro, e mais offecinas necessarias para a dita obra; E visto o seu requerimento, e informaçoens que se ouveram pello Provedor da Comarca de Coimbra ouvindo os officiais da Camera, Nobreza, e Povo, que nam tiveram duvida, e constar ser o ultimo lanço da referida obra de coatro contos e sento e trinta e seis mil reis; Hey por bem fazer mercê aos Supplicantes para que possam pellos sobejos das sizas do Cabeçam da dita Villa de Eyras gastar na obra da Sua Igreja a referida quantia de coatro contos cento e trinta e seis mil reis o qual se aplicará, e gastará com effeito na dita obra, e mando ao Provedor da Comarca superintenda nella, e tome conta do que na dita obra se for despendendo, e nas que tomar dos sobejos das mesmas sizas lhe levara em conta a referida quantia, e despeza comprindose esta Provizam como nella se contem, que vallerá posto que seu effeito haja de durar mais de hum anno sem embargo da ordenação Lº 3º Ttº 4º em contrario e se registará nos Livros da Camera pera constar [Fl.7] que eu assim o ouve por bem esta mercê lhe fis por especial resulção minha de treze de Marco deste prezente anno El Rey nosso Snr. mandou pellos Dezembargadores = Gregorio Pereira Fidalgo da Silveyra = e Antonio Teyxeira Alveres = por seu especial mandado amnos do seu Consellho e seus Desembargadores do Passo = Jozé de Oliveira Baptista a fis em Lixboa Occidental a vinte de Mayo de mil e setecentos e trinta e coatro annos…» Documento XI ‑ Eiras, 16 de Abril 1755: A Câmara da Vila de Eiras regista o termo de aceitação feito por Antonio da Cunha Inasio designado Imperador das Festas em honra do Divino Espírito Santo. Fonte: A.H.M.C. ‑ Livro das Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1755‑1767 [Fls. 5v‑6v.] «Termo de enterega que se fas o novo emparador Antonio da Cunha que ha de servir pera este anno de 1755» «Aos trinta dias do mes de Abril de 1755 anos nesta vila de eiras e nas cazas de morada de felipe cardozo Botas emparador mais velho aounde eu escrivão vim com juis ordinario e da sizas desta vila Joze Antonio Consesão e Silva e mais ofesiaes da camarra joão gomes de ornellas verador mais velho e Bernardo Lopes da Silva veador mais novo e Lourenso Marques porcurador pera efeito de se lhe fazer emtrega ao novo emparador Antonio Joze da Cunha pera este perzente anno e logo pelo felipe cardozo emparador mais velho lhe foi entregue ao dito Antonio da Cunha em perzenca da camarra o seguinte a saber huma coarta de trigo mais dois alqueires fora este que vão mortos pera deles fazer duas fogasas anbos que tenham sete coartas de pão e o acresimo dos dois alqueires das ditas duas fogasas como tambem a semias e mais que pertensão aos ditos dois Alqueires de trigo o dito emparador o vendera pera bem o seu competo se ajuntar o dinheiro pera outavo que as ditas duas fogasas forão sem ele o dito emparador tendo obrigasão fazer tera huma pera na segunda outava servir pera caneira e vinho quem coroaliarse pera a lansar com outra pera se vender a troco de trigo pera concorra entrega ficando sempre e memoria fazerse o por-

Apêndice Documental e Anexos

duto que elas renderem outras duas de fogasas da mesma forma pera o lanços consegintes na mesma forma que neste ano se faz com o tersimo que os devotos o ano pasado derão pera andar vivo na perzente festa do devino esperito santo e outo Almudes de vinho em dinheirro cincoenta mil e duzentos e outenta reis que logo resebeo o dito emparador mais novo Antonio da cunha da mão de felipe cardozo em perzensa da camarra e testemunhas perzentes Manuel de Abrantes e Manuel Cardozo Botas este desta vila de eiras he o outro do lugar de Vilarinho deiras de que se obrigo ele o dito Antonio da cunha e o fiador e bonador a dar conta de tudo na mesma forma bem e reseber o novo emparador que novamente entra e que tudo se obrigão na forma do termo a dar da fiansa e no cazo que aja falensia no dito Antonio da cunha se obrigar estes os ditos fiadores e abonarem di não só sastifazerem com o refirrido neste termo mas tambem a fazerem ambos por si ou cada hû em solidum e feito o devino esperito santo nesta dita vila e não poderão fazer fora desta dita vila e farão na forma das obrigasois dela e no cazo que hai falta ce porseder contra eles fiadores por suas pesoas e bens e se fazer por conta da camarra e suas custas que tudo aseitarão de que eu fis este termo como escrivam da camarra que todos asinarrão erra ede supra e eu Luis Marques de Matos escrivão que p. escrevi e asinei Assinaturas autógrafas: ‑ Joze Antonio Concesão e Silva ‑ Luis Marques de Mattos ‑ João Gomes de Ornellas (vereador mais velho) ‑ Bernardo Lopes da Silva ‑ Lourenso Marques ‑ Antonio Joze da Cunha ‑ Manoel de Figueiredo ‑ Manoel da Crus, Manuel de Abrantes, Manuel Cardozo Botas. Documento XII ‑ Eiras, 24, Fevereiro, 1760 ‑ Termo de arrematação que se fez da Vigia dos Cochinos Fonte: A.H.M.C. ‑ Livro das Actas e termos da Câmara de Eiras, 1755‑1767, [Fl. 82v.‑83] «Aos vinte e coatro dias do mês de Fevereyro de mil e cetecentos e ceçenta annos nesta Villa de Eyras e em prasa publica (…) ahi mandarão por a pregom a vigia, dos cochinos della na forma do uzo e costume, e andando a pregão pello official Manoel Rodrigues offiçial de porteiro da Çidade de Coimbra aonde andou pella [Fl. 83] dita Vila de Sima para baixo e de baixo para cima apregoando se havia por quem menos fizesse a dita vigia dos ditos cochinos dos moradores desta villa de quanto lhe havião de dar por cada hum pelo goardar por este prezente anno, aparesseo Joze Ferreira e lanssou que os guardaria por hum alqueire cada hu cochino dentro do dito anno e o mais na forma do uzo e costume e não houve quem por menos o fizesse o lanssassa e o dito Juis e Camera lhe mandaram entregar o Ramo, com a obrigação de que elle dito vigieiro se obrigou a lanssar ao pasto a dita vigia dos ditos cochinos com duas oras de Sol nasçido, e recolhendo‑o com hua hora de Sol e o não fazendo assim sera condenado e prezo conforme ao arbitrio da Camera, a que tudo se obrigou na forma do uzo e costume e se obrigou a dar conta da dita vigia por sua pessoa e bens, e por não haver quem por menos o fizesse lhe entregou o dito offiçial o Ramo de que eu Escrivão em minha fee de que fis este termo que asignarão elle dito Juis e mais offiçiais da Camera com o dito arrematante, e official e eu Joze Antonio da Conçeissão da Sylva escrivão das Çizas por empedimento do Escrivão da Camera que o escrevi» Ass autografas

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Documento XIII ‑ Eiras, 07, Outubro 1788: Termo de obrigação e ajuste do Partido de Medico da Vila e Freguesia de Eyras que faz o Doutor Joze Lopes da Cruz Freire por seo Procurador Manoel Freire. Fonte: A.H.M.C. ‑ Livro das Actas e Termos da Câmara de Eiras, 1788‑1790, [Fls 12‑13]

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«Aos sete dias do mes de Outubro de Mil e Setesentos e outenta e outo annos nesta Villa de Eyras e nas cazas do Passo da Camera da mesma ahonde Eu Escrivam vim para a prezente deligencia ahi aparesseo Manoel Freire da Cidade de Coimbra (…) Procurador que mostrou ser do Doutor Joze Lopes da Cruz Freire medica ora rezidente na Villa de Ovar (…) foi dito perante mim e das testemunhas ao diante nomiadas e asignadas, queavendo sido nomeado o dito seo constituinte pello Ilustre Senado da Camera desta Villa para medico da mesma elle dito Procurador ajustava esta nomeassam em nome do dito seo constituinte e se obrigava aos emcargos da proficam que lhe registava em toda esta Villa e freguezia que comprende Eyras Cazais Vilarinho e Mortal, sem que pello trabalho da dita sua ocupaçam pertenda outro premio differente do partido de outenta Mil Reis, com que Sua Magestade costuma premiar aos medicos desta dita Villa, por ser esta a criaçam do mesmo partido, Nam obstante a clausulla comuo com que se costumam labrar semelhantes provizoins Regias, em que só sam Eseptuados os pobres para o Beneffissio das curas gratuitas com que sempre costumam ser secoridos; Porque em atençam o nam serem tambem assistiados os Ricos da dita freguezia do dito Beneficio das assistencias gratuitas, se Aomentou e tem aomentado por vezes, o dito partido the a quanthia com que se acha oje estabelessido, e hem atençam tambem ao lemitado numero de moradores que compreende a ditta freguezia, e serem entre os mesmos poucos aquelles que poderiam contribuir com Algum premio distinto do dito partido, por ser egoalmente pobra a dita freguezia, que depois estado o refferido se acha nesta criaçam: Ao que tudo elle dito Procurador disse se obrigava como dito fiqua em nome do dito Doutor seo constituinte, assim e da mesma forma que fica Expressado; há fazer nesta dita freguezia a sua rezidencia» Seguem‑se as assinaturas autografas. Documento XIV ‑ Eiras, 31, Agosto 1820: Acto de juramento solene feito pelas autoridades civis e militares de Eiras à Junta Provisional do Reino acabada de instaurar, às Cortes que organizarão a Constituição Portuguesa, e à Dinastia de Bragança. Fonte: A.H.M.C. ‑ Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1819‑1822 [Fls. 21v.‑22v.] «Anno do Naçimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil oitosentos e vinte Aos trinta e hum do Mes de Agosto do dito ano nesta Vila de Eyras e na Caza da Camera dela aonde eu escrivão da Camera vim em companhia do Bacharel Francisco Xavier Bezerra de Lima Juis Ordinario e bem assim Vereadores e Procurador da mesma Camera estando prezentes o Ilustríssimo Snr. Francisco de Paula Pereira e Oliveira Capitam Mor do destrito como tambem o Capitam João Correia da Fonceca e o Capitam Antonio Gonçalves Capitois das ditas companhia estando prezentes Alferes e Sargentos e Cabos da mesma Companhia e logo por elle Ilustríssimo Capitam Mor a todos foi dado o Juramento dos Santos Evangelhos que todos tomarao o Juramentos com alegria e de boa vontade a qual he pella forma seinte = Juro aos Santos Evangelhos obediençia a Junta Provizional do Governo Supremo do Reino que se acaba de instaurar o que em Nome de El Rey Nosso Senhor o Senhor Rey Dom João Sesto [Fl. 22] hade governar athe a instaurassam das Cortes que deve comvocar

Apêndice Documental e Anexos

para organizar a Constetuissam Portugueza = Juro obediençia a essas Cortes e a Constetuissam que fizerem mantida a Religião Católica Romana, e a denistia da Sereníssima Caza de Bragança = que por ordem do Ilustrissimo Excelentissimo Senhor General Felipe de Souza Canabarro Tenente General e Governador do Partido do Porto derigida o Ilustrissimo Capitam Mor deste destrito = Copia = Circular = Remeto a Vossa Senhoria os Emzemplares Juntos para que em mediatamente mande fixar nos lugares mais públicos e a formola do Juramento que Vossa Senhoria [Fl. 22v.] com os ofiçiaes do seu destrito devem prestar na respetiva Camera dandome em mediatamente parte do que assim o tem feito com hua Relassam dos Nomes dos offiçiaes que o acompanharão nesta acto solemne assim como mais algum que se récuze a este Sagrado dever que eu não espero; como tambem de qualquer novidade que corra no seu destrito pelo que Vossa Senhoria fica responçavel senão der em mediatamente conta da mais piquena ocorençia a que se devão dar providençias = Deos goarde a Vossa Senhoria Governador General do Porto a vinte e cinco de Agosto de mil oitosentos e vinte = Felipe de Souza Canabarro Tenente General» Assinaturas: ‑ O Escrivão Antonio Pereira Denis (a encerrar o juramento) ‑ O Capitam Mor Francisco de Paula Pereira e Oliveira ‑ O Capitam Joao Correa da Fonceca ‑ O Capitam Antonio Gonçalvez de Campos ‑ Alferes Fortunato Joze Xavier Ribeiro ‑ Alferes Antonio Nunes ‑ Sargento Sebastião Baptista ‑ Sargento Joaquim Antonio de Almeida ‑ Sargento Antonio Pereira ‑ Antonio Ferreira, Cabo (de cruz) ‑ Luis de Figueiredo, Cabo (de cruz) ‑ Joze da Costa, Cabo (de cruz) ‑ Francisco Lourenço, Cabo (de cruz) ‑ O Juiz Francisco Xavier Bezerra de Lima ‑ Manoel Fernandes Valente, vereador ‑ Antonio Pires, vereador (de cruz) ‑ Manoel Marques Cardozo, Procurador Documento XV ‑ Eiras, 07, Setembro, 1820: Auto de Câmara geral e extraordinário pelo qual os poderes locais – Concelho, Clero, Nobreza e Povo – juram à Junta Provisional do Reino acabada de instaurar, às Cortes que organizarão a Constituição Portuguesa, e à Dinastia de Bragança. Fonte: A.H.M.C. ‑ Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1819‑1822 [Fls. 23‑23v.] «Vereiassam extreudionaria de sete de Setembro de mil oitocentos e vinte Nesta Vila de Eyras e cazas do Senado da Camera ahonde se achão prezentes o Juis Ordinario Veriadores e Procurador da mesma bem como o Clero Nobreza e Povo da mesma Villa comigo Escrivão e os demais abaixo asinados, e logo em prezença de todos foi lida huma ordem vinda do Juizo da Correissam de Coimbra afim de Jurarem obediençia o Governo Provizional do Porto ao Nosso adorado Soberano o Senhor Dom João Sesto a Sagrada Religião que Profeçamos a Constetuissam Naçional e por ela as Cortes que se vão estabelesser, e sendo houvido geralmente o fim a que se derigia o dito Juramento ahi mesmo disserão todos a huma vos que juravão aos Santos Evangelhos obediençia a Junta Provizional do Governo Supre-

509

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mo do Reino que se [Fl. 23v.] acaba de instaurar e que em Nome de El Rei Nosso Senhor e Senhor Dom João Sesto hade governar athe o Estado das Cortes que deve comvocar para organizar a Constetuissam Portugueza, e que do mesmo modo juravão obediençia a essas Cortes e a Constetuissam que fizerem, Mantida a Religião Católica e Romana e Adenistia da Sereníssima Caza de Bragança, o que todos por este Autto se obrigavão e dizem penhar suas obrigaçoens com toda a satisfação e boa vontade comforme lhe fora determinado, e por esta forma entre vivas e aclamassois geraes disserão finalmente = Viva o Senhor Rey Dom João Sesto Nosso adorado Monarqua, Viva o Governo Provizional = Viva a Nossa Sagrada Religião = Viva a Constetuissam Naçional e por ela as Cortes que se vão estabelecer e por esta forma se concluio o dito Autto que todos aqui asinarão comigo Escrivão da Camara que o escrevi e asinei Antonio Pereira Denis=»

510

Assinaturas: ‑ Francisco Xavier Bezerra de Lima, Juiz ‑ [Fl. 24] – Manoel Valente veriador mais velho ‑ Antonio Pires, vereador (de cruz) ‑ Manoel Marquez Cardozo, Procurador ‑ O Padre Fabião Joze Bernardes ‑ O Padre Joze de Oliveira Bacharel em Canones ‑ Joze de Gouvea Nobre Coutinho ‑ Pedro Joaquim Dias da Fonceca ‑ Joaquim Joze Correa ‑ Luiz Fernandes da Silva ‑ Antonio Fernandes da Silva ‑ Joze Marques ‑ Joze Bastos; Joao de Oliveira ‑ Joaquim Monteiro da Silva; Francisco Baptista e Cunha ‑ Egidio Pereira Dinis; Francisco da Crus ‑ Joaquim da Cunha e Manoel da Cunha (ambos de cruz) ‑ Antonio Cardozo e Manoel Francisco (ambos de cruz) ‑ João Pereira Denis e Francisco Valente (Id) ‑ Manoel da Murtta e Bernardo Motta (Id) ‑ Manoel Simeão (de cruz) e Antonio Fernandez Valente ‑ Manoel Pereira Denis (de cruz) Documento XVI ‑ Eiras, 30, Junho 1829: Termo de nomeação de um Boticário para dar remédio aos pobres da Vila de Eiras. Fonte: A.H.M.C. ‑ Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1826‑1833, [Fls. 59v.‑59.] «Aos trinta dias do mez de Junho, de mil outocentos e vinte e nove annos, nesta Villa de Eiras, e cazas da Camara della, ahi estando prezente o Juis Ordinario, o Cappitão Antonio Gonsalves de Campos, e bem assim os Vereadores e Procurador abaixo assignados; aonde eu Escrivão vim chamado, pera lavrar o prezente termo por elles me foi dito, que na forma do autto Retro e supra que querião valesse como parte deste termo, nomeavão para Boticario desta Villa, a Joaquim Simois de Carvalho, Boticario aprovado, e assistente na sua botica de Coimbra, em razão dos bons creditos que tem, a semilhante respeito, e do grande provimento, que tem de drogas, com que está surtindo muntas boticas da Comarca, com a condição de dar de prompto os remedios nessessarios aos pobres desta Villa; visto acharsse comprometido, na devassa de Rebelião, e prezo, Marcolino Antonio Pimentel, Boticario,

Apêndice Documental e Anexos

que era desta dita Villa, e que por semilhante motivo fazião elleição daquelle Joaquim Simois de Carvalho, visto não aparecer outro algum tão capaz para o que se prestavão os ditos officiais a fazer uma Relação dos pobres da msma Villa, não só para ficar no Cartorio da Camera, mas athe para por ella se tirar outra para lhe servir [Fl. 59] de governo, na mesma botica, e que mais se prestava o dito Juiz Ordinario a assignar todas as receittas, asignadas pelo Medico, a favor dos pobres da mesma Villa, pera testemunho da sua pobreza e nessesidade. E logo sendo prezente o dito Joaquim Simois de Carvalho, que reconheço pelo proprio por elle foi dito que não duvidava aceitar o partido de sincoenta mil reis pagos pelos sobejos das Sizas do Ramo desta Villa, como se achava concedido por Praça Regia ao dito Marcolino Antonio, com a obrigação de dar os remedios nessecarios aos pobres, da mesma Villa, segundo era costume e determinado por Praça Regia, principiando de hoje em diante a fazello, na forma da Relação, que lhe fosse aprezentada e assignada por todos os Officiais da Camara, e que por esta forma se prestava, quanto antes, a apromptar bons remedios, e cumprir exactamente a sua obrigação, pedindo confirme a Praça a Sua Magestade, para si lhe abonarem os ditos sincoenta mil reis, em acto de Lançamento, das mesmas Sizas, pelo Juizo da Provedoria de Coimbra, de cuja nomeação e obrigação, bem como ao dito Joaquim Simois de Carvalho, que aqui comigo asignou, sendo testemunhas prezentes Pedro Joaquim Dias da Fonceca e Fernando Antonio ambos desta Villa, que a todos reconheço pelos proprios aqui nomeiadosss e assignados comigo e Eu Cosme Dias Ribeiro Xavier e Silva Escrivam da Cammera que o fis escrever e sobescrevi». Seguem‑se as assinaturas autógrafas. Documento XVII ‑ Eiras, 09, Maio 1834: Em Auto de Câmara da Vila de Eiras, os oficiais do concelho juntamente com o Clero, a Nobreza e o Povo, aclamam D. Maria II e o Rei D. Pedro e a Carta Constitucional de 1826. Fonte: A.H.M.C. ‑ Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1833‑1836 [Fls. 16‑17] «Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil oitosentos e trinta e quatro annos aos nove dias do mes de Maio nesta Villa de Eiras e Cazas da Camera da mesma Villa aonde estava a Camera Nobreza e povo da mesma Villa todos convocados para o prezente Auto ahi pello prezidente da Camera, foi proposto que avendo cido na Cidade de Coimbra aclamada, a Legitima Soberana destes Reinos a Senhora Dona Maria Segunda; e o Senhor Dom Pedro Duque de Bragança como Regente, em nome da mesma Rahinha e bem assim á Carta Constecional outorgada a estes Reinos pello mesmo Senhor em mil oitosentos e vinte e seis, que igualmente o devião ser nesta Villa protestandosselhe toda a obdiencia e seguião e respeito ao que toda [Fl. 16v.] a Camera, Nobreza, Povo, e Clero desta freguezia, espontaneamente anuirão com todas as demonstraçoins de regozijo e satisfação, rompendo logo em altos vivas de viva a Senhora Donna Maria Segunda Legitima Soberana destes Reinos, viva o Senhor Dom Pedro Quarto Regente em nome da mesma Rainha, viva a Carta Constecional; e acordarão que deste auto se mandace hua copia ao Illustrissimo e Excelentissimo Senhor Duque da Terceira ora residente em Coimbra para que o mesmo Senhor se dignase levallo a presença de Sua Magestade Imperial, o Senhor Dom Pedro Quarto Regente em nome da Rainha, e para verdade do referido se lavrou este auto que todos asignarão de ser lido por mim Ildefonço Soares de Faria, Tabelião desta Villa, que no impedimento do Escrivão da Camara o escrevi e asignei» Seguem‑se assinaturas autografas

511

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

Documento XVIII ‑ Eiras, 15, Junho, 1836: A Câmara Municipal da Vila de Eiras envia uma representação à Junta Geral do Distrito de Coimbra pedindo a conservação da sua Municipalidade. Fonte: A.H.M.C. ‑ Livro de Actas e Termos da Camara de Eiras, 1833‑1836 [Fl. 27v.]

512

«IIlmo. Ex.mo Snr. A Camera Municipal da Vila de Eiras do Destrito Adeministrativo de Coimbra sabendo que se acha reunida a Junta Geral do Destrito para tratar da devizão dos Concelhos leva por este meio ao conhecimento de V. Exª para o fazer prezente a mesma Junta a Reprezentação incluza que a Camera antecaçomda actual fez ao Ex.mo Snr. Governador Civil para ser concervada a Municipalidade da Vila de Eiras e se aumentar o destrito da mesma aos motivos que naquela Reprezentação se expuzerão acrecenta a Camera actual que os povos se achão habituados desde antiquisemos tempos a ter ahi Corpo Municipal que proveja sobre as necidades e vantagens dos mesmos povos e não seria justo que num Governo Reprezentativo em que os povos gozão de maores Liberdades e Vantages se lhe tirasse aquella Regalia sendo certo que nas Instruçoens para a convocação das Juntas Geraes se mandassem atender áquelles habitos e Costumes Acresce que sendo o Destrito da Camera de Eiras augmentado com os povos que refere a Reprezentação juntos gozão os povos riunidos maiores vantagens com lhe ficarem mais próximo o Corpo Municipal a quem recorrão e pode ate formarce ahi huma boa Guarda Nacional que estando vezinha da desta Cidade lhe pode munto bem servir de apoio e auxilio e he certo que se deve tambem ter em vista a comudidade dos povos e o milhor serviço publico. Por outra parte nenhum perjuizo rezulta ao publico nem ao Thezouro de concervar aquella Camera e portanto não devem os povos ser privados de cumodidades cuja concervação cauza perjuizo antes vantagens para elles e para os que se reonirem de novo. São mum ponderozos estes motivos todos para merecerem a atenção da Junta Geral do Destrito. Eiras em sessão de Camera Municipal de 15 de Junho de 1836». Seguem‑se ass autografas

Apêndice Documental e Anexos

ANEXOS ANEXO I – Posturas do Concelho de Eiras, 1789‑1803 POSTURAS GADO DESCRIÇÃO

VALOR DA CONDENAÇÃO (em reis)

1º ACORDÃO

CONFIRMAÇÕES

‑ Gado miúdo nas vinhas do Sezem ou em qualquer parte

500

1789

‑ Gado graúdo nas vinhas do Sezem 500 por cada cabeça

1789

‑ Gado de qualquer qualidade andando no Prazo de Dona Christova por cabeça

50

1789

100

1789

1790

240

1789

1790

50

1789

1790

‑ Gado graúdo achado nas terras de…debaixo por cabeça

‑ Cabeça de cabra achada a fazer dano em qualquer novidade por cabeça

‑ Todo o Gado achado no Sitio da Costa por cabeça

1790

‑ Todo o rebanho de gado de fora achado dentro do limite da vila

De dia: 1200 De noite: 2400 500

1790

‑ Toda o gado que for achado a pastar no cimo da terra do Capitão Antonio Joze de Oliveira

100

Id.

200

1791

De dia: 500 De noite: 1200

1791

1792

1792 – só 50 1793 – só se entende gado miúdo

‑ Todo o gado que atravessar o olival da fonte sem licença do seu dono

‑ Cada cabeça de gado miúdo achado a comer azeitona

‑ Cada rebanho da terra achado a comer azeitona

1791

‑ Cada rebanho de fora achado a comer azeitona

De dia: 100 De noite: 2400 100

1791

‑ Toda a Cabeça de Gado de qualquer qualidade que for achada nas Almoinhas

50

1791

1792

100

1791

600

1791

1792: só 50 1793: de novo 100

1791

1792

200

1791

1792

‑ Cada Cabeça de Gado graúdo achado a comer miunças em qualquer seara antes que seu dono o tire

‑ Toda a Cabeça de Gado Graúdo achado a pastar em vinhas

‑ Todo o rebanho de gado miúdo

‑ Todo rebanho até 5 cabeças sendo da terra

‑ Todo o rebanho até 5 cabeças sendo de fora

50

1792

513

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

514

‑ Toda a Cabeça de gado graúdo 100 achado na Barroca de Valoure até ao Zambugeiro estando as terras afrutadas ‑ Toda a Cabeça de Gado miúdo em 50 qualquer novidade e vinhas ‑ Id…Gado graúdo 100

1792

1793: só 50

‑ Todo o Rebanho de Gado miúdo achado a pastar em qualquer novidade deste termo ‑ Id…por Cabeça

200

1794

20

1794

1795‑1797

‑ Todo o Rebanho de Gado Graúdo achado a pastar em qualquer novidade ‑ Id…por cabeça

100

Id.

Id.

50

Id.

Id.

‑ Porcos e cães andando comendo uvas ‑ Andando qualquer gado sendo Junta de Bois pastando na terra de Joze Joaquim de Cozelhas nas Milharadas enquanto estiver em pouzio para evitar fazer dano ‑ Toda a cabeça de gado graúdo da terra que atravessar pela fazenda do Padre Antonio da Fonte ‑ Id….por cada Junta de Bois

100

Id.

Id.

1000

1797

1798

50

1797

1798

100

Id.

Id.

‑ Id….por cada Junta de Bois de fora 200

Id.

Id.

‑ Todo o Boi ou Besta que for achada 100 em vinhas desde o 1º de Março até 1º Outubro ‑ Id…Rebanho de gado miúdo 500

1799

1800

‑ Id…cada cabeça de gado miúdo não chegando a dez ‑ Todo o gado miúdo por cabeça achado em vinhas ou em qualquer novidade em todo o ano ‑ Todo o Coxino achado nas Almoinhas vindo ao curral não será solto sem pagar seu dono ‑ Todo o gado achado na Barroca de Valoure havendo fruta ‑ Todo o gado por cabeça que for achado em vinhas ou novidades (acordaram no entanto «…que nam fosse acoimado o gado que andar pastando em pouzios e Matos…» ‑ Todo o Rebanho de gado miúdo achado dentro do limite e das aredas para dentro sendo preso ‑ Id…sendo de fora da Vila e não sendo preso

50

Id.

30

1800

1801

100

1800

1801

100

Id.

Id.

50

1800

Ao arbitrio dos vereadores

1802

1803

300

Id.

Id.

1793 1793

1799

Apêndice Documental e Anexos

‑ A requerimento do Dr. Antonio da 1000 Silva, acórdão que cada cabeça de gado miúdo achado na sua fazenda, de vinhas, trigos e mais generos

1802

POSTURAS PESSOAS

DESCRIÇÃO

VALOR DA CONDENAÇÃO

1º ACORDÃO

CONFIRMAÇÕES

‑ Toda a pessoa que tiver boeiros será obrigada a tê‑los abertos

500

1789

1790

‑ Toda a pessoa achada a apanhar erva nas terras de …debaixo por cada vez.

200

Id.

Id.

‑ Toda a pessoa achado a apanhar repolho de folhas

50

Id.

Id.

‑ Todo o carreiro que faltar ao arranjo do Caminho do Serado

200

Id.

Id.

‑ Todo o trabalhador que faltar ao arranjo do Caminho do Serado

100

Id.

Id.

‑ Toda a pessoa achada a cortar varas ou paus em arvores ou combaros

100

1789

1790: 500

‑ Toda a mulher achada apanhar 500 erva para vender, em trigos e vinhas favas e ervilhais

Id.

1790

‑ Toda a pessoa que passar de pé ou 500 com carro pelas fazendas deixando a estrada

1790

1791

‑ Toda a pessoa achada a lavar roupas ou hortaliça ou «…fazer suas emundisses tanto na levada como no tanque da fonte»

240

Id.

Id.

‑ Toda a pessoa que passar de pé ou A pé: 100 com carro pela terra de Bernarda de De Carro: 500 Almeida ao fundo da Roça, estando afrutada

Id.

Id.

‑ Toda a pessoa achada a apanhar laranjas em qualquer sitio

De dia: 500 De noite: 1000

Id.

Id.

‑ Toda a pessoa que arrancar estacas Id. e apanhar lenha pelos rios

Id.

Id.

‑ Toda a pessoa achada a apanhar figos, frutos e nozes

240

Id.

Id.

‑ Todo o Carreiro que for achado a dar água aos bois no tanque da fonte estando com carro

500

1790

1791: 1000

‑ Toda a pessoa que lançar mato pelas ruas publicas

50

1790

‑ Toda a pessoa achada apanhando azeitona basta em qualquer olival deste limite

500

1791

200

1791

‑ Toda a pessoa achada a apanhar miunças em qualquer seara antes que seu dono o tire

1792‑1793

515

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

516

200 ‑ Toda a pessoa que andar apanhando ervas nos trigos sevados, favais e mais novidades para vender ‑ Qualquer pessoa achada a apanhar 200 ervas para qualquer gado 50 ‑ Toda a pessoa que atravessar o cham chamado das Lamarozas

1791

1792

1791

1792‑1793

1791

500

1791

1792: e pelas mais fazendas 200 1793 1792‑1793

200

1791

Id.

2000

1791

Id.

1000

Id.

Id.

100

Id.

Id.

300 500

Id.

Id.

50

1792

1793

200

Id.

Id.

200

Id.

Id.

500

Id.

1793 – 100

500

Id.

1793

‑ Toda a pessoa que for a caça com cães de Março para diante, sendo achados em vinhas ‑ Toda a pessoa achada apanhar grãos favas ervilhas e chixaros pelos alqueves ‑ Toda a pessoa achada a cavar barro no Barreiro de D. Thereza Joaquina Coutinho no sitio de Moutragil, por ordem do Dr. Corregedor ‑ A pessoa que tapar o aqueduto do sitio do Zambujeiro ‑ Todo o trabalhador que faltar à feitura de caminho nesta vila e seu termo ‑ Id…carreiro ‑ Toda a pessoa de fora da vila e seu termo achada a apanhar erva e lenhas ‑ Toda a pessoa que passar pela vinha das varzias do Capitão Joze Antonio ‑ Toda a pessoa que passar pela vinha da Roza ‑ Toda a pessoa que destapar a água de rega que corre detrás da Igreja nova pela azinhaga de entre Maria de Jezus e Thereza Siencia ‑ A requerimento do Dr. Antonio Joze Fernandes da Silva – toda a pessoa, carro ou carreiro que passar pela sua fazenda da fonte do am ‑ Toda a pessoa que andar com machados cortando nos pés dos pinheiros DESCRIÇÃO ‑ Toda a pessoa que tiver boeiros será obrigada a tê‑los abertos sob pena de ‑ Toda a pessoa achada a apanhar erva nas terras de …debaixo por cada vez.

POSTURAS PESSOAS VALOR DA 1º ACORDÃO CONDENAÇÃO 500 1789

1790

200

Id.

Id.

CONFIRMAÇÕES

Apêndice Documental e Anexos

‑ Toda a pessoa achado a apanhar repolho de folhas ‑ Todo o carreiro que faltar ao arranjo do Caminho do Serado ‑ Todo o trabalhador que faltar ao arranjo do Caminho do Serado ‑ Toda a pessoa achada a cortar varas ou paus em arvores ou combaros ‑ Toda a mulher achada apanhar erva para vender, em trigos e vinhas favas e ervilhais ‑ Toda a pessoa que passar de pé ou com carro pelas fazendas deixando a estrada ‑ Toda a pessoa achada a lavar roupas ou hortaliça ou «…fazer suas emundisses tanto na levada como no tanque da fonte» ‑ Toda a pessoa que passar de pé ou com carro pela terra de Bernarda de Almeida ao fundo da Roça, estando afrutada ‑ Toda a pessoa achada a apanhar laranjas em qualquer sitio ‑ Toda a pessoa que arrancar estacas e apanhar lenha pelos rios ‑ Toda a pessoa achada a apanhar figos, frutos e nozes ‑ Todo o Carreiro que for achado a dar água aos bois no tanque da fonte estando com carro ‑ Toda a pessoa que lançar mato pelas ruas publicas ‑ Toda a pessoa achada apanhando azeitona basta em qualquer olival deste limite ‑ Toda a pessoa achada a apanhar miunças em qualquer seara antes que seu dono o tire ‑ Toda a pessoa que andar apanhando ervas nos trigos sevados, favais e mais novidades para vender ‑ Qualquer pessoa achada a apanhar ervas para qualquer gado ‑ Toda a pessoa que atravessar o cham chamado das Lamarozas

50

Id.

Id.

200

Id.

Id.

100

Id.

Id.

100

1789

1790: 500

500

Id.

1790

500

1790

1791

240

Id.

Id.

A pé: 100 De Carro: 500

Id.

Id.

De dia: 500 De noite: 1000 Id.

Id.

Id.

Id.

Id.

240

Id.

Id.

500

1790

1791: 1000

50

1790

500

1791

200

1791

1792‑1793

200

1791

1792

200

1791

1792‑1793

50

1791 1791

1792: e pelas mais fazendas 200 1793 1792‑1793

1791

Id.

‑ Toda a pessoa que for a caça com 500 cães de Março para diante, sendo achados em vinhas ‑ Toda a pessoa achada apanhar 200 grãos favas ervilhas e chixaros pelos alqueves

517

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

‑ Toda a pessoa achada a cavar barro no Barreiro de D. Thereza Joaquina Coutinho no sitio de Moutragil, por ordem do Dr. Corregedor

2000

1791

Id.

‑ A pessoa que tapar o aqueduto do sitio do Zambujeiro

1000

Id.

Id.

‑ Todo o trabalhador que faltar à feitura de caminho nesta vila e seu termo

100

Id.

Id.

‑ Id…carreiro

‑ Toda a pessoa de fora da vila e seu termo achada a apanhar erva e lenhas

300 500

Id.

Id.

‑ Toda a pessoa que passar pela vinha das varzias do Capitão Joze Antonio

50

1792

1793

200

Id.

Id.

‑ Toda a pessoa que destapar a água 200 de rega que corre detrás da Igreja nova pela azinhaga de entre Maria de Jezus e Thereza Siencia

Id.

Id.

‑ A requerimento do Dr. Antonio 500 Joze Fernandes da Silva – toda a pessoa, carro ou carreiro que passar pela sua fazenda da fonte do am

Id.

1793 – 100

‑ Toda a pessoa que andar com machados cortando nos pés dos pinheiros

500

Id.

1793

‑ Toda a pessoa que for vista a fazer 500 imundisses dentro do adro da Igreja Nova

Id.

Id.

‑ Toda a pessoa que se vir passar por qualquer fazenda estando murada ou combarada

200

1793

‑ A requerimento do Reverendo Dr. António Joze Fernandes da Silva – toda a cabeça de gado graúdo que for achada no tanchoal no sitio da Redonda ou em qualquer parte qie seja abanar ou a roçar nas tanxas

200

Id.

‑ Toda a pessoa que atravessar pello 200 passal ao fundo da rua para azenha de baixo

Id.

‑ Os donos dos aquedutos que em acto de correisão os não tiverem abertos sendo achados tapados

500

1794

1795‑1796

‑ Que toda a pessoa que passar por qualquer fazenda sendo tapada

50

Id.

Id.

200

Id.

1795‑1796 1797: 100

‑ Toda a pessoa que passar pela vinha da Roza

518

‑ Toda a pessoa que atravessar com bois e carro deixando a estrada e estando afrutada

Apêndice Documental e Anexos

‑ Toda a pessoa que for achada 200 apanhar erva pelos favais e ervilhais sevados trigos e mais novidades

Id.

1795‑1797

‑ Toda a pessoa que apanhar miunças sem que os donos das searas tenham tirado os bens

50

Id.

1795‑1796

‑ A requerimento do Povo: toda a pessoa que vá passar de Lordemão pelo Tojal deixando a estrada e atravessando pelas vinhas e principalmente pela fazenda de Fortunato Joze Xavier

200

1795

‑ Toda a pessoa que for achada a apanhar erva pelos trigos sem licença de seus donos

100

1796

1797‑1798

‑ Toda a pessoa que atravessar pela A pé: 100 fazenda de Bernardo de Almeida ao De carro: 200 fundo da rua

Id.

1797

‑ Toda a pessoa que passar ou atravessar pela Quinta de D. Caetana ao fundo da rua, não sendo arrendatários

1797

1798

‑ Toda a pessoa que for vista a fazer 500 imundisses dentro do adro da Igreja Nova

Id.

Id.

‑ Toda a pessoa que se vir passar por qualquer fazenda estando murada ou combarada

200

1793

‑ A requerimento do Reverendo Dr. António Joze Fernandes da Silva – toda a cabeça de gado graúdo que for achada no tanchoal no sitio da Redonda ou em qualquer parte qie seja abanar ou a roçar nas tanxas

200

Id.

‑ Toda a pessoa que atravessar pello 200 passal ao fundo da rua para azenha de baixo

Id.

‑ Os donos dos aquedutos que em acto de correisão os não tiverem abertos sendo achados tapados

500

1794

1795‑1796

‑ Que toda a pessoa que passar por qualquer fazenda sendo tapada

50

Id.

Id.

‑ Toda a pessoa que atravessar com bois e carro deixando a estrada e estando afrutada

200

Id.

1795‑1796 1797: 100

‑ Toda a pessoa que for achada 200 apanhar erva pelos favais e ervilhais sevados trigos e mais novidades

Id.

1795‑1797

‑ Toda a pessoa que apanhar miunças sem que os donos das searas tenham tirado os bens

Id.

1795‑1796

100

50

519

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

‑ A requerimento do Povo: toda a pessoa que vá passar de Lordemão pelo Tojal deixando a estrada e atravessando pelas vinhas e principalmente pela fazenda de Fortunato Joze Xavier

200

1795

‑ Toda a pessoa que for achada a apanhar erva pelos trigos sem licença de seus donos

100

1796

1797‑1798

‑ Toda a pessoa que atravessar pela A pé: 100 fazenda de Bernardo de Almeida ao De carro: 200 fundo da rua

Id.

1797

‑ Toda a pessoa que passar ou 100 atravessar pela Quinta de D. Caetana ao fundo da rua, não sendo arrendatários

1797

1798

OUTRAS POSTURAS

DESCRIÇÃO ‑ Todo o carro que passar ou atravessar pelo olival da fonte do Am sem licença de seu dono

520

VALOR DA CONDENAÇÃO 500

1º ACORDÃO

CONFIRMAÇÕES

1790

1791

‑ Que as aredas deste ano se entendem desde «…a Careira das Egoas que hé a baroca de valoure direito ao Zambojeiro ao queimado direito a eiras de Val de Seixo…»

1791

1793

‑ Requereu Antonio Joze da Conceiçom dos cazais que andando os seus bois na sua fazenda que pessue no Val da Pedrulha nam ser condenado

1792

‑ Que o Carreiro sito na Costa que se dirige para os Covoins deve ser barbiado pelos respectivos donos das testadas para se poder vadear em emquanto assim não for feito não será ninguem condenado passando por outra parte

1792

‑ Não deve ser acoimados os gados andando em pousio seja graúdo ou miúdo e só andando em novidades ou vinhas

1792

‑ As águas que sempre correram entre Joze Marques Carpinteiro e Antonio Rodrigues Roivo vinham encaminhadas por aquele sitio abaixo direitas ao caminho se encaminhem para este sitio pois a tempos a esta parte as tem lançado pelo caminho abaixo fazendo valados achando‑se o caminho incapaz de semeadura

1794

1795

Apêndice Documental e Anexos

‑ As águas que dos Alqueves vai ter ao caminho que vai para o campo, no sitio da Cruz dos Trosviscais se metam na barroca entre o Caminho que vai para a ponte e as ledas no futuro próximo e primeiro caminho que se fizer se porá em termos que não prejudique a estrada 500 ‑ As águas que no sitio do Zambujeiro se acham retidas no caminho se lhe dê corrente de sorte que o caminho fique nos termos de se poder vadear sem grande prejuízo do público e se os respectivos donos assim o não fizerem ‑ Que não deve ser condenado Joaquim Marques e sua familia ao atravessar qualquer terra indo para a sua fazenda dos Covoens ‑ Não ficaria coimeira a erva que se 500 apanhar pelos aos lavradores da terra, mas aos de fora

1794

1795‑1796

1794

1795‑1796

1797

1798

1803

1804

521

FREGUESIA de EIRAS: a sua História (do século décimo ao séc. xxi)

ANEXO 2 – Juízes do Crime em Eiras, 1719‑1807 (811) Data 12‑01‑1719 15‑01‑1720 22‑02‑1722 1723 21‑01‑1725 28‑04‑1726 11‑01‑1727 24‑01‑1728 13‑02‑1729 05‑03‑1730 19‑02‑1731 29‑03‑1732 10‑02‑1733 12‑01‑1734 22‑01‑1744 25‑01‑1745 11‑03‑1746 03‑03‑1748 20‑04‑1749 05‑01‑1750 1756 26‑01‑1757 03‑02‑1776 19‑01‑1777 07‑01‑1781 21‑01‑1787 12‑01‑1788 02‑04‑1789 08‑01‑1791 15‑01‑1792 06‑07‑1793 Janeiro 1794 01‑02‑1795 22‑01‑1796 13‑03‑1799 25‑01‑1803 02‑01‑1804 03‑01‑1805 13‑01‑1805 05‑02‑1807

522

Juiz do Crime Antonio Roiz Mosso (Eiras) Antonio Mosso Bento Lopes da Cunha Manoel da Cunha Leyte Antonio Roiz Moço João Ferreira João Ferreira João de Abreu João Ferreira João Ferreira João de Abreu das Neves Antonio Fernandez João Francisco de Bastos Antonio Ferreira Antonio Fernandes Thomas Joam Francisco de Bastos Joam Francisco dos Santos João Francisco dos Santos João Marques Mosso o Velho Bento da Cunha Ignacio Bento da Cunha Ignacio Bento da Cunha Ignacio Joze Carllos Peixotto Joze Carllos Peixotto Joaquim de Magalhães Castebranco Antonio Bernardes o Moco Antonio Bernardez Luis Bernardes Antonio Bernardez Cardozo Antonio Bernardez Cardozo Antonio Bernardez Cardozo Luis Bernardes Cardozo Antonio Bernardez Luis Bernardes Cardozo Antonio Almeida Francisco Martins Joze Marques Novo Joze Marques Novo Joze Bernardo Coutinho Joze Marques Novo

Tabela elaborada com base nos seguintes livros: Livro dos Juramentos das Justiças dos Concelhos do Termo de Coimbra 1719‑1723, 1723, 1733, 1723‑1728, 1728‑1733, 1742‑1750, 1755‑1757, 1776, 1780‑1782, 1786‑1789, 1790, 1791, 1792, 1793, 1794, 1795, 1796, 1797, 1799, 1800, 1801‑1803, 1803, 1804, 1805‑1807, 1807‑1812, 1814, 1815, 1829.

811

Apêndice Documental e Anexos

523

Foto 185 – O Brasão de Eiras, lavrado por José Alcides Pereira, Setembro 2008

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