Função social da empresa

July 22, 2017 | Autor: Andre Luis Vieira | Categoria: Sustainable Development
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PRESERVAÇÃO AMBIENTAL versus DESENVOLVIMENTO: uma ponderação de valores à luz da função social da empresa.1

ANDRÉ LUÍS VIEIRA

“O capitalismo dita inortodoxias, dissolve padrões sociais tradicionais e aplica medidas comerciais e boa parte da vida. Por isso, a sociedade capitalista deve desenvolver também um forte sistema de valores.” Henry Analote Grunwald

RESUMO: Este trabalho busca traçar considerações acerca da conceituação e da contextualização do desenvolvimento sustentável, na ordem constitucional, mediante a técnica da ponderação de interesses necessária ao equilíbrio entre preservação ambiental e desenvolvimento. Nesse sentido, buscou-se no instituto da função social da empresa o pressuposto lógico necessário para traçar o papel e as responsabilidades da atividade empresarial na ponderação dos valores constitucionalmente protegidos. Para isso, apresentou-se, também, o panorama da defesa do meio ambiente enquanto princípio conformador da ordem econômica, além das especificidades jurídicas e interpretativas da técnica da ponderação de interesses. Justifica-se, assim, a escolha do presente tema, devido à crescente discussão acerca da gestão eficaz dos recursos ambientais, mudando a lógica do homem versus natureza para a ética do homem plus natureza, sob pena de não se garantir as condições sociais dignas de continuidade da vida humana. PALAVRAS-CHAVE: Preservação ambiental. Desenvolvimento. Função Social da empresa. Ponderação de valores constitucionais. ABSTRACT: This article attempts to make some considerations about the concept and the context of sustainable development, constitutional order, through the technique of balancing of interests required to balance between development and environmental preservation. Accordingly, we sought to institute the social function of the enterprise logical assumption needed to delineate the role and responsibilities of business activity in the balancing of constitutionally protected values. For this, presented also the landscape of environmental protection as a principle conformer economic order, in addition to the specific legal and technical interpretation of the balance of interests. Justified, so the choice of this topic due to the growing discussion about the effective management of environmental resources, changing the logic of man versus nature to man's ethical nature plus, otherwise will not be worthy social conditions ensure continuity of human life. KEYWORDS: Environmental Conservation. Development. Social business function. Balance of constitutional values.

1 Artigo enviado para publicação na Revista Fórum de Direito Urbano e Ambiental (FDUA) – Editora Fórum, em 02 de Junho de 2014.

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SUMÁRIO: I. Introdução. II. Função social da empresa e desenvolvimento sustentável. III. A defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica. IV. A técnica da ponderação de interesses e valores constitucionais: preservação ambiental versus desenvolvimento. V. Conclusão. VI. Referências bibliográficas.

I. INTRODUÇÃO O ensaio, ora proposto, busca fundamentar jurídica, econômica e socialmente, as condicionantes constitucionais que cercam a temática preservação ambiental e desenvolvimento, apresentando, brevemente, as hipóteses de subsunção do fato à norma que ensejam a responsabilidade social e ambiental da empresa, em todas as suas formas. Tal perspectiva não se impõe apenas por meio da suscitada subsunção, quando da ocorrência do dano ao ambiente, havendo a necessidade de se ponderar as condicionantes sociais e econômicas que figuram como pano de fundo da função social da empresa. A motivação para propor o presente trabalho se deve às constatações de que as ações econômicas, muitas vezes no limite do alcance eficaz do Poder Público, determinam prejuízos ecológicos, beirando o limiar da irreversibilidade da degradação ambiental, comprometendo os primados do meio ambiente ecologicamente equilibrado e da sadia qualidade de vida da população. Outra análise que se pretende neste trabalho reside na abordagem das dificuldades de equilíbrio do discurso socioambiental e econômico atual, particularmente no contexto do ordenamento constitucional, onde o ecossistema, que tem reconhecido seu papel de direito fundamental na manutenção da sadia qualidade de vida, está sofrendo transformações sucessivas e potencialmente perigosas, com prejuízos incomensuráveis para a vida humana. Em seguida, buscar-se-á abordar criticamente o pensamento econômico moderno, fundado em uma lógica individualista e dissociante; examinando-se novas perspectivas de atuação econômica da empresa, haja vista sua função social. Finalmente, serão tecidas considerações que reforçam e justificam a necessidade de uma contenção do processo desenfreado de degradação ambiental, com ênfase aos mecanismos de ponderação de interesses e valores constitucionalmente tutelados, na ótica do caso posto. Tais considerações terão o condão de afirmar a maior efetividade do papel das condicionantes e hipóteses da responsabilidade social e ambiental da empresa, como elemento incentivador de uma postura mais sustentável em relação à sadia qualidade de vida e à proteção dos bens ambientais. A equação que se apresenta infere a implantação de estudos mais aprofundados nesta seara, isto porque, sendo a responsabilização um fenômeno arraigado no seio na sociedade moderna, com atuação básica sobre fatos econômicos, sua conduta deveria encontrar-se de acordo com princípios básicos estabelecidos pelo reflexo da atividade econômica sobre o meio ambiente e, por isso mesmo, objeto das teorias de responsabilidade ambiental das empresas. Conforme a abordagem adotada, estudar-se-ão alguns questionamentos existentes na compatibilização da ordem econômica constitucional, notadamente em seu art. 170, incisos III e VI, que tratam dos princípios da função social da propriedade e da defesa do meio ambiente, com a ordem ambiental preceituada no bojo do art. 225.

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O presente estudo pretende, também, fundamentar no escopo constitucional a exigência de respeito pelo meio ambiente, face à atividade empresarial na exploração indiscriminada dos recursos naturais, enfatizando os aspectos nocivos da poluição, cometidos em nome da liberdade e da competitividade de mercado, perpetuando crimes hediondos contra a natureza que, em última instância são cometidos contra a própria sociedade.

II. FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL O empresário, na condição de agente condutor da atividade empresarial, tem deveres decorrentes da lógica jurídica presente no instituto da função social da empresa. Esta função, por sua vez, exige que tal agente caracterize sua atuação pelo comprometimento na busca da realização de objetivos institucionais imediatos e mediatos. Tal função encontra-se expressamente prevista no art. 472 da Lei nº 11.101/05, Lei de falências e recuperação judicial, assim como nos arts. 1163 e 1544 da Lei nº 6.404/76, Lei das Sociedades por Ações. Há igualmente, ainda, expressa indicação no Enunciado 53 do Conselho da Justiça Federal (CJF), onde, ao referir-se ao comando normativo do art. 966, do Novo Código Civil (NCC), Lei nº 10.406/02, aduz que se deve levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa. Os ditos objetivos institucionais ou societários imediatos residem na concretude a ser condida pelo próprio conceito de empresa. Esta entidade é compreendida, enquanto ente organizador dos meios de produção, capital e trabalho, como elemento utilizador de pessoas, processos e tecnologia, com o fim de obtenção de lucro, sob risco de não atingir a eficiência econômica, ensejadora da perpetuação de sua atividade-fim. Portanto, o termo empresa resta conceituado como entidade organizadora da atividade econômica, cujo objetivo volta-se para a produção e circulação de bens ou serviços, exercida profissionalmente pelo agente empresário, por meio de estabelecimento empresarial.5 Para Marlon Tomazette, o conceito de empresa tem uma forte concepção econômica, é ver: 2 BRASIL. Lei nº 11.101/05. Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. (sem grifo no original).

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BRASIL. Lei nº 6.404/76. Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. (sem grifo no original).

4 BRASIL. Lei nº 6.404/76. Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. § 1º O administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres.

5 TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Teoria Geral e Direito Societário. São Paulo: Atlas, 2008. v.1. p, 19.

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Dentro da nova ideia do direito empresarial, é fundamental precisar os contornos jurídicos da empresa. Todavia, para tal análise é fundamental passar pela ideia econômica da empresa. A noção inicial de empresa advém da economia, ligada à ideia central de organização dos fatores de produção (capital, trabalho, natureza), para a realização de uma atividade econômica. […] Por tratar-se de um conceito originalmente econômico, alguns autores pretendiam negar importância a tal conceito, outros pretendiam criar um conceito jurídico completamente diverso. Todavia, os resultados de tais tentativas se mostraram insatisfatórios, tendo prevalecido a ideia de que o conceito jurídico de empresa se assenta nesse conceito econômico, pois o fenômeno é o mesmo econômico, sociológico, religioso ou político, apenas formulado de acordo com a visão e a linguagem da ciência jurídica.6

Demonstrado que a lógica residente por detrás da formação do conceito de empresa é econômica, fica igualmente evidenciado que essa é regida pelo lucro que, por si só, justifica qualquer ação neste sentido, reduzindo todos os aspectos da vida empresarial à quantificações monetárias de eficiência e perdas. Com efeito, pode-se afiançar que objeto do direito empresarial é, enquanto conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da atividade empresarial, proporcionar aos empresários condições plenas para atuar como agentes fomentadores fundamentais ao desenvolvimento econômico. Justamente por isso, quando o legislador ordinário adotou, no âmbito do NCC, a Teoria da Empresa, buscou tratar a organização empresarial como elemento essencial à organização da atividade econômica, dada sua consideração pela estrutura organizacional, bem como pela relevância social dessa atividade. [...] Dependendo do ângulo de observação, pode ser dito que, subjetivamente, a empresa se confunde com o próprio empresário, sendo esta apenas a exteriorização dos interesses e das vontades daquele, mutatis mutandis aproximada da teoria ficcionista que Savigny desenvolveu para a pessoa jurídica, lembrada por Caio Mario da Silva Pereira. Numa analise objetiva, a empresa corresponde ao fundo de comércio, ou seja, ao conjunto de bens, materiais e imateriais, destinados ao exercício da empresa. Sob o ponto de vista institucional, a empresa é a conjugação dos esforços do empresário e dos seus colaboradores (empregados, assessores, fornecedores, divulgadores, etc), mirando um objetivo, abordagem similar a que pode ser feita do ângulo funcional, que significa a atividade empreendida no sentido de organizar e coordenar os segmentos de capital e trabalho.7

Contudo, seja por um aspecto moral, seja por uma ótica social, o lucro não pode ser levado à prioridade máxima, flagrantemente em desfavor dos interesses e valores constitucionalmente estabelecidos. Portanto, resta claro que há, na realidade dos fatos, extrema dificuldade da inserção da lógica econômica do lucro no contexto do desenvolvimento sustentável, onde é imperioso se destacar a função social da empresa, enquanto contraponto a lógica desprovida de compromissos sociais e ambientais. O problema está no modelo de econômico perpetrado pela exploração desenfreada dos recursos naturais, que definiu a lógica do lucro como elemento determinante das formas de produção e consumo que, consabido, nada tem de sustentável. Isso posto, urge introduzir no

6 Idem, p. 16.

7 CARVALHO. Ivan Lira de. A empresa e o meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, São Paulo. jan-mar. 1999. p. 13. 4

debate o viés ético da sustentabilidade, a fim de recompor equação do lucro, diante de um novo modelo de desenvolvimento, que se pretende dizer sustentável. Neste sentido, é a lição de Cristiane Derani: Descrevo o direito, a seu modo, a organização produtiva de uma sociedade. As normas jurídicas são a face coercitiva e incentivadora ou inibidora do desenvolvimento das relações econômicas e sociais, bem como a sua linguagem jurídica. A compreensão dos princípios da ordem econômica e ambiental, bem como a correta orientação para o desenvolvimento de políticas públicas apontadas pela norma jurídica encontram nessas teorias rico manancial, possibilitando viabilizar a utilização eficiente dos meios para se atingir os fins colimados. É do movimento das práticas econômicas lá identificadas, que retiram inspiração os políticos e juristas na realização do direito ambiental, seja do ponto de vista da pratica legislativa, como daquele de elaboração de políticas públicas. 8

Exsurge, pois, a importância dos objetivos societários mediatos, também tratados por extrasocietários, cuja premissa está baseada no dever de se empregar os meios de produção de modo a constituir-se como a forma mais útil à coletividade. Em regra, trata-se de poder-dever do agente empresário em conceber determinada destinação à sua empresa, de forma a compatibilizá-la com os interesses e fins sociais.9 Contudo, não se deseja que essa necessidade social se constitua em elemento limitador ao exercício regular da atividade empresarial; ao contrário, o que se visualiza é a proteção da coletividade contra a voracidade da lógica patrimonialista vigente no mercado. Assim, esses objetivos extrasocietários, os quais a função social da empresa se encontra umbilicalmente atrelada, podem ser explicados pela explicitação de alguns exemplos, a saber: recolhimento de tributos; geração de renda e distribuição de bens e riquezas; manutenção da livre iniciativa e da liberdade de concorrência; efetividade do princípio da busca do pleno emprego; dentre tantos outros, quando analisado de forma sistêmica o panorama econômico nacional. Tomando-se por base o princípio da busca do pleno emprego, enquanto norma objetivo de conteúdo programático e retórico a compor a ordem econômica constitucional, ex vi art. 170, inc. VIII, CF/88, a função social da empresa é essencial como fator indutor na manutenção dos níveis de trabalho no país. Falência e recuperação judicial. Inexistência de ofensa aos arts. 1º, III e IV, 6º, 7º, I, e 170, da CF de 1988. (...) Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial. Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão de créditos trabalhistas. Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho.10 (sem grifo no original)

8 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 60. 9 TOMAZETTE, Op. Cit., p. 19. 10 BRASIL. STF. ADI 3.934, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 27-5-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009.

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Dito isso, vale ressaltar que Lafayete Josué Petter leciona que o instituto da função social da empresa caracteriza-se como decorrência lógica do princípio econômico constitucional da função social da propriedade, inserto no art. 170, inc. III, da CF/88. Assim, válida é a lição: Toda empresa cumpre uma função social no sentido sociológico do termo. A questão intitulada, por outro lado, diz respeito à existência, ou não, de uma normatividade, em sede constitucional, respeitante à função social da empresa. E a resposta haverá de ser positiva, pois na medida em que a propriedade, segundo o dispositivo sob comento, deve atender à função social, e não tendo havido distinção entre qualquer espécie de propriedade, por certo aqui se inclui a propriedade empresária. Igual conclusão pode ser extraída do fato de que a Constituição, ao contemplar a propriedade privada como um princípio da atividade econômica, quis reafirmar a opção pelo sistema capitalista, em que a apropriação privada dos meios de produção constitui o modo principal de se atingir o desenvolvimento. Destarte, ao estabelecer a propriedade privada e a função social da propriedade como princípios da ordem econômica, conferiu à propriedade empresária uma função social, ficando toda a normatividade legal imantada por esta singular opção constitucional […]. 11

Vê-se então que, muito embora o exercício da atividade empresarial seja livre, consoante o ordenamento constitucional (art. 1º, IV c/c art. 170, caput), o empresário estará vinculado ao cumprimento de sua função social para atender aos interesses da sociedade, constitucionalmente tutelados. Neste particular, vale dizer, que a função social da empresa caracteriza-se como dever jurídico indissociável e amplificador, por extrapolar, via de regra, o exercício do direito subjetivo do empresário ou do sócio à condução dos rumos da atividade empresarial, em face de seus próprios interesses. O alcance dessa extrapolação é concretizar vantagens efetivas para a composição dos anseios sociais. A função social da empresa, portanto, não retira a carga de liberdade que a sociedade empresária tem de agir em face do interesse próprio de seus sócios, apenas agrega valores e interesses sociais a essa atuação. Por oportuno, não há que se falar em função social da empresa, sem se levar em conta a necessidade de afirmar que dentro deste conceito existe uma vertente ambiental, dado o interesse social primário em conviver em um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Afirma Ivan Lira de Carvalho que “dos tópicos ora comentados, pode advir a conclusão que a empresa moderna tem que estar afinada com os anseios sociais, que são cada dia mais presentes em termos ambientais. A permanência de uma empresa no mercado passa, inexoravelmente, pela sua capacidade gerencial em adequá-la a esses desafios.”12 Cabe, então, abarcar a perspectiva da responsabilidade social da empresa, em face dos desafios que a questão ambiental impõe à modernidade. O conceito de responsabilidade social corporativa (RSC) está associado ao reconhecimento de que as decisões e os resultados das atividades das companhias alcançam um universo de agentes sociais muito mais amplo do que o composto por seus sócios e acionistas (shareholders). Desta forma, a responsabilidade social corporativa, ou cidadania empresarial, como também é chamada, enfatiza o impacto das atividades das empresas para os agentes com os quais interagem (stakeholders): empregados, fornecedores, clientes, consumidores, colaboradores, investidores, competidores, governos e comunidades.

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PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado do alcance do art. 170 da Constituição Federal. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p 242.

12 CARVALHO. Op. Cit., p. 13. 6

Este conceito expressa compromissos que vão além daqueles já compulsórios para as empresas, tais como o cumprimento das obrigações trabalhistas, tributárias e sociais, da legislação ambiental, de usos do solo e outros. Expressa, assim, a adoção e a difusão de valores, condutas e procedimentos que induzam e estimulem o contínuo aperfeiçoamento dos processos empresariais, para que também resultem em preservação e melhoria da qualidade de vida das sociedades, do ponto de vista ético, social e ambiental.13

Nesse passo, rememora-se o fato de que o art. 3º da Lei nº 6.938/81, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (LPNMA), elenca as hipóteses legais de ocorrência de dano ambiental, ao dispor que a poluição é a degradação ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Pois bem, é neste contexto que se problematiza, quanto à extensão do dano ambiental material (patrimonial) ou moral (extrapatrimonial), quais serão as condicionantes de aplicação das teorias da responsabilidade ambiental da empresa em face das hipóteses legalmente eleitas, ponderadas com nuances sociais e econômicas, valendo-se, para isso, reafirmar que o STJ considera imprescritível a pretensão para reparação do dano ambiental, sob os fundamentos de que o meio ambiente deve ser protegido para as presentes em futuras gerações e, ainda, que os danos ambientais tem natureza permanente. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. ANÁLISE DE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA POR ESTA CORTE SEM PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. O acórdão recorrido, que julgou o agravo de instrumento do recorrente, tratou exclusivamente da prescrição. Mesmo questões de ordem pública (legitimidade passiva) não podem ser analisadas em Recurso Especial se ausente o requisito do prequestionamento. Precedentes do STJ. 2. É cediço que o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas, ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão, o que de fato ocorreu. Não violação do art. 535 do CPC. 3. O Tribunal a quo entendeu que: "Não se pode aplicar entendimento adotado em ação de direitos patrimoniais em ação que visa à proteção do meio ambiente, cujos efeitos danosos se perpetuam no tempo, atingindo às gerações presentes e futuras." Esta Corte tem entendimento no mesmo sentido, de que, tratando-se de direito difuso - proteção ao meio ambiente -, a ação de reparação é imprescritível. Precedentes. Agravo regimental improvido.14 (sem grifo no original)

13 BRASIL. BNDES. Relato Setorial nº 1,

EMPRESAS, RESPONSABILIDADE CORPORATIVA E INVESTIMENTO SOCIAL uma abordagem introdutória, 2000. Disponível em: . Acesso em: 10 de julho de 2013.

14 BRASIL. STJ. AgRg no REsp 1150479/RS 2009/0142399-0. Rel. Min. Humberto Martins. Segunda Turma. Data do Julgamento: 04/10/2011. Data da Publicação/Fonte: DJe 14/10/2011.

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Desta forma, uma pergunta se apresenta. É a responsabilidade ambiental da empresa, em todas as suas variantes, civil, penal e administrativa, fenômeno eminentemente jurídico, julgado com observância apenas à luz do ordenamento infraconstitucional, ou merece ser ponderada com aspectos socioeconômicos, constitucionalmente considerados? Entende-se, pois, que a resposta é complexa e exigirá sempre, mesmo diante da normatividade posta no ordenamento vigente, uma necessária ponderação de interesses e valores constitucionais e sociais, diante do caso concreto. […] O grau de complexidade da vida moderna e a interdependência crescente entre as pessoas, mormente nos grandes conglomerados urbanos, a exploração de recursos naturais e os processos de agigantamento das atividades empresariais, a sempre crescente participação do Estado, quer na economia, quer atuando com vistas ao atendimento das necessidades públicas, tudo isso, e outra dezena de fatores que poderiam ser enumerados, concorreram para a ampliação de situações onde as pessoas eventualmente fossem lesadas, mas onde era impossível definir com precisão a culpa do agente causador do dano. Reconhecia-se a existência deste, reconhecia-se que alguém havia sido lesado, todavia permanecia a vítima indene pela impossibilidade de se apontar com segurança o requisito de culpa do agente. [...] Assim, se não existe limitação ao engenho humano, no que diz respeito à atividade empresarial, sérios e inúmeros são os riscos aos quais esse segmento se expõe, vulnerando também a sociedade. A reparação é inevitável […]. [...] A preocupação com o respeitável posicionamento das empresas perante a sociedade consumidora e crítica vai além dos livros. Por exemplo: o Foro Empresarial, organização não-governamental, que tem por fito a congregação de ideias calcadas no livre mercado, fez publicar na sua home page as sugestões de ação na área de desenvolvimento econômico sustentável, a saber: examinar a responsabilidade do setor privado na preservação do meio ambiente no hemisfério e a necessidade de maior conscientização do segmento empresarial com relação a importância do desenvolvimento sustentável; examinar as divergências e convergências das legislações nacionais sobre o meio ambiente e seus impactos sobre o comércio na região e elaborar sugestões para um processo de harmonização das legislações nacionais que evite transformá-las em barreiras ao comércio; enfocar a importância do desenvolvimento de recursos humanos da região, em nível condizente com as necessidades da economia globalizada. Isto requer forte compromisso com uma estrutura social sadia e habilitada às funções do mundo moderno. Indicar mecanismos de trabalho conjunto com os governos, principalmente nas áreas de educação, saúde e previdência social.15

Por se tratar de questão urgente para a sociedade brasileira, agravada por sua ocorrência em escala global, a tríade economia - meio ambiente - sociedade revela-se a principal vertente desta problemática. Nesse sentido, Cristiane Derani assim preleciona: A questão ambiental é, em essência, subversiva, posto que é obrigada a permear e a questionar todo o procedimento moderno de produção e de relação homem-natureza, estando envolvida com o cerne da conflituosidade da sociedade moderna. [...], diferenciando o pensamento ambiental superficial daquele mais profundamente comprometido com a proteção do meio ambiente. [...], o pensamento ambiental superficial preocupa-se, apenas, com um controle mais eficiente e um melhor gerenciamento do meio natural para utilização da humanidade. Enquanto que um pensamento ambiental mais consistente reconhece que o equilíbrio ecológico requer fortes mudanças sobre nossas concepções do papel do homem no ecossistema planetário.16

15 CARVALHO, Op. Cit., p.13. 16 DERANI, Op. Cit., p. 86.

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O senso comum exige que a reparação dos danos ambientais ocorra de forma integral, não se limitando ao mero ressarcimento de prejuízo ou ao pagamento de indenização, de qualquer forma, devida. Esse mesmo senso entende que tal reparação deve ser específica, conforme o caso concreto, buscando-se a restauração do bem ambiental tutelado ao status quo ante. “[...] Assim, comprometida com a existência digna das pessoas, não pode a ordem constitucional conduzir a atividade produtiva para caminhos que impliquem na diminuição da qualidade de vida da população, através de práticas poluidoras ou agressoras do meio ambiente, por exemplo”.17 Contudo, observa-se que existem investimentos públicos em recuperação ambiental, que seriam bastante minimizados se houvessem dispositivos políticos e sociais de controle dos desajustes que os causaram. Estas ações visam, tão somente, reparar estragos ocasionados por entes privados, que por diversas ocasiões não são chamados a cobrir os prejuízos sociais e ao meio ambiente, causados por suas atividades econômicas. A responsabilidade socioambiental das empresas vem sendo objeto de critica e desconfiança de muitos em razão de uma compreensão equivocada de que se trataria de uma mistura de filantropia empresarial com jogada de marketing para melhorar a imagem das empresas no mercado e obter diferentes vantagens competitivas. Não que isso não ocorra na prática. Ao contrário, é bem provável que haja muito mais ações de “maquiagem” socioambiental que de responsabilidade socioambiental. Mas este fato não neutraliza o valor desta última – suas premissas, seus valores, suas “ferramentas” e as práticas consistentes que se apresentam. […] Mediante ferramentas de gestão de RSE, constata-se um esforço crescente do meio empresarial em atender, ainda que de forma insuficiente, a condição de responsáveis pela viabilização dos direitos fundamentais, uma vez que a Constituição da República reconhece a ordem econômica o papel de promover a dignidade da pessoa humana e a justiça social e elenca, entre seus princípios, a função social da propriedade, a redução das desigualdades sociais, a defesa do consumidor e do meio ambiente.18

Assim, o presente ensaio propôs abordar a lógica acerca desta discussão, qual seja, o viés ambiental – econômico – social que perpassa toda a questão, apontando pela premência de mecanismos de controle para impor responsabilização à organização empresarial, causadora de dano ao ambiente, sanção proporcional devida, sem comprometer sua capacidade de atender a função social para a qual se destina. Em outras palavras, a função social da empresa deve garantir a geração de empregos, bens e riquezas; sem, contudo, deixar de emprestar efetividade à reparação do dano gerado e à reversão da degradação ambiental e, ainda, coibir a possibilidade de ocorrências de outras atividades danosas ao ambiente natural.

III. A DEFESA DO MEIO AMBIENTE COMO PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA A Carta Política de 1988 traz em sua estrutura o art. 170, que, situado no Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica), por sua vez inserido no Título VII (Da Ordem 17 CARVALHO, Op. Cit., p.13.

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BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade Socioambiental das Empresas: a face empresarial da sustentabilidade? In: DANTAS, Marcelo Buzaglo (org.). O Direito Ambiental na Atualidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p, 157.

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Econômica e Financeira), consagra a expressão Ordem Econômica Constitucional, conformando, de maneira sistêmica, o conjunto de princípios constitucionais econômicos. Tais princípios figuram como alicerces de todo o sistema econômico inserido na ordem constitucional, ingressando e condensando o núcleo essencial dos interesses e valores fundamentais que, como já visto, irradia seus reflexos sobre todo o sistema normativo constitucional. Neste sentido, o art. 170 apresenta a ordem econômica, sem esgotar a matéria, trazendo consigo íntima correspondência com os ditames do art. 1º, inc. III (dignidade da pessoa humana) e do art. 3º, inc. II (garantir o desenvolvimento nacional). Além disso, o texto normativo em questão representa o denominador comum do embate político-ideológico ocorrido na Assembleia Constituinte (1986-1988), dado que a resultante é um pacto econômico de natureza compromissória, alinhavando características liberais e socializantes.19 Todavia, o foco deste capítulo repousa sobre a estrutura normativa prevista, especificamente, no art. 170, inc. VI. Trata-se da defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica constitucional, onde a conceituação do termo defesa pode ser estabelecida como um somatório das funções públicas e privadas apontadas para o fomento de ações de proteção e preservação dos bens ambientais. Ampliando-se este escopo, afirma-se que a ponderação entre os valores ambientais e econômicos está suficientemente alicerçada na própria dicção do art. 170, inc. VI, consubstanciado pelo art. 225, caput e §1º, inc. IV (exigência do estudo de impacto ambiental para licenciar atividades econômicas como potencialmente causadora de impacto ambiental significativo), estruturas normativas estas que se encontram ancoradas nos mandamentos do art. 2º e do art. 4º, inc. I, da LPNMA. Ao contrário, uma adequada reflexão sobre a tutela do meio ambiente passa, necessariamente, por suplantar o equivocado divórcio entre a tutela da natureza, como objeto de relação jurídica, e a própria tutela dos direitos fundamentais. Aqui, a defesa do meio ambiente, enquanto princípio constitucional conformador da atividade econômica, induz a ideia de desenvolvimento sustentável, sinalizando uma alternativa ao modelo econômico tradicional.20 É este o sentido lógico e legitimador conferido ao desenvolvimento sustentável, conquanto é apresentado ao sistema jurídico com o status de princípio constitucional implícito. Vale ressaltar, pois, a lição de Lafayete Josué Petter: Certo é que as normas de direito ambiental possuem nítido caráter econômico. A própria política nacional do meio ambiente ancora-se em uma finalidade econômica, no sentido mais elevado que a expressão comporta. Assim considerada a questão, parece mesmo natural a Constituição Federal prever a defesa do meio ambiente no capítulo destinado ao exame dos princípios que regem a atividade econômica. Aliás, a conjugação do econômico e do ambiental reconduz, de todo modo, ao que se tem entendido por desenvolvimento sustentável. A exploração econômica há de ser realizada dentro dos limites de capacidade dos ecossistemas, ou seja, resguardando-se a possibilidade de renovação dos recursos renováveis e explorando de forma não predatória os recursos não renováveis, sempre no intuito de preservar direitos dos que ainda estão por vir.21

19 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1238. 20 PETTER, Op. Cit., p. 288. 21 Idem, p.273.

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Conforme visto, um modelo econômico sustentável não só é viável, como é constitucionalmente desejável. Entretanto, carece de efetividade, uma vez que deve ser fundado na eficiência econômica conjugada com os valores supremos de justiça social e prudência ecológica. Por sua vez, tal processo econômico formatado por relevante dimensão social e ecológica resta condicionado, quanto aos recursos naturais, por estruturas econômicas, a privilegiar sua existência, sua forma de uso e sua opção por dispô-los ou não. [...] É falso o dilema do antagonismo entre desenvolvimento e meio ambiente, na medida em que, sendo uma fonte de recursos para o outro, devem harmonizar-se. Existe uma combinação suportável de recursos para a realização do processo econômico que pressupõe que os ecossistemas operem dentro de uma amplitude capaz de conciliar condições econômicas e ambientais.22

Sendo assim, em análise contextualizada, o exame principiológico do sistema econômico na ordem constitucional traz, de forma irrefutável, o modelo de desenvolvimento sustentável como aquele eleito pela interpretação sistêmica das normas insculpidas no art. 170 e no art. 225. Este ideário de desenvolvimento socioeconômico não pode ser visto de forma dissociada da defesa do meio ambiente, entendida aqui como uma preocupação capaz de aliar proteção efetiva e preservação parcimoniosa dos bens ambientais, em benefício de toda a sociedade. Estando a ordem econômica voltada para a concretização da existência digna e da justiça social, não pode a atividade produtiva trilhar caminhos que impliquem a diminuição da qualidade de vida da população atingida, como no caso de práticas poluidoras ou agressivas para com o meio ambiente. Daí que o princípio da livre iniciativa, tão caro para o modelo econômico adotado no texto constitucional, não é ofendido quando se proíbem ou se restringem atividades tendo em vista a proteção do meio ambiente. A crescente atividade econômica, fomentadora de soluções para o atendimento de tantas necessidades sociais, deve pautar-se pela preservação dos bens ambientais. Daí a legitimidade da legislação que estabeleça restrições ou até a proibição da instalação de determinada atividade, em locais que merecem especial proteção.23 [...] Reforçando o compromisso de dar função social à propriedade, a Constituição da Republica elege como princípio da ordem econômica, também, a defesa do meio ambiente. Poder-se-ia objetar que este princípio já esta implícito nos outros já acima comentados. Penso que não. Ao optar por reforçar seu compromisso com a preservação ambiental, não quis o constituinte de 1988 simplesmente repetir o que já havia dito em outras passagens da Carta. Quis, penso eu, atribuir uma responsabilidade bem mais ativa aos envolvidos na atividade econômica, estimulando ações (e não só diretrizes de produção) que visassem, especificamente, a tutela da natureza e da boa qualidade ambiental. Exemplo desse querer do constituinte é o surgimento de fundações, ligadas a grupos empresariais, destinadas ao fomento de pesquisa e à instalação e à preservação de espaços destinados á conservação ambiental.24

Outro argumento extremamente significativo diz respeito ao fato de que a política de proteção ao meio ambiente calcada apenas na regulação repressiva tem o inconveniente da ineficiência 22 ibdem, p. 274. 23 ibdem, p. 280. 24 CARVALHO, Op. Cit., p. 14.

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dos serviços públicos fiscalizatórios. Ao contrário, a adoção de uma política legislativa do tipo premial é desde logo percebida pelo agente econômico, traduzindo-se em desejável ambiente de segurança jurídica pelo exato equacionamento das consequências advindas das decisões que tomar. Nesse sentido, comportamentos econômicos e socioambientalmente desejados devem ser antecipados em normas de caráter premial, induzindo direcionamento da atividade econômica não de forma arbitral, mas com a cumplicidade do mercado, o que é significativo do ponto de vista eficacial.25 Todavia, a tentativa de emprestar máxima efetividade à defesa do meio ambiente como princípio conformador da ordem econômica passa, por óbvio, pela efetividade de todos os outros princípios estabelecidos no corpo do art. 170, em flagrante atendimento ao princípio da unidade constitucional. É o que se depreende, quando analisamos a crescente discussão acerca da relativização do direito fundamental à propriedade privada em face do cumprimento de sua função social e ambiental. O princípio da propriedade privada assegurado como direito fundamental (art. 5º, inciso XXIII, CF/88) deve ser interpretado em harmonia com o pressuposto que a propriedade atenderá sua função social no que tange à proteção do meio ambiente ecologicamente em equilíbrio, pois, sendo de uso comum do povo (interesse público), há flagrante possibilidade de restrição à iniciativa privada por atos do Poder Público.26 E mais, alinhado nesta mesma direção, está o entendimento trazido pelo voto do Min. Moreira Alves no julgamento, em sede de medida cautelar, da ADIn nº 1.952. Vejamos: A meu juízo, a relevância da fundamentação jurídica desse pedido de liminar não se apresenta suficiente para a concessão dele, dadas as ponderáveis alegações das informações do Exmo. Sr. Presidente da República e do Congresso Nacional relativas ao disposto no artigo 225 da Constituição no tocante ao dever do Poder Público de defender e de preservar para as gerações futuras o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e aos meios que o §1º desse dispositivo, especialmente nos incisos III e VII, confere a esse Poder para assegurar a efetividade desse direito, bem como as considerações ali constantes no sentido de que a reserva legal - que decorre da interpretação desses meios constitucionais para a proteção da ecologia, e que, portanto, não é desarrazoada nos tempos atuais se coaduna com a função social da propriedade, sem, em consequência, eliminá-la ou ferir os princípios da livre iniciativa e da liberdade de ofício, não impede o desenvolvimento econômico, nem viola direito adquirido.27 (grifei)

Contudo, este alinhamento não é uníssono, tampouco pacífico, na particularidade da jurisprudência do STF. A fim de emprestar tom de validade a tal assertiva, valho-me da conclusão de Beatriz Machado Granziera, em trabalho monográfico de pós-graduação. É ler: [...]. Foi possível verificar também, que alguns argumentos que fundamentam a decisão de um acórdão, tornando-se vencedores, são vencidos em outras decisões. Enquanto nas ADIn 487 (caso Mata Atlântica) a decisão a favor do meio ambiente se dá pelo caráter meta individual desse direito, pertencente a toda coletividade, que deveria se sobrepor aos direitos individuais das empresas em obter lucro, no Mandado de Segurança 24665, lógica apresentada pelo Ministro Marco Aurélio Mello é voto vencido.

25 PETTER, Op. Cit., p. 282. 26 FARIAS, Paulo José Leite. Água: bem jurídico econômico ou ecológico? Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 199. 27 BRASIL. STF. ADI nº 1.952-MC, voto do Min. Moreira Alves, julgamento em 12 ago. 1999, DJ, 12 maio 2000.

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Nesse caso, vence o argumento apresentado pelo Ministro Gilmar Mendes, que faz o raciocínio diametralmente oposto, dando primazia ao direito individual em detrimento do direito coletivo ao meio ambiente. Outro indício da falta de linearidade nas decisões do STF diz respeito a diferentes posições dos Ministros acerca de uma preliminar de não conhecimento. Como já apresentado, no Mandado de Segurança 242740-8 o Relator Carlos Velloso, propõe uma que o Decreto 88547, de 25.09.90, seria ilegal, e não inconstitucional, não cabendo à apreciação dessa Corte, posição que é acompanhada unanimemente pelos demais ministros. Entretanto, no Mandado de Segurança 24665 - Caso Estação Ecológica Juréia Taim, a mesma preliminar de não conhecimento é proposta, pelo mesmo Ministro Carlos Velloso, sobre o mesmo decreto, mas, neste caso, ele é vencido unânime e majoritariamente pelos mesmos Ministros que o acompanharam no caso anterior. [...], pode-se constatar que as decisões que o STF profere acerca da colisão entre a preservação ambiental e a liberdade de exercício de uma atividade econômica não apresentam uma linearidade bem definida. Sem a linearidade em seus votos, o Supremo Tribunal Federal, não pode proporcionar a segurança jurídica esperada, fato que é indesejado considerando-se a relevância desse Tribunal na sociedade.28

Neste contexto de defesa do meio ambiente diante da dinâmica da atividade econômica, exsurge outro importante aspecto, qual seja, aquele que diz respeito ao prévio estudo de impacto ambiental, expressamente previsto no bojo do art. 225, §1º, IV, CF/88. Tal instrumento preliminar recebeu status de valor constitucionalmente observável, ao autorizar o Estado a intervir na ordem econômica, diagnosticando as consequências, para o ambiente, dos impactos resultantes da implantação de empreendimentos. [...] Meio ambiente degradado não fomenta desenvolvimento nos termos em que a expressão tem sido apreendida neste trabalho. Mas também há de se ponderar, em respeito ao próprio modo de ser do econômico, que o procedimento do estudo de impacto ambiental deve aguardar uma sadia e proporcional relação temporal com as decisões econômicas que motivaram a sua realização. Quando se protraem demasiadamente no tempo, esmaecem as iniciativas particulares e dificultam a realização de empreendimentos novos.29

O instituto supra descrito é, sucintamente, um instrumento preliminar pelo qual o Poder Público licencia a instalação de empreendimentos com significativo impacto ambiental. O instituto jurídico do licenciamento ambiental, por sua vez, pode ser explicitado como o mecanismo mediante o qual o Poder Público intenta controlar as atividades econômicas que degradam ou que potencialmente possam degradar o ambiente, ao impor condições e limitações para o exercício de cada uma das atividades econômicas, destacando-se como o mais importante mecanismo estatal de defesa e preservação do meio ambiente. O licenciamento ambiental está disciplinado na Resolução do CONAMA nº 237/97, que o define como: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob

28

GRANZIERA, Beatriz Machado. O STF e o conflito entre a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento econômico. Disponível em: . Acesso em: 12 JUL 2013.

29 PETTER, Op. Cit., p. 284. 13

qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.30

Desta forma, a tão discutida compatibilização do desenvolvimento socioeconômico com a preservação do equilíbrio ecológico, insculpida no art. 4º, I, da LPNMA 31, passa obrigatoriamente pelos meandros dos institutos do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Nesta esteira, tem-se: EMENTA - Administrativo - IBAMA - Transporte e recebimento de carvão - Licença Ausência - Auto de infração Legalidade. (Arts. 3º, 10 e 14 da Lei nº 6.938/81). 1. A Constituição Federal estabelece em seu art. 225 que: "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente de reparar os danos causados." Nada impede, portanto, que além da sanção penal o agressor seja também penalizado administrativamente porquanto o ilícito penal não exclui a responsabilidade administrativa ou sequer a civil; 2. O licenciamento ambiental surgiu na lei nº 6.938/81 que "dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. O art. 9º da lei menciona expressamente o licenciamento como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. Tem ele caráter preventivo, destinando-se a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a preservação ambiental e o equilíbrio ecológico; 3. Segundo se extrai dos arts. 3º, 10 e 14 da Lei nº 6.938/81, os estabelecimentos que sejam utilizadores de recursos ambientais considerados efetiva ou potencialmente poluidores, ou capazes de causar degradação ambiental, dependem de prévio licenciamento do órgão competente; 4. Desempenhado a parte Autora atividade em que utiliza carvão vegetal, que é capaz de causar degradação ambiental, necessita a mesma de licença do IBAMA. 5. Recurso provido.32

Vale-se, então, do emblemático acórdão do Tribunal Federal da 1ª Região, proferido em sede de apelação cível, que trata da instalação de terminal graneleiro no porto de Santarém (PA), para contextualizar conclusivamente as questões que orbitam em torno da necessidade de se ponderar a implantação de empreendimentos com a proteção do ambiente e, ainda, a relevância do papel do estudo de impacto ambiental nesta ponderação. É ler: EMENTA: Constitucional. Processual civil, administrativo e ambiental. Ação civil pública. Instalação de terminal graneleiro no Porto de Santarém (PA). Licenciamento ambiental condicionado à realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental. [...]. Inviabilidade de estudo póstumo de impacto ambiental, na espécie, ante a irreversibilidade dos danos ao meio ambiente. Princípios da precaução e da prevenção, na instrumentalidade da tutela processual cautelar do meio ambiente. […]. Sentença confirmatória de antecipação de tutela

30 BRASIL. CONAMA. Resolução nº 237, de 19 de Dezembro de 1997,

dispõe sobre a revisão e complementação dos

procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental.

31

BRASIL. Lei nº 6938, de 31 de Agosto de 1981, dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.

32 BRASIL. TRF - 2ª Região. Apelação Cível nº 97.02.14313-6, 2ª Turma, Rel. Des. Federal Sérgio Schwaitzer, DJU, 15 maio 2006.

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inibitória do risco ambiental, avalizada por acórdão do tribunal revisor (CPC, art. 512), já transitado em julgado, desde os idos de 2003. efeito somente devolutivo das apelações interpostas, para efetividade da antecipação da tutela mandamental, deferida nos autos, visando proteger o meio ambiente sadio e equilibrado para as presentes e futuras gerações. I - Na ótica vigilante da Suprema Corte, "a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (...) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações." (ADI-MC nº 3540/DF - Rel. Min. Celso de Mello - DJU, 03 fev. 2006) [...] II - A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a consequente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, §1º, IV). III - Se a LPNMA, no Brasil (Lei nº 6.938/81) inseriu como objetivos essenciais dessa política pública "a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico" e "a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida" (art. 4º, incisos I e VI), a configurar, no plano fático, o verdadeiro desenvolvimento sustentável, deve ser mantida a suspensão do Alvará de Autorização nº 024/99, que possibilitava a realização de obras no Porto de Santarém (PA), bem assim a expedição de qualquer outro Alvará que viabilize outras obras, potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente, em face da instalação do referido Porto, visível escoador de soja transgênica, na região amazônica, assim exposta ao desmatamento irresponsável e à disfarçada colonização alienígena, até que se realize, às expensas da empresa responsável pelo empreendimento, por competente equipe multidisciplinar, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), observando-se a regulamentação das Resoluções nºs 001/86 e 237/97-CONAMA, na dimensão do interesse difuso a ser, ali, protegido. Vencido, parcialmente, no ponto, o Relator. IV - O poder de polícia ambiental, exercido pelo IBAMA, tem a finalidade de executar a política de preservação, conservação e uso sustentável dos recursos naturais, visando o planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais, bem assim, a proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas e proteção de áreas ameaçadas de degradação (alteração adversa das características do meio ambiente), como, assim, determinam as Leis nºs 4.771/65, art. 14, alíneas a e b, e 6.938/81, art, 2º, incisos III, IV,

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VII, IX, e 4º, inciso I, buscando, sempre, a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico." [...]33 (sem grifo no original)

Até aqui e por todo o exposto, o que se pode afiançar é que a tão desejada e esperada ponderação entre desenvolvimento socioeconômico e preservação e proteção ambiental só será efetivamente alcançada quando se tratar de integrar (Estado e sociedade atuando conjuntamente) à agenda nacional o metainstituto do desenvolvimento sustentável, como via principal e irrenunciável de um novo modelo de desenvolvimento; restando claro, pois, que o papel conformador do Estado na ordem constitucional econômica é o de ente promotor de desenvolvimento e da justiça social. Trata-se, então, de exigência permanente e inerente ao processo de globalização econômica, dentro da lógica de integração entre os Estados nacionais e sua respectiva abertura de mercados.

IV. A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES E VALORES CONSTITUCIONAIS: PRESERVAÇÃO AMBIENTAL versus DESENVOLVIMENTO. A ordem constitucional vigente configura-se um sistema de princípios que deve ser o ponto de convergência ou, no mínimo, de tangência de todo o ordenamento jurídico. Desta feita, em sede de princípios e valores, particularmente em se tratando daqueles de cunho ambiental e econômico, encontra-se um campo fértil para a aplicação da teoria da ponderação de interesses, uma vez que é explícito o liame conflitivo entre tais princípios e cuja solução não é possível através das regras tradicionais de hermenêutica. Ademais, é característico dos princípios a generalidade, a abstração e a indeterminação conceitual, que por decorrência lógica gera colisão entre eles. Trata-se, pois, de processo permanente de tensão entre os princípios constitucionais. Porquanto, é no caso concreto que o intérprete avaliará qual princípio deverá prevalecer e qual será mitigado. Este aspecto obriga determinado princípio a mitigar seu alcance na ordem jurídica, desde que esta mitigação se dê em prol de outro princípio e na justa medida (proporcionalidade) da solução do caso posto. Os princípios econômicos e ambientais existentes na ordem constitucional são valores fundamentais e, por serem dotados de tais requisitos característicos, assumem extrema relevância nos momentos de aplicação e de interpretação das normas constitucionais, além de nortearem o processo de elaboração das normas infraconstitucionais. Diante disso, urge esclarecer que tais regras reconhecem três critérios basilares para a resolução de antinomias jurídicas, quais sejam eles: cronologia, hierarquia e especialidade. O critério cronológico não pode ser usado para dissolver antinomias constitucionais, visto que a norma constitucional originária foi concebida num mesmo momento histórico e político, somente passível de aplicação no caso de revogação ou de alteração de determinado artigo da Constituição, o que se estabelece por via de Emenda Constitucional.34 A consagração do princípio da unidade da Constituição, pelo qual não existe hierarquia entre princípios constitucionais, posto que todos se encontram no mesmo patamar, afasta tal tese do 33 BRASIL. TRF - 1ª Região. Apelação Cível nº 2000.39.02.000141-0/PA, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Souza Prudente, DJU, 18 out. 2007.

34 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 30.

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ordenamento jurídico brasileiro. Este é o teor da decisão proferida pelo STF no julgamento da ADIn nº 815. EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1º e 2º do artigo 45 da Constituição Federal. A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias, dando azo a declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras, é incompatível com o sistema de constituição rígida. Na atual Carta Magna, "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição" (artigo 102, caput), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação às outras que não sejam consideradas cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido.35

A seu turno, no que tange às antinomias de normas constitucionais, o critério da especialidade não é de observância obrigatória, visto que o STF, via de regra, decide utilizando a técnica ponderação de interesses. Pode-se afirmar, então, que não há indicação de especialidade nestes casos, o que há é um sopesamento dos interesses em jogo, decidindo-se em face do caso concreto. Ainda sobre o caráter lógico material da presente ponderação, agora em sede infraconstitucional, a LPNMA, plenamente recepcionada pela CF/88, nos brinda com normas objetivo que não deixam margem de dúvidas quanto à vontade do legislador constituinte originário em acatar a perspectiva de compatibilização entre desenvolvimento socioeconômico e preservação da qualidade e do equilíbrio ecológico. EMENTA: Processual civil, administrativo e ambiental. Funcionamento de matadouro sem a devida autorização. Impossibilidade. Tutela processual cautelar do meio ambiente (CF, art. 225, caput). Princípio da prevenção. Agravo de instrumento desprovido. I - A pretensão do autor agravante no sentido de obter desta Corte revisora antecipação de tutela cautelar, para funcionamento do Matadouro Público, sem a devida autorização, encontra óbice na tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, torna-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação), e a consequente prevenção (pois uma vez que possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, inclusive, na forma da lei, a implementação de políticas públicas voltadas para a prevenção de potencial desequilíbrio ambiental. II - Se a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, no Brasil (Lei nº 6.938/81) inseriu como objetivos essenciais dessa política pública "a compatibilização do desenvolvimento

35 BRASIL. STF.

ADI nº 815, Relator Min. Moreira Alves, Pleno, julgado 28 mar. 1996, DJ, p. 15131, 10 maio 1996, EMENT v. 01827-02, p. 00312.

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econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico" e "a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida" (art. 4º, incisos I e VI). III - Agravo de instrumento desprovido.36

Dito de outra forma, o que se estabelece é a finalidade da ordem econômica em garantir a todos uma existência digna, assim como o direito ao meio ambiente equilibrado está igualmente voltado à concretização da dignidade da pessoa humana 37. É este, pois, o ponto de tangência da ponderação em comento. É o metaprincípio da dignidade humana servindo de ponto de convergência para os valores supracitados. Nas palavras de Petter: Esta matização ecológica no disciplinamento jurídico da atividade econômica, ocorrida em face das crescentes preocupações ambientais, também tem desaguado na Ciência Econômica, pois economistas têm advertido sobre a mudança conceitual e metodológica que se faz necessária naquela ciência, para que fiquem incorporadas ao seu modo de pensar as restrições que a dimensão ambiental impõe à sociedade.38

Logo, conclui-se pela legitimidade da ponderação entre as condicionantes desenvolvimento socioeconômico e as possibilidades da defesa do meio ambiente. É ler:

do

Ao instituir o dever de proteger e de preservar, a vinculação passa a constituir uma das principais dimensões da aplicabilidade do direito fundamental ao cuidado com ambiente. Sob pena de desmoralizar os próprios institutos jurídicos - institutos que devem estar em harmonia com o sistema econômico -, a aplicabilidade da legislação ambiental implicam em mudança na realidade cultural e econômica brasileira, e na necessidade progressiva de implementar e aperfeiçoar o direito ambiental.39

A rigor, o teor do art. 170, VI, CF/88, com a redação conferida pela EC nº 42/03, emprestou nova conformação à ordem econômica ao conceber tratamento diferenciado às atividades, levando-se em consideração a significância do impacto ambiental gerado por seus processos de produção de bens e prestação de serviços. Neste ponto, a perspectiva é gerar mudanças de comportamento empresarial e social, buscando-se compatibilizar amplo desenvolvimento com equilíbrio ecológico. Neste sentido, há que se respeitar o núcleo essencial da Constituição, ou seja, a mitigação de um valor fundamental em prol de outro não pode ir além de determinado ponto, não se pode chegar a ponto de fulminar a existência daquele valor que está a sofrer restrição. Há, sim, que se respeitar a essência do valor mitigado40. Este respeito se processa na justa medida (proporcionalidade) da consagração dos princípios da máxima efetividade, da conformidade 36 BRASIL.

TRF - 1ª Região. Agravo de Instrumento nº 2005.01.00.064020-0/MG, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Souza Prudente, DJU, 28 maio 2007.

37 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 88-90

38 PETTER, Op. Cit., p.279.

39 TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha.

O direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2006. p. 115.

40 SARMENTO, Op. Cit., p. 49-50.

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funcional e da harmonização, ambos apontados como mecanismos de solução para o caso colisão entre bens jurídicos, constitucionalmente tutelados. Daniel Sarmento41 ensina que a teoria da ponderação de interesses trata-se, em verdade, de uma restrição relativa à aplicabilidade e eficácia dos princípios constitucionais, visando assegurar a unicidade do sistema constitucional. A partir desta constatação, resta claro que tais princípios, particularmente aqueles ambientais e econômicos, ao representarem interesses antagônicos, merecem ser sopesados, cedendo espaços mutuamente, até que a razoabilidade e a proporcionalidade venham arrematar a ponderação dentro da situação fática.42 Por isso, a teoria da ponderação de interesses parte do pressuposto de que não há valores absolutos no ordenamento jurídico. Não há hierarquia entre os princípios! Não há como se afirmar, a priori, qual valor irá prevalecer! Essa ponderação, então, será materialmente balizada pelos valores constitucionais e procedimentalmente pelo princípio da proporcionalidade, que é o meio eficaz para se chegar ao ponto ótimo. Essa restrição a cada bem jurídico é mínima, necessária à salvaguarda do valor fundamental contraposto. Com efeito, se for possível a compatibilidade entre princípios constitucionais, de tal forma que não haja necessidade de impor restrição a outro, não há o que se falar em aplicabilidade da teoria da ponderação de interesses43. Esta só deve ser aplicada quando não houver outro modo eficaz para solucionar tal conflito, pois o que irá definir a solução para a colisão de princípios é a dimensão do valor que a sociedade empresta para cada um isoladamente, independentemente do fato de esta acepção de valor estar expressa em lei. Portanto, a análise de interesses e de bens conflitantes não permanece no campo da verificação de uma hierarquia de valores, requerendo análise em face das normas abertas, já positivadas, veiculadas por normas objetivo a expressar os resultados que a lei deve visar. A instrumentalização da lei como positivação de diretrizes e de metas transfere a discussão metajurídica, sobre a hierarquia dos valores, a dispensar a valoração unilateral de bem constitucional em desfavor de outro, para a análise de adequação de meios a fins, garantindo a unidade do sistema constitucional.44 Reportando-se, pois, aos critérios constitucionais que qualificam a importância do direito ao meio ambiente equilibrado como um valor fundamental da sociedade brasileira, aponta-se aqui para o cerne deste trabalho, qual seja, a ponderação entre os valores constitucionais fundamentais do desenvolvimento econômico e social sopesado com a imperiosa necessidade de preservação dos bens ambientais. Acaso se pudesse estratificar esta complexa ponderação como se uma equação fosse, ter-se-ia como denominador comum o princípio do

41 Idem, p. 49-50.

42 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p. 111.

43 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 97.

44 FARIAS, Op. Cit., p. 200.

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desenvolvimento sustentável, que, consabido, faz parte de uma perspectiva de preocupação intertemporal, não por só se importar com as gerações presentes, mas também com as futuras. EMENTA: Administrativo e ambiental. Ação Civil Pública. Desassoreamento do Rio Itajaí-Açu. Licenciamento. Competência do IBAMA. Interesse nacional. [...] 2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito ambiental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger patrimônio pertencente às presentes e futuras gerações. 3. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de toneladas de detritos. [...] 4. Recursos especiais improvidos.45

Sendo assim, a ponderação de princípios, bens ou valores fundamentais passa a ser aceita como uma técnica utilizada pelo intérprete, por via da qual se farão concessões recíprocas, procurando preservar a maior parcela possível de cada um dos interesses em disputa, ou proceder-se-á à escolha do valor que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. Neste ponto, afirma-se que o conceito-chave na questão é a aplicação do princípio instrumental da proporcionalidade. Princípios são normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diferentes meios. Logo, é cediço concluir que, ao aplicar-se a técnica da ponderação entre princípios, instrumentalizada pelo princípio da proporcionalidade em face da situação fática, deve o intérprete analisar todo o espectro do contexto histórico, social e econômico, ao qual o fato esteja inserido, impondo-se à sua atuação a definição concreta de seu sentido e alcance.46 Todavia, como reiterado, a técnica da ponderação de interesses na órbita constitucional perpassa, obrigatoriamente, pela instrumentalização dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Embora sejam muitos os autores que buscam traçar diferenças teóricas e conceituais entre estes princípios, afirmamos que, na práxis diária dos tribunais, não existe diferença conceitual significativa entre tais critérios. ARTIGO: Preliminarmente, acolheu-se questão de ordem suscitada pelo Min. Marco Aurélio, para se apreciar primeiro o art. 100 da CF e, em seguida, o art. 97 do ADCT. Vencidos os Min. Gilmar Mendes, Celso de Mello e Joaquim Barbosa, Presidente, que propugnavam pela continuidade de julgamento sem a separação das matérias disciplinadas nos referidos dispositivos. No tocante ao art. 100, § 2º, da CF [“Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou seja, portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa

45 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 588022/SC, Brasília, DF, de 5 de abril de 20047. In: _____. Jurisprudência. Disponível em: . Acesso em: 2 JUL 13.

46 ÁVILA, Op. Cit., p. 97.

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finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório”], assinalou-se que a emenda, em primeira análise, criara benefício anteriormente inexistente para os idosos e para os portadores de deficiência, em reverência aos princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade. Entretanto, relativamente à expressão “na data da expedição do precatório”, entendeu-se haver transgressão ao princípio da igualdade, porquanto a preferência deveria ser estendida a todos credores que completassem 60 anos de idade na pendência de pagamento de precatório de natureza alimentícia. No ponto, o Min. Luiz Fux reajustou o seu voto para acompanhar o Relator. ADI 4357/DF, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 13 e 14.3.2013. (ADI-4357)47 (sem grifo no original)

Sendo assim, passa-se a analisar os aspectos gerais da proporcionalidade e razoabilidade, dando ênfase à grande relevância da instrumentalidade que o primeiro traz para o direito brasileiro. É certo afirmar, prima facie, que ambos buscam a recuperação da ideia de razoabilidade prática do direito, uma vez que tais princípios se associavam diretamente à razão, à moderação, ao bom senso, à ideia de justa medida. O princípio da proporcionalidade, propriamente, tem sua funcionalidade demarcada por intermédio de sua decomposição em três subprincípios, quais sejam: adequação, onde o ato deve ser adequado para os fins a que se destina, devendo contribuir para a promoção dos fins a que se destina, cabendo ao intérprete o dever de identificar o meio mais adequado para a consecução dos objetivos pretendidos; necessidade ou exigibilidade, onde o meio escolhido não deve exceder os limites indispensáveis à conservação dos fins desejados dentre as várias fórmulas de se alcançar determinado objetivo, cabendo ao poder público eleger a forma menos onerosa, causadora de menor grau de inconveniência para a sociedade; e proporcionalidade em sentido estrito, onde a característica mais importante é a definição da relação custo-benefício do ato imposto, traçando-se como critério de validade a obrigatoriedade de o benefício gerado ser superior ao ônus suportado pela sociedade. Em outras palavras, a proporcionalidade em sentido estrito é a análise funcional do meio escolhido, que, em face do caso específico, deve se mostrar como aquele mais vantajoso para a promoção do conjunto de valores em jogo.48 Sobremodo quando a Administração restringe situação jurídica dos administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma intensidade ou extensão superfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de sua conduta. É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse público.49

Portanto, proporcionalidade trata-se, pois, de critério essencial para a proteção dos direitos fundamentais, visto que estabelece requisitos para a delimitação desses direitos, constituindo, de per se, verdadeira garantia constitucional, protegendo os cidadãos contra o uso desproporcional, desarrazoado, do poder estatal e, ainda, auxiliando o juiz na nobre tarefa de interpretar princípios e normas constitucionais em rota de colisão 50. Tal assertiva mostra-se pertinente ao se considerar o cerne deste trabalho, qual seja, alinhar o desenvolvimento 47

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 698. . Acesso em: 2 JUL 13.

Disponível

em:

48 BANDEIRA DE MELLO, Op. Cit., p. 111.

49 Idem, p. 110. 50 ibdem, p. 111.

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socioeconômico nacional à imperiosa necessidade de preservação e proteção do ambiente e seus recursos. Fato é que, tanto a razoabilidade, quanto a proporcionalidade, independentemente de serem ou não princípios autônomos entre si, possuem inúmeros pontos de tangência, apontando-se, entre eles, a possibilidade de práticas de ativismo judicial, ao permitir que o judiciário faça valorações sobre temas polêmicos, como aqueles apontados nos excertos supracitados, e sobreponha essas valorações àquelas já efetuadas em instâncias de representação popular.51

V. CONCLUSÃO O desregramento do homem na exploração dos bens ambientais trouxe consequências nefastas à sadia qualidade de vida e ao equilíbrio ecológico do planeta, trazendo consigo a penalização da maior parte da sociedade, seja pelo exaurimento dos recursos naturais, seja pelos efeitos da irresponsabilidade socioambiental do sistema capitalista, tais como: desemprego; crescente sana arrecadatória do Estado para cumprir seu papel institucional; combate às decorrências do enorme contingente de pessoas marginalizadas pelo sistema; carência em assistência à saúde; miséria geradora, entre outros efeitos, de poluição; desamparo social; degradação acelerada do meio ambiente; além de outros entrechoques decorrentes desse modelo de sistema socioeconômico. Como descrito, o instituto do desenvolvimento sustentável coloca na berlinda o atual modelo de produção e consumo, que ameaça o equilíbrio natural do planeta. Assim sendo, a preocupação está fundada na busca de soluções perenes, com a implantação de políticas públicas de longo prazo, particularmente àquelas promotoras de desenvolvimento socioeconômico e de justiça social. A aplicação deste conceito à realidade requer, no entanto, uma série de medidas, tanto por parte do Poder Público, como da iniciativa privada e da sociedade organizada, assim como exige um consenso da comunidade internacional. Em seu sentido mais amplo, a estratégia de desenvolvimento sustentável visa promover uma nova ética entre os seres humanos, bem como harmonia entre humanidade e natureza. Neste contexto específico, as instituições políticas e econômicas apontam para uma sistematização da busca do desenvolvimento sustentável, requerendo para isso: momento político que assegure a efetiva participação de seus atores no processo decisório, conjuntamente com a consecução de políticas públicas; processo econômico capaz de gerar satisfação das necessidades da sociedade moderna e, ao mesmo tempo, investimentos, em bases confiáveis, na busca por tecnologias limpas; espectro social que possa resolver as tensões causadas por um desenvolvimento não equilibrado e não comprometido com a responsabilidade intergeracional; mecanismo global de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica do desenvolvimento e ainda busque soluções para o excedente das relações de consumo, cuja disposição final é o ambiente natural. No que tange à iniciativa privada, o que se verifica é a necessidade premente de conceber efetividade à função social da empresa, uma vez que este dever jurídico esteja aliado à lógica 51 SARMENTO, Op. Cit., p. 149. 22

do desenvolvimento sustentável, estaremos diante de uma nova forma de planejar a produção, minimizando os prejuízos ao meio ambiente e, indiretamente, à sociedade como um todo. Tal função social pode contribuir para a identificação do impacto da produção no meio ambiente, fazendo-se com que os membros da organização empresarial, criem uma cultura de valorização dos preceitos de desenvolvimento sustentável. O passo final é a execução de um projeto que alie produção e preservação ambiental, com uso de tecnologia adaptada a este preceito, quais sejam, aquelas ditas por "tecnologias limpas". Exsurge, assim, uma complexa relação entre produção, consumo, capacidade de carga dos ecossistemas e sua perspectiva de recuperação, e a regulação do mercado, buscando como denominadores comuns a defesa do meio ambiente e a sustentabilidade do desenvolvimento socioeconômico, visando, em última conta, alcançar eficiência econômica ponderada com justiça social e equilíbrio ecológico. Esta equação se apresentará, então, como um processo de maturação da função social da empresa, tendo por resultado o aperfeiçoamento do modelo capitalista, enquanto modelo econômico global. Entretanto, tais considerações, acima mencionadas, só se operacionalizarão em caráter efetivo, se se afirmar que, sendo a ordem constitucional um sistema dotado de coerência, não se presumindo contradição entre suas normas, analisar-se os princípios constitucionais econômicos de forma sistematizada e contextualizada, ponderando-os diante de um caso concreto. Em suma, realizar a ponderação de valores e interesses constitucionais entre a preservação ambiental e o desenvolvimento socioeconômico, num programa de desenvolvimento sustentável, exige um alto nível de conscientização e de participação tanto do governo e da iniciativa privada, bem como de setores da sociedade civil organizada. Para tanto, não se deve deixar que estratégias de tal porte e extensão fiquem à mercê do livre mercado, visto que os danos que se visa resolver são causados justamente pelos processos desencadeados pelo modelo de desenvolvimento econômico vigente.

VI. REFERÊNCIAS ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade Socioambiental das Empresas: a face empresarial da sustentabilidade? In: DANTAS, Marcelo Buzaglo (org.) O Direito Ambiental na Atualidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. BRASIL. Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Relato Setorial nº 1. EMPRESAS, RESPONSABILIDADE CORPORATIVA E INVESTIMENTO SOCIAL - uma abordagem introdutória, 2000. Disponível em: . Acesso em: 10 JUL 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São Paulo: Rideel, 2007.

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