Fundos Soberanos de Riqueza: Pré-sal, o Fundo Social Brasileiro e as Boas Práticas do GAPP

June 8, 2017 | Autor: Lucila de Almeida | Categoria: Law and Development, Economic Law
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Fundos Soberanos de Riqueza: o pré-sal, o Fundo Social brasileiro e as boas
práticas do GAPP.

Grupo de Trabalho: Direito e Econômia

Lucila Gabriel de Almeida
Mestranda em Direito e Desenvolvimento pela
Escola de Direito do Estado de São Paulo (Direito GV)
[email protected]


"(...) é necessário que a riqueza do petróleo seja
transformado em ativo cujo o usufruto possa ser
estendido no tempo, mesmo depois que o petróleo
tenha se esgotado."
Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 5.940/2009


Resumo:

A descoberta de vastas reservas de petróleo na plataforma continental
brasileira, denominada pré-sal, elevará o país a um novo patamar no mercado
energético mundial, tornando-o um dos maiores produtores e exportadores
desta commodity. Muito embora a exploração de um abundante recurso natural
impulsione fortemente o crescimento econômico do país, não se faz a mesma
relação causal com o desenvolvimento, evidência ressaltada nas teorias que
atentam sobre a maldição do petróleo. Para evitar os possíveis efeitos
negativos, os Fundos Soberanos de Riqueza (FSRs) aparecem como a
alternativa jurídico-institucional mais adotada por países produtores e
exportadores, o que ensejou na edição do Generally Accepted Principles and
Practice (GAPP) para regular as boas práticas destes institutos. O Brasil,
não diferentemente, propôs a criação do Fundo Social, um FSR que gerirá as
receitas públicas advindas das atividades petrolíferas. Nada obstante a
opção institucional, a eficácia do Fundo Social depende do arranjo jurídico
proposto, o qual deve condizer com as finalidades pretendidas.
Palavras-chaves: Fundo Soberano de Riqueza (FSR); GAPP; Princípios de
Santiago; Petróleo; e Fundo Social.

Abstract:

The discovery of a huge oil reserve in the Brazilian continental
platform, called Pré-sal, will raise the country to a new level in the
world energetic market, turning Brazil in one of the biggest oil producer
and exporter. Although the exploration of abundant natural resource favors
the economic growth, does not exist the same causal relation with the
development, fact proved by the theories that describe the oil curse.
Avoiding the possible of negative effects, the Sovereign Wealth Funds
(SWFs) are appearing as institutional alternative more adopted for
producers and exporters countries, reason of the edition of Generally
Accepted Principles and Practice (GAPP) to regulate the good practices of
these institutes. The Brazil, not differently, proposed the creation of the
Social Fund, a SWF that will manage the State oil revenue. Nonetheless the
institutional option, the Social Fund results depend of the proposed legal
arrangement, which should be related with the pretended finalities.
Key words: Sovereign Wealth Funds (SWFs); GAPP; Santiago Principles; Oil;
and Social Fund.


1. Introdução
Nas últimas décadas, o fenômeno da globalização do mercado e da
financeirização da economia mundial fomentaram um livre e intenso fluxo de
capital financeiro internacional[1]. A inclinação dos investimentos por
operações em mercados com garantia de liquidez tornou a acumulação de
reservas uma necessidade para os Estados, principalmente os que enfrentaram
crises cambiais no passado[2]. Em resposta às exigências, o surgimento dos
Fundos Soberanos de Riqueza (FSRs)[3] ilustrou, com clareza, a alternativa
jurídico-institucional escolhida para proteger os países das instabilidades
econômico-financeiras. Com isso, o Estado, além de regulador, adquiriu
status de investidor institucional.
Muito embora as variedades de capitalismo[4] dos países, este século
vivenciou a constituição de um número significativo de FSRs. Dos 48
listados no GAO (U.S. Government Accountability Office), 28 foram criados
nesta última década e, destes, 11 surgiram em 2009[5]. Somando a esta
extensa lista de FSRs, o Fundo Soberano do Brasil (FSB) foi criado pela Lei
nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008. Apesar da acertada opção
institucional, o curto tempo desde sua criação e a tímida transferência de
recursos voluntárias[6] limitaram a repercussão do FSB no cenário
internacional.
Além da multiplicação em quantidade, outro dado atrai a atenção para
esta espécie de fundo: o vultoso volume em ativos. Atualmente, o montante
de capital negociado pelos FSRs é estimado em, aproximadamente, 4 trilhões
de dólares[7]. Apenas estimado, porque a ausência de transparência contábil
impede uma mensuração exata de valores. Além disso, em pesquisa publicada
pelo Morgan Stanley, prever-se que, em 2015, os FSRs administrarão o
montante de 15 trilhões de dólares[8].
Decorrente desse crescimento abrupto em quantidade e poder dos FSRs,
teóricos suscitam preocupações sobre as controversas faces dos
investimentos de tais fundos quando alocados no sistema financeiro de
países estrangeiros. Visto por um lado, a nova fonte de investimento provê
liquides para o mercado, reduzindo o juros a longo prazo. Entretanto, a
outra face parece temerária quando interesses não financeiros podem
interferir nas decisões dos investimentos[9]. Este bifrontismo dos FSRs
suporta opiniões opostas, umas clamando por barreiras regulatórias e outras
ressaltando os benefícios da liberalização[10]. Entre estas, vozes
moderadas alegam que os reais interesses de cada FSR são identificáveis a
partir da mensuração do grau de transparência e o mínimo de
institucionalização de sua estrutura e atividade. Este consenso é
acertadamente evidenciado pelo GAPP (Generally Accepted Principles and
Practices) ou, também denominado, Princípios de Santiago, o qual enumera os
princípios e as práticas gerais aceitáveis aos FSRs[11].
Em meio a este debate, tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei
que pretende criar um novo FSR no Brasil, denominado de Fundo Social, ao
qual será transferido todas as receitas arrecadadas pela União provenientes
da produção de petróleo doméstico. O Projeto de Lei nº 5.940, juntamente
com outros três projetos de lei[12] protocolados em 2009, faz parte da
proposta apresentada pelo Poder Executivo para alterar o marco regulatório
do setor petrolífero brasileiro nas áreas do Pré-sal. A recente descoberta
de grande acumulação de petróleo leve e gás natural nos 149 mil quilômetros
quadrados da chamada província do Pré-sal, localizado na Bacia de Santos,
eleva a estimativa das reservas brasileiras para 90 bilhões de barris de
petróleo, um salto quantitativo que, antes, somava 13 bilhões de barris de
petróleo[13]. Além de impulsionar o Brasil a um novo patamar no mercado
mundial energético, o uso do vultuoso excedente proveniente das receitas de
produção cria a chance de um efetivo desenvolvimento para o país.
Entretanto, a alternativa jurídico-institucional de transferir tal
excedente arrecadado pela União para o Fundo Social torna qualquer
concretização de benefícios depender da estrutura proposta deste Fundo.
O presente trabalho pretende abordar o tema dos FSRs e do Fundo Social
em três partes. Precedente à análise do Projeto de Lei per se, os objetivos
da primeira parte são remontar a literatura sobre o conceito de FSRs, as
razões de sua constituição e as problemáticas faces de seus investimentos.
Em seguida, propõem-se a descrever o processo de criação do GAPP, os
propósitos na prescrição de boas práticas e sua relevância ao direito. Após
a elucidação genérica do conteúdo sobre FSRs, a segunda parte intenta-se a
estudar as peculiaridades do Projeto de Lei nº 5.940/2009, a fim de
identificar as causas que levaram a proposição do projeto, os objetivos
pretendidos com a atuação do Fundo Social e os elementos que o caracteriza
como um FSR. Por fim, a terceira parte pretende conformar o desenho
jurídico-institucional proposto pelo governo brasileiro com as práticas
prescritas pelo GAPP, ressaltando as contradições legislativas do Projeto
de Lei.


2. Os Fundos Soberanos de Riqueza: o que são e para que servem?
Os FSRs, durante a última década, passaram de opacos investidores
institucionais, misturados aos milhares que compram e vendem ativos no
sistema financeiro, para intrigantes instituições que atraem a atenção da
imprensa, do mercado e dos acadêmicos. São diversos os motivos que
dirigiram o foco da atenção aos FSRs. Entre estes, o abrupto crescimento da
quantidade de fundos que se enquadram nesta espécie e do montante de ativos
administrados pelos mesmos. Soma-se a estes fatores a curiosa peculiaridade
dos FSRs serem pool de ativos controlados por Estado-nações.
Proporcional ao crescimento do número de FSRs, a diversidade entre
eles torna complexa a tarefa de conceituação deste fundo. Observa-se, na
literatura, a formação de um consenso na classificação adotada por
relevantes instituições domésticos e internacionais. Para o US Tresury
Department, FSRs são veículos de investimentos governamentais que aplicam
suas verbas em ativos estrangeiros e são geridos separadamente do orçamento
geral[14]. Em semelhante linha, o International Working Group of Sovereign
Wealth Funds (IWG), coordenado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI),
estabelece como elementos chaves da definição de um FSR: (i) o exercício do
controle por algum Estado; (ii) a estratégia de investimento em ativos
estrangeiros; e (iii) a restrição dos propósitos e objetivos aos fins
financeiros e macroeconômicos do país[15][16].
Dentre esses três elementos caracterizadores dos FSRs, os propósitos
financeiros e macroeconômicos merecem destaque, porque estes divergem
profundamente de um fundo para outro, de um país para outro. ALLEN &
CARUANA[17], em um esforço de abstração, distinguem os variados objetivos
dos FSRs em cinco espécies, sendo estas: (i) fundos de estabilização, que
pretendem isolar a economia doméstica das instáveis variações dos preços de
commodities; (ii) fundos de poupança para gerações futuras, que objetivam
converter ativos de endowments não-renováveis, como o petróleo, em um
portfólio de ativos mais heterogêneo; (iii) fundos de reserva de
investimento, que promovem aplicações financeiras das reservas monetárias
doméstica para a obtenção de uma rentabilidade; (iv) fundos de
desenvolvimento, que tipicamente investem em projetos socioeconômicos ou de
políticas industriais que promovam o crescimento do potencial produtivo do
país; e, por fim, (iv) fundos de reserva de pensão, que investem as
contribuições originários dos pensionistas.
O mais comum dos FSRs são aqueles cuja receita advém da exploração de
recursos naturais não-renováveis. Dos 50 FSRs registrados no ranking do SWF
Institute, 33 foram constituídos em decorrência da exploração de endowments
não-renováveis e, destes, 29 são vinculados às receitas da extração de
Petróleo[18]. Neste caso especifico, o propósito da constituição do FSR é
facilmente identificável. Decorre do interesse em mitigar os efeitos da
doença holandesa[19], manter a estabilização monetária e poupar ativos para
gerações futuras, quando esgotadas as riquezas.
Apesar dos inúmeros estudos que identificam os propósitos
macroeconômicos e financeiros dos FSRs, recentemente, a estreita orientação
econômica destes investimentos estão sendo questionadas por teóricos,
principalmente, de Estados receptores dos ativos. Eis que se deu início às
suspeitas do bifrontismo dos FSRs.


1. O binfrontismo dos investimentos dos Fundos Soberanos de Riqueza: a
face privada versus a face política
Como Jano, o potencial bifrontismo dos FSRs intriga teóricos e ameaça
o livro fluxo deste ativos entre sistemas financeiros. A prevalência da
face privada na orientação dos investimentos, antes inquestionável, é
contestada pelos que alegam o recente aparecimento da face política. Ou
seja, não apenas a racionalidade econômica estaria sendo critério na
formulação da política de investimento dos FSRs, mas também objetivos
obscuros que ameaçam à segurança nacional dos países receptores[20].
Apesar da existência de FSRs desde meados do século passado[21], as
preocupações quanto aos seus propósitos ganharam repercussão na atualidade
devido ao rápido crescimento e a alteração da estratégia dos investimentos.
O que antes se restringia à aquisição de ativos conservadores, como títulos
de dívidas públicas e, em especial, do Tesouro Americano, passou a
diversificar em investimentos de elevado risco e alto retorno, como a
compra de ações em companhias abertas. O resultado foi um boom na
lucratividade, entretanto, seguida por um boom de indagações aos propósitos
dos FSRs.
Entre os investimentos suscitadas como suspeitos, o FSR dos Emirados
Árabes, ADIA - Abu Dhabi Investment Authority[22], em 2007, adquiriu 4,9%
das ações ordinárias do Citibank, tornando-se um dos maiores acionistas do
banco[23]. Ainda no mercado financeiro, estima-se que a soma dos
investimentos dos FSRs em bancos americanos e europeus, como o Citigroup,
Morgan Stanley e Merril Lynch, atingiram o montante de 60 bilhões de
dólares apenas nos segundo semestre de 2007[24]. No mesmo ano, a China
Investment Corporation, comprou quase 10% dos ativos da companhia
Balckstone e, não suficiente, propôs a aquisição de 16,5% das ações
ordinárias da 3Com[25]. Ainda, na União Européia, o FSR da Russia, o
Russia's Gazprom, também sofreu fortes acusações de realizar investimentos
politicamente estratégicos em companhias exploradoras de gás natural do
oeste europeu[26].
Atualmente, nos Estados Unidos, já vigora uma regulação protecionista
sob a justificativa da proteção à segurança nacional, o que limita
significativamente a atuação dos FSRs. Além dos diversos regimes
estatutários que restringem sumariamente a tomada do controle de companhias
em setores estratégicas americanas, como companhias aéreas e industrias de
energia nuclear[27], os investimentos estrangeiros ainda sofrem a
interferência do Comitê de Investimentos Estrangeiros dos Estados Unidos
(CFIUS – Committee on Foreign Investment in the United States). De acordo
com o The Foreign Investment and National Security Act (FINSA), de
2007[28], qualquer entidade estrangeira que pretenda adquirir o controle de
empresas engajadas em comércios interestaduais deverá submeter a proposta
ao CFIUS, que elaborará um relatório sobre os riscos à segurança nacional.
Mesmo que o parecer seja favorável ao investimento, sendo a entidade
investidora controlada por algum governo estrangeiro, como é o caso dos
FSRs, é requerido mais 45 dias para investigações mais criteriosas[29].
Independente da decisão final da CFIUS ter concluído pela possibilidade do
investimento, o Presidente americano ainda possui o poder-dever de
pronunciar-se, tendo a liberalidade de vetar ou anuir a aplicação.

Apesar desse extenso protocolo, teóricos ainda defendem a criação de
outros instrumentos regulatórios que restrinjam ainda mais a atuação dos
FSRs. Como exemplo, GILSON & MILHAUPT[30] sugerem a retirada do poder de
voto das ações ordinárias enquanto estiverem sob a gestão de um FSR.
Entretanto, no sentido diametralmente oposto, EPSTEIN & ROSE[31] julgam que
as alegações sobre o bifrontismo dos FSRs são infundadas, não passando de
meras suposições, e rejeitam qualquer tipo de regulação diferenciada. Entre
o dois extremos, eis que surgiu uma alternativa moderada: o GAPP.

2. O GAPP, Generally Accepted Principles and Practices, ou Princípios
de Santiago
Entre sugestões regulatórias protecionistas ou liberais, a voz da
cautela bracejou. Em outubro de 2007, os Ministros da Fazenda do G-7
anunciaram que a melhor alternativa jurídico-institucional seria a
promulgação de um código voluntário internacional, versando sobre as
melhores práticas dos FSRs, o qual ficaria sobre a responsabilidade do
Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE)[32]. O principal objetivo seria abordar os
temas da estrutura institucional, do risco de gestão, da transparência e da
responsabilidade dos FSRs.
A primeira resposta do FMI ao G-7 foi a convocação dos países que
possuíam FSRs para um diálogo sobre as práticas por eles exercidas e
particulares pontos de vista, ocorrido em novembro de 2007[33]. Em outra
reunião, também convocada pelo FMI, esta realizada em abril de 2008, foi
constituído o International Working Group of Sovereign Wealh Funds (IWG),
representado por 26 membros[34] do FMI responsáveis por elaborar um
documento oficial sobre as boas práticas aceitáveis aos FSRs.
Cumprindo com as obrigações a ele atribuídas, os trabalhos do IWG
culminaram na apresentação do documento denominado Generally Accepted
Principles and Practices (GAPP), ou Princípios de Santiago, o qual
prescreve a apropriada governança e responsabilidade dos FSRs, como também,
as suas pertinentes políticas de investimento. As disposições do GAPP são
relevante para a proteção de dois atores interessados: tanto dos Estados
receptores dos investimentos, preocupados com a manutenção da segurança
nacional, como dos Estados fundadores de FSRs, os quais desejam que tais
fundos sirvam estritamente às suas finalidades originárias. Vinculado às
escolhas iniciais do G-7, o GAPP se auto-conceitua como um código que
descreve os princípios e as práticas aceitáveis de natureza voluntária[35].
Traduzindo à linguagem jurídica, o GAPP se trata de uma soft law.
Apesar da discussão em torno da expressão soft law abranger profundas
reflexões sobre a concepção de direito, a qual ultrapassa os limites do
presente trabalho, a classificação do GAPP como tal merece fundamentação.
SALEM[36], traduzindo o conceito genérico usual de Salmon[37], descreve
soft law como regras cujo o valor normativo será limitado, seja porque os
instrumentos que as contêm não seriam juridicamente obrigatórios, seja
porque as disposições em causa, ainda que figurando em um instrumento
constringente, não criariam obrigações de direito positivo, ou não criariam
senão obrigações pouco constringentes. Continuando o autor em um esforço de
classificação mais especifica, inclui ao gênero soft law a espécie que
denominou de quase-direito. Entre estes, como uma sub-espécies, inclui os
instrumentos produzidos pelas organizações internacionais. Eis onde se
enquadra o GAPP.
Elaborado pelo FMI e pela OECD, o GAPP é um instrumento não
obrigatório, ou seja, que não cria obrigação jurídica aos Estados, não
estrutura a sociedade ou não estabelece as regras do jogo. Estas são,
resumidamente, as razões para chamá-lo de quase-direito. Muito embora a
ausência de enforcement, o GAPP positiva um código de condutas aceitáveis
que, impreterivelmente, induz os diferentes Estados e instituições a levar
em conta as suas proposições na elaboração de um regime regulatório ou na
simples tomada de decisão[38]. Diante deste reconhecimento da relevância da
sotf law pelo direito internacional, é conclusivo que a prescrição de boas
práticas dos FSRs pelo GAPP não apenas pode, como deve ser considerada como
um guia regulatório para um Estado que pretenda constituir um novo FSR,
como o Brasil.


3. O Projeto de Lei do Fundos Social brasileiro: o pré-sal e as razões de
sua constituição.
O cenário internacional é bastante promissor aos países produtores de
petróleo e gás natural. Estima-se que a demanda se manterá permanente, as
reservas estão decrescendo e, nestas condições, o crescimento do valor da
commodity é a conseqüência lógica da lei do mercado. Representando o
recurso natural mais consumido pela matriz energética mundial, a substância
preta viscosa adquiriu o status de ouro negro das nações.
Desde a década de 50, o Brasil está inserido ao seleto rol de
produtores de petróleo e gás natural. Durante a trajetória percorrida, o
setor petrolífero brasileiro nunca assumiu uma postura relevante no cenário
internacional, posto que suas limitadas reservas naturais e elevado consumo
do mercado interno nunca lhe proporcionaram status de grande
exportador[39]. Entretanto, no âmbito nacional, as circunstâncias são
diferentes. Estima-se que a contribuição do setor petrolífero ao Produto
Interno Bruto (PIB) brasileiro se mantém progressiva desde as primeiras
extrações. Nos anos 60, a média de participação era de 2,44%, enquanto, no
ano de 2004, o petróleo representou a vultosa parcela de 8,11% do PIB
nacional[40].
Apesar da tímida, porém crescente, participação do Brasil no cobiçado
mercado internacional de comercialização de petróleo, esse quadro tende a
mudar abruptamente. A recente descoberta de vastas reservas de petróleo e
gás natural na camada denominada pré-sal promete inserir o Brasil no
privilegiado ranking dos maiores exportadores de petróleo do mundo. Em uma
área de 149 mil quilômetros quadrados de extensão na plataforma
continental, à aproximadamente 150 mil quilômetros da costa e abaixo de uma
profunda camada de água e sal, estima-se a existência de 70 bilhões de
barris de petróleo[41], uma riqueza que entusiasma até os mais pessimistas.

As atividades de extração e comercialização do petróleo e do gás
natural geram o crescimento econômico de um país, mensurado pelo PIB
doméstico. No entanto, as evidências empíricas questionam se a mesma
causalidade existe na relação entre a exploração deste endowment natural
não-renovável com o desenvolvimento do país. Para muitos, é intrigante o
complexo paradoxo que, dos doze países que figuram na prestigiada lista dos
membros da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP)[42], seis
se enquadram, concomitantemente, no ranking de países com o IDH médio-baixo
ou baixo[43]. Os dados representam não apenas um indício de que a mera
produção de petróleo não é suficiente para promover o desenvolvimento, mas
também sugerem que a abundância deste endowment pode ser considerada uma
dádiva ou uma maldição.
Na tentativa de descrever as causas do pífio desempenho dos países cuja
produção de petróleo representa uma parcela significativa da economia,
KARL[44], em pesquisa sugestivamente intitulada The Paradoxy of Plenty: the
Oil Booms and Petro-States, identificou que, apesar das diferenças dos
Estados e das formas de governo, existe nestes um padrão de decisões
políticas. A expressiva exportação do produto natural gera, naturalmente,
um largo inflow de moeda estrangeira no mercado doméstico, causando uma
valorização cambial da moeda nacional. Além disso, a desproporcional
confiança das despesas públicas em petro-dollars, divisas originárias da
exportação de petróleo que, em regra, são dólares, e a manutenção destes
recursos no sistema financeiro provocam problemas sócio-econômicos
devastadores. Como exemplo das indesejáveis conseqüências cita-se a
desindustrialização de outro setores exportadores, conhecida como doença-
holandesa[45], a defasagem de capacitação da população e um constante
aumento de desigualdades sociais.
Diante dessas experiência passadas, a inserção na economia brasileira
de recursos provenientes da exploração e produção de petróleo e gás natural
do pré-sal merece cautela. O Grupo de Petróleo e Gás do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), coordenado por Antônio Barros
de Castro, divulgou a estimativa que, em 2030, apenas a exportação de
petróleo representará 5,6% do PIB brasileiro[46], uma expressiva parcela da
economia. A possibilidade destes petro-dollars causarem efeitos sócio-
econômicos negativos é razoável, ao ponto de considerá-la temerária.
Em conseqüência aos riscos previstos, alternativas foram propostas na
expectativa de evitar esta inundação de moeda estrangeira na economia
nacional e, com isso, mitigar os efeitos da doença holandesa. O próprio
BNDES divulgou notas sugerindo, como alternativa econômica, a exploração
gradual das reservas do pré-sal[47]. Por sua vez, extraído de experiências
positivas de outros países exportadores de petróleo, como a Noruega, os
Emirados Árabes e a Arábia Saudita, teóricos também sugeriram a criação de
um FSR para retirar o excedente de moeda estrangeira do mercado financeiro
nacional e investi-lo em ativos fora do país[48]. Em 2009, um projeto de
lei encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo deixa clara o
vinculo da alternativa jurídico-institucional escolhida pelo governo
federal a essa segunda sugestão.
O Projeto de Lei 5.940[49], apresentado na Câmara dos Deputados em 1º
de setembro de 2009, prevê a criação do Fundo Social para receber a
transferência das receitas da União proveniente da produção de petróleo e
gás natural da região do pré-sal. De acordo com seus dispositivos,
constituirão recursos do Fundo Social: (i) a parcela do valor de bônus de
assinatura e dos royalties[50] que cabem a União e que lhe forem destinado
pelos contratos de partilha de produção; (ii) a receita advinda da
comercialização de petróleo, gás natural e de outros hidrocarbonetos
fluidos da União[51]; (iv) os resultados das aplicações financeiras do
próprio fundo; e (v) outros repasses destinados voluntariamente[52]. Isto
significa que, se aprovado o projeto do lei assim como está, os citados
recursos destinados à União serão transferidos obrigatoriamente para o
Fundo Social e sua utilização estará estritamente vinculada aos objetivos
prescritos no texto, o que representa uma alteração profunda do status quo.

Embora, atualmente, a parcela dos royalties destinados à União,
subtraída a parte destinada aos órgãos específicos, seja ínfima[53], estima-
se que a parte destinada à União, referente a partilha do óleo excedente
com o contratante, seja suficiente para concentrar nas mãos do governo
central a capacidade de gerir os riscos de uma instabilidade econômica.
Explicitamente, isto é o que espera o Poder Executivo na redação do Projeto
de Lei do Fundo Social. O texto da pretensa lei estabelece como objetivos
deste fundo: (i) constituir poupança pública de longo prazo com base nas
receitas auferidas pela União; (ii) mitigar as flutuações de renda e de
preços na economia nacional, decorrentes das variações de renda gerada
pelas atividades de produção e exploração de petróleo e de outros recursos
não renováveis; e (iii) oferecer fonte regular de recursos para o
desenvolvimento de projetos e programas nas áreas de combate à pobreza e de
desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e tecnologia e da
sustentabilidade ambiental[54]. Reforçando a finalidade do Fundo Social, a
exposição de motivos do mesmo projeto de lei reitera e complementa a
finalidade do fundo: (i) controlar o impacto cambial das operações
relativas ao setor petrolífero; e (ii) evitar os efeitos inflacionários
decorrente do excesso de recursos disponíveis sobre a capacidade de
investimento e de produção da economia em determinado período[55].
Apesar de que não houve a menção explicita ao termo soberano em
nenhum trecho do Projeto de Lei ou da Exposição de Motivos, é inegável que
o Fundo Social é sim um FSR.


1. O Fundo Social: a alternativa jurídico-institucional de um Fundo
Soberano de Riqueza
Reiterando o que foi antes elucidado por este artigo, a conceituação
de um FSR é um árduo exercício devido a diversidade de fundos que se auto-
denominam soberanos. Muito embora a variedade, o FMI abstraiu três
elementos essenciais para classificar um fundo como um FSR: (i) ser
controlado por algum Estado; (ii) ter investimentos restritos a fins
financeiros e macroeconômicos do país; e (iii) possuir estratégias de
investimento que incluam a aplicação em ativos estrangeiros[56]. Sem muitos
esforços, é conclusivo que o Fundo Social proposto corresponde,
perfeitamente, à manifestação destes três critérios.
1. O exercício do controle pelo Estado
Quanto ao primeiro elemento, o Fundo Social corresponde a um fundo de
natureza contábil e financeira, vinculado à Presidência da República[57], e
que pode adquirir ativos no Brasil ou no exterior diretamente pelo
Ministério da Fazenda[58]. Pelo Projeto de Lei nº 5.940/2009, pode-se
inferir que o Fundo Social é um Fundo Público Financeiro, ou seja, uma
reserva de receita pública para aplicação determinada em lei[59]. A
definição disposta por CRETELLA JUNIOR[60] é perfeitamente aplicável ao
caso: "fundo, ou melhor, fundo público, é a reserva em dinheiro, ou o
patrimônio líquido, constituído de dinheiro, bens ou ações, afetado pelo
Estado a determinado fim". Manifesta o autor, ainda, que os fundos têm uma
quase-personalidade jurídica; são dotados de autonomia para a gestão dos
ativos que lhe são destinados, e têm capacidade processual própria. Assim,
o Fundo Social será, como IWG denomina, um pool de ativos sem identidade
jurídica própria[61].
A possibilidade jurídica de criação de um fundo público financeiro
como o Fundo Social está prevista na Constituição Federal, art. 165, no §
9º do inciso II, a qual remete a lei complementar o estabelecimento de
normas sobre o seu funcionamento. Não tendo sido editada a referida lei
complementar, prevalece, por recepção, o disposto na Lei nº 4.320[62], de
17 de março de 1964, a qual estatui as normas gerais de direito
financeiro[63].
Para não ficar restrito às limitações legais de um fundo público de
investimento, o Projeto de Lei nº 5.940/2009, ainda enquanto projeto,
acrescenta a possibilidade da União transferir os recursos do Fundo Social
para um fundo de investimento específico, o qual terá a mesma União como
única cotista[64]. Muito embora os teóricos do direito usem da mesma
terminologia – fundo – para a denominação do fundo público financeiro e do
fundo de investimento, FREITAS[65] ressalta que correspondem à institutos
jurídicos completamente diferentes. O próprio texto de criação do Fundo
Social esclarece esta tangente divergência, prescrevendo que "o fundo de
investimento especifico terá natureza privada, patrimônio próprio separado
do patrimônio do cotista e do administrador, sujeitando-se a direitos e
obrigações próprias"[66]. Neste ímpeto, o fundo de investimento específico,
tratado no Projeto de Lei, corresponde ao instituto jurídico trazido pela
Lei das S.A., ou seja, uma comunhão de recursos constituído sob a forma de
condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros e administrado por
pessoa jurídica autorizadas pela CVM para o exercício profissional de
administração de carteira. Como o próprio conceito já antecipa, pela
previsão da Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001[67], os fundos de
investimento são regulados e fiscalizados pela Comissão de Valores
Mobiliários, a qual editou a Instrução CVM nº 409, de 18 de agosto de
2004[68], que dispõe sobre as normas gerais que regem a constituição, a
administração, o funcionamento e a divulgação de informações do fundo.
A constituição do fundo de investimento, conforme previsto pelo
projeto do Fundo Social, é restrito a uma instituição financeira
federal[69], a qual deverá figurar como administradora. Esta deve aprovar o
seu regulamento, contendo, dentre outras, informações sobre a espécie de
fundo, o seu prazo de duração, a política de investimento, de divulgação de
informações e de administração de riscos, o público alvo e a distribuição
dos resultados[70]. Além das disposições da Instrução CVM nº 409/2004, o
administrador do fundo de investimento também deve observar as regras de
conduta da Instrução CVM nº 306/1999, a qual prevê, dentre outros, (i) os
deveres de diligência e lealdade; (ii) o dever de verificar a adequação da
política de investimento ao tipo de investidor; e (iii) o dever de
informar, sob o principio do disclosure que norteia o funcionamento do
mercado de valores mobiliários[71].
Analisando ambas as formas de aplicação das receitas previstas pelo
Projeto de Lei nº 5.940/2009 - através de um fundo financeiro público ou de
um fundo de investimento - conclui-se que as duas satisfazem o primeiro
requisito de qualificação de um FSR – ser controlado por um Estado. Na
primeira forma possível, a aquisição de ativos decorre do próprio Fundo
Social, um fundo financeiro público, cuja a totalidade de receitas são
provenientes da União e que não possui identidade legal separada do ente
federal. Não obstante, na segunda forma, o investimento é feito através de
um Fundo de Investimento Específico, um fundo cujo único cotista é a
própria União e que possui como administrar apenas instituições financeiras
federais, ou seja, bancos em que a União é o acionista controlador[72] ou o
único proprietário[73].
2. Objetivos Financeiros e Macroeconômicos
A estreita vinculação das políticas de investimento aos objetivos
financeiros e macroeconômicos do país decorre da já mencionada aflição dos
FSRs servirem a fins políticos, colocando em risco os países receptores das
aplicações e os países proprietários do próprio fundo. Se um dos objetivos
de um FSR é a gestão de uma poupança pública, espera-se que as aplicações
desta receita objetivem o aumento e a manutenção da reserva de ativos, caso
contrário, seria desfavorável aos próprios cidadãos e teria a sua
capacidade de controle macroeconômico reduzida. Para o IWG, um fundo
controlado por um Estado que não tenha como compromisso este segundo
requisito não merece ser incluído no rol dos FSRs, podendo os Estados
receptores destes investimentos restringirem suas aplicações em ativos
nacionais.
O Projeto de Lei nº 5.940/2009 deixa claro a política de investimento
do Fundo Social, não restando duvidas quanto as suas finalidades
financeiras e macroeconômicas. Estabelece que a política de investimento
tem por objetivo buscar a rentabilidade, a segurança e a liquidez de suas
aplicações e assegurar sua sustentabilidade financeira para que os recursos
resgatados sejam aplicado em projetos e programas nas áreas de combate à
pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e
tecnologia e da sustentabilidade ambiental[74].
Vinculado a tal política de investimento, o projeto de lei prevê a
criação do Comitê de Gestão Financeira do Fundo Social (CGFFS), o qual será
nomeado por ato do Poder Executivo[75] e competente para definir os limites
gerais dos investimentos, como: (i) a rentabilidade mínima esperada; (ii) o
tipo e o nível de risco que poderão ser assumidos na realização dos
investimentos; (iii) os percentuais, mínimo e máximo, de recursos a serem
investidos no país; (iv) os percentuais, mínimo e máximo, a serem
investidos no exterior; (v) a capitalização mínima a ser atingida antes de
qualquer transferência para a realização de projetos sociais, previstos na
próprio projeto de lei; e (vi) o montante a ser resgatado do Fundo Social,
assegurada sua sustentabilidade financeira[76]. Observa-se, pelo projeto de
lei, que o desenho da política de investimento deverá ser estritamente
vinculada aos objetivos macroeconômicos do próprio Fundo Social[77], entre
os quais se destaca a mitigação da flutuação de renda e de preços na
economia nacional decorrente das variações na renda gerada pelas atividades
de produção e exploração de petróleo. Não apenas vinculado aos objetivos do
Fundo Social, mas para exercer sua finalidade de forma eficaz, infere-se,
também, que a política de investimento deverá ser vinculada às políticas
macroeconômicas nacionais sobre política monetária, política financeira,
política de exportação e muitas outras.
Quanto ao montante resgatado do Fundo Social, ressalvado sua
sustentabilidade financeira, a parcela será aplicada aos projetos sociais.
Ressalta-se que, retirado o ativo do Fundo Social, não compete ao FSR a
utilização daquela receita no âmbito nacional, saindo da esfera de uma
política financeira para entrar na esfera de políticas públicas. Por isso,
não cabe neste artigo tratar dos dispositivos que regulam essa matéria.

A mera transcrição das políticas de investimentos expressamente
prevista no projeto de lei basta para relacionar os propósitos do Fundo
Social com objetivos estritamente financeiros e macroeconômicos, ensejando
na conclusão de que o segundo elemento caracterizador de um FSR também está
consubstanciado.
3. Investimentos em ativos estrangeiros
O terceiro elemento – a exigência de incluir as políticas de
investimento a aquisição de ativos estrangeiros - é acrescido como
elemento caracterizador de um FSR por um único e simples motivo: um fundo
controlado por um Estado e com o objetivo de investir em ativos financeiros
domésticos, em regra, não afetaria além de que a economia local, não
causando exacerbadas preocupações internacionais quanto a sua natureza ou
quanto suas políticas internas. Um FSR, sendo uma instituição com atuação
internacional, repercute no sistema financeiro global, requisitando maior
atenção às suas decisões.
Especificamente quanto ao projeto do Fundo Social no Brasil, pelos
objetivos de criação do fundo, infere-se que este terá que adquirir ativos
no exterior. Para se controlar o impacto cambial ou evitar os efeitos
inflacionários decorrentes do excesso de recursos estrangeiro[78] através
de um fundo, cabe unicamente a este retirar o excedente de recursos na
economia nacional. Mesmo assim, o Projeto de Lei nº 5.940/2009 optou por
explicitar a pretensão de investir em ativos estrangeiro. Quando a
aplicação decorrer diretamente do Fundo Social[79], que é um fundo
financeiro público, deve-se respeitar os percentuais mínimos e máximos de
recursos a serem investidos no exterior[80], estabelecidos pelo Comitê de
Gestão Financeira do Fundo Social – CGFFS. Por sua vez, quando os recursos
do Fundo Social forem transferidos para um fundo de investimento
específico, dispõe o texto que este terá como finalidade promover a
aplicações em ativos no Brasil e no exterior[81].
Caracterizado que os três elementos conceituais de um FSR é
evidenciado na análise do Fundo Social, pode-se afirmar que, apesar de não
declarado abertamente pelo Poder Executivo na elaboração do projeto de lei
ou na exposição de motivos, o projeto de lei nº 5.940/2009 objetiva a
criação de um FSR, ou, aliás, mais um, considerando que em 2008 foi
constituído o Fundo Soberano do Brasil (FSB). Entretanto, espera-se que o
tamanho e repercussão do Fundo Social seja expressivamente maior, já que
suas receitas decorrerão da promissora atividade de exploração de petróleo
e serão transferidas de forma obrigatória, o que não ocorre com o FSB, o
qual recebe recursos de forma voluntária.
Sendo o Fundo Social um FSR e sendo as boas práticas dos FSRs
prescritas no GAPP, produzido pelas organizações internacionais FMI e OCDE,
pertinente seria comparar os dispositivos da soft law com as disposições
propostas pelo atual governo, a fim de identificar se há contradições.


4. O Fundo Social: contradições ao GAPP - Generally Accepted Principles
and Practice
A alternativa jurídico-institucional de constituir um código de boas
práticas dos FSRs se originou, preliminarmente, de uma reunião do seleto
grupo do G-7, mas as ações posteriores decorreram de amplo apoio
internacional. Estão incluídos na lista 23 países membros do IWG[82]; 6
permanentes observadores, dentre os quais 3 são Estados e 3 são
organizações internacionais[83]; e 10 membros que se fizeram presentes
durante as reuniões que ensejaram na elaboração do GAPP[84]. Nada mais que
uma soft law, o propósito na prescrição de princípios é identificar a
estrutura mais apropriada de governança para que os FSRs tragam benefícios
econômicos e financeiros aos países que o constituem, os países receptores
e o sistema financeiro internacional[85].
Se os princípios e práticas gerais dos FSRs foram redigidos a partir
das experiências de países já possuidores desta espécie de fundo e
preocupados conjuntamente em garantir que um FSR não seja utilizado para
outros fins que não os financeiros e econômicos que justificaram sua
criação, analisar o conteúdo substancial do princípios do GAPP torna-se não
apenas válido, mas também um exercício de precaução. Precaução esta
fundamental quando se trata de comparar estes princípios com dispositivos
de um projeto de lei prestes a ser aprovado pelo Congresso Nacional
brasileiro[86].
O conteúdo do GAPP, ou também denominado Princípios de Santiago, foi
disposto em 24 princípios, os quais foram divididos em três importantes
grupos: (i) estrutura legal, objetivos e coordenação com políticas
macroeconômicas; (ii) estrutura institucional e de governança; e (iii)
estrutura de investimento e gestão do risco. O objetivo desta terceira
parte do artigo é comparar os dispositivos do GAPP com o que dispõe o
Projeto de Lei nº 5.940/2009, com a finalidade de identificar,
essencialmente, as contradições do projeto do Fundo Social com as boas
práticas internacionais dos FSRs.
Preliminarmente, ressalta-se duas observações de cunho metodológico.
Primeiramente, serão iluminados durante a pesquisa apenas as contradições,
excluindo convergências, para que não se estenda demasiadamente o artigo
por áreas não tão relevantes para o recorte proposto. Segundo, os
Princípios de Santiago não possuem conteúdo vinculativo, apenas sugestivo
de boas práticas. Portanto, a confrontação desse com o Projeto de Lei do
Fundo Social sintetiza um trabalho meramente comparativo, ou seja, que não
pretende concluir se o GAPP corresponde efetivamente às melhores práticas
ou não.


1. Estrutura legal e objetivos dos FSRs e a sua coordenação com
políticas macroeconômicas.
Dentre os princípios que tratam da estrutura legal dos FSRs, objetivos
da sua constituição e coordenação com políticas macroeconômicas, estão as
mais aberrantes contradições que o Poder Executivo incorreu na elaboração
do Fundo Social quando comparado ao GAPP.
Conforme estabelecido no GAPP 1.1, a estrutura legal do FSR deve
assegurar a validade legal do próprio FSR e de suas transações[87]. O
projeto de lei nº 5.940/2009 deixa implícito a estrutura legal do próprio
Fundo Social, que, pelo o que foi já mencionado, é um fundo público
financeiro. Por sua vez, também esclarece a estrutura legal do Fundo de
Investimento Específico, o qual poderá receber receitas do Fundo Social,
que é um fundo de investimento regulado pela e fiscalizado pela CVM. No
ordenamento jurídico pátrio, ambas as estruturas legais são válidas.
Entretanto, esta conclusão não pode se estender às formas de transferências
de recursos previstas pelo projeto de lei.
O Projeto de Lei nº 5.940/2009 prevê, em seu art. 7o, que o Fundo
Social, a critério do Comitê de Gestão Financeira do Fundo – CGFFS, poderá,
diretamente pelo Ministério da Fazenda, adquirir ativos no Brasil ou no
exterior, respeitados os limites da política de investimento. Ocorre que,
sendo o Fundo Social um fundo público de investimento, está legalmente
previsto na Constituição Federal, art. 165, no § 9º do inciso II, e
regulado, por recepção, pela Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que
trata das normas gerais do direito financeiro. Por força do art. 72 desta
lei[88], toda e qualquer aplicação das receitas dos fundos públicos
financeiros, incluído assim o Fundo Social, está vinculada à lei
orçamentária da União, ou seja, requer previsão orçamentária aprovada pelo
Congresso Nacional[89][90]. Apesar de confuso o sentido que se pretendeu
dar ao art. 7º do Fundo Social, é preciso esclarecer que nem o CGFFS nem o
Ministério da Fazenda possuem competência para transferir recursos de um
fundo público financeiro para adquirir qualquer ativo no Brasil ou no
exterior, caso contrário, seria uma afronta ao princípio da universalidade,
presente no direito financeiro e previsto no § 5º do art. 165, da CF.
Além da disposição do art. 7º do Projeto de Lei nº 5.940/2009 , outro
artigo do incorre em similar erro. O art. 9º prevê que a União, com
recursos do Fundo Social, poderá participar como cotista único de um fundo
de investimento e, em conseqüência, estabelece em sue art. 10, § 1º, que a
integralização das cotas do Fundo Social em um fundo de investimento será
autorizada em ato do Poder Executivo. Sendo o art. 72 da Lei nº 4.320/64
aplicável a toda e qualquer possibilidade de movimentação de recurso
públicos, a utilização das receitas do Fundo Social para a integralização
das cotas em fundo de investimento não foge à regra. Qualquer aplicação
requer aprovação nas Leis Orçamentárias, não sendo valido um ato do Poder
Executivo consolidar, per se, a transferência de recursos.
Assim sendo, o Projeto de Lei nº 5.940/2009 é coerente quanto à
estrutura legal do Fundo Social, mas peca em prescrever como as
transferências de receitas oriundas do FSR ocorreriam validamente,
merecendo que o conteúdo do Fundo Social seja revisto.
Continuando a análise dos dispositivos prescritos na primeira parte do
GAPP, o Princípio 3 também causa estranheza quando comparado às disposições
do projeto do Fundo Social. Este estabelece que onde as atividades do FSRs
tiverem significantes e diretas implicações macroeconômicas domésticas,
estas atividades devem ser coordenadas juntamente com as autoridades
domesticas monetárias e fiscais, para assegurar consistência a toda
política macroeconômica[91]. A prescrição do princípio demonstra uma forte
preocupação do GAPP com os Estados que constituíram FSRs com fins
macroeconômicos, sugerindo que os gestores do fundo sejam os mesmos entes
competentes para definir a política macroeconômica do país, evitando
decisões contraditórias.
Que os objetivos do Fundo Social são estreitamente vinculados a fins
macroeconômicos, não resta duvida, como já foi reiteradamente mencionado
neste artigo[92]. No entanto, não existe nenhum dispositivo no Projeto de
Lei nº 5.940/2009 que assevera que as atividades do Fundo Social serão
coordenadas pelas autoridades monetárias e financeiras do Estado.
Apesar da exposição de motivos do Projeto de Lei nº 5.940/2009
mencionar que a gestão financeira do Fundo Social deverá ser executada pelo
Comitê Gestor e contar com a participação do Ministério a Fazenda,
Ministério do Planejamento e do Banco Central[93], os dispositivos do
projeto de lei em nada garantem essa relação de forma concreta. Restringe-
se a dispor que o comitê de Gestão do Fundo Social – CGFFS, responsável por
definir a política de investimento do Fundo Social, terá sua composição
estabelecida em ato do Poder Executivo[94], ou seja, um Decreto a ser
sancionado pelo Presidente da República. Neste sentido, o presidente tem
poder discricionário para compor o CGFFS e indicar qualquer pessoa que
aceite exercer a função[95].
Semelhantemente, sendo as receitas do Fundo Social transferidas a um
fundo de investimento, a administração dos ativos recaíra sobre a
instituição financeira federal administradora, a qual terá plena autonomia,
desde que respeitadas as políticas de investimentos determinantes em seu
regulamento.
As peculiaridades do Projeto de Lei nº 5.940/2009, ensejam a conclusão
que o Ministério da Fazendo, o Ministério do Planejamento ou Banco Central,
conforme o desenho jurídico-institucional proposto, não possuem nenhuma
autoridade sobre a utilização dos recursos do Fundo Social, mesmo que suas
finalidades sejam macroeconômicas. Ou seja, as preposições são
completamente desconformes com o princípio 3 do GAPP.
Por fim, resta mencionar uma terceira contradição que ainda reporta à
primeira parte dos Princípios de Santiago. O GAPP 5 estabelece que o as
informações estatísticas relevantes dos FSRs devem ser reportadas no prazos
baseado pelo Estado ou de outra forma requerida, para a sua inclusão aos
dados macroeconômicos[96]. Estes deveriam apurar o desempenho dos fundos
com a periodicidade que permita a utilização dos dados na política
macroeconômica do país.
O Projeto de Lei nº 5.940/2009 estabelece que o as demonstrações
contábeis e os resultados das aplicações do Fundo Social serão elaborados e
apurados semestralmente[97]. Em regras, as decisões das políticas
macroeconômicas nacionais são moldadas a partir dados apurados mês a mês, a
exemplo da variação do Produto Interno Bruto, dos Índices Inflação, da
Balança Comercial, entre outros, os quais servem de base para decisões
governamentais, como a variação da taxa SELIC . Se o Fundo Social é um
instrumento de estabilização econômica, pertinente que os resultados de
suas aplicações financeiras sejam contabilizados de forma mais freqüente.
No mais, caso as receitas do Fundo Social sejam transferidos a um
fundo de investimento, o seu regulamento é que deverá prever a política de
divulgação de informações do fundo[98], a qual será determinada pelo
instituição financeira federal administradora, sobre seu critério.
Da primeira parte estrutural do GAPP, extraem-se três princípios que
destoam do desenho jurídico-institucional proposto pelo Projeto de Lei nº
5.940/2009. Apesar de que o presente trabalho não pretende definir o melhor
desenho legal, é cediço que o conteúdo das contradições merecem atenção
redobrada do legislador na ocasião da aprovação do Fundo Social.


2. Estrutura Institucional e de Governança dos FSRs
A segunda parte do GAPP objetiva estabelecer a estrutura institucional
e de Governança do FSR para assegurar, em geral, a independência do
administrador e a sua responsabilidade pelas operações financeiras
executadas.
Como anteriormente esclarecido, o Fundo Social, atuando diretamente,
apenas poderá adquirir ativos sob a condição de previsão orçamentária, o
que afastaria a existência da figura do administrador gestor dos recursos.
O Congresso Nacional será quem deliberará sobre as aplicações financeiras
do Fundo Social. No entanto, o fundo de investimento especifico, o qual
poderá receber ativos do fundo social, este sim possui um administrador.
A CVM, autarquia federal competente para regulamentar e fiscalizar
todos os fundos de investimentos, ao editar a Instrução CVM nº 409/2004,
optou por deliberar sobre diversos temas, como o processo de constituição
de um fundo de investimento, o conteúdo que deverá conter no regulamento,
os direitos e deveres dos administradores, a divulgação de informações e
resultado, a sua liquidação, entre outros. Esta extensa previsão
regulamentar, satisfatoriamente, cobre todos as proposições do GAPP
referentes à segunda parte, não culminando em nenhuma contradição. Neste
ímpeto, resta a análise da ultima parte do GAPP.


3. Estrutura de Investimento e Gestão do Risco
Na última e terceira parte do GAPP, o IWG procura estabelecer um
vinculo indissolúvel da política de investimento dos FSRs e do risco de
gestão de sua riqueza com os interesse do Estado que o constituiu. Dispõe o
GAPP 18 que a política de investimento dos FSRs deve ser clara e
consistente com seus objetivos definidos, ricos tolerados e estratégia de
investimentos, conforme estabelecido pelo Estado ou por órgãos
governamentais, e ser regido por princípios prudentes para a gestão da
carteira[99].
Por força do Projeto de Lei nº 5.940/2009, a política e investimento
do Fundo Social será previamente definida pelo Comitê de Gestão Financeira
do Fundo Social – CGFFS, composto por ato do Poder Executivo. Dentre o
conteúdo a ser determinado, estão inclusos (i) os percentuais mínimos e
máximos de ativos a serem adquiridos; a (ii) o tipo e o nível de risco que
poderão ser assumidos na realização dos investimentos; (iii) a
rentabilidade mínima esperada; e (iv) a capitalização mínima esperada antes
de qualquer resgate[100]. Portanto, sendo o investimento oriundo
diretamente do Fundo Social, a aplicação deverá respeitar a política de
investimento editada pelo CGFSS[101].
Nada obstante, optando pela transferência dos recursos do Fundo Social
ao fundo de investimento especifico, cuja União é cotista única, estabelece
o art. 11, do Projeto de Lei nº 5.940/2009, que o estatuto do fundo de
investimento definirá as políticas de aplicações; critérios e níveis de
rentabilidade e de risco; e regras de supervisão prudencial de
investimento. O que a lei chama de estatuto nada mais é do que o
regulamento do fundo de investimento, previsto no art. 41 da Instrução CVM
nº 409/2004, o qual deve ser elaborado pelo seu administrador e aprovado
concomitantemente à constituição do fundo.
Apesar de estabelecer o conteúdo do estatuto/regulamento do fundo de
investimento específico, o que seria desnecessário diante da extensa
regulação da CVM, o Projeto de Lei do Fundo Social em nada sujeita a
política de investimento desenhada pela CGFFS à política de investimento
reproduzida no regulamento do fundo de investimento. Com isso, existe uma
forte possibilidade da receita do Fundo Social, quando transferido ao fundo
de investimento especifico, perca sua finalidade macroeconômica para o
país.
O que se extrai de mais sério às contradições do GAPP com as
disposições do Projeto de Lei nº 5.940/2009 é que, como o CGFFS não é
vinculado obrigatoriamente às autoridades competentes para estabelecer a
política macroeconômica nacional, existe a possibilidade das políticas de
investimentos do Fundo Social sair desconforme com a política
macroeconômica do país. Além disso, como a política de investimento do
Fundo Social não é vinculada a política de investimento estabelecida no
regulamento do fundo de investimento especifico, existe uma outra
possibilidade de desconformidade. Estas lacunas poderiam, desastrosamente,
restringir, ou até mesmo eliminar, qualquer finalidade macroeconômica do
Fundo Social, o principal objetivo de sua constituição.


5. Conclusão
Defronte as exigências de um sistema financeiro global voraz por
mercados que proporcionem um alto retorno de seus investimentos com o menor
risco, a adoção de alternativas jurídico-institucionais pelo Estado de
controle macroeconômico nacional se torna não apenas uma opção, mas um
requisito para a sobrevivência. Entre as alternativas, a constituição de um
FSR vem se mostrando eficaz na manutenção do equilíbrio, tanto que a
vultuosa criação destes, na última década, representa uma evidência
empírica.
O Brasil, com o pré-sal, inicia uma fase sublime de sua história, que,
sem devaneios, promete impulsionar o país ao tão desejado desenvolvimento.
Desenvolvimento que não corresponde ao mero crescimento, mas à efetiva
ampliação das capacidades humanas. Muito embora a euforia, é lúcido que a
mera extração do ouro negro em nada garante este desenvolvimento.
A proposta de lei do FSR brasileiro, o Fundo Social, é um sinal, da
inserção ao discurso político da lógica de que o excedente gerado pela
exploração e produção de petróleo merece cautela quando usado,
principalmente quando o desejo é que o recurso natural se torne uma
benesse, não uma maldição. No entanto, assim como a mera extração do
petróleo não propicia o desenvolvimento, a mera criação do FSR também não
garante a estabilidade econômica. Os dispositivos do Fundo Social –
estrutura jurídica, objetivos macroeconômicos, políticas de investimento –
devem ser condizentes aos propósitos de sua criação, caso contrário, cria-
se um lacuna para o desvio de finalidades.
O uso de excedente do petróleo para outros objetivos, que não os
previstos pelo Fundo Social, reflete um risco ao Brasil de sofrer os
paradoxos da abundância. Resta saber ao qual país nós queremos nos
espelhar: Nigéria ou Noruega.
-----------------------
1 FARIA, José Eduardo, O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Ed.
Malheiros, 2004.
2 BELLO, T. S. . Um fundo soberano brasileiro: é o momento?. Indicadores
Econômicos FEE, v. 35, p. 151-158, 2008
3 A terminologia Fundos Soberanos de Riqueza, utilizada no presente artigo,
corresponde a tradução ipsis litteris do termo Sovereign Weath Funds
(SWFs), amplamente aceito na literatura internacional.
4 HALL, Peter e SOSKICE, David. Introduction, em HALL, Peter e SOSKICE,
David, Varieties of Capitalism – The Institutional Foundations of
Comparative Advantage, New York, Oxford Press, 2001.
5 Monk, Ashby H. B., Sovereignty in the Era of Global Capitalism: The Rise
of Sovereign Wealth Funds and the Power of Finance, SSRN, Oxford, abr.
2010. Disponível em . Acesso em: 05 de
julho de 2010.
6 A organização dos Fundos Públicos variam conforme a transferência de
receitas, podendo ser repasses automáticos e obrigatórios, estabelecidos
por lei, ou voluntários, dependendo de aprovação orçamentária. Sobre o
tema, ver CONTI, José Mauricio, Federalismo Fiscal e Fundos de
Participações, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001.
7 Dado extraído do SWF Institute, equivalente a junho de 2010. Disponível
em . Acesso em: 05 de julho de
2010.
8 Asset Backed Insecurity, The Economist, 17 Jan. 2008, p. 78-80.
9 Sobre as duas faces dos FSRs, ver GILSON, Ronald J. e MILHAUPT, Curtis
J., Sovereign Wealth Funds And Corporate Governance: A Minimalist Response
to the New Mercantilism, fev. 2008, Sanford University Law and Economics,
Working Paper n. 335, Disponível em: .
Acesso em: 11 de junho de 2010.
10 Sobre as opiniões opostas a respeito das faces do FSRs, ver GILSON,
Ronald J. e MILHAUPT, Curtis, op. cit. 9, e EPSTEIN, Richard A. e ROSE,
Amanda, The Regulation of Sovereign Wealth Funds: The Virtues of Going
Slow, University of Chicago Law Review, Disponível em:
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