Futebol ‘também’ é coisa de mulher. Análise de Discurso de um site de futebol só para mulheres

July 6, 2017 | Autor: Lucas Alves | Categoria: Sociología, Linguística, Análise de Discurso
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Futebol ‘também’ é coisa de mulher. Análise de Discurso de um site de futebol só para mulheres Lucas Alves Costa Richard Keys: "Parece que é uma mulher que vai bandeirar hoje, de acordo com Steve, o cameraman." Andy Gray: "Uma mulher bandeirinha?" Richard Keys: "Foi o que ele [cameraman] disse. Ele falou que ela é boa. Mas não sei se a gente pode confiar." Andy Gray: "Eu não confiaria. O que as mulheres sabem de impedimento?" (Narrador Richard Keys e o comentarista Andy Gray, ambos da Sky Sports.) “uma mulher é capaz sim de entender de futebol e dominar a regra do impedimento. A Marta provou que mulher e futebol combinam.” (Ana Paula Oliveira - árbitra FIFA).

O feminismo como movimento ostensivo, que teve origem na primeira metade do século XIX (década de 1840-50) principalmente nos Estados Unidos, desencadeou um processo de reconfiguração da presença das mulheres em vários patamares sociais. Hoje, na maioria das sociedades, as mulheres vêm ocupando cada vez mais espaços que eram prioritariamente masculinos. Quando se fala em “espaços”, vale ressaltar que não se trata somente de posições sociais dentro de uma estrutura hierárquica de papéis sociais comuns em todas as sociedades, mas sim do compartilhamento de valores, hábitos e gostos que eram considerados comuns somente ao gênero masculino. Esse compartilhamento de valores, hábitos e gostos por parte das mulheres em relação aos homens é visível no que tange ao futebol. O futebol foi criado na Inglaterra na data de 26 de outubro de 1863, onde quinze rapazes reuniram-se para regularizar as leis desse esporte. Chegando ao Brasil em 1894 trazido por Charles Miller com o incentivo da colônia inglesa. Um esporte gerado para o público masculino, que com a popularização no Brasil, tornou-se pauta nas conversas entre homens principalmente com a exibição dos talentosos jogadores brasileiros em campeonatos mundiais. Circula-se em todas as esferas comunicativas brasileiras: “O Brasil é o país do futebol”, “Futebol é paixão nacional”, expressões presentes no linguajar das pessoas independente

da esfera econômica pertencentes. Assim, com essas expressões, circulou também (e ainda circula!) o dizer: “Futebol não é coisa de mulher”, demonstrando, com a repetição dessa máxima, a convicção primeira de que futebol foi um esporte feito para o gênero masculino. No inicio do século XX, o futebol começou a ser praticado por mulheres (se tem como base essa data pelo fato que os primeiros campeonatos com times femininos são etiquetados nessa época) seguindo as mesmas regras do jogo masculino, demonstrando, assim, que as mulheres têm total condição física para praticar o esporte. Mesmo com a inserção da mulher na pratica do futebol, essa modalidade não se popularizou no Brasil, sendo esse esporte visto ainda como pertencente ao público masculino. Segundo dados recente (2010) da Confederação Brasileira de Futebol, o país tem cerca de 400 mil jogadoras profissionais contra 1.200 mil jogadores profissionais. De certa forma, a expressão “Futebol é coisa de homem” vem deixando de ser uma demonstração da convicção que esse esporte é prioritariamente masculino e passou a ser uma marcação de machismo, pois há quem defenda que o futebol ‘também’ é coisa de mulher. Assim, nesse embate, pretendemos verificar como se dá a inserção do público feminino quando se trata de assuntos futebolísticos. Com isso, perceber o valor semântico, discursivo e ideológico da conjunção aditiva “também” na expressão “Futebol ‘também’ é coisa de mulher”. Nesse percurso de investigação, sustentaremos o foco nos princípios e procedimentos propostos pela Análise do Discurso (AD) francesa, direcionando esse feixe teórico para um corpus que retrata justamente o cerne da proposta dessa investigação. A seguir, expomos os aspectos teóricos da AD francesa. Depois caracterizaremos o corpus para, assim, traçar uma análise do mesmo.

Patamares teóricos, Análise de Discurso francesa

Para perceber, entender e interpretar com clareza o processo de reconfiguração de espaços e inserção da mulher em uma mídia selecionada se faz necessário a apropriação de

conceitos e preceitos da Análise do Discurso francesa, sendo considerada uma teoria de leitura por excelência, tendo com principal fundador Michel Pêcheux. No percurso histórico dos liames epistemológicos da Linguística, suscitou a reflexão e reconhecimento de que a linguagem e muito além da forma e que recebe interferências de elementos exteriores como a subjetividade e a ideologia, ambas constituídas no âmbito histórico-social. É o que o filósofo alemão Jürgen Habermas chamou de “virada pragmática”. A Linguística se constitui como ciência da linguagem a partir das lições de Ferdinand de Saussure que considera a língua com um sistema de signos formais, apartando a língua da fala. Firmando-se no estudo da descrição das relações internas entre os elementos da língua. Com o desenrolar das ideias de Saussure, a linguagem começou a ser estudada de diversas maneiras, pois se percebeu que há diversas formas de significar. Isso ampliou a visão para além da estrutura da língua para se voltar ao uso efetivo em situações sociais reais por seres concretos inseridos em uma dada conjuntura. Nesse prelo, forma-se a Análise do Discurso que considera a língua em seu estado usual e funcional com elemento que teleologicamente tende a fazer sentido. Assim, a linguagem é tida como um meio necessário entre o homem e a realidade. Nisso a linguagem é considerada além do caráter formal e passiva de atravessamentos exteriores. Nesse sentido, a Análise do Discurso retém como objeto de estudo a discursividade da produção simbólica do homem. Assim afirma Orlandi (2002): Assim, a primeira coisa a se observar é que a Análise do Discurso não trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a língua no mundo, com a maneira de significar, com homens falando, considerando a produção de sentido enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto membros de uma determinada forma de sociedade. (Orlandi, 2002)

Sendo o discurso o objeto próprio da AD, a língua e tida funcionando para a produção de sentido, uma condição que o possibilita. Dessa forma, o ponto de articulação dos

processos ideológicos e dos fenômenos linguísticos é, então, o discurso. Assim, o texto é considerado como unidades além da frase. O estudo do texto considerado com unidade fundamental na análise da linguagem ganhou seu destaque em M. Halliday que o considera um unidade semântica, assim sua composição não se dá na colocação de sentenças, mas na colocação por sentenças. Entretanto, para a Análise de Discurso, o texto é uma unidade de sentido que recebe o atravessamento ideológico, que suscita uma memória discursiva. Há no texto pistas que provocam certos gestos de interpretação. Cabendo a analise desvelar os processos de produção de sentidos presentes no texto analisado. Nesse preâmbulo, para AD o discurso resplandece uma verdadeira rede de sentidos, onde outros discursos fazem presentes no texto analisado, entra em cena o conceito de heterogeneidade discursiva. Esse conceito é uma característica do discurso. Há num discurso a presença de outros discursos em oposição. Para Maingueneau (1993, p. 75): Dizer de um objeto que ele é heterogêneo é, via de regra, desvalorizá-lo. Entretanto, quando se fala da heterogeneidade do discurso não se pretende lamentar uma carência, mas tomar conhecimento de um funcionamento que representa uma relação radical de seu “interior” com seu “exterior”.

Para cada discurso há uma formação discursiva, ou seja, um posicionamento de onde vem o dito. Esse posicionamento caracteriza o dizer, mas ao mesmo tempo possibilita a diversidade por meio do interdiscurso. Nessa rede complexa de sentidos, o dizer não é tido como particularizado, pois é requisito do discurso a interrelação com outros discursos, assim com diversas formações discursivas. A formação discursiva (FD) mantém uma relação com a formação ideológica (FI). Há no contexto social uma verdadeira cadeia de posições antagônicas de classes, nos quais cada uma defende um conjunto de ideias diferentes e contraditórias em relação a um mesmo objeto, assim cada conjunto de ideias pertencem a uma formação ideológica. Essa ideologia se materializa

no discurso verbal, assim, dentro de uma formação discursiva, onde cada palavra não tem sentido em si mesmo, mas recebe seu sentido dentro desse âmbito.

Com esse jogo de relação entre a FD e a FI, o sujeito é re-configurado, sendo tido como um “lugar” a ser preenchido que é ocupado toda vez que um individuo diz, apropriando-se do saber de uma FD. Nisso, o sujeito discursivo carrega em si o “esquecimento” de que o seu dizer poderia ser dito de outra forma, é o que Orlandi (2002) chama de “esquecimento número dois”. Mas há, também, no sujeito o “esquecimento número 1”, sendo justamente o esquecimento ideológico, ou seja, a ilusão de sermos a origem do nosso dizer, quando na verdade estamos retornando outros dizeres já presentes na historicidade da dispersão discursiva. Segundo Orlandi (2002), o sujeito torna-se na ideologia ao produzir o dizer, assim é chamado a existência em seu ato de interpretar pela ideologia. O sentido é refeito em cada dizer, recebendo interferências dos mecanismos ideológicos que per passam as condições historicassocial. Sendo o discurso uma mediação entre o homem e a realidade, não é possível se ater da realidade sem ideologia. Com isso, a mesma autora referida afirma: Conseqüentemente, o discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produzindo sentido por/para os sujeitos. (Orlandi, 2002).

A AD propõe uma analise em que o principal objetivo é trazer à tona a formação ideológica que transpassa o texto, isso é delineado pela colocação do dito em relação ao não dito. Tendo o texto como ponto de partida para a interpretação, não o texto em sim, mas o conjunto que favoreceram as condições de produção. As condições de produção, segundo Orlandi (2003, p.30) compreendem fundamentalmente os sujeitos, a situação e a memória. De forma sucinta, configura-se da circunstância onde a enunciação instaura-se, sendo envolvida pela maneira como a memória aciona o já dito e a posição assumida pelo sujeito discursivo dado num contexto sócio-histórico ideológico. Já no contexto há um conjunto de discursos se interpelando, o interdiscurso. No interdiscurso há a

memória onde está presente o já dito que pertence a uma formação discursiva que seleciona os dizeres que serão atualizados naquele espaço e tempo. O enunciado, ali presente, ganha sentidos a partir do já dito por alguém, em algum lugar, resultando num efeito de sentido. Com isso, a análise volta-se para o já-dito para, então, se interpretar o discurso em sua relação com o sujeito e com a ideologia. A filiação dos dizeres, estocados na memória, confirma o caráter da historicidade na significação. Portanto, todo dizer, numa situação concreta, encontra-se interpelado pela memória e pela atualização, assim se extrai o sentido do que é dito. Assim, explica Orlandi (2003, p. 32): O dizer não é propriedade particular. As palavras não são só nossas. Elas significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa nas “nossas” palavras. O sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele.

Nessa investigação, corpus é composto de práticas discursivas de naturezas diversas como: imagens, letras, cores e etc. Não pretendendo levar a analise a exaustão do objeto, isso porque a AD não considera que um discurso seja fechado em si mesmo, mas relacionando com discursos anteriores. Não tratando os dados como fatos e meras ilustrações de linguagem, mas percebendo como o discurso está funcionado e produzindo efeitos de sentidos. O recorte temático que se realiza é fundamental, pois determina o modo de análise e os dispositivos recrutados para a interpretação. O que orienta o dispositivo de análise é a questão acerca de como o discurso da inserção da mulher no futebol está sendo manifestado em uma mídia específica. A seguir, será apresentado o corpus e as formulações da análise seguindo as etapas propostas do Orlandi (2002, p. 33).

Corpus e análise em procedimento O corpus desse trabalho foi selecionado pelo curioso título: Futebol para Meninas. Uma página da internet ligada a uma grande mídia de comunicação esportiva chamada

LANCE!NET, onde as notícias vinculadas são principalmente de futebol. O site destacado para essa investigação apresenta notícias do futebol para um público predominantemente feminino, se percebe isso pela interface do site e pelo HTTPS que éfutebolsoparameninas.com.br. Abaixo a imagem do site. http://www.futebolparameninas.com.br/. (Acessado no dia 29 de outubro de 2011, às 11:55hs.)

A interface do site traz elementos importantes como as cores presentes no plano de fundo e nas letras das manchetes. Resgatando traços presentes na Memória. É presente a cor lilás e a cor rosa. O uso dessas cores remete ao ponto de vista cromatográfico, o lilás era a cor que as mulheres operárias de uma fábrica de tecidos de Nova York estavam tingindo em 8 de março de 1857 quando foram assassinadas. E a data passou a ser a do Dia Internacional da Mulher. A cor que caracteriza o movimento feminista. Outra cor predominante é o rosa, considerada pelo imaginário social como a cor da claridade, meiga, que representa suavidade, sendo as principais características designadas às mulheres.

Já as manchetes destacadas têm sempre com assuntos relacionados à vida de jogadores dentro e fora de campo. Ressaltando o caráter família, afetivo, amoroso e corriqueiro de jogadores de futebol. Segundo uma pesquisa realizada pelo site Naveggblog esses são os assuntos preferidos pelas internautas. Isso demonstra a presença de outros discursos na produção material do corpus. O discurso que as mulheres têm suas características particulares diferentes das dos homens é resgatado pela escolha dos assuntos a serem apresentados como notícias no site. Já o discurso do valor histórico da presença feminina na sociedade é manifestado pela escolha das cores ali presentes. Há aspectos linguísticos que remetem às características da formação discursiva onde o discurso da valorização da mulher é salutar. Palavras como “fofocas” e “perfil de atletas do sexo masculino” deixa claro a manifestação desse discurso. Resta deixar claro que o discurso de oposição aos que estão perpassados no site. Impreterivelmente o discurso que mulher não entendi de futebol. Se pegarmos o próprio nome do disse “futebol para meninas” e realizarmos uma paráfrase seria: “futebol para meninos” contrariando o discurso que o futebol foi inventado para meninos, desde seus primórdios. Tornando a expressão da paráfrase não condizente a ideia que o futebol desde seu inicio é de homem. A produção do site parte da contraposição a esse discurso. Dessa maneira, o site “futebol para meninas” só tem sentido dentro da formação discursiva que o “futebol ‘também’ é coisa de mulher. Assim, tanta a interface do site como as expressões linguísticas ali presente fazem sentido nessas condições de produção. O efeito de sentido mais marcante é que as mulheres hoje têm espaços particulares para assuntos futebolísticos, demonstrando a disparidade de gêneros quando o assunto é futebol. Assim, um mesmo assunto é tratado, mas de formas e maneiras diferentes. Isso vai ao encontro da Ideologia de que há classes de gêneros desiguais que buscam se afirmar como

propriedade de um mesmo objeto. A ideologia perpassa o corpus analisado, vinculado a uma formação discursiva, gerando um discurso da inserção da mulher. A expressão linguística “também” está filiada a uma ideologia, ganhando sentido sempre que usado em contextos diversos. O seguimento dessas etapas ilustra os percursos que se faz necessário para expandi a visão sobre o texto e assim chegar a um conhecimento claro sobre os elementos que constituem a produção de sentido que circulam no dia-a-dia das pessoas. A sociedade se faz e refaz pela interação dos seus participantes, nessa interação há e se dá a produção de sentido, algo fundamental para a transformação social.

Considerações relevantes Sem dúvida, a Análise do Discurso favorece uma visão mais abrangente dos fenômenos da significação. Com seus conceitos básicos, como: sujeito, memória, formação discursiva e formação ideológica a “leitura” ganha uma dimensão mais próxima da realidade social sem máscaras que simulam um estado contínuo e eterno da condição humana. Os dizeres não são, como observado, apenas simples mensagens decodificadas por um interlocutor passivo de experiências exteriores. São efeitos de sentido produzidos em situações determinadas e que estão presentes na história dos outros dizeres, deixando vestígios por onde emerge. Iniciamos essa investigação contextualizado a problemática da questão que se fez presente em todo percurso de analise. Traçando os aspectos históricos e vivências do problema da inserção da mulher como um discurso em oposição a outro discurso de que o futebol não é coisa para mulher. é coisa para mulher. Reconhecendo que os conceito e preceitos da AD francesa são capazes de fornecer uma visão mais precisa da problemática. Em um segundo momento, expomos os principais conceitos e preceitos da AD francesa baseando nos trabalhos de autores importantes principalmente de Orlandi. Percebendo que

a análise do discurso é uma teoria de leitura que parte do principio que a linguagem é atravessada pela exterioridade, sendo a língua uma possibilidade do discurso, e esse a materialização de ideologia. Na analise do corpus, percebeu-se os conceitos saltando aos olhos confirmando, assim, que a Análise do discurso traz a lumes ideologias escondidas e determinantes de sentido e seus efeitos.

Bibliografia ORLANDI, E. (1998). Discurso e Leitura, Cortez/Editora da Unicamp, São Paulo. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à analise do discurso. Campinas-SP: UNICAMP, 2004 CHARAUDEAU, P. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006. _________________. Linguagem e Discurso. São Paulo: Contexto, 2009. FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2006. MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. Campinas-SP: Pontes/Unicamp,1993. __________________. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2005. Orlandi, Eni Pulccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. CampinasSP: Pontes/UNICAMP, 2005. Site: http://www.futebolparameninas.com.br/ (Acessado dia 29 de outubro de 2011). Site: http://www.navegg.com/a-web-feminina-como-sao-as-internautas-mulheres/ (Acessado dia 29 de outubro de 2011).

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