Gênero, política e ensino de História. Fabrício Vilela; Carolina Arantes;Tatiane Costa.2016

May 22, 2017 | Autor: Fabrício Vilela | Categoria: Gender Studies, História, Gênero, Teoria Queer
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Gênero, política e ensino de História Fabrício Vilela* Caroline Arantes e Silva Nunes** Tatiane Helena da Costa***

Introdução No final da década de 1960 o movimento de mulheres, chamado feminismo, torna-se visível novamente em alguns países do Ocidente.1 As mulheres passavam a ocupar os espaços públicos, organizavam passeatas, protestos e alegavam que “o pessoal é político”. As mulheres Ocidentais passam a questionar “ a ideia de que homens e mulheres estavam predestinados, por sua própria natureza, a cumprir papéis opostos na sociedade: ao homem o mundo externo, a mulher, por sua função procriadora, o mundo interno” (ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jaqueline. 55, 1982). A filósofa feminista francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), em 1949, havia lançado o livro O Segundo Sexo (vol. I Fatos e mitos e vol. II A experiência Vivida). A frase que abre o capítulo do segundo volume: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade” (BEAUVOIR, Simone. 1949), tornou-se emblemática entre as feministas. Beauvoir passa a contestar a essência do “ser mulher” em seu contexto, aponta que é no âmbito da cultura que se constroem as posições de sujeito feminino. Inspirada pelo livro da filósofa francesa, a psicóloga estadunidense Betty Friedan (1921-2006) escreve a “Mística Feminina” (1963) no qual analisa as queixas das mulheres de classe média, em seu contexto e também questiona o “ser mulher”. Friedan contesta a máxima de que biologia é destino. Outra pensadora feminista de extrema importância para o feminismo da segunda onda foi a linguista feminista Kate Millet, autora de Política Sexual (1970), em seu livro questionou o patriarcado, sistema esse que gerava a desigualdade social entre homens e mulheres, através da análise da literatura do século XIX e início do século XX. Ao nosso ver, essas três obras tiveram Anais eletrônicos da IV Semana de História do Pontal/III Encontro de Ensino de História | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 29 de novembro a 02 de dezembro de 2016

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um impacto importante no feminismo ocidental, tanto político quando no âmbito acadêmico. O movimento de mulheres passou a despertar o interesse de alunos (as), professores (as) e intelectuais. As universidades ocidentais passam a atender tal demanda e iniciam fóruns de debates, colóquios, seminários e grupos de estudos. É neste contexto que se passa a institucionalizar na França, Estados Unidos, no Brasil e em outros países ocidentais, os Estudos das Mulheres. Diferentes campos passam a estudar a experiência feminina, tais como a Antropologia, a História, a Linguística, e a Psicanálise. Na História, a História das Mulheres emerge a partir de 1970 dentro da História Social.2 Na década de 1980 algumas teóricas feministas estadunidenses passam a usar o conceito Gender (Gênero) e veem nele uma ótima oportunidade para somar contribuições de outros campos, tais como Marxismo, a Psicanálise, a Hermenêutica e o Pós-Estruturalismo francês, para refletir sobre

como é construída e legitimada a

desigualdade social baseada nas diferenças percebidas entre os sexos .3 Na perspectiva dos Estudos de Gênero elaboramos uma sequência de ensino para as aulas de História com o tema “Feminismo: As mulheres como sujeitos históricos”, com o intuito evidenciar as mulheres como sujeitos históricos e também problematizar a historiografia que se apresenta no livro didático dos alunos (as) da Escola Estadual João Pinheiro, em Ituiutaba-MG. O texto foi dividido em duas partes. Na primeira, fizemos um levantamento bibliográfico acerca dos estudos de gênero com o intuito de evidenciar suas contribuições tanto para o conhecimento cientifico, para o ativismo político, para a escrita da História e para a possibilidade de construir sequências de ensino com perspectiva feminista que dialogue com outros campos de estudos. No segundo, momento ressaltamos a metodologia usada na produção e desenvolvimento da sequência didática.

Estudos de gênero

Se consultarmos um dicionário podemos constatar que a palavra gênero tem múltiplos significados. A palavra é usada para designar classificações e categorias de Anais eletrônicos da IV Semana de História do Pontal/III Encontro de Ensino de História | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 29 de novembro a 02 de dezembro de 2016

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seres e coisas. Gêneros gramaticais, textuais, fílmicos, alimentícios, entre outros. O conceito de gênero aqui evocado está ligado à segunda onda do movimento feminista, que se tornou, nos anos 1970 um campo de estudos. Mas, o conceito de Gênero, para problematizar as construções de masculinidades e feminilidades, não é uma elaboração das teóricas feministas e sim da Psicologia, sendo assim, vale fazer uma genealogia do conceito para compreender seus desdobramentos. O primeiro intelectual a usar o conceito gênero como o conhecemos é o psico-endocrinologista estadunidense John Money, em 1947. Em sua perspectiva, que será divulgada através dos psicólogos Anke Ehrhardt, Joan e John Hampson, gênero designa o que seria o “sexo psicológico” de um indivíduo, o conceito era útil, na perspectiva deles, para argumentar sobre a possibilidade de intervenção cirúrgica e hormonal nos bebês intersexuais (PRECIADO, 2008, p.81-82). Ainda no campo da Psicologia, o psicanalista estadunidense Robert Stoller apresentou o termo “Identidade de Gênero” em um Congresso de Psicanálise, no EUA, em 1963, que resultou em seu livro Sex and Gender(1963). Segundo ele, o sexo estaria vinculado à biologia (hormônios, genes, sistema nervoso, morfologia) e o gênero estaria ligado a cultura (psicologia, sociologia) (HARAWAY, 2004. P.216). A produção científica feminista, O Tráfico de Mulheres: Notas sobre a economia política do sexo, da antropóloga feminista estadunidense Gayle Rubin, publicada em 1975, propõe o uso da gramática gênero, ou como prefere a antropóloga, “Sistema sexo-gênero”. Segundo Rubin: “é uma série de arranjos pelos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana, e nos quais essas necessidades sexuais transformadas são satisfeitas. ” (RUBIN, 1993, p. 2). Gayle Rubin tinha objetivo identificar como a fêmea da espécie humana se tonara domesticada. Ela utilizou como aporte teórico o Estruturalismo francês, através do conceito de “troca de mulheres” formulado antropólogo francês Claude Levi-Strauss, para identificar como as relações de parentesco, no qual as mulheres eram trocadas, organizava os papeis de homens e mulheres nas sociedades pré-estatais, nas quais o tabu do incesto e a heterossexualidade se tornavam obrigatórios. Mas seu objetivo último é compreender o inculcamento dessas normas culturais que fabricam gênero, no qual se vale da versão psicanalítica do francês de Jacques Lacan para compreender seu Anais eletrônicos da IV Semana de História do Pontal/III Encontro de Ensino de História | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 29 de novembro a 02 de dezembro de 2016

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funcionamento e reclamar a modificação do sistema de parentesco. Em sua teoria o “sexo” é matéria bruta ao qual o gênero daria forma. Ainda nos 1970 a tradução dos livros do filósofo francês Michel Foucault, mais particularmente o livro História da Sexualidade: A Vontade de Saber, e o livro Gramatologia do filósofo franco-argelino Jacques Derrida oxigenam os Estudos Feministas, muito embora nem todas feministas efetivamente usem suas propostas epistemológicas. Na década de 1980 as teóricas feministas negras e chicanas passaram a questionar o “Sistema sexo-gênero” de Gayle Rubin e os escritos feministas que derivaram de tal formulação. As feministas negras Audre Lorde, Angela Davis, Alice Walker, Barbara Smith, Bell Hooks, Lorraine Bethel, e as chicanas Aida Hurtado, Chela Sandoval, Cherríe Moraga, Gloria Azaldúa, a indianas Chandra Mohanty e Gayatri Spivak, só para citar algumas, têm ressaltado o caráter racista e colonialista expressos nas teorizações (e políticas) feministas, no qual perpetuando uma hierarquia que não era percebida pelas feministas brancas de classe média e ocidentais. A categoria Mulher, um rótulo que tentava abarcar toda a experiência feminina, passou a ser questionada pelas mulheres não brancas ( afroamericanas, chicanas, latinas e orientais) e pelas lésbicas (brancas e negras)( HARAWAY, 2004). A partir dos anos 1980, a leitura dos textos de Foucault pelas feministas e sua proposta de uma analítica do poder, tem contribuído para pensar as relações de poder entre os sujeitos. Na perspectiva foucaultiana, “o poder deveria ser concebido mais como "uma estratégia"; ele não seria, portanto, um privilégio que alguém possui (e transmite) ou do qual alguém se "apropria”. ” (LOURO, 1997; P.38). Segundo Foucault, “A análise em termos de poder não deve postular como dados iniciais, a Soberania do Estado, a forma da lei ou a unidade global de uma dominação; estas são apenas, antes de mais nada, suas formas terminais” (FOUCAULT, 2015.p.100). Através desse insigth é possível identificar as lutas e afrontamentos. Pois segundo ele, “onde há pode há resistência”. O filósofo ainda nos lembra que todo saber é investido de poder, o que ele chama de poder-saber. “O poder está em toda parte” (FOUCAULT, 2015.101). A bióloga e historiadora da ciência estadunidense Donna Haraway, a crítica de cinema e linguista italiana Teresa de Lauretis, a historiadora estadunidense Joan Scott e Anais eletrônicos da IV Semana de História do Pontal/III Encontro de Ensino de História | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 29 de novembro a 02 de dezembro de 2016

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a filósofa estadunidense Judith Butler são algumas das teóricas feministas que passam a conectar os estudos feministas e as contribuições teórico-metodológicas do pósestruturalismo francês no EUA. O manifesto ciborgue de Donna Haraway (1985) marca a virada epistemológica feminista. Haraway faz duras críticas ao feminismo radical e ao feminismo marxista que contribuíram para essencialização da mulher. Haraway questiona os dualismos sexo/gênero, homem/mulher, natureza/cultura. Ela ainda propõe a historicização do corpo. Segundo Haraway, “O gênero, a sexualidade, a corporificação, a habilidade: todos esses elementos são reconstituídos na história” (HARAWAY, 2009. p.92). As feministas lésbicas Teresa de Lauretis e Judith Butler também interrogam os pressupostos dos Estudos Feministas e também dos Estudos Gays e Lésbicos gestados nos anos 1960-1980 e passam a construir um novo campo de estudos denominado Teoria Queer4. De Lauretis inspira-se em Michel Foucault, no conceito de Tecnologia Sexual e cunha o termo Tecnologia de Gênero. Para ela Tecnologia seria toda fabricação discursiva que produz representações. De Lauretis, usa o termo Gênero ao invés de Mulher e Homem e substitui opressão por Tecnologia com o intuito de poder analisar as relações de poder. Segundo Teresa de Lauretis, “O gênero é (uma) representação- o que não significa que não tenha implicações reais, tantos sociais quando subjetivas na vida material das pessoas. Muito pelo contrário. (..) A representação do Gênero é sua construção” (DE LAURETIS, 1994, 209), a masculinidade e a feminilidade são produzidas constantemente da arte à ciência. A filósofa Judith Butler irá apontar que o “sexo” acabou ficando pré-discursivo em boa parte das teorias feministas, ou seja, como se o sexo (genital) não tivesse sido significado. Essa concepção acabava fazendo com que o corpo fosse um dado passivo a dar forma ao gênero. Para Butler, tanto o sexo quando o gênero são produtos culturais. Butler afirma que o gênero é performativamente construído, ou seja, construído através de atos de falas, discursos. “Sente-se como uma menina”, “vire homem”, são alguns exemplos de performativos que constituem gênero através da linguagem e que modelam nosso corpo. Segundo Judith Butler:

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Os vários atos de gênero criam a ideia de gênero, e sem esses atos não haveriam gênero algum, pois não há nenhuma “essência” que ele expresse ou exteriorize, nem tão pouco um ideal objetivo ao qual aspire, bem como não é um dado de realidade. (BUTLER, 2016.214).

Butler defende a ideia de que o gênero só existe na prática e que não há uma essência de masculinidade ou feminilidade anterior a ato, em outras palavras, o movimento do corpo é significado em masculino ou feminino em nossa cultura e o que se poder fazer com o corpo também. Ela argumenta que podemos assinalar a gênese da produção de sujeitos generificados no ato de identificar o sexo de um bebe graças ao aparelho de ecografia. A partir deste momento é produzida uma incessante regulação do gênero a partir da matriz heterossexual que exige a continuidade e coerência entre sexo, gênero e desejo. As normas são citadas constantemente com o objetivo de manter a aparência de que a heterossexualidade seja vista como “natural”, “normal” e desejável. Caso alguém saia dessa norma, sofrerá uma penalidade que é ter seu status de humanidade questionado. No campo da História, a feminista estadunidense Joan Scott tem elaborado reflexões para problematizarmos as fontes, a historiografia e também o ensino de História que deriva da última. Utilizando a analítica do poder de Michel Foucault, Scott afirma que: “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder. ” (SCOTT, 1995, p.71). A historiadora propõe utilizar o gênero como categoria analítica para problematizar e se pergunta: “Como o gênero funciona nas relações sociais? Como o gênero dá sentido à organização e à percepção do conhecimento histórico? ” (SCOTT, 1995, p. 65). A partir das inquietações de Joan Scott consideramos ser possível construir propostas pedagógicas feministas para o ensino de História. A seguir iremos relatar sobre a construção da sequência de ensino, sua aplicação e a análise dos resultados. Construindo uma pedagogia feminista no Ensino de História Qual é a relação entre as leis sobre as mulheres e o poder de Estado? Por que (e desde quando) as mulheres são invisibilizadas como sujeitos históricos, ainda que saibamos que elas participaram de grandes e pequenos eventos da

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história humana? (...). Como as instituições sociais incorporam o gênero nos pressupostos e nas suas organizações? (SCOTT, 1995, p. 93)

Em uma reunião do PIBID subprojeto História, o coordenador, propôs que nós, bolsistas do PIBID, elaborássemos uma sequência de ensino com o tema Sujeito Histórico. O objetivo da proposta consistia em despertar agência nos/ as alunos/as, ou seja, de se verem como sujeitos que constroem a história. Neste sentido, passamos elabora a sequencia de ensino focando nas relações de gênero, para identificar como são construídas posições de sujeitos marcadas por gênero. Nesta esboçamos a metodologia adotada na aplicação da sequência de ensino denominado “ Feminismo: as mulheres como sujeitos históricos”. Na primeira aula trabalhamos o conceito de sujeito histórico. Indagamos os/as alunos/as sobre o termo e construímos o conceito com eles/elas a partir de exemplos cotidiano, tais como a rotina na escola, como eles/elas interagiam com os/as colegas de sala, professores/as e demais funcionários da escola. Quais atividades eles/elas realizaram ao longo do ano ou gostariam de realiza. A aula foi pensada para ser expositiva, ou seja, se deu a partir de um diálogo sobre o que eles/elas pensavam sobre a participação na construção da história da escola. O objetivo era despertar a consciência da importância de cada um deles na construção da história, neste caso em particular, como já mencionado, na história da escola. No segundo encontro desenvolvemos a aula ocupando dois horários. Neste encontro adentramos no tema do movimento feminista e os estudos de gênero idealizado por intelectuais/ativistas feministas. Iniciamos o nosso diálogo indagando os/as alunos/as sobre conhecimento que tinham do movimento feminista, se conheciam esse movimento e quais eram as reivindicações do mesmo. Embora os/as alunos/as demostrassem timidez, foi possível identificar certo conhecimento sobre o movimento de mulheres e suas reinvindicações, tais como a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Após levantarmos o conhecimento prévio dos/as estudantes, passamos a narrar a história do movimento feministas, iniciando com alguns relatos a certa do Sufragismo feminino do final do século XIX e inicio do XX e a “segunda onda” do movimento no final dos anos 60.

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No segundo momento exibimos um curta metragem denominado “Por ser menina”5. O vídeo apresenta Maria Fernanda, uma garota negra, de aproximadamente onze anos de idade e está vinculada ao projeto escola de lideranças para meninas da ONG Plan international Brasil. Maria Fernanda narra o texto foi escrito por Anselmo Costa, em primeira pessoa, sobre as dificuldades de ser menina, evidencia os preconceitos sofridos e os abusos que uma menina sofre ou poderá sofrer por ser menina. Ela narra o relato encarando a câmera. O fundo é marrom e não possuí nenhum outro detalhe, tal fato interpela o/a espectador/a para uma conversa franca e bastante emocionante. Nesta perspectiva, todos/as são convidados a se sentir os preconceitos sofridos por Maria Fernanda. Após exibirmos o vídeo conversamos com eles/elas e perguntamos sobre o que mais chamou a atenção, quais os sentimentos despertados pelo relato de Maria Fernanda e se eles/elas já haviam passado ou visto alguém passar pelos fatos que a garota havia narrado. Foi possível notar que as meninas estavam entusiasmadas com aula, algumas relataram experiências vividas de descriminação. Na última parte da sequência perguntamos a cerca do conceito Gênero, com o objetivo de identificar qual versão do conceito que eles/elas estavam a par.6 Estávamos preparados para a versão forjada pelos fundamentalistas religiosos sobre “ideologia de gênero”, mas não ouvimos nada a respeito. Iniciamos a aula expositiva com a máxima da filósofa francesa Simone de Beauvoir “Não se nasce mulher, torna-se mulher” e apresentamos também em sua versão masculina, não se nasce homem, torna-se homem. Os/as alunos/as ficaram assustados/as com tal afirmação. Muitos deles/elas foram e ainda são educados a aceitarem a premissa de que nascemos meninos ou meninas e esse processo se dá na barriga da mãe. Fazer esse deslocamento de inatismo para construção social gerou certo desconforto para eles/elas, pois era uma perspectiva nova. Em seguida apresentamos a o conceito de gênero proposto por Teresa de Lauretis. Como vimos acima, ela propõe ver a construção do gênero por representação. Ao direcionarmos a atenção deles/delas para essas sutis representações de gênero nos desenhos, filmes, games, fazendo-os lembrar de como são apresentamos as mulheres e homens na propaganda de carro, de cerveja, de eletrodomésticos, produtos de beleza, ficou mais claro para eles/elas. Utilizamos algumas imagens de propagandas Anais eletrônicos da IV Semana de História do Pontal/III Encontro de Ensino de História | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 29 de novembro a 02 de dezembro de 2016

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publicitárias da década de 60 dos Estados Unidos, período conhecido como american way of life, solicitamos que descrevessem as imagens e interpretasse elas, apontando qual a mensagem que a propaganda queria passar. Levamos também imagens de propagandas do jornal Folha de Ituiutaba da década de 1960.7 Para que fizessem o mesmo exercício de análise da propaganda. Neste momento a construção social da masculinidade e da feminilidade estava fazendo sentido para eles/elas e o “torna-se” de um gênero passou a ser mais compreensivo para alguns deles/as. Para finalizar, apresentamos o conceito de Performatividade de gênero proposto pela filósofa Judith Butler e perguntamos sobre se eles/elas já ouviu as frases “meninos não choram”, “mulher não sabe dirigir”, “Isto é coisa de viado/bixa”, “menina que joga bola é sapatão”, “meninas não assentam de pernas abertas”. A maioria parecia ter familiaridade com essas frases. O conceito performatividade foi se tornando mais claro para eles/elas na percepção de que o gênero é construído pela linguagem (falada/escrita/imagética). Ao final da aula solicitamos um texto com o tema “como combater a desigualdade de gênero? ”. As/os alunas/os apresentaram algumas considerações aprendidas ao longo das discussões da sequência de ensino. Segundo Maria: A desigualdade de gênero nestes tempos de hoje está alta, não só no Brasil mas também em outros países. Homens e mulheres que não aceitam o gênero praticam bullyng, e violência corporal. Em alguns casos as vítimas são acusadas de serem culpadas pela sociedade (...)

Maria objetivou em ressaltar a violência sofrida por algumas pessoas não só no Brasil, mas também em outros lugares e evidencia que em alguns casos as vítimas de violência são consideradas culpadas. Possivelmente ela deve ter se deparado com narrativas no qual se culpa as mulheres podem ter sofrido violência sobe justificativa de roupas “inadequadas” ou por estarem transitando no espaço publico sozinhas no período noturno. Estas narrativas de cunho machista são as mais comuns de serem ouvidas em cidades do interior. Já o aluno José escreve sua redação em primeira pessoa e alega ter sofrido violências. Segundo ele: “Como menino, às vezes também sofro preconceito, às vezes porque minha voz é fina, às vezes por não gostar de futebol”.

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Dentre as redações entregues, José foi o único aluno que evidenciou sofrer violências simbólicas devido a sua voz não ser considerada “masculina” e por não gostar de jogar futebol. Em nossa cultura o esporte possui uma forte ligação ao gênero masculino e sua construção. O sociólogo francês Daniel Welzer-Lang cunha o conceito casa dos homens para estudar as relações de poder entre as masculinidades. Segundo ele: Nessa casa dos homens, a cada idade da vida, a cada etapa de construção do masculino, em suma está relacionada uma peça, um quarto, um café ou um estádio. Ou seja, um lugar onde a homossociabilidade pode ser vivida e experimentada em grupos de pares. Nesses grupos, os mais velhos, aqueles que já foram iniciados por outros, mostram, corrigem e modelizam os que buscam o acesso à virilidade. Uma vez que se abandona a primeira peça, cada homem se torna ao mesmo tempo iniciado e iniciador.

Na perspectiva de Welzer-lang a construção da masculinidade e podemos estender à feminidade se dá de forma homossocial, e é nestes espaços que os homens e mulheres vão se construindo a estilística dos gêneros, corrigindo posturas, entonação de voz, escolha de cores e objetos. Estabelecendo assim a constante vigilância das fronteiras do gênero sob matriz heterossexual.

Considerações finais

O presente artigo teve como objetivo relatar o processo de produção e aplicação de uma sequência de ensino com o tema sujeito histórico sob perspectiva dos Estudos de Gênero. Através das contribuições de algumas intelectuais feministas, tais como Gayle Rubin, Donna Haraway, Teresa de Lauretis, Joan Scott e Judith Butler, Guacira Lopes Louro e Margareth Rago, problematizamos a produção das representações performativas de gêneros no conhecimento histórico. Utilizamos como metodologia a análise de documentos históricos com o objetivo de aguçar o senso crítico dos/as alunos/as do sétimo ano da Escola Estadual João Pinheiro, localizada no município de Ituiutaba-MG. Notamos que ainda existe uma dúvida por parte dos/as alunos/as em relação a separação

entre

gênero

(masculinidade

e

feminilidade)

e

(sexualidade

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heterossexualidade, homossexualidade e bissexualidade, só para citar algumas expressões sexuais). Foi possível identificar através das discussões e da leitura das redações, que grande parte do conteúdo apresentado nas aulas foi apreendido pelos/as estudantes. Alguns trabalhos trazem a frase da filósofa Simone de Beavoir na abertura dos textos. Acreditamos que a discussão sobre gênero é pertinente para diminuir a desigualdade entre homens e mulheres. É fundamental descontruir a raça, pois em nossa cultura o racismo de cor é produzido incessantemente, ou seja, identificar a construção performativa da branquitude e da negritude. E questionar o privilégio que os brancos tem devido à educação racista que ainda os/as alunos/as recebem, não só da escola, mas de diversas instituições sociais. A heteronomatividade também necessita ser constantemente problematizada, pois os dissidentes de gênero sofrem constantes violências físicas e simbólicas devido à produção da mesma. Para finalizar, elucidamos que uma prática pedagógica feminista que dialogue com os estudos culturais, queer, Negros e decolonias, contribuem para uma educação revolucionária e democrática.

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BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2016. DE LAURETIS, Teresa. A Tecnologia do Gênero. In HOLLANDA, Heloisa Buarque (Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco,1994. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I – A vontade de saber. 3ª Ed. São Paulo: Paz & Terra, 2015 HARAWAY, Donna. “Gênero” para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cadernos Pagu, Campinas, n. 22, June 2004. HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In__TADEU, Tomaz da. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano / organização e tradução Tomaz Tadeu – 2. ed. – Belo Horizonte : Autêntica, 2009. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pósestruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. LOURO, Guacira. Um corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2004. RAGO, L. Margareth. Descobrindo historicamente o gênero. Cadernos Pagu (UNICAMP), Campinas, v. 11, p. 89-93, 1998. ROCHA,Ubiratan. Reconstruindo a História a partir do imaginário do aluno. In: NIKITIUK, Sônia L. (org). Repensando o ensino de história. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2001. RUBIN, Gayle. O tráfico de mulheres: notas sobre a “Economia Política” do sexo. Tradução SOS Corpo, 1993. SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, V. 16, nº2, jul/ dez 1990. WELZER-LANG. Daniel.A contstrução do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista Estudos Feministas, v. 9, n. 2, 2001, p. 460-482.

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Bolsista do PIBID História FACIP/UFU. E-mail: . Bolsista do PIBID História FACIP/UFU. E-mail: . *** Supervisora do PIBID História FACIP/UFU. E-mail: . 1 No final do século XIX, no Ocidente, as mulheres brancas passaram a questionar a desigualdades sociais em relação aos homens. Dentre as reivindicações é notório a luta pelos salários igualitários, os rearranjos **

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familiares, o acesso à educação e a determinadas profissões. Esse momento que teve seu apogeu nos anos 1930 no Brasil, ficou conhecido como a primeira onda do movimento feminista, denominado “Sufragismo”. 2 Para uma reflexão aprofundada sobre a História das Mulheres, consultar: SOIHET, Rachel. História das mulheres. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.) Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. SCOTT, Joan W. História das mulheres. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Edusp, 1992. p. 63-95. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A história das mulheres no Brasil: tendências e perspectivas. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros (27), São Paulo, 1987. 3 A teórica feminista Sandra Harding aponta alguns campos em que as feministas têm se nutrido para refletir sobre a desigualdade de gênero e elucida que as teóricas feministas estão atentas as categorias analíticas e a sua historicidade. Ver: HARDING, Sandra. A instabilidade das categorias analíticas na teoria feminista. Estudos Feministas. Vol. 1 (1), 1993. A teórica feminista brasileira Cláudia Lima Costa também apresenta algumas perspectivas teorias feministas que foram gestadas. Consultar: COSTA, Claudia de Lima. O Leito de Procusto: gênero, linguagem e as teorias feministas. Cadernos Pagu (UNICAMP), Campinas, São Paulo, v. 2, p. 141-174, 1994. 4 O termo Queer é uma injúria homofóbica utilizada nos EUA para depreciar dissidentes de gênero. O termo foi assumido por alguns movimentos sociais radicais, tais como Queer Nation, ACT UP, Lesbians Avengers, no qual questionavam as políticas conservadoras do presidente Ronald Reagan mediante a epidemia do hiv/aids. A Epidemia acabou por articular políticas conservadoras da Direita estadunidense. A mídia estadunidense (e brasileira) usaram a Aids como bote expiatório contra a homossexualidade. No âmbito acadêmico no EUA, Teresa de Lauretis propôs o uso do termo Teoria Queer com o objetivo de propor reflexões em torno de tal medida, continuando as propostas esboçadas por Michel Foucault no livro História da Sexualidade Vol.1, questionando também o sujeito “Mulher” forjado nos Estudos Feministas e o sujeito “homossexual” dos Lésbicos dos Estudos Gays e Lésbicos. Denunciando seu caráter branco, urbano e de classe média e propondo a interseccionalização das reflexões através das categorias classe e raça, ou seja, não pensar apernas na formação discursiva do corpo através de gênero e sexualidade, mas complexificar as análises. Nos Estados Unidos, as primeiras vozes dos Estudos Queer são a da Teórica literária Eve K. Sedgwick Epistemology of the Closet [Epistemologia do Armário] (1990) e Judith Butler em Gender Trouble: Feminism and the subversion of identity [Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade] (1990). Embora, não seja consensual as origens da Teoria Queer nestas obras, por exemplo, alguns intelectuais que apontam que a feministas chicana lésbica Glória Anzaldúa no seu livro Borderlands/LaFrontera: The New Mestiza, publicado em 1987, já trazia apontamentos sobre a importância da interseccionalização dos estudos. A antropóloga brasileira Larissa Pelúcio aponta que o antropólogo argentino/brasileiro Néstor Perlongher no livro O que é Aids, publicado em 1987, vinha trazendo ótimas contribuições teóricas para se pensar nas políticas higienistas no Brasil durante a epidemia de aids. 5 O curta é uma campanha da ONG Plan International Brasil em parceria com a Escola de lideranças para meninas. De acordo com o site: o Plan “desenvolve programas e projetos com o objetivo de capacitar e empoderar crianças, adolescentes e suas comunidades, para que adquiram competências e habilidades que os ajudem a transformar suas realidades. Queremos crianças e jovens protagonistas de suas próprias histórias e comunidades conduzindo seus próprios desenvolvimentos.” . O vídeo pode ser encontrado no Youtube: . Acesso em 12 dez. 2016. 6 No ano de 2015 o Congresso Nacional pôs em marcha um pânico moral em torno dos estudos de gênero. Neste período foi designado para que cada município legislasse sobre os planos decenais. Na visão da bancada evangélica, os planos decenais traziam a discussão sobre Ideologia de Gênero, que na visão deles seriam uma propaganda da homossexualidade, causaria “bagunça” ao autorizar que o uso do banheiro público seria de acordo com o gênero e isso ocasionaria na destruição da família nuclear. 7 FOLHA DE ITUIUTABA, julho de 1960. Na página deste jornal trás uma imagem de uma máquina de lavar com a seguinte frase: “totalmente automática, a máquina de lavar Torga é um verdadeiro descanso para a dona-de-casa: ensaboa com água quente e fria, enxágua quantas vezes for preciso, torce, desliga-se sozinha, enquanto a “patroa” cuida de outros afazeres”. Anais eletrônicos da IV Semana de História do Pontal/III Encontro de Ensino de História | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 29 de novembro a 02 de dezembro de 2016

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