Gênesis 3.1-13 - O nascimento da idolatria.pdf

May 21, 2017 | Autor: Creuse Santos | Categoria: Book of Genesis, Genesis, Interpretations of Genesis 1-3, Adam and Eve
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Gênesis 3.1-13 (O começo de toda idolatria)



A história relatada aqui apresenta sete cenas que uma mudança de atores, situações ou atividades identifica. Moisés constrói esta seção de Gênesis em uma estrutura quiástica para focar a atenção na cena central: a Queda. As cenas precedentes levam à queda, e as seguintes cenas descrevem suas consequências: A1. Cena 1 (narrativa): Deus é o único ator, e o homem é passivo (2.4-17). B1. Cena 2 (narrativa): Deus é o ator principal, o homem desempenha um papel menor, a mulher e os animais são passivos (2.18-25). C1. Cena 3 (diálogo): A cobra e a mulher conversam (3.1-5). D. Cena 4 (narrativa): O homem e a mulher são primários (3.6-8). 2 C . Cena 5 (diálogo): Deus conversa com o homem e com a mulher (3.9-13). B2. Cena 6 (narrativa): Deus é o ator principal, o homem desempenha um papel menor, a mulher e a serpente são passivas (3: 14-21). 2 A . Cena 7 (narrativa): Deus é o único ator, eo homem é passivo (3.22-24).1 Este capítulo de Gênesis está em contraste com a primeira parte do livro, se na primeira parte a Palavra de Deus é criadora, e decreta bênção, aqui, as criaturas começam a duvidar e questionar Suas palavras, duvidando que elas de fato tenham o poder que têm.

hd,C;h' hd,c;

tY"j' hY:j'

lKomi lKo + ÷mi

µWr[;

hy:h; hyh

vj;N:h'wÒ vj;n:

Adj. CS

FS Cons.

Prep. + CS

Adj.

3 MS Perf. Qal

CS

a

do campo vivente de todo astuta (ela) era E a serpente Quando o Adjetivo µWr[; (‘ãrûm) é seguido da preposição ÷mi (min) ele expressa o grau comparativo: “astuto em comparação a todos os outros”, ou seja, “o mais astuto de todos”. O Adjetivo especifica o todos, ou seja, de todos os seres que Deus criou e

1





µyhiloaÔ

hw:hyÒ

hc;[; rc[

rv,a}

MP

Nom. Prop.

3 MS Perf. Qal

Co. Rel.

Deus

YHWH

(ele) fez

que

a



AyKi

¸a'

hV;aih; hV;ai

Ala,

rm,aYOw" rm'a;

Perf. Qal 3 MS

Conj.

Adver.

FS

Prep.

3 MS Pret. Qal

(ele) falou

pois

assim?

a mulher

para

então (ela) falou

µyhiloaÔ

rm'a;

MP

Deus

a



a

Waw parentético iniciando uma nova linha.



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Å[e

lKomi lKo + ÷mi

Wlk]ato lk'a;

CS

CS Cons.

Prep. + CS Cons.

Impf. Qal. 2 MP

Neg.

do jardim

árvore

de toda

(vós) comereis

não

a

aOl



Existe um paralelo aqui com 2.19, onde a palavra usada para descrever os animais selvagens é a mesma usada para descrever a serpente aqui. Aparentemente o uso do termo “serpente” é alegórico, sendo um disfemismo, que revela o caráter traiçoeiro e venenoso de Satanás. O que dificulta a leitura mais alegórica é que as maldições dadas à serpente são físicas, relativas à sua aparência. Porém, é claro que mesmo o rastejar e o pisar a cabeça são alegorias, para uma condenação que envolve uma vida de humilhação, distante de Deus, e envolvido nas mais baixas, asquerosas e vis ações, mas que culminará sua derrota final. Classificar satanás, ainda que alegoricamente comparando-o aos animais selvagens, o coloca numa sobre classe, entre Deus e os homens, ele é muito menos que um homem (pois na ocasião já estava caído), 1

CONSTABLE, Thomas. L. Dr. Constable’s Notes on Genesis. p. 52. In: http://www.soniclight.com/constable/notes/pdf/genesis.pdf.

mas pouco mais que um animal selvagem, o mais esperto dos animais selvagens. O homem era o ápice da criação, a imagem e semelhança de Deus, o mediador da soberania de Deus, que tinha total domínio sobre a terra. Porém, ao mesmo tempo nada impede que toda essa alegoria tenha sido realizada em um animal real, ou seja, a própria escolha de Satanás por uma serpente revela muito de seu caráter. Aqui, satanás quer derrubar o homem de seu trono, para tomar seu lugar, subindo um degrau acima do homem, porém ele apenas é um personagem que rastejará pela história, pois imediatamente após a queda, dá-se início à epopeia do filho da mulher que matará a serpente. O fato de Moisés ter descrito logo de início: “... que Deus fez”, declara que a serpente estava nos planos de Deus, e que a ação dela não era inesperada ao que a fez. O texto não fala se a serpente era bonita ou se tinha grandes atrações físicas, mas diz que ela era µWr[; (‘ãrûm – “astuta”), essa palavra é derivada de µro[;(‘ãrom) que significa “ter cuidado”, “acautelarse”, “ser prudente”, “ter astúcia”. A palavra tem nuances de conotação positiva (prudência) e negativa (astúcia). Nas línguas cognatas a palavra está relacionada à nuance negativa e expressa a má índole. Na LXX as palavras que traduzem µro[; (‘ãrom) são panourgov~ (panourgós) e panourgiva (panourgía) e significa “aquele que está pronto a fazer qualquer coisa”, em geral também com sentido negativo, daquele que tem um comportamento sorrateiro, ardiloso e astuto. O verbo é usado na Bíblia 6 vezes, das quais 4 são negativas (cf. 1 Samuel 23.22 duas vezes, Salmo 83.3). O adjetivo como usado aqui, em geral é negativo e segue a ideia, dos cognatos e do grego.2 Existe também um forte contraste sendo feito aqui entre µWr[; (‘ãrûm – astúcia) e µwOr[; (‘ãrôm – nu) em 2.25, e nos versículos abaixo. µwOr[; (‘ãrôm – nu) é derivado de hr;[; (‘ãrah) que significa “pôr em descoberto”, “deixar indigente”, “descobrir”, “desnudar”, “expor a nudez”. A nudez física de Adão e Eva expressavam uma nudez de alma, ou seja, não havia neles más intensões, maus pensamentos, malícia, seu corpo desnudo era desnudo porque sua alma não via na nudez nada de mal. A queda foi a absorção da astúcia da serpente, da malícia, da má intenção quanto ao corpo e quanto ao outro, aquele ardil escondido que enxerga no bem, o mal, e que passa a sentir medo e vergonha fugindo daquilo que é puro e santo, o homem o corpo nu agora precisa ser coberto, a alma nua agora é ardilosa, trama no oculto, apresenta segundas intenções, seduções, desejos maus, gostos pelo que é errado. Essa alma precisa ser coberta no cinismo, na mentira, na timidez, na vergonha, no medo. Que homem teria coragem de revelar os mais profundos mistérios de sua alma, desnudando-se diante dos outros? Não, não depois dos olhos abertos. Ao escolher essas duas palavras semelhantes, Moisés não só apresenta uma linda poesia em termos estéticos, mas principalmente um forte contraste em termos morais, de onde saímos e para onde vamos. Pensando no contexto sócio-cultural-brasileiro me lembre de uma visita que fiz anos atrás à uma aldeia indígena ianomâmi, os ianomâmis são uma das culturas indígenas mais primitivas dos indígenas do Brasil, nessa cultura, a pessoa que é mais bem quista na sociedade ianomâmi é aquele que sempre consegue se dar bem, não importam os meios, o importante é a felicidade pessoal e a imagem de bem sucedido na tribo, para isso vale mentir, roubar, enganar, trair, matar, enfim, esses subterfúgios são vistos como bons valores na sociedade ianomâmi, geralmente os líderes da tribo são escolhidos por demonstrar essas habilidades. Interessantemente, os ianomâmis andam nus, enquanto escondem, mentem, roubam, e não demonstram nenhum sentimento puro, diante dos outros. É fato que nós brasileiros aprendemos muito com os ianomâmis, nosso personagem da Disney é o Zé carioca, um papagaio, mentiroso, malandro, folgado que adora tirar vantagem em cima dos outros, a figura admirada no país é a do boêmio, daquele que sempre se dá bem, sempre encontra um jeitinho de passar os outros, o governo, a família, a professora, a polícia, alguém para trás, para tirar vantagem pessoal e sair ganhando. O fato é que tanto os ianomâmis quanto nós, aprendemos o ardil da serpente e nos tornamos astutos como ela. Porém, estamos nos adiantando muito, voltemos ao processo de como tudo isso aconteceu, vamos dar uma olhada no diálogo entre a serpente e a mulher. Veja que na conversa, a astúcia da serpente começa em conhecer as Palavras de Deus, as primeiras palavras ditas pela serpente não são suas próprias palavras, ela cita Deus e Sua fala, porém com uma alteração mínima, ela coloca um “não” na fala de Deus. Não, parece uma grande mudança, o acréscimo de uma única palavra monossílaba, mas a primeira artimanha da serpente é passar a impressão para Eva de 2 ALLEN, Ronald B. 1698 µro[; (‘arom). In: HARRIS, Laird R. (Org.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998. p. 1172-1173.

um Deus autoritário, proibitivo, um Deus que não permite, que proíbe comer de todas as árvores do jardim, arbitrariamente, sem se importar com a necessidade da criatura. A estratégia da serpente é clara, manchar o caráter de Deus, criar em Eva uma suspeita de que Ele é exigente demais, que Sua maneira de agir é autoritária demais, e que o que Ele pede é impossível de se cumprir.

vj;N:h' vj;n:

Ala,

CS

Prep.

a serpente

hV;aih; hV;ai

rm,aTow" rm'a; a

FS

Waw. Cons. + 3 MS Pret. Qal

para

a mulher

então (ela) respondeu

.lkeanO lk'a;

÷G:h' ÷G:

AÅ[e

yriP]mi yriP]

1 CP Impf. Qal

CS

CS Cons.

Prep. + CS Cons.

(nós) comeremos

do jardim

(da) árvore

do fruto



a



A resposta da mulher à serpente nos gera muitos questionamentos, por que a serpente falou com ela e não com Adão? Por que ela respondeu? Por que Adão viu e não falou nada? Por que Eva respondeu errado? Por que eles não perguntaram para Deus? Por que Deus não interviu? Essa são apenas algumas perguntas que tentaremos responder ao olhar para esse texto. O texto não nos dá respostas completas do “por quê?” a serpente falou com Eva, mas nos dá uma dica, nos capítulos anteriores o texto nos mostra que quando Deus deu a ordem a cerca da árvore que não deveria ser comida, Eva não existia, esta foi dada uma somente para Adão. Competia a Adão ensinar Eva quais eram as ordens de Deus. O que parece que Ele fez, no entanto. “... Talvez Satanás tenha apelado à Eva porque ela não estava apenas sob a autoridade de Deus - mas também sob a autoridade de seu marido - e, portanto, mais inclinada a pensar que Deus estava escondendo algo dela”.3 Creio que Eva respondeu porque a serpente lhe pareceu piedosa, sua maneira de perguntar parece com a de alguém que realmente demonstra interesse verdadeiro e sincero em YHWH. Ainda que hoje, cheios da malícia da serpente, é natural para nós desconfiar de tudo e de todos, até “dá própria sombra” como dizem alguns, mas Eva, por que desconfiaria? Ela havia sido criada por Deus, um Deus santo puro e perfeito, foi dada por esse Deus em casamento para um marido criado à imagem de Deus, um homem íntegro, honesto, trabalhador, criado para ela, a quem ela era completamente compatível e devotada. Ela própria, Eva, era santa, perfeita, sabia bem seu papel, suas funções. Eles viviam num mundo perfeito, a natureza era favorável, os animais não eram peçonhentos, não atacavam, não lhes causava medo, a terra era um verdadeiro paraíso, tudo era do bom e do melhor, água, comida, condições climáticas, tudo, não haviam doenças, nem morte, nada. Então, por que desconfiar de algo. E é justamente o ponto em questão, a fala da serpente lança as bases da desconfiança, a pequena sementinha do “não” adicionado pela serpente, vê nascer o primeiro brotinho, a necessidade de responder ao que Eva não via mal algum. E como veremos adiante, a desconfiança gera insegurança, a insegurança leva a autonomia, e a autonomia à queda, mas vamos por etapa. Por que o homem se calou? Esta é uma resposta um pouco mais difícil, o texto não é explícito, mesmo o bom livro de Larry Crabb, “O Silêncio de Adão”, que é bom em constatar o silêncio, patina ao dar essa resposta, o texto não nos diz, apenas diz que ele estava lá, provavelmente ouviu, e se calou. Talvez pelos mesmos motivos de Eva, por não presumir o mal de ninguém. Mas, também, talvez para ver onde ia dar, talvez por que já começasse a pairar em sua mente a ideia de que a pergunta da serpente era pertinente. A última das perguntas é, por causa de Santo Agostinho de Hipona, a mais fácil de responder, Deus não intervém por causa da natureza de Sua criação. Ele criou homens à Sua imagem e semelhança, isso implica que eles tinham liberdade de escolha, liberdade inclusive de não O obedecer. Diferente dos animais, que fazem somente o que seu instinto impresso neles e seus donos os condicionam a obedecer. Já o homem 3

CONSTABLE, Thomas L. Op. Cit. p. 61.

2

é livre, como Deus, para escolher. A liberdade era a natureza de um Deus plenamente livre impressa em nós, a árvore da vida era, portanto, a árvore do eterno bem, o alimentar-se do próprio Deus, a obediência benéfica, já a outra árvore, é o afastamento de Deus, e este é o mal maior de todos, é este mal que gera todos os outros, a falta de fé, a impossibilidade de crer, o não se alimentar dEle, do Seu ser, de sua pessoa, e como consequência a perda do bem, a perda da liberdade. Conhecer o mal não é aquisição de igualdade a Deus, pelo contrário é o mais absoluto afastamento de tudo o que Ele é, Ele não é mal, não pensa o mal, não criou o mal, e Ele próprio não faz mal algum. O mal não é um ser, ele não existe o mal é todas as vezes, que desconfiados de Deus, abandonamos a liberdade que há nEle, para a escravidão da autonomia, para nossas próprias opiniões, para a cultura. E Deus permite, sim porque a liberdade é boa, é a criação dEle, é algo que Ele quer para nós pois é bom. Porém, Ele nunca desejou que a usássemos mal, por isso disse: “não comam”.

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