GEOECONOMIA DO AQUÍFERO GUARANI-SERRA GERAL: UMA ABORDAGEM PRELIMINAR- Geo-economics of the Guarani-Serra Geral Aquifer: a preliminary approach

June 14, 2017 | Autor: Pedro Borges Graca | Categoria: Geography, Human Geography, Political Geography and Geopolitics, Geology, International Relations, Public Administration, International Studies, Regional competitiveness, Water, Natural Resources, Economic Geology, Geopolitics, Brazilian Studies, Strategic Studies, Water quality, Water resources, Strategic Management, Community Based Natural Resources Management, Competitive Intelligence, Luso-Afro-Brazilian Studies, Strategic Planning, Environment and natural resources conservation, Natural Resource Management, Brazil, Sustainable Water Resources Management, Natural Resource Economics, Integrated Water Resources Management, Strategy, Geoecology, Competitive strategy, Geopolitcs and Geostrategy, Brasil, Hidrogeology, Geoeconomics, Natural Resources Management, Competitividad, Geopolítica, Inteligencia Competitiva, Hidrology, Geoeconomy, Water Markets, HIDROGEOLOGIA, Hidrogeology & environmental geology, Hidrogeologia de la region de Urabá, Water Geopolicy, Geographic Information Systems (GIS), Geoeconomy and Geopolitics, Public Policy, Public Administration, International Studies, Regional competitiveness, Water, Natural Resources, Economic Geology, Geopolitics, Brazilian Studies, Strategic Studies, Water quality, Water resources, Strategic Management, Community Based Natural Resources Management, Competitive Intelligence, Luso-Afro-Brazilian Studies, Strategic Planning, Environment and natural resources conservation, Natural Resource Management, Brazil, Sustainable Water Resources Management, Natural Resource Economics, Integrated Water Resources Management, Strategy, Geoecology, Competitive strategy, Geopolitcs and Geostrategy, Brasil, Hidrogeology, Geoeconomics, Natural Resources Management, Competitividad, Geopolítica, Inteligencia Competitiva, Hidrology, Geoeconomy, Water Markets, HIDROGEOLOGIA, Hidrogeology & environmental geology, Hidrogeologia de la region de Urabá, Water Geopolicy, Geographic Information Systems (GIS), Geoeconomy and Geopolitics, Public Policy
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Revista de

Direito Econômico e Socioambiental ISSN 2179-8214 Licenciado sob uma Licença Creative Commons

REVISTA DE DIREITO ECONÔMICO E SOCIOAMBIENTAL vol. 6 | n. 2 | julho/dezembro 2015 | ISSN 2179-8214 Periodicidade semestral | www.pucpr.br/direitoeconomico Curitiba | Programa de Pós-Graduação em Direito da PUCPR

Revista de

Direito Econômico e Socioambiental

doi: 10.7213/rev.dir.econ.socioambienta.06.002.AO10

ISSN 2179-8214 Licenciado sob uma Licença Creative Commons

Geoeconomia do Aquífero Guarani-Serra Geral: uma abordagem preliminar1 Geo-economics of the Guarani-Serra Geral Aquifer: a preliminary approach Pedro Borges Graça

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Universidade de Lisboa

Jorge Rio Cardoso

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Universidade de Lisboa

Miguel Bessa Pacheco

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Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Recebido: 20/02/2015 Received: 20/02/2015

Aprovado: 30/07/2015 Approved: 30/07/2015

Como citar este artigo/How to cite this article: GRAÇA, Pedro Borges; CARDOSO, Jorge Rio; PACHECO, Miguel Bessa. Geoeconomia do Aquífero Guarani-Serra Geral: uma abordagem preliminar. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 6, n. 2, p. 254-268, jul./dez. 2015. doi: http://dx.doi.org/10.7213/rev.dir.econ.socioambienta.06.002.AO10 1

Versão revista e aumentada da Comunicação ao I Congresso Internacional “O Futuro da Água no Mercosul”, 09-10 nov. 2011, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.

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Professor da Universidade de Lisboa – ISCSP (Lisboa, Portugal). Doutor em Ciências Sociais (especialidade de História dos Factos Sociais). Director do Centro de Estudos Estratégicos do Atlântico. E-mail: [email protected] Professor da Universidade de Lisboa – ISCSP (Lisboa, Portugal). Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Aveiro. Técnico Assessor do Banco de Portugal.

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Professor da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (Lisboa, Portugal). Oficial da Marinha.

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Resumo Com extensões na Argentina, Paraguai e Uruguai, o Aquífero Guarani-Serra Geral é uma reserva de água natural estratégica para o Brasil, abrangendo oito unidades estaduais. No futuro é possível a ocorrência de tensões no âmbito das fronteiras administrativas e fronteiras gestoras, no sentido de estas últimas corresponderem aos requisitos efectivos de gestão dos territórios delimitados pelas fronteiras naturais ou aquíferas, envolvendo uma pluralidades de poderes concorrentes indutores de complexidade no processo da tomada de decisão e gestão da região hidrográfica. Os mercados da água, embora inevitáveis face à crescente escassez dos recursos, são também potencialmente indutores de conflitualidade resultante de disfunções várias, nomeadamente ambientais. É esta cultura de competitividade, disruptora da região hidrográfica, que é possível “subverter” em benefício das comunidades através de uma metodologia de inteligência cooperativa. Palavras-chave: aquífero guarani; mercado da água; competitividade; políticas públicas; inteligência cooperativa.

Abstract With extensions in Argentina, Paraguay and Uruguay, the Guarani-Serra Geral Aquifer is a strategic natural water reserve for Brazil, including eight state units. In the future it is possible the occurrence of tensions within the administrative borders and management boundaries, towards the latter correspond to the actual requirements of management of territories delimited by natural or aquifer boundaries, involving a plurality of complex-inducing competing powers in the process of decision-making and management of the river basin district. Water markets, though inevitable in view of the increasing scarcity of resources, are also potentially inducing of conflicts resulting from various disorders, especially environmental. It is this culture of competitiveness, disruptive of the river basin that is possible to "subvert" in benefit of communities through a methodology of cooperative intelligence. Keywords: guarani aquifer; water markets; competitiveness; public policies; cooperative intelligence.

1. A Perspectiva da Geoeconomia Comecemos por precisar o termo que aqui utilizamos de “Geoeconomia”, enquanto conceito operacional maior de análise do Aquífero Guarani - Serra Geral. Este traduz uma abordagem da dimensão económica da Geopolítica, ou seja, dos recursos naturais potencialmente exploráveis do ponto de vista económico num dado território e correlativas interacções

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sociais e políticas e posicionamento face a outros territórios confins, nacionais/internacionais, na perspectiva do Brasil, em termos de cooperação, concorrência ou conflito. É porém tomado em consideração o objectivo estratégico enunciado por Wolkmer, Scheibe e Henning (2011) da consolidação da Rede Guarani-Serra Geral como parte de um processo de mudança cultural, visando precisamente mudar, referindo Giannecchini (apud WOLKMER; SCHEIBE; HENNING, 2011), a cultura da competitividade para a cooperação. Como a abordagem Geopolítica e consequentemente Geoeconómica se aprofunda e desenvolve com o auxílio da Cartografia, podemos apontar como primeiro exemplo a necessidade de desenhar um mapa duplo completo da comparação entre o que poderemos denominar provisoriamente de fronteiras administrativas e fronteiras gestoras, no sentido de estas últimas corresponderem aos requisitos efectivos de gestão dos territórios delimitados pelas fronteiras naturais ou aquíferas, chamemos-lhes assim, envolvendo uma pluralidades de poderes indutores de complexidade no processo da tomada de decisão e concertação, e da gestão da região hidrográfica. Numa primeira análise observa-se que, num desejável desenvolvimento posterior a esta abordagem preliminar, será porventura eficaz conhecer desde logo a dinâmica bottom-up do mosaico dos poderes locais. Com efeito, não há, concordando com Aldomar Rückert e Anelise Rambo (2010), “um poder econômico estruturalmente local, privado ou público, mas dimensões locais de múltiplos poderes que se constroem na hierarquia dos tomadores de decisão”. Este caminho, sugerido pela metáfora da construção do edifício, permitirá precisamente estabelecer um ponto de situação daquela multiplicidade e respectiva interacção com a dinâmica topdown dos restantes poderes hierarquicamente superiores, que dará por si origem a mais representação cartográfica. Trazemos agora somente quatro esboços básicos que podem ir relevando o tipo de análises a desenvolver no aspecto geográfico com significado político e/ou estratégico (dimensão de força, razão, dimensão de implicações relativas, etc). Como ainda não temos os dados SIG originais para trabalhar, tivemos de gerar os limites do aquífero do Guarani com métodos pouco rigorosos, servindo estes limites e os resultados apenas como exemplo (especialmente as áreas indicadas no mapa 4).

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Mapa 1- Países da América do Sul e Estados brasileiros onde se situa o aquífero (enquadramento geográfico e político)

Mapa 2 - Área do aquífero em cada Estado Brasileiro

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Mapa 3 - Localização dos municípios brasileiros - dá uma ideia da concentração populacional

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Mapa 4 - Densidade dos municípios sobrejacentes ao aquífero por km . É uma outra forma 2

de visualizar a eventual concentração de pessoas por km na zona do aquífero.

Mas com os dados científicos será possível gerar dezenas de análises deste tipo e cruzar informação para fazer uma avaliação geoeconómica rigorosa de modo a identificar, por exemplo, padrões e níveis de força e interesse por área de referência. Com efeito, nesta breve análise, por ser efectivamente uma abordagem preliminar, concentramo-nos na análise do contexto do Aquífero Guarani/Serra Geral, nomeadamente em três factores estratégicos interconectados: na dinâmica geral dos mercados de água, da gestão e políticas públicas, e do correspondente papel da informação face à evidente neces-

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sidade de um sistema em rede indutor de Conhecimento nos tomadores de decisão e gestores.

2. Os mercados da água A progressiva escassez de água tem vindo a agudizar alguns conflitos de uso. O mais falado é o conflito entre o uso agrícola e os restantes usos. Neste sentido, vários autores têm proposto, como solução para este conflito, o estabelecimento de mercados de água. Os mercados de água, em sentido formal, surgiram em 1983 na Austrália (BJORNLUND; MCKAY, 2002). Chile e EUA (sobretudo nos Estados do Sudoeste) são também várias vezes citados, na literatura, como exemplos de mercados de água. No entanto, a activa experiência com estes mercados é ainda incipiente e as opiniões em relação aos reais impactes positivos e negativos divergem. Refira-se, contudo, que os mercados informais de água são bastante maiores, em número e volume de transacções, do que os formais. Em geral, a existência dos mercados da água depara-se com vários constrangimentos, dos quais os principais são: (1) os custos de transacção (WILLIAMSOM, 1981; CAREY et al., 2002) – que incluem os custos de negociação, entre as partes, bem como os custos de informação – (2) a falta de direitos de propriedade atribuídos, (3) as externalidades, (4) a rigidez institucional e regulatória e (5) a incerteza climática (BARBIER; CHAUDHRY, 2004). No entanto, na prática, os mercados da água começam, em geral, quando o governo estabelece preços da água que reflectem a respectiva escassez Stephen E. Draper (2006). De acordo com a OCDE muitos países têm feito progressos substanciais “para atingir preços de água de maior eficiência” (1999). Estas reformas de preço, por sua vez, encorajaram operadores privados a considerarem a sua entrada no mercado. Os mercados da água providenciam também oportunidades para (PIGRAM, 1999): (1) novos utilizadores terem acesso ao recurso; (2) os utilizadores realizarem ganhos de eficiência no uso da água; (3) a água transferir-se para maiores valores de uso; (4) utilizadores saírem da indústria da água através da venda da sua licença; (5) e a autoridade aquífera

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entrar no mercado para adquirir licenças de água e, subsequentemente, reafectá-las ou retirá-las. De facto, assistimos a uma vaga crescente de autores a sublinharem os méritos da existência dos mercados internacionais de água. Defendem que só com um sistema de licenças transaccionáveis é possível estabelecer um mercado de água. A autoridade ao definir o volume que é possível extrair do rio, por exemplo, está a ter em conta as funções dos ecossistemas e caudais ecológicos. A existência de mercados de água nunca dispensará assim a supervisão das autoridades e do regulador, nomeadamente na monitorização.

3. A gestão e políticas públicas aquíferas A gestão dos aquíferos e a consequente intervenção através de autoridades públicas tem por base o facto de se verificarem as chamadas “falhas de mercado”, fortemente condicionadas por externalidades. Diz-se que se está perante uma externalidade quando (SCHMID, 1967; BAUMOL; OATES, 1988; CORNES; SANDLER, 1996; CASSIDY, 2010): — A actividade de um ou mais agentes gera uma perda de bem-estar noutro(s) agente(s); — Essa perda de bem-estar não é compensada. Dito de outra forma, são efeitos externos exercidos pelos processos de consumo e de produção que estão fora do mercado e logo de um sistema de preços (TIETENBERG, 1998). Na presença de externalidades os preços de mercado não reflectem a totalidade dos custos sociais (ou benefícios) e, por isso, taxas (ou subsídios) são necessários para restabelecer os mecanismos de mercado. É, em geral, aceite que a fonte das externalidades é tipicamente devida à ausência de direitos de propriedade bem definidos (BAUMOL; OATES, 1988). A qualidade ambiental e consequentemente a qualidade da água é um típico bem onde os direitos de propriedade não são bem definidos e daí que exista dificuldade de existir um mercado eficiente (AHUJA, 2009). A poluição da água tem sido considerada na literatura económica como um caso clássico de externalidade tecnológica. As externalidades tecnológicas são aquelas que surgem quando a acção de um agente económico produz “deseconomias” — isto é, custos, menor valor de produção ou baixa de utilidade — e, assim, faz variar a eficiência dos factores produ-

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tivos noutra instituição ou afecta a função de utilidade de outro indivíduo (MEADE, 1952). Dentro das externalidades surgem vários subgrupos, como as que resultam da exploração de águas subterrâneas (AS), distinguindo custos e efeitos estratégicos (RUBIO; CASINO, 2003). PALMA (2003), por exemplo, refere-se a este tipo de externalidade resultante da sobre-exploração de aquíferos. HOWE (2002) analisando as águas subterrâneas, distingue ainda três tipos de externalidade: por extracção contemporânea, inter-temporal e de qualidade. No primeiro caso, a externalidade afecta os utilizadores do aquífero em termos do aumento do custo de bombagem e pode ainda afectar os utilizadores das águas superficiais. Na externalidade inter-temporal é a modificação do stock de AS que afecta a sua disponibilidade no futuro. Pode inclusive, em termos geológicos, fazer diminuir a capacidade de armazenamento desse aquífero. No terceiro caso — externalidade de qualidade — esta pode ser tanto contemporânea como inter-temporal (OSTROM, 1992). Outros autores — como, Groom e Swanson (2003) ou Goodstein (2005) — falam do caso específico da externalidade de perfil temporal (time profile externality) quando o tempo de extracção de águas subterrâneas, por um conjunto de utilizadores, causa impacto no tempo a outros utilizadores. Uma implicação da existência de tal externalidade é que induz investimentos de armazenamento de água que seriam desnecessários na sua ausência. Na literatura aparece também a distinção entre a externalidade tecnológica e a externalidade pecuniária (BUCHAMAN; STUGGLEBINE, 1962, apud BAUMOL; OATES, 1988). O termo refere-se aos efeitos trazidos de mudanças nos preços causados por uma expansão ou declínio de uma determinada indústria. Pode dar-se, como exemplo, uma cidade em que, devido à expansão urbana e ao consequente aumento do consumo de água, o preço do recurso sobe. As indústrias e outros utilizadores de água passarão a fazer face a um preço superior, apesar de não terem contribuído directamente para tal. Esta externalidade não é considerada um benefício ou um custo social desde que os ganhos de um grupo sejam iguais às perdas de outro, assistindo-se apenas a uma transferência de rendimento entre factores, não existindo por isso uma falha de mercado.

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Numa outra perspectiva pode fazer-se a distinção entre as externalidades económicas que exprimem os custos impostos aos consumidores da água pelos utilizadores a montante e as externalidades ambientais que por sua vez exprimem os custos da degradação ambiental provocados pelas utilizações da água — incluindo a poluição e as alterações do regime hidrológico natural. Estas externalidades podem ser estimadas, por exemplo, pelos custos de recuperação da qualidade da água e dos ecossistemas aquáticos e ribeirinhos afectados (EASTER; FEDER, 1997; EASTER et al., 1998; HENRIQUES; WEST, 2000a). A existência destas externalidades faz com que qualquer órgão de gestão do aquífero deva procurar, da melhor maneira possível, fazer com que os agentes económicos internalizem essas externalidades. Mas atentese no facto de que as experiências recentes determinaram que a água não pode ser tratada como um recurso perfeitamente renovável. Assiste-se assim a efeitos externos difíceis de quantificar monetariamente (unpriced), incluindo nestes a degradação dos solos e a depleção da qualidade da água. Torna-se portanto difícil, através dos mecanismos de preço, incluir estes efeitos (EPA, 2003). Como corolário disto resulta que a necessidade de conservação dos recursos hídricos aumenta substancialmente. Na verdade, a ausência de análise económica relativa aos usos da água, no passado, é para vários autores e organizações internacionais responsável pela actual tendência de degradação da água. Várias instituições e organizações, como por exemplo o Banco Mundial (BM) ou a UE (União Europeia), têm vindo por isso de forma progressiva a sugerir a aplicação de abordagens económicas para a resolução dos problemas dos recursos naturais (WB, 1997 ou CE, 2000; WATECO, 2003). Portanto, a fundamentação de uma abordagem económica de Gestão e Políticas Públicas de um Aquífero pode, assim, ser resumida nos seguintes pontos (SANTOS; ANTUNES, 1999; ANTUNES et al., 2002): i) O aquífero é um recurso escasso e estratégico; ii) Este recurso não passando pelo mercado faz com que determinados agentes passem custos privados para sociais criando na sociedade externalidades negativas (isto é poluem, mas não pagam); iii) A política de gestão do aquífero pode, através de instrumentos (taxas por exemplo), fazer com que os agentes internalizem as externalidades referidas anteriormente.

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Outro factor disfuncional relevante é a informação assimétrica. A informação perfeita — uma das hipóteses do paradigma da concorrência perfeita — é algo que, no sector da água, está longe de ser conseguido. A informação tem custos que, em alguns casos, podem até inviabilizar o atingir de soluções de eficiência. Os custos de informação são vistos, na literatura, como inseridos nos chamados custos de transacção onde se incluem também os custos de negociação ou bargaining costs (WILLIAMSON, 1996; CAREY et al., 2002; BAIETTI; RAYMOND, 2005; GOODSTEIN, 2005) e os custos de implementabilidade ou policing and enforcement costs (WILLIAMSON, 1981). Neste contexto de informação imperfeita, as falhas de mercado são susceptíveis de ocorrer, justificando-se que o Estado possa intervir com fornecimento de informação variada sobre o sector, de forma a torná-lo mais transparente. Instituições como o Banco Mundial (WB, 1997), UN (2009) ou a OECD (2009), por exemplo, têm defendido a disseminação de informação como uma das tarefas do Estado na gestão eficiente dos recursos naturais (JACOPO et al., 2010). Alguns autores afirmam mesmo que, quando a informação é imperfeita, os resultados das medidas de política são ineficientes, nomeadamente no que às normas e taxas diz respeito (CORNES; SANDLER, 1996). Consequentemente, veja-se ainda a disfunção induzida pela corrupção. Esta traz problema de ineficiência a todo o sistema, dado que obviamente os recursos não são usados da melhor forma. Martinez (2007), por exemplo, estima que pode haver no sector da água poupanças entre 20 e 70% se a corrupção for combatida. As áreas onde há maior possibilidade de corrupção são as seguintes: (1) falsificação nas medições; (2) favorecimento em concursos; (3) nomeações de gestores; (4) não multar poluidores; e (5) nas aquisições ou procurement (UNESCO, 2009; BAPTISTA, 2009). As melhores formas de combater a corrupção são pois: (1) promover auditorias, (2) incentivar a participação dos interessados ou stakeholders (UNESCO, 2009; OLKEN, 2007), e (3) dar ao sistema maior transparência estimulando informação clara e acessível.

4. As informações estratégicas na tomada de decisão Abordando concretamente a Rede Guarani-Serra Geral, acompanhamos os principais objectivos enunciados por Wolkmer, Scheibe e Hen-

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ning (2011), no sentido de que a informação desempenha um papel central em todo o processo, pois “tem-se como fundamental o fluxo de informações, tendo em vista a configuração de um conhecimento interdisciplinar”, e portanto “o conceito de rede proposto é um sistema de informação com complementaridade tecnológica, identidade social e cultural e aprendizado coletivo”, conforme afirmam no documento já acima referido. (WOLKMER; SCHEIBE; HENNING, 2011). Este é um nível de comunicação com os interessados ou stakeholders do Aquífero Guarani que visa, a partir do conhecimento científico adquirido, divulgar de forma constante informação configuradora de opinião junto dos gestores e tomadores de decisão das políticas públicas. Existe porém outro nível de comunicação que poderá ser complementar daquele fluxo de informações científicas, que é o das informações estratégicas. As informações estratégicas, na perspectiva da Geoeconomia, são em si mesmo organização, processo e produto sob a forma de informação, traduzindo-se na aquisição contínua de conhecimento por parte das instituições, envolvendo gestores e tomadores de decisão, com vista à obtenção de capacidade prospectiva e vantagem competitiva sobre organizações homólogas e rivais, e também à salvaguarda perante o exterior deste conhecimento e da informação reservada sobre as suas actividades (GRAÇA, 2011). Esta é na realidade uma contradição nos seus termos relativamente ao enunciado paradigmático da mudança de uma cultura de competitividade para uma cultura de cooperação presente na Rede Guarani/Serra Geral. Com efeito, no mundo cada vez mais competitivo do processo de globalização em curso, as informações estratégicas de apoio à tomada de decisão estão crescentemente presentes na lógica empresarial e institucional. E esta terminologia em língua portuguesa é traduzida na francesa como inteligência económica – sendo mesmo em França uma Política Pública – e na língua inglesa é traduzida como inteligência competitiva. Mas a verdade é que podemos “subverter”, digamos assim, esta realidade, e transformar a inteligência competitiva em inteligência cooperativa, repetimos, inteligência cooperativa, de modo a utilizarmos a metodologia de produção de informações estratégicas como factor sinergético e operacional do mosaico de gestores e tomadores de decisão abrangidos pelo Aquífero Guarani/Serra Geral.

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Para o efeito, é necessário estabelecer um sistema de informações estratégicas aquíferas, baseado por seu turno num sistema de informação geográfica, alimentado pela informação científica da Rede Guarani/Serra Geral e por uma rede de pequenas unidades de produção de inteligência cooperativa a criar nas autoridades locais, no sentido de consolidar uma gestão optimizada dos riscos, oportunidades e ameaças que envolvem conjunturalmente a região hidrográfica, requerendo isto que o sistema esteja continuamente atento ao presente visível e invisível e ao futuro previsível. Isto é, do ponto de vista geoeconómico, implantar um método de conhecer o que está a acontecer e o que vai acontecer seguindo um procedimento de avaliação prospectiva recorrente. A vantagem prática da existência de unidades de inteligência cooperativa, que poderão ser compostas por um mínimo de um ou dois elementos, é pois precisamente o acréscimo do potencial de cooperação através da gestão e produção contínua de conhecimento estratégico, destinado quotidianamente à primeira linha da tomada de decisão. A verdade é que, no actual processo de globalização económica em curso, estamos num momento de passagem da Era da Informação para a Era da Intelligence ou Inteligência e no mundo da luta por um Ambiente de qualidade, os custos da ignorância saem muito mais caros que os custos do conhecimento.

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