Geopolítica da África

October 8, 2017 | Autor: F. Silva | Categoria: Colonialism and Imperialism
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Geopolitica Colonial da África: as disputas interimperialistas.

Francisco Carlos Teixeira Da Silva/ Professor Titular de História Moderna e
Contemporânea/Laboratório de Estudos do Tempo Presente/TEMPO/UFRJ e
Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.

(Em Revista Eletrônica do Tempo Presente/TEMPO
ISSN 1981-3384, Ano 3, Nº11, Rio, 2008/ www.tempopresente.org)

Em três ocasiões durante o século XX a África tornar-se-ia cenário de
grandes rivalidades geo-estratégicas entre as grandes potências mundiais:
(a.) no ínicio do século, com o auge dos conflitos interimperialistas
europeus; (b.) na década de '70, com a extensão da rivalidade soviético-
americana e, no (c.) final do século, com a chamada Guerra contra o
Terrorismo, levada a cabo pelos Estados Unidos. O desenho político do mapa
africano, no alvorecer do século XX, está praticamente definido a partir
das rivalidades interimperialistas desenvolvidas entre Grã-Bretanha,
França, Itália, Alemanha e Portugal, os principais jogadores no cenário
diplomático continental. Excetuando-se a Libéria – criada a partir de 1821
pela American Colonization Society, visando estabelecer na África ex-
escravos negros americanos – e o milenar reino da Etiópia ( ou Abissínia ),
todo o continente havia sido repartido entre as principais potências
européias. A mais antiga presença branca no continente era portuguesa,
restrita, até o século XIX, a algumas feitorias e presídios no litoral da
Guiné, Angola e Moçambique. A empresa portuguesa limitava-se, então, a
praticar um comércio aleatório, mesmo episódico, com forte rivalidade com
os árabes, no Oceano Índico, além, claro, do tráfico negreiro (
principalmente no Oceano Atlântico ).
A partir do final do século, em particular depois da derrota francesa
frente aos alemães em 1871, a França – principalmente sob a influência de
Jules Ferry ( 1832-1893 ) - o grande incentivador das conquistas coloniais
e ministro da III República francesa durante longo tempo - passa a
desenvolver um amplo projeto de poder a realizar-se na África ( como também
na Ásia ). Em grande parte, e com apoio interessado de Bismarck visando
desviar a atenção francesa das questões européias, tratava-se de compensar
a perda da Alsácia-Lorena e da humilhação sofrida, pela construção de um
império que devolvesse ao país sua noção de orgulho nacional. Para manter o
novo equilíbrio europeu – tendo a Alemanha como país central na Europa –
desviava-se o ímpeto belicista da França em direção da África e da Ásia. O
ponto de partida de tal império será a Argélia, onde desde 1830 a França
tinha interesses especiais.
O eixo estratégico inicial da penetração francesa na África se dá no
sentido Norte/Sul, ou seja Argélia/Senegal, procurando reunir as possessões
mediterrâneas da França aos seus fortes estabelecidos no litoral do
Senegal, submetendo ao seu domínio os vastos territórios da chamada África
Ocidental. Aí constituir-se-á, como o Sahara – que será futuramente anexado
a Argélia francesa -, um forte bloco continental, incluindo o Norte Francês
a África com a Mauritânia e o Mali. Alguns enfrentamentos com ingleses –
estabelecidos junto ao rio Gâmbia – e com portugueses – estabelecidos na
Guiné-Bissau – marcarão os primeiros choques interimperialistas na região
ocidental da África. Aos poucos a exploração de fibras e óleos vegetais, no
momento do arranque da Revolução Industrial no país, bem como a implantação
do sistema de plantations, com culturas de amendoim e cacau, compensava
amplamente os esforços desenvolvidos pelo Estado francês para ocupar a
região. A conquista do confrontante atlântico da África pela França
implicava, contudo, em tensões crescentes em duas direções: em face ao
Marrocos, que acabava envolvido pela África Ocidental Francesa, e em
direção ao Nilo, através dos rios Volta e do Niger até o Lago Tchad ( hoje
Burkina Fasso, Niger e Tchad ). O envolvimento do Marrocos, um reino
autônomo só nominalmente e formalmente sujeito ao ImpérioTurco, colocava a
França diretamente em choque com a Alemanha imperial, que via no país uma
última esperança de estabelecer uma colônia própria em um importante país
mediterrâneo. Da mesma forma, o ímpeto em direção ao Nilo colocava os
franceses numa situação de enfrentamento direto com os ingleses, fortemente
estabelecidos em torno do Canal de Suez. Tal situação era típica do final
do século XIX e representava bem o isolamento francês em face da Alemanha e
Grã-Bretanha após a derrota de 1871.
Os ingleses haviam estabelecido suas bases de ocupação da África a
partir de três pontos estratégicos: o próprio Canal de Suez, ( ocupado
pelos ingleses desde 1888, quando através da Convenção de Constantinopla,
do mesmo ano, são estabelecidas suas regras de funcionamento ), e que
facilitando a chamada rota curta para as Índias, através do Mar Vermelho e
do Oceano Índico, abrindo, assim, o Egito e todo o Nilo à dominação
britânica; um segundo ponto da penetração britânica foi a área entre o
Golfo de Benin e o rio Niger, onde se estabeleceram desde 1880 e de onde se
partiria para a dominação da área tropical africana; em fim,um terceiro
ponto de apoio formou-se em torno da Cidade do Cabo, onde os ingleses
haviam se estabelecido em 1795, parte fundamental da chamada longa rota
para as Índias ( Atlântico/Cidade do Cabo/Cingapura e depois em direção a
Hong-Kong e/ou Austrália ). A razão inicial para os britânicos interessarem-
se pela África prendia-se ao controle e a segurança das rotas para as
Índias. Assim, o Canal de Suez, de um lado, e a Cidade do Cabo, de outro (
ao lado de várias ilhas do Atlântico e pontos chaves no litoral africano )
representavam parte fundamental da estratégicas rotas de acesso às Índias,
centro nevrálgico de todo o Império Britânico.
O projeto britânico de ocupação da África mostrava-se, assim, bem mais
orgânico e coerente do que o avanço francês e integrava-se, plenamente, a
um projeto imperial de mais longo alcance, valorizando Alexandria, Suez,
Somália e Áden como pontos de apoio e acesso ao Império das Índias. Assim,
no quadro mais geral da política colonial britânica a África ocupava um
papel de monta na estratégia de ocupação das fímbrias da Ilha do Mundo,
conforme a geopolítica de Mackinder ( e mais tarde retomada por Nicholas
Spykman ). Qualquer hegemonia estranha no continente negro, em especial ao
longo do Nilo, poderia representar um risco para outras áreas vitais do
império, como o Golfo Pérsico, Áden, as Índias, Cingapura e Hong-Kong.
Enquanto um potencial econômico em si mesmo, somente após 1880 é que o
imperialismo europeu, em seu conjunto, começa realmente a se interessar
pelos recursos naturais da África, colocando em prática uma política que vá
além da exploração predatória do litoral. Assim, a primeira vaga
imperialista, francesa e britânica, explicava-se bem mais através das
noções de prestígio, orgulho nacional e de imperiosidades geoestratégicas (
argumento da Escola Geopolítica de Mackinder/Spykman ou da Escola Histórica
Alemã , com Wolfgang Mommsen ). Somente depois daquela data é que os
interesses econômicos, em matérias-primas e de mercados – além da alocação
de excessos populacionais e empregos remunerativas para amplas camadas
sociais ociosas na metrópole – passam a caracterizar o imperialismo em seu
classicismo ( argumento da Escola Marxista, com Hobson/Lênin/Hobsbawm ).
Deve-se, desta forma, procurar uma certa reconciliação entre os argumentos
de ambas as vertentes explicativas, evitando excluir, in limine, qualquer
das explicações em presença. Dependendo da fase expansiva do Imperialismo
na África, e de sua localização geográfica, os argumentos geopolíticos e os
argumentos puramente econômicos podem ser, ambos, plenamente cabíveis.
De qualquer forma, com a crescente expansão industrial européia, a
rivalidade franco-britânica amplia-se rapidamente a partir de 1880.
Os franceses aceleram sua expansão em direção ao sul, redirecionando o
eixo Argélia/Senegal em dois vetores: de um lado, para o sul em direção à
África Equatorial, buscando a Bacia do rio Congo, principalmente através da
ação do Coronel Brazza ( 1852-1905 ), onde criaram a África Equatorial
Francesa ( com o Gabão e o Congo ) em 1910, buscando atingir o Nilo através
do Congo ( pensava-se que o rio Ubangui, afluente ao norte do rio Congo ou
o rio Lualaba, afluente ao sul, dariam acesso ao rio Nilo, o que era,
evidentemente hoje, um erro geográfico ). Por outro lado, dirigiriam-se
para o leste, buscando a partir do Mali atravessar o Niger e Tchad, então
denominado de Sudão francês. Daí atingiriam o Nilo, no Sudão propriamente
dito, pretendendo a junção com a colônia francesa de Djibouti, entre o Mar
Vermelho e o Oceano Índico, onde já possui algumas ilhas e o imenso
território da ilha de Madagascar, ocupado desde 1885. O projeto equatorial
francês não encontrará maior resistência, atingindo rapidamente a Bacia do
Congo e a foz do mesmo rio, na altura de Cabinda, estancando apenas em face
da imensa colônia belga – em verdade do rei Leopoldo II - do Congo. Será o
Congresso de Berlin, em 1884/5, que estabelecerá os limites sul da expansão
imperial francesa na África. Nas suas resoluções o Congresso de Berlin
reconhecia o Estado do Congo, governado autonomamente por Leopoldo II, rei
da Bélgica, – imenso território de floresta equatorial englobando a Bacia
do Congo até a Região dos Grandes Lagos ( Vitória, Tanganica e Malawi ) e a
colônia portuguesa de Angola ( com o enclave de Cabinda contornando a foz
do rio Congo ), rico em ouro, diamantes, cobre, fibras vegetais, peles,
marfim, etc... A pequena Bélgica, e seu ambicioso rei, só conseguiram
manter o controle sobre uma região tão ampla e rica como a Bacia do Congo (
englobando as terras altas de Ruanda e Burundi ) em virtude das rivalidades
européias, em razão das quais nenhum dos concorrentes europeus confiava nos
demais, em especial nos interesses dos alemães em estabelecer-se na região,
ameaçando simultaneamente as fontes do Nilo e a África Equatorial Francesa.
Em troca do reconhecimento do Estado do Congo, sob controle de Leopoldo II,
os belgas tiveram que aceitar a política de "Portas Abertas", admitindo a
navegação e o comércio internacional no rio Congo para todas as nações
européias. Da mesma forma, capitais franceses e belgas associar-se-iam
rapidamente para a exploração das riquezas minerais do país, conformando,
um pouco mais tarde, a empresa Union Minière, que exercerá o verdadeiro
controle sobre o cobre, ouro e diamantes do Congo.
Na direção leste, contudo, a expansão francesa deparou-se com a forte
projeção de força do império britânico, que fazia a subida do rio Nilo,
estabelecendo um longa linha férrea paralela ao rio como principal
ferramenta de dominação do rico e estratégico Vale do Nilo. Ambas as
frentes imperialistas encontrar-se-iam na junção dos dois Nilos, em
Fachoda, no Sudão. Estava em jogo, aí, em 1898, dois ambiciosos projetos
geopolíticos: a travessia francesa da África no sentido Atlântico/Índico
ou a travessia britânica da África no sentido Alexandria/Cidade do Cabo,
através de uma longa ferrovia, que deveria ligar o Cairo à Cidade do Cabo,
idealizada por Cecil Rhodes ( 1853-1902 ). Os dois países, levados a beira
de um conflito, resolveram negociar uma partilha do continente em áreas de
interesses, em grande parte em função da postura pacificadora do ministro
francês Delcassé (1898-1905). As negociações franco-britânicas conduziriam
a formação da Entente Cordiale, em 1904, um amplo acordo de cooperação
entre a França e a Inglaterra, que definiriam as relações internacionais na
Europa até depois da II Guerra Mundial ( ao menos até o afastamento da
Inglaterra do Mercado Comum Europeu por Charles De Gaulle nos anos '60 ).
A Grã-Bretanha pode, assim, consolidar seu projeto de criação de um
imenso eixo vertical cortando o continente africano no sentido norte/sul
acompanhando a linha do Nilo e dos Grandes Lagos, através do Condomínio
Anglo-Egípcio sobre o Sudão, estabelecido em 1898. Abria-se assim os
acessos às terras altas, povoadas por pastores e camponeses, do Quênia, daí
voltando-se para a ocupação de Zanzibar, Uganda e da Niassalândia ( atual
Malawi ). Toda a região fazia parte de um próspero sultanato marítimo
centrado originalmente em Omã – na costa da Arábia – e depois em Zanzibar,
njo litoral índico da África, de onde o sultão controlava uma imensa rede
de comerciantes árabes que haviam se estabelecido nas margens do Índico,
sujeitando todo o comércio entre o Mar Vermelho, o Golfo Pérsico e a África
oriental. A miscigenação racial e cultural entre árabes e bantus originaria
uma civilização original centrada sobre o idioma swahili, o comércio
marítimo – inclusive de escravos – e a religião islâmica. Para os ingleses
era fundamental aniquilar qualquer poder naval autônomo na área do Oceano
Índico, claramente em virtude da busca de segurança para o fluxo comercial
com as Índias, além, é claro de assumir o controle de um lucrativo comércio
que se expandia na área do Oceano Índico. Entre 1885 e 1898 toda a área
entre o litoral índico e os Grandes Lagos, no interior do continente, será
colocada sob domínio britânico, que procurarão valorizar a região
introduzindo a propriedade privada, com grandes plantações de café, cana-de-
açúcar, algodão e chá, com um típico sistema de plantation, causando grande
dano aos sistemas tradicionais de pastoreio nativo em áreas coletivas
tribais.
Completando a projeção de força britânica sobre o continente os
ingleses, sob a inspiração do milionário aventureiro Cecil Rhodes,
procurarão expandir sua colônia da Cidade do Cabo em direção às repúblicas
boers do Transvaal e Orange, originando a Guerra dos Boers ( 1899-1902 ), o
que permitirá a ocupação de todo o sul da África, com suas fabulosas minas
de ouro e diamantes, além das vastas planícies agroculturáveis. Daí, os
ingleses dirigem-se para o Vale do rio Zambeze, procurando atingir os
Grandes Lagos pelo sul, ocupando os planaltos da Botswana, Rhodesia ( hoje
Zimbabwe ) e da Zâmbia, realizando, em fim, a junção com a frente norte já
estabelecida em Zanzibar e no Quênia. Os três vastos países passam a ser
administrados pela Companhia Britânica da África do Sul, fundada por Cecil
Rhodes, e voltada para a exploração de diamantes, ouro, cobre – super-
valorizado com a expansão da indústria elétrica e de motores -, além de
outros minerais estratégicos.
Os imperialismos menores. A realização do projeto de britânico, idealizado
por Rhodes, de criar um domínio tão extenso, do Cairo até a Cidade do Cabo,
acaba por frustrar um outro projeto geoestrátégico, desta feita formulado
por Portugal, interessado em unir – através da savana centro-africana e do
Vale do rio Zambese – suas colônias de Angola e Moçambique, colocando em
comunicação o Atlântico diretamente com o Índico. Contudo, as condições
financeiras de Portugal, bem como suas sucessivas crises políticas no
início do século XX, impediram a concretização do projeto luso. A bem da
verdade, Portugal não possuía quaisquer condições de reação contra os
ingleses, dependendo dos mesmos para financiar sua presença na África, além
de evitar que os alemães ocupassem Angola e Moçambique. Durante bom tempo
os alemães almejaram expandir suas coloniais da Namíbia, então o Sudoeste
Africano Alemão, com a anexação de Angola, além de estender a colônia de
Tanganica - atual Tanzânia – com anexação de Moçambique. Somente o medo dos
ingleses em permitir um aumento da presença germânica na África - já
desafiadora através do projeto alemão de construção de uma frota de alto
mar pelo Almirante Tirpitz, em 1912 - impediu a transferência das colônias
portuguesas. A Alemanha foi, ainda, frustrada em seus intentos
expansionistas no Marrocos pela ação dos franceses, íntima aliança com a
Inglaterra. Considerado como um alvo inicialmente fácil, o Morrocos acabou
por gerar duas crises sucessivas entre alemães e franceses. Desde o
Incidente de Fachoda, em 1898, entre ingleses e franceses, estes teriam
conseguido colocar o Marrocos em sua área de interesses, compensando a
Espanha – também interessada no país – com o domínio de uma longa franja
atlântica do litoral ocidental africano, o Sahara Ocidental ( anexado pelo
Marrocos em 1975 ). Os alemães não reconhecem, contudo, a soberania
francesa sobre o Marrocos, causando uma grave crise européia entre 1905 e
1906 ( Primeira Crise do Marrocos ou Crise de Tanger ). Pela Conferência de
Algeciras, em 1906, onde a Entente Cordiale de 1904 – a nova aliança franco-
britânica – dá mostras funcionar perfeitamente, a França vê seus direitos
exclusivos sobre o país reconhecidos. Contudo, em 1911, a Alemanha voltará
a exigir uma participação na exploração do Marrocos, enviando uma
canhoneira para Agadir ( Crise de Agadir ou Segunda Crise do Marrocos ), o
que acaba sendo resolvido através da cessão de um território francês junto
ao Congo para os alemães. A Alemanha, por fim, perderá todas as suas
colônias africanas ( e nos demais continentes ) nas estipulações do Tratado
de Versalhes, ao final da I Guerra Mundial.
Outro país que teve seus planos frustrados, em razão das atividades da
Entente Cordiale na África, foi a Itália. O projeto estratégico italiano
visava, sob a grandiloqüência da recriação do domínio romano sobre o
Mediterrâneo, estabelecer um Mare Nostro na região, estabelecendo pontos de
apoio por todo o Mediterrâneo e adjacências. Contava com a fragilidade do
Império Turco para ocupar suas províncias africanas, como a Tunísia e a
Líbia – as então províncias otomanas da Cirenaica e Tripolitânia -, além
dos arquipélagos gregos sob ocupação turca ( Creta, Dodecanesos ).
Contavam, ainda, em estabelecer-se em um rico e populoso país, a Etiópia (
ou Abissínia ), onde já ocupavam, na região denominada Chifre da África, na
confluência entre o Mar Vermelho, o Golfo Pérsico e o Oceano Índico, a
Eritréia e a Somália. Contudo, a invasão lançada contra os etíopes redunda
em amplo fracasso, sendo os italianos derrotados na Batalha de Ádua, em
1896 – primeira grande derrota de um país europeu frente a um povo de cor.
Contrariados, e humilhados, no Chifre da África, os italianos lançaram
tentativas de ocupar a Tunísia, onde também serão expelidos pelos
franceses. Por fim, assinam com a França o Tratado Secreto de 1900, onde
renunciam aos territórios tunisianos em troca da Cirenaica e Tripolitânia (
hoje Líbia ). Em 1911, aproveitando-se da debilidade turca, lançam uma
ofensiva no norte da África ( Guerra Ítalo-turca, 1911 ), apropriando-se de
amplas regiões entre a Tunísia e o Egito. Mais tarde, já sob o regime
fascista de Mussolini, os italianos renovaram o projeto de um império
africano, lançando um brutal e fulminante ataque contra a Etiópia,
finalmente conquistada em 1936 ( Conquista da Etiópia, 1935-36 ). A Itália
perderá, ao final da II Guerra Mundial, todas as suas colônias africanas,
ensejando nos desertos da Líbia, uma das mais fulgurantes campanhas
militares da II Guerra Mundial.
Resistências locais. A penetração ocidental e a partilha da África não
serão processos históricos jogados exclusivamente pelas potências
européias. As forças políticas locais, organizadas de formas extremamente
diferenciadas – da organização tribal dos hotentotes do Sudoeste Africano
Alemão até o Império do Negus da Etiópia – reagiram, na medida dos seus
meios, contra a conquista européia. Desde o final do século XIX até os anos
'70 do século XX ( ou mesmo até os anos '90, se considerarmos o regime de
Apartheid uma decorrência do colonialismo ocidental ) as populações
africanas lutaram intensamente contra a dominação colonial. Os ingleses
para consolidarem seu domínio sobre o continente tiveram que enfrentar duas
grandes revoltas: no Sudão, organizada por Mohammad Ahmed, a Revolta do
Mahdi, entre 1881-1898, que foi capaz de impor duras derrotas às tropas
coloniais britânicas; lutaram ainda na Somália, contra Mohammed Hassan (
1899-1920 ), o chamdo mulá louco e na África do Sul, a Guerra dos Zulus, em
1879, onde a população bantu original do país resistiu longamente contra a
presença branca. Em Madagascar uma ampla resistência nacional foi
organizada contra os franceses entre 1894 e 1897, com levantes sucessivos
nos anos de 1905, 1915, 1929 e 1947, com mais de 120 000 mortos, só neste
último levante. Os alemães, por sua vez, tiveram que enfrentar um amplo
levante em sua colônia do Sudoeste Africano, a Revolta dos Hereros e
Hotentotes, entre 1905 e 1907, resultando no massacre de 90% da população
nativa do território. Por toda a África, nas colônias portuguesas, no Congo
belga, no Quênia ou no Tchad populações nativas foram expulsas de suas
terras, obrigados a formas de trabalho compulsório em grandes plantações e
em obras públicas de interesse colonial, como fortes, portos e ferrovias.
Além disso, os missionários cristãos impunham normas e idiomas ocidentais,
aceleravam a desintegração das hierarquias tradicionais de linhagens, como
no caso de Ruanda, da Costa do Marfim ou da Rodésia, com conseqüências
futuras terríveis para o destino do continente.
O Início da Descolonização. Passada a grande maré imperialista e as
redivisões decorrentes da II Guerra Mundial ( sendo o principal
acontecimento o fim do Império colonial italiano, principalmente em favor
dos ingleses ), o movimento anti-colonial tornou-se dominante na África,
abrindo uma nova fase nas relações estratégicas no continente. Tratava-se,
agora, de assegurar a presença ocidental no continente mesmo na situação
precária em que se encontravam as metrópoles. Tanto a França como a
Inglaterra perceberam que não poderiam deter o processo de emancipação dos
países homogeneamente negros, principalmente na África equatorial. Eram
áreas densamente povoadas, com grandes reservas de matérias-primas e
minerais – café, amendoim, cacau, óleos, fibras, algodão, cobre, ouro,
diamantes e, pouco depois, petróleo – e com escassa presença branca mas,
com uma importante elite negra formada em universidades européias e
americanas, convencidas pelos ideais de africanidade e negritude e, mais ou
menos, tocadas por formas variadas de socialismo. Assim, Senegal e Gana
foram casos paradigmáticos de independência nacional, formando as bases
para um profundo sentimento de africanidade. Em torno de 1960 – o chamado
ano africano, em virtude do grande número de países que chegaram a sua
independência – mais de uma dúzia de países, principalmente na faixa
central do continente, compunham uma África independente. Dois outros
grupos de países, ao norte e ao sul da África, apresentavam contudo
condições bem diferenciadas de acesso à independência. Ao norte, em
especial na Argélia, uma forte minoria branca opunha-se ferozmente a
qualquer projeto de autonomia, mesmo enfrentando uma maioria islâmica cada
vez mais organizada, mobilizada ideologicamente e com forte apoio exterior
( no caso, proveniente do Egito nacionalista de Gamal Abdel Nasser ). Ao
sul, por razões semelhantes, os colonos exigiam sua independência. Calcados
na experiência sul-africana, que evoluíra da condição de Estado autônomo no
interior da Comunidade Britânica das Nações, desde de 1910, para a condição
de Estado soberano desde 1948, os colonos brancos da chamada Rodésia,
articulam sua independência como uma forma de impedir que o processo de
descolonização apontasse para a emergência de um estado negro onde
perderiam suas condições privilegiadas. Da mesma forma, a permanência do
colonialismo português – com seu aspecto paternalista, autoritário e
culturalista, donde a denominação de ultra-colonialismo – com as grandes
colônias do Moçambique e de Angola, somando-se ao regime racista da Rodésia
e ao domínio sul-africano sobre o antigo Sudoeste Africano Alemão ( atual
Namíbia ), cria ao sul do continente um poderoso bloco colonial, pro-
ocidental e inteiramente dependente da economia e dos investimentos
americanos, ingleses e holandeses.
A Guerra Fria na África. A grande novidade é, sem dúvida, o fato de que o
centro de gravidade desse imenso glacis neo-colonial ter se deslocado da
Europa e, interiorizando-se, residir, principalmente a partir de 1958 (
Administração do premier Hendrik Verwoerd, 1958-1966 ) na própria África do
Sul. Com uma vasta população – algo entorno de 40 milhões de habitantes,
dos quais apenas 12% são brancos -, vastos reservas minerais como ouro,
platina, diamantes, cobre, urânio, etc... além de uma próspera agricultura
e uma poderosa indústria a República Sul-Africana aproveitou-se do clima de
Guerra Fria para construir uma poderosa panóplia militar, atingindo até o
controle e o fabrico de armas nucleares, químicas e biológicas. Com a
divisão bipolar do mundo, entre Estados Unidos e URSS, a África do Sul
assumiu um novo papel geoestratégico central. A paralisia de qualquer
movimento reformista e a consequente expansão dos movimentos de libertação
nacional, em especial no sul do continente, muitos de cunho marxista,
lançava os regimes autoritários e racistas em vigor no sul da África,
diretamente no âmbito do chamado Ocidente, contra uma pretensa e nova
estratégia africana da URSS.
Os regimes colonial português e racista na África do Sul, Rodésia e Namíbia
mostraram-se absolutamente contrários a qualquer possibilidade de auto-
reforma, recusando sistematicamente todas as recomendações das Nações
Unidas e a Organização da Unidade Africana. Contrariamente, desde o final
da II Guerra Mundial, ambas as grandes potências coloniais, a França e a
Inglaterra, procuraram desde cedo organizar da melhor forma possível a
transição do regime colonial para formas de estados soberanos, ainda que
sob a tutela das ex-metrópoles, e no interior de comunidades de nações que
substituíssem os antigos impérios colonais.
A iniciativa de organizar os impérios coloniais sob uma forma mais leve e
dinâmica coube inicialmente ao ingleses, preocupados com o potencial
independista de suas coloniais consideradas "brancas" ( Canadá, Nova
Zelândia, Austrália e África do Sul ), capazes de imitar o comportamento
dos ex-súditos norte-americanos. Foi assim que surgiram as chamadas
conferências imperiais, desde 1911, e que culminam, em 1926, na criação da
Comunidade Britânica das Nações ( British Commonwealth of Nations ). O novo
modelo organizativo do império deveria valer exclusivamente para as
coloniais de povoamento europeu. Contudo, depois de 1945, o Partido
Trabalhista, principal força organizativa da descolonização na Inglaterra,
entendeu transformar a Comunidade Britânica na ferramenta básica de
manutenção dos laços econômicos, políticos e estratégicos do antigo
império, evitando os imensos e dolorosos custos de uma multiplicidade de
conflitos de libertação nacional. Os franceses, ao contrário, reagiram
algumas vezes mais duramente, tentando manter o império – tanto na Ásia
quanto na África – por mais tempo, gerando conflitos sangrentos na
Indochina, Argélia e em Madagascar. Foi, contudo, na antiga África
Ocidental Francesa e na África Equatorial que conseguiram os maiores
sucessos em manter os antigos laços de dependência com as novas nações que
emergiam do processo de descolonização. Desde 1946, a constituição
francesa, criara uma Union Française compreendendo a metrópole e as
colônias e visando claramente manter a dependência colonial, agora sob nova
roupagem. Para os franceses, tratava-se de tentar uma última cartada,
oferecendo a possibilidade de cidadania para os conjuntos populacionais
assimilados, utilizando-se da cultura e da língua francesa como
instrumentos de assimilação à metrópole, e dessa forma garantindo a
hegemonia sob as antigas áreas coloniais. Contudo, mesmo a reafirmação da
União pela constituição gaulista de 1958 não assegura resultados duradouros
para os interesses franceses e, por volta de 1960 – sob impacto da Guerra
da Argélia – a maior parte das colônias abandona a União. De qualquer
forma, nem os britânicos, nem os franceses – ao contrário do que fizeram na
Ásia - abandonaram seus interesses econômicos e estratégicos na África ao
fim do processo de descolonização. Enquanto a Inglaterra concentrava seus
recursos estratégicos na bacia do Mediterrâneo, controlando o eixo formado
por Gibraltar/Malta/Chipre possibilitando a projeção de força imediata
sobre o Oriente Médio, Canal de Suez, Líbia e os estreitos do Bósforo e
Dardanelos – paralisando os soviéticos e seus aliados egípcios e líbios na
região mostrando uma grande continuidade da geopolítica de domínio das
fímbrias do continente eurasiano -, os franceses concentraram-se na
segurança das posições européias na África negra. O golfo da Guiné e do
Benin eram áreas centrais dos interesses franceses, com acordos de
segurança com Gabão, Costa do Marfim, Senegal e Camarões. Do outro lado, no
Oceano Índico, na estratégica região do Mar Vermelho em face da Arábia
Saudita, os franceses estabeleceram a base militar de Djibuti - com uma
força rápida de deslocamento, de caráter residente, de 3.500 homens, de um
total de 25 mil homens em armas no mantidos no continente - e, a mais ao
sul, na ilha de Madagascar, onde mantinham um outra base, compunham um
dueto estratégico com a África do Sul. Estabelecia assim condições de
acesso direto e de securitização do Golfo Pérsico e das fontes de petróleo
indispensáveis ao ocidente europeu.
Em alguns momentos, o processo de descolonização descambava claramente para
crises de extrema gravidade, com a tentativa das potências ultra-colonais e
racistas do Sul da África em garantir pontos de apoio e manter uma presença
mais atuante na África ocidental. Foi assim, através do apoio de Portugal e
da África do Sul à secessão dos ibos, cristãos e ocidentalizados, frente à
maioria islâmica da Nigéria, que a guerra civil no país, denominada Guerra
de Biafra ( 1967-1970 ) transforma-se numa terrível catástrofe humanitária
do continente. Assim, a riqueza petrolífera do país ibo, a grande esperança
de desenvolvimento de toda a Nigéria, gera dois campos de força opostos:
França, Portugal, África do Sul e Rodésia apóiam a República de Biafra,
enquanto Inglaterra e Estados Unidos sustentam a federação nigeriana.
A Guerra de Biafra, com seus quase um milhão de mortos, deixa uma
lição para o conjunto da África: a intangibilidade das fronteiras herdadas
do período colonial. Com apoio da OUA, a maioria dos Estados africanos
concordam que as fronteiras existentes, por mais artificiais e injustas que
sejam, representavam uma expectativa de paz e de convivência comum,
enquanto qualquer tentativa de alteração do mapa colonial poderia lançar as
jovens nações em um redemoinho de destruição mútua.
No centro da África, Tchad e República Centro-Africana por sua vez,,
postos permanentes da França, vigiavam as investidas do Coronel Muamar El-
Khadafi – com presença marcante em mais de 15 países da África Negra - , em
direção à África negra, limitando um importante e incontido aliado
soviético. Com tais apoios a França passou a agir diretamente no
continente, visando evitar mudanças, revoluções ou perda dos interesses
europeus, com incursões militares seguidas no Tchad, Gabão, Mauritânia e,
inúmeras vezes, no Congo/Zaire. Ao mesmo tempo, a África do Sul obtinha
ampla liberdade de ação para preservar os interesses ocidentais na chamada
da Rota do Cabo.Particularmente após 1967, quando em virtude do conflito
árabe-israelense o Canal de Suez foi fechado ao tráfico internacional, a
rota ao sul do continente, chamada rota do Cabo, readquiriu um imenso valor
estratégico, conhecendo um intenso fluxo de superpetroleiros,
indispensáveis ao abastecimento das grandes economias industriais do
Atlântico norte. Da mesma forma, as linhas aéreas em demanda do Cone Sul,
da América do Sul, da Índia, Austrália e da chamada Insulíndia - Malásia,
Filipinas, Indonésia - dependiam das condições de segurança e abastecimento
em Pretória, Johanesburgo ou no Cabo, o que faz com que a OTAN instalasse
um poderoso sistema de detecção aéro-espacial em Simonstown ( junto à
Cidade do Cabo ). Cada vez mais envolvida na Guerra Fria, transformando
seus próprios projetos de dominação da maioria negra em parte da guerra
entre Ocidente e Oriente, sob impacto da Revolução dos Cravos de 1974, a
África do Sul lança – possivelmente com a ajuda de Israel -, nesse mesmo
ano, seu programa nuclear secreto, chegando a construção de seis bombas
atômicas ( projeto paralisado em 1989 e arsenais destruídos em 1991, data
de adesão do país ao TNP ).
A URSS e a África. Assim, dois acontecimentos maiores nas relações
internacionais, entre 1974 e 1975, marcam uma grande virada nas relações
estratégicas na África negra: a Revolução dos Cravos em Portugal e a
derrota norte-americana no Vietnam. A relativa hegemonia ocidental sobre a
África, em grande parte marcada pelo eixo estratégico representado pela
França e a África do Sul, cede frente às novas pressões. De um lado, com o
desmoronar do império colonial português, a partir de 1974, o grande
cinturão de segurança em torno da África do Sul perde sua
invulnerabilidade. Angola e Maçambique deixam de ser escudos protetores,
bem como fornecedores de mão-de-obra dócil e de recursos naturais para
Pretória; o movimento de libertação da Namíbia – SWAPO – e a resistência
negra na Rodésia colonial se avolumam, enquanto um movimento simultâneo
exterior e interior questiona o regime de apartheid na própria África do
Sul. Os soviéticos, por sua vez, aproveitando-se da paralisia provisória
dos Estados Unidos, aceleram a penetração na Somália e na Etiópia. Com um
regime marxista já estabelecido no Yemen, a outra margem do Estreito do Bab
el Mandeb, os soviéticos construem amplas bases aéreas e navais em Massua,
na Etiópia, e na Ilha de Dhalak, no Mar Vermelho, colocando a estratégica
região do Chifre da África fora do controle ocidental. Pela primeira vez
desde sua criação, no século XIX, o Canal de Suez estava sob risco real de
estrangulamento, enquanto o acesso ao Oceano Índico e o Golfo Pérsico abria-
se aos soviétic
Aos poucos a Guerra Fria, em sua última fase – a chamada Segunda
Guerra Fria, a partir de 1979 -, instala-se no coração da África. Os
Estados Unidos, até então pouco envolvidos nos negócios africanos – dada a
ação francesa e sul-africana – voltam-se diretamente para o continente,
procurando barrar a crescente presença soviética no continente. Através da
CIA e do exército da África do Sul, os Estados Unidos, ao lado da China
Popular, apóiam os movimentos mais reacionários do continente, como a
UNITA, em Angola, Charles Taylor, na Serra Leoa, inúmeros grupos
terroristas no Zaire e em Moçambique, além, é claro, do racista National
Party, em Pretória. Quando tais enfrentamentos desbordam em guerra aberta,
como no Zaire, Angola ou na Etiópia, os soviéticos lançam mão de tropas
expedicionárias cubanas, que passam a agir amplamente no continente.
Em algum momento no final dos anos '70 a URSS parece ter adquirido uma
posição permanente e privilegiada na África, com pontos de apoio na Líbia,
na Etiópia, por algum tempo na Somália, na Guiné, no Congo/Brazzaville, em
Angola e Moçambique, além de grande simpatia em países da chamada "linha de
frente"do enfrentamento ao apartheid, como a Zâmbia e a Tanzânia.
A África e as Novas Ameaças. Entretanto, a partir de 1985, com a crise
geral do sistema soviético, iniciar-se-ia o começo da retirada soviética,
com a retração da ação cubana, e o colapso de vários regimes pró-
soviéticos, sendo a Etiópia o melhor exemplo. O vazio estratégico criado
pela retirada dos soviéticos e cubanos acabam gerando dois movimentos
opostos. Em alguns países, como a Etiópia e a Somália, abrem-se períodos de
crise, instabilidade e guerra civil, culminando no caso da Etiópia, na
secessão da Eritréia. No caso da Somália, bem mais complexo e dramático,
chega-se ao completo colapso das estruturas estatais existentes, com a
pulverização do Estado-Nação e a hegemonia de "senhores da guerra"locais,
muitas vezes apoiados por organizações terroristas, como a Al Qaeda e o
Ansar-El-Islam. Já em outros países, como em Angola e Moçambique, a
desaparição do clima de enfrentamento Ocidente/Oriente acaba por abrir
caminho, não sem muita dor e destruição, a processos de paz, de frágil
densidade. Contudo, a situação tornar-se-ia bem mais favorável a
consolidação de regimes estáveis e ao início da construção de estruturas do
Estado-Nação. Na Rodésia e na África do Sul, por sua vez, a conversão dos
partidos de resistência, como o Congresso Nacional Africano, às normas da
representatividade, ao lado da intensidade da resistência local e da
condenação externa, acaba por levar a auto-reforma dos regimes, em especial
a partir de 1990 com a legalização do CNA, o fim do apartheid em 1991 e, em
fim, a eleição de Nelson Mandela em 1994.
Outros países, contudo, não tiveram a mesma sorte: o desmoronar das
ditaduras que eram sustentadas por potências neo-colonais, como no
Congo/Kinshasa, em Ruanda, na Libéria, etc... acaba por gerar grande
instabilidade política, gerando um estado contínuo de guerra, perpassados
por genocídios brutais, como em Ruanda em 1992 e 1994.
Paralelamente com a expansão das guerras locais e dos genocídios, a
fome reaparece em vastas regiões avassaladas por tragédias climáticas, como
no largo cinturão do Sahel, do Niger ao Sudão, ou pela guerra permanente,
como na Etiópia e na Somália. No sul da África, bem como na África
Oriental, as epidemias de turberculose e aids atingem parcelas
assustadoramente amplas da população local, enquanto na África Equatorial a
malária, o dengue e o vírus Ebola são as razões das elevadas taxas de
mortalidade.
Assim, mesmo após o fim da Guera Fria, em 1991, a África não alcançou
a estabilidade política capaz de construir, ou restaurar, as estruturas do
Estado-Nação indispensáveis para a arrancada desenvolvimentista, mesmo em
regiões de abundantes recursos naturais. Na verdade, abriu-se um novo ciclo
de expansão dos interesses ocidentais na região, em especial uma nova
expansão anglo-americana, tendo como países-pivot na África Oriental e
Austral a nova Uganda, pós-Idi Amim, e a nova África do Sul. Os objetivos,
neste momento, dirigem-se para a dominação do Congo/Kinsahasa, com suas
riquezas minerais, com a eliminação da hegemonia francesa local. Cabinda,
com suas riquezas petrolíferas, é um alvo secundário, porém bastante
importante.
Um segundo vetor da continuidade da expansão anglo-americana volta-se para
os países pivot na África Ocidental: Serra Leoa/Libéria/Costa do
Marfim/Gana, o que representaria a securitizaçao do Golfo da Guiné, com o
controle das fontes petrolíferas da Nigéria até São Tomé e Príncipe, além
das ricas jazidas de ouro e diamantes da região.
A desestruturação das instituições estatais, depois de 1989, sob o
impacto da redemocratização de vários regimes locais, além da imposição de
um brutal receituário liberal e anti-estado patrocinado pelo FMI, acaba por
dar um novo alento às soluções militares. O antigo ciclo de ditaduras
militares na África, en tre 1961 e 1989, parece fazer seu retorno ao
cenário político local a partir do golpe de Estado na Costa do Marfim, em
1999, seguido de golpes e tentativas por toda a África Ocidental e
Equatorial. Da mesma forma, a norma férrea da intangibilidade das
fronteiras parece ter sido abandonada, com a fragmentação da Etiópia, da
Somália, das ameaças na Gâmbia e no Senegal, além da continuidade da guerra
no Congo/Kinsahasa e no Sudão.
Uma nova condição de esperança, e também de temores, surge com a
provável ascensão do Oceano Atlântico à posição de centro produtor de
petróleo. O chamado "Triangulo de Ouro" – Nigéria, Gabão e Cabinda/Angola –
revela-se como um dos mais impriotantes jazimentos de petróleo e gás já
localizados, capaz de compensar a instabilidade do fornecimento proveniente
do Oriente Médio. De qualquer forma, a existência dos campos do Mar do
Norte ( em descrescimo ), do Golfo do México ( aos quais juntar-se-ia os
jazimentos de metano ), as imensas reservas off-shore do Brasil e, agora, a
comp´rovação da existência de petróleo de boa qualidade nas aguas das Ilhas
Malvinas transforma o Atlântico, e portanto o litoral africano, em região
altamente estratégica.
A construção de uma imensa base aero-naval norte-americana em São Tomé
e Porto Príncipe, com o reativamento da IV Frota, mostra a extensao do
interesse estratégico norte-americano na região.
Em suma, no alvorecer do século XXI o continente africano é, ainda,
mais pobre, complexo e perpassado pelos flagelos da guerra, da fome e das
doenças do que no início do processo de descolonização na década dos '60 do
século XX.

Bibliografia:

FERRO, Marc. História das Colonizações, São Paulo, Companhia das Letras,
2002.
FRÉMEAUX, Jacques. Les empires coloniaux dans le processus de
mondialisation. Paris, Maisonneuve, 2002.
MOMMSEN, Wolfgang. La época Del Imperialismo. Madrid, Alianza, 1989.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
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