Georg Simmel como teórico da história

June 6, 2017 | Autor: Patrick Carvalho | Categoria: History, Georg Simmel
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Georg Simmel como teórico da história Patrick Martins de Carvalho Georg Simmel motivado por suas aspirações intelectuais tentou definir o que torna certos acontecimentos algo histórico e, assim, buscou mostrar como o tempo histórico parece se relacionar diretamente com nossa percepção do tempo e, também, em que grau uma reconstituição histórica abrange a complexidade dos eventos fixados no tempo. Eram temas incômodos e que fez com que escrevesse seu livro Ensaios sobre teoria da história, livro no qual este trabalho se baseia. Instigado a pesquisar a especificidade possível da teoria da história, Simmel busca o problema do tempo histórico para definir então algumas prerrogativas. Ou seja, tendemos a assumir que o nosso tema é a história, um dos elementos mais centrais e que influenciam enormemente qualquer saber histórico, mas é o tempo, enquanto uma categoria determinante para esse conhecimento que esta se constitui primordial1.Sendo o tempo histórico um elemento tão difícil de localizar com clareza seu sentido dentro de uma realidade histórica, Simmel diz que um conteúdo de realidade é histórico quando sabemos qual lugar ocupa em nosso sistema temporal2. A partir disso, podemos deduzir em que medida essa realidade é histórica e, assim, podemos pensar o lugar que ela se encontra dentro desse sistema temporal. Pois há graus diversos de precisão quanto aos seus conteúdos. Para que essas definições formais possam ser um terreno sólido para as implicações que o tempo histórico cria, Simmel busca determinar primeiro seus graus de exclusão, para só então afirmar sua espacialidade no tempo. Como bem explicita nessa passagem do Ensaios sobre teoria da história:3 Isso exclui, primeiro, que um conteúdo de realidade se torne histórico simplesmente porque existiu numa época qualquer. Se num lugar da Ásia forem

descobertas

ruínas

urbanas

soterradas,

repletas

de

objetos

interessantes, mas cuja idade não possa ser determinada nem pelo estilo nem por provas diretas ou indiretas, tais vestígios, embora preciosos e importantes, não serão um documento histórico. Se estivessem situados no tempo em geral e não num tempo determinado, são historicamente vazios.

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SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 9. SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 9. 3 SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 9 – 10. 2

Simmel conclui que mesmo que por meio de conhecimentos externos conseguíssemos determinarque uma relíquia qualquer fosse de determinada cultura, um evento como esse só teria validade histórica se fosse descoberto em que período aquele objeto se fixa no tempo. Ele não é um objeto histórico se a única coisa que conhecemos são fatos que não tem qualquer ponto dentro de nosso sistema temporal. A simples compreensão para Simmel não satisfaz as necessidades exigidas para que um elemento seja considerado um fato histórico. Pois do contrário, mesma a compreensão mais vazia sobre determinado evento seria considerado história e, disso se decorreria, que nada é história, pois não teríamos uma relação de causa e consequência e não haveria um sistema temporal em que esses fatos se correlacionassem. E, sendo assim, não teríamos a compreensão geral dos eventos que é tão caro à filosofia da história. Simmel dirá a respeito da impossibilidade da mera compreensão ser considerada de caráter histórico:4 Características ainda mais singulares explicam por que a compreensão, em si, não pode atribuir a um conteúdo um caráter histórico. Para que se reconheça o caráter histórico de um conteúdo é preciso, sem dúvida, compreendê-lo; isso é condição sinequa non. Quando, por exemplo, nos dizem que uma pessoa teve um comportamento “incompreensível”, pois que totalmente diferente do que já conhecemos de sua personalidade, recusamo-nos a considerá-lo um fato histórico, mesmo se for possível. O simples fato de ele ser potencialmente histórico exige o mínimo de compreensão.

É importante perceber na passagem supracitada que Simmel não desqualifica que o princípio da compreensão é necessário para a compreensão histórica, pois sem compreensão, não é possível qualificar e nem mesmo distinguir elementos que são ou não históricos, mas afirma que somente a compreensão em si não atribui a um conteúdo qualquer um caráter essencialmente histórico. Visto os problemas apontados anteriormente, Simmel afirma que esse tipo de afirmação parece incoerente: “Parece paradoxal que a compreensão seja algo atemporal e nada tenha a ver com a realidade histórica como tal”5, mas em seguida argumentará sobre como o domínio da compreensão abarca tanto a realidade quanto a imaginação, e tanto o presente como o passado. E a compreensão nesse sentido é necessária para que consigamos compreender a coerência desses elementos estruturados dentro do conjunto temporal. No entanto, 4 5

SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 10 Ibid.

Simmel aponta para uma minúcia importante6, que não compreendo o significado, por exemplo, do estado de Alabama porque esta tem uma realidade histórica como tal. Mas pelo fato de jamais ter ido até o Alabama, somente a compreendo na maneira como ela se apresenta para mim, ou seja, como uma realidade abstrata. O que Simmel parece dizer, como afirma em seu Ensaios sobre Teoria da História, é que admitimos a realidade como tal, enquanto a compreensão do objeto independe dela.7Isto é, compreendemos da realidade em que vivemos certos conteúdos que somente conhecemos e abstraímos idealmente.8Simmel aponta que dessas relações ideais entre os conteúdos finalmente deduzimos que algum deles é determinado como real, somente estamos transferindo para ele o conteúdo que já havíamos constatado.9A respeito da aparente contradição entre esses elementos, Simmel dirá:10 Essa ideia não contradiz o fato de que tal compreensão pode incluir relações de tempo. É o caso, por exemplo, de quando se trata de compreender como um fenômeno procede de outro fenômeno que é sua causa. Então, o conjunto desses elementos constitui a unidade de compreensão, e a relação temporal, necessária à sua ordem e à sua duração, é um conteúdo que exige ser compreendido.

Simmel concorda11que há elementos de compreensão que se condicionam, sendo crucial para determinar o antes e o depois, pois nesses casos as condições importam. E a compreensão desse evento não depende de ter estipulado com antecedência a ordem cronológica que um evento ocupa no tempo. Porém, é errôneo acreditar que essa ordem meramente condicionada seja o tempo histórico. E por isso Simmel afirma que: “[...] Seria falso objetar com o ponto de vista do empirismo e afirmar que certos fenômenos só podem ser compreendidos porque estão situados num momento determinado no tempo”.

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Isto posto, dois eventos que determinam um antes e depois formam em uma

visão geral, uma unidade de compreensão, mesmo que não possa ser chamada, em stricto sensu de tempo histórico. Muito embora, sua inteligibilidade e compreensão objetiva não mude independente do lugar que ocupa no tempo histórico.13 Esses 6

SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 11. SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 11. 8 Ibid. 9 Ibid. 10 Ibid. 11 Ibid. 12 Ibid. 13 SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 12. 7

elementos são compreendidos por seus conteúdos autônomos enquanto ligados entre unidades de causa e efeito, a respeito disso Simmel dirá:14 Como nenhum fator de explicação pode, em princípio, ser o último, e como, para ser compreendido, qualquer fator exige outro anterior, a unidade para compreender, em teoria, deve ser prolongada ao infinito – na prática, até o mais antigo conteúdo de eventos conhecido. Se supusermos que todos os fatos conhecidos da história se inscrevem em conexões casuais, só a totalidade desses fatos constitui o conjunto que permite compreender cada um deles. Mas, quando se estabelece esse conjunto cuja coerência é garantida pela compreensão objetiva e imanente, modifica-se completamente a relação temporal até então afirmada entre as unidades de compreensão. Cada uma dessas unidades, quando a considerávamos compreensível por si mesma, podia ser colocada em qualquer ponto da sequência temporal sem que tal característica fosse modificada. Agora que o seu conteúdo abrange todos os conteúdos conhecidos, isso já não é possível. De fato, antes e depois dela, estende-se agora para nós o tempo vazio no qual nenhum deslocamento é possível, pois nenhum lugar se distingue do outro, assim como, num espaço absoluto vazio, um corpo que não pode sozinho ocupar um “lugar”: a posição de um corpo depende da sua relação com outros corpos;

Consequentemente, somente conhecemos completamente um evento quando se esgota a compreensão dos eventos gerais da história como uma unidade e quando conhecemos suas consequências.15Disso se decorre que uma vez que estiver esgotado os eventos do passado e do futuro, é possível dizer que compreendemos completamente um evento dentro de sua coerência interna. Como Simmel dirá adiante: “Só agora compreendemos o sentido, e junto com ele o paradoxo, desse expediente que consistia em considerar um complexo histórico particular, com sua coerência interna, como deslocável no tempo sem que a compreensão de seus conteúdos ficasse prejudicada” 16

Simmel vê o tempo como uma relação entre os conteúdos da história entre si,

enquanto, por outro lado, a história como um todo, está inteiramente fora do tempo17, por não depender de uma relação causal para que seja compreendida. Por isso a afirmação de Simmel:18

14

SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 12-13. SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 13. 16 SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 13. 17 SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 13. 18 SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 15. 15

Pode-se dizer que um evento é histórico quando, por motivos objetivos, indiferentes à sua posição no tempo, ele ocupa uma posição claramente determinada no tempo. Logo, um conteúdo não é histórico apenas por existir no tempo ou apenas por ser compreendido. Ele só se torna histórico quando esses dois aspectos se encontram, quando a compreensão intemporal permite inscrevê-lo no tempo.

O desafio para Simmel parece ser a antinomia entre os eventos que são meramente compreensíveis dos que são um evento histórico. O evento é histórico quando ele está dentro da totalidade histórica, isto significa que o evento tem um ponto fixo no tempo, ele está dentro de uma ordem cronológica e seu conteúdo é atemporal, pois consegue formar com outros conteúdos uma unidade de compreensão. Por outro lado, aquele evento que é meramente compreensível, diz respeito aos conteúdos atemporais que poderiam estar em qualquer momento da cronologia. Isto é, ele deslocase no eixo do tempo e, por isso, não pode ser considerado um elemento histórico. Essa antinomia só é resolvida quando na totalidade histórica, através de conteúdos objetivos, o evento é fixado no interior da série, tornando-se seu momento absoluto. Essa inscrição no tempo significa que um evento é fixado num ponto determinado do tempo histórico. E, sendo fixado, é impossível que um mesmo evento ocupe duas posições dentro do tempo histórico, pois é impossível mudar. Simmel argumentará: “Se tivermos um conjunto de eventos cuja coerência interna relativa é compreensível, podemos deslocá-lo à vontade no eixo do tempo sem prejudicar sua inteligibilidade. Por mais que seu conteúdo seja único, não o consideraremos um elemento histórico enquanto ele não tiver trocado sua instabilidade temporal por uma posição claramente definida no desenrolar global dos eventos”

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Logo, a compreensão

desses eventos só pode se referir à determinação que é relativa dentro do tempo, mas jamais à inscrição no tempo em geral20,pois isso seria dizer que um evento é real, quando isso não é algo que é possível à compreensão garantir. Um ponto fixo do evento no tempo confere ao seu conteúdo um caráter claramente histórico, mas, dirá Simmel, pouco importa se somos imperfeitos e nosso conhecimento só consiga situar esses eventos imperfeitamente dentro dessa totalidade, pois uma vez que os conjuntos desses acontecimentos tenham determinado sua posição, ela adquire uma individualidade própria. Pois se um evento tem uma posição única 19 20

SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 15 – 16. SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 15.

dentro da temporalidade, ela só pode ser única. E, portanto, a unicidade histórica tem um conteúdo essencialmente individualizante que não permite confundir eventos que são a princípio idênticos. Uma segunda antinomia muito importante para Simmel é a de determinar a duração objetiva de certos eventos, pois no momento que certos eventos se fixam no tempo, preenche de modo contínuo um intervalo de tempo. De forma que compreendemos as coisas por conjuntos de eventos. Conhecimento esse que Simmel define como: “É por abstração que nos convencemos da continuidade dos eventos reais” 21

E é por armazenar conjuntos de unidade que entendemos os quadros históricos, pois

compreendemos por unidades descontínuas e que parecem cristalizadas em seus conceitos. Processo esse que envolve processos particulares que tornam seus eventos distintos uns dos outros. Por isso, é essencial para Simmel, que não é preciso insistir na definição excessivamente detalhista de cada evento, pois assim tornaria seu conceito atomizado. E, assim, a visão geral e das consequências do evento somem ao dividir demais suas partes. De forma que, para Simmel, a continuidade dos eventos são rompidas dentro da totalidade dos eventos, perdendo o sentido objetivo de eventos importantes historicamente.

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A respeito desse desmembramento atomista dos eventos

na temporalidade, Simmel argumenta:23 Se prolongado, esse procedimento deveria chegar a uma estrutura atomista do acontecimento: no fim, teríamos inúmeras instantâneos, muito próximos uns dos outros, mas sempre separados por um intervalo que não poderia ser preenchido, pois, ao preenchê-lo, seria criada uma continuidade que suprimiria em cada elemento particular esse aspecto de quadro, essa maneira de ser enquadrado, que é o que o torna determinado e identificável e lhe confere um papel como elemento histórico particular. Não se conseguiria obter desse modo a continuidade viva que seguiria exatamente o curso do tempo, assim como não se pode ocupar integralmente uma linha com pontos, por mais numerosos que sejam.

Isto é, o componente histórico não está interessado na riqueza de detalhes de um evento que se fixa no tempo, mas sim no aspecto superior que as sintetiza. Ou seja, só está interessado naquilo que se apresenta historicamente pertinente, sua unicidade que se apresenta de maneira contínua e que tenha duração. Isso permite que se pense de 21

SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 20. SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 21. 23 SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História, p. 23. 22

maneira geral sobre um acontecimento da temporalidade, seja em um evento como a Batalha de Kunersdorf ou na ocupação da França pela Alemanha Nazista. No entanto, é prejudicial para a compreensão histórica essa especificidade dos elementos, pois um conhecimento excessivamente fragmentário torna fácil perder a compreensão do todo e a sua continuidade entre os eventos em um quadro cronológico. Logo, a percepção histórica deve ter uma ótica abrangente o bastante para que não se perca em vista o que há de mais objetivo, e, ao mesmo tempo, que não deixe de lado seus elementos individualizantes que a tornam um evento único.

Bibliografia SIMMEL, Georg. Ensaios sobre Teoria da História. Tradução Estela dos Santos Abreu. Editora Contraponto, Rio de Janeiro, 2011.

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