GESTÃO DOS RECURSOS NATURAIS E VULNERABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL EM MOÇAMBIQUE: PROCESSOS E PERSPECTIVAS

October 3, 2017 | Autor: G Do Amaral | Categoria: Environmental Science
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GT7 – GRANDES EMPREENDIMENTOS, ESTADO E MEIO AMBIENTE

Tema:

GESTÃO DOS RECURSOS NATURAIS E VULNERABILIDADE SÓCIOAMBIENTAL EM MOÇAMBIQUE: PROCESSOS E PERSPECTIVAS

Giverage Alves do Amaral1

NOVEMBRO, 2014

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Doutorando em Ambiente e Sociedade, Núcleo de Estudos e Pesquisa Ambiental (NEPAM) /UNICAMP / IFCH/

Contacto: [email protected]

Resumo

Em Moçambique, apesar de importantes ações já terem sido levadas a cabo em prol da gestão das calamidades naturais e os seus potenciais impactos, diversas formas de catástrofes naturais ainda tem sido registradas, e as regiões mais afetadas têm sido as que apresentam significativa importância económica, o que tem contribuído significativamente para aumentar e perpetuar a vulnerabilidade sócio-ambiental do país. O presente artigo procura analisar a perspetiva sobre a vulnerabilidade sócio-ambiental em Moçambique, tendo como referência o impacto dos megaprojetos e seu contributo para a variação da vulnerabilidade sócio-ambiental em Moçambique.

Palavras-chave: Megaprojetos, Governo; Vulnerabilidade Social & Ambiental;

1. APRESENTAÇÃO Frequentes catástrofes naturais tem sido registradas em Moçambique, e as regiões mais afetadas têm sido as que apresentam significativa importância económica. No momento, existem algumas importantes ações já realizadas de forma decisiva e concreta na luta contra as calamidades naturais, e como contribuição para combate a mudança climática global e os seus potenciais impactos. A apresentação da primeira comunicação nacional em prol do ambiente e a aprovação do Programa de Acção Nacional para Adaptação (NAPA), definiram 4 (quatro) ações principais que o país deve realizar para reduzir o impacto das mudanças climáticas e sua variabilidade, que são: o fortalecimento do sistema de aviso prévio; o fortalecimento das capacidades dos produtores agrários para melhor gerirem as mudanças climáticas; a redução do impacto das mudanças climáticas nas zonas costeiras, e a gestão dos recursos hídricos no âmbito das mudanças climáticas, (MICOA, 2007; QUEFACE, 2009). Uma das áreas chave deste processo foi sem dúvida a modernização dos instrumentos de programação de recursos públicos aos níveis provincial e distrital, acompanhado de ensaios de articulação entre a administração do Estado e as comunidades locais, assim as ações locais passaram a ter como objectivo, a introdução de novos valores na gestão do risco de calamidades naturais, assim, a monitoria e o registo fiável da informação relativa aos desastres naturais, passaram a ser de extrema importância para os planos de desenvolvimento nacional. Nesta perspectiva a participação dos cidadãos na vida sócio-económica do país passou a ser considerada como a forma ideal no processo de busca das melhores soluções para os problemas de vulnerabilidade ambiental que as comunidades locais enfrentam, (PLANO DISTRITAL DE DESENVOLVIMENTO, 1998). Com o presente artigo procuramos entender o modo como é discursivamente construída a perspetiva sobre a vulnerabilidade as mudanças climáticas na visão oficial do governo de Moçambique, e para tal apresentamos primeiro uma a noção de vulnerabilidade entendida pela Sociologia, pelo IPCC e depois na perspetiva do governo Moçambicano, de modo a entender os aspetos apontados como indicadores oficiais de vulnerabilidade no país. Em seguida, fazemos uma análise sobre como são pensadas/construídas discursivamente as vulnerabilidades do país pelo governo e por fim aduzimos as considerações finais em jeito de conclusão.

2. PERSPECTIVA

CONSTRUCIONISTA

DA

VULNERABILIDADE

E

DOS

DESASTRES NATURAIS: CONCEITOS SÓCIO-AMBIENTAIS Hannigan (1995), Buttel e Taylor (1992: 214) argumentam que a Sociologia ambiental deveria dar mais atenção a construção social do conhecimento ambiental, pois que a construção dos problemas ambientais ou das questões ambientais é uma questão de políticas de produção de conhecimento, visto tratar-se de uma reflexão directa da realidade biofísica, e a forma como o conhecimento e os riscos ambientais são conceptualizados. O relativo êxito destas construções são impelidas e canalizadas para as estruturas existente do poder económico e político, ademais que os problemas ambientais progridem desde a sua descoberta inicial, até a política de implementação, e esta é sua ordem temporal de desenvolvimento; este pensamento nos conduz a um conceito muito caro a Sociologia ambiental, o construcionismo, que muito bem foi explorado por diversos autores dos quais Hannigan (1995) se destaca. Segundo Hannigan (1995) o “construcionismo” se aproxima etimologicamente e conceitualmente do “construtivismo”. Na Sociologia ambiental parte-se da ideia segundo a qual, os assuntos ambientais não se materializam por si; eles são definidos por indivíduos ou instituições que se dedicam a procurar possíveis soluções para resolver os problemas” (HANNIGAN, 1995). Falar em construtivismo significa dizer que a realidade não é estática e está em constante transformação. É a ideia ou teoria segundo a qual nada, a rigor, está pronto e acabado, e de que a realidade não é dada a priori, em nenhuma instância, como algo terminado, ela se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais e se constitui por força de sua acção, e é isto que nos permite estudar e interpretar o mundo em que vivemos (BECKER, 1992)2. Assim, entendemos que o sujeito é sempre um projeto a ser construído tal qual o objecto, ora, se os dois (objecto e sujeito) têm de ser construídos, significa que eles não têm existência social prévia, mas são construídos mutuamente na interação. Entender isto mostra-se importante, porque daqui nasce uma negação explícita ao apriorismo e ao empirismo, por onde se entende que, por exemplo, o conhecimento não nasce com o indivíduo, e nem é dado pelo meio social, o conhecimento é socialmente construído, e é na interação com o meio físico que o sujeito constrói o seu conhecimento, sendo que tal construção depende das condições do sujeito.

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“Vê-se, pois, que, assim como Marx derrubou a ideia de uma sociedade constituída por estratos, ricos e pobres, que

existem desde toda a eternidade, e criou a ideia de uma sociedade que se produz e reproduz, estabelecendo um sistema de produção que a perpetua, Piaget derruba a ideia de um universo de conhecimento dado, seja na bagagem hereditária (apriorismo), seja no meio físico ou social (empirismo).” (BECKER, 1992).

Há porém uma diferença muito importante e a se levar em consideração: quando se fala de Construcionismo refere-se aos aprendizados que são criados através das interações sociais de grupos, enquanto o construtivismo foca no aprendizado do indivíduo, que acontece como resultado de sua interação com um grupo, por isso para pensar este artigo nos focamos no construcionismo, por nos remeter a ideia de que a vulnerabilidade existe em função da interação entre o Governo Moçambicano, a população humana (povo) e o meio ambiente biótico e abiótico. Olhando para o conceito de vulnerabilidade, é possível ver que de acordo com o IPCC, pode-se definir como sendo o grau pelo qual um sistema é suscetível ou incapaz de enfrentar efeitos adversos da mudança, incluindo a variabilidade e os extremos do clima, em função do caráter, magnitude, da variação, da rapidez da mudança a que um sistema está exposto, de sua sensibilidade e de sua capacidade de adaptação (IPCC, 2001). Assim, a vulnerabilidade pode ser entendida também como um conjunto de situações mais ou menos problemáticas, que situam o indivíduo numa condição de carente, necessitado, impossibilitado de responder com seus próprios recursos a dada demanda que vive e o afeta. Literalmente uma relação existente entre a possível intensidade do dano e a magnitude da ameaça, caso ela se concretize como evento adverso. Contudo, o conceito de vulnerabilidade tem suas raízes no estudo do risco de eventos naturais, podendo se definir ainda como, as características de uma pessoa ou grupo em relação a sua capacidade de antecipar, de fazer frente, de resistir e de se recuperar de um impacto e risco natural ou social. Implica uma combinação de fatores que determinam o grau no qual a vida e a forma de vida de alguém são colocadas em risco por um evento discreto e identificável na natureza e na sociedade (BLAIKIE ET AL., 1994). O debate sobre as formas de interpretação das vulnerabilidades nas ciências sociais é complexo e tem sido desenvolvido pela utilização de muitos conceitos como por exemplo, crises, catástrofes naturais, desastres naturais, riscos naturais, calamidades naturais, situações extremas, impactos negativos, emergência. A palavra “desastre” tem sido utilizada para caracterizar todo tipo de infortúnios súbitos, inesperados ou extraordinários, porém em termos sociológicos, sua utilização reporta, especificamente, a um acontecimento ou uma série de acontecimentos, que alteram o funcionamento de um determinado sistema social; Alguns pesquisadores têm focalizado dimensões analíticas relacionadas à duração do impacto, procurando comparar as reações sociais nos diversos grupos de fenómenos, enquanto outros enfatizam os aspetos físicos dos desastres (KREPS, 1984: 311), em ambos os casos verificase que os conceitos de desastre e vulnerabilidade evocam uma relação específica entre sociedade e natureza, no qual se enfatiza os factores sociais para a análise do fenómeno.

Contudo, é possível diferenciar ainda neste meio duas grandes tradições de análise, onde por um lado encontramos a teoria dos Hazards, desenvolvida do ponto de vista geográfico, que enfatiza os aspetos naturais e abrange fenómenos como por exemplo, avalanches, terramotos, erupções vulcânicas, ciclones, deslizamentos, tornados, enchentes, epidemias, pragas, fome e muitos outros, A infelicidade desta formulação surge da insistência em tratar dos desastres naturais isoladamente, e embora possa-se, por exemplo, determinar com precisão que o agente causador do impacto é a chuva, não podemos explicar o fenómeno, considerando o agente isoladamente, sob pena de sermos levados a supor que quanto maior a magnitude do agente, maior seria o número de vítimas, o que equivale a dizer em outras palavras, que para compreender por que uma população é atingida, torna-se necessário considerar não somente as consequências dos desastres naturais, mas também os factores que o antecedem. A teoria dos desastres desenvolvida do ponto de vista sociológico enfatiza os aspetos sociais (MATTEDI & BUTZKE, 2001), e se sustenta num número considerável de modelos desenvolvidos para analisar o comportamento dos indivíduos antes, durante e depois da ocorrência de um desastre natural. Estes modelos não são excludentes, mas fornecem uma avaliação das perceções individuais de forma diferente e variam segundo a ênfase atribuída aos factores cognitivos ou aos factores situacionais como por exemplo, o sistema social, politico, económico ou cultural. Assim, podemos identificar o Modelo Behaviorista de análise, que é baseado na aplicação de questionários e inquéritos em pessoas situadas em áreas de risco, visando a fazer comparações entre os diversos tipos de comportamento. O Modelo de Preferência que procura entender o comportamento individual através das preferências “reveladas” e “expressas”, procurando determinar o papel da experiência na gestão da situação de desastre natural. O Modelo Utilitarista, que modifica a visão convencional de racionalidade fundamentada na consideração de que os indivíduos são racionais ao ligarem uma intenção subjetiva a possíveis retornos. O Modelo Marxista que sustenta que as pessoas vivem em área de risco porque a sociedade não fornece outras alternativas, ou seja, que os desastres naturais não afetam as pessoas da mesma maneira, pois são os grupos considerados vulneráveis que são os mais atingidos (idem). Facto interessante é que na perspetiva sociológica, o agente do desastre não pode ser considerado como um fator externo ou independente do contexto social, e portanto, um desastre exprime, a “materialização da vulnerabilidade social” em desastres (PELANDA, 1982: 507-532), e nesta ordem de ideias, cada sociedade ou comunidade pode responder aos desastres a partir das experiências acumulada de convívio com o problema. Nesse sentido, o aumento do número de desastres nos últimos anos em alguns pontos do globo, e em Moçambique em particular, pode querer indicar que o aumento da vulnerabilidade está intimamente conectado com o crescente processo de subdesenvolvimento e de marginalização

social, pois aqui a vulnerabilidade é vista como resultado da relação entre uma população marginalizada e um ambiente físico deteriorado” (MATTEDI & BUTZKE, 2001). Considerando estas perspetivas, podemos pensar a vulnerabilidade como uma situação de exposição a um conjunto de fenómenos que podem impactar a sociedade, causando o surgimento de um padrão específico de interação entre o sistema natural (meio ambiente) e o sistema social (sociedade). De acordo com Mattedi & Butzke, (2001), a análise típica dos problemas ambientais caracteriza-se pela consideração dos impactos provocados pelo sistema humano sobre o ambiente natural, nesta ordem de ideias, a dimensão social é pensada como uma variável que afeta a dimensão natural, sendo que alguns estudos incluem também a consideração dos possíveis efeitos que o ambiente modificado pode provocar sobre os seres humanos; neste caso, a dimensão natural intervém no processo. Esta forma de considerar as relações entre as dimensões naturais e social fundamenta-se no princípio de que existe uma relação de influência recíproca entre as duas dimensões, social e natural e deste ponto de vista um problema ambiental, como por exemplo os desastres, pode ser caracterizado como sendo um efeito negativo que emerge nos pontos de intersecção entre uma sociedade e a natureza. A vulnerabilidade é uma função de três fatores: exposição, sensibilidade e capacidade de adaptação. Com maior exposição e sensibilidade, maior o incremento na vulnerabilidade, por outro lado, quanto maior a capacidade de adaptação de um sistema, menor a vulnerabilidade, vale aqui ressaltar, no entanto, que ter capacidade de adaptação não significa necessariamente a utilização efetiva desta capacidade, influenciado a determinação da vulnerabilidade (IPCC, 2001). Assim, urge considerar que o conceito abrange distintos fatores e processos que refletem a suscetibilidade, uma predisposição a ser afetada e as condições que favorecem ou facilitam que aconteça uma perda ou desastre frente a uma ameaça, é nesta ordem de ideias que podemos considerar a vulnerabilidade como ambiental e social. A vulnerabilidade Social é formada por pessoas e lugares, que estão expostos à exclusão social, são famílias, indivíduos sozinhos, e é um termo geralmente ligado a pobreza, os indivíduos que estão dependentes de favores de outros (SEADE, 2001), como do estado e das ONG’s nacionais e internacionais. O principal conceito é que um indivíduo está em vulnerabilidade social quando ela apresenta sinais de desnutrição, condições precárias de moradia e saneamento, não possui família, não possui emprego, e esses fatores compõe o risco social, ou seja, é um cidadão, mas ele não tem os mesmos direitos e deveres dos outros cidadãos (idem).

A pessoa que está nessa situação torna-se um excluído, o que ocorre quando indivíduos são impossibilitados de partilhar dos bens e recursos oferecidos pela sociedade, fazendo com que essa pessoa seja abandonada e expulsa dos espaços da sociedade3. Assim, a vulnerabilidade e o risco social podem ser entendidos como sinônimos de pobreza, porém, uma é consequência da outra, uma vez que a vulnerabilidade é que coloca as pessoas em um risco social. A pobreza desses indivíduos é medida através da chamada linha de pobreza, que é definida através dos hábitos de consumo, geralmente num valor equivalente a meio salário mínimo. Uma das opções mais eficazes para reduzir a vulnerabilidade social é o aumento da escolaridade e da qualidade educacional e cultural para esse segmento da população, pois entende-se que com uma melhor e maior bagagem educacional e cultural as outras carências poderão ser suprimidas (KATZMAN, 1999; 2001). A vulnerabilidade ambiental está relacionada ao grau de suscetibilidade de um sistema aos efeitos negativos provenientes das mudanças climáticas a nível do globo (TAGLIANI, 2002; E METZGER AT AL, 2006). Assim ela pode ser definida como uma situação em que o meio físico está vulnerável às pressões humanas. Geralmente estão presentes três fatores: exposição ao risco; incapacidade de reação; e dificuldade de adaptação diante da materialização do risco. Carvalho, Souza e Santos, (2003) e Li, Wang, Liang e Zhou (2006), relacionaram vulnerabilidade a características do meio físico e biótico (declividade, altitude, temperatura, aridez, vegetação, solo), à exposição a fontes de pressão ambiental (densidade populacional, uso da terra, ocupação irregular) e à ocorrência de impactos ambientais (erosão hídrica) em uma área montanhosa. Por sua vez Villa e McLeod (2002) e Veyret (2007) pontuam que a vulnerabilidade ambiental está ligada a processos intrínsecos que ocorrem em um sistema, decorrentes do seu grau de conservação (característica biótica do meio), e à resiliência ou capacidade de recuperação após um dano; além de processos extrínsecos, relacionados à exposição a pressões ambientais atuais e futuras. Nesta perspetiva, a vulnerabilidade ambiental pode ser entendida como uma capacidade ou incapacidade do meio natural a resistir e/ou a recuperar-se, após sofrer impactos decorrentes de atividades antrópicas, consideradas normais ou atípicas, por exemplo, a remoção da vegetação de uma floresta numa encosta, não pode ser considerada uma atividade antrópica normal, sobretudo, se for uma Área de Preservação Permanente. 3

“Vulnerabilidade social como o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou

simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais econômicas culturais que provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Esse resultado se traduzem debilidades ou desvantagens para o desempenho e mobilidade social dos atores” (VIGNOLI E FILGUEIRA, 2001 apud AMBRAMOVAY, 2002, p.13.)

3. GOVERNO, VULNERABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL E AS MUDANÇAS AMBIENTAIS EM MOÇAMBIQUE As necessidades de Desenvolvimento exigem um ambiente propício à expansão das actividades produtivas e à implantação de novos empreendimentos sociais, económicos, turísticos, entre outros. Por seu turno, é fundamental que as práticas de governação (na esfera pública e privada) incluam a componente da sustentabilidade ambiental (CTV, 2012). É nesta ordem de ideias que os governos são importantes atores, principalmente para formulação de leis, regularizações, apetrechamento de instituições e modos apropriados de governança para controle dos diferentes níveis e escalas de risco e vulnerabilidades ambientais (FERREIRA, 2011). Em estudo feito pelo governo moçambicano entre Maio de 2008 e Janeiro de 2009, intitulado: Impactos das Mudanças Climáticas nos Riscos de Desastres Naturais em Moçambique, liderado pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) é possível encontrarmos uma abordagem ampla sobre a situação de vulnerabilidade aos desastres naturais em Moçambique.4 A informação documentada existente sobre a abordagem da vulnerabilidade as mudanças climáticas em Moçambique, revela que os principais desastres naturais que afetam o país são de origem hidro-meteorologica tais como cheias, seca e ciclones tropicais associados a eclosão de epidemias tais como a cólera e diarreias. Só no período que cobre desde 1956 até 2008 foram registados no conjunto total do território nacional, dez (10) eventos de seca, vinte (20) eventos de cheia, treze (13) ciclones tropicais, dezoito (18) epidemias e um (1) sismo, onde se destaca a cheia e as epidemias como os mais frequentes em Moçambique (QUEFACE, 2009). Vários factores contribuem para a vulnerabilidade do País aos desastres e calamidades naturais. O primeiro fator é a sua localização geográfica, pois a faixa costeira de Moçambique está localizada na via preferencial dos ciclones tropicais mais destrutivos desta região, e por outro lado, o país situa-se a jusante dos principais rios cuja nascente está nos países vizinhos, com o destaque para o rio Zambeze que representa 50% do escoamento superficial de todo território moçambicano (idem). O segundo fator é a fraca habilidade de prever os eventos extremos a nível nacional, a deficiente disseminação de avisos de alerta atempada e de pré-aviso contra as intempéries ambientais, e o grau elevado de desconhecimento e da pobreza absoluta, tornam o país muito vulnerável às calamidades naturais de origem meteorológica, nomeadamente secas, cheias e ciclones tropicais.

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Observatório dos Países de Língua Oficial Portuguesa, Boletim 0.1 – Catástrofes naturais e necessidades estratégicas justificam apoio brasileiro a Moçambique, Publicado em Julho de 2010

Neste ponto, cabe enfatizar que os meios de comunicação social moçambicanos expandiram-se e diversificaram-se bastante desde a transição democrática (1992), mas são ainda marcados por desigualdades na cobertura e acesso, sendo que os altos níveis de analfabetismo e de pobreza condicionam a abrangência da imprensa escrita, e a esmagadora maioria (54% de analfabetos) dos moçambicanos nunca comprou e não lê jornais. Apenas a rádio atinge um público consideravelmente vasto, e no geral a maioria dos moçambicanos tem acesso a poucos meios de comunicação social5. Assim, aos olhos do governo, Moçambique é flagelado por uma capacidade inadequada de resposta aos efeitos diretos e indiretos dos desastres naturais por causa do alastramento da pobreza, problemas sociais, conflitos, e incapacidades humanas, institucionais e financeiras que são limitadas. Depreende-se daqui a lacuna no acervo de conhecimento sobre as estratégias ou os comportamentos e atitudes que os indivíduos adotam face as intempéries naturais, particularmente nos distritos também denominados “Pólo de desenvolvimento”, de modo a adotar as melhores estratégias para se prevenir e gerir os riscos ambientais.

4. GOVERNO, MEGAPROJETOS E A VARIAÇÃO DA VULNERABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL EM MOÇAMBIQUE Na análise sobre os megaprojetos e seu impacto e a vulnerabilidade sócio-ambiental, é possível notar que a tendo a economia de Moçambique registado algumas mudanças estruturais desde o fim da guerra civil até a atualidade, principalmente impulsionada pelo investimento estrangeiro, e mais recentemente em especial os grandes projetos de investimento intensivos em capital, os megaprojetos 6 (ROSS & MASHA, 2014), o Governo complementou as suas políticas macroeconómicas, com uma série de reformas estruturais num contexto de condições económicas mundiais favoráveis a dinâmica dos preços da matéria-prima e cooperação forte com doadores em forma de ajuda ao desenvolvimento (idem). A orientação do Governo deslocou-se para a redução das vulnerabilidades em toda a abrangência do termo e ao aumento da resistência a choques de toda natureza. Contudo em Moçambique a capacidade institucional é ainda fraca em muitas áreas, tais como a redução de riscos e desastres ambientais, a formulação de políticas sócio-ambientais, o planeamento e a execução do investimento. 5

Moçambique: Democracia e Participação Política, relatório publicado pelo AfriMAP e pela Open Society Initiative for Southern África, 2009 6

Exceto no caso da central hidroelétrica de Cahora Bassa e da Mozal, que transforma bauxite importada em alumínio

para exportação, os outros megaprojetos (Vale, Rio tinto, etc.) centram-se em minas e recursos naturais para a exportação.

Com efeito, o investimento por via dos megaprojetos, estimulou o crescimento Moçambicano, pelo menos em termos económicos, representando um aumento no investimento nos primeiros anos após o conflito civil evidenciou a reconstrução financiada pela ajuda externa, mas rapidamente a atenção virou-se para projetos de infraestruturas e para o investimento direto estrangeiro (IDE), sobretudo projetos como Cahora Bassa, Mozal e Sasol. Assim desde o ano de 2004, iniciaram-se vários projetos no setor extrativo, exploração ou processamento de minérios, nomeadamente o projeto das areias pesadas da Kenmare, as minas de carvão da Vale e Rio Tinto e, mais recentemente, a exploração de gás pela ENI e Anadarko na bacia de Rovuma, norte de Moçambique (ROSS & MASHA, 2014). Contudo, o desenvolvimento das riquezas do país através dos megaprojetos representa grandes desafios para Moçambique, contudo constitui também uma oportunidade para promover progressos essenciais, principalmente para população de desfavorecidos, que como se esta a verificar acaba sendo vítima ao invés de se beneficiar desta estratégia de crescimento económico. Em Moçambique os megaprojetos implicam alianças de poder e de interesses de transparência duvidosa, com as elites político-económicas locais surgindo dai impactos como o aumento das desigualdades sociais, falta de transparência na gestão dos recursos naturais principalmente os não renováveis, e nepotismos, (MOSCA, 2009). A “pegada ecológica” dos megaprojetos atinge proporções gigantescas e deixa marcas profundas e irreversíveis, assim por exemplo, apesar de o uso da terra em Moçambique ser regulado pela Lei da Terra e conferido através de obtenção do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT), e apesar de vários destes empreendimentos afirmarem pautar por uma atuação compromissada com o enfrentamento dos desafios associados ao processo de mudanças ambientais, através de sua participação em programas de disseminação de informações sobre emissões e em fóruns de discussão sobre a temática, estes tem sido vistos como os protagonistas no processo de expropriação, usurpação, aquisição, controle e partilha de grandes extensões terras7. A titulo de exemplo e citando ainda o relatório acima, de 2009 a 2010 foram expropriadas de suas terras mais de 1.313 famílias rurais que atualmente estão numa situação de vulnerabilidade sócio-ambiental agravada, pois a divisão arbitraria das famílias (entre rurais e semi-urbanas) usando critérios diferenciados para os reassentamentos, nos quais geralmente as famílias consideradas rurais, são realocadas a cerca de 45 km da sua comunidade de origem e a 75 km da cidade, acarreta custos pela inacessibilidade aos serviços públicos de qualidade indispensáveis a uma vida digna,

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Segundo o Relatório de insustentabilidade da Vale, no projeto de Moatize “a Vale tem um DUAT de 23.780 hectares

num período de 35 anos renováveis (contados a partir de junho de 2007)”.

entendendo-se assim que a os megaprojetos tem continuamente criado conflitos de terra e agravado a vulnerabilidade das comunidades rurais impactadas8 Segundo Mosca (2009), os discursos do Governo e da diplomacia externa, quando confrontado com estes desafios tem sido positivos, transparecendo estabilidade, progresso e redução da pobreza, e de facto os megaprojetos tem injetado recursos e criado dinamismo na economia moçambicana, fazendo crescer o rendimento nacional, e servindo de exemplo do “milagre económico”, Moçambique consegue captar mais ajuda externa, compondo o que Mosca chamou de “ciclo de interesses e de desvirtuosismos” cujos efeitos multiplicadores são baixos. Contudo, os megaprojetos não são indesejáveis em si, o que se pretende é um conjunto de ações que estimulem o amortecimento das externalidades sociais e ambientais, seja por intervenção direta do Estado ou pela aplicação da Lei.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A nossa convicção é a de que uma governação local autárquica assente no princípio de gestão participativa de recursos naturais e dos bens públicos pode solucionar muitos problemas relacionados com a degradação e vulnerabilidade ambiental em Machanga, num sistema em que o público utente, os residentes, as unidades económicas e as autoridades governamentais e os parceiros de cooperação nacionais e internacionais, estabeleçam um vínculo de parceria em prol do bem comum. Apesar de nossa análise ser extremamente limitada e parcial, eis uma primeira e tímida desconstrução de uma situação de vulnerabilidade ambiental de acordo com a proposta de Hannigan, que brilhantemente evidenciou a necessidade de se desconstruir os problemas ambientas de modo a obter uma compreensão mais apurada do problema e sobretudo facilitar a compreensão da génese das questões ambientais, o que vai de acordo com a ideia de Buttel e Taylor (1992: 214). Com certeza que a educação ambiental é uma das medidas de prevenção que podemos recomendar aqui, pois pensamos que esta permite uma interação entre os vários parceiros na gestão da vulnerabilidade social e ambiental, tornando-os mais conscientes sobre o problema e preocupados em reagir para reduzir o seu impacto na comunidade e no ambiente, proporcionando um plano preciso e bastante definido, que consolide cada um dos núcleos de população existentes. Pensamos ainda que são igualmente necessárias políticas mas condicentes com a realidade Moçambicana, pois a implementação de projectos acabados e exógenos, acaba sendo demasiado dispendiosa em termos monetários e em termos ecológicos; Pensamos ainda que as ações a nível local têm como objectivos introduzir valores à gestão ambiental, acompanhados pela valorização do

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Relatório de insustentabilidade da Vale, 2012.

contexto e das tradições locais, o que ajudaria a fortalecer a identidade local, assim, além da comunidade ter que assumir o papel de “comunidade agente”, poder-se-iam induzir políticas de participação e captar recursos e espaços para a sua implementação, de modo que o gozo da independência para a tomada de decisões, resultasse na durabilidade das ações, envolvendo o governo, as organizações da sociedade, e permitindo o exercício de uma cidadania activa em Moçambique de modo geral. Com este exercício foi possível identificar que a vulnerabilidade ambiental, sendo de facto um problema social e fisicamente identificado, é trespassada por problemas políticos, económicos, sociais e culturais, e desse modo, pensamos ser essencial o fortalecimento das instituições ligadas a área ambiental, com meios técnicos, financeiros e humanos que permitam uma monitoria sistemática dos parâmetros ambientais, assim como pesquisas académicas para melhor compreensão dos fenómenos sociais que influenciam as mudanças ambientais em Moçambique. É de grande importância uma forte componente educacional da população no geral, que dissemine a importância do conhecimento e preservação do meio ambiente, realçando veementemente a importância da dimensão socio-cultural e enfatizando o quanto as perceções dos indivíduos são pertinentes para se alcançar algum sucesso nas ações de prevenção contra as calamidades naturais, pois resultaria numa contribuição positiva para a redução da vulnerabilidade sócio-ambiental em Moçambique. Por último, consideramos que seria uma vantagem para gestão ambiental em Moçambique permitir que as decisões em relação aos megaprojetos fossem discutidas de forma transparente com as unidades situadas nos níveis mais baixos da organização político-administrativa, pois as “pessoas que vivem os problemas são mais indicadas para resolvê-los, economizando deste modo, tempo e dinheiro, isto é, assegurar a sustentabilidade ambiental local” (UN-Habitat, 2007), por um desenvolvimento inclusivo.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARTICULAÇÃO INTERNACIONAL DOS ATINGIDOS PELA VALE. Relatório de Insustentabilidade da Vale, 2012 . www.atingidospelavale.wordpress.com. AMBROMOWAY, Miriam, et al. 2002. Juventude, violência e Vulnerabilidade Social na América Latina; Desafios para políticas públicas. Brasília. UNESCO. BID. P.192. BLAIKIE, P., T. CANNON, I. DAVIS, and B. WISNER. 1994. At Risk: Natural Hazards, People’s Vulnerability, and Disasters London: Routledge. BECKER, Fernando. 1992. O que é construtivismo? Revista de Educação AEC, Brasília, v. 21, n.83, p. 7-15, abr./jun. BUTTEL, Frederick Howard and TAYLOR, Peter James. 1992. “Environmental Sociology and Global environmental change: A critical assessment”; Society e Natural Resources N0 5 pp. 211230. CARVALHO, G. M. B. S.; SOUZA M. J. N.; SANTOS, S. M. 2003. Análise da vulnerabilidade à erosão: bacias dos rios Aracatiaçu e Aracatimirim (CE). Acesso: 03 de Julho. 2014.Disponível em: http://marte.dpi.inpe.br/col/ltid.inpe.br/sbsr/2002/11.05.15.17/doc/12_040.pdf. CENTRO TERRA VIVA (CTV). 2012. Primeiro Relatório de monitoria de boa governação na gestão ambiental e dos recursos naturais em Moçambique, Maputo. FERREIRA, Leila at alli. 2011. Risck and climate change in Brazilian coastal cities. In: Risck and Social Theory in Environmental Management. Measham, T. and Lockie, S.(Ed). CSIRO publishing. Australia. HANNIGAN, John A. 1995. ”Sociologia Ambiental – a formação de uma perspetiva social”, Lisboa, Instituto Piaget. IPCC. 2001. Climate Change 2001: The Scientific Basis. Contribution of Working Group I to the Third Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Houghton, J.T., Y. Ding, D.J. Griggs, M. Noguer, P.J. van der Linden, X. Dai, K. Maskell, and C.A. Johnson (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, United Kingdom and New York, NY, USA, 881pp. KAZTMAN, R. (Coord.). 1999b. Activos y estructura de oportunidades. Estudios sobre las raíces de la vulnerabilidad social en Uruguay. Uruguay: PNUD-Uruguay e CEPAL-Oficina de Montevideo,. KAZTMAN, R. et al. 1999a. Vulnerabilidad, activos y exclusión social en Argentina y Uruguay. Santiago do Chile: OIT,. (Documento de Trabajo, 107). KAZTMAN, R. 2001. Seducidos y abandonados: el aislamiento social de los pobres urbanos. Revista de la CEPAL, Santiago do Chile, n.75, p.171-189. Dec. KREPS, G. A. 1984. Sociological inquiry and disaster research. Annual Review of Sociology, Palo Alto, N. 10, pp. 309-330.

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