Global-art-scapes 1 (Cidadania, Paisagem urbana, Jardim Público)

August 24, 2017 | Autor: Filomena Serra | Categoria: Landscape, Urban Landscape, Cidadania, Cidadania Global
Share Embed


Descrição do Produto

global  ­‑art ­‑scapes (series)

CIDADANIA,PAISAGEM URBANA E JARDIM PÚBLICO CITIZENSHIP, URBAN LANDSCAPE AND PUBLIC GARDENS FILOMENA SERRA (organização/editor)

2014 FA C U L D A D E D E C I Ê N C I A S S O C I A I S E H U M A N A S   FA C U LT Y O F S O C I A L S C I E N C E S UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA  NEW UNIVERSITY OF LISBON

ArtScapes 1.indd 1

09-10-2014 23:42:27

Organização: Filomena Serra Investigadora e membro integrado do Instituto de História da Arte, IHA-FCSH-UNL Coordenação científica e editorial: Filomena Serra Conselho editorial e científico: Margarida Acciaiuoli, Ana Rodrigues, Filomena Serra Título da Série: Global Art Scapes Título da Publicação: Cidadania, Paisagem Urbana e Jardim Público Avenida de Berna, 26-C / 1069-061 Lisboa

As contribuições reunidas nesta obra resultaram de

+351 21 790 83 00; Fax: +351 21 790 83 08

um Workshop intitulado Cidadania, Paisagem Urbana

[email protected]

e Jardim Público organizado por Ana Rodrigues e Filomena Serra, em 13 de Maio de 2013, no âmbito do

Capa, grafismo e paginação: Pedro Serpa

curso da Pós­‑Graduação Jardins e Paisagem

Imagem da p.7: Andy Goldsworthy Impressão e acabamento: Tipografia Várzea da Rainha Editores, S.A.

The papers collected in this volume are the result

www.varzeadarainha.pt

of the workshop on Citizenship, Urban Landscape and Public Gardens, organized by Ana Rodrigues

ISBN: 978-989-20-5115-4

and Filomena Serra, on May 13, 2013, during the

Depósito legal:

Postgraduate Course on Gardens and Landscape

ArtScapes 1.indd 2

09-10-2014 23:42:27

ÍNDICE TABLE

Introdução  Introduction

4

Margarida Acciaiuoli / Filomena Serra Autores  Authors

5

Cidade, cidadania & espaços públicos  The City, citizenship & public spaces

9

Manuel Villaverde Cabral Paradoxos e dilemas da governação das cidades europeias. O caso de Lisboa  Paradoxes and dilemas of European cities. The case of Lisbon

15

João Seixas Entrevista  Interview Filomena Serra A voz da câmara: fotografia, intervenção, cidadania  The voice of the camera: photography, intervention, citizenship

19

Paulo Baptista O paradoxo da cidade moderna: demolição «criadora» e conservação «renovadora» nos jardins públicos eborenses 

25

The paradox of the modern city: «creative» demolition and renovating conservation in Évora’s public gardens Paulo Simões Rodrigues Pequenos Jardins Urbanos — o paraíso ali à esquina  Small urban gardens — the Paradise at the sreet corner

35

Júlio Moreira A construção do jardim do cidadão: do Passeio Público ao Passeio na Estrela  Building the citizen’s garden: from the “Passeio Público” to the Estrela Garden

41

Ana Duarte Rodrigues

ArtScapes 1.indd 3

09-10-2014 23:42:27

INTRODUÇÃO INTRODUCTION margarida acciaiuoli | filomena serra

Este é o primeiro número de uma publicação que consti‑

Europeu de 2013 ‑­, articulado à volta de um debate

This is the first issue of a publication that corresponds

tui a concretização de um projecto antigo, o de divulgar

sobre a “paisagem urbana” e o “jardim público” por

to an old project, which is to disseminate working

working papers originais e textos resultantes de confe‑

ocasião de um workshop organizado no âmbito da Pós­

papers and original texts of conferences, seminars,

rências, seminários, colóquios ou workshops realizados

‑graduação de Jardins e Paisagem. Procura­‑se com esta

symposia or workshops delivered at the FCSH­‑UNL

na FCSH­‑UNL no campo da História da Arte e nas áreas

publicação articular investigação e formação, bem

in the field of Art History and related areas in the

afins das Humanidades e das Ciências Sociais. Pela sua

como formação e ensino, actividades que nestes tem‑

Humanities and Social Sciences. By its interdiscipli‑

aspiração interdisciplinar, a publicação não pertence

pos globais parecem viver separadas.

nary ambition, the publication does not belong to a

a um grupo de investigação específico, podendo pois

Sendo o conhecimento, precisamente, nesta era da

specific group of research and can therefore accept

aceitar textos relativos à apresentação de pesquisas em

globalização, tão valioso quanto efémero, considera­‑se

texts concerning the presentation of ongoing research

curso de professores, investigadores ou conferencistas

importante trazer à colação a ideia do «global», um dos

of professors, researchers or visiting lecturers from

visitantes provenientes de outras instituições, traba‑

suportes conceptuais desta publicação. E se a actividade

other institutions, as well as research work produced

lhos de investigação produzidos por colaboradores ou

científica tem ou deve ser cada vez mais baseada numa

by collaborators and students of graduate, master’s

alunos dos cursos de pós­‑graduação, mestrado e douto‑

actividade colectiva e numa reescrita de programas e

and doctorate courses of the Department of Art His‑

ramento do Departamento de História da Arte, ou ainda

narrativas à escala global, à qual não escapam as múlti‑

tory or other Departments. In this sense, the publi‑

de outros departamentos. Neste sentido, a publicação

plas paisagens da arte que constroem os mundos mutá‑

cation welcomes articles written by researchers from

acolhe artigos assinados por investigadores de múlti‑

veis em que vivemos, cremos que a atribuição do título

multiple orientations and from different institutional

plas orientações e filiações institucionais. Trata­‑se, pois,

Global ArtScapes, devolve plenamente esse sentido.

affiliations. Its aim is, therefore, to promote, preserve

de promover a difusão do trabalho científico, pelo que se pretende também a sua divulgação através de uma 4 G L O B A L A R T S C A P E S 1

and publicize the memory of ideas and work of semi‑ A Coordenação Científica

nars and classes that would otherwise be unknown to

plataforma online que ficará disponível na página do

the scientific community, and we will do so by putting

Departamento de História da Arte da Faculdade. Trata­

this knowledge available on an online platform at the

‑se, assim de promover, preservar e divulgar a memória

Department of Art History Page Faculty.

de ideias e de trabalho desenvolvido em aulas e semi‑

The first issue’s main idea is the concept of “citi‑

nários que de outro modo seriam desconhecidos da

zenship” ­‑ celebrated as the theme of the European

comunidade científica, colocando esse conhecimento

Year 2013 in articulation with a debate about the

disponível através de uma plataforma online na página

“urban landscape” and the “public garden” on the

do Departamento de História da Arte da Faculdade.

occasion of a workshop organized by the Graduation

O primeiro número tem como ideia principal o

Course on Gardens and Landscape. Our aim is thus to

conceito de «cidadania» ­‑ tema comemorativo do Ano

articulate in this publication research, training and

ArtScapes 1.indd 4

09-10-2014 23:42:27

AUTORES AUTHORS

educational activities which seem to live apart in these

MANUEL VILLAVERDE CABRAL

difusão. Recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e as

global times.

Investigador Emérito do Instituto de Ciências Sociais &

Palmes Académiques da República Francesa. É membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa.

Since knowledge is precisely, in this era of globa‑

Director do Instituto do Envelhecimento da Universidade

lization, as valuable as ephemeral, we consider that it

de Lisboa. Licenciado em Letras (Sorbonne-Paris, 1968)

is important to bring into play the idea of the ‘global’

e Doutor em História (EHSSS-Paris, 1979), foi Research

JOÃO SEIXAS

as one of the conceptual supports of this publication.

Fellow em St. Antony’s College, Oxford (1976-79) e

Professor e investigador universitário nas áreas dos

And if scientific activity is or should be increasingly

Catedrático de História de Portugal em King’s College,

estudos urbanos, da sociopolítica urbana e da econo‑

based on a collective activity and a rewriting of nar‑

Londres (1992-95). Foi também professor visitante na

mia das cidades e das metrópoles. Investigador asso‑

ratives and programs on a global scale, which includes

Universidade de Wisconsin-Madison, USA (Fall 1986), na

ciado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade

the multiple landscapes of art that build the changing

EHESS-Paris (Primavera 1991) e no IUPERJ-Rio de Janeiro

de Lisboa; pesquisador associado do Observatórios

worlds in which we live, we believe then that assigning

(Abril-Julho 2003). Foi Director da Biblioteca Nacional de

das Metrópoles, UFRJ/Brasil. Consultor da Câmara

to this series of publications the title of Global ArtSca‑

Lisboa (1985-90), presidente dos Conselhos Científico e

Municipal de Lisboa e do programa URBACT (Políticas

pes fully returns this meaning.

Directivo do ICS (1991-1997; 2004-2009) e Vice-Reitor da

Urbanas, Comissão Europeia). Comissário da Carta

Universidade de Lisboa (1998-2002 e 2009-2010). Possui

Estratégica de Lisboa. Coordenador de diversos projec‑

extensa obra publicada sobre a sociedade portuguesa

tos científicos e aplicados de desenvolvimento urbano

contemporânea em perspectiva comparada. Dos seus

e de regeneração urbana. Diversas publicações cientí‑

livros mais recentes referem-se O estado da Saúde em

ficas de âmbito nacional e internacional. Livros mais

Portugal (com P. Alcântara, 2009) e Saúde e Doença em

recentes: Urban Governance in Southern Europe (2012,

Portugal (2002), bem como a direcção de várias colectâ‑

Ashgate, Londres); A Cidade na Encruzilhada (2013,

neas como: Sucesso e insucesso: escola, economia, socie-

Afrontamento, Porto); Governação de Proximidade

dade (2008), Cidade & Cidadania: governança urbana e

(INCM, Lisboa, 2014). Professor convidado da Uni‑

participação cidadã (com F. Carreira da Silva e T. Saraiva,

versidade Autónoma de Barcelona e da Universidade

2008) e Desigualdades sociais e percepções da justiça

Federal do Rio de Janeiro. Cronista de temas urbanos

(2003). Tem no prelo os livros Envelhecimento activo

no jornal Público. Sócio e co-administrador da livraria

em Portugal (com Pedro Moura Ferreira) e Processos de

Ler Devagar.

Scientific Coordination

cerca de sete dezenas de artigos científicos e ensaios em

FILOMENA SERRA

revistas e colectâneas portuguesas e estrangeiras. Par‑

Doutorada em História da Arte Contemporânea. Mem‑

G L O B A L A R T S C A P E S

ticipa regularmente na «mídia» portuguesa de grande

bro integrado e investigadora do Instituto de História

1

Envelhecimento (em colaboração). Publicou igualmente

ArtScapes 1.indd 5

5

09-10-2014 23:42:27

OS AUTORES

da Arte — Estudos de Arte Contemporânea da FCSH da

qual está a desenvolver uma tese sobre o retrato

de especialização. Pertence ao corpos editorial da

Universidade Nova de Lisboa. Foi Bolseira da Fundação

fotográfico. Tem-se dedicado ao estudo da história da

revista MIDAS — Museus e Estudos Interdisciplinares,

para a Ciência e Tecnologia do Ministério da Educação

fotografia em Portugal e repartido a sua actividade

à comissão científica da Gardens & Landscape of Por-

e da Ciência. Na Faculdade de Ciências Sociais e Huma‑

profissional entre os museus e a fotografia. É

tugal e é membro do Forum Universidade e Patrimó‑

nas lecciona na pós-graduação de Jardins e Paisagem a

investigador do Instituto de História da Arte da FCSH

nio, uma Cátedra UNESCO sediada na Universidade

unidade curricular de «História e Experiência da Paisa‑

— UNL, responsável por projectos de investigação no

Politécnica de Valência (Espanha). Integra as equipas

gem». No âmbito da História da Arte Contemporânea

Museu Nacional do Teatro e colabora com o Arquivo

dos projectos EURECA.net: Explorar e Unificar — Rede

tem publicado artigos em revistas da especialidade.

Fotográfico da DGPC no estudo do espólio fotográfico

de Ensino das Ciências pelas Artes, IMAGOS — Inova-

Publicou A Experimentação Abstracta de Fernando

de Silva Nogueira. Participou na organização de várias

tive Methodologies in Archaeology, Archaeometry and

Lanhas (2007) e René Bertholo Pintura Objectos e

exposições de fotografia portuguesa. É autor de livros,

Geophysics — Engaging Sciences e Cidade e Espectá-

Musikas (2006), na colecção Caminhos da Arte Portu-

artigos e comunicações sobre temas de fotografia e de

culo: uma visão da Lisboa Pré-Terramoto.

guesa da Editora Caminho. Publicou «Almada Negrei‑

museologia e coeditor da revista Gardens & Landsca-

ros e o Manifesto dos Bailados Russos», in Maria João

pes of Portugal. É autor de A Casa Biel e as suas edi-

Castro, Lisboa e os Ballets Russes, Lisboa, imp. Blurb,

ções fotográficas no Portugal de Oitocentos (Colibri/

2012. Tem organizado mesas-redondas e proferido

IHAEAC FCSHUNL, 2009). Organizou o Workshop

conferências em seminários e colóquios. Organizou o

Fotografia-Investigação-Arquivo, Museu Nacional do

Ciclo de Encontro com Artistas, em colaboração com

Teatro em Maio de 2014.

os Artistas Unidos, divulgando a obra fílmica de Jorge Silva Melo sobre artistas portugueses. Tem-se dedi‑ 6 G L O B A L A R T S C A P E S 1

cado também à obra de Almada Negreiros. Apresentou comunicações nos Colóquios Arte e Melancolia (FCSH -UNL, 2010), A Dança e a Música nas Artes Plásticas do século XX (FCSH-UNL, 2011), Arte e Utopia (2012) e ao Colóquio Internacional Almada Negreiros (2013).

JÚLIO CARLOS DOS SANTOS MOREIRA Nasceu em Lisboa a 29 de Janeiro de 1930. É diplomado como Engenheiro Agrónomo e Arquitecto Paisagista, tendo dedicado sempre parte da sua actividade ao domínio da literatura. Durante os primeiros anos de exercício da pro‑

PAULO SIMÕES RODRIGUES

fissão de engenheiro agrónomo, trabalhou para Hof‑

Doutorado em História da Arte pela Universidade de

fmann La Roche em Portugal, noutros países europeus

Évora, onde exerce as funções de Professor Auxiliar

e na América do Sul, como especialista de vitaminas na

do Departamento de História e dirige o CHAIA —

alimentação humana e animal.

Centro de História da Arte e Investigação Artística.

Como arquiteto paisagista, fundou a firma Paisa‑

Na mesma instituição, é também investigador do

gem Lda. em 1973, tendo realizado projectos em todo

Laboratório HERCULES — Estudos de Património

o país, dos quais se destacam em Lisboa o Cemitério de

PAULO BAPTISTA

e Salvaguarda e adjunto da comissão de curso do

Carnide, a Avenida João XXI e as envolventes das Facul‑

Mestre em História da Arte pela FCSH − UNL, onde

Doutoramento de História da Arte. A Arte dos séculos

dades de Direito e Psicologia. Integrada na II Exposição

frequenta actualmente o curso de doutoramento

XIX e XX, a Historiografia da Arte e a História e Teoria

de Design Português, em 1973, efectuou a exposição

em História da Arte Contemporânea, no âmbito do

do Património Artístico são as suas principais áreas

Landscape Design, que constituiu a primeira grande

ArtScapes 1.indd 6

09-10-2014 23:42:28

manifestação de consciência ecológica em Portugal, e deu origem a dois livros, agora adoptados pelo Plano Nacional de Leitura: «O Mundo é a Nossa Casa «e «A Grande Viagem dos Homens». Em 2012 encerra a firma Paisagem, e confia o res‑ pectivo espólio à Fundação Calouste Gulbenkian, sem prejuízo do prosseguimento da sua actividade como projectista, mas dedicando­‑se muito especialmente à obra literária: nove romances, entre outras obras, já publicados, um dos quais prémio PEN Clube em 1994, e uma obra inédita com dois romances, numerosos con‑ tos, ensaios e a poesia de juventude. ANA DUARTE RODRIGUES Doutora em História da Arte. É investigadora do CHAIA/Universidade de Évora e do IHA e do CHAM da FCSH/NOVA e UAç. Estudou no Warburg Institute (2006) e foi fellow de Dumbarton Oaks/Harvard Uni‑ versity em 2013. Tem 12 livros publicados (como autor, co­‑autor e editor); 34 capítulos de livros ou artigos em revistas da especialidade e apresentou 49 conferên‑ cias em colóquios nacionais e internacionais. É editora da revista Gardens & Landscapes of Portugal.

7 G L O B A L A R T S C A P E S 1

ArtScapes 1.indd 7

09-10-2014 23:42:28

ArtScapes 1.indd 8

09-10-2014 23:42:28

CIDADE, CIDADANIA & ESPAÇOS PÚBLICOS manuel villaverde cabral

Do mesmo modo que urbanismo e urbanidade,

1992), os «direitos políticos» vão sendo adquiridos,

Embora os direitos de cidadania sejam habitual‑

enquanto expressões designando momentos signifi‑

perdidos e reconquistados, nomeadamente o direito de

mente valorizados pela teoria democrática, as abor‑

cativos daquilo a que Norbert Elias chamava «o pro‑

associação e de livre expressão. Assim, o pleno exercício

dagens actuais partem da observação de um défice

cesso civilizador» (Elias 1969 [1939]), provêm do latim

desses direitos no espaço público acabou por se consti‑

crescente da participação política convencional, assim

urbe, também cidade e cidadania provêm de civitate,

tuir como o paradigma da cidadania. Na sequência da

como do declínio da identificação com instituições

o que remete convergentemente para civilização, ou

generalização deste paradigma após a 2.ª Guerra Mun‑

democráticas tais como os parlamentos e os partidos

seja, voltamos a entroncar­‑nos com o «processo civi‑

dial, emerge a terceira geração de direitos, os «direitos

(Turner 1993; 1994). Ora, estes desenvolvimentos têm

lizador». Ninguém definiu melhor a cidadania do que

sociais», hoje em dia sob discussão e dos quais não nos

tudo a ver com a relação histórica existente entre o

Max Weber (1921), ao pensar na Europa da Idade Média

ocuparemos directamente aqui.

exercício da cidadania e os espaços citadinos, desde

e do Renascimento, quando evocou o preceito antigo

Em contrapartida, importa notar do ponto de vista

as arcadas aos passeios públicos, passando por certas

segundo o qual «o ar da cidade nos torna livres». A

político, mas também do ponto de vista dos espaços

praças, parques e jardins, como tem acontecido repe‑

cidadania é, pois, matricialmente, o facto de pertencer

públicos onde os direitos políticos se exercem, o facto

tidamente em ocasiões muito recentes desde o Egipto

à cidade e de gozar das suas virtualidades civilizadoras.

de a nacionalização da cidadania (o passaporte) nunca

(Praça Tahir, Cairo) à Ucrânia (Praça Maidan, Kiev),

A começar pela arquitectura e pelas artes que aí terão

ter abolido a matriz urbana da mobilização individual

passando pela Turquia (Parque Gezi, Istambul), repris‑

tido, se não o seu berço, seguramente o seu esplendor.

e colectiva subjacente ao actual conceito de cidadania.

tinando a clássica ágora ateniense!

9

Com o alargamento dessas cidades aos primeiros

Com efeito, depois de estudarmos múltiplas mani‑

Neste texto, mostrar­‑se­‑ão pois os impactos da

estados­‑nação, as novas nacionalidades assumiram a

festações correlativas do exercício da cidadania em

urbanização e da metropolização das grandes aglo‑

forma inicial da cidadania com o advento dos «direi‑

Portugal (Cabral 1997; 2014), verificámos que a cidade

merações urbanas contemporâneas sobre o exercí‑

tos civis», mediante aquilo que Hobbes descreveu no

continua a fornecer à cidadania esse «ar de liberdade»

cio dos direitos cívicos e políticos.1 É aquilo a que já

Leviatã (1651) como a troca da soberania individual pela

que lhe vem dos primórdios greco­‑latinos. É nas cida‑

chamámos o «efeito metropolitano» (Cabral 2008).

protecção estatal. Na linha de T. H. Marshall (1950), que

des e nas metrópoles que, sob o efeito «simmeliano»

Veremos, assim, que a vida urbana enquanto tal, con‑

foi o primeiro a teorizar a cidadania contemporânea,

(Simmel 1903) do anonimato e da urbanidade citadi‑

cretamente na área metropolitana de Lisboa, tem um

entre o século XVII e o século XIX, simultaneamente

nos, a cidadania mais e melhor se exerce, como vere‑

impacto indiscutível e por vezes até estatisticamente

G L O B A L A R T S C A P E S

à emergência das «sociedades civis» (Cohen & Arato

mos ser o caso da metrópole de Lisboa.

mensurável nas diferentes modalidades de exercício

1

ArtScapes 1.indd 9

09-10-2014 23:42:28

da cidadania. Isso contraria aliás, mas só em parte,

político­‑administrativa. Isto sustenta, pois, uma maior

tórica inversa entre religiosidade católica e progres‑

certas tendências que levaram autores actuais como

exposição à vida política, bem como uma propensão

sismo político, os cidadãos da Metrópole se situem

Robert Putnam a acreditar que determinadas evolu‑

maior para o envolvimento na esfera pública. Porém,

à esquerda do resto do país com tendência para um

ções recentes das grandes metrópoles estariam, como

as diferenças na composição das duas populações não

exercício mais vigoroso da cidadania. Em compensa‑

de facto estão, a gerar efeitos opostos à produção

são apenas de ordem social e económica. São também

ção, a anomia urbana associada nomeadamente ao

de capital social e à manutenção daquelas redes de

de natureza cultural. É a este nível sobretudo que vão

«urban sprawl» (dispersão urbana) dificulta a forma‑

solidariedade que contribuíam historicamente para

operar as teorias sobre a especificidade da vida urbana,

ção de redes de confiança e participação próprias da

fomentar as modalidades convencionais da cidadania

tais como as expostas por Simmel, Park e Wirth (ver

mobilização social. Confirma­‑se, pois, que na grande

(Putnam 2000).

Grafmeyer & Joseph 2004), ao chamarem a atenção

metrópole, devido às próprias características da

para a multiplicidade e diversidade de experiências

modernidade, cedo identificadas por Georg Simmel

que concorrem na grande cidade.

e por Walter Benjamin (1986 [1935]), há factores con‑

Em Portugal, como era de resto previsível, muitas das diferenças de atitudes e comportamentos entre

10 G L O B A L A R T S C A P E S 1

a metrópole lisboeta e o resto do país devem­‑se às

Simmel escreve: «O fundamento psicológico sobre

trários que operam em simultâneo, por assim dizer,

suas diferentes composições demográficas e sócio­

o qual se constrói a individualidade das grandes cida‑

a favor e contra o envolvimento cidadão na esfera

‑culturais. Com efeito, estas populações diferem de

des é a intensificação da estimulação nervosa, que

pública e na vida política.

forma significativa a quase todos os níveis relevantes.

resulta da mudança rápida de estímulos externos e

No que diz respeito aos atributos políticos da popu‑

A composição de classe é muito diversa: as categorias

internos» (Simmel 2004 [1903]: 62). Todavia, a vida

lação, estes são em geral superiores na Metrópole mas

sociais típicas da modernidade, como a nova burgue‑

metropolitana actual é, como dizíamos anteriormente,

baixos em todo o país, o que mostra a relativa indife‑

sia assalariada, o salariato terciário e o próprio ope‑

uma combinatória de efeitos positivos e negativos

renciação entre as populações, constituindo um sin‑

rariado, têm ou tiveram até há pouco tempo muito

para o desenvolvimento de actividades individuais e

toma mais da crise da representação política (Porras

mais peso na metrópole do que no resto do país. Um

colectivas associadas à participação activa na esfera

Nadales 1996), a que já nos temos referido noutras oca‑

facto suplementar é a região de Lisboa contar com a

pública. Por exemplo, a conjugalidade é maior no resto

siões, nomeadamente no plano eleitoral. Obviamente,

presença de cerca de 15% de estrangeiros. Ora, sendo

do país do que na metrópole, onde têm mais peso as

isso dever­‑se­‑á também à socialização e à experiência

certo que este último segmento populacional contribui

pessoas isoladas. Ora, sabemos desde Durkheim que

políticas dos Portugueses. Embora as diferenças entre

para conferir à metrópole o seu cosmopolitismo carac‑

estas pessoas isoladas tendem a ser menos activas na

os residentes na metrópole de Lisboa e fora dela sejam

terístico, nem por isso deixa esta difusão do multicul‑

esfera cívica do que aquelas que possuem laços fami‑

relevantes, acabam por não ter mais impacto do que

turalismo de entrar em contradição, como argumenta

liares e locais mais fortes, como acontece já nas perife‑

os factores anteriores. No conjunto, é importante reter

Putnam, com as modalidades de exercício clássico da

rias em relação às zonas centrais da grande metrópole.

que é no local de trabalho e com os familiares e amigos,

cidadania associadas às sociedades étnica e cultural‑ mente homogéneas.

Outro factor de ordem cultural, ligado à mobili‑

sobretudo estes últimos, que os habitantes da região

dade espacial, distingue a população da metrópole de

metropolitana de Lisboa reconstroem, por assim dizer,

Trata­‑se apenas da primeira das múltiplas mani‑

Lisboa. É a prática religiosa. De acordo com a teoria

a sua socialização, confirmando­‑se pois que a discussão

festações da operação simultânea de factores favorá‑

da secularização, a metrópole lisboeta é conhecida há

política é uma prática mais frequente na metrópole e

veis e outros desfavoráveis ao exercício convencional

mais de um século pelos observadores contemporâ‑

que ela ocorre em círculos de sociabilidade alargados

da cidadania. A capital e a sua metrópole possuem,

neos como acentuadamente secularizada. Ora, numa

que permitem falar de processos de criação de capital

por outro, maior capacidade do que o resto do país

sociedade como a portuguesa, marcada como foi e

social. Não é impossível, antes pelo contrário, que a

para captar e reproduzir recursos humanos qua‑

até certo ponto continua a ser pela forte influência do

re­‑socialização influencie retrospectivamente a recons‑

lificados em função da sua estrutura económica e

catolicismo, não surpreende que, dada a ligação his‑

trução da própria socialização primária, de acordo

ArtScapes 1.indd 10

09-10-2014 23:42:28

com os mecanismos sociais que presidem ao facto de

ção super­‑abundante, mas sim na motivação para

ram genericamente contra o envolvimento no espaço

uma pessoa se «tornar moderna» ao integrar­‑se numa

procurar a informação mais relevante entre o ruído

público e a acção cívica e política, verifica­‑se que os

grande comunidade urbana (Inkeles e Smith 1974).

constante produzido pela multiplicidade de meios de

factores positivos da condição metropolitana revelam ser mais fortes do que os primeiros.

Finalmente, no que diz respeito à confiança social,

comunicação. Ora, os habitantes da região metropo‑

é sabido que esta não é um atributo da sociedade portu‑

litana informam­‑se de facto mais do que os outros,

Assim, na metrópole de Lisboa as pessoas tendem

guesa (Halman 2001). Acresce que ela tende a diminuir

possuindo assim um peso acrescido no exercício da

a associar­‑se mais do que no resto de Portugal, em

nas grandes metrópoles em geral, correlativamente à

cidadania activa.

especial no que diz respeito aos sindicatos e às associa‑

anomia e ao isolamento. É isso que acontece na metró‑

Para terminar este elenco dos atributos e proprie‑

ções profissionais, o que contraria em parte as teses de

pole de Lisboa, confirmando­‑se que também em Portu‑

dades destas populações, a verdade é que os actores só

Putnam, pois quem mais participa fá­‑lo independente‑

gal a confiança tende a diminuir com a dimensão dos

conhecerão o resultado das suas eventuais iniciativas,

mente do tipo de associação em causa. Contudo, mais

aglomerados populacionais e com a metropolização.

sejam cívicas ou expressamente políticas, depois de as

do que esse capital social acumulado através da adesão

Esta quebra da confiança interpessoal seria, segundo

tomarem. Ora, há uma relação virtuosa entre a tomada

a organizações pré­‑constituídas, tais como um partido

Putnam, um factor relevante para o declínio do envol‑

de iniciativas e a resposta dos decisores: a expectativa

ou um sindicato, é sobretudo a auto­‑mobilização, de

vimento cívico e político nas actuais grandes áreas

de obter uma boa resposta incita, com efeito, a tomar

carácter tendencialmente expressivo e frequente‑

metropolitanas em virtude das suas recentes modali‑

iniciativas e o facto de estas se repetirem acaba por

mente desinteressado (apoio a «causas», por exem‑

dades de fragmentação urbanística, desde a emergên‑

originar melhores expectativas quanto aos resultados.

plo), que mais socializa e re­‑socializa os cidadãos do

cia dos «condomínios fechados» aos «bairros sociais»

Como seria de esperar, tomar iniciativas de natureza

ponto de vista cívico, parecendo ser ela também que

periféricos e aos «dormitórios» da classe média nos

cívica e política é uma propriedade típica da metró‑

deixa maior lastro de memória política.

subúrbios, contribuindo por seu turno cada uma des‑

pole, o que possivelmente se acentua numa cidade­

tas formas urbanísticas para dissolver a homogenei‑

‑capital como é o caso de Lisboa.

dade e coesão tendenciais das antigas cidades.

Mais: para além de todos os factores ponderados e de todas as formas de exercício cidadão, verificar­

Vimos, pois, até aqui de que modo se manifesta

‑se­‑á além disso aquilo que designei inicialmente como

Quanto ao interesse da população pela vida polí‑

o exercício da cidadania e há várias modalidades de

«efeito­‑metropolitano», ou seja, observámos que, em

tica, está efectivamente mais difundido na metrópole

o fazer: por um lado, aquilo a que a literatura chama

determinadas circunstâncias, concretamente no caso

do que no resto do país, mas a diferença não é estatis‑

o associativismo, ou seja, a pertença a associações

daquilo a que chamei a auto­‑mobilização, o facto em si

ticamente significativa. Por seu turno, a «mobilização

enquanto «proxy» ou substituto do capital social con‑

de habitar a metrópole constitui um incentivo suple‑

cognitiva» corresponde à propensão das pessoas para

vencional (Putnam 1973; Field 2003), e por outro lado,

mentar específico no sentido de exercer os direitos

tentarem influenciar as outras, assim como a frequên‑

a auto­‑mobilização, isto é, uma modalidade distinta

individuais de cidadania. Em suma, é através destas

cia com que discutem política. Previsivelmente, esta

e porventura mais recente do envolvimento cívico e

formas individualizadas e grupais da auto­‑mobilização

presença de indivíduos com um papel de liderança

político individual ou grupal em manifestações, peti‑

cívica, política e social que os direitos de cidadania

nas discussões políticas é muito mais frequente na

ções, debates na internet, etc. Com estas duas noções

são crescentemente exercidos, em especial na região

metrópole do que no resto do país e também no «cen‑

pretende­‑se marcar a diferença entre formas relati‑

metropolitana.

tro» da cidade em relação à sua «periferia». A «mobi‑

vamente passivas de envolvimento como membro de

A utilização da expressão «formas» não é trivial,

lização cognitiva» reflecte a maior complexidade da

uma associação e, por outro lado, formas pró­‑activas

pois o elemento novo nas práticas políticas dos habi‑

vida metropolitana e tem aí um peso elevado. Já no que

de mobilização, de tipo pontual e geralmente orien‑

tantes de uma metrópole como Lisboa não é tanto

diz respeito à exposição aos media, o problema, como

tadas para questões específicas. Ora, apesar de todos

o tipo de temas que compõem a sua agenda como,

G L O B A L A R T S C A P E S

sabemos, não reside tanto no acesso a uma informa‑

os factores associados à vida metropolitana que ope‑

sobretudo, as formas de mobilização utilizadas, mais

1

ArtScapes 1.indd 11

11

09-10-2014 23:42:28

12 G L O B A L A R T S C A P E S 1

dependentes da iniciativa pessoal e grupal do que da

dania política segundo a modalidade que designámos

Como dissemos, ao distinguir entre a região

convocatória das associações formais. Existe, porém,

como auto­‑mobilização. Paralelamente, o associati‑

metropolitana e o resto do país, verificámos que o

como seria aliás de prever, uma correlação significa‑

vismo surge como uma modalidade preferencialmente

perfil de adesão do associativismo ao modelo de aná‑

tiva entre a pertença a associações e o conjunto das

masculina, enquanto a auto­‑mobilização se distingue

lise da cidadania, sendo maior na metrópole, é no

modalidades de auto­‑mobilização. Esta relação é vir‑

pela saliência das mulheres e dos jovens. Associada

entanto nulo ao nível das variáveis políticas propria‑

tuosa mas a mobilização revela­‑se a mais forte das

à juventude e ao género feminino, esta última moda‑

mente ditas, ficando a explicação da variância a dever­

duas modalidades. Com efeito, a pertença a associa‑

lidade de participação política revela­‑se, além disso,

‑se exclusivamente aos factores sócio­‑demográficos

ções formais tende a inserir­‑se num processo de acu‑

mais sofisticada e mais selectiva do que as anteriores

e culturais, acrescidos pelo impacto significativo da

mulação de capital social de tipo convencional que está

formas de exercício da cidadania. À parte esses dois

auto­‑mobilização, que esta sim é muito mais forte na

em declínio; em vez disso, a mobilização pró­‑activa

traços assinalados (idade e género), que demonstram

metrópole do que no resto de Portugal. Ou seja, em

está a gerar sobretudo um tipo diferente de capital

que este tipo de manifestações é literalmente novo,

todo o país, mas muito em especial na metrópole, a

social: uma espécie de «capital de ligação» (linking

porque é assumido em especial pelos jovens e pelas

mobilização acaba por se revelar a variável com maior

social capital), ou seja, um conjunto de «redes soltas

mulheres mais instruídas, à parte isso, os perfis da

peso na explicação do associativismo. Por outras

e abertas (open ended), com participantes variados,

população associada e da auto­‑mobilizada não são

palavras, o «capital de ligação» que sustenta muita da

normas partilhadas e objectivos comuns», cujos níveis

demasiado diferentes.

auto­ ‑mobilização converte­ ‑se, frequentemente, em

de confiança e de reciprocidade podem ser, no entanto,

Ora, uma vez que a adesão ao modelo da cida‑

«capital social» convencional, através da adesão das

«circunscritos por demandas competitivas» (Baron,

dania que apresentámos é muito superior no caso

pessoas mobilizadas a associações formais ou até da

Field e Schuller 2000:14).

da auto­‑mobilização do que no do associativismo, é

criação de novos tipos de associações, como as ONGs,

O argumento do presente texto desenvolveu­‑se

lícito concluir que, hoje em dia, o exercício dos direi‑

típicas da «nova cultura política».

assim em torno de dois eixos principais. Por um lado,

tos de cidadania tende a manifestar­‑se de forma mais

Quanto à auto­‑mobilização, não só ela adere mais

o efeito­‑metropolitano, isto é, a influência específica

expressiva através da «geometria variável» da auto­

plenamente ao modelo da cidadania, sobretudo na

do facto de viver numa grande zona metropolitana

‑mobilização do que da mera pertença associativa,

metrópole, como o modelo se revela mais sofisticado,

como Lisboa sobre o exercício da cidadania política;

ou seja, através das formas convencionais do capital

pois quase todas as variáveis consideradas contribuem

por outro, a evolução das diferentes modalidades que

social. O declínio destas formas convencionais obser‑

para a sua explicação. Finalmente, assim como a mobi‑

toma esse exercício cidadão. A relação entre os dois

vado por Putnam (2000) parece ser real, mas isso não

lização contribui para explicar a adesão às associações,

temas é tanto mais estreita quanto a metropolização e

dá conta da evolução das novas modalidades de produ‑

também a pertença a estas últimas se revela o factor

a sub­‑urbanização estão intimamente ligadas à emer‑

ção de capital social, especialmente do tipo «linking».

mais forte para explicar a auto­‑mobilização cidadã,

gência da cultura de massas e, posteriormente, de uma

Do mesmo modo, são reais, como aquele autor salienta,

embora um pouco menos do que o inverso. Neste sen‑

«nova cultura política» (Clark & Hoffman­‑Martinot

a fragmentação urbana e o declínio das sociabilidades

tido, o primado e a difusão que esta última modalidade

1997), com uma acentuada marca urbana, orientada

tradicionais, assim como é mostrado para Lisboa pelo

de exercício da cidadania vem gradualmente assu‑

a valores e comportamentos frequentemente desig‑

texto de Mónica Brito Vieira que figura no nosso estudo

mindo contribuem afinal, de maneira muito significa‑

nados como «pós­‑materialistas» (Inglehart 1997) e

comum sobre Cidade & Cidadania (Vieira 2008), mas

tiva, para alimentar as formas convencionais da acção

gradualmente desvinculada das clivagens de classe

isso não impede a grande metrópole de continuar a

colectiva.

clássicas, bem como das antigas lealdades partidárias.

produzir, por si só, um efeito de estimulação para a

Convém regressar agora, para concluir, a esses

Ora, é sintomático que o efeito­‑metrópole se faça

abertura dos indivíduos à vida pública e à participação

espaços públicos urbanos onde a cidadania tende pois

individual ou colectiva nos movimentos cívicos.

a culminar, após a acção das redes de sociabilidade e

sentir em especial junto de quem exerce a sua cida‑

ArtScapes 1.indd 12

09-10-2014 23:42:28

do próprio «ar de liberdade» fornecido pela grande

contemporânea constituem, pela sua própria concep‑

NOTAS

cidade, através das formas de expressão mais elabora‑

ção física e simbólica, outros tantos óbices à expres‑

das do exercício­‑cidadão. Tais formas são, ao mesmo

são cidadã que as redes informáticas só em parte e

tempo, novas e modernizadoras da acção social, pois

distorcidamente compensariam (Vieira 2008). Com

verificou­‑se também que elas promovem a emergência

efeito, a autora é de opinião, como eu próprio, que as

de elites alternativas às camadas dominantes vigentes.

expressões globais fornecidas pelas chamadas redes

Tudo passa pelo espaço público — internético, mediá‑

sociais internéticas, embora encarnando hoje em dia

tico e, incontornavelmente, pelos espaços físicos das

a difusão generalizada dos regimes representativos e

ruas e das praças das grandes cidades.

das temáticas pontuais anti­‑globalização, em vez de

1. O presente texto está apoiado no estudo que realizámos em Portugal e no Brasil em 2004 com base no módulo sobre «Cidadania» do International Social Survey Programme, alar‑ gado às metrópoles de Lisboa e do Rio de Janeiro. As afirma‑ ções aqui feitas estão, pois, estatisticamente baseadas nesse inquérito (Cabral, 2008). 2. Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Pruitt—Igoe; também o trailer do filme «The Pruitt­‑Igoe Myth: an Urban History» http://vimeo.com/18356414.

As novas geografias urbanas da cidadania, como

formularem uma efectiva cidadania global, começam

lhes chama Mónica Brito Vieira, são porém cada vez

antes por desarticular os públicos diametralmente

menos propícias — para não dizer, mais desfavoráveis

heterogéneos dos cidadãos sem voto — os chamados

BIBLIOGRAFIA

— ao seu exercício. Países de desenvolvimento mais

denizens — que afluem às actuais mega­‑metrópoles

BARON, Stephen, FIELD, John, e SCHULLER, Tom (eds.,

recente, como o Brasil, são uma demonstração dessa

perante os «democratas desafectos» e os «cidadãos

2000), Social capital: critical perspectives, Oxford:

fragmentação urbana que perverte as condições histó‑

críticos» das velhas democracias (Norris 1999).

Oxford University Press.

ricas da emergência da cidadania clássica, com os seus

Conforme eu próprio escrevi (Cabral 2014), a cida‑

BENJAMIN, Walter (2000 [1935]), Paris, capitale de

gigantescos condomínios fechados para a «classe alta»,

dania caracteriza­‑se hoje, em larga medida, pelo apa‑

l’Europe du 19è. siècle, in Œuvres, Paris: Gallimard,

como Alphaville em S. Paulo (Caldeira 2000), ou com

rente paradoxo de aqueles que têm o direito de voto

essa cidade­‑fechada para funcionários que é Brasília,

não o exercerem e aqueles que quereriam votar não

CABRAL, M. V. (2014), Dimensões da cidadania. Mobi-

para não evocar a maciça hetero— e auto­‑segregação

terem esse direito. Numa parte considerável, resulta

lização em Portugal numa perspectiva comparada,

das favelas (Vieira 2008). Simultaneamente, no mais

isto de um «desenho urbano» contemporâneo confec‑

Porto: Afrontamento.

desenvolvido dos países, os Estados Unidos, há déca‑

cionado por inspiração de autarquias e de promotores

CABRAL, M. V. (2008), «Efeito metropolitano e cultura

das que o urbanismo modernista aplicado à concentra‑

imobiliários que têm fomentado a desconstrução dos

política: novas modalidades de exercício da cida‑

ção das camadas pobres em subúrbios sociais já levara

espaços públicos de emergência cidadã com a legiti‑

dania na metrópole de Lisboa», in CABRAL, M. V.; F.

à sua própria implosão material, como sucedeu pela

mação da ideologia corporativa arquitectónica e urba‑

C. SILVA & T. SARAIVA (orgs.), Cidade e cidadania:

primeira vez no gigantesco bairro de Pruitt—Igoe em

nística pós­‑moderna (Scarfatti­‑Larson 1993). Todavia,

governança urbana e participação cidadã em pers-

Saint­‑Louis, Missouri 2, como viria aliás a suceder nou‑

neste momento em que o consenso global entrou em

pectiva comparada, Lisboa: Imprensa de Ciências

tras cidades e países.

crise e a austeridade se impõe, a arquitectura e a cons‑

vol. 3, pp. 44­‑66.

Sociais.

cent (orgs.) (1998), The new political culture, Boul‑

G L O B A L A R T S C A P E S

der, Colorado: Westview Press.

1

Do mesmo modo, a remissão das funções resi‑

trução apontam, agora, para a reabilitação urbana e

denciais para as periferias; a proliferação paralela

para a reocupação dos centros citadinos. Faz assim

dos centros comerciais (mais próximos dos malls

todo o sentido invocar de novo esse espírito cidadão

CALDEIRA, Teresa (2000), City of walls: Crime, segre-

norte­‑americanos do que das galerias e «passagens»

que continuava, há bem pouco tempo, a fazer­‑se escu‑

gation, and citizenship in São Paulo, [Oakland]:

oitocentistas que Benjamin evocou); a constituição

tar nas avenidas, praças e outras potenciais ágoras das

University of California Press.

de cidades­‑escritórios e «parques temáticos»; o aden‑

metrópoles actuais.

versal que se apoderaram da arquitectura citadina

ArtScapes 1.indd 13

CABRAL, M. V. (1997), Cidadania Política e Equidade Social em Portugal, Oeiras: Celta.

CLARK, Terry Nichols, e HOFFMAN­‑MARTINOT, Vin‑

samento dos fluxos pendulares e a motorização uni‑ Lisboa, 14 de Abril de 2014

13

09-10-2014 23:42:28

COHEN, Jean L., e ARATO, Andrew (1992), Civil society and political theory, Cambridge: The MIT Press. ELIAS, N. (1939/1969), The civilizing process: the history of manners (Vol I), Oxford: Blackwell. FIELD, John (2003), Social capital, London: Routledge.

revival of american community, New York: Simon & Schuster. REMPEL, M. (eds.) (1997), The Politics of post­‑industrial societies, Boulder, Westview Press.

GRAFMEYER, Yves, e JOSEPH, Isaac (orgs.) (2004),

SCARFATTI­‑LARSON, M. (1993), Behind the postmod-

L’Ecole de Chicago: naissance de l’écologie urbaine,

ern facade: architectural change in late twentieth­

Paris: Flammarion.

‑century in America, University of California Press:

INGLEHART, R. (1997), «The trend toward post­‑mate­

Los Angeles.

rialist values continues», in CLARK, T. N., e INKE‑

SIMMEL, Georg (2004 [1909]), «Digressions sur

LES, Alex, e SMITH, D. H. (1974), Becoming modern:

l’étranger», in Yves Grafmeyer e Isaac Joseph

individual change in six developing countries, Cam‑

(orgs.), L’ Ecole de Chicago: naissance de l’écologie

bridge: Harvard University Press.

urbaine, Paris: Flammarion.

MARSHALL, T. H. (1992 [1950]), Citizenship and social class, Londres: Pluto Press. NORRIS, Pippa (ed.) (1999), Critical citizens: global support for democratic governance Oxford: Oxford University Press.

SIMMEL, Georg (2004 [1903]), «Métropoles et men‑ talités», in Yves Grafmeyer e Isaac Joseph (orgs.), L’Ecole de Chicago: naissance de l’écologie urbaine, Paris: Flammarion. TURNER, Brian S., e HAMILTON, Peter (eds.) (1994),

PARK, R. E. (2004 [1925]), «La ville. Propositions de

Citizenship: critical concepts, Londres: Routledge.

recherche sur le comportement humain en milieu

TURNER, Brian S. (1993), Citizenship and social theory,

urbain», in Yves Grafmeyer e Isaac Joseph (orgs.), L’Ecole de Chicago: naissance de l’écologie urbaine, Paris: Flammarion. PARK, R. E. (2004 [1929]), «La ville comme laboratoire

14 G L O B A L A R T S C A P E S

PUTNAM, R. (2000), Bowling alone: the collapse and

London: Sage. WEBER, Max (1958 [1921]), The city, New York: The Free Press. WIRTH, L. (1938), «Urbanism as a way of life», Ameri-

social», Yves Grafmeyer e Isaac Joseph (orgs.),

can Journal of Sociology, XLIV, Julho, pp. 1­‑24.

L’Ecole de Chicago: naissance de l’écologie urbaine,

VIEIRA, M. B. (2008), «O espaço urbano e a arqui‑

Paris: Flammarion. PARK, R. E. (2004 [1926]), «La communauté urbaine: un modèle spatial et un ordre moral» in Yves Graf­

tectura da cidadania», in CABRAL et. al. (orgs.), Cidade e cidadania, Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.

meyer e Isaac Joseph (orgs.), L’Ecole de Chicago: naissance de l’écologie urbaine, Paris: Flammarion. PORRAS NADALES, Antonio J. (org.) (1996), El debate sobre la crisis de la representación política, Madrid: Tecnos.

1

ArtScapes 1.indd 14

09-10-2014 23:42:28

PARADOXOS E DILEMAS DA GOVERNAÇÃO DAS CIDADES EUROPEIAS. O CASO DE LISBOA entrevista a joão seixas por filomena serra

Esta entrevista ao Professor Doutor João Seixas

exclusivamente sectoriais, ou políticas delimitadas

tornando o mundo mais plano. Em algumas e determi‑

rea­lizou­‑se em Abril de 2014. Ela visou de algum

em territórios parcelares e subdivididos administra‑

nantes dimensões, como na acumulação de poder polí‑

modo substituir o texto do workshop na altura

tivamente há muitas décadas. Mas também porque

tico e financeiro, bem pelo contrário.

apresentado, que tem por base o livro A cidade na

a sociedade, o cidadão, exige hoje muito mais da sua

encruzilhada. Repensar a cidade e a sua política

qualidade de vida urbana, desde logo em questões sim‑

E em Lisboa em particular?

(Porto: Afrontamento, 2013). Mantivemos o título

ples do seu dia­‑a­‑dia, nas questões de equidade sócio­

Em Lisboa também se sucedem estes efeitos, e em

da comunicação então realizada pelo autor por nos

‑espacial, mas também em áreas relativamente novas

diversos sentidos. O que deve justamente exigir um

parecer que não desvirtua as perguntas e respostas

na percepção cívica, como nas questões ambientais.

repensar dos espaços da política para as escalas que

da entrevista, muito pelo contrário.

Em termos culturais, interliga­‑se muito mais a qua‑

se tornaram mais pertinentes e portanto mais deter‑

lidade de vida urbana às perspectivas e às próprias

minantes, na capital portuguesa. Desde logo, não tem

noções, mesmo que subjectivas, de progresso.

grande cabimento procurar definir estratégias em

Que paradoxos e dilemas, ou melhor que desafios, é que se colocam actualmente, face à globalização,

determinadas áreas vitais, se não for à escala do grande

à governação das cidades europeias?

Há diferenças quanto à dimensão — metrópoles,

sistema metropolitano, visto de forma integrada. O

A governação urbana ganhou, nas décadas mais

capitais, cidades médias?

mesmo para as escalas de maior proximidade — que,

recentes, não só um aumento de relevância, como um

Certamente. Continua a manter­‑se uma dinâmica de

por outro lado, necessitam de um mínimo de «massa

aumento de complexidade. Por diversas razões. Pri‑

hierarquias funcionais e políticas entre diferentes

crítica» política para a realização das respectivas polí‑

meiro porque as cidades — ou melhor, a vida urbana,

territórios. Embora essa hierarquia tenha hoje deter‑

ticas. Por outro lado, o governo de Lisboa — nas suas

termo que prefiro porque muito mais abrangente e,

minantes distintos de anteriormente. E embora os

diferentes escalas — tem­‑se tornado cada vez mais dis‑

embora não pareça, bem mais objectivo que ‘cidade’

princípios e os direitos basilares do que é urbano sejam

tinto do governo de outros territórios nacionais.

— ganharam elas próprias uma grande complexidade.

e devam ser similares, para diferentes territórios. Ao

Ampliaram e transversalizaram as suas problemáti‑

contrário do que se dizia há uns anos, as recentes

Face às rápidas transformações em curso à escala

cas, as suas questões, das maiores às mais pequenas.

revoluções tecnológicas, sobretudo nos transportes

global, aos interesses particulares de cada Estado e

É redutor, para não dizer negativo, face às exigências

e nas áreas comunicacionais e informacionais, não

à grave crise de recessão, não acha que uma política

G L O B A L A R T S C A P E S

presentes do urbano, desenvolverem­ ‑se políticas

diminuíram as diferenças e atritos entre os territórios,

urbana europeia contemporânea é só por si utópica

1

ArtScapes 1.indd 15

15

09-10-2014 23:42:28

e que as soluções passam sobretudo pelas vontades

consolidação da governança urbana. Podemos falar

mentos, encontramos os graus conhecimento e de for‑

e esforços de cada um dos estados e respectivas

de elites urbanas em Portugal apostadas numa clara

mação, de associativismo, de interacção socio­‑laboral,

autarquias?

política urbana?

de consciencialização política. Mas hoje também pode‑

Não me parece que deva ser vista como uma utopia,

Agora podemos começar a falar, sim. Felizmente. Por‑

mos falar da paisagem urbana e dos habitats onde cada

o desenvolvimento de uma política urbana europeia.

tugal é um país fortemente marcado por um sentido

cidadão vive, trabalha e se movimenta; como elemento

Bem pelo contrário. Porque justamente há uma série

de poder ligado quase em exclusivo ao Estado, e muito

relevante na formação do seu capital sócio­‑cultural.

de princípios que devem ser comuns, e claramente

centralista. Como disse o professor José Mattoso, o

definidos; baseados em pressupostos sólidos de sus‑

país nasce mesmo com um pecado original, no qual

Os efeitos da crise parecem ter gerado efeitos de

tentabilidade e de equidade, entre outros. O desen‑

o Estado se instala primeiro que a Nação. Daí que, à

auto­‑mobilização nunca antes sentidos na metró‑

volvimento de uma política de escala e de condição

excepção de Lisboa — por razões de Estado, justamente

pole em Portugal. Como poderão ser canalizadas tais

abrangente, pode conduzir a que tais exigências se

— e do Porto — por razões similares, mas em antítese

energias pela governança urbana?

materializem depois a níveis mais locais. Mas também

— o «urbano» raramente tenha sido considerado como

De múltiplas formas. A governação do futuro terá que

porque passa e passará muito pela requalificação da

elemento de poder. Mas as coisas estão a mudar, creio.

ser de natureza multi­‑governativa; exercida a vários

vida e do ambiente urbano, a própria transformação

As mais recentes estruturas de governação, não só em

níveis e escalas; sendo essa natureza múltipla a sua

económica e social — e política — da Europa.

Lisboa e no Porto — com justamente uma equipa semi­

principal força e segurança. Obviamente, sustentada

‑independente das estruturas corporativas, à frente da

em princípios sólidos, hoje ainda em formação. Daí que

O que se pode aguardar da União Europeia em maté‑

Câmara — mas também noutras cidades portuguesas,

uma cidadania mais empenhada pode ser aproveitada

ria de uma política ambiental que integrasse os par‑

parece mostrar que as elites estão a revelar cada vez

nos mais diversos areópagos, instituições, e formas de

ques e jardins, ao lado das paisagens protegidas, etc.?

mais consciência da importância da cidade.

pressão e de expressão.

Tal como existe — e bem relevante, em termos pedagó‑

De que tipo é o capital sócio­‑cultural consolidado que

metrópole e de sistemas urbanos inteiros. Mas note­

gicos e normativos — uma convenção europeia da pai‑

essas elites possuem?

‑se que a crise tem potenciado sobretudo factores de

sagem, parece­‑me relevante a existência de uma carta

Não existe propriamente um «capital sócio­‑cultural

rejeição do status­‑quo; embora com elementos de afir‑

de parques e jardins. Embora considere que — tal,

consolidado» para as elites de Lisboa. Até porque estas

mação urbana muito relevantes; ainda não constituem

justamente, como na paisagem — a perspectiva prin‑

elites, nas décadas mais recentes, em certa medida se

propriamente diferentes propostas integradas de um

cipal deva ser não a de simples «preservação», ou a de

fraccionaram e tornaram­‑se mais dispersas. Inclusive

novo tipo de progresso; e de consequentes novas for‑

protecção de determinadas áreas ou elementos; mas

pelo território da grande Lisboa. Se por um lado há

mas de governação e de intervenção. Estes são planos

sim a de valorização ampla do que se pode entender

determinados grupos que hoje se mobilizam — inclu‑

vitais a desenvolver.

como parques e jardins, que evidentemente devem ter

sive economicamente — por uma vida fortemente

lugar nos mais diversos e variados espaços urbanos,

urbana; mantêm­‑se muitos outros que preferem vidas

Neste colóquio tratou­‑se de paisagem urbana e jardins

dos centros históricos aos subúrbios mais precários e

literalmente suburbanas, no que este conceito traduz

públicos. No primeiro caso, temos vindo a assistir à

afastados.

de aproximação e de afastamento face à condição mais

proliferação de condomínios­‑privados com os seus res‑

própria das urbes.

pectivos jardins particulares. Não será um paradoxo

Diria que algo similar ao que referi na questão anterior.

16 G L O B A L A R T S C A P E S 1

Das escalas da rua e do bairro, até às escalas da

O João fala no seu livro, A cidade na encruzilhada.

Mas existem, certamente, elementos condiciona‑

falar em «paisagem urbana» versus «espaço público»?

Repensar a cidade e a sua política (Porto: Afron‑

dores ou ampliadores do que se poderá definir como

A cidade — ou a vida urbana — é, em si mesma, o maior

tamento, 2013) da influência das elites urbanas na

capital sócio­‑cultural de sentido urbano. Entre estes ele‑

espaço público que existe. É uma paisagem urbana de

ArtScapes 1.indd 16

09-10-2014 23:42:29

natureza sociocultural e política. Daí que a defesa dos

tais que integram, entre outros, o rejuvenescimento

ao genoma da própria humanidade. Resultante bem

espaços públicos, e da sua apropriação colectiva, seja

da população, o ambiente, a segurança, a inovação

mais de opções económicas e políticas do que naturais

essencial.

e a criatividade, no fundo, a identidade da cidade.

ou artísticas, coloca­‑se como matéria­‑prima para o

Embora o rio seja invocado como um nó central neste

entendimento da nossa geografia colectiva.

Será que existe uma verdadeira política de parques

programa no assumir a cidade como porto, não existe

Os espaços públicos que conjugam centralidade

de lazer e jardins públicos dentro das preocupações

qualquer referência à criação de parques, de jardins

com privacidade — como são os parques e jardins das

da governança das cidades?

ou espaços verdes. Este é um «esquecimento» apa‑

cidades — são espaços públicos exigentes. Estruturam

Em muitas cidades, sim. Mas esta é ainda uma área

rente ou eles estão englobados? Não poderia haver

identidades (esse tão amplo como dúbio elemento);

que necessita de maior suporte e condição, justamente

ideias mais claras sobre o assunto?

permitem reconhecimentos; constroem cidadania. Um

pela sua relevância como elementos nobres de espaço

Fui responsável por uma sexta parte da Carta Estra‑

reconhecimento dos «espíritos de lugar» (ou genius

público.

tégica de Lisboa, a correspondente aos objectivos de

loci) entretanto produzidos nos espaços urbanos: nos

qualificação das estruturas de governação, de admi‑

bairros mais históricos e compactos, mas também nas

O Ministério da Cultura francês tem uma política

nistração e de participação pública. Outras áreas da

mais perdidas periferias sem título mas com similar

nacional dos parques e jardins, para a qual contri‑

Carta Estratégica incidiram, e a meu ver creio que bem,

direito a uma narrativa. Uma cidadania a construir

bui um Conselho Nacional dos Parques e Jardins. Nos

nas questões mais do habitat e das diversas morfolo‑

por entre espaços, habitats e mobilidades complexas;

países europeus os parques e jardins tornaram­‑se

gias da cidade. E, segundo creio, sempre com o objec‑

conjugando fortes elementos urbanos e paisagísticos

monumentos históricos, verdadeiras instituições.

tivo de um sentido de qualificação e de apropriação

com texturas mais finas e subtis da vivência e do olhar.

O repensamento da cidade de Lisboa (ou das outras

mais transversal. Numa leitura atenta das diferentes

Parte vital da capacidade mais interpretativa e narra‑

cidades do país) não deveria passar também por

partes da Carta Estratégica, pode ver­‑se a preocupação

tiva da paisagem urbana encontra­‑se justamente nes‑

uma política de parques e jardins à escala nacional e

com os espaços públicos na cidade.

tas dimensões mais sensoriais.

simultaneamente local?

Configura­‑se assim como muito importante, e

Certamente. Mas insisto num ponto previamente

Para finalizar pode em breves palavras dizer o que

para mais nestes tempos fractais em que hoje vivemos,

referido: os parques e jardins não devem ser, no meu

pensa sobre os contributos que um curso de Pós­

estruturar paisagens e espaços de reconhecimento,

entender, vistos meramente como «refúgios» e locais

‑graduação de Jardins e Paisagem como o da Faculdade

que tenham a capacidade de serem espaços de signifi‑

de «paisagem protegida». A verdadeira emancipação

de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova

cado e de experiência; de estimular imaginários, repre‑

deve ser com o seu reconhecimento como espaços vitais

pode oferecer à cidade, ao cidadão e à comunidade?

sentações, desejos. E de esperança, tanto individual

parta a vida urbana, em todo e qualquer local onde esta

A combinação das fortes dinâmicas de urbanização da

como colectiva.

se deva afirmar. Nestes âmbitos, há imenso afazer, dos

humanidade, com as crescentes — embora ainda longe

Assim é a configuração desta relevante pós­‑gra­dua­

centros históricos aos subúrbios mais distantes.

de dominantes — consciências ambientais, e conse‑

ção, de natureza transversal e integradora: assumindo

17

quentes propostas de construção de modelos alterna‑

a universidade uma proposta de reflexão sistémica, de

O João Seixas foi, segundo creio, o autor da Carta

tivos de progresso; alavanca a relevância de olhares

revisão e análise crítica, e enfim de estruturação de pai‑

Estratégica de Lisboa 2010­‑2024 — Um compromisso

mais transversais sobre a urbanidade. A paisagem é,

sagens humanas e urbanas de maior qualidade.

para o futuro da cidade, um documento orientador

neste sentido, uma exigência transversal. Sendo hoje

importante que se centra à volta de quatro orienta‑

uma construção eminentemente humana, tornou­‑se

ções principais para a renovação da cidade a realizar

elemento tanto resultado como explicação dos nos‑

G L O B A L A R T S C A P E S

até 2024 bem como de alguns princípios fundamen‑

sos desejos, contradições, paradoxos; está inerente

1

ArtScapes 1.indd 17

09-10-2014 23:42:29

ArtScapes 1.indd 18

09-10-2014 23:42:29

A VOZ DA CÂMARA: FOTOGRAFIA, INTERVENÇÃO, CIDADANIA paulo baptista

Diariamente temos oportunidade de testemunhar o

gladesh. A mulher foi retirada dos escombros, 17 dias

produção têxtil de regiões como o Vale do Ave em Por‑

papel cada vez mais determinante que a fotografia

depois de a fábrica de têxteis em que trabalhava ter

tugal para o Extremo Oriente. Das mais de quatro mil

tem assumido relativamente à forma como olhamos a

colapsado, fruto das deficiências de construção do edi‑

e quinhentas fábricas têxteis a funcionar no Bangla‑

sociedade. Com efeito, podemos considerar que a foto‑

fício e da pesada carga de maquinaria e operários que

desh, a maioria está situada em edifícios de construção

grafia representa uma das mais importantes, senão a

a precária estrutura suportava. O impacto e as con‑

precária ou inapropriada, como sucedeu no caso do

mais importante, forma de mediação visual entre os

sequências políticas imediatas dessa tragédia foram

desastre a que aludimos. Pelas razões apontadas, em

cidadãos e a sociedade que nos rodeia. Com a enorme

consideravelmente potenciadas pela divulgação que

muitos casos essas circunstâncias dizem­‑nos muito

facilidade de difusão da informação e, nas últimas

as imagens trágicas e chocantes tiveram, através do

mais respeito do que à primeira vista possa parecer.

décadas, da informação visual contida nas fotografias,

Facebook onde primeiramente circulou a fotografia

A circulação de imagens pelas redes sociais tem

as circunstâncias de interacção social vieram a assumir

de Taslima Akhter (1974­‑). O impacto dessa imagem,

contribuído para catalisar as consciências, aglutiná­

um impacto global, contribuindo para que os impulsos

que representa o abraço de duas das vítimas mortais

‑las e potenciar as acções de cidadania. O encer‑

para a participação dos cidadãos nos fóruns de inter‑

daquela tragédia, foi tal que acabou por chegar às pági‑

ramento de muitas das fábricas do Bangladesh e o

venção política e social sejam constantes, propicia‑

nas da revista Time que a chegou a considerar um ver‑

propósito político colectivo de denunciar e alterar as

dos pelas múltiplas vias alternativas de circulação da

dadeiro epítome da tragédia, a dor de toda uma nação

condições laborais existentes, foram os efeitos ime‑

informação visual, que há muito suplantaram os media

expressa numa só imagem.

diatos da referida catástrofe e da campanha activista

tradicionais nesse campo. Nos nossos dias somos colo‑

Em termos político­‑económico­‑sociais estão em

cados perante o verdadeiro paradoxo que resulta da

causa as práticas laborais de países como o Bangla‑

global que se lhe seguiu. O futuro nos dirá das conse‑

circunstância de assistirmos a uma palpável restrição

desh, o segundo exportador mundial de vestuário,

Em Regarding the pain of others Susan Sontag

dos nossos direitos de cidadania ao mesmo tempo que

comercializado por marcas transnacionais como a bri‑

chama a nossa atenção para a importância que repre‑

a consciência individual e a capacidade de intervenção

tânica Primark ou as espanholas Zara, Berska e Mango,

sentara já a menção de Virginia Woolf à repulsa que a

global têm aumentado significativamente.

entre outras, com visibilidade global e presença per‑

guerra lhe suscitava e ao impulso que a escritora sentiu

19

Enquanto preparo esta intervenção (Abril de 2013)

manente nos espaços comerciais de todo o mundo.

de defender a República Espanhola que se encontrava

recebo no Facebook um post relatando o resgate de

Essas práticas, caracterizadas por custos de produção

sob o fogo das forças fascistas. Segundo o seu teste‑

G L O B A L A R T S C A P E S

mais uma sobrevivente da recente tragédia no Ban‑

extremamente baixos, provocaram a deslocalização da

munho, Woolf sentiu esse impulso ao observar um

1

ArtScapes 1.indd 19

quências desse processo.

09-10-2014 23:42:29

20 G L O B A L A R T S C A P E S 1

maço de fotografias que recebeu de Espanha revelando

no início do século XX, terá sido um dos primeiros a

com o convite que lhe foi endereçado para integrar a

atrocidades sobre civis. Esse pacote de fotografias

utilizar a fotografia como uma ferramenta fundamen‑

equipa do National Child Labor Committee (NCLC).

teve a capacidade de despertar a sua consciência. No

tal nos seus estudos sobre trabalho infantil que vieram

Abandonou então a academia e passou a dedicar­‑se

entanto é significativo que um conjunto de fotografias,

a ter uma significativa influência na legislação ameri‑

inteiramente ao trabalho de campo. Durante a década

entregue pessoalmente, independentemente do seu

cana de reforma social produzida nesse domínio.

de 1910, Hine estudou e fotografou o trabalho infantil

impacto potencial, apenas possa sensibilizar as pes‑

Lewis W. Hine seguiu uma carreira académica

para a referida agência governamental, em particular

soas que as observam. Efectivamente, o impacto do

cursando sociologia nas universidades de Chicago,

na região americana da Carolina. Esses trabalhos vie‑

poder probatório da fotografia dependeu sempre das

Columbia e Nova Iorque, onde veio a dar aulas, na

ram a ter um papel de destaque como apoio aos esforços

contingências da sua circulação.

famosa Ethical Culture Fieldson School. Encorajava os

que o NCLC desenvolveu junto dos decisores políticos

A circulação de fotografias, durante o século XX,

seus alunos a utilizarem a fotografia como ferramenta

para que, no âmbito do Movimento da Reforma Pro‑

foi quase exclusivamente assegurada pela imprensa

pedagógica e as suas classes faziam trabalho de campo

gressista, fosse aprovada legislação para acabar com as

ilustrada. Nessa medida, a tentativa de traçar uma

na Ilha de Ellis e no porto de Nova Iorque, fotografando

práticas da exploração do trabalho infantil.

fronteira entre a dimensão noticiosa e a dimensão

os milhares de emigrantes que diariamente chegavam

Os trabalhos fotográficos pioneiros de Lewis W.

puramente cívica da fotografia é extremamente

àquele país. Entre 1904 e 1909, Lewis W. Hine e os

Hine deram frutos logo nos anos subsequentes, em

complexa. Dificilmente se consegue estabelecer com

seus alunos recolheram cerca de duzentas fotografias

particular no conjunto de grandes levantamentos foto‑

rigor o estatuto de certas imagens: se documentam,

que integraram um documentário fotográfico, com o

gráficos levados a cabo durante o período da Grande

se denunciam, se testemunham, ou até se assumem

intuito de ser utilizado como ferramenta de mudança

Depressão americana, promovidos pela agência esta‑

várias dessas funções simultaneamente. Uma pos‑

e reforma social.

tal FSA (Farm Security Administration). Os fotógrafos

sível resposta a esse dilema poderá ser encontrada

O trabalho pioneiro de Lewis W. Hine com os seus

que colaboraram com o FSA lançaram as bases do que

na diversidade de modos de ver e é também isso que

alunos despertou o interesse de uma das mais presti‑

viria a ser o documentário fotográfico moderno, foto‑

podemos aprender no gesto de Virginia Woolf. O esta‑

giadas instituições americanas no campo da sociolo‑

grafando extensivamente as precárias condições de

tuto e o papel que as imagens podem assumir está

gia, a Fundação Russel Sage. Foi para essa fundação

vida das populações mais pobres dos Estados Unidos

inteiramente dependente das circunstâncias da sua

que, entre 1906 e 1907 Lewis W. Hine levou a cabo

da América, em particular nas zonas rurais assoladas

produção, da sua circulação e do seu «consumo». Com

um trabalho de campo que recorria extensamente à

pela fome.

efeito, nos nossos dias o empoderamento da fotografia

fotografia, com o objectivo de estudar os hábitos e o

Os levantamentos fotográficos patrocinados pela

resulta, em grande medida, da sua disseminação que é

trabalho das comunidades siderúrgicas de Pittsburgh,

FSA, que anteriormente se designara Resettlement

feita pelos mais diversificados canais disponíveis, pela

Pennsylvania. Nessa medida, colaborou no importante

Administration (RA), fundaram­‑se numa matriz dife‑

web e pelas redes sociais, pela imprensa, por meios

estudo sociológico que ficou conhecido como Pitts-

rente do âmbito sociológico que havia norteado os já

audiovisuais, pela televisão…

burgh Survey, o primeiro levantamento sistemático

citados Pittsburgh Survey e NCLC. No caso da FSA, na

das condições da classe operária numa grande cidade

base dos levantamentos patrocinados por esse orga‑

A DIMENSÃO SOCIAL DA FOTOGRAFIA

americana. As conclusões desse estudo inspiraram

nismo estava a intenção de documentar a actividade

A dificuldade de delimitar a fronteira entre a função

a adopção de reformas laborais que aboliram, para o

do próprio instituto. Contudo essas fotografias foram

puramente noticiosa da fotografia e o seu papel de

operariado siderúrgico, a semana de sete dias e as doze

utilizadas amiúde como material publicitário da FSA

rebate de consciências leva­‑nos a traçar um percurso

horas diárias de trabalho.

e, em última instância, do próprio governo dos E.U.A e

desde os primeiros estudos de Lewis Wickes Hine

O reconhecimento da importante contribuição de

da sua política designada por New Deal. Não devemos

(1874­‑1940), um sociólogo e fotógrafo americano que,

Lewis Hine para o Pittsburgh Survey veio logo em 1908,

esquecer o facto de muitos dos regimes autoritários

ArtScapes 1.indd 20

09-10-2014 23:42:29

europeus coevos disporem de organismos estatais de

mente lutavam pelos direitos dos afro­‑americanos

do país na Guerra do Vietname mereceu desde muito

propaganda, que faziam um uso exaustivo da fotogra‑

contra a segregação racial. O período mais activo dos

cedo uma cobertura mediática nacional com que a luta

fia e do cinema, em particular a União Soviética.

movimentos de defesa dos direitos civis caracteri­zou­

pelos direitos civis não tinha podido contar. Por isso

Efectivamente, o trabalho fotográfico para a FSA

‑se por um conjunto de manifestações não­‑violentas

a mobilização de largas franjas da população contra

realizado por uma plêiade de notáveis fotógrafos,

que ocorreram sobretudo no sul dos E.U.A., onde a dis‑

aquela intervenção bélica no estrangeiro pôde assu‑

como Arthur Rothsein (1915­‑1985), Russell Lee (1903­

criminação contra os afro­‑americanos ainda se fazia

mir, desde logo, ampla dimensão. Foram as extensas

‑1986), Walker Evans (1903­‑1975) ou Dorothea Lange

sentir de forma institucionalizada. Nessas regiões,

coberturas fotográficas dos grandes magazines ilus‑

(1895­‑1965) veio a constituir um modelo efectivo para

as comunidades descriminadas desenvolveram uma

trados, sobretudo a partir do momento em que as

o ensaio fotográfico contemporâneo. Muita da res‑

série de actos de protesto não violento e de desobe‑

fotografias de longas filas de body bags ou de caixões

ponsabilidade por esse facto se deveu a Roy Stryke

diência civil em defesa dos seus direitos. Assinalemos,

cobertos com a bandeira americana começaram a

(1893­‑1975), o supervisor da FSA para a actividade

a título de exemplo, o boicote aos transportes públicos

pontuar as páginas ilustradas da imprensa que a con‑

fotográfica que exemplarmente soube articular os

em Montgomery, Alabama de 1955 e 1956.

testação à guerra se generalizou. No entanto, dessas

levantamentos fotográficos desses colaboradores com

A luta pelos direitos civis nos E.U.A. foi um dos

extensas reportagens fotográficas sobre a Guerra do

as agendas das revistas ilustradas americanas que

melhores exemplos da importância que a fotografia

Vietname, algumas imagens assumiram dimensão

publicaram muitas dessas séries nas suas páginas, em

pôde assumir na denúncia e na mobilização sociais.

particular, como a de Eddie Adams (1933­‑2004) teste‑

particular a revista Life (Marien 2010: 280­‑288). Sendo

Com efeito, um dos mais importantes catalisadores da

munhando o momento da execução à queima­‑roupa de

constituída por fotógrafos com formações e inten‑

participação dos cidadãos afro­‑americanos nas lutas

um suspeito vietcong pelo general Nguyen Ngoc Loan

ções muito diversas, a «equipa» da FSA foi capaz de

pelos direitos civis foi a chocante publicação da foto‑

em 1968 (prémio Pullitzer para fotografia de reporta‑

retratar, de uma forma sistemática mas sensível, uma

grafia do corpo de Emmett Till Goldberg (1991: 200­

gem em 1969) e a de Nick Ut (1951­‑), conhecida como

América profunda e excluída, muito embora lhes tenha

‑201), uma criança assassinada por razões raciais. O

«a rapariga do Napalm» que mostra uma rapariga nua

escapado a dimensão de apelo, pelas circunstâncias

choque desse crime despertou as consciências de mui‑

a gritar, queimada, correndo com um grupo de crian‑

particulares da produção e circulação dessas fotogra‑

tos afro­‑americanos, mas o facto de essa fotografia só

ças a fugirem de um bombardeamento de Napalm em

fias. Esses trabalhos fotográficos estiveram na base

ter sido publicada na imprensa afro­‑americana limitou

1972 (Prémio Pullitzer para fotografia de reportagem

da moderna fotorreportagem e do ensaio fotográfico

o seu impacto junto de toda a nação. Só mais tarde,

em 1973). Ao percorrerem todo o mundo, essas duas

que viriam a ter um significativo desenvolvimento no

colocada perante as chocantes imagens dos abusos

imagens tiveram, como refere Vicky Goldberg, a capa‑

decurso da Segunda Guerra Mundial.

policiais contra os manifestantes pacifistas que inte‑

cidade de catalisar a opinião pública mundial contra

graram as marchas pelos direitos civis1, merecendo

aquele conflito bélico (Goldberg 1991: 226). Porventura

A FOTOGRAFIA E A INTERVENÇÃO POLÍTICA

especial destaque nos magazines ilustrados de grande

foram essas imagens possíveis rastilhos dos processos

Porventura terá sido nos EUA, durante a segunda

tiragem, mesmo de primeira página, a sociedade ame‑

que, em última instância, acabaram por conduzir à

metade da década de 1950 e a de 1960, que o impacto

ricana tomou plena consciência da dimensão e gravi‑

resignação, logo em 1974, do presidente Richard Nixon

da fotografia veiculada pelos meios de comunicação

dade dessas lutas, justificando o gesto do presidente

(1913­‑1994). Deve assinalar­‑se que aquele presidente

social na mobilização de causas políticas e sociais se

John F. Kennedy (1917­‑1963) e do governo federal de

americano duvidava da veracidade da fotografia de

tornou mais evidente. Com efeito, a reivindicação de

impor pela força o direito dos afro­‑americanos de fre‑

Nick Ut, como atesta uma conversa com o seu chefe

direitos civis para os negros americanos agudizou­‑se

quentarem as instituições de ensino superior.

de gabinete Harry R. Haldeman gravada no sistema

21

no pós­‑guerra. Um sentimento colectivo de profunda

Coincidindo, em parte, com a luta pelos direitos

interno da Casa Branca. Foi esse sistema de gravação

G L O B A L A R T S C A P E S

injustiça reforçou as instituições que tradicional‑

civis, a contestação dos americanos ao envolvimento

que permitiu, mais tarde, confirmar o envolvimento do

1

ArtScapes 1.indd 21

09-10-2014 23:42:29

22 G L O B A L A R T S C A P E S 1

presidente no escândalo Watergate, de que o referido

gem. Na institucionalização legal deste encontro, ao

seus ensaios, decorre da reflexão sobre situações

Haldeman foi um dos principais responsáveis.

indivíduo fotografado não é reconhecida a posse de

limite em que existe uma ténue fronteira entre cida‑

direitos de imagem enquanto o fotógrafo que produz

dania e exclusão, a dos territórios palestinianos ocu‑

O CONTRATO CIVIL DA FOTOGRAFIA

a imagem fica detentor dos respectivos direitos legais.

pados por Israel. Aí vivem cidadãos de pleno direito,

Mas afinal, desde o advento da fotografia, que formas

No entanto, a apropriação dos direitos da pessoa foto‑

os israelitas, mas também outros, os palestinianos,

tem vindo a assumir a sua contribuição para cida‑

grafada pelo fotógrafo pressupõe sempre um certo

que se encontram numa espécie de negação dos seus

dania? Cientes da complexidade dos conceitos que a

grau de violência, embora tacitamente admitida desde

direitos de cidadania. O poder é altamente discricio‑

fotografia, enquanto dispositivo de representação,

os primórdios da actividade fotográfica. Essa ordem

nário relativamente aos direitos que podem ser con‑

vem suscitar devemos, no entanto, relembrar que

de relações manteve­‑se praticamente inalterada até

cedidos. E essa concessão é totalmente arbitrária.

muito embora a fotografia tenha quase sempre sido

aos nossos dias. O pacto ou acordo tácito que regula

Num controle de fronteira, um militar israelita está

encarada como agrilhoada ao fardo da representação

os direitos entre fotógrafo e fotografado torna possí‑

investido de um poder discricionário de decidir se uma

da realidade, supondo­‑se geralmente como o mais

vel o encontro fotográfico e, desse encontro, resulta

determinada palestiniana pode passar para fazer uma

rigorosa possível (Tagg 1988: 1­‑33). Contudo, essa ideia

a fotografia. Importa contudo notar que nesse acordo

ecografia imprescindível ao acompanhamento da sua

preconcebida está muito longe de corresponder à rea‑

fotográfico não estava contemplado, até há bem pouco

gravidez. É um jogo absurdo em que justo e injusto são

lidade. No dispositivo fotográfico, as várias instâncias

tempo, o consentimento informado e de forma alguma

objecto de negociação e a que Jean­‑François Lyotard,

que se estendem do registo à visualização da imagem

esse pacto se baseava no conhecimento das condições

em conversa com Jean­ ‑Loup Thébaud, denominou

pressupõem um amplo número de decisões e ligações

de intercâmbio de direitos ou na possibilidade de dis‑

como «pragmática da obrigação» (Roman 2000: 172).

tomadas e estabelecidas pelos operadores envolvidos

cordância relativamente a essas condições.

A fotografia acaba por assumir uma dimensão civil que

em todo o processo. Efectivamente, interessa­ ‑nos

Efectivamente, algumas propostas da académica

desafia essa pragmática visto que pressupõe aquilo a

agora rever apenas a discussão acerca das relações

Ariella Azoulay que rodeiam o conceito que aquela

que Azoulay chamou «contrato civil da fotografia» que

que se estabelecem entre o sujeito da representação

pensadora designou como «contrato civil da fotogra‑

escapa à regulação da autoridade.

e o fotógrafo. Afinal a complexa resolução dessa ques‑

fia» podem servir de base de reflexão acerca da forma

Um dos exemplos apresentados por Azoulay tem

tão situa­‑se na teia das relações do poder sobre a ima‑

como se cruzam fotografia e cidadania. O que o acordo

a capacidade de cruzar transversalmente várias das

gem, estabelecidas entre fotografado e fotógrafo no

tácito em fotografia ou no retrato fotográfico estabe‑

questões inerentes ao referido «contrato civil da foto‑

momento da produção de uma representação fotográ‑

lece é que ambas as partes possam reconfirmar o equi‑

grafia». Em 1988 o fotógrafo Miki Kratsman (1959­‑),

fica. A dificuldade de definir e delimitar os contornos

líbrio de poder que se estabelece entre elas sem haver

do jornal Hadashot foi enviado ao campo de refugia‑

dessa teia de relações foi abordada pela investigadora

uso manifesto da força. Ou seja, quando a câmara

dos de Balata, na margem ocidental do rio Jordão, em

Ariella Azoulay na sua obra The civil contract of photo-

dá início a um encontro entre fotografado e fotó‑

conjunto com o repórter Zvi Gilat e a tradutora Amira

graphy (Azoulay 2008: 105­‑106).

grafo, cada qual deve ser responsável pela sua parte

Hassan. Nesse campo foram interpelados por uma

Reflectindo sobre as relações entre fotografados e

do acordo tácito e saber o que é esperado de si nesse

mulher palestiniana, a Srª Abu­‑Zohir, que pediu para

fotógrafos, Ariella Azoulay parte de situações de uma

encontro, o que dispensa a formalização dos termos e

lhe serem fotografadas as pernas, porque tinham sido

violência limite de natureza política e social para con‑

a sua redação. Daí que se possa considerar que, mesmo

atingidas com balas de borracha disparadas por sol‑

seguir definir, de uma forma mais clara, a natureza

de forma tácita, se instituiu um contrato civil (Azoulay

dados israelitas. O fotógrafo procurou descartar­‑se do

das relações estabelecidas. Na situação clássica do

2008: 110­‑112).

pedido da mulher palestiniana, sabendo de antemão

retrato fotográfico, a câmara medeia o encontro entre

O conceito de «contrato civil da fotografia», que

que a redação do jornal preferiria imagens bem mais

o fotógrafo e o fotografado, sendo produzida uma ima‑

Ariella Azoulay tem abordado nos seus filmes e nos

chocantes do que as de ferimentos de balas de bor‑

ArtScapes 1.indd 22

09-10-2014 23:42:29

racha. No entanto a mulher foi insistente agindo de

A aceitação universal do contrato civil da fotografia

were being rescued from the rubble. I remember

forma singular, como se fosse seu direito pedir para ser

baseia­‑se no facto de essa actividade se reger generica‑

the frightened eyes of relatives — I was exhausted

fotografada e fosse dever de todos testemunharem o

mente por um certo conjunto de princípios, a generali‑

both mentally and physically. Around 2 a.m., I

abuso de que fora vítima, um dever que não é fundado

dade, a acessibilidade, a publicidade, a transparência, a

found a couple embracing each other in the rubble.

na lei, no estado (até porque ela, como palestiniana,

neutralidade e a imparcialidade. Isso não significa que

The lower parts of their bodies were buried under

não é considerada cidadã em Israel), ou na soberania,

esses princípios não sejam amiúde violados em várias

the concrete. The blood from the eyes of the man

o seu direito à fotografia funda­‑se no contrato civil da

circunstâncias, sujeitos a restrições e condicionalis‑

ran like a tear. When I saw the couple, I couldn’t

fotografia. Ela procurou ser reconhecida como uma

mos dos mais diversos tipos. Por outro lado, actual‑

believe it. I felt like I knew them — they felt very

das governadas através da (e com a) fotografia.

mente, o contrato civil da fotografia desvia cada vez

close to me. I looked at who they were in their last

Mas perante o pedido do fotógrafo para observar

mais o enfoque da relação entre fotógrafo e fotografado

moments as they stood together and tried to save

os ferimentos ela recusou, não exporia as suas pernas

para se virar para a ética do espectador. O espectador

each other — to save their beloved lives.

em público. A sua participação no contrato civil da foto-

da fotografia tem vindo gradualmente a abandonar a

Every time I look back to this photo, I feel

grafia, neste caso, é um acordo de se deixar fotografar,

atitude meramente passiva para assumir a interven‑

uncomfortable — it haunts me. It’s as if they are

mas não ver, pelo fotógrafo. Troca­‑se então o seguinte

ção, tornando­‑se num actor do próprio contrato civil

saying to me, we are not a number — not only

diálogo:

da fotografia. Um dos aspectos mais evidentes dessa

cheap labor and cheap lives. We are human beings

capacidade de cidadania é assumida através das novas

like you. Our life is precious like yours, and our

O fotógrafo: Mostre­‑me as suas pernas.

formas de circulação da fotografia, em particular atra‑

dreams are precious too.

A Srª Abu Zohir: Eu não lhe mostro as minhas per‑

vés das redes sociais. Trata­‑se afinal do acordo explícito

They are witnesses in this cruel history of

nas. Não vai ver as minhas pernas.

para ser fotografado, do «contrato civil da fotografia».

workers being killed. The death toll is now more

O fotógrafo para a tradutora: Explique­‑lhe que esta

Relembremos, por exemplo, um famoso e polémico sel-

than 750. What a harsh situation we are in, where

foto vai aparecer nos jornais e todo o mundo vai

fie com Barak Obama no funeral de Nelson Mandela e

human beings are treated only as numbers.

ver as pernas dela.

da circulação global dessa imagem. Regressamos, por fim, àquela imagem com que

people responsible don’t receive the highest level

saber se a foto é vista, mas você não vai estar nesta

iniciámos este percurso, a fotografia das duas víti‑

of punishment, we will see this type of tragedy

sala quando eu mostrar as minhas pernas.

mas abraçadas no desmoronamento de uma fábrica

again. There will be no relief from these horrific

Então o fotógrafo preparou a máquina, enqua‑

no Bangladesh, a sua autora, Taslima Akhter (1974­‑),

feelings. I’ve felt a tremendous pressure and pain

drou as saias da Srª Abu Zohir, deixa a câmara nas

testemunhou sobre o que sentiu ao registar aquela

over the past two weeks surrounded by dead bod‑

mãos da tradutora e retira­‑se da sala. A tradutora

imagem:

ies. As a witness to this cruelty, I feel the urge to

I spent the entire day the building collapsed on

cia dos cidadãos, ampliado pelo suporte que as redes

the scene, watching as injured garment workers

sociais asseguram e cujo poder, actualmente, quase se

1

share this pain with everyone. That’s why I want

A mulhar palestiniana enrola os collants para

I have been asked many questions about the photo‑

baixo e levanta a saia mostrando os ferimentos,

graph of the couple embracing in the aftermath of

não fita o fotógrafo ausente, fita a câmara, o espec‑

the collapse. I have tried desperately, but have yet

Com efeito, o tremendo poder dessa horrível visão, que

tador, como se dissesse: Sou a Srª Abu Zohir, estou

to find any clues about them. I don’t know who they

a própria fotógrafa confessa assombrá­‑la, assume­‑se

a mostrar­‑vos as minhas feridas, seguro a minha

are or what their relationship is with each other.

como poderoso instrumento de catálise da consciên‑

saia como uma cortina levantada para que vejam as minhas feridas.

23 G L O B A L A R T S C A P E S

dispara um rolo inteiro de que resulta esta imagem.

ArtScapes 1.indd 23

This photo is haunting me all the time. If the

A Srª Abu Zohir: Uma foto é uma foto. Não quero

this photo to be seen.

09-10-2014 23:42:29

sobrepõe ao dos media tradicionais. Será, porventura,

NOTAS

essa uma das mais importante diferenças em termos

1. Essas imagens foram o mote da obra Race riot (1964) de Andy Wahrol (1928­‑1987).

de cidadania que nos separam, afinal, do tempo de Vir‑ gínia Woolf, a circulação e a mediatização da fotogra‑ fia, que podemos considerar globalização, permite que

BIBLIOGRAFIA

o despertar ou o catalisar das consciências seja hoje

AZOULAY, Ariella (2008), The Civil Contract of Photog-

um fenómeno colectivo, ao contrário de 1930, quando essa circunstância era individual, como sucedeu com Virgínia Woolf.

raphy, Nova Iorque: Zone Books. BATCHEN, Geoffrey et. alt. (2012), Picturing Atrocity: Photography in Crisis, Londres: Reaktion Books, 2012. CARLEBACH, Michael L. (1988), «Documentary and Propaganda: The Photographs of the Farm Secu‑ rity Administration» in The Journal of Decorative and Propaganda Arts, Vol. 8 (Spring), pp. 6­‑25. DIMOCK, George (1993), «Children of the Mills: Re­‑Reading Lewis Hine’s Child— Labour Photo‑ graphs» in Oxford Art Journal, Vol. 16, Nº. 2, pp. 37­‑54. GOLDBERG, Vicki (1991), The Power of Photography: How Photographs Changed Our Lives, Nova Iorque: Abbeville. MARIEN, Mary Warner (2010), Photography: A Cultural History (3ª edição), Londres: Lawrence King Pub‑ lishing Ltd. ROMAN, Joël (2000), Chronique des idées contemporaines, Paris: Breal.

24 G L O B A L A R T S C A P E S

SONTAG, Susan (2004), Regarding the Pain of Others, London: Penguin Books.

1

ArtScapes 1.indd 24

09-10-2014 23:42:29

O PARADOXO DA CIDADE MODERNA: DEMOLIÇÃO «CRIADORA» E CONSERVAÇÃO «RENOVADORA» NOS JARDINS PÚBLICOS EBORENSES paulo simões rodrigues

Abordar os jardins na relação que podem estabelecer

Nas cidades renovadas ou com áreas renovadas,

suas preexistências foi mais complexa que o binómio

com a cidadania é, necessariamente, integrá­‑los no con‑

as intervenções modernizadoras foram ainda mais

destruição e conservação pelo qual foi frequentemente

texto mais amplo da cidade, lugar privilegiado do seu

marcantes e significativas que nas cidades erigidas

entendida pelos seus contemporâneos e continua a ser

exercício, quer pela raiz morfológica da palavra, quer

de raiz porque implicaram o desaparecimento de pré­

por alguma historiografia. Com efeito, a historiografia

pela natureza conceptual da ideia. Sobretudo entre as

‑existências. Assim sucedeu naquela que foi o primeiro

tem privilegiado uma análise demasiado sectorizada

sociedades modernas ocidentais, cujas cidades, levanta‑

modelo, ainda que por vezes distante, da cidade e da

da história da cidade e da história do património,

das de raiz ou remodeladas, foram planificadas no sen‑

cultura urbana da Europa do século XIX, a Paris remo‑

a qual tem favorecido que sejam entendidas como

tido de fomentar uma maior vivência do espaço público.

delada pela orientação do Barão de Haussmann (1809­

duas facções opostas. Principalmente se tomar como

Esta dimensão, a da vivência do espaço público, é a que

‑1891). Na capital francesa, durante a gestão municipal

referência os textos publicados em defesa dos monu‑

melhor define a cidade moderna, mais do que as carac‑

do Barão de Haussmann, a abertura de novas avenidas

mentos nacionais ao longo do século XIX, da autoria

terísticas físicas e materiais da sua planificação, pois

e praças implicou a demolição dos velhos bairros da

de Alexandre Herculano, Almeida Garrett e Ramalho

estas últimas estão subordinadas à primeira, não sendo

cidade, acção que suscitou muitas críticas por parte

Ortigão [Ortigão 1943] em Portugal, ou de Vitor Hugo

neutras, nem apenas funcionais. É pela apropriação e

dos defensores da cidade antiga. As críticas surpreen‑

em França1. Para estes autores, as cidades estavam a

vivência do espaço público que o habitante da urbe se

deram o Barão de Haussmann, que considerava que

ser modernizadas por um progresso pouco respeitador

torna efectivamente cidadão, condição mais política do

a sua intervenção havia garantido a salvaguarda e a

do passado e dos monumentos que o testemunhavam

que topológica, até porque embora público, esse espaço

valorização da memória do passado da cidade pela

no presente, demolidor de todo o edificado antigo que

não deixa de ser socialmente organizado e hierarqui‑

preservação, pelo restauro e pela recontextualização

se considerasse estar a impedir a criação de novas ou

zado. Deste modo, o Jardim Público é uma das estruturas

urbana dos seus principais monumentos históricos,

renovadas formas arquitectónicas, infra­ ‑estruturas

urbanas mais representativas das alterações verificadas

como sucedeu com a Igreja da Notre Dame [Olsen

e áreas urbanas. No entanto, o recurso a fontes mais

no modo de pensar, fazer e viver a cidade a partir do

1986: 296, 306 e 307].

diversificadas e uma sua mais atenta e pormenorizada

25

século XIX: enquanto área arborizada projectada res‑

Apesar de manifestar uma consciência patrimo‑

leitura e interpretação permite concluir que apesar

pondia às novas exigências de higienização, circulação

nial ainda dominada pela lógica do monumento iso‑

das demolições serem um facto, estas foram tomadas

e embelezamento, e acolhia, enquanto espaço de fruição

lado, o ponto de vista do Barão de Haussmann também

como uma destruição criadora, ou seja necessária à

G L O B A L A R T S C A P E S

pública, as práticas da sociabilidade burguesa.

revela como a interacção da cidade moderna com as

introdução de melhoramentos nas cidades. Por outro

1

ArtScapes 1.indd 25

09-10-2014 23:42:29

26 G L O B A L A R T S C A P E S 1

lado, paradoxalmente, essas demolições conviveram e

Évora permaneceu encerrada entre os seus muros

construção do Passeio de Diana, hoje designado de

até se articularam, à semelhança do sucedido em Paris

medievais até ao início do século XX. Desta situação

Jardim Conde de Schomberg, junto ao templo romano,

com o Barão de Haussmann, com a preservação e o

decorreu que todas as alterações urbanas acontecidas

como o seu nome indica3. A decisão camarária de criar

restauro de importantes monumentos nacionais. No

até essa data tiveram que ocorrer na malha construída.

o Passeio de Diana derivou directamente das acções de

entanto, o paradoxo é apenas aparente, pois, na cidade

Logo, implicaram, sempre, a demolição de pré­

valorização e conservação implementadas no templo a

moderna, demolição e conservação nem sempre foram

‑edificado. Assim sucedeu com os dois jardins públicos

partir de 1842.

acções opostas, mas complementares, na intenção de

da Évora oitocentista.

O templo romano de Évora chegou ao século XIX

conciliar passado e presente, preservação e inovação,

A partir de finais da década de 1850, com a paci‑

bastante modificado e a funcionar como açougue

de maneira a que o progresso incorporasse o pretérito

ficação política trazida pela Regeneração e o conse‑

municipal. Provavelmente entre os séculos XIII e XIV,

na sua concretização material, conferindo­‑lhe um sen‑

quente aumento do investimento capitalista, as elites

talvez por altura da instalação do açougue, os seus vãos

tido histórico e legitimando­‑o enquanto instrumento

eborenses começaram a cultivar um certo cosmopo‑

intercolunares foram preenchidos com panos de alve‑

civilizador. O que significa que o passado também

litismo, expresso em hábitos e circuitos de sociabili‑

naria, os quais formavam paredes que subiam acima

poderia ser entendido como um factor de progresso,

dade, recreação e cultura conducentes com os padrões

do nível do entablamento original. As paredes, por sua

embora condicionado à focalização no monumento

de vida da burguesia europeia, os quais implicavam

vez, estavam ameadas. Acedia­‑se ao interior através

isolado, pela qual o valor heurístico do imóvel ou do

novas tipologias arquitectónicas e infra­‑estruturas

de uma porta rasgada na face norte, que era rematada

elemento arquitectónico estava circunscrito às carac‑

urbanas [Fonseca 1996: 206­ ‑220], entre as quais

por um campanário, colocado em 1500. Uma série de

terísticas formais internas do objecto, indiferente à

estavam os jardins públicos. Um dos indícios desta

corpos anexos incorporavam o seu lado ocidental no

coerência histórica e estilística com o contexto urbano

mudança é a verbalização da necessidade de melhorar

edifício do antigo Tribunal do Santo Ofício [Saranto‑

em que estava inserido.

as condições materiais da cidade, designadamente dos

poulos1998; Beirante 1995: 60­‑62]. Em 1836, toma­‑se

Podemos então afirmar que na construção da

problemas de saneamento, de abastecimento de água

a primeira medida no sentido de inverter esta situação

cidade moderna, quer a demolição, quer a conserva‑

e de circulação, a que se somavam o estado adulterado,

e devolver a dignidade monumental ao templo: o então

ção foram selectivas, contemplando, a primeira, o que

empobrecido e degradado da maioria dos conventos e

governador civil do distrito de Évora, António José de

não era considerado significativo para o presente e, a

casas religiosas da cidade [Rodrigues 2007: 56], ainda

Ávila (futuro duque de Ávila e Bolama), ordena o encer‑

segunda, o que se tinha como basilar e exemplar para

verificável pelas imagens fotográficas dos decénios de

ramento do açougue.

a construção desse mesmo presente. Por isso entende‑

1870 e 1880, a estreiteza das ruas e irregularidade dos

Na década seguinte, em 1842, na continuidade

mos, em conformidade com o enunciado no título deste

perfis da arquitectura corrente: «Contem Evora grande

da deliberação de António José de Ávila, o director

texto, que se a demolição é criadora2, a conservação é

numero de ruas estreitas, a sua maioria. É ainda a

da Biblioteca Pública de Évora, Joaquim Heliodoro da

renovadora quando integrada no quadro mais vasto dos

cidade arabe, judaica, e goda nos bairros extremos,

Cunha Rivara (1809­‑1879), toma a iniciativa de propor

melhoramentos modernizadores da cidade, tornando­

como nas freguezias de S. Mamede e em parte das de

à Câmara Municipal de Évora, a entidade proprietária

‑os mais visíveis, mais acessíveis para o estudo ou mais

Santo Antão e de S. Pedro. / Insalubres, doentias, mal

do templo, a demolição dos anexos que o ligavam ao

aptos a dominarem a paisagem urbana, num novo apa‑

cheirosas são essas ruas, já por sua estreteza, já por

edifício da Inquisição e assim isolá­‑lo ao centro de um

rente paradoxo. Veremos de seguida que em Évora, este

não serem canalisadas em sua maior parte e talvez

largo, de modo a recuperar a sua disposição urbana pri‑

aparente paradoxo da demolição criadora e da conser‑

mesmo pelo não poderem ser, por pouco declisovas

mitiva e a conceder­‑lhe o destaque que merecia como

vação renovadora foi fundamental para a construção

(sic) e por não abundarem na cidade aguas para lava‑

o mais relevante e completo monumento romano do

dos seus dois primeiros jardins públicos, estruturas

gens de canos» [Melhoramentos em Évora II 1904].

território português. Solicitava ainda a realização de

urbanas definidoras da cidade oitocentista.

A primeira efectivação da mudança necessária foi a

reparações indispensáveis no templo e que lhe fosse

ArtScapes 1.indd 26

09-10-2014 23:42:29

concedida uma nova função como gliptoteca4 [Saran‑

elegante praça arborizada frente ao alçado norte do

esse motivo, no ano de 1869, também por iniciativa de

topoulos 1998: 95, 98 e 104].

templo — no quadro dos modelos urbanos do século

Augusto Filipe Simões, o templo passou a ser denomi‑

O único obstáculo à concretização das intenções de

XIX, a plantação das árvores também contribuía para

nado Museu Cenáculo [Roteiro da cidade de Evora 1871:

Cunha Rivara era a demolição dos anexos do Tribunal

a salubridade atmosférica do local. Na sequência

15; Simões 1869: 4, 5, 9].

da Inquisição, cuja posse não pertencia à Câmara, mas

dessa decisão, a 30 de Março de 1858, a Câmara Muni‑

O estado de degradação do templo foi­‑se agra‑

à Duquesa de Palmela. Após demoradas negociações,

cipal constituiu uma comissão de cidadãos «zelo‑

vando e, em 1869, Augusto Filipe Simões, apoiado pelos

que se prolongaram até 1844, a Câmara consegue auto‑

sos» para, por meio de uma subscrição voluntária,

conhecimentos técnicos de Caetano da Câmara Manuel

rização do Conselho do Distrito e da rainha D. Maria II

promover as obras de aformoseamento do terreiro

e João Macário dos Santos, engenheiros de obras públi‑

para aforar a Inquisição de Évora por 1200$000 reis

do Templo de Diana. A sua execução levou a cabo a

cas do distrito de Évora, e do arquitecto italiano Giuse‑

anuais e deste modo indemnizar os seus proprietários

regularização do piso do largo ao nível das ruas mais

ppe Cinatti (1808­‑1879) — que à data era responsável

pelas demolições necessárias ao desafrontamento

próximas, intervenção que destruiu parcialmente os

pelo restauro do Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa

do templo [Rodrigues 2008:]. Os anexos de ligação à

muros dos tanques romanos descobertos por Cunha

e pelos projectos do palácio de José Maria Perdigão

Inquisição foram então demolidos, operação que foi

Rivara e obrigou ao derrube de uns casarões do duque

e do Jardim Público em Évora —, publica um relató‑

entendida como um restauro. Com a desobstrução do

de Cadaval em 1859 [Leal 1996: 266, 267].Terminada

rio em que propõe a renovação do Museu Cenáculo, a

perímetro em redor do templo romano de Évora, foi

em 1864, a praça tornou­ ‑se no primeiro jardim

qual incluía a recuperação da pureza da ordem corín‑

possível a Cunha Rivara, coadjuvado por João Rafael de

público de Évora [Simões 1888: 118­‑141]. A dignidade

tia do templo por via da expurgação dos acrescentos

Lemos, que o substituirá à frente da Biblioteca Pública

urbana que as obras de restauro e as novas funciona‑

medievais, no espírito dos princípios teorizados pelo

em 1853, realizar ali as primeiras escavações arqueo‑

lidades confeririam ao templo completavam­‑se com

arquitecto e engenheiro francês Eugène Viollet­‑le­‑Duc

lógicas de 1845 a 1846, quando foram suspensas por

este jardim, «um dos mais bellos passeios públicos

(1814­‑1879). Considerava Augusto Filipe Simões que a

falta de financiamento. Durante a campanha de esca‑

d’Evora» [M. 1866: 3].

reparação das paredes medievais seria, além de dispen‑

vações, foram descobertos os tanques adjacentes ao

Até à década de 1860, a acção da câmara eborense

diosa, de mau gosto, porque perpetuava um vandalismo

templo, parte da base de uma estátua, três fragmen‑

no templo romano ter­‑se­‑á concentrado no seu reen‑

que nunca devia ter sucedido, a adulteração da arqui‑

tos de esculturas, uma pequena medalha e algumas

quadramento urbano: a queda parcial da cobertura,

tectura clássica original. Demoli­‑las, deixando somente

lucernas [Rodrigues 2000: 276, 277; Rodrigues e Matos

provocada pela infiltração da água da chuva, mostra que

o que era obra romana, era vantajoso estética e econo‑

2007: 136, 137]. No mesmo período, Cunha Rivara

a conservação da estrutura do edifício vinha sendo des‑

micamente. Augusto Filipe Simões concluía o relatório

providenciou ainda a colocação de algumas lápides

cuidada [Simões, 1873: 188]. Em 1866, um artigo saído

defendendo a manutenção da colecção arqueológica

antigas no interior do templo, medida que ensaiava a

no jornal O Alentejano aludia ao «soffrível estado» do

dentro do templo, mesmo sem a protecção das paredes

instalação da gliptoteca prevista na proposta apresen‑

templo, ao seu «exterior immundo e d’alguma fórma

pós romanas [Simões 1869: 7­‑9].

tada à Câmara em 1842 [Simões 1873: 188].

repellente» [M. 1866: 1]. No entanto, apesar deste estado

A proposta de Augusto Filipe Simões, no entanto,

27

Finalizada a campanha arqueológica em volta

semi arruinado, Augusto Filipe Simões (1835­‑1884),

encontrou resistências significativas entre os cidadãos

do templo, a atenção do município concentrou­‑se no

director da Biblioteca Pública de Évora desde 1863, con‑

eborenses, divididos em duas facções: a dos defenso‑

arranjo do seu enquadramento urbano, que melho‑

seguiu a autorização municipal para instalar a colecção

res do abandono e consequente desaparecimento do

rado permitiria uma fruição plena dos vestígios da

epigráfica de Frei Manuel do Cenáculo (arcebispo de

monumento ou da sua demolição, a fim de promo‑

arquitectura romana e sublinharia o valor histó‑

Évora de 1802 a 1814 e fundador Biblioteca Pública da

ver a rápida renovação daquela área da cidade; a dos

rico do monumento. Esta foi a principal intenção da

cidade) no interior do templo, medida que concretizava

que pugnavam pela conservação integral do templo,

G L O B A L A R T S C A P E S

Câmara em 1855, quando decidiu rasgar uma nobre e

o projecto da gliptoteca idealizada por Cunha Rivara. Por

com os aditamentos medievais e Quinhentistas, por

1

ArtScapes 1.indd 27

09-10-2014 23:42:29

28 G L O B A L A R T S C A P E S 1

acreditarem que eram de origem islâmica [Simões

(1807­‑1887) [Barata 1872: 166­‑169]. A declaração do

de Évora 1871: 161v e 162; Barata 1872: 197­‑199, 200 e

1873: 189,190; Simões 1888: 118,141], posição muito

Visconde de Juromenha sugere que embora Augusto

201; Simões 1873: 187­‑190; Monte 1985: 58].

próxima da do crítico de arte inglês John Ruskin (1819­

Filipe Simões não o explicite no seu Relatorio acerca do

Filiado nos pequenos jardins municipais que proli‑

‑1900), que entendia os monumentos como estrati‑

Museu Cenaculo, quando pediu ao «artista José Cina‑

feraram pelas cidades do país e da Europa nos séculos

ficações das fases da história5. As pressões exercidas

tti» que visitasse e examinasse o templo de Diana, a

XIX e XX, o Passeio de Diana era pouco mais que uma

pelas duas facções acabaram por suscitar dúvidas

sua intenção seria, desde logo, caso lhe fosse permitido

esplanada arborizada, articulada com a alameda que

no presidente da Câmara, o Visconde da Esperança,

cumprir a obra, entregá­‑la à direcção do arquitecto ita‑

dava acesso à Sé. Por isso, talvez, a decisão munici‑

acerca da opção a tomar. Para chegar a uma solução

liano, estando a sua participação implícita na consulta

pal, tomada por volta de 1864, de construir um jardim

que não o comprometesse politicamente, realizou uma

aos especialistas. Perante a unanimidade dos parece‑

público de maiores dimensões na área da antiga cerca

consulta à escala nacional, a vinte personalidades con‑

res, o restauro do templo romano de Évora inicia­‑se a

do Convento e Paço de S. Francisco, na zona sul da

sideradas autoridades nas áreas da Arqueologia, da

17 de Junho de 1870, com direcção de Giuseppe Cina‑

cidade, contígua ao Rossio de S. Brás. Em termos estri‑

6

História e da Arquitectura . Os pareceres foram unâ‑

tti, embora sob uma nova vereação camarária, devido

tamente arquitectónicos e urbanísticos, a partir dos

nimes, todos os consultados defenderam a expurgação

a entretanto se terem realizado eleições municipais

anos de 1860, nenhuma outra área da cidade concen‑

de todos os elementos não romanos, tidos como ana‑

[Actas da Câmara Municipal de Évora 1870 e 1871: 78v,

trou tantas expectativas de modernização e progresso

crónicos. O medievalista Alexandre Herculano (1810­

161v e 162].

como a do Convento de S. Francisco, que se converterá

‑1877), em Maio de 1870, autorizava o presidente a

A empreitada iniciou­‑se com trabalhos preli‑

no epicentro da Évora burguesa, verdadeiro símbolo

Câmara a transmitir a sua opinião de «que ali não devia

minares que consistiram no levantamento dos ele‑

do desejo de progresso desde que tornara na porta

ficar nada que não fosse primitivo e romano, porque

mentos ou fragmentos com valor histórico e / ou

de entrada da cidade para quem ali chegava pelo

tudo o mais não tinha merecimento algum histórico

artístico depositados no revestimento do templo e

caminho­‑de­‑ferro, cuja estação, inaugurada em 1863,

nem artístico e só poderia servir para arrastar dia a

na realização de uma prospecção no podium. Destes

estava localizada precisamente a sul do perímetro

dia na sua ruína o que era realmente precioso» [Actas

trabalhos resultaram a descoberta de fustes e frag‑

amuralhado, passando o Rossio de S. Brás.

da Câmara Municipal de Évora 1870: 71; Barata 1872:

mentos de capitéis romanos, inscrições, moedas

O processo da construção do Jardim Público de

206, 207]. O escultor Vítor Bastos (1829­‑1894) enten‑

de prata e cobre dos séculos XV e XVI e o conheci‑

Évora começou em 1864, com a cedência à edilidade,

dia que se devia «tirar de cima do monumento a massa

mento de algumas técnicas de construção romanas.

por decreto governamental de 25 de Julho, da posse

informe com seu nicho e espécie de ameias, que asso‑

O núcleo epigráfico depositado no templo foi trans‑

do Convento e Paço de S. Francisco, respectiva cerca

berba o monumento dando a esta bella reliquia uma

ferido para o piso inferior da Galeria das Damas,

e terrenos anexos. Em consequência desta medida,

apparencia militar que está tam pouco em harmonia

um dos corpos arquitectónicos do antigo paço de S.

a antiga estrutura conventual e palaciana foi sendo

com o fim para que o monumento era destinado, e que

Francisco, à altura integrado no novo Jardim Público

paulatinamente demolida até ao ano de 1895, até

sobre o templo é um anachronismo, por isso pertence

da cidade, como explicaremos mais à frente. De

restar apenas a Igreja, o alçado de um dos claustros

a outra epocha». Havia ainda quem também aprovasse

seguida, as paredes intercolunares foram derrubadas

e a denominada Galeria das Damas ou Palácio de D.

o estabelecimento de um museu arqueológico no tem‑

e a arquitrave engatada. A obra ficou concluída com

Manuel, depois de separado do corpo conventual

plo, como António Feliciano de Castilho (1800­‑1875) e

o calcetamento da área de implantação do templo e a

por volta de 1859. O Jardim Público ocupará parte da

Inácio de Vilhena Barbosa (1811­‑1890), ou salientasse

colocação de uma grade para sua protecção do acesso

cerca do convento e do espaço aberto pela primeira

a escolha do italiano Cinatti, «pelo habito de ver monu‑

do público, melhoramentos que também rematavam

fase de demolições do Paço de São Francisco, desig‑

mentos romanos na sua patria», para a realização do

o arranjo urbano da área do templo e do Passeio de

nadamente a área definida pelo baluarte do Príncipe,

restauro, como sucedia com o Visconde de Juromenha

Diana [Simões 1869: 9; Actas da Câmara Municipal

do lado oposto ao do palácio do lavrador José Rama‑

ArtScapes 1.indd 28

09-10-2014 23:42:29

lho Perdigão, onde existia, desde 1837, o Jardim das

tar a despeza, já pelos movimentos da terra que era

natureza incompleta do próprio conceito de ruína tem

Amoreiras.

forçoso realizar, já pelo numeroso pessoal que o trata‑

precisamente esse propósito, de deixar­‑se completar

mento das plantas demandava» [Folha do Sul 1865: 1].

pela divagação de quem a observasse [Simões 1881: 1].

De facto, em 1837, o município de Évora havia tomado posse dos fossos dos baluartes de S. Francisco,

Por tradição, o jardim à inglesa integrava ruínas

As ruínas recriadas pelo arquitecto italiano foram,

desde a Porta do Rossio à do Raimundo e da Piedade

fingidas, estruturas cenográficas que na sua incom‑

no entanto, criticadas pelos escritores e publicistas

à rampa dos Castelos, para aí plantar amoreiras, por

pletude e aparente fragilidade contrastavam com a

Ramalho Ortigão (1836­‑1915) e Fialho de Almeida

ordem da rainha D. Maria II. Em 1838, aproveitando

organicidade dos elementos naturais da paisagem,

(1857­‑1911). As críticas não se dirigiram exactamente

a plantação daquelas árvores, era criado o Jardim das

com a espontaneidade da vegetação e a fertilidade dos

ao objecto inventado, mas à invenção de umas ruínas

Amoreiras no baluarte junto à Porta do Rossio. Pode‑

ciclos da natureza que acentuavam o sentimento de

fingidas numa cidade que abandonava à degradação

mos ver no Jardim Público uma ampliação deste Jardim

transitoriedade transmitido pela ruína, símbolo poé‑

física e demolia muitos dos seus monumentos [Ortigão

das Amoreiras e uma sua reconversão num equipa‑

tico da artificialidade civilizacional, da sua fragilidade

1943: 93], e onde as verdadeiras eram «duma imponên‑

mento urbano de embelezamento, higiene e sociabili‑

perante a passagem do tempo [Simões 1881: 1]. Em

cia a ancher de assombro o mais romanesco peito de

dade, filiado nos parques e passeios públicos que iam

Évora, Cinatti inovou pela integração de algumas das

touriste» [Almeida 2002: 21].

proliferando pelas cidades da Europa, com destaque

estruturas antigas existentes naquela parte da cidade

Em relação à Galeria das Damas, esteve concessio‑

para Lisboa, mas tendo Paris como modelo distante.

no jardim público, designadamente o pavilhão do

nada ao exército desde antes de 1834, tendo existido ali

O desenho do novo jardim pertence a Giuseppe

antigo paço de S. Francisco conhecido pela denomina‑

um depósito militar do Conselho de Guerra. Manteve­

Cinatti, que o riscou sem auferir qualquer remunera‑

ção de Galeria das Damas e um troço da cerca medie‑

‑se na posse dos militares até 1864, ano em que esta

ção. A colocação da entrada oriental do jardim frente à

val que incluía uma torre. Foi a partir deste troço de

foi transferida pelo governo para o município de Évora,

fachada do supracitado palácio de José Maria Perdigão,

muralha que Cinatti criou as ruínas fingidas do jardim

por requerimento deste, justificado pela necessidade

também da autoria de Cinatti, associou urbanística e

«inglês» de Évora entre 1866 e 1867, transformando a

de «acommodação para serviço da municipalidade» e

simbolicamente as duas principais obras do arquitecto

torre num mirante e reintegrando umas janelas e uns

pelo empenhamento que tinha no «aformoseamento

italiano na cidade e reflectiu o generoso contributo

portais tardo­‑góticos que haviam sido retirados de um

da cidade», na conservação e no melhoramento do

financeiro que o lavrador eborense terá doado para a

dos palácios da cidade — o Palácio do Vimioso, locali‑

edifício enquanto monumento, e na sua rentabiliza‑

conclusão do Jardim Público [Folha do Sul 1865: 1].

zado frente à catedral — aquando de uma remodelação

ção com funções adequadas às especificidades da sua

Em Évora, Cinatti optou por uma estética paisa‑

realizada na década de 1840 [Simões 1868: 281, 282;

arquitectura e antiguidade. O motivo do empenho da

gista próxima do jardim à inglesa, pela qual ecoava

Simões 1881: 1; Leal 1996: 269­‑273]. Apelidadas de

Câmara em conseguir a posse da Galeria das Damas

uma modernidade romântica que, comparando com

«pittoresco espectaculo», as Ruínas Fingidas do Jardim

e de lhe atribuir uma mais condigna utilização decor‑

o resto da Europa, chegava tardiamente à cidade alen‑

Público de Évora acentuavam o carácter romântico

ria certamente de esta ter sido integrada no Jardim

tejana. A recriação do que se julgava ser a liberdade e

daquele espaço, quer pelo ambiente dramático que

Público, condição que terá determinado a entrega tam‑

a espontaneidade da natureza, em detrimento de um

criavam, daí o adjectivo cenográficas ser recorrente

bém a Giuseppe Cinatti da direcção das reparações que

ordenamento dentro do espírito racionalista carte‑

nos autores que as abordaram — de lembrar que Cina‑

ali começaram a ser implementadas ainda antes de

siano, terá agradado aos eborenses, até pela economia

tti veio de Itália em 1836 para trabalhar como cenó‑

1867. As reparações então efectuadas consistiram na

de recursos que permitia à sua gestão: «A ideia de fazer

grafo no Teatro Nacional D. Maria II —, quer pela sua

reabertura de dez janelas geminadas de arco em ferra‑

um jardim regular e symetrico, e destinal­‑o à cultura

capacidade de fazer despertar a imaginação de um

dura no piso superior da ala sul e na desobstrução dos

de flores mimosas, poderia agradar a muitos, mas era

passado idealizado em quem as contemplava — e aqui é

arcos do rés­‑do­‑chão da ala norte. Em 1869, procedeu­

G L O B A L A R T S C A P E S

contrariar o gosto da epoca, e por outro lado augmen‑

de imaginação que se trata, mais que evocação, já que a

‑se ao desentulhamento dos vãos dos arcos do piso

1

ArtScapes 1.indd 29

29

09-10-2014 23:42:30

superior da mesma ala norte e começou­‑se a intervir

ferro nas janelas, quer nas pré­‑existentes, quer nas

teiro, enquanto engenheiro, que o aproveitamento

no interior da edificação [Rodrigues 2008: 362­‑366].

rasgadas pelo seu projecto de remodelação. A escada

das vantagens construtivas de um material moderno

No ano seguinte, em sessão camarária, foi apresen‑

de acesso exterior foi substituída por uma escadaria

como o ferro era a melhor homenagem que podia ser

tado um projecto de Cinatti para instalar o tribunal

de duas faces com balcão [Rodrigues e Matos 2007:

prestada à capacidade técnica dos construtores tardo­

judicial de Évora na ala norte e uma sala dedicada a

140,141].

‑medievais da muito próxima igreja de S. Francisco

acolher exposições industriais e reuniões públicas na

Em Março de 1885, ainda a remodelação da Gale‑

— tal como a Galeria das Damas, uma das últimas

ala sul — as funcionalidades condignas com o estatuto

ria das Damas não estava concluída, já o Progresso do

estruturas sobreviventes do antigo convento e paço

monumental do edifício a que obrigava o compromisso

Alentejo a noticiava como fruto de uma «imaginação

de S. Francisco —, capazes de levantar uma arrojada

de entrega da Galeria das Damas ao município em

desvairada em manifesta desarmonia com todas as

nave única, em que o peso da abóbada era todo supor‑

1864 [Simões 1870: 1; Rosas 1995: 110; Leal 1996: 279].

regras da arte e perspectiva». Enquanto o cenógrafo

tado lateralmente [Monteiro 1886: 2v, 3]. No templo

Nenhuma das propostas se terá concretizado, apenas a

e arquitecto italiano Luigi Manini (1848­‑1936) se lhe

tardo­‑gótico de S. Francisco, o engenheiro eborense

colecção epigráfica retirada do templo romano, devido

referiu como a «estufa que estão pondo em cima dos

encontrava uma beleza orgânica, estrutural, sem

ao seu restauro, foi instalada no piso térreo, como

paços de D. Manuel», o escritor Fialho de Almeida con‑

ornamentação superficial, muito próxima da identifi‑

referimos atrás. A função atribuída ao piso superior

siderou­‑a consequência de uma «arquitectura buro‑

cada por Eugènne Viollet­‑le­‑Duc (1814­‑1879) na arqui‑

manteve­‑se imprecisa até ao Inverno de 1881, quando

crática», «uma espécie de gaiola ou estufa, com colunas

tectura gótica francesa [Isac 1987: 60, Bressani 1996:

parte da cobertura do pavilhão abateu. No rescaldo

dóricas, pequenas pilastras de ferro» e a cobertura de

28­‑37]. O que essa beleza o inspirou a fazer no pavilhão

do incidente, a Junta Distrital conseguiu autorização

telha escarlate decorada com «rendinhas de ferro for‑

do paço de D. Manuel aproximava Adriano Monteiro de

camarária para criar um Museu de Produtos Naturais e

jado, pintadas a óleo» [Rodrigues 2008: 367­‑370]. A

uma outra vertente do pensamento daquele arquitecto

Industriais (Exposição Distrital Permanente) na Gale‑

escada antiga fora substituída por uma de «fábrica de

francês, que se constituiu como a principal referência

ria das Damas, retirar o que restava da abóbada danifi‑

conservas, reservada por sua gradezinha da fundição

teórica da arquitectura portuguesa da segunda metade

cada e substituí­‑la por uma cobertura mais ligeira e em

Colares». As janelas, com os vidros presos por «grelhas

da centúria de XIX, a de reencontrar o espírito que

harmonia «com o estylo architectonico do edificio» [O

de ferro forjado», também estavam sujeitas ao «regí‑

havia edificado os monumentos medievais e fazer com

Manuelinho de Évora 1881: 1]. O engenheiro camarário

men das rendinhas e arabescos» do telhado» [Almeida

que voltasse a florescer numa arquitectura moderna,

Adriano Augusto da Silva Monteiro (1846­‑1925) ficou

2002: 22, 23].

no sentido do seu próprio tempo [Viollet­‑le­‑Duc 1867:

encarregado de elaborar o projecto de remodelação do imóvel, apresentado logo no ano seguinte.

1

IX; Francastel: 107]. Na situação específica da Galeria

às críticas que teve a sua acção em Paris, Adriano Mon‑

das Damas, era a recuperação do espírito empreende‑

A campanha de remodelação decorreu de 1883

teiro não compreendeu as acusações que lhe fizeram

dor da Évora do século XVI que se procurava.

a 1887 e resultou na elevação do edificado por inter‑

de «tão grande heresia artistíca […], de […] tamanho

Adriano Monteiro não só recuperava o edifício

médio de uma infra­‑estrutura quase totalmente em

erro». Segundo ele, a reconstrução da Galeria das

refuncionalizando­‑o, como o fazia através de um com‑

ferro fundido, com excepção das colunas e dos cunhais

Damas tinha o mérito de «transformar em coisa útil

promisso que aplicava o metal, um material moderno,

de alvenaria, destacando­ ‑se os tramos rasgados

as ruínas do pouco que existia dos antigos paços reais

na recriação de elementos e motivos formais das gra‑

por amplos janelões formados por um arco abatido,

de Évora», o que acabava por ser uma aproximação

máticas gótica e manuelina, os estilos originais do

preenchidos nos vãos com grelhas de metal recortado

modesta do que se costumava «fazer nos centros de

Paço de S. Francisco. Os grandes janelões do piso supe‑

e vidro, e um lanternim que rematava a cobertura à

grande civilização por motivos de efeito transitório,

rior, que configuravam um amplo e iluminado espaço

semelhança de um mirante. No nível abaixo de esta

como acontece nas grandiosas exposições universais»

expositivo, evocavam a transparência dos vitrais das

estrutura, Adriano Monteiro introduziu caixilhos de

ou «nas festas nacionais». Entendia Adriano Mon‑

catedrais e igrejas góticas, assinalando a génese his‑

30 G L O B A L A R T S C A P E S

À semelhança da reacção do Barão de Haussmann

7

ArtScapes 1.indd 30

09-10-2014 23:42:30

tórica da galeria, ao mesmo tempo que lembravam os

paradoxos, que o restauro e a conservação monumen‑

NOTAS

pavilhões das grandes exposições nacionais e inter‑

tal participaram das políticas de renovação urbana,

nacionais, colocando a Galeria das Damas e o Jardim

em virtude de também terem concorrido, com a demo‑

Público a par dos circuitos e espaços de sociabilidade,

lição, para a criação da cidade moderna.

1. Em particular, os artigos «Monumentos» (I e II) e «Mais um brado a favor dos Monumentos» (I e II), publicados por Alexan‑ dre Herculano na revista O Panorama em, respectivamente, 1838 e 1839; a novela Viagens na Minha Terra de Almeida Gar‑ rett, editada pela primeira vez em 1846; e o artigo «Guerre aux Démolisseurs» de Vitor Hugo, saído na Revue des Deux Mondes em 1832. 2. O conceito de «demolição criadora que utilizamos baseia­ ‑se no de «destruição criadora» proposto por Joan­‑Anton Sám‑ chez de Juan [Sánchez de Juan, J.­‑A. 2000]. 3. O templo romano de Évora é popularmente conhecido pela designação de Templo de Diana. Ficou assim conhecido por via de uma lenda criada no final do século XVI que consignava o templo ao culto da deusa Diana, com a finalidade de o vincular à figura do general romano Sertório e, por meio desta persona‑ gem histórica, atestar o prestígio do passado romano de Évora. Segundo as Vidas Paralelas de Plutarco, Quinto Sertório, que se refugiou na Hispânia durante sete anos aquando das guerras civis romanas do século I, era devoto da deusa Diana. Baptizar o templo romano de Évora de Templo de Diana era uma forma de demonstrar que Sertório havia estado em Évora durante a sua permanência na Hispânia. Actualmente defende­‑se a tese de que seria um templo dedicado ao Imperador e que teria sido erigido na primeira metade do século I a.C. [Rodrigues 2008: 183­‑185, 189, 191, 198­‑200, 207­‑209, 211, 212, 235, 238 e 239]. 4. Biblioteca Pública de Évora ­‑ Correspondência privada de J. H. Cunha Rivara, carta de Francisco Adolfo Varnhagen, s.d. [20 ou 21 de Janeiro de 1842] e carta dirigida ao Governo Civil de Évora, 3 de Fevereiro de 1844. 5. A filosofia patrimonial do historiador e crítico de arte inglês John Ruskin considerava que todas as alterações, aci‑ dentes e mutilações sofridas por um imóvel eram marcas introduzidas pelo tempo, faziam parte da história que os monumentos documentavam. Apagá­‑las era anular a memória dos acontecimentos que as haviam provocado. Ruskin opunha­ ‑se ao restauro estilístico e reconstitutivo da escola francesa, liderada por Eugène Viollet­‑le­‑Duc [Rodrigues 1998: 331­‑333]. 6. Foram eles Alexandre Herculano (historiador), Antó‑ nio Augusto Teixeira de Vasconcelos (escritor, jornalista e vice­‑presidente da Academia de Ciências de Lisboa), Abade

recreação e culto do espírito tão ao gosto do modo de vida burguês, [Rodrigues e Matos 2007: 141, 142]. Ou seja, Adriano Monteiro acreditava que conservara a Galeria modernizando­‑a na forma e na função, levando ao limite o exemplo dos construtores de finais da Idade Média, o que ampliava o seu cariz monumental. Aconteceu, no entanto, que a renovada Galeria das Damas pouco serviu às exposições da Junta Distri‑ tal, ali organizadas apenas pontualmente. O pavilhão acabou por ser usado para salões dançantes, bailes de máscaras, festas infantis, cerimónias solenes e outros eventos sociais e políticos, como a recepção aos reis D. Carlos e D. Amélia na sua visita a Évora em 1899. A partir de 18 de Fevereiro de 1901, passou a receber exibições de dramaturgia popular, o Teatro Eborense, vocacionado para as muitas companhias amado‑ ras que existiam na cidade. Em 1908, iniciam­‑se as concorridas sessões do animatógrafo [Chaves 1949: 317, 318; Godinho 1984­‑1985: 71­‑74]. Assim entrou no quotidiano dos Eborenses, que conviveram com a arquitectura metálica da Galeria das Damas até à sua destruição por um violento incêndio, deflagrado na madrugada do dia 10 de Março de 1916, quando esta‑ vam em exibição as revistas Ou vai ou racha e, ironica‑ mente, Pólvora sem fumo8. Quer no caso do Templo Romano e Passeio de Diana, quer no do Jardim Público, Ruínas Fingidas e Galeria das Damas, identificámos uma noção de progresso que pretendeu integrar elementos selec‑ cionados do passado como modelos e referentes legi‑ timadores. Somente dentro deste quadro conceptual e pelas práticas dele decorrentes se pode afirmar, sem

ArtScapes 1.indd 31

31 G L O B A L A R T S C A P E S 1

09-10-2014 23:42:30

32 G L O B A L A R T S C A P E S

António Dâmaso de Castro e Sousa (historiador), António Feli‑ ciano de Castilho (poeta que fora bibliotecário mor do Reino), Eduardo Allen (director do Museu Municipal do Porto), Fran‑ cisco de Assis Rodrigues (Director Geral da Academia Real de Belas Artes de Lisboa), Francisco da Fonseca Correia Torres, Giuseppe Cinatti (arquitecto), Inácio de Vilhena Barbosa (jor‑ nalista, escritor e historiador), João Correia Aires de Campos (director do Museu Arqueológico do Instituto de Coimbra), João Maria Feijó (engenheiro e arqueólogo), João Pires da Fonte (arquitecto, professor da Academia de Belas Arte de Lisboa e um dos sócios fundadores da Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses), Joaquim Possidónio Narciso da Silva (arquitecto, arqueólogo, sócio fundador e presidente da Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Por‑ tugueses), José Maria de Abreu (catedrático de Filosofia da Universidade de Coimbra), José Maria Eugénio de Almeida (Provedor da Casa Pia e principal responsável pela primeira fase do restauro do Mosteiro dos Jerónimos), José da Silva Men‑ des Leal (escritor, historiador e bibliotecário­‑mor do reino), Luís Augusto Rebelo da Silva (escritor, historiador e um dos primeiros professores de História do Curso Superior de Letras), Manuel Bernardo Lopes Fernandes (numismata e conservador do Gabinete Numismático da Real Academia das Ciências), marquês de Sousa Holstein (Vice Inspector da Academia Real de Belas Artes de Lisboa), Vítor Bastos (escultor e professor de escultura na Academia Portuense de Belas Artes) e o Visconde de Juromenha (erudito) [Actas da Câmara Municipal de Évora 1870, 43v, 44, 49v e 50]. 7. Com as obras do palácio, a colecção epigráfica que viera do templo foi transferida para a Biblioteca Pública [Corrêa 1907: 174, 178]. 8. A Galeria das Damas receberá uma profunda operação de restauro em 1943, dirigida pelos arquitectos Baltazar de Castro e Humberto Reis da Direcção Geral dos Edifícios e Monumen‑ tos Nacionais, que procederão à reconstrução do monumento tal como hoje se nos apresenta [Espanca 1946: 55­‑57].

1

ArtScapes 1.indd 32

FONTES E BIBLIOGRAFIA

SIMÕES, Augusto Filipe (1869), Relatório Acerca da

Fontes impressas

Renovação do Museu do Cenáculo, Dirigido ao

Actas da Câmara Municipal de Évora (1869­‑1872),

Ex.mo Sr. Visconde da Esperança, Presidente da

Livro n.º 73, 1869­‑1872, sessões de 17 Janeiro, 7

Câmara Municipal de Évora, Évora: Typographia

Fevereiro, 9 Maio e 17 Junho de 1870; 11 Novembro

da Folha do Sul.

de 1871. ALMEIDA, Fialho de (2002), Em Évora, Évora: Diário do Sul [1891]. BARATA, António Francisco (1872), «Restauração do templo romano em Évora», Instituto Vasco da Gama, Nova Goa: Imprensa Nacional. CORRÊA, José Augusto (1907), Cidades de Portugal, Lisboa: Livraria Clássica Editora. Folha do Sul, 18 Fevereiro de 1865. M. (1866), «Variedades. Monumentos de Evora. Sua Conservação — seu aproveitamento — o Templo de

SIMÕES, Augusto Filipe (1870), «Restaurações arqui‑ tectónicas em Évora», O Commercio do Porto, 7 de Setembro. SIMÕES, Augusto Filipe (1873), «O Templo Romano de Évora IX. Conclusão», Artes e Letras, n.º 12. SIMÕES, Augusto Filipe (1881), «Ruinas Fingidas no passeio publico d’Evora», O Manuelinho d’Evora, 25 de Novembro. SIMÕES, Augusto Filipe (1888), «O Templo Romano de Évora», Escriptos Diversos, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1888, pp. 118­‑141.

Diana — O Alvitre», O Alemtejano, 12 e 15 de Junho.

VIOLLET­‑LE­‑DUC, Eugénne (1867), Dictionnaire Rai-

«Melhoramentos em Évora II» (1904), Notícias de

sonné de l’architecture Française du XIe au XVIe

Évora, 27 de Abril.

siécle, Paris: Morel y Lie Editeurs, vol. I.

MONTEIRO, Adriano Augusto da Silva (1886), Memória justificativa do 2º Orçamento suplementar para as

Bibliografia

obras do palácio de D. Manuel. Destinado a exposi-

BEIRANTE, Maria Ângela Rocha (1996), Évora na Idade

ção distrital permanente, Governo Civil de Évora,

Média, s.l.: Fundação Calouste Gulbenkian, Junta

Secção da Junta Geral, Livro 2, n.º 424, doc. 65. O Manuelinho de Évora (1881), 7 Junho. ORTIGÃO, Ramalho (1943), «O Culto da Arte em Por‑ tugal», Arte Portuguesa, Lisboa: Livraria Clássica Editora, Tomo I, pp. 7­‑197 [1896]. Progresso do Alentejo (1885), 25 de Março. Roteiro da cidade de Evora e breve notícia dos seus principaes monumentos (1871), Évora: Imprensa do Governo Civil. SIMÕES, Augusto Filipe (1868), «Ruinas Fingidas no passeio publico de Évora», Archivo Pittoresco, n.º 36.

Nacional de Investigação Científica e Tecnológica. BRESSANI, Martim (1996), «Opposition et équilibre: le rationalisme organique de Viollet­‑le­‑Duc», Revue de l’Art, n.º 112, pp. 28­‑37. CHAVES, Henrique da F. (1949), «As obras no Palácio de D. Manuel», A Cidade de Évora, Évora: Câmara Municipal de Évora, n.º 17­‑18, pp. 317­‑327. ESPANCA, Túlio (1946), «Palácios Reais de Évora», A Cidade de Évora, Évora: Câmara Municipal de Évora, n.º 11, pp. 55­‑57. FONSECA, Helder Adegar (1996), O Alentejo no Século XIX. Economia e Atitudes Económicas. s. l.: Imprensa Nacional — Casa da Moeda.

09-10-2014 23:42:30

FRANCASTEL, Pierre (s.d.), Arte e Técnica nos Séculos XIX e XX. Lisboa: Livros do Brasil. GODINHO, Silva (1984­‑1985), «Temas Oitocentistas

gal de Oitocentos, Tese de Mestrado em História da Arte Contemporânea apresentada à Universidade Nova de Lisboa, Lisboa: FCSH­‑UNL.

Eborenses — IV Série», A Cidade de Évora, Évora:

RODRIGUES, Paulo Simões; MATOS, Ana Cardoso

Câmara Municipal de Évora, n.º 67—68, pp. 63­‑76.

de (2007), «Restaurar para renovar na Évora do

ISAC, Ángel (1987), Ecletismo Y Pesamiento Arquitec-

século XIX», Monumentos, Lisboa: DGEMN, n.º 26,

tonico en España. Discursos, Revistas, Congresos (1846­‑1919), Granada: Deputacion Provincial de Granada.

pp. 134­‑143. ROSAS, Lúcia Maria Cardoso (1995), Monumentos Pátrios. A arquitectura religiosa

LEAL, Joana Esteves da Cunha (1996), Giuseppe Cinatti

medieval — património e restauro (1835­‑1928), Tese de

(1808­‑1879). Percurso e Obra, Tese de Mestrado em

Doutoramento em História da Arte apresentada à

História da Arte Contemporânea apresentada à Universidade Nova de Lisboa, Lisboa: FCSH­‑UNL. OLSEN, D. J. (1986), The City as a Work of Art, London, Paris, Viena. New Haven.

Universidade do Porto, Porto: FL­‑UP. SÁNCHEZ DE JUAN, Joan­‑Anton (2000), «La «destruc‑ ción creadora»: el lenguage de la reforma urbana en tres ciudades de la Europa Mediterránea a fina‑

London: Yale University Press.

les del siglo XIX (Marsella, Nápoles y Barcelona)»,

MONTE, Gil do (1985), Évora, Catedral da Luz… Efemé-

Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografia y

rides, s.l.: s.n. RODRIGUES, Paulo Simões (2008), A Apologia da

Ciencias Sociales, Barcelona: Universidad de Bar‑ celona, n.º 63.
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.