global ‑art ‑scapes (series)
CIDADANIA,PAISAGEM URBANA E JARDIM PÚBLICO CITIZENSHIP, URBAN LANDSCAPE AND PUBLIC GARDENS FILOMENA SERRA (organização/editor)
2014 FA C U L D A D E D E C I Ê N C I A S S O C I A I S E H U M A N A S FA C U LT Y O F S O C I A L S C I E N C E S UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA NEW UNIVERSITY OF LISBON
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Organização: Filomena Serra Investigadora e membro integrado do Instituto de História da Arte, IHA-FCSH-UNL Coordenação científica e editorial: Filomena Serra Conselho editorial e científico: Margarida Acciaiuoli, Ana Rodrigues, Filomena Serra Título da Série: Global Art Scapes Título da Publicação: Cidadania, Paisagem Urbana e Jardim Público Avenida de Berna, 26-C / 1069-061 Lisboa
As contribuições reunidas nesta obra resultaram de
+351 21 790 83 00; Fax: +351 21 790 83 08
um Workshop intitulado Cidadania, Paisagem Urbana
[email protected]
e Jardim Público organizado por Ana Rodrigues e Filomena Serra, em 13 de Maio de 2013, no âmbito do
Capa, grafismo e paginação: Pedro Serpa
curso da Pós‑Graduação Jardins e Paisagem
Imagem da p.7: Andy Goldsworthy Impressão e acabamento: Tipografia Várzea da Rainha Editores, S.A.
The papers collected in this volume are the result
www.varzeadarainha.pt
of the workshop on Citizenship, Urban Landscape and Public Gardens, organized by Ana Rodrigues
ISBN: 978-989-20-5115-4
and Filomena Serra, on May 13, 2013, during the
Depósito legal:
Postgraduate Course on Gardens and Landscape
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ÍNDICE TABLE
Introdução Introduction
4
Margarida Acciaiuoli / Filomena Serra Autores Authors
5
Cidade, cidadania & espaços públicos The City, citizenship & public spaces
9
Manuel Villaverde Cabral Paradoxos e dilemas da governação das cidades europeias. O caso de Lisboa Paradoxes and dilemas of European cities. The case of Lisbon
15
João Seixas Entrevista Interview Filomena Serra A voz da câmara: fotografia, intervenção, cidadania The voice of the camera: photography, intervention, citizenship
19
Paulo Baptista O paradoxo da cidade moderna: demolição «criadora» e conservação «renovadora» nos jardins públicos eborenses
25
The paradox of the modern city: «creative» demolition and renovating conservation in Évora’s public gardens Paulo Simões Rodrigues Pequenos Jardins Urbanos — o paraíso ali à esquina Small urban gardens — the Paradise at the sreet corner
35
Júlio Moreira A construção do jardim do cidadão: do Passeio Público ao Passeio na Estrela Building the citizen’s garden: from the “Passeio Público” to the Estrela Garden
41
Ana Duarte Rodrigues
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INTRODUÇÃO INTRODUCTION margarida acciaiuoli | filomena serra
Este é o primeiro número de uma publicação que consti‑
Europeu de 2013 ‑, articulado à volta de um debate
This is the first issue of a publication that corresponds
tui a concretização de um projecto antigo, o de divulgar
sobre a “paisagem urbana” e o “jardim público” por
to an old project, which is to disseminate working
working papers originais e textos resultantes de confe‑
ocasião de um workshop organizado no âmbito da Pós
papers and original texts of conferences, seminars,
rências, seminários, colóquios ou workshops realizados
‑graduação de Jardins e Paisagem. Procura‑se com esta
symposia or workshops delivered at the FCSH‑UNL
na FCSH‑UNL no campo da História da Arte e nas áreas
publicação articular investigação e formação, bem
in the field of Art History and related areas in the
afins das Humanidades e das Ciências Sociais. Pela sua
como formação e ensino, actividades que nestes tem‑
Humanities and Social Sciences. By its interdiscipli‑
aspiração interdisciplinar, a publicação não pertence
pos globais parecem viver separadas.
nary ambition, the publication does not belong to a
a um grupo de investigação específico, podendo pois
Sendo o conhecimento, precisamente, nesta era da
specific group of research and can therefore accept
aceitar textos relativos à apresentação de pesquisas em
globalização, tão valioso quanto efémero, considera‑se
texts concerning the presentation of ongoing research
curso de professores, investigadores ou conferencistas
importante trazer à colação a ideia do «global», um dos
of professors, researchers or visiting lecturers from
visitantes provenientes de outras instituições, traba‑
suportes conceptuais desta publicação. E se a actividade
other institutions, as well as research work produced
lhos de investigação produzidos por colaboradores ou
científica tem ou deve ser cada vez mais baseada numa
by collaborators and students of graduate, master’s
alunos dos cursos de pós‑graduação, mestrado e douto‑
actividade colectiva e numa reescrita de programas e
and doctorate courses of the Department of Art His‑
ramento do Departamento de História da Arte, ou ainda
narrativas à escala global, à qual não escapam as múlti‑
tory or other Departments. In this sense, the publi‑
de outros departamentos. Neste sentido, a publicação
plas paisagens da arte que constroem os mundos mutá‑
cation welcomes articles written by researchers from
acolhe artigos assinados por investigadores de múlti‑
veis em que vivemos, cremos que a atribuição do título
multiple orientations and from different institutional
plas orientações e filiações institucionais. Trata‑se, pois,
Global ArtScapes, devolve plenamente esse sentido.
affiliations. Its aim is, therefore, to promote, preserve
de promover a difusão do trabalho científico, pelo que se pretende também a sua divulgação através de uma 4 G L O B A L A R T S C A P E S 1
and publicize the memory of ideas and work of semi‑ A Coordenação Científica
nars and classes that would otherwise be unknown to
plataforma online que ficará disponível na página do
the scientific community, and we will do so by putting
Departamento de História da Arte da Faculdade. Trata
this knowledge available on an online platform at the
‑se, assim de promover, preservar e divulgar a memória
Department of Art History Page Faculty.
de ideias e de trabalho desenvolvido em aulas e semi‑
The first issue’s main idea is the concept of “citi‑
nários que de outro modo seriam desconhecidos da
zenship” ‑ celebrated as the theme of the European
comunidade científica, colocando esse conhecimento
Year 2013 in articulation with a debate about the
disponível através de uma plataforma online na página
“urban landscape” and the “public garden” on the
do Departamento de História da Arte da Faculdade.
occasion of a workshop organized by the Graduation
O primeiro número tem como ideia principal o
Course on Gardens and Landscape. Our aim is thus to
conceito de «cidadania» ‑ tema comemorativo do Ano
articulate in this publication research, training and
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AUTORES AUTHORS
educational activities which seem to live apart in these
MANUEL VILLAVERDE CABRAL
difusão. Recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e as
global times.
Investigador Emérito do Instituto de Ciências Sociais &
Palmes Académiques da República Francesa. É membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa.
Since knowledge is precisely, in this era of globa‑
Director do Instituto do Envelhecimento da Universidade
lization, as valuable as ephemeral, we consider that it
de Lisboa. Licenciado em Letras (Sorbonne-Paris, 1968)
is important to bring into play the idea of the ‘global’
e Doutor em História (EHSSS-Paris, 1979), foi Research
JOÃO SEIXAS
as one of the conceptual supports of this publication.
Fellow em St. Antony’s College, Oxford (1976-79) e
Professor e investigador universitário nas áreas dos
And if scientific activity is or should be increasingly
Catedrático de História de Portugal em King’s College,
estudos urbanos, da sociopolítica urbana e da econo‑
based on a collective activity and a rewriting of nar‑
Londres (1992-95). Foi também professor visitante na
mia das cidades e das metrópoles. Investigador asso‑
ratives and programs on a global scale, which includes
Universidade de Wisconsin-Madison, USA (Fall 1986), na
ciado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade
the multiple landscapes of art that build the changing
EHESS-Paris (Primavera 1991) e no IUPERJ-Rio de Janeiro
de Lisboa; pesquisador associado do Observatórios
worlds in which we live, we believe then that assigning
(Abril-Julho 2003). Foi Director da Biblioteca Nacional de
das Metrópoles, UFRJ/Brasil. Consultor da Câmara
to this series of publications the title of Global ArtSca‑
Lisboa (1985-90), presidente dos Conselhos Científico e
Municipal de Lisboa e do programa URBACT (Políticas
pes fully returns this meaning.
Directivo do ICS (1991-1997; 2004-2009) e Vice-Reitor da
Urbanas, Comissão Europeia). Comissário da Carta
Universidade de Lisboa (1998-2002 e 2009-2010). Possui
Estratégica de Lisboa. Coordenador de diversos projec‑
extensa obra publicada sobre a sociedade portuguesa
tos científicos e aplicados de desenvolvimento urbano
contemporânea em perspectiva comparada. Dos seus
e de regeneração urbana. Diversas publicações cientí‑
livros mais recentes referem-se O estado da Saúde em
ficas de âmbito nacional e internacional. Livros mais
Portugal (com P. Alcântara, 2009) e Saúde e Doença em
recentes: Urban Governance in Southern Europe (2012,
Portugal (2002), bem como a direcção de várias colectâ‑
Ashgate, Londres); A Cidade na Encruzilhada (2013,
neas como: Sucesso e insucesso: escola, economia, socie-
Afrontamento, Porto); Governação de Proximidade
dade (2008), Cidade & Cidadania: governança urbana e
(INCM, Lisboa, 2014). Professor convidado da Uni‑
participação cidadã (com F. Carreira da Silva e T. Saraiva,
versidade Autónoma de Barcelona e da Universidade
2008) e Desigualdades sociais e percepções da justiça
Federal do Rio de Janeiro. Cronista de temas urbanos
(2003). Tem no prelo os livros Envelhecimento activo
no jornal Público. Sócio e co-administrador da livraria
em Portugal (com Pedro Moura Ferreira) e Processos de
Ler Devagar.
Scientific Coordination
cerca de sete dezenas de artigos científicos e ensaios em
FILOMENA SERRA
revistas e colectâneas portuguesas e estrangeiras. Par‑
Doutorada em História da Arte Contemporânea. Mem‑
G L O B A L A R T S C A P E S
ticipa regularmente na «mídia» portuguesa de grande
bro integrado e investigadora do Instituto de História
1
Envelhecimento (em colaboração). Publicou igualmente
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5
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OS AUTORES
da Arte — Estudos de Arte Contemporânea da FCSH da
qual está a desenvolver uma tese sobre o retrato
de especialização. Pertence ao corpos editorial da
Universidade Nova de Lisboa. Foi Bolseira da Fundação
fotográfico. Tem-se dedicado ao estudo da história da
revista MIDAS — Museus e Estudos Interdisciplinares,
para a Ciência e Tecnologia do Ministério da Educação
fotografia em Portugal e repartido a sua actividade
à comissão científica da Gardens & Landscape of Por-
e da Ciência. Na Faculdade de Ciências Sociais e Huma‑
profissional entre os museus e a fotografia. É
tugal e é membro do Forum Universidade e Patrimó‑
nas lecciona na pós-graduação de Jardins e Paisagem a
investigador do Instituto de História da Arte da FCSH
nio, uma Cátedra UNESCO sediada na Universidade
unidade curricular de «História e Experiência da Paisa‑
— UNL, responsável por projectos de investigação no
Politécnica de Valência (Espanha). Integra as equipas
gem». No âmbito da História da Arte Contemporânea
Museu Nacional do Teatro e colabora com o Arquivo
dos projectos EURECA.net: Explorar e Unificar — Rede
tem publicado artigos em revistas da especialidade.
Fotográfico da DGPC no estudo do espólio fotográfico
de Ensino das Ciências pelas Artes, IMAGOS — Inova-
Publicou A Experimentação Abstracta de Fernando
de Silva Nogueira. Participou na organização de várias
tive Methodologies in Archaeology, Archaeometry and
Lanhas (2007) e René Bertholo Pintura Objectos e
exposições de fotografia portuguesa. É autor de livros,
Geophysics — Engaging Sciences e Cidade e Espectá-
Musikas (2006), na colecção Caminhos da Arte Portu-
artigos e comunicações sobre temas de fotografia e de
culo: uma visão da Lisboa Pré-Terramoto.
guesa da Editora Caminho. Publicou «Almada Negrei‑
museologia e coeditor da revista Gardens & Landsca-
ros e o Manifesto dos Bailados Russos», in Maria João
pes of Portugal. É autor de A Casa Biel e as suas edi-
Castro, Lisboa e os Ballets Russes, Lisboa, imp. Blurb,
ções fotográficas no Portugal de Oitocentos (Colibri/
2012. Tem organizado mesas-redondas e proferido
IHAEAC FCSHUNL, 2009). Organizou o Workshop
conferências em seminários e colóquios. Organizou o
Fotografia-Investigação-Arquivo, Museu Nacional do
Ciclo de Encontro com Artistas, em colaboração com
Teatro em Maio de 2014.
os Artistas Unidos, divulgando a obra fílmica de Jorge Silva Melo sobre artistas portugueses. Tem-se dedi‑ 6 G L O B A L A R T S C A P E S 1
cado também à obra de Almada Negreiros. Apresentou comunicações nos Colóquios Arte e Melancolia (FCSH -UNL, 2010), A Dança e a Música nas Artes Plásticas do século XX (FCSH-UNL, 2011), Arte e Utopia (2012) e ao Colóquio Internacional Almada Negreiros (2013).
JÚLIO CARLOS DOS SANTOS MOREIRA Nasceu em Lisboa a 29 de Janeiro de 1930. É diplomado como Engenheiro Agrónomo e Arquitecto Paisagista, tendo dedicado sempre parte da sua actividade ao domínio da literatura. Durante os primeiros anos de exercício da pro‑
PAULO SIMÕES RODRIGUES
fissão de engenheiro agrónomo, trabalhou para Hof‑
Doutorado em História da Arte pela Universidade de
fmann La Roche em Portugal, noutros países europeus
Évora, onde exerce as funções de Professor Auxiliar
e na América do Sul, como especialista de vitaminas na
do Departamento de História e dirige o CHAIA —
alimentação humana e animal.
Centro de História da Arte e Investigação Artística.
Como arquiteto paisagista, fundou a firma Paisa‑
Na mesma instituição, é também investigador do
gem Lda. em 1973, tendo realizado projectos em todo
Laboratório HERCULES — Estudos de Património
o país, dos quais se destacam em Lisboa o Cemitério de
PAULO BAPTISTA
e Salvaguarda e adjunto da comissão de curso do
Carnide, a Avenida João XXI e as envolventes das Facul‑
Mestre em História da Arte pela FCSH − UNL, onde
Doutoramento de História da Arte. A Arte dos séculos
dades de Direito e Psicologia. Integrada na II Exposição
frequenta actualmente o curso de doutoramento
XIX e XX, a Historiografia da Arte e a História e Teoria
de Design Português, em 1973, efectuou a exposição
em História da Arte Contemporânea, no âmbito do
do Património Artístico são as suas principais áreas
Landscape Design, que constituiu a primeira grande
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manifestação de consciência ecológica em Portugal, e deu origem a dois livros, agora adoptados pelo Plano Nacional de Leitura: «O Mundo é a Nossa Casa «e «A Grande Viagem dos Homens». Em 2012 encerra a firma Paisagem, e confia o res‑ pectivo espólio à Fundação Calouste Gulbenkian, sem prejuízo do prosseguimento da sua actividade como projectista, mas dedicando‑se muito especialmente à obra literária: nove romances, entre outras obras, já publicados, um dos quais prémio PEN Clube em 1994, e uma obra inédita com dois romances, numerosos con‑ tos, ensaios e a poesia de juventude. ANA DUARTE RODRIGUES Doutora em História da Arte. É investigadora do CHAIA/Universidade de Évora e do IHA e do CHAM da FCSH/NOVA e UAç. Estudou no Warburg Institute (2006) e foi fellow de Dumbarton Oaks/Harvard Uni‑ versity em 2013. Tem 12 livros publicados (como autor, co‑autor e editor); 34 capítulos de livros ou artigos em revistas da especialidade e apresentou 49 conferên‑ cias em colóquios nacionais e internacionais. É editora da revista Gardens & Landscapes of Portugal.
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CIDADE, CIDADANIA & ESPAÇOS PÚBLICOS manuel villaverde cabral
Do mesmo modo que urbanismo e urbanidade,
1992), os «direitos políticos» vão sendo adquiridos,
Embora os direitos de cidadania sejam habitual‑
enquanto expressões designando momentos signifi‑
perdidos e reconquistados, nomeadamente o direito de
mente valorizados pela teoria democrática, as abor‑
cativos daquilo a que Norbert Elias chamava «o pro‑
associação e de livre expressão. Assim, o pleno exercício
dagens actuais partem da observação de um défice
cesso civilizador» (Elias 1969 [1939]), provêm do latim
desses direitos no espaço público acabou por se consti‑
crescente da participação política convencional, assim
urbe, também cidade e cidadania provêm de civitate,
tuir como o paradigma da cidadania. Na sequência da
como do declínio da identificação com instituições
o que remete convergentemente para civilização, ou
generalização deste paradigma após a 2.ª Guerra Mun‑
democráticas tais como os parlamentos e os partidos
seja, voltamos a entroncar‑nos com o «processo civi‑
dial, emerge a terceira geração de direitos, os «direitos
(Turner 1993; 1994). Ora, estes desenvolvimentos têm
lizador». Ninguém definiu melhor a cidadania do que
sociais», hoje em dia sob discussão e dos quais não nos
tudo a ver com a relação histórica existente entre o
Max Weber (1921), ao pensar na Europa da Idade Média
ocuparemos directamente aqui.
exercício da cidadania e os espaços citadinos, desde
e do Renascimento, quando evocou o preceito antigo
Em contrapartida, importa notar do ponto de vista
as arcadas aos passeios públicos, passando por certas
segundo o qual «o ar da cidade nos torna livres». A
político, mas também do ponto de vista dos espaços
praças, parques e jardins, como tem acontecido repe‑
cidadania é, pois, matricialmente, o facto de pertencer
públicos onde os direitos políticos se exercem, o facto
tidamente em ocasiões muito recentes desde o Egipto
à cidade e de gozar das suas virtualidades civilizadoras.
de a nacionalização da cidadania (o passaporte) nunca
(Praça Tahir, Cairo) à Ucrânia (Praça Maidan, Kiev),
A começar pela arquitectura e pelas artes que aí terão
ter abolido a matriz urbana da mobilização individual
passando pela Turquia (Parque Gezi, Istambul), repris‑
tido, se não o seu berço, seguramente o seu esplendor.
e colectiva subjacente ao actual conceito de cidadania.
tinando a clássica ágora ateniense!
9
Com o alargamento dessas cidades aos primeiros
Com efeito, depois de estudarmos múltiplas mani‑
Neste texto, mostrar‑se‑ão pois os impactos da
estados‑nação, as novas nacionalidades assumiram a
festações correlativas do exercício da cidadania em
urbanização e da metropolização das grandes aglo‑
forma inicial da cidadania com o advento dos «direi‑
Portugal (Cabral 1997; 2014), verificámos que a cidade
merações urbanas contemporâneas sobre o exercí‑
tos civis», mediante aquilo que Hobbes descreveu no
continua a fornecer à cidadania esse «ar de liberdade»
cio dos direitos cívicos e políticos.1 É aquilo a que já
Leviatã (1651) como a troca da soberania individual pela
que lhe vem dos primórdios greco‑latinos. É nas cida‑
chamámos o «efeito metropolitano» (Cabral 2008).
protecção estatal. Na linha de T. H. Marshall (1950), que
des e nas metrópoles que, sob o efeito «simmeliano»
Veremos, assim, que a vida urbana enquanto tal, con‑
foi o primeiro a teorizar a cidadania contemporânea,
(Simmel 1903) do anonimato e da urbanidade citadi‑
cretamente na área metropolitana de Lisboa, tem um
entre o século XVII e o século XIX, simultaneamente
nos, a cidadania mais e melhor se exerce, como vere‑
impacto indiscutível e por vezes até estatisticamente
G L O B A L A R T S C A P E S
à emergência das «sociedades civis» (Cohen & Arato
mos ser o caso da metrópole de Lisboa.
mensurável nas diferentes modalidades de exercício
1
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da cidadania. Isso contraria aliás, mas só em parte,
político‑administrativa. Isto sustenta, pois, uma maior
tórica inversa entre religiosidade católica e progres‑
certas tendências que levaram autores actuais como
exposição à vida política, bem como uma propensão
sismo político, os cidadãos da Metrópole se situem
Robert Putnam a acreditar que determinadas evolu‑
maior para o envolvimento na esfera pública. Porém,
à esquerda do resto do país com tendência para um
ções recentes das grandes metrópoles estariam, como
as diferenças na composição das duas populações não
exercício mais vigoroso da cidadania. Em compensa‑
de facto estão, a gerar efeitos opostos à produção
são apenas de ordem social e económica. São também
ção, a anomia urbana associada nomeadamente ao
de capital social e à manutenção daquelas redes de
de natureza cultural. É a este nível sobretudo que vão
«urban sprawl» (dispersão urbana) dificulta a forma‑
solidariedade que contribuíam historicamente para
operar as teorias sobre a especificidade da vida urbana,
ção de redes de confiança e participação próprias da
fomentar as modalidades convencionais da cidadania
tais como as expostas por Simmel, Park e Wirth (ver
mobilização social. Confirma‑se, pois, que na grande
(Putnam 2000).
Grafmeyer & Joseph 2004), ao chamarem a atenção
metrópole, devido às próprias características da
para a multiplicidade e diversidade de experiências
modernidade, cedo identificadas por Georg Simmel
que concorrem na grande cidade.
e por Walter Benjamin (1986 [1935]), há factores con‑
Em Portugal, como era de resto previsível, muitas das diferenças de atitudes e comportamentos entre
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a metrópole lisboeta e o resto do país devem‑se às
Simmel escreve: «O fundamento psicológico sobre
trários que operam em simultâneo, por assim dizer,
suas diferentes composições demográficas e sócio
o qual se constrói a individualidade das grandes cida‑
a favor e contra o envolvimento cidadão na esfera
‑culturais. Com efeito, estas populações diferem de
des é a intensificação da estimulação nervosa, que
pública e na vida política.
forma significativa a quase todos os níveis relevantes.
resulta da mudança rápida de estímulos externos e
No que diz respeito aos atributos políticos da popu‑
A composição de classe é muito diversa: as categorias
internos» (Simmel 2004 [1903]: 62). Todavia, a vida
lação, estes são em geral superiores na Metrópole mas
sociais típicas da modernidade, como a nova burgue‑
metropolitana actual é, como dizíamos anteriormente,
baixos em todo o país, o que mostra a relativa indife‑
sia assalariada, o salariato terciário e o próprio ope‑
uma combinatória de efeitos positivos e negativos
renciação entre as populações, constituindo um sin‑
rariado, têm ou tiveram até há pouco tempo muito
para o desenvolvimento de actividades individuais e
toma mais da crise da representação política (Porras
mais peso na metrópole do que no resto do país. Um
colectivas associadas à participação activa na esfera
Nadales 1996), a que já nos temos referido noutras oca‑
facto suplementar é a região de Lisboa contar com a
pública. Por exemplo, a conjugalidade é maior no resto
siões, nomeadamente no plano eleitoral. Obviamente,
presença de cerca de 15% de estrangeiros. Ora, sendo
do país do que na metrópole, onde têm mais peso as
isso dever‑se‑á também à socialização e à experiência
certo que este último segmento populacional contribui
pessoas isoladas. Ora, sabemos desde Durkheim que
políticas dos Portugueses. Embora as diferenças entre
para conferir à metrópole o seu cosmopolitismo carac‑
estas pessoas isoladas tendem a ser menos activas na
os residentes na metrópole de Lisboa e fora dela sejam
terístico, nem por isso deixa esta difusão do multicul‑
esfera cívica do que aquelas que possuem laços fami‑
relevantes, acabam por não ter mais impacto do que
turalismo de entrar em contradição, como argumenta
liares e locais mais fortes, como acontece já nas perife‑
os factores anteriores. No conjunto, é importante reter
Putnam, com as modalidades de exercício clássico da
rias em relação às zonas centrais da grande metrópole.
que é no local de trabalho e com os familiares e amigos,
cidadania associadas às sociedades étnica e cultural‑ mente homogéneas.
Outro factor de ordem cultural, ligado à mobili‑
sobretudo estes últimos, que os habitantes da região
dade espacial, distingue a população da metrópole de
metropolitana de Lisboa reconstroem, por assim dizer,
Trata‑se apenas da primeira das múltiplas mani‑
Lisboa. É a prática religiosa. De acordo com a teoria
a sua socialização, confirmando‑se pois que a discussão
festações da operação simultânea de factores favorá‑
da secularização, a metrópole lisboeta é conhecida há
política é uma prática mais frequente na metrópole e
veis e outros desfavoráveis ao exercício convencional
mais de um século pelos observadores contemporâ‑
que ela ocorre em círculos de sociabilidade alargados
da cidadania. A capital e a sua metrópole possuem,
neos como acentuadamente secularizada. Ora, numa
que permitem falar de processos de criação de capital
por outro, maior capacidade do que o resto do país
sociedade como a portuguesa, marcada como foi e
social. Não é impossível, antes pelo contrário, que a
para captar e reproduzir recursos humanos qua‑
até certo ponto continua a ser pela forte influência do
re‑socialização influencie retrospectivamente a recons‑
lificados em função da sua estrutura económica e
catolicismo, não surpreende que, dada a ligação his‑
trução da própria socialização primária, de acordo
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com os mecanismos sociais que presidem ao facto de
ção super‑abundante, mas sim na motivação para
ram genericamente contra o envolvimento no espaço
uma pessoa se «tornar moderna» ao integrar‑se numa
procurar a informação mais relevante entre o ruído
público e a acção cívica e política, verifica‑se que os
grande comunidade urbana (Inkeles e Smith 1974).
constante produzido pela multiplicidade de meios de
factores positivos da condição metropolitana revelam ser mais fortes do que os primeiros.
Finalmente, no que diz respeito à confiança social,
comunicação. Ora, os habitantes da região metropo‑
é sabido que esta não é um atributo da sociedade portu‑
litana informam‑se de facto mais do que os outros,
Assim, na metrópole de Lisboa as pessoas tendem
guesa (Halman 2001). Acresce que ela tende a diminuir
possuindo assim um peso acrescido no exercício da
a associar‑se mais do que no resto de Portugal, em
nas grandes metrópoles em geral, correlativamente à
cidadania activa.
especial no que diz respeito aos sindicatos e às associa‑
anomia e ao isolamento. É isso que acontece na metró‑
Para terminar este elenco dos atributos e proprie‑
ções profissionais, o que contraria em parte as teses de
pole de Lisboa, confirmando‑se que também em Portu‑
dades destas populações, a verdade é que os actores só
Putnam, pois quem mais participa fá‑lo independente‑
gal a confiança tende a diminuir com a dimensão dos
conhecerão o resultado das suas eventuais iniciativas,
mente do tipo de associação em causa. Contudo, mais
aglomerados populacionais e com a metropolização.
sejam cívicas ou expressamente políticas, depois de as
do que esse capital social acumulado através da adesão
Esta quebra da confiança interpessoal seria, segundo
tomarem. Ora, há uma relação virtuosa entre a tomada
a organizações pré‑constituídas, tais como um partido
Putnam, um factor relevante para o declínio do envol‑
de iniciativas e a resposta dos decisores: a expectativa
ou um sindicato, é sobretudo a auto‑mobilização, de
vimento cívico e político nas actuais grandes áreas
de obter uma boa resposta incita, com efeito, a tomar
carácter tendencialmente expressivo e frequente‑
metropolitanas em virtude das suas recentes modali‑
iniciativas e o facto de estas se repetirem acaba por
mente desinteressado (apoio a «causas», por exem‑
dades de fragmentação urbanística, desde a emergên‑
originar melhores expectativas quanto aos resultados.
plo), que mais socializa e re‑socializa os cidadãos do
cia dos «condomínios fechados» aos «bairros sociais»
Como seria de esperar, tomar iniciativas de natureza
ponto de vista cívico, parecendo ser ela também que
periféricos e aos «dormitórios» da classe média nos
cívica e política é uma propriedade típica da metró‑
deixa maior lastro de memória política.
subúrbios, contribuindo por seu turno cada uma des‑
pole, o que possivelmente se acentua numa cidade
tas formas urbanísticas para dissolver a homogenei‑
‑capital como é o caso de Lisboa.
dade e coesão tendenciais das antigas cidades.
Mais: para além de todos os factores ponderados e de todas as formas de exercício cidadão, verificar
Vimos, pois, até aqui de que modo se manifesta
‑se‑á além disso aquilo que designei inicialmente como
Quanto ao interesse da população pela vida polí‑
o exercício da cidadania e há várias modalidades de
«efeito‑metropolitano», ou seja, observámos que, em
tica, está efectivamente mais difundido na metrópole
o fazer: por um lado, aquilo a que a literatura chama
determinadas circunstâncias, concretamente no caso
do que no resto do país, mas a diferença não é estatis‑
o associativismo, ou seja, a pertença a associações
daquilo a que chamei a auto‑mobilização, o facto em si
ticamente significativa. Por seu turno, a «mobilização
enquanto «proxy» ou substituto do capital social con‑
de habitar a metrópole constitui um incentivo suple‑
cognitiva» corresponde à propensão das pessoas para
vencional (Putnam 1973; Field 2003), e por outro lado,
mentar específico no sentido de exercer os direitos
tentarem influenciar as outras, assim como a frequên‑
a auto‑mobilização, isto é, uma modalidade distinta
individuais de cidadania. Em suma, é através destas
cia com que discutem política. Previsivelmente, esta
e porventura mais recente do envolvimento cívico e
formas individualizadas e grupais da auto‑mobilização
presença de indivíduos com um papel de liderança
político individual ou grupal em manifestações, peti‑
cívica, política e social que os direitos de cidadania
nas discussões políticas é muito mais frequente na
ções, debates na internet, etc. Com estas duas noções
são crescentemente exercidos, em especial na região
metrópole do que no resto do país e também no «cen‑
pretende‑se marcar a diferença entre formas relati‑
metropolitana.
tro» da cidade em relação à sua «periferia». A «mobi‑
vamente passivas de envolvimento como membro de
A utilização da expressão «formas» não é trivial,
lização cognitiva» reflecte a maior complexidade da
uma associação e, por outro lado, formas pró‑activas
pois o elemento novo nas práticas políticas dos habi‑
vida metropolitana e tem aí um peso elevado. Já no que
de mobilização, de tipo pontual e geralmente orien‑
tantes de uma metrópole como Lisboa não é tanto
diz respeito à exposição aos media, o problema, como
tadas para questões específicas. Ora, apesar de todos
o tipo de temas que compõem a sua agenda como,
G L O B A L A R T S C A P E S
sabemos, não reside tanto no acesso a uma informa‑
os factores associados à vida metropolitana que ope‑
sobretudo, as formas de mobilização utilizadas, mais
1
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11
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12 G L O B A L A R T S C A P E S 1
dependentes da iniciativa pessoal e grupal do que da
dania política segundo a modalidade que designámos
Como dissemos, ao distinguir entre a região
convocatória das associações formais. Existe, porém,
como auto‑mobilização. Paralelamente, o associati‑
metropolitana e o resto do país, verificámos que o
como seria aliás de prever, uma correlação significa‑
vismo surge como uma modalidade preferencialmente
perfil de adesão do associativismo ao modelo de aná‑
tiva entre a pertença a associações e o conjunto das
masculina, enquanto a auto‑mobilização se distingue
lise da cidadania, sendo maior na metrópole, é no
modalidades de auto‑mobilização. Esta relação é vir‑
pela saliência das mulheres e dos jovens. Associada
entanto nulo ao nível das variáveis políticas propria‑
tuosa mas a mobilização revela‑se a mais forte das
à juventude e ao género feminino, esta última moda‑
mente ditas, ficando a explicação da variância a dever
duas modalidades. Com efeito, a pertença a associa‑
lidade de participação política revela‑se, além disso,
‑se exclusivamente aos factores sócio‑demográficos
ções formais tende a inserir‑se num processo de acu‑
mais sofisticada e mais selectiva do que as anteriores
e culturais, acrescidos pelo impacto significativo da
mulação de capital social de tipo convencional que está
formas de exercício da cidadania. À parte esses dois
auto‑mobilização, que esta sim é muito mais forte na
em declínio; em vez disso, a mobilização pró‑activa
traços assinalados (idade e género), que demonstram
metrópole do que no resto de Portugal. Ou seja, em
está a gerar sobretudo um tipo diferente de capital
que este tipo de manifestações é literalmente novo,
todo o país, mas muito em especial na metrópole, a
social: uma espécie de «capital de ligação» (linking
porque é assumido em especial pelos jovens e pelas
mobilização acaba por se revelar a variável com maior
social capital), ou seja, um conjunto de «redes soltas
mulheres mais instruídas, à parte isso, os perfis da
peso na explicação do associativismo. Por outras
e abertas (open ended), com participantes variados,
população associada e da auto‑mobilizada não são
palavras, o «capital de ligação» que sustenta muita da
normas partilhadas e objectivos comuns», cujos níveis
demasiado diferentes.
auto ‑mobilização converte ‑se, frequentemente, em
de confiança e de reciprocidade podem ser, no entanto,
Ora, uma vez que a adesão ao modelo da cida‑
«capital social» convencional, através da adesão das
«circunscritos por demandas competitivas» (Baron,
dania que apresentámos é muito superior no caso
pessoas mobilizadas a associações formais ou até da
Field e Schuller 2000:14).
da auto‑mobilização do que no do associativismo, é
criação de novos tipos de associações, como as ONGs,
O argumento do presente texto desenvolveu‑se
lícito concluir que, hoje em dia, o exercício dos direi‑
típicas da «nova cultura política».
assim em torno de dois eixos principais. Por um lado,
tos de cidadania tende a manifestar‑se de forma mais
Quanto à auto‑mobilização, não só ela adere mais
o efeito‑metropolitano, isto é, a influência específica
expressiva através da «geometria variável» da auto
plenamente ao modelo da cidadania, sobretudo na
do facto de viver numa grande zona metropolitana
‑mobilização do que da mera pertença associativa,
metrópole, como o modelo se revela mais sofisticado,
como Lisboa sobre o exercício da cidadania política;
ou seja, através das formas convencionais do capital
pois quase todas as variáveis consideradas contribuem
por outro, a evolução das diferentes modalidades que
social. O declínio destas formas convencionais obser‑
para a sua explicação. Finalmente, assim como a mobi‑
toma esse exercício cidadão. A relação entre os dois
vado por Putnam (2000) parece ser real, mas isso não
lização contribui para explicar a adesão às associações,
temas é tanto mais estreita quanto a metropolização e
dá conta da evolução das novas modalidades de produ‑
também a pertença a estas últimas se revela o factor
a sub‑urbanização estão intimamente ligadas à emer‑
ção de capital social, especialmente do tipo «linking».
mais forte para explicar a auto‑mobilização cidadã,
gência da cultura de massas e, posteriormente, de uma
Do mesmo modo, são reais, como aquele autor salienta,
embora um pouco menos do que o inverso. Neste sen‑
«nova cultura política» (Clark & Hoffman‑Martinot
a fragmentação urbana e o declínio das sociabilidades
tido, o primado e a difusão que esta última modalidade
1997), com uma acentuada marca urbana, orientada
tradicionais, assim como é mostrado para Lisboa pelo
de exercício da cidadania vem gradualmente assu‑
a valores e comportamentos frequentemente desig‑
texto de Mónica Brito Vieira que figura no nosso estudo
mindo contribuem afinal, de maneira muito significa‑
nados como «pós‑materialistas» (Inglehart 1997) e
comum sobre Cidade & Cidadania (Vieira 2008), mas
tiva, para alimentar as formas convencionais da acção
gradualmente desvinculada das clivagens de classe
isso não impede a grande metrópole de continuar a
colectiva.
clássicas, bem como das antigas lealdades partidárias.
produzir, por si só, um efeito de estimulação para a
Convém regressar agora, para concluir, a esses
Ora, é sintomático que o efeito‑metrópole se faça
abertura dos indivíduos à vida pública e à participação
espaços públicos urbanos onde a cidadania tende pois
individual ou colectiva nos movimentos cívicos.
a culminar, após a acção das redes de sociabilidade e
sentir em especial junto de quem exerce a sua cida‑
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do próprio «ar de liberdade» fornecido pela grande
contemporânea constituem, pela sua própria concep‑
NOTAS
cidade, através das formas de expressão mais elabora‑
ção física e simbólica, outros tantos óbices à expres‑
das do exercício‑cidadão. Tais formas são, ao mesmo
são cidadã que as redes informáticas só em parte e
tempo, novas e modernizadoras da acção social, pois
distorcidamente compensariam (Vieira 2008). Com
verificou‑se também que elas promovem a emergência
efeito, a autora é de opinião, como eu próprio, que as
de elites alternativas às camadas dominantes vigentes.
expressões globais fornecidas pelas chamadas redes
Tudo passa pelo espaço público — internético, mediá‑
sociais internéticas, embora encarnando hoje em dia
tico e, incontornavelmente, pelos espaços físicos das
a difusão generalizada dos regimes representativos e
ruas e das praças das grandes cidades.
das temáticas pontuais anti‑globalização, em vez de
1. O presente texto está apoiado no estudo que realizámos em Portugal e no Brasil em 2004 com base no módulo sobre «Cidadania» do International Social Survey Programme, alar‑ gado às metrópoles de Lisboa e do Rio de Janeiro. As afirma‑ ções aqui feitas estão, pois, estatisticamente baseadas nesse inquérito (Cabral, 2008). 2. Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Pruitt—Igoe; também o trailer do filme «The Pruitt‑Igoe Myth: an Urban History» http://vimeo.com/18356414.
As novas geografias urbanas da cidadania, como
formularem uma efectiva cidadania global, começam
lhes chama Mónica Brito Vieira, são porém cada vez
antes por desarticular os públicos diametralmente
menos propícias — para não dizer, mais desfavoráveis
heterogéneos dos cidadãos sem voto — os chamados
BIBLIOGRAFIA
— ao seu exercício. Países de desenvolvimento mais
denizens — que afluem às actuais mega‑metrópoles
BARON, Stephen, FIELD, John, e SCHULLER, Tom (eds.,
recente, como o Brasil, são uma demonstração dessa
perante os «democratas desafectos» e os «cidadãos
2000), Social capital: critical perspectives, Oxford:
fragmentação urbana que perverte as condições histó‑
críticos» das velhas democracias (Norris 1999).
Oxford University Press.
ricas da emergência da cidadania clássica, com os seus
Conforme eu próprio escrevi (Cabral 2014), a cida‑
BENJAMIN, Walter (2000 [1935]), Paris, capitale de
gigantescos condomínios fechados para a «classe alta»,
dania caracteriza‑se hoje, em larga medida, pelo apa‑
l’Europe du 19è. siècle, in Œuvres, Paris: Gallimard,
como Alphaville em S. Paulo (Caldeira 2000), ou com
rente paradoxo de aqueles que têm o direito de voto
essa cidade‑fechada para funcionários que é Brasília,
não o exercerem e aqueles que quereriam votar não
CABRAL, M. V. (2014), Dimensões da cidadania. Mobi-
para não evocar a maciça hetero— e auto‑segregação
terem esse direito. Numa parte considerável, resulta
lização em Portugal numa perspectiva comparada,
das favelas (Vieira 2008). Simultaneamente, no mais
isto de um «desenho urbano» contemporâneo confec‑
Porto: Afrontamento.
desenvolvido dos países, os Estados Unidos, há déca‑
cionado por inspiração de autarquias e de promotores
CABRAL, M. V. (2008), «Efeito metropolitano e cultura
das que o urbanismo modernista aplicado à concentra‑
imobiliários que têm fomentado a desconstrução dos
política: novas modalidades de exercício da cida‑
ção das camadas pobres em subúrbios sociais já levara
espaços públicos de emergência cidadã com a legiti‑
dania na metrópole de Lisboa», in CABRAL, M. V.; F.
à sua própria implosão material, como sucedeu pela
mação da ideologia corporativa arquitectónica e urba‑
C. SILVA & T. SARAIVA (orgs.), Cidade e cidadania:
primeira vez no gigantesco bairro de Pruitt—Igoe em
nística pós‑moderna (Scarfatti‑Larson 1993). Todavia,
governança urbana e participação cidadã em pers-
Saint‑Louis, Missouri 2, como viria aliás a suceder nou‑
neste momento em que o consenso global entrou em
pectiva comparada, Lisboa: Imprensa de Ciências
tras cidades e países.
crise e a austeridade se impõe, a arquitectura e a cons‑
vol. 3, pp. 44‑66.
Sociais.
cent (orgs.) (1998), The new political culture, Boul‑
G L O B A L A R T S C A P E S
der, Colorado: Westview Press.
1
Do mesmo modo, a remissão das funções resi‑
trução apontam, agora, para a reabilitação urbana e
denciais para as periferias; a proliferação paralela
para a reocupação dos centros citadinos. Faz assim
dos centros comerciais (mais próximos dos malls
todo o sentido invocar de novo esse espírito cidadão
CALDEIRA, Teresa (2000), City of walls: Crime, segre-
norte‑americanos do que das galerias e «passagens»
que continuava, há bem pouco tempo, a fazer‑se escu‑
gation, and citizenship in São Paulo, [Oakland]:
oitocentistas que Benjamin evocou); a constituição
tar nas avenidas, praças e outras potenciais ágoras das
University of California Press.
de cidades‑escritórios e «parques temáticos»; o aden‑
metrópoles actuais.
versal que se apoderaram da arquitectura citadina
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CABRAL, M. V. (1997), Cidadania Política e Equidade Social em Portugal, Oeiras: Celta.
CLARK, Terry Nichols, e HOFFMAN‑MARTINOT, Vin‑
samento dos fluxos pendulares e a motorização uni‑ Lisboa, 14 de Abril de 2014
13
09-10-2014 23:42:28
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PARADOXOS E DILEMAS DA GOVERNAÇÃO DAS CIDADES EUROPEIAS. O CASO DE LISBOA entrevista a joão seixas por filomena serra
Esta entrevista ao Professor Doutor João Seixas
exclusivamente sectoriais, ou políticas delimitadas
tornando o mundo mais plano. Em algumas e determi‑
realizou‑se em Abril de 2014. Ela visou de algum
em territórios parcelares e subdivididos administra‑
nantes dimensões, como na acumulação de poder polí‑
modo substituir o texto do workshop na altura
tivamente há muitas décadas. Mas também porque
tico e financeiro, bem pelo contrário.
apresentado, que tem por base o livro A cidade na
a sociedade, o cidadão, exige hoje muito mais da sua
encruzilhada. Repensar a cidade e a sua política
qualidade de vida urbana, desde logo em questões sim‑
E em Lisboa em particular?
(Porto: Afrontamento, 2013). Mantivemos o título
ples do seu dia‑a‑dia, nas questões de equidade sócio
Em Lisboa também se sucedem estes efeitos, e em
da comunicação então realizada pelo autor por nos
‑espacial, mas também em áreas relativamente novas
diversos sentidos. O que deve justamente exigir um
parecer que não desvirtua as perguntas e respostas
na percepção cívica, como nas questões ambientais.
repensar dos espaços da política para as escalas que
da entrevista, muito pelo contrário.
Em termos culturais, interliga‑se muito mais a qua‑
se tornaram mais pertinentes e portanto mais deter‑
lidade de vida urbana às perspectivas e às próprias
minantes, na capital portuguesa. Desde logo, não tem
noções, mesmo que subjectivas, de progresso.
grande cabimento procurar definir estratégias em
Que paradoxos e dilemas, ou melhor que desafios, é que se colocam actualmente, face à globalização,
determinadas áreas vitais, se não for à escala do grande
à governação das cidades europeias?
Há diferenças quanto à dimensão — metrópoles,
sistema metropolitano, visto de forma integrada. O
A governação urbana ganhou, nas décadas mais
capitais, cidades médias?
mesmo para as escalas de maior proximidade — que,
recentes, não só um aumento de relevância, como um
Certamente. Continua a manter‑se uma dinâmica de
por outro lado, necessitam de um mínimo de «massa
aumento de complexidade. Por diversas razões. Pri‑
hierarquias funcionais e políticas entre diferentes
crítica» política para a realização das respectivas polí‑
meiro porque as cidades — ou melhor, a vida urbana,
territórios. Embora essa hierarquia tenha hoje deter‑
ticas. Por outro lado, o governo de Lisboa — nas suas
termo que prefiro porque muito mais abrangente e,
minantes distintos de anteriormente. E embora os
diferentes escalas — tem‑se tornado cada vez mais dis‑
embora não pareça, bem mais objectivo que ‘cidade’
princípios e os direitos basilares do que é urbano sejam
tinto do governo de outros territórios nacionais.
— ganharam elas próprias uma grande complexidade.
e devam ser similares, para diferentes territórios. Ao
Ampliaram e transversalizaram as suas problemáti‑
contrário do que se dizia há uns anos, as recentes
Face às rápidas transformações em curso à escala
cas, as suas questões, das maiores às mais pequenas.
revoluções tecnológicas, sobretudo nos transportes
global, aos interesses particulares de cada Estado e
É redutor, para não dizer negativo, face às exigências
e nas áreas comunicacionais e informacionais, não
à grave crise de recessão, não acha que uma política
G L O B A L A R T S C A P E S
presentes do urbano, desenvolverem ‑se políticas
diminuíram as diferenças e atritos entre os territórios,
urbana europeia contemporânea é só por si utópica
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e que as soluções passam sobretudo pelas vontades
consolidação da governança urbana. Podemos falar
mentos, encontramos os graus conhecimento e de for‑
e esforços de cada um dos estados e respectivas
de elites urbanas em Portugal apostadas numa clara
mação, de associativismo, de interacção socio‑laboral,
autarquias?
política urbana?
de consciencialização política. Mas hoje também pode‑
Não me parece que deva ser vista como uma utopia,
Agora podemos começar a falar, sim. Felizmente. Por‑
mos falar da paisagem urbana e dos habitats onde cada
o desenvolvimento de uma política urbana europeia.
tugal é um país fortemente marcado por um sentido
cidadão vive, trabalha e se movimenta; como elemento
Bem pelo contrário. Porque justamente há uma série
de poder ligado quase em exclusivo ao Estado, e muito
relevante na formação do seu capital sócio‑cultural.
de princípios que devem ser comuns, e claramente
centralista. Como disse o professor José Mattoso, o
definidos; baseados em pressupostos sólidos de sus‑
país nasce mesmo com um pecado original, no qual
Os efeitos da crise parecem ter gerado efeitos de
tentabilidade e de equidade, entre outros. O desen‑
o Estado se instala primeiro que a Nação. Daí que, à
auto‑mobilização nunca antes sentidos na metró‑
volvimento de uma política de escala e de condição
excepção de Lisboa — por razões de Estado, justamente
pole em Portugal. Como poderão ser canalizadas tais
abrangente, pode conduzir a que tais exigências se
— e do Porto — por razões similares, mas em antítese
energias pela governança urbana?
materializem depois a níveis mais locais. Mas também
— o «urbano» raramente tenha sido considerado como
De múltiplas formas. A governação do futuro terá que
porque passa e passará muito pela requalificação da
elemento de poder. Mas as coisas estão a mudar, creio.
ser de natureza multi‑governativa; exercida a vários
vida e do ambiente urbano, a própria transformação
As mais recentes estruturas de governação, não só em
níveis e escalas; sendo essa natureza múltipla a sua
económica e social — e política — da Europa.
Lisboa e no Porto — com justamente uma equipa semi
principal força e segurança. Obviamente, sustentada
‑independente das estruturas corporativas, à frente da
em princípios sólidos, hoje ainda em formação. Daí que
O que se pode aguardar da União Europeia em maté‑
Câmara — mas também noutras cidades portuguesas,
uma cidadania mais empenhada pode ser aproveitada
ria de uma política ambiental que integrasse os par‑
parece mostrar que as elites estão a revelar cada vez
nos mais diversos areópagos, instituições, e formas de
ques e jardins, ao lado das paisagens protegidas, etc.?
mais consciência da importância da cidade.
pressão e de expressão.
Tal como existe — e bem relevante, em termos pedagó‑
De que tipo é o capital sócio‑cultural consolidado que
metrópole e de sistemas urbanos inteiros. Mas note
gicos e normativos — uma convenção europeia da pai‑
essas elites possuem?
‑se que a crise tem potenciado sobretudo factores de
sagem, parece‑me relevante a existência de uma carta
Não existe propriamente um «capital sócio‑cultural
rejeição do status‑quo; embora com elementos de afir‑
de parques e jardins. Embora considere que — tal,
consolidado» para as elites de Lisboa. Até porque estas
mação urbana muito relevantes; ainda não constituem
justamente, como na paisagem — a perspectiva prin‑
elites, nas décadas mais recentes, em certa medida se
propriamente diferentes propostas integradas de um
cipal deva ser não a de simples «preservação», ou a de
fraccionaram e tornaram‑se mais dispersas. Inclusive
novo tipo de progresso; e de consequentes novas for‑
protecção de determinadas áreas ou elementos; mas
pelo território da grande Lisboa. Se por um lado há
mas de governação e de intervenção. Estes são planos
sim a de valorização ampla do que se pode entender
determinados grupos que hoje se mobilizam — inclu‑
vitais a desenvolver.
como parques e jardins, que evidentemente devem ter
sive economicamente — por uma vida fortemente
lugar nos mais diversos e variados espaços urbanos,
urbana; mantêm‑se muitos outros que preferem vidas
Neste colóquio tratou‑se de paisagem urbana e jardins
dos centros históricos aos subúrbios mais precários e
literalmente suburbanas, no que este conceito traduz
públicos. No primeiro caso, temos vindo a assistir à
afastados.
de aproximação e de afastamento face à condição mais
proliferação de condomínios‑privados com os seus res‑
própria das urbes.
pectivos jardins particulares. Não será um paradoxo
Diria que algo similar ao que referi na questão anterior.
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Das escalas da rua e do bairro, até às escalas da
O João fala no seu livro, A cidade na encruzilhada.
Mas existem, certamente, elementos condiciona‑
falar em «paisagem urbana» versus «espaço público»?
Repensar a cidade e a sua política (Porto: Afron‑
dores ou ampliadores do que se poderá definir como
A cidade — ou a vida urbana — é, em si mesma, o maior
tamento, 2013) da influência das elites urbanas na
capital sócio‑cultural de sentido urbano. Entre estes ele‑
espaço público que existe. É uma paisagem urbana de
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natureza sociocultural e política. Daí que a defesa dos
tais que integram, entre outros, o rejuvenescimento
ao genoma da própria humanidade. Resultante bem
espaços públicos, e da sua apropriação colectiva, seja
da população, o ambiente, a segurança, a inovação
mais de opções económicas e políticas do que naturais
essencial.
e a criatividade, no fundo, a identidade da cidade.
ou artísticas, coloca‑se como matéria‑prima para o
Embora o rio seja invocado como um nó central neste
entendimento da nossa geografia colectiva.
Será que existe uma verdadeira política de parques
programa no assumir a cidade como porto, não existe
Os espaços públicos que conjugam centralidade
de lazer e jardins públicos dentro das preocupações
qualquer referência à criação de parques, de jardins
com privacidade — como são os parques e jardins das
da governança das cidades?
ou espaços verdes. Este é um «esquecimento» apa‑
cidades — são espaços públicos exigentes. Estruturam
Em muitas cidades, sim. Mas esta é ainda uma área
rente ou eles estão englobados? Não poderia haver
identidades (esse tão amplo como dúbio elemento);
que necessita de maior suporte e condição, justamente
ideias mais claras sobre o assunto?
permitem reconhecimentos; constroem cidadania. Um
pela sua relevância como elementos nobres de espaço
Fui responsável por uma sexta parte da Carta Estra‑
reconhecimento dos «espíritos de lugar» (ou genius
público.
tégica de Lisboa, a correspondente aos objectivos de
loci) entretanto produzidos nos espaços urbanos: nos
qualificação das estruturas de governação, de admi‑
bairros mais históricos e compactos, mas também nas
O Ministério da Cultura francês tem uma política
nistração e de participação pública. Outras áreas da
mais perdidas periferias sem título mas com similar
nacional dos parques e jardins, para a qual contri‑
Carta Estratégica incidiram, e a meu ver creio que bem,
direito a uma narrativa. Uma cidadania a construir
bui um Conselho Nacional dos Parques e Jardins. Nos
nas questões mais do habitat e das diversas morfolo‑
por entre espaços, habitats e mobilidades complexas;
países europeus os parques e jardins tornaram‑se
gias da cidade. E, segundo creio, sempre com o objec‑
conjugando fortes elementos urbanos e paisagísticos
monumentos históricos, verdadeiras instituições.
tivo de um sentido de qualificação e de apropriação
com texturas mais finas e subtis da vivência e do olhar.
O repensamento da cidade de Lisboa (ou das outras
mais transversal. Numa leitura atenta das diferentes
Parte vital da capacidade mais interpretativa e narra‑
cidades do país) não deveria passar também por
partes da Carta Estratégica, pode ver‑se a preocupação
tiva da paisagem urbana encontra‑se justamente nes‑
uma política de parques e jardins à escala nacional e
com os espaços públicos na cidade.
tas dimensões mais sensoriais.
simultaneamente local?
Configura‑se assim como muito importante, e
Certamente. Mas insisto num ponto previamente
Para finalizar pode em breves palavras dizer o que
para mais nestes tempos fractais em que hoje vivemos,
referido: os parques e jardins não devem ser, no meu
pensa sobre os contributos que um curso de Pós
estruturar paisagens e espaços de reconhecimento,
entender, vistos meramente como «refúgios» e locais
‑graduação de Jardins e Paisagem como o da Faculdade
que tenham a capacidade de serem espaços de signifi‑
de «paisagem protegida». A verdadeira emancipação
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
cado e de experiência; de estimular imaginários, repre‑
deve ser com o seu reconhecimento como espaços vitais
pode oferecer à cidade, ao cidadão e à comunidade?
sentações, desejos. E de esperança, tanto individual
parta a vida urbana, em todo e qualquer local onde esta
A combinação das fortes dinâmicas de urbanização da
como colectiva.
se deva afirmar. Nestes âmbitos, há imenso afazer, dos
humanidade, com as crescentes — embora ainda longe
Assim é a configuração desta relevante pós‑gradua
centros históricos aos subúrbios mais distantes.
de dominantes — consciências ambientais, e conse‑
ção, de natureza transversal e integradora: assumindo
17
quentes propostas de construção de modelos alterna‑
a universidade uma proposta de reflexão sistémica, de
O João Seixas foi, segundo creio, o autor da Carta
tivos de progresso; alavanca a relevância de olhares
revisão e análise crítica, e enfim de estruturação de pai‑
Estratégica de Lisboa 2010‑2024 — Um compromisso
mais transversais sobre a urbanidade. A paisagem é,
sagens humanas e urbanas de maior qualidade.
para o futuro da cidade, um documento orientador
neste sentido, uma exigência transversal. Sendo hoje
importante que se centra à volta de quatro orienta‑
uma construção eminentemente humana, tornou‑se
ções principais para a renovação da cidade a realizar
elemento tanto resultado como explicação dos nos‑
G L O B A L A R T S C A P E S
até 2024 bem como de alguns princípios fundamen‑
sos desejos, contradições, paradoxos; está inerente
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A VOZ DA CÂMARA: FOTOGRAFIA, INTERVENÇÃO, CIDADANIA paulo baptista
Diariamente temos oportunidade de testemunhar o
gladesh. A mulher foi retirada dos escombros, 17 dias
produção têxtil de regiões como o Vale do Ave em Por‑
papel cada vez mais determinante que a fotografia
depois de a fábrica de têxteis em que trabalhava ter
tugal para o Extremo Oriente. Das mais de quatro mil
tem assumido relativamente à forma como olhamos a
colapsado, fruto das deficiências de construção do edi‑
e quinhentas fábricas têxteis a funcionar no Bangla‑
sociedade. Com efeito, podemos considerar que a foto‑
fício e da pesada carga de maquinaria e operários que
desh, a maioria está situada em edifícios de construção
grafia representa uma das mais importantes, senão a
a precária estrutura suportava. O impacto e as con‑
precária ou inapropriada, como sucedeu no caso do
mais importante, forma de mediação visual entre os
sequências políticas imediatas dessa tragédia foram
desastre a que aludimos. Pelas razões apontadas, em
cidadãos e a sociedade que nos rodeia. Com a enorme
consideravelmente potenciadas pela divulgação que
muitos casos essas circunstâncias dizem‑nos muito
facilidade de difusão da informação e, nas últimas
as imagens trágicas e chocantes tiveram, através do
mais respeito do que à primeira vista possa parecer.
décadas, da informação visual contida nas fotografias,
Facebook onde primeiramente circulou a fotografia
A circulação de imagens pelas redes sociais tem
as circunstâncias de interacção social vieram a assumir
de Taslima Akhter (1974‑). O impacto dessa imagem,
contribuído para catalisar as consciências, aglutiná
um impacto global, contribuindo para que os impulsos
que representa o abraço de duas das vítimas mortais
‑las e potenciar as acções de cidadania. O encer‑
para a participação dos cidadãos nos fóruns de inter‑
daquela tragédia, foi tal que acabou por chegar às pági‑
ramento de muitas das fábricas do Bangladesh e o
venção política e social sejam constantes, propicia‑
nas da revista Time que a chegou a considerar um ver‑
propósito político colectivo de denunciar e alterar as
dos pelas múltiplas vias alternativas de circulação da
dadeiro epítome da tragédia, a dor de toda uma nação
condições laborais existentes, foram os efeitos ime‑
informação visual, que há muito suplantaram os media
expressa numa só imagem.
diatos da referida catástrofe e da campanha activista
tradicionais nesse campo. Nos nossos dias somos colo‑
Em termos político‑económico‑sociais estão em
cados perante o verdadeiro paradoxo que resulta da
causa as práticas laborais de países como o Bangla‑
global que se lhe seguiu. O futuro nos dirá das conse‑
circunstância de assistirmos a uma palpável restrição
desh, o segundo exportador mundial de vestuário,
Em Regarding the pain of others Susan Sontag
dos nossos direitos de cidadania ao mesmo tempo que
comercializado por marcas transnacionais como a bri‑
chama a nossa atenção para a importância que repre‑
a consciência individual e a capacidade de intervenção
tânica Primark ou as espanholas Zara, Berska e Mango,
sentara já a menção de Virginia Woolf à repulsa que a
global têm aumentado significativamente.
entre outras, com visibilidade global e presença per‑
guerra lhe suscitava e ao impulso que a escritora sentiu
19
Enquanto preparo esta intervenção (Abril de 2013)
manente nos espaços comerciais de todo o mundo.
de defender a República Espanhola que se encontrava
recebo no Facebook um post relatando o resgate de
Essas práticas, caracterizadas por custos de produção
sob o fogo das forças fascistas. Segundo o seu teste‑
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mais uma sobrevivente da recente tragédia no Ban‑
extremamente baixos, provocaram a deslocalização da
munho, Woolf sentiu esse impulso ao observar um
1
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quências desse processo.
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maço de fotografias que recebeu de Espanha revelando
no início do século XX, terá sido um dos primeiros a
com o convite que lhe foi endereçado para integrar a
atrocidades sobre civis. Esse pacote de fotografias
utilizar a fotografia como uma ferramenta fundamen‑
equipa do National Child Labor Committee (NCLC).
teve a capacidade de despertar a sua consciência. No
tal nos seus estudos sobre trabalho infantil que vieram
Abandonou então a academia e passou a dedicar‑se
entanto é significativo que um conjunto de fotografias,
a ter uma significativa influência na legislação ameri‑
inteiramente ao trabalho de campo. Durante a década
entregue pessoalmente, independentemente do seu
cana de reforma social produzida nesse domínio.
de 1910, Hine estudou e fotografou o trabalho infantil
impacto potencial, apenas possa sensibilizar as pes‑
Lewis W. Hine seguiu uma carreira académica
para a referida agência governamental, em particular
soas que as observam. Efectivamente, o impacto do
cursando sociologia nas universidades de Chicago,
na região americana da Carolina. Esses trabalhos vie‑
poder probatório da fotografia dependeu sempre das
Columbia e Nova Iorque, onde veio a dar aulas, na
ram a ter um papel de destaque como apoio aos esforços
contingências da sua circulação.
famosa Ethical Culture Fieldson School. Encorajava os
que o NCLC desenvolveu junto dos decisores políticos
A circulação de fotografias, durante o século XX,
seus alunos a utilizarem a fotografia como ferramenta
para que, no âmbito do Movimento da Reforma Pro‑
foi quase exclusivamente assegurada pela imprensa
pedagógica e as suas classes faziam trabalho de campo
gressista, fosse aprovada legislação para acabar com as
ilustrada. Nessa medida, a tentativa de traçar uma
na Ilha de Ellis e no porto de Nova Iorque, fotografando
práticas da exploração do trabalho infantil.
fronteira entre a dimensão noticiosa e a dimensão
os milhares de emigrantes que diariamente chegavam
Os trabalhos fotográficos pioneiros de Lewis W.
puramente cívica da fotografia é extremamente
àquele país. Entre 1904 e 1909, Lewis W. Hine e os
Hine deram frutos logo nos anos subsequentes, em
complexa. Dificilmente se consegue estabelecer com
seus alunos recolheram cerca de duzentas fotografias
particular no conjunto de grandes levantamentos foto‑
rigor o estatuto de certas imagens: se documentam,
que integraram um documentário fotográfico, com o
gráficos levados a cabo durante o período da Grande
se denunciam, se testemunham, ou até se assumem
intuito de ser utilizado como ferramenta de mudança
Depressão americana, promovidos pela agência esta‑
várias dessas funções simultaneamente. Uma pos‑
e reforma social.
tal FSA (Farm Security Administration). Os fotógrafos
sível resposta a esse dilema poderá ser encontrada
O trabalho pioneiro de Lewis W. Hine com os seus
que colaboraram com o FSA lançaram as bases do que
na diversidade de modos de ver e é também isso que
alunos despertou o interesse de uma das mais presti‑
viria a ser o documentário fotográfico moderno, foto‑
podemos aprender no gesto de Virginia Woolf. O esta‑
giadas instituições americanas no campo da sociolo‑
grafando extensivamente as precárias condições de
tuto e o papel que as imagens podem assumir está
gia, a Fundação Russel Sage. Foi para essa fundação
vida das populações mais pobres dos Estados Unidos
inteiramente dependente das circunstâncias da sua
que, entre 1906 e 1907 Lewis W. Hine levou a cabo
da América, em particular nas zonas rurais assoladas
produção, da sua circulação e do seu «consumo». Com
um trabalho de campo que recorria extensamente à
pela fome.
efeito, nos nossos dias o empoderamento da fotografia
fotografia, com o objectivo de estudar os hábitos e o
Os levantamentos fotográficos patrocinados pela
resulta, em grande medida, da sua disseminação que é
trabalho das comunidades siderúrgicas de Pittsburgh,
FSA, que anteriormente se designara Resettlement
feita pelos mais diversificados canais disponíveis, pela
Pennsylvania. Nessa medida, colaborou no importante
Administration (RA), fundaram‑se numa matriz dife‑
web e pelas redes sociais, pela imprensa, por meios
estudo sociológico que ficou conhecido como Pitts-
rente do âmbito sociológico que havia norteado os já
audiovisuais, pela televisão…
burgh Survey, o primeiro levantamento sistemático
citados Pittsburgh Survey e NCLC. No caso da FSA, na
das condições da classe operária numa grande cidade
base dos levantamentos patrocinados por esse orga‑
A DIMENSÃO SOCIAL DA FOTOGRAFIA
americana. As conclusões desse estudo inspiraram
nismo estava a intenção de documentar a actividade
A dificuldade de delimitar a fronteira entre a função
a adopção de reformas laborais que aboliram, para o
do próprio instituto. Contudo essas fotografias foram
puramente noticiosa da fotografia e o seu papel de
operariado siderúrgico, a semana de sete dias e as doze
utilizadas amiúde como material publicitário da FSA
rebate de consciências leva‑nos a traçar um percurso
horas diárias de trabalho.
e, em última instância, do próprio governo dos E.U.A e
desde os primeiros estudos de Lewis Wickes Hine
O reconhecimento da importante contribuição de
da sua política designada por New Deal. Não devemos
(1874‑1940), um sociólogo e fotógrafo americano que,
Lewis Hine para o Pittsburgh Survey veio logo em 1908,
esquecer o facto de muitos dos regimes autoritários
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europeus coevos disporem de organismos estatais de
mente lutavam pelos direitos dos afro‑americanos
do país na Guerra do Vietname mereceu desde muito
propaganda, que faziam um uso exaustivo da fotogra‑
contra a segregação racial. O período mais activo dos
cedo uma cobertura mediática nacional com que a luta
fia e do cinema, em particular a União Soviética.
movimentos de defesa dos direitos civis caracterizou
pelos direitos civis não tinha podido contar. Por isso
Efectivamente, o trabalho fotográfico para a FSA
‑se por um conjunto de manifestações não‑violentas
a mobilização de largas franjas da população contra
realizado por uma plêiade de notáveis fotógrafos,
que ocorreram sobretudo no sul dos E.U.A., onde a dis‑
aquela intervenção bélica no estrangeiro pôde assu‑
como Arthur Rothsein (1915‑1985), Russell Lee (1903
criminação contra os afro‑americanos ainda se fazia
mir, desde logo, ampla dimensão. Foram as extensas
‑1986), Walker Evans (1903‑1975) ou Dorothea Lange
sentir de forma institucionalizada. Nessas regiões,
coberturas fotográficas dos grandes magazines ilus‑
(1895‑1965) veio a constituir um modelo efectivo para
as comunidades descriminadas desenvolveram uma
trados, sobretudo a partir do momento em que as
o ensaio fotográfico contemporâneo. Muita da res‑
série de actos de protesto não violento e de desobe‑
fotografias de longas filas de body bags ou de caixões
ponsabilidade por esse facto se deveu a Roy Stryke
diência civil em defesa dos seus direitos. Assinalemos,
cobertos com a bandeira americana começaram a
(1893‑1975), o supervisor da FSA para a actividade
a título de exemplo, o boicote aos transportes públicos
pontuar as páginas ilustradas da imprensa que a con‑
fotográfica que exemplarmente soube articular os
em Montgomery, Alabama de 1955 e 1956.
testação à guerra se generalizou. No entanto, dessas
levantamentos fotográficos desses colaboradores com
A luta pelos direitos civis nos E.U.A. foi um dos
extensas reportagens fotográficas sobre a Guerra do
as agendas das revistas ilustradas americanas que
melhores exemplos da importância que a fotografia
Vietname, algumas imagens assumiram dimensão
publicaram muitas dessas séries nas suas páginas, em
pôde assumir na denúncia e na mobilização sociais.
particular, como a de Eddie Adams (1933‑2004) teste‑
particular a revista Life (Marien 2010: 280‑288). Sendo
Com efeito, um dos mais importantes catalisadores da
munhando o momento da execução à queima‑roupa de
constituída por fotógrafos com formações e inten‑
participação dos cidadãos afro‑americanos nas lutas
um suspeito vietcong pelo general Nguyen Ngoc Loan
ções muito diversas, a «equipa» da FSA foi capaz de
pelos direitos civis foi a chocante publicação da foto‑
em 1968 (prémio Pullitzer para fotografia de reporta‑
retratar, de uma forma sistemática mas sensível, uma
grafia do corpo de Emmett Till Goldberg (1991: 200
gem em 1969) e a de Nick Ut (1951‑), conhecida como
América profunda e excluída, muito embora lhes tenha
‑201), uma criança assassinada por razões raciais. O
«a rapariga do Napalm» que mostra uma rapariga nua
escapado a dimensão de apelo, pelas circunstâncias
choque desse crime despertou as consciências de mui‑
a gritar, queimada, correndo com um grupo de crian‑
particulares da produção e circulação dessas fotogra‑
tos afro‑americanos, mas o facto de essa fotografia só
ças a fugirem de um bombardeamento de Napalm em
fias. Esses trabalhos fotográficos estiveram na base
ter sido publicada na imprensa afro‑americana limitou
1972 (Prémio Pullitzer para fotografia de reportagem
da moderna fotorreportagem e do ensaio fotográfico
o seu impacto junto de toda a nação. Só mais tarde,
em 1973). Ao percorrerem todo o mundo, essas duas
que viriam a ter um significativo desenvolvimento no
colocada perante as chocantes imagens dos abusos
imagens tiveram, como refere Vicky Goldberg, a capa‑
decurso da Segunda Guerra Mundial.
policiais contra os manifestantes pacifistas que inte‑
cidade de catalisar a opinião pública mundial contra
graram as marchas pelos direitos civis1, merecendo
aquele conflito bélico (Goldberg 1991: 226). Porventura
A FOTOGRAFIA E A INTERVENÇÃO POLÍTICA
especial destaque nos magazines ilustrados de grande
foram essas imagens possíveis rastilhos dos processos
Porventura terá sido nos EUA, durante a segunda
tiragem, mesmo de primeira página, a sociedade ame‑
que, em última instância, acabaram por conduzir à
metade da década de 1950 e a de 1960, que o impacto
ricana tomou plena consciência da dimensão e gravi‑
resignação, logo em 1974, do presidente Richard Nixon
da fotografia veiculada pelos meios de comunicação
dade dessas lutas, justificando o gesto do presidente
(1913‑1994). Deve assinalar‑se que aquele presidente
social na mobilização de causas políticas e sociais se
John F. Kennedy (1917‑1963) e do governo federal de
americano duvidava da veracidade da fotografia de
tornou mais evidente. Com efeito, a reivindicação de
impor pela força o direito dos afro‑americanos de fre‑
Nick Ut, como atesta uma conversa com o seu chefe
direitos civis para os negros americanos agudizou‑se
quentarem as instituições de ensino superior.
de gabinete Harry R. Haldeman gravada no sistema
21
no pós‑guerra. Um sentimento colectivo de profunda
Coincidindo, em parte, com a luta pelos direitos
interno da Casa Branca. Foi esse sistema de gravação
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injustiça reforçou as instituições que tradicional‑
civis, a contestação dos americanos ao envolvimento
que permitiu, mais tarde, confirmar o envolvimento do
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presidente no escândalo Watergate, de que o referido
gem. Na institucionalização legal deste encontro, ao
seus ensaios, decorre da reflexão sobre situações
Haldeman foi um dos principais responsáveis.
indivíduo fotografado não é reconhecida a posse de
limite em que existe uma ténue fronteira entre cida‑
direitos de imagem enquanto o fotógrafo que produz
dania e exclusão, a dos territórios palestinianos ocu‑
O CONTRATO CIVIL DA FOTOGRAFIA
a imagem fica detentor dos respectivos direitos legais.
pados por Israel. Aí vivem cidadãos de pleno direito,
Mas afinal, desde o advento da fotografia, que formas
No entanto, a apropriação dos direitos da pessoa foto‑
os israelitas, mas também outros, os palestinianos,
tem vindo a assumir a sua contribuição para cida‑
grafada pelo fotógrafo pressupõe sempre um certo
que se encontram numa espécie de negação dos seus
dania? Cientes da complexidade dos conceitos que a
grau de violência, embora tacitamente admitida desde
direitos de cidadania. O poder é altamente discricio‑
fotografia, enquanto dispositivo de representação,
os primórdios da actividade fotográfica. Essa ordem
nário relativamente aos direitos que podem ser con‑
vem suscitar devemos, no entanto, relembrar que
de relações manteve‑se praticamente inalterada até
cedidos. E essa concessão é totalmente arbitrária.
muito embora a fotografia tenha quase sempre sido
aos nossos dias. O pacto ou acordo tácito que regula
Num controle de fronteira, um militar israelita está
encarada como agrilhoada ao fardo da representação
os direitos entre fotógrafo e fotografado torna possí‑
investido de um poder discricionário de decidir se uma
da realidade, supondo‑se geralmente como o mais
vel o encontro fotográfico e, desse encontro, resulta
determinada palestiniana pode passar para fazer uma
rigorosa possível (Tagg 1988: 1‑33). Contudo, essa ideia
a fotografia. Importa contudo notar que nesse acordo
ecografia imprescindível ao acompanhamento da sua
preconcebida está muito longe de corresponder à rea‑
fotográfico não estava contemplado, até há bem pouco
gravidez. É um jogo absurdo em que justo e injusto são
lidade. No dispositivo fotográfico, as várias instâncias
tempo, o consentimento informado e de forma alguma
objecto de negociação e a que Jean‑François Lyotard,
que se estendem do registo à visualização da imagem
esse pacto se baseava no conhecimento das condições
em conversa com Jean ‑Loup Thébaud, denominou
pressupõem um amplo número de decisões e ligações
de intercâmbio de direitos ou na possibilidade de dis‑
como «pragmática da obrigação» (Roman 2000: 172).
tomadas e estabelecidas pelos operadores envolvidos
cordância relativamente a essas condições.
A fotografia acaba por assumir uma dimensão civil que
em todo o processo. Efectivamente, interessa ‑nos
Efectivamente, algumas propostas da académica
desafia essa pragmática visto que pressupõe aquilo a
agora rever apenas a discussão acerca das relações
Ariella Azoulay que rodeiam o conceito que aquela
que Azoulay chamou «contrato civil da fotografia» que
que se estabelecem entre o sujeito da representação
pensadora designou como «contrato civil da fotogra‑
escapa à regulação da autoridade.
e o fotógrafo. Afinal a complexa resolução dessa ques‑
fia» podem servir de base de reflexão acerca da forma
Um dos exemplos apresentados por Azoulay tem
tão situa‑se na teia das relações do poder sobre a ima‑
como se cruzam fotografia e cidadania. O que o acordo
a capacidade de cruzar transversalmente várias das
gem, estabelecidas entre fotografado e fotógrafo no
tácito em fotografia ou no retrato fotográfico estabe‑
questões inerentes ao referido «contrato civil da foto‑
momento da produção de uma representação fotográ‑
lece é que ambas as partes possam reconfirmar o equi‑
grafia». Em 1988 o fotógrafo Miki Kratsman (1959‑),
fica. A dificuldade de definir e delimitar os contornos
líbrio de poder que se estabelece entre elas sem haver
do jornal Hadashot foi enviado ao campo de refugia‑
dessa teia de relações foi abordada pela investigadora
uso manifesto da força. Ou seja, quando a câmara
dos de Balata, na margem ocidental do rio Jordão, em
Ariella Azoulay na sua obra The civil contract of photo-
dá início a um encontro entre fotografado e fotó‑
conjunto com o repórter Zvi Gilat e a tradutora Amira
graphy (Azoulay 2008: 105‑106).
grafo, cada qual deve ser responsável pela sua parte
Hassan. Nesse campo foram interpelados por uma
Reflectindo sobre as relações entre fotografados e
do acordo tácito e saber o que é esperado de si nesse
mulher palestiniana, a Srª Abu‑Zohir, que pediu para
fotógrafos, Ariella Azoulay parte de situações de uma
encontro, o que dispensa a formalização dos termos e
lhe serem fotografadas as pernas, porque tinham sido
violência limite de natureza política e social para con‑
a sua redação. Daí que se possa considerar que, mesmo
atingidas com balas de borracha disparadas por sol‑
seguir definir, de uma forma mais clara, a natureza
de forma tácita, se instituiu um contrato civil (Azoulay
dados israelitas. O fotógrafo procurou descartar‑se do
das relações estabelecidas. Na situação clássica do
2008: 110‑112).
pedido da mulher palestiniana, sabendo de antemão
retrato fotográfico, a câmara medeia o encontro entre
O conceito de «contrato civil da fotografia», que
que a redação do jornal preferiria imagens bem mais
o fotógrafo e o fotografado, sendo produzida uma ima‑
Ariella Azoulay tem abordado nos seus filmes e nos
chocantes do que as de ferimentos de balas de bor‑
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racha. No entanto a mulher foi insistente agindo de
A aceitação universal do contrato civil da fotografia
were being rescued from the rubble. I remember
forma singular, como se fosse seu direito pedir para ser
baseia‑se no facto de essa actividade se reger generica‑
the frightened eyes of relatives — I was exhausted
fotografada e fosse dever de todos testemunharem o
mente por um certo conjunto de princípios, a generali‑
both mentally and physically. Around 2 a.m., I
abuso de que fora vítima, um dever que não é fundado
dade, a acessibilidade, a publicidade, a transparência, a
found a couple embracing each other in the rubble.
na lei, no estado (até porque ela, como palestiniana,
neutralidade e a imparcialidade. Isso não significa que
The lower parts of their bodies were buried under
não é considerada cidadã em Israel), ou na soberania,
esses princípios não sejam amiúde violados em várias
the concrete. The blood from the eyes of the man
o seu direito à fotografia funda‑se no contrato civil da
circunstâncias, sujeitos a restrições e condicionalis‑
ran like a tear. When I saw the couple, I couldn’t
fotografia. Ela procurou ser reconhecida como uma
mos dos mais diversos tipos. Por outro lado, actual‑
believe it. I felt like I knew them — they felt very
das governadas através da (e com a) fotografia.
mente, o contrato civil da fotografia desvia cada vez
close to me. I looked at who they were in their last
Mas perante o pedido do fotógrafo para observar
mais o enfoque da relação entre fotógrafo e fotografado
moments as they stood together and tried to save
os ferimentos ela recusou, não exporia as suas pernas
para se virar para a ética do espectador. O espectador
each other — to save their beloved lives.
em público. A sua participação no contrato civil da foto-
da fotografia tem vindo gradualmente a abandonar a
Every time I look back to this photo, I feel
grafia, neste caso, é um acordo de se deixar fotografar,
atitude meramente passiva para assumir a interven‑
uncomfortable — it haunts me. It’s as if they are
mas não ver, pelo fotógrafo. Troca‑se então o seguinte
ção, tornando‑se num actor do próprio contrato civil
saying to me, we are not a number — not only
diálogo:
da fotografia. Um dos aspectos mais evidentes dessa
cheap labor and cheap lives. We are human beings
capacidade de cidadania é assumida através das novas
like you. Our life is precious like yours, and our
O fotógrafo: Mostre‑me as suas pernas.
formas de circulação da fotografia, em particular atra‑
dreams are precious too.
A Srª Abu Zohir: Eu não lhe mostro as minhas per‑
vés das redes sociais. Trata‑se afinal do acordo explícito
They are witnesses in this cruel history of
nas. Não vai ver as minhas pernas.
para ser fotografado, do «contrato civil da fotografia».
workers being killed. The death toll is now more
O fotógrafo para a tradutora: Explique‑lhe que esta
Relembremos, por exemplo, um famoso e polémico sel-
than 750. What a harsh situation we are in, where
foto vai aparecer nos jornais e todo o mundo vai
fie com Barak Obama no funeral de Nelson Mandela e
human beings are treated only as numbers.
ver as pernas dela.
da circulação global dessa imagem. Regressamos, por fim, àquela imagem com que
people responsible don’t receive the highest level
saber se a foto é vista, mas você não vai estar nesta
iniciámos este percurso, a fotografia das duas víti‑
of punishment, we will see this type of tragedy
sala quando eu mostrar as minhas pernas.
mas abraçadas no desmoronamento de uma fábrica
again. There will be no relief from these horrific
Então o fotógrafo preparou a máquina, enqua‑
no Bangladesh, a sua autora, Taslima Akhter (1974‑),
feelings. I’ve felt a tremendous pressure and pain
drou as saias da Srª Abu Zohir, deixa a câmara nas
testemunhou sobre o que sentiu ao registar aquela
over the past two weeks surrounded by dead bod‑
mãos da tradutora e retira‑se da sala. A tradutora
imagem:
ies. As a witness to this cruelty, I feel the urge to
I spent the entire day the building collapsed on
cia dos cidadãos, ampliado pelo suporte que as redes
the scene, watching as injured garment workers
sociais asseguram e cujo poder, actualmente, quase se
1
share this pain with everyone. That’s why I want
A mulhar palestiniana enrola os collants para
I have been asked many questions about the photo‑
baixo e levanta a saia mostrando os ferimentos,
graph of the couple embracing in the aftermath of
não fita o fotógrafo ausente, fita a câmara, o espec‑
the collapse. I have tried desperately, but have yet
Com efeito, o tremendo poder dessa horrível visão, que
tador, como se dissesse: Sou a Srª Abu Zohir, estou
to find any clues about them. I don’t know who they
a própria fotógrafa confessa assombrá‑la, assume‑se
a mostrar‑vos as minhas feridas, seguro a minha
are or what their relationship is with each other.
como poderoso instrumento de catálise da consciên‑
saia como uma cortina levantada para que vejam as minhas feridas.
23 G L O B A L A R T S C A P E S
dispara um rolo inteiro de que resulta esta imagem.
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This photo is haunting me all the time. If the
A Srª Abu Zohir: Uma foto é uma foto. Não quero
this photo to be seen.
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sobrepõe ao dos media tradicionais. Será, porventura,
NOTAS
essa uma das mais importante diferenças em termos
1. Essas imagens foram o mote da obra Race riot (1964) de Andy Wahrol (1928‑1987).
de cidadania que nos separam, afinal, do tempo de Vir‑ gínia Woolf, a circulação e a mediatização da fotogra‑ fia, que podemos considerar globalização, permite que
BIBLIOGRAFIA
o despertar ou o catalisar das consciências seja hoje
AZOULAY, Ariella (2008), The Civil Contract of Photog-
um fenómeno colectivo, ao contrário de 1930, quando essa circunstância era individual, como sucedeu com Virgínia Woolf.
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24 G L O B A L A R T S C A P E S
SONTAG, Susan (2004), Regarding the Pain of Others, London: Penguin Books.
1
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O PARADOXO DA CIDADE MODERNA: DEMOLIÇÃO «CRIADORA» E CONSERVAÇÃO «RENOVADORA» NOS JARDINS PÚBLICOS EBORENSES paulo simões rodrigues
Abordar os jardins na relação que podem estabelecer
Nas cidades renovadas ou com áreas renovadas,
suas preexistências foi mais complexa que o binómio
com a cidadania é, necessariamente, integrá‑los no con‑
as intervenções modernizadoras foram ainda mais
destruição e conservação pelo qual foi frequentemente
texto mais amplo da cidade, lugar privilegiado do seu
marcantes e significativas que nas cidades erigidas
entendida pelos seus contemporâneos e continua a ser
exercício, quer pela raiz morfológica da palavra, quer
de raiz porque implicaram o desaparecimento de pré
por alguma historiografia. Com efeito, a historiografia
pela natureza conceptual da ideia. Sobretudo entre as
‑existências. Assim sucedeu naquela que foi o primeiro
tem privilegiado uma análise demasiado sectorizada
sociedades modernas ocidentais, cujas cidades, levanta‑
modelo, ainda que por vezes distante, da cidade e da
da história da cidade e da história do património,
das de raiz ou remodeladas, foram planificadas no sen‑
cultura urbana da Europa do século XIX, a Paris remo‑
a qual tem favorecido que sejam entendidas como
tido de fomentar uma maior vivência do espaço público.
delada pela orientação do Barão de Haussmann (1809
duas facções opostas. Principalmente se tomar como
Esta dimensão, a da vivência do espaço público, é a que
‑1891). Na capital francesa, durante a gestão municipal
referência os textos publicados em defesa dos monu‑
melhor define a cidade moderna, mais do que as carac‑
do Barão de Haussmann, a abertura de novas avenidas
mentos nacionais ao longo do século XIX, da autoria
terísticas físicas e materiais da sua planificação, pois
e praças implicou a demolição dos velhos bairros da
de Alexandre Herculano, Almeida Garrett e Ramalho
estas últimas estão subordinadas à primeira, não sendo
cidade, acção que suscitou muitas críticas por parte
Ortigão [Ortigão 1943] em Portugal, ou de Vitor Hugo
neutras, nem apenas funcionais. É pela apropriação e
dos defensores da cidade antiga. As críticas surpreen‑
em França1. Para estes autores, as cidades estavam a
vivência do espaço público que o habitante da urbe se
deram o Barão de Haussmann, que considerava que
ser modernizadas por um progresso pouco respeitador
torna efectivamente cidadão, condição mais política do
a sua intervenção havia garantido a salvaguarda e a
do passado e dos monumentos que o testemunhavam
que topológica, até porque embora público, esse espaço
valorização da memória do passado da cidade pela
no presente, demolidor de todo o edificado antigo que
não deixa de ser socialmente organizado e hierarqui‑
preservação, pelo restauro e pela recontextualização
se considerasse estar a impedir a criação de novas ou
zado. Deste modo, o Jardim Público é uma das estruturas
urbana dos seus principais monumentos históricos,
renovadas formas arquitectónicas, infra ‑estruturas
urbanas mais representativas das alterações verificadas
como sucedeu com a Igreja da Notre Dame [Olsen
e áreas urbanas. No entanto, o recurso a fontes mais
no modo de pensar, fazer e viver a cidade a partir do
1986: 296, 306 e 307].
diversificadas e uma sua mais atenta e pormenorizada
25
século XIX: enquanto área arborizada projectada res‑
Apesar de manifestar uma consciência patrimo‑
leitura e interpretação permite concluir que apesar
pondia às novas exigências de higienização, circulação
nial ainda dominada pela lógica do monumento iso‑
das demolições serem um facto, estas foram tomadas
e embelezamento, e acolhia, enquanto espaço de fruição
lado, o ponto de vista do Barão de Haussmann também
como uma destruição criadora, ou seja necessária à
G L O B A L A R T S C A P E S
pública, as práticas da sociabilidade burguesa.
revela como a interacção da cidade moderna com as
introdução de melhoramentos nas cidades. Por outro
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lado, paradoxalmente, essas demolições conviveram e
Évora permaneceu encerrada entre os seus muros
construção do Passeio de Diana, hoje designado de
até se articularam, à semelhança do sucedido em Paris
medievais até ao início do século XX. Desta situação
Jardim Conde de Schomberg, junto ao templo romano,
com o Barão de Haussmann, com a preservação e o
decorreu que todas as alterações urbanas acontecidas
como o seu nome indica3. A decisão camarária de criar
restauro de importantes monumentos nacionais. No
até essa data tiveram que ocorrer na malha construída.
o Passeio de Diana derivou directamente das acções de
entanto, o paradoxo é apenas aparente, pois, na cidade
Logo, implicaram, sempre, a demolição de pré
valorização e conservação implementadas no templo a
moderna, demolição e conservação nem sempre foram
‑edificado. Assim sucedeu com os dois jardins públicos
partir de 1842.
acções opostas, mas complementares, na intenção de
da Évora oitocentista.
O templo romano de Évora chegou ao século XIX
conciliar passado e presente, preservação e inovação,
A partir de finais da década de 1850, com a paci‑
bastante modificado e a funcionar como açougue
de maneira a que o progresso incorporasse o pretérito
ficação política trazida pela Regeneração e o conse‑
municipal. Provavelmente entre os séculos XIII e XIV,
na sua concretização material, conferindo‑lhe um sen‑
quente aumento do investimento capitalista, as elites
talvez por altura da instalação do açougue, os seus vãos
tido histórico e legitimando‑o enquanto instrumento
eborenses começaram a cultivar um certo cosmopo‑
intercolunares foram preenchidos com panos de alve‑
civilizador. O que significa que o passado também
litismo, expresso em hábitos e circuitos de sociabili‑
naria, os quais formavam paredes que subiam acima
poderia ser entendido como um factor de progresso,
dade, recreação e cultura conducentes com os padrões
do nível do entablamento original. As paredes, por sua
embora condicionado à focalização no monumento
de vida da burguesia europeia, os quais implicavam
vez, estavam ameadas. Acedia‑se ao interior através
isolado, pela qual o valor heurístico do imóvel ou do
novas tipologias arquitectónicas e infra‑estruturas
de uma porta rasgada na face norte, que era rematada
elemento arquitectónico estava circunscrito às carac‑
urbanas [Fonseca 1996: 206 ‑220], entre as quais
por um campanário, colocado em 1500. Uma série de
terísticas formais internas do objecto, indiferente à
estavam os jardins públicos. Um dos indícios desta
corpos anexos incorporavam o seu lado ocidental no
coerência histórica e estilística com o contexto urbano
mudança é a verbalização da necessidade de melhorar
edifício do antigo Tribunal do Santo Ofício [Saranto‑
em que estava inserido.
as condições materiais da cidade, designadamente dos
poulos1998; Beirante 1995: 60‑62]. Em 1836, toma‑se
Podemos então afirmar que na construção da
problemas de saneamento, de abastecimento de água
a primeira medida no sentido de inverter esta situação
cidade moderna, quer a demolição, quer a conserva‑
e de circulação, a que se somavam o estado adulterado,
e devolver a dignidade monumental ao templo: o então
ção foram selectivas, contemplando, a primeira, o que
empobrecido e degradado da maioria dos conventos e
governador civil do distrito de Évora, António José de
não era considerado significativo para o presente e, a
casas religiosas da cidade [Rodrigues 2007: 56], ainda
Ávila (futuro duque de Ávila e Bolama), ordena o encer‑
segunda, o que se tinha como basilar e exemplar para
verificável pelas imagens fotográficas dos decénios de
ramento do açougue.
a construção desse mesmo presente. Por isso entende‑
1870 e 1880, a estreiteza das ruas e irregularidade dos
Na década seguinte, em 1842, na continuidade
mos, em conformidade com o enunciado no título deste
perfis da arquitectura corrente: «Contem Evora grande
da deliberação de António José de Ávila, o director
texto, que se a demolição é criadora2, a conservação é
numero de ruas estreitas, a sua maioria. É ainda a
da Biblioteca Pública de Évora, Joaquim Heliodoro da
renovadora quando integrada no quadro mais vasto dos
cidade arabe, judaica, e goda nos bairros extremos,
Cunha Rivara (1809‑1879), toma a iniciativa de propor
melhoramentos modernizadores da cidade, tornando
como nas freguezias de S. Mamede e em parte das de
à Câmara Municipal de Évora, a entidade proprietária
‑os mais visíveis, mais acessíveis para o estudo ou mais
Santo Antão e de S. Pedro. / Insalubres, doentias, mal
do templo, a demolição dos anexos que o ligavam ao
aptos a dominarem a paisagem urbana, num novo apa‑
cheirosas são essas ruas, já por sua estreteza, já por
edifício da Inquisição e assim isolá‑lo ao centro de um
rente paradoxo. Veremos de seguida que em Évora, este
não serem canalisadas em sua maior parte e talvez
largo, de modo a recuperar a sua disposição urbana pri‑
aparente paradoxo da demolição criadora e da conser‑
mesmo pelo não poderem ser, por pouco declisovas
mitiva e a conceder‑lhe o destaque que merecia como
vação renovadora foi fundamental para a construção
(sic) e por não abundarem na cidade aguas para lava‑
o mais relevante e completo monumento romano do
dos seus dois primeiros jardins públicos, estruturas
gens de canos» [Melhoramentos em Évora II 1904].
território português. Solicitava ainda a realização de
urbanas definidoras da cidade oitocentista.
A primeira efectivação da mudança necessária foi a
reparações indispensáveis no templo e que lhe fosse
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concedida uma nova função como gliptoteca4 [Saran‑
elegante praça arborizada frente ao alçado norte do
esse motivo, no ano de 1869, também por iniciativa de
topoulos 1998: 95, 98 e 104].
templo — no quadro dos modelos urbanos do século
Augusto Filipe Simões, o templo passou a ser denomi‑
O único obstáculo à concretização das intenções de
XIX, a plantação das árvores também contribuía para
nado Museu Cenáculo [Roteiro da cidade de Evora 1871:
Cunha Rivara era a demolição dos anexos do Tribunal
a salubridade atmosférica do local. Na sequência
15; Simões 1869: 4, 5, 9].
da Inquisição, cuja posse não pertencia à Câmara, mas
dessa decisão, a 30 de Março de 1858, a Câmara Muni‑
O estado de degradação do templo foi‑se agra‑
à Duquesa de Palmela. Após demoradas negociações,
cipal constituiu uma comissão de cidadãos «zelo‑
vando e, em 1869, Augusto Filipe Simões, apoiado pelos
que se prolongaram até 1844, a Câmara consegue auto‑
sos» para, por meio de uma subscrição voluntária,
conhecimentos técnicos de Caetano da Câmara Manuel
rização do Conselho do Distrito e da rainha D. Maria II
promover as obras de aformoseamento do terreiro
e João Macário dos Santos, engenheiros de obras públi‑
para aforar a Inquisição de Évora por 1200$000 reis
do Templo de Diana. A sua execução levou a cabo a
cas do distrito de Évora, e do arquitecto italiano Giuse‑
anuais e deste modo indemnizar os seus proprietários
regularização do piso do largo ao nível das ruas mais
ppe Cinatti (1808‑1879) — que à data era responsável
pelas demolições necessárias ao desafrontamento
próximas, intervenção que destruiu parcialmente os
pelo restauro do Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa
do templo [Rodrigues 2008:]. Os anexos de ligação à
muros dos tanques romanos descobertos por Cunha
e pelos projectos do palácio de José Maria Perdigão
Inquisição foram então demolidos, operação que foi
Rivara e obrigou ao derrube de uns casarões do duque
e do Jardim Público em Évora —, publica um relató‑
entendida como um restauro. Com a desobstrução do
de Cadaval em 1859 [Leal 1996: 266, 267].Terminada
rio em que propõe a renovação do Museu Cenáculo, a
perímetro em redor do templo romano de Évora, foi
em 1864, a praça tornou ‑se no primeiro jardim
qual incluía a recuperação da pureza da ordem corín‑
possível a Cunha Rivara, coadjuvado por João Rafael de
público de Évora [Simões 1888: 118‑141]. A dignidade
tia do templo por via da expurgação dos acrescentos
Lemos, que o substituirá à frente da Biblioteca Pública
urbana que as obras de restauro e as novas funciona‑
medievais, no espírito dos princípios teorizados pelo
em 1853, realizar ali as primeiras escavações arqueo‑
lidades confeririam ao templo completavam‑se com
arquitecto e engenheiro francês Eugène Viollet‑le‑Duc
lógicas de 1845 a 1846, quando foram suspensas por
este jardim, «um dos mais bellos passeios públicos
(1814‑1879). Considerava Augusto Filipe Simões que a
falta de financiamento. Durante a campanha de esca‑
d’Evora» [M. 1866: 3].
reparação das paredes medievais seria, além de dispen‑
vações, foram descobertos os tanques adjacentes ao
Até à década de 1860, a acção da câmara eborense
diosa, de mau gosto, porque perpetuava um vandalismo
templo, parte da base de uma estátua, três fragmen‑
no templo romano ter‑se‑á concentrado no seu reen‑
que nunca devia ter sucedido, a adulteração da arqui‑
tos de esculturas, uma pequena medalha e algumas
quadramento urbano: a queda parcial da cobertura,
tectura clássica original. Demoli‑las, deixando somente
lucernas [Rodrigues 2000: 276, 277; Rodrigues e Matos
provocada pela infiltração da água da chuva, mostra que
o que era obra romana, era vantajoso estética e econo‑
2007: 136, 137]. No mesmo período, Cunha Rivara
a conservação da estrutura do edifício vinha sendo des‑
micamente. Augusto Filipe Simões concluía o relatório
providenciou ainda a colocação de algumas lápides
cuidada [Simões, 1873: 188]. Em 1866, um artigo saído
defendendo a manutenção da colecção arqueológica
antigas no interior do templo, medida que ensaiava a
no jornal O Alentejano aludia ao «soffrível estado» do
dentro do templo, mesmo sem a protecção das paredes
instalação da gliptoteca prevista na proposta apresen‑
templo, ao seu «exterior immundo e d’alguma fórma
pós romanas [Simões 1869: 7‑9].
tada à Câmara em 1842 [Simões 1873: 188].
repellente» [M. 1866: 1]. No entanto, apesar deste estado
A proposta de Augusto Filipe Simões, no entanto,
27
Finalizada a campanha arqueológica em volta
semi arruinado, Augusto Filipe Simões (1835‑1884),
encontrou resistências significativas entre os cidadãos
do templo, a atenção do município concentrou‑se no
director da Biblioteca Pública de Évora desde 1863, con‑
eborenses, divididos em duas facções: a dos defenso‑
arranjo do seu enquadramento urbano, que melho‑
seguiu a autorização municipal para instalar a colecção
res do abandono e consequente desaparecimento do
rado permitiria uma fruição plena dos vestígios da
epigráfica de Frei Manuel do Cenáculo (arcebispo de
monumento ou da sua demolição, a fim de promo‑
arquitectura romana e sublinharia o valor histó‑
Évora de 1802 a 1814 e fundador Biblioteca Pública da
ver a rápida renovação daquela área da cidade; a dos
rico do monumento. Esta foi a principal intenção da
cidade) no interior do templo, medida que concretizava
que pugnavam pela conservação integral do templo,
G L O B A L A R T S C A P E S
Câmara em 1855, quando decidiu rasgar uma nobre e
o projecto da gliptoteca idealizada por Cunha Rivara. Por
com os aditamentos medievais e Quinhentistas, por
1
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28 G L O B A L A R T S C A P E S 1
acreditarem que eram de origem islâmica [Simões
(1807‑1887) [Barata 1872: 166‑169]. A declaração do
de Évora 1871: 161v e 162; Barata 1872: 197‑199, 200 e
1873: 189,190; Simões 1888: 118,141], posição muito
Visconde de Juromenha sugere que embora Augusto
201; Simões 1873: 187‑190; Monte 1985: 58].
próxima da do crítico de arte inglês John Ruskin (1819
Filipe Simões não o explicite no seu Relatorio acerca do
Filiado nos pequenos jardins municipais que proli‑
‑1900), que entendia os monumentos como estrati‑
Museu Cenaculo, quando pediu ao «artista José Cina‑
feraram pelas cidades do país e da Europa nos séculos
ficações das fases da história5. As pressões exercidas
tti» que visitasse e examinasse o templo de Diana, a
XIX e XX, o Passeio de Diana era pouco mais que uma
pelas duas facções acabaram por suscitar dúvidas
sua intenção seria, desde logo, caso lhe fosse permitido
esplanada arborizada, articulada com a alameda que
no presidente da Câmara, o Visconde da Esperança,
cumprir a obra, entregá‑la à direcção do arquitecto ita‑
dava acesso à Sé. Por isso, talvez, a decisão munici‑
acerca da opção a tomar. Para chegar a uma solução
liano, estando a sua participação implícita na consulta
pal, tomada por volta de 1864, de construir um jardim
que não o comprometesse politicamente, realizou uma
aos especialistas. Perante a unanimidade dos parece‑
público de maiores dimensões na área da antiga cerca
consulta à escala nacional, a vinte personalidades con‑
res, o restauro do templo romano de Évora inicia‑se a
do Convento e Paço de S. Francisco, na zona sul da
sideradas autoridades nas áreas da Arqueologia, da
17 de Junho de 1870, com direcção de Giuseppe Cina‑
cidade, contígua ao Rossio de S. Brás. Em termos estri‑
6
História e da Arquitectura . Os pareceres foram unâ‑
tti, embora sob uma nova vereação camarária, devido
tamente arquitectónicos e urbanísticos, a partir dos
nimes, todos os consultados defenderam a expurgação
a entretanto se terem realizado eleições municipais
anos de 1860, nenhuma outra área da cidade concen‑
de todos os elementos não romanos, tidos como ana‑
[Actas da Câmara Municipal de Évora 1870 e 1871: 78v,
trou tantas expectativas de modernização e progresso
crónicos. O medievalista Alexandre Herculano (1810
161v e 162].
como a do Convento de S. Francisco, que se converterá
‑1877), em Maio de 1870, autorizava o presidente a
A empreitada iniciou‑se com trabalhos preli‑
no epicentro da Évora burguesa, verdadeiro símbolo
Câmara a transmitir a sua opinião de «que ali não devia
minares que consistiram no levantamento dos ele‑
do desejo de progresso desde que tornara na porta
ficar nada que não fosse primitivo e romano, porque
mentos ou fragmentos com valor histórico e / ou
de entrada da cidade para quem ali chegava pelo
tudo o mais não tinha merecimento algum histórico
artístico depositados no revestimento do templo e
caminho‑de‑ferro, cuja estação, inaugurada em 1863,
nem artístico e só poderia servir para arrastar dia a
na realização de uma prospecção no podium. Destes
estava localizada precisamente a sul do perímetro
dia na sua ruína o que era realmente precioso» [Actas
trabalhos resultaram a descoberta de fustes e frag‑
amuralhado, passando o Rossio de S. Brás.
da Câmara Municipal de Évora 1870: 71; Barata 1872:
mentos de capitéis romanos, inscrições, moedas
O processo da construção do Jardim Público de
206, 207]. O escultor Vítor Bastos (1829‑1894) enten‑
de prata e cobre dos séculos XV e XVI e o conheci‑
Évora começou em 1864, com a cedência à edilidade,
dia que se devia «tirar de cima do monumento a massa
mento de algumas técnicas de construção romanas.
por decreto governamental de 25 de Julho, da posse
informe com seu nicho e espécie de ameias, que asso‑
O núcleo epigráfico depositado no templo foi trans‑
do Convento e Paço de S. Francisco, respectiva cerca
berba o monumento dando a esta bella reliquia uma
ferido para o piso inferior da Galeria das Damas,
e terrenos anexos. Em consequência desta medida,
apparencia militar que está tam pouco em harmonia
um dos corpos arquitectónicos do antigo paço de S.
a antiga estrutura conventual e palaciana foi sendo
com o fim para que o monumento era destinado, e que
Francisco, à altura integrado no novo Jardim Público
paulatinamente demolida até ao ano de 1895, até
sobre o templo é um anachronismo, por isso pertence
da cidade, como explicaremos mais à frente. De
restar apenas a Igreja, o alçado de um dos claustros
a outra epocha». Havia ainda quem também aprovasse
seguida, as paredes intercolunares foram derrubadas
e a denominada Galeria das Damas ou Palácio de D.
o estabelecimento de um museu arqueológico no tem‑
e a arquitrave engatada. A obra ficou concluída com
Manuel, depois de separado do corpo conventual
plo, como António Feliciano de Castilho (1800‑1875) e
o calcetamento da área de implantação do templo e a
por volta de 1859. O Jardim Público ocupará parte da
Inácio de Vilhena Barbosa (1811‑1890), ou salientasse
colocação de uma grade para sua protecção do acesso
cerca do convento e do espaço aberto pela primeira
a escolha do italiano Cinatti, «pelo habito de ver monu‑
do público, melhoramentos que também rematavam
fase de demolições do Paço de São Francisco, desig‑
mentos romanos na sua patria», para a realização do
o arranjo urbano da área do templo e do Passeio de
nadamente a área definida pelo baluarte do Príncipe,
restauro, como sucedia com o Visconde de Juromenha
Diana [Simões 1869: 9; Actas da Câmara Municipal
do lado oposto ao do palácio do lavrador José Rama‑
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lho Perdigão, onde existia, desde 1837, o Jardim das
tar a despeza, já pelos movimentos da terra que era
natureza incompleta do próprio conceito de ruína tem
Amoreiras.
forçoso realizar, já pelo numeroso pessoal que o trata‑
precisamente esse propósito, de deixar‑se completar
mento das plantas demandava» [Folha do Sul 1865: 1].
pela divagação de quem a observasse [Simões 1881: 1].
De facto, em 1837, o município de Évora havia tomado posse dos fossos dos baluartes de S. Francisco,
Por tradição, o jardim à inglesa integrava ruínas
As ruínas recriadas pelo arquitecto italiano foram,
desde a Porta do Rossio à do Raimundo e da Piedade
fingidas, estruturas cenográficas que na sua incom‑
no entanto, criticadas pelos escritores e publicistas
à rampa dos Castelos, para aí plantar amoreiras, por
pletude e aparente fragilidade contrastavam com a
Ramalho Ortigão (1836‑1915) e Fialho de Almeida
ordem da rainha D. Maria II. Em 1838, aproveitando
organicidade dos elementos naturais da paisagem,
(1857‑1911). As críticas não se dirigiram exactamente
a plantação daquelas árvores, era criado o Jardim das
com a espontaneidade da vegetação e a fertilidade dos
ao objecto inventado, mas à invenção de umas ruínas
Amoreiras no baluarte junto à Porta do Rossio. Pode‑
ciclos da natureza que acentuavam o sentimento de
fingidas numa cidade que abandonava à degradação
mos ver no Jardim Público uma ampliação deste Jardim
transitoriedade transmitido pela ruína, símbolo poé‑
física e demolia muitos dos seus monumentos [Ortigão
das Amoreiras e uma sua reconversão num equipa‑
tico da artificialidade civilizacional, da sua fragilidade
1943: 93], e onde as verdadeiras eram «duma imponên‑
mento urbano de embelezamento, higiene e sociabili‑
perante a passagem do tempo [Simões 1881: 1]. Em
cia a ancher de assombro o mais romanesco peito de
dade, filiado nos parques e passeios públicos que iam
Évora, Cinatti inovou pela integração de algumas das
touriste» [Almeida 2002: 21].
proliferando pelas cidades da Europa, com destaque
estruturas antigas existentes naquela parte da cidade
Em relação à Galeria das Damas, esteve concessio‑
para Lisboa, mas tendo Paris como modelo distante.
no jardim público, designadamente o pavilhão do
nada ao exército desde antes de 1834, tendo existido ali
O desenho do novo jardim pertence a Giuseppe
antigo paço de S. Francisco conhecido pela denomina‑
um depósito militar do Conselho de Guerra. Manteve
Cinatti, que o riscou sem auferir qualquer remunera‑
ção de Galeria das Damas e um troço da cerca medie‑
‑se na posse dos militares até 1864, ano em que esta
ção. A colocação da entrada oriental do jardim frente à
val que incluía uma torre. Foi a partir deste troço de
foi transferida pelo governo para o município de Évora,
fachada do supracitado palácio de José Maria Perdigão,
muralha que Cinatti criou as ruínas fingidas do jardim
por requerimento deste, justificado pela necessidade
também da autoria de Cinatti, associou urbanística e
«inglês» de Évora entre 1866 e 1867, transformando a
de «acommodação para serviço da municipalidade» e
simbolicamente as duas principais obras do arquitecto
torre num mirante e reintegrando umas janelas e uns
pelo empenhamento que tinha no «aformoseamento
italiano na cidade e reflectiu o generoso contributo
portais tardo‑góticos que haviam sido retirados de um
da cidade», na conservação e no melhoramento do
financeiro que o lavrador eborense terá doado para a
dos palácios da cidade — o Palácio do Vimioso, locali‑
edifício enquanto monumento, e na sua rentabiliza‑
conclusão do Jardim Público [Folha do Sul 1865: 1].
zado frente à catedral — aquando de uma remodelação
ção com funções adequadas às especificidades da sua
Em Évora, Cinatti optou por uma estética paisa‑
realizada na década de 1840 [Simões 1868: 281, 282;
arquitectura e antiguidade. O motivo do empenho da
gista próxima do jardim à inglesa, pela qual ecoava
Simões 1881: 1; Leal 1996: 269‑273]. Apelidadas de
Câmara em conseguir a posse da Galeria das Damas
uma modernidade romântica que, comparando com
«pittoresco espectaculo», as Ruínas Fingidas do Jardim
e de lhe atribuir uma mais condigna utilização decor‑
o resto da Europa, chegava tardiamente à cidade alen‑
Público de Évora acentuavam o carácter romântico
ria certamente de esta ter sido integrada no Jardim
tejana. A recriação do que se julgava ser a liberdade e
daquele espaço, quer pelo ambiente dramático que
Público, condição que terá determinado a entrega tam‑
a espontaneidade da natureza, em detrimento de um
criavam, daí o adjectivo cenográficas ser recorrente
bém a Giuseppe Cinatti da direcção das reparações que
ordenamento dentro do espírito racionalista carte‑
nos autores que as abordaram — de lembrar que Cina‑
ali começaram a ser implementadas ainda antes de
siano, terá agradado aos eborenses, até pela economia
tti veio de Itália em 1836 para trabalhar como cenó‑
1867. As reparações então efectuadas consistiram na
de recursos que permitia à sua gestão: «A ideia de fazer
grafo no Teatro Nacional D. Maria II —, quer pela sua
reabertura de dez janelas geminadas de arco em ferra‑
um jardim regular e symetrico, e destinal‑o à cultura
capacidade de fazer despertar a imaginação de um
dura no piso superior da ala sul e na desobstrução dos
de flores mimosas, poderia agradar a muitos, mas era
passado idealizado em quem as contemplava — e aqui é
arcos do rés‑do‑chão da ala norte. Em 1869, procedeu
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contrariar o gosto da epoca, e por outro lado augmen‑
de imaginação que se trata, mais que evocação, já que a
‑se ao desentulhamento dos vãos dos arcos do piso
1
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superior da mesma ala norte e começou‑se a intervir
ferro nas janelas, quer nas pré‑existentes, quer nas
teiro, enquanto engenheiro, que o aproveitamento
no interior da edificação [Rodrigues 2008: 362‑366].
rasgadas pelo seu projecto de remodelação. A escada
das vantagens construtivas de um material moderno
No ano seguinte, em sessão camarária, foi apresen‑
de acesso exterior foi substituída por uma escadaria
como o ferro era a melhor homenagem que podia ser
tado um projecto de Cinatti para instalar o tribunal
de duas faces com balcão [Rodrigues e Matos 2007:
prestada à capacidade técnica dos construtores tardo
judicial de Évora na ala norte e uma sala dedicada a
140,141].
‑medievais da muito próxima igreja de S. Francisco
acolher exposições industriais e reuniões públicas na
Em Março de 1885, ainda a remodelação da Gale‑
— tal como a Galeria das Damas, uma das últimas
ala sul — as funcionalidades condignas com o estatuto
ria das Damas não estava concluída, já o Progresso do
estruturas sobreviventes do antigo convento e paço
monumental do edifício a que obrigava o compromisso
Alentejo a noticiava como fruto de uma «imaginação
de S. Francisco —, capazes de levantar uma arrojada
de entrega da Galeria das Damas ao município em
desvairada em manifesta desarmonia com todas as
nave única, em que o peso da abóbada era todo supor‑
1864 [Simões 1870: 1; Rosas 1995: 110; Leal 1996: 279].
regras da arte e perspectiva». Enquanto o cenógrafo
tado lateralmente [Monteiro 1886: 2v, 3]. No templo
Nenhuma das propostas se terá concretizado, apenas a
e arquitecto italiano Luigi Manini (1848‑1936) se lhe
tardo‑gótico de S. Francisco, o engenheiro eborense
colecção epigráfica retirada do templo romano, devido
referiu como a «estufa que estão pondo em cima dos
encontrava uma beleza orgânica, estrutural, sem
ao seu restauro, foi instalada no piso térreo, como
paços de D. Manuel», o escritor Fialho de Almeida con‑
ornamentação superficial, muito próxima da identifi‑
referimos atrás. A função atribuída ao piso superior
siderou‑a consequência de uma «arquitectura buro‑
cada por Eugènne Viollet‑le‑Duc (1814‑1879) na arqui‑
manteve‑se imprecisa até ao Inverno de 1881, quando
crática», «uma espécie de gaiola ou estufa, com colunas
tectura gótica francesa [Isac 1987: 60, Bressani 1996:
parte da cobertura do pavilhão abateu. No rescaldo
dóricas, pequenas pilastras de ferro» e a cobertura de
28‑37]. O que essa beleza o inspirou a fazer no pavilhão
do incidente, a Junta Distrital conseguiu autorização
telha escarlate decorada com «rendinhas de ferro for‑
do paço de D. Manuel aproximava Adriano Monteiro de
camarária para criar um Museu de Produtos Naturais e
jado, pintadas a óleo» [Rodrigues 2008: 367‑370]. A
uma outra vertente do pensamento daquele arquitecto
Industriais (Exposição Distrital Permanente) na Gale‑
escada antiga fora substituída por uma de «fábrica de
francês, que se constituiu como a principal referência
ria das Damas, retirar o que restava da abóbada danifi‑
conservas, reservada por sua gradezinha da fundição
teórica da arquitectura portuguesa da segunda metade
cada e substituí‑la por uma cobertura mais ligeira e em
Colares». As janelas, com os vidros presos por «grelhas
da centúria de XIX, a de reencontrar o espírito que
harmonia «com o estylo architectonico do edificio» [O
de ferro forjado», também estavam sujeitas ao «regí‑
havia edificado os monumentos medievais e fazer com
Manuelinho de Évora 1881: 1]. O engenheiro camarário
men das rendinhas e arabescos» do telhado» [Almeida
que voltasse a florescer numa arquitectura moderna,
Adriano Augusto da Silva Monteiro (1846‑1925) ficou
2002: 22, 23].
no sentido do seu próprio tempo [Viollet‑le‑Duc 1867:
encarregado de elaborar o projecto de remodelação do imóvel, apresentado logo no ano seguinte.
1
IX; Francastel: 107]. Na situação específica da Galeria
às críticas que teve a sua acção em Paris, Adriano Mon‑
das Damas, era a recuperação do espírito empreende‑
A campanha de remodelação decorreu de 1883
teiro não compreendeu as acusações que lhe fizeram
dor da Évora do século XVI que se procurava.
a 1887 e resultou na elevação do edificado por inter‑
de «tão grande heresia artistíca […], de […] tamanho
Adriano Monteiro não só recuperava o edifício
médio de uma infra‑estrutura quase totalmente em
erro». Segundo ele, a reconstrução da Galeria das
refuncionalizando‑o, como o fazia através de um com‑
ferro fundido, com excepção das colunas e dos cunhais
Damas tinha o mérito de «transformar em coisa útil
promisso que aplicava o metal, um material moderno,
de alvenaria, destacando ‑se os tramos rasgados
as ruínas do pouco que existia dos antigos paços reais
na recriação de elementos e motivos formais das gra‑
por amplos janelões formados por um arco abatido,
de Évora», o que acabava por ser uma aproximação
máticas gótica e manuelina, os estilos originais do
preenchidos nos vãos com grelhas de metal recortado
modesta do que se costumava «fazer nos centros de
Paço de S. Francisco. Os grandes janelões do piso supe‑
e vidro, e um lanternim que rematava a cobertura à
grande civilização por motivos de efeito transitório,
rior, que configuravam um amplo e iluminado espaço
semelhança de um mirante. No nível abaixo de esta
como acontece nas grandiosas exposições universais»
expositivo, evocavam a transparência dos vitrais das
estrutura, Adriano Monteiro introduziu caixilhos de
ou «nas festas nacionais». Entendia Adriano Mon‑
catedrais e igrejas góticas, assinalando a génese his‑
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À semelhança da reacção do Barão de Haussmann
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tórica da galeria, ao mesmo tempo que lembravam os
paradoxos, que o restauro e a conservação monumen‑
NOTAS
pavilhões das grandes exposições nacionais e inter‑
tal participaram das políticas de renovação urbana,
nacionais, colocando a Galeria das Damas e o Jardim
em virtude de também terem concorrido, com a demo‑
Público a par dos circuitos e espaços de sociabilidade,
lição, para a criação da cidade moderna.
1. Em particular, os artigos «Monumentos» (I e II) e «Mais um brado a favor dos Monumentos» (I e II), publicados por Alexan‑ dre Herculano na revista O Panorama em, respectivamente, 1838 e 1839; a novela Viagens na Minha Terra de Almeida Gar‑ rett, editada pela primeira vez em 1846; e o artigo «Guerre aux Démolisseurs» de Vitor Hugo, saído na Revue des Deux Mondes em 1832. 2. O conceito de «demolição criadora que utilizamos baseia ‑se no de «destruição criadora» proposto por Joan‑Anton Sám‑ chez de Juan [Sánchez de Juan, J.‑A. 2000]. 3. O templo romano de Évora é popularmente conhecido pela designação de Templo de Diana. Ficou assim conhecido por via de uma lenda criada no final do século XVI que consignava o templo ao culto da deusa Diana, com a finalidade de o vincular à figura do general romano Sertório e, por meio desta persona‑ gem histórica, atestar o prestígio do passado romano de Évora. Segundo as Vidas Paralelas de Plutarco, Quinto Sertório, que se refugiou na Hispânia durante sete anos aquando das guerras civis romanas do século I, era devoto da deusa Diana. Baptizar o templo romano de Évora de Templo de Diana era uma forma de demonstrar que Sertório havia estado em Évora durante a sua permanência na Hispânia. Actualmente defende‑se a tese de que seria um templo dedicado ao Imperador e que teria sido erigido na primeira metade do século I a.C. [Rodrigues 2008: 183‑185, 189, 191, 198‑200, 207‑209, 211, 212, 235, 238 e 239]. 4. Biblioteca Pública de Évora ‑ Correspondência privada de J. H. Cunha Rivara, carta de Francisco Adolfo Varnhagen, s.d. [20 ou 21 de Janeiro de 1842] e carta dirigida ao Governo Civil de Évora, 3 de Fevereiro de 1844. 5. A filosofia patrimonial do historiador e crítico de arte inglês John Ruskin considerava que todas as alterações, aci‑ dentes e mutilações sofridas por um imóvel eram marcas introduzidas pelo tempo, faziam parte da história que os monumentos documentavam. Apagá‑las era anular a memória dos acontecimentos que as haviam provocado. Ruskin opunha ‑se ao restauro estilístico e reconstitutivo da escola francesa, liderada por Eugène Viollet‑le‑Duc [Rodrigues 1998: 331‑333]. 6. Foram eles Alexandre Herculano (historiador), Antó‑ nio Augusto Teixeira de Vasconcelos (escritor, jornalista e vice‑presidente da Academia de Ciências de Lisboa), Abade
recreação e culto do espírito tão ao gosto do modo de vida burguês, [Rodrigues e Matos 2007: 141, 142]. Ou seja, Adriano Monteiro acreditava que conservara a Galeria modernizando‑a na forma e na função, levando ao limite o exemplo dos construtores de finais da Idade Média, o que ampliava o seu cariz monumental. Aconteceu, no entanto, que a renovada Galeria das Damas pouco serviu às exposições da Junta Distri‑ tal, ali organizadas apenas pontualmente. O pavilhão acabou por ser usado para salões dançantes, bailes de máscaras, festas infantis, cerimónias solenes e outros eventos sociais e políticos, como a recepção aos reis D. Carlos e D. Amélia na sua visita a Évora em 1899. A partir de 18 de Fevereiro de 1901, passou a receber exibições de dramaturgia popular, o Teatro Eborense, vocacionado para as muitas companhias amado‑ ras que existiam na cidade. Em 1908, iniciam‑se as concorridas sessões do animatógrafo [Chaves 1949: 317, 318; Godinho 1984‑1985: 71‑74]. Assim entrou no quotidiano dos Eborenses, que conviveram com a arquitectura metálica da Galeria das Damas até à sua destruição por um violento incêndio, deflagrado na madrugada do dia 10 de Março de 1916, quando esta‑ vam em exibição as revistas Ou vai ou racha e, ironica‑ mente, Pólvora sem fumo8. Quer no caso do Templo Romano e Passeio de Diana, quer no do Jardim Público, Ruínas Fingidas e Galeria das Damas, identificámos uma noção de progresso que pretendeu integrar elementos selec‑ cionados do passado como modelos e referentes legi‑ timadores. Somente dentro deste quadro conceptual e pelas práticas dele decorrentes se pode afirmar, sem
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António Dâmaso de Castro e Sousa (historiador), António Feli‑ ciano de Castilho (poeta que fora bibliotecário mor do Reino), Eduardo Allen (director do Museu Municipal do Porto), Fran‑ cisco de Assis Rodrigues (Director Geral da Academia Real de Belas Artes de Lisboa), Francisco da Fonseca Correia Torres, Giuseppe Cinatti (arquitecto), Inácio de Vilhena Barbosa (jor‑ nalista, escritor e historiador), João Correia Aires de Campos (director do Museu Arqueológico do Instituto de Coimbra), João Maria Feijó (engenheiro e arqueólogo), João Pires da Fonte (arquitecto, professor da Academia de Belas Arte de Lisboa e um dos sócios fundadores da Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses), Joaquim Possidónio Narciso da Silva (arquitecto, arqueólogo, sócio fundador e presidente da Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Por‑ tugueses), José Maria de Abreu (catedrático de Filosofia da Universidade de Coimbra), José Maria Eugénio de Almeida (Provedor da Casa Pia e principal responsável pela primeira fase do restauro do Mosteiro dos Jerónimos), José da Silva Men‑ des Leal (escritor, historiador e bibliotecário‑mor do reino), Luís Augusto Rebelo da Silva (escritor, historiador e um dos primeiros professores de História do Curso Superior de Letras), Manuel Bernardo Lopes Fernandes (numismata e conservador do Gabinete Numismático da Real Academia das Ciências), marquês de Sousa Holstein (Vice Inspector da Academia Real de Belas Artes de Lisboa), Vítor Bastos (escultor e professor de escultura na Academia Portuense de Belas Artes) e o Visconde de Juromenha (erudito) [Actas da Câmara Municipal de Évora 1870, 43v, 44, 49v e 50]. 7. Com as obras do palácio, a colecção epigráfica que viera do templo foi transferida para a Biblioteca Pública [Corrêa 1907: 174, 178]. 8. A Galeria das Damas receberá uma profunda operação de restauro em 1943, dirigida pelos arquitectos Baltazar de Castro e Humberto Reis da Direcção Geral dos Edifícios e Monumen‑ tos Nacionais, que procederão à reconstrução do monumento tal como hoje se nos apresenta [Espanca 1946: 55‑57].
1
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