GLOBALIZAÇÃO, GEOPOLÍTICA DA UE E REGIÕES ULTRAPERIFÉRICAS (RAM): PODER, SEGURANÇA E GLOBAL COMMONS

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GLOBALIZAÇÃO, GEOPOLÍTICA DA UE E REGIÕES ULTRAPERIFÉRICAS (RAM): PODER, SEGURANÇA E GLOBAL COMMONS SANDRA MARIA RODRIGUES BALÃO Professora Auxiliar do ISCSP-UTL e Equiparada do Quadro Transitório da AFA-MDN onde ensina desde 1993. Licenciada em Gestão e Administração Pública, Mestre em Ciência Política com uma Dissertação intitulada “Um Estudo sobre as Elites: o Pensamento de Moisei Yakovlevich Ostrogorski” (publicado com o título A Fórmula do Poder, ISCSP, Lisboa, 2001) e Doutora em Ciências Sociais com uma Dissertação intitulada “Globalização e Anti-Globalização no Mundo Contemporâneo. Uma Visão Analítica”, pelo ISCSP-UTL. Nasceu em Lourenço Marques – Moçambique, em 26 de Julho de 1969. É Investigadora do CAPP-ISCSPFCT, avaliado como “Excelente” e do IO-ISCSP/FCT avaliado com “Muito Bom”. É fellow dos Salzburg Global Seminars e membro de diversos organismos científicos nacionais e internacionais, como a Sociedade de Geografia de Lisboa, APCP, ISA, IPSA, ECPR, APSA, APECS, ERGOMAS, ESF, CIIWA, ICSU, entre outros. Colabora, ainda, com diversas publicações científicas nacionais e internacionais onde desempenha funções ao nível dos Conselhos Editoriais e como peer-Reviewer. Tem proferido conferências (sobretudo em eventos internacionais) e publicado trabalhos científicos nas suas áreas de especialização, em Revistas e Obras Colectivas. É Auditora de Defesa Nacional (CDN2010) e possui, ainda, o Curso de “Análise de Dinâmicas Regionais de Segurança e Defesa” do Instituto da Defesa Nacional (2011) e é auditora do “II Curso de Gestão Civil de Crises” do Instituto da Defesa Nacional (2011).

AS ILHAS E A EUROPA, A EUROPA DAS ILHAS, Centro de Estudos de História do Atlântico ISBN: 978-972-8263-73-7, Funchal, Madeira (2011), pp. 343-371

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RESUMO Este artigo procura equacionar numa perspectiva essencialmente política, a relevância do mar e de uma estratégia multinível que nele assente, no seio do movimento de globalização, em que o mundo em geral, e a Europa em particular, se encontra “mergulhado” desde os finais do século XX. De facto, é na profundidade conferida pelo oceano Atlântico que se pode considerar que a Europa (com particular destaque para a União Europeia) buscou e assegurou a sua profundidade geopolítica. No entanto, não consideramos aqui, apenas, a massa de água que constitui a Zona Económica Exclusiva (ZEE) da fronteira mais ocidental da Europa mas, também o papel das RUP na NOGC, e a questão dos Global Commons personificada por assuntos como o alargamento da plataforma continental e o potencial que lhe está associado; as rotas marítimas comercialmente relevantes em articulação com as questões co-relacionadas com as consequências das alterações climáticas em curso - problemas referenciados não apenas nos meandros da Academia, mas também nos da política à escala multinível. É neste contexto que a Região Autónoma da Madeira (RAM) assume uma relevância muito significativa devido às condições geopolíticas e geoestratégicas agregadas que lhe asseguram um posicionamento central na confluência de dois eixos que, a cruzarem-se, poderão protagonizar um expressivo “remoinho” de mudança, onde se incluem para além do Poder, os desafios da Segurança. Palavras-Chave: Estratégia e Poder (Multinível), Globalização, Geopolítica (da União Europeia), Regiões Ultra-Periféricas (Região Autónoma da Madeira), Segurança, Global Commons.

ABSTRACT In the context of the globalization movement which has been shaping the New Contemporaneous World Order mainly since the last decades of the XX Century, this essay considers the relevance of a multilevel strategy that considers the Sea in its core, in a political perspective. In fact, it seems to be in the deepness of the Atlantic Ocean that one can consider that Europe (now in the EU form, in particular) has been searching and securing its geopolitical deepness and strength since many centuries ago. However, we are not considering only the Exclusive Economic Waters of the western borders of that continental mass but of the ultra-periphery regions and of the Global Commons, also. The enlargement of the continental shelf and its potential; the maritime routes along with climate change issues are important problems that are already being considered at an Academic level but

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at the higher political multilevel decision-making and decision-taking proceedings, also. It is in this context that Madeira Island is assuming a very high relevance due to its natural geopolitical and geostrategic aggregate conditions that are responsible for the assurance of a central presence in the confluence of two axis that, should they cross in each other’s way, an impressive transformative “tornado” can show up, including Power and Security & Defense challenges. Key-Words: Strategy & Power (Multilevel), Globalization, Geopolitics (European Union), Ultra-Periphery Regions (Madeira Island), Security & Defense, Global Commons.

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INTRODUÇÃO

A

o equacionar a articulação dos problemas elencados no título “Globalização, Geopolítica da UE e Regiões Ultraperiféricas: Poder, Segurança e Global Commons” os objectivos de partida passam, em primeiro lugar, e naturalmente, por considerar e reflectir, numa perspectiva essencialmente política, a relevância do mar. Neste caso, e mais concretamente, centramos a nossa atenção no Oceano Atlântico, nesse mar profundo que justificou no passado e exige hoje - a nosso ver e mais do que nunca - o desenho e a definição com vista à acção de uma Estratégia multinível que nele assente, no seio de um movimento de globalização que, longe de ser novo, persiste nos seus desafios mas, também, nas suas oportunidades. Assim, constitui segundo objectivo, e decorrente do primeiro, explorar no contexto da Política e numa perspectiva multinível, o potencial da Região Autónoma da Madeira (RAM), com particular destaque no que se refere à sua articulação com os principais Global Commons, tal como definidos no seio da Nova Ordem Global Contemporânea (NOGC).

1. GLOBALIZAÇÃO, GEOPOLÍTICA (DA UNIÃO EUROPEIA) E REGIÕES ULTRAPERIFÉRICAS Assim, consideramos esta Nova Ordem definida pelo movimento de Globalização, aqui equacionado como um movimento cujas origens são indefinidas. De facto, ele parece ter surgido na literatura francesa e americana nos anos ’60, em 1983 foi a vez de Théodore Levitt o referir e em 1990, no domínio da Estratégia Empresarial, por exemplo, ele é apontado como tendo sido popularizado por Kenichi Ohmae que o terá utilizado para caracterizar e definir as estratégias das empresas multinacionais1. Além disso, também a sua operacionalização, ou seja, a definição do significante “Globalização” está longe de ser consensual. Existem múltiplas propostas, umas mais orientadas para o prisma económico, outras para o social, cultural, mas poucas para o político, que é aquele que consideraremos aqui como central2. Mais ainda: há quem considere que é algo que nem sequer existe, nomeadamente os teóricos que fazem parte da Escola Céptica3. Por tudo isto, o termo é já considerado o cliché do nosso tempo. Para que possamos avançar na nossa reflexão consideramos, então, que a Globalização é «um movimento que, simultaneamente, se apresenta como estrutural na sua génese e presença, transversal 1

Cfr. BALÃO, 2002, Relatório de Proposta de Dissertação de Doutoramento, pp. 17-23.

2

Cfr. BALÃO, 2002, Relatório de Proposta de Dissertação de Doutoramento, pp. 23-72.

3

Cfr. HELD et alii, 2001, Global Transformations […]. Cfr. BALÃO, 2002, Relatório de Proposta de Dissertação de Doutoramento, p. 50. Cfr. BALÃO, 2008, Globalização e Anti-Globalização no Mundo Contemporâneo. Uma Visão Analítica, p. 195.

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nos seus efeitos e conjuntural na sua acção»4.

GEOPOLÍTICA Na linha desta preocupação, segue-se o conceito “Geopolítica”. Esta ciência tem como objecto de estudo as relações entre a política e o espaço. Assim, ela pode ser entendida «a várias escalas: à escala de um grupo (por exemplo, unido por uma mesma religião), de um Estado, de um espaço em particular (um oceano, por exemplo) ou à escala mundial»5. Além disso, esta ciência auxilia a Política na definição dos seus objectivos e contribui para o método estratégico, nomeadamente na construção de cenários credíveis e sustentáveis, e a que a Prospectiva hoje recorre com frequência. Equacionando a Geopolítica numa perspectiva mais ampla, estendendo-a à União Europeia (EU), que é o espaço territorial (mas também, e sobretudo, político) que aqui equacionamos, parece-nos de pleno sentido explorá-la tendo por base uma linha de argumentação assente na perspectiva de que foi e é na profundidade conferida pelo Oceano Atlântico e pelas ilhas que o povoam e “animam” que se pode considerar que o continente europeu em geral e a UE em particular buscaram e asseguraram a consequente profundidade geopolítica, sinónimo inquestionável de poder e de riqueza. Mapa 1 – As Regiões Ultraperiféricas Portuguesas e a Geopolítica da Europa6

4

BALÃO, 2008, Globalização e Anti-Globalização no Mundo Contemporâneo. Uma Visão Analítica, p. 109.

5

BAUD et alii, 1999, Dicionário de Geografia, p. 150.

6 In, http://www.madeiraarchipelago.com/map/, consultado em 02.11.2011; 22:53.

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Não parecem, em qualquer caso, subsistir quaisquer dúvidas quanto ao facto de o mundo português (em sentido estrito) ter sofrido uma alteração fundamental no ano de 1986. De facto, sem a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia em 01 de Janeiro de 1986 a UE não teria acesso ao “Atlântico profundo” de Portugal, Madeira e Açores. Na verdade, há que considerar a relevância das diversas massas territoriais que asseguram aos países aos quais pertencem a possibilidade de acrescentar, de prolongar, de expandir a sua profundidade geopolítica e de multiplicar o seu potencial geoestratégico, em função da posição que ocupam na geografia regional mas, também e com grande destaque, na geografia do globo. É precisamente na articulação da grande massa de água oceânica com a(s) massa(s) territorial(ais) que a “povoam” e “animam” – as ilhas – que se encontra a convergência para a relevância que as Regiões Ultraperiféricas (RUP) assumem no momento presente. Mais do que uma fonte de despesa, elas têm que ser vistas na actualidade como uma fonte de potencial, de desenvolvimento, perspectiva que pode fazer toda a diferença. Antes de avançarmos para a operacionalização do conceito RUP, é importante termos a noção do seu enquadramento e do contexto em que as mesmas surgem.

REGIÕES ULTRAPERIFÉRICAS (RUP) Na verdade, para além da adesão de países como Portugal, Espanha e Grécia, os anos de 1980 no seio da Comunidade Económica Europeia ficaram, igualmente, marcados pelo Acto Único Europeu e pela subsequente adopção da “filosofia” e do modelo de Mercado Único. Os novos Estado-Membros (EMs) à época foram responsáveis (como, de resto, continua a suceder actualmente na sequência de cada novo alargamento) pelo reforço das disparidades regionais e, por isso, o financiamento acabou por se tornar no principal instrumento através do qual se tem procurado estabilizar a riqueza de cada novo “actor” da EU ao nível da média europeia. Assim, a tomada de consciência no sentido da necessidade de reforço de uma verdadeira política de coesão europeia acabou por lançar as bases de uma política desenhada em função do objectivo de compensar o peso do Mercado Único para as regiões menos favorecidas da Comunidade. De facto, o

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reforço da acção comunitária, traduzida em 1988 com a decisão de afectação de 6.4 biliões de ECUs aos Fundos Estruturais por um período superior a cinco anos e complementada pela adopção, pelo Conselho, do primeiro Regulamento relativo aos Fundos Comunitários em conjunto com os quatro princípios orientadores: a concentração, o partenariado, a programação e a adição7. A Reforma de 1988 centrou-se, sobretudo, na passagem dos Projectos aos Programas, pelo que se abandonou a selecção dos projectos que, até aí, era feita anualmente pelos EM. Em alternativa, optou-se por uma programação plurianual e, desse modo, potencialmente mais estratégica – até porque apoiada numa vasta rede de percerias às quais as regiões, os EMs e a Comunidade Europeia passaram a estar associados. Entre 1989 e 1993, assistiu-se à integração dos Fundos Estruturais, à definião de objectivos prioritários, a regras uniformizadas, a uma gestão descentralizada e ao aumento do orçamento dos Fundos Estruturais. Mapa 2 – Fundos Estruturais 1989-1993: Regiões Elegíveis8

Na reforma de 1994 considerou-se ser necessário duplicar os esforços, aumentando mais uma vez o valor do orçamento disponibilizado para os Fundos Estruturais e de Coesão. Foram, também, criados os Quadros Comunitários de Apoio, os Programas Operacionais e os Documentos Únicos de Programação. Teve igualmente início o apoio, concreto, a acções no domínio da Inovação. Pode considerar-se que o perí7

Cfr. Historie et évolution de la politique régionale et de la politique de cohésion de l’UE, DG Politique régionale, Commission Européenne, Brussels, s/d.

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Historique et évolution de la politique régionale et de la politique de cohésion de l’UE, DG Politique régionale, Commission européenne, Brussels, 12.

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odo 1994-1999 se caracterizou, sobretudo, pela aposta na simplificação de procedimentos, na criação de novos instrumentos para os Fundos de Coesão e da Pesca, assim como uma estabilização do peso do orçamento dos Fundos Estruturais em cerca 30% do orçamento comunitário. MAPA 3 – Fundos Estruturais 1994-1999: Regiões Elegíveis9

Para o período 2000-2006 a preocupação centrava-se em garantir que a experiência do alargamento se traduzisse num sucesso. Identificam-se, por isso e neste contexto, dois temas centrais: a 9

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eficiência e a preparção para o alargamento. Foram, assim, introduzidos instrumentos de pré-adesão para os países candidatos e o orçamento para os Fundos Estrutuais registou um aumento para cerca de 33% do orçamento comunitário. E de facto, é necessário ter presente que a “Agenda 2000” abriu uma via para um alargamento sem precedentes na UE – dez novos EMs iniciaram a sua adesão à Organização em Maio de 2004. No entanto, é importante termos presente que esse alargamento histórico representou um aumento da população europeia em cerca de 20%, valor bastante significativo mas ao qual apenas correspondeu um aumento de 5% do PIB. MAPA 4 – Fundos Estruturais 2000-2006: Regiões Elegíveis10

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No actual Quadro Comunitário de Apoio, a política de coesão da UE aponta como prioridades o Cresimento e o Emprego, assente nos princípios da Convergência, Competitividade Regional e Emprego. Para tal, a racionalização das iniciativas comunitárias, a elegibilidade de todas as regiões e o financiamento disponível no valor de cerca de cinco biliões de Euros, que representa cerca de 36% do orçamento comunitário, são as medidas adoptadas. No entanto, é importante salientar que os fundos para o desenvolvimento rural e pesca já não estão incluídos na política de coesão. MAPA 5 – Fundos Estruturais e de Coesão 2007-2013. Objectivo “Convergência, Competitividade Regional e Emprego”11

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As RUP estão enquadradas por todas estas preocupações na medida em que se caracterizam por uma fraca densidade populacional e por uma grande distância em relação ao continente europeu. Além disso, e devido à sua situação especial constituem aquilo que poderíamos considerar ser – e designar – “pontas de lança” (primeiro do EM de que fazem parte integrante e, depois, da EU) para o desenvolvimento de relações comerciais com países terceiros vizinhos, geralmente menos desenvolvidos (tal como elas próprias). MAPA 6 – Regiões Ultraperiféricas da UE12

Mapa da União Europeia no mundo gg EU gg Regiões ultraperiféricas ggTerritórios ultramarinos Regiões ultraperiféricas da União Europeia França: Guiana Francesa (GF ) - Guadalupe (GP) - Reunião (RE) - Martinica (MQ) - Portugal: Madeira (Mad) - Açores (Azo) - Espanha: Canárias (Can)

O seu enquadramento legal está previsto no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia que, mais concretamente, no seu artigo 349 define “Região Ultraperiférica” e reconhece as suas especificidades, assim como a necessidade de adaptar as políticas comunitárias às suas realidades e dificuldades intrínsecas13. Deste modo, são apontados como pontos fracos destas Regiões aqueles que são identificados como obstáculos ao pleno desenvolvimento, nomeadamente: a insularidade, o relevo e clima difíceis ou a dependência económica em relação a alguns produtos. Por outro lado, são apontados como 12

In, http://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%B5es_ultraperif%C3%A9ricas_da_Uni%C3%A3o_Europeia consultado em 06.11.2011; 07:56.

13 In, http://ec.europa.eu/regional_policy/themes/outermost/index_pt.htm, consultado em 13.10.2011; 17:54.

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pontos fortes factores como: a diversificação (por permitirem à UE dispor de um amplo território marítimo ao qual se associa uma economia rica e plural), o posicionamento geoestratégico (que oferece, por exemplo, granmdes possibilidades de desenvolvimento das relações com os países vizinhos - Macaronésia, Caraíbas e Sudoeste do Oceano Índico, por exemplo), e o potencial para actividades de investigação e de alta tecnologia, em função das capacidades e especificidades de cada uma (Instituto de Astrofísica das Ilhas Canárias; a Agência Espacial Europeia na Guiana; o Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores; o Centro de Investigação e de Controlo das Doenças Emergentes da Reunião; a rede de cabos digitais submarinos de alto débito na Guadalupe; o pólo de investigação agro-ambiental da Martinica e a central eléctrica de fins múltiplos na Madeira).

2. PODER, SEGURANÇA E GLOBAL COMMONS Considerando o facto hoje inquestionável de que a emergência de novos actores na NOGC influenciou e continua a influenciar a Balança de Poderes à escala global, aqui equacionada numa perspectiva multinível e, por isso, mais complexificada. Neste contexto, as Políticas Externas dos Estados14 continuam ao desempenhar um papel fulcral, o que é facilmente confirmado pelo facto de os estudos dedicados à Análise de Política Externa centrarem a sua atenção no processo de tomada de decisão (decision-making). Assim, não podemos deixar de considerar que, nessa mesma linha de raciocínio, a Estratégia Internacional dos Grandes Actores (outrora designados mais comummente Grandes Potências mas, em qualquer caso, os principais actores na arena global, quer “velhos”/tradicionais quer “novos”/recentes) tem que ser sempre equacionada na medida em que a influência que são capazes de projectar à escala mundial em múltiplas áreas, domínios e dimensões possibilitam, igualmente, a capacidade de afectar todos os intervenientes mas, sobretudo, os interfaces dos mais pequenos e mais fracos. Deste modo, trata-se de equacionar o primeiro elemento desta equação que é, a nosso ver, o que acaba por determinar todos os outros, bem como o desfecho do comportamento individual e articulado entre todos os restantes.

PODER De facto, e também no que se refere às RUP, ao seu estatuto, às suas possibilidades/oportunidades no contexto da balança de poderes à escala global, tudo passa pela gestão das questões do Poder. E assim, não há, a nosso ver, como evitar o regresso ao equacionar das questões que se relacionam e envolvem de uma forma mais ou menos directa e mais ou menos “íntima” a Política Externa. Sobretudo, e num mundo em que o primado da Economia parece ter vindo a afirmar-se sucessiva e indelevelmente sobre a Política, o “Estado da Arte” da Análise de Política Externa aponta no sentido da clara primazia que é reconhecida à Diplomacia Económica. E, no caso Português, ele parece apontar no sentido de esta ter vindo a ser orientada por interes14

Expressão que aqui utilizamos para nos referirmos aos objectivos políticos que são definidos por cada Estado em função das relações que estabelece com os restantes Estados à escala mundial.

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ses e ou orientações de carácter supranacional desde 197415. Com algumas, poucas, excepções. Assim, os factos da realidade passível de ser apreendida e analisada parecem sugerir que o Estado-Nação tradicional tem vindo a ser transformado – de actor em si mesmo considerado em sério instrumento das maiores geografias de poder16, ou seja, dos principais actores na balança de poderes à escala global. Assim, o micro nível em que se situa o Estado-Nação tem vindo a assistir a uma progressiva decadência naqueles que eram considerados os seus reais interesses, necessidades e prioridades na medida em que todos têm vindo a sofrer alterações em função de exigências e necessidades imperativas “superiores”: ao nível do supranacional17 global (Organização das Nações Unidas [ONU], Organização Mundial de Comércio [OMC] e Organização do Tratado do Atlântico Norte [OTAN]) que governa estrategicamente no topo da pirâmide do poder e define o que tem e o que não tem que ser assegurado e por qual dos actores individuais (ou conjunto), e do supranational regional (UE) que acompanha, de perto, as orientações do primeiro18. Assim, muito embora o Interesse Nacional Português pareça ter sucumbido e sido sintetizado na óbvia opção económica desde 1974, esta não parece ter sido, no entanto, efectivamente traduzida na definição e concretização de Políticas Públicas estrategicamente desenhadas e com objectivos consistentes com opções não apenas de curto prazo mas, sobretudo, de médio e longo prazo. Deste modo, e apesar de o discurso político dominante à escala nacional defender a Diplomacia Económica como um instrumento vital para o Governo (para os sucessivos Governos, há que afirmá-lo)19 e por maioria de razão para o Estado Português, o facto é que o investimento efectivo na criação e posterior aposta numa Rede Portuguesa de Diplomacia Económica estrategicamente integrada de acordo com um plano estratégico nacional - e, depois, em sucessivas congéneres multinível, para onde diferentes geografias de poder tendem a convergir e agrupar-se para, de acordo com a capacidade de acção, de influência e Poder respectivas, congregar esforços tendo em vista o cumprimento de objectivos e salvaguarda de resultados – tarda. Assim, e em jeito de breve síntese, os factos parecem indiciar que os objectivos políticos portugueses durante o período compreendido entre os anos de 1974 e 1986 foram orientados para o cumprimento dos critérios de adesão impostos pela então Comunidade Económica Europeia (CEE) – sobretudo os de natureza económica. Além disso, a agenda portuguesa de Política Externa foi, também ela, centrada nas questões relacionadas com a integração. Mas, a agenda política da CEE não parece, no entanto, ter sido suficientemente forte para evitar que o único interesse nacional português a merecer planeamento estratégico20 tivesse sido, efectivamente, o eleitoral. Além disso, a Política Externa Portuguesa parece não ser mais do que uma mera questão de negócio,em benefício de apenas um pequeno número (a promoção do perpetuar de uma oligarquia no seio de uma sociedade formalmente democrática?) e, 15

BALÃO, 2009, «Economic Diplomacy Networks. The Portuguese Case», pp. 121-142; BALÃO, 2010, «Globalization, Europeanization and National Foreign Policy: The Portuguese Case», pp. 18 e sgs.

16

Usamos aqui as expressões “maiores geografias de poder”, “grandes potências” ou “principais actores” com o mesmo objectivo e significado.

17

A expressão é aqui utilizada para nos referirmos ao facto de estar situado acima das fronteiras do Estado Nacional e pelo facto de incluir as fronteiras de diversos actors, ao mesmo tempo que é, também, uma realidade mais extensa e complexa onde a acção tem lugar envolvendo diferentes actors posicionados em diferentes níveis.

18

BALÃO, 2009, «Elite, Global Governance and Democracy: the Age of Strategic High-Tech Globalization», p. 2.

19

Cfr. CRUZ, 2003, «A Diplomacia Económica»; CRUZ, 2003, «Mecanismos para uma Nova Diplomacia Económica»; TAVARES, 2003, «Novo Modelo de Diplomacia Económica». Cfr. CONSELHO DE MINISTROS, 2006, Resolução n.º 152/2006. Cfr. XVIII GOVERNO CONSTITUCIONAL, 2009, Programa de Governo.

20

Esta é uma expressão muito utilizada no domínio da Gestão para fazer referência a um processo complexo e integrado que considera a priori a relevância de proceder a um diagnóstico completo de cada realidade a ser considerada no seio de uma análise mais ampla, que designaríamos como hiperescópica (BALÃO, 2006, Comunicação, Secretismo e Terrorismo Global) – numa linha de “adequação” da proposta metodológica original: o Macroscópio (ROSNAY, 1979, O Macroscópio) – à sociedade global contemporânea. De facto, o conhecimento das necessidades, a sua hierarquização, a escolha daquelas cuja satisfação tem que ser assegurada em cada coordenada temporal, a definição de uma estratégia para cumprimento dos objectivos a serem alcançados é absolutamente vital.

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por isso, o processo democrático português, de facto, não reflecte de modo algum, a definição de Democracia Popular na medida em que não é “o governo do povo, pelo povo, para o povo”. Na verdade, é sempre o menor número aquele que tem acesso e beneficia do spoils system – os bens públicos -, e na perspectiva de quem tudo é decidido e feito (muito embora se afirme o contrário) 21. Por outro lado, não podemos esquecer que o Poder pode ser visto, igualmente, como o resultado de um produto entre a capacidade e a vontade22, sendo que no âmbito do primeiro termo estamos a referir-nos a toda a componente mensurável, aos meios; enquanto no segundo estamos a considerar o ânimo, a motivação, projecção da cultura de um povo. E esta equação tem que ser considerada numa escala e numa estratégia multinível, na medida em que o seu nível nacional não pode ser equacionado a solo numa Ordem Global hiperglobalizada e hiperinterdependente, onde tudo e todos dependem de tudo e de todos.

SEGURANÇA Não tendo aqui cabimento as discussões conceptuais e semânticas relativamente às definições e múltiplas tentativas de operacionalização deste conceito (quer individualmente considerado, quer em articulação com o conceito de “Defesa”) optamos aqui, em obediência ao eixo central daquilo que foi por nós definido como objecto de análise, por considerar a “Segurança” no plano do domínio dos desafios que lhe são colocados na dimensão não-militar23 (muito embora não excluamos a possibilidade de articular os primeiros com alguns que, potencialmente, possam vir a ter que ser equacionados no domínio do hard power). Numa perspectiva tradicional, a lógica da Segurança esteve sempre presente em todos os domínios da vida social e, por isso, o problema da Segurança, tal como é usualmente equacionado nos estudos internacionais, coloca-se no domínio das relações entre os Estados e os Estados-Nação24 uma vez que o Estado foi sempre simultaneamente objecto e provedor de Segurança. Hoje, a lógica da Segurança assenta num revisitar da literatura da época da Guerra Fria, assistindo-se a um (pelo menos aparente) amplo consenso entre teóricos e actores. A literatura “nascente”, do nosso tempo revisita a noção de base do conceito tradicional de Segurança do período da Guerra Fria e assiste-se a uma convergência baseada na convicção de que se verifica existir um extenso conjunto de ameaças e desafios – novos e velhos - que se colocam no domínio da Segurança e que afectam vários domínios da esfera da Sociedade, do Estado e do Indivíduo. Na verdade, se considerarmos como exemplos, situações como: novas formas de nacionalismo; a multiplicação de conflitos étnicos e guerras civis; os avanços nas tecnologias de informação e consequente multiplicação de possibilidades de utilização e fins a que se destinam; os desenvolvimentos produzidos na esfera da guerra química e biológica; a proliferação de conflitos por recursos; pandemias; migrações em massa; terrorismo transnacional e ameaças ambientais, torna-se bastante simples 21

Cfr. BALÃO, 2001, A Fórmula do Poder. Elite, Partidos, Democracia e Poder Político no Pensamento de Moisei Ostrogorski.

22

Cfr. ALMEIDA, 1989, Cultura e Poder.

23

Cfr. SNYDER (Ed.), 2008, Contemporary Security and Strategy.

24

É importante neste ponto salvaguardarmos a existência de uma diferença entre os significantes Estado e Estado-Nação. Por mais que se tenha vulgarizado o recurso a ambas como sinónimos, é importante esclarecer, na linha dos contributos de autores como Adriano Moreira e José Adelino Maltez que: enquanto o “Estado” é uma invenção da Revolução rancesa, o “Estado-Nação” é muito mais antiga. A isso se deve a afirmação do segundo dos autores referidos relativamente ao facto de na Europa existirem apenas dois Estados-Nação: Portugal e a Dinamarca. Cfr. Moreira, 1989, Ciência Política; Maltez, 1990, Ensaio sobre o Problema do Estado.

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perceber que todos eles possuem a capacidade de desafiar os tradicionais meios de abordagem e entendimento das ameaças, por um lado; bem como das garantias de segurança a todas as regiões do globo, por outro. A crescente consciência destas novas ameaças desafia, assim, as formas como os princípios e as abordagens à segurança são hoje equacionadas e, por isso, surgem neste contexto duas características que são consideradas “chave” nas ameaças à segurança: o facto de ultrapassarem as fronteiras do Estado-Nação e o facto de estarem inter-relacionadas através da globalização. Esta última característica levanta questões relativas à limitada capacidade de acção da Política Externa e da Capacidade Militar de cada Estado individualmente considerado - quer para enfrentar os desafios da sua pp segurança, quer da dos seus vizinhos. Além disso, hoje, a segurança e a insegurança já não são consideradas apenas condicionadas pela geopolítica e pela capacidade militar. De facto, as questões sociais, económicas, ambientais, morais e culturais têm que ser igualmente consideradas, assumindo uma relevância decisiva. Por outro lado, no momento presente estamos, na verdade, perante uma “nova” realidade, pelos seus contornos e por tudo o que ela representa e ou significa: uma nova economia da Segurança – que se situa muito longe do âmbito da tradicional segurança nacional. Neste contexto, podemos considerar que a situação actual se pode caracterizar tendo por base cinco observações de carácter geral: a Segurança está a tornar-se cada vez mais comercializada; os fornecedores de Segurança, públicos ou privados recorrem, cada vez mais, a soluções tecnológicas; a “Tecnologização” da Segurança acabou por conduzir a estádios avançados de uma industrialização da Segurança, suscitando uma espécie de diferenciação “interna” do produto; a Segurança globalizou-se e, finalmente mas não menos importante, o efeito colectivo destas transformações na noção de Segurança é a produção de Insegurança. Identificadas as coordenadas-base da nossa análise, há que esclarecer (ainda que sucintamente) o que cada uma delas representa. Assim, e para a primeira (A Segurança está a tornar-se cada vez mais comercializada) há que ter presente o facto de que a Segurança se assume hoje, e sem margem para dúvidas, como uma importante mercadoria (para não afirmar, taxativamente, que é a mais importante mercadoria no nosso tempo) que pode ser comprada ou vendida, num mercado de segurança, também ele mais ou menos aberto. De facto, os mercenários passaram a, com cada vez maior incidência, substituir as forças de segurança e defesa nacionais fazendo-nos recuar no tempo e recordar Nicolau Maquiavel quando, ao invés, face ao seu enorme desejo de uma Itália unificada defendia a substituição dos exércitos de mercenários pela criação de milícias nacionais25, como forma de travar a persistente devastação a que as sucessivas guerras na península itálica haviam conduzido. Mas, eis que assistimos a um retrocesso na história e, ao invés de exércitos (Forças Armadas) profissionais a quem é entregue a Segurança e a Defesa Nacionais, deparamo-nos com o fim do serviço militar obrigatório (mas sem que, em seu lugar, tenhamos assistido à opção por um modelo que contemplasse, em alternativa, por exemplo, a formação e preparação das forças civis (à semelhança do que se verifica na Suiça, por exemplo). A justificação que assenta nos argumentos económicos não parece ser, na verdade, suficiente para entender a opção, sobretudo face a tanto despesismo em opções que nada têm de estratégico na defesa e salvaguarda dos interesses do país (problema que, de resto, tal como afirmava o Professor Jorge Dias, nada ter de conjuntural mas, lamentavelmente, ser efectivamente estrutural)26. Ela parece, ao invés, inscrever-se (também, e uma vez mais) no seguidismo na25

Cfr. MAQUIAVEL, 1775, The Works of Nicholas Machiavel - The Art of War.

26

Cfr. DIAS, 1967, Estudos Sobre o Carácter Nacional Português.

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cional das orientações supra-nacionais, até porque a mercadoria/bens de Segurança circulam através das fronteiras, classes sociais, serviços, organizações, interesses e alianças, tornando-se cada vez mais “apetecível” e, mais grave, rentável. Será caso para afirmar, na linha de George Santayana, que quem não conhece os erros da história está destinado a repeti-los (ou, pelo menos, correrá maior risco…). No que à segunda coordenada identificada diz respeito (Os fornecedores de Segurança, públicos ou privados recorrem, cada vez mais, a soluções tecnológicas), é importante não deixarmos de ter presente que os seres humanos, objecto/destinatários tradicionais da Segurança são, cada vez menos, participantes nessa equação. Apesar de ser em nome deles que a grande maioria das medidas é equacionada e que as decisões são tomadas, o facto é que eles são, cada vez mais, considerados entraves às soluções securitárias, porque sinónimos de redutores da sua eficácia. A essa qualificação não será, certamente, estranho o facto de que hoje a Segurança é uma ferramenta cujas qualidades tecnológicas tornam possível a ausência dos seres humanos. Por outro lado, e invocando a terceira coordenada que se encadeia perfeitamente no que acabámos de escrever, a “Tecnologização” da Segurança acabou por conduzir, de facto, a estádios avançados de uma industrialização da Segurança, suscitando uma espécie de diferenciação “interna” do produto. Esta diferenciação, por seu lado, e obedecendo a uma lógica capitalista, parte do princípio básico da economia segundo o qual a procura aumenta em função da oferta. Assim quanto maior for o volume da oferta comercialmente disponível de soluções de Segurança Tecnológica, maior será a necessidade sentida por parte das pessoas, que a ela passam a recorrer sucessivamente mais. Assim, não parece restar grande margem para dúvidas quanto ao facto de a Segurança ser, ela própria, um bem/uma mercadoria que, como tantas outras, face ao contexto global de crescente interdependência se torna mais diversificada mas, também e simultaneamente, mais localizada, adequada ao seu contexto, ao seu consumidor e ao seu utilizador. Tudo isto nos conduz à penúltima coordenada-chave identificada (A Segurança globalizou-se). É interessante (e inquietante, em parte) constatar que a sua ligação territorial e até de previsão tem vindo, gradualmente, a perder-se. Além disso, a imagem da ameaça tem vindo a tornar-se mais difusa e ubíqua, ambígua e invisível, o que cria grandes dificuldades a quem com ela tem que lidar – ou seja, todo o mundo. Por isso, não nos surpreende que o conceito de risco27 tenha vindo, progressivamente, a substituir o de perigo como objecto das preocupações de Segurança. Assim, o discurso do risco substitui o perigo real pelo perigo virtual, não especificado mas calculado. Finalmente, estamos em condições de avançar para a quinta e última coordenada que identificámos porque, de facto, o efeito colectivo destas transformações na noção de Segurança é a própria produção de Insegurança. A tecnologia e a sofisticação são procuradas como sinónimo de segurança, muito embora acabem por produzir o efeito contrário. Assim, estão criadas as condições para o progresso da economia da Segurança e para a conquista de quota de mercado dessa mesma mercadoria porque menos confiança implica menos segurança. E a tudo isto não é indiferente o papel desempenhado por um importante instrumento que condiciona de modo significativo a vida humana em todo o planeta, na medida em que ao invés de cumprir a sua principal missão, que é informar e educar as audiências, o público, os leitores opta por ceder perante os avanços dos poderes político e económico, submetendo-se-lhes e aceitando serem instrumentalizados para passar a instrumentalizar, também, através da disseminação da propaganda. 27

Cfr. BECK, 2001, La société du risque.

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Assim, e no caso português em geral e da RAM em particular, as questões que se colocam no domínio da Segurança assumem uma relevância muito significativa resultado, desde logo, da escassez de meios (capacidade muito diminuta) associada a condições geopolíticas de grande exigência, nomeadamente no que se refere ao Mar, em todas as suas acepções: da Zona Económica Exclusiva, às águas territoriais, passando pelo Mar Profundo das águas internacionais. Os desafios são inúmeros. Desde a segurança marítima, passando pela exploração dos fundos marinhos e pelo conhecimento científico, pelo Saber, a questão que se coloca é fundamentalmente uma: e os meios necessários, onde estão? Em face das dificuldades que se colocam na resposta à questão, a confiança tende a esmorecer e, tal como a Lei do Desafio-Resposta permite perceber, nem sempre a Cultura tem capacidade para encontrar uma resposta à altura do desafio28.

GLOBAL COMMONS No momento presente, e sobretudo graças às regiões ultraperiféricas, a UE dispõe do primeiro território marítimo mundial, com cerca de 25 milhões de Km2 de Zona Económica29. A par com as discussões sobre o Ambiente em termos gerais e as Alterações Climáticas em particular, o assim-designado “mar profundo” surge enquadrado nos Global Commons pela sua relevância para toda a humanidade e este parece ser o grande desafio que se coloca à humanidade e ao qual se espera que esta consiga responder positivamente. Mas, antes de avançar, uma questão se impõe: o que são, afinal, os Global Commons? Assim, avançamos com a seguinte definição: «The global commons includes those parts of the Earth’s surface beyond national jurisdictions – notably the open ocean and the living resources found there – or held in common – notably the atmosphere. The only landmass that may be regarded as part of the global commons is Antarctica…»30. Ou seja, incluem-se sob esta expressão as partes da superfície da Terra que estão para além das jurisdições nacionais – nomeadamente o Mar Profundo [Oceano Aberto] e os recursos vivos nele existentes –, ou que são partilhadas – como a atmosfera. E a única massa terrestre que pode ser considerada como fazendo parte dos Global Commons é a Antártida. A relevância política da questão é muito significativa, e está longe de poder ser designada (ou sequer considerada) nova. De facto, desde o decénio de ’70 do século XX que o mundo tem vindo a assistir à formação dos chamados Partidos Verdes, em resultado do Ecologismo, de uma Ideologia que se alimenta na sua génese fundacional da assumpção da existência de um problema Ambiental em geral e das alterações climáticas em particular, que afectam todo mundo e que por isso são partilhados por todas formas de vida, comprometendo o equilíbrio do planeta enquanto ameaçam a sobrevivência do próprio mundo devido aos mais variados tipos de poluição e utilização deficitária de Tecnologia, Recursos e Conhecimento. A ONU tem organizado desde Estocolmo, em 1972, Cimeiras com o objectivo de chamar a atenção dos líderes do mundo, como a de Copenhaga, em Dezembro de 2009 – mas com resultados que, genericamente, têm sido inconclusivos (para não dizer que têm sido fracassos). 28

Cfr. TOYNBEE, 1964, 1987, A Study of History.

29

In, http://europa.eu/legislation_summaries/glossary/outermost_regions_pt.htm, consultado em 07.11.2011; 18:33.

30

International Union for Conservation of Nature and Natural Resources in collaboration with UNESCO and with the support of the UN Environment Programme & the World Wildlife Fund, 2009, World Conservation Strategy Report., Chapter 18, http://data.iucn.org/dbtw-wpd/edocs/ WCS-004.pdf.

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Foram assinados Tratados, mas não ratificados, como os de Quioto. Horas e esforços foram dedicados à discussão do problema na expectativa de encontrar soluções para o problema principal e para a miríade de todos aqueles que lhes estão associados. Entretanto, a ideia de Global Commons transformou-se num projecto e a questão da Amazónia foi o seu sustentáculo durante muitos anos, assente no argumento de que a sua destruição era já uma realidade catastrófica, um pesadelo cataclísmico para toda a humanidade. A sua classificação como Património Comum da Humanidade foi defendida durante muitos anos como sendo a única solução para o problema. No entanto, esta “reivindicação” aparentemente tão inocente, mas cuja utilidade se revelaria particularmente útil (no caso de se concretizar), nomeadamente para os Estados Unidos da América do Norte enfrentou, desde muito cedo, uma forte resistência da parte do Brasil (Estado “soberano” do qual a Amazónia é parte integrante). Até hoje. Na actualidade, a Política Externa do Brasil não deixa margens para dúvidas quanto a esta questão: a concretização dos projectos da Amazónia Verde e da Amazónia Azul representam o núcleo central da Ideologia Política do Brasil para o século XXI, enquanto a Governança do Árctico a par das questões que envolvem o “Mar Profundo” parecem ter vindo (e continuam), a pouco e pouco, a substituir a Amazónia nesta busca pela Ideologia dos Global Commons. De facto, neste domínio a discussão parece estar centrada nas questões do Governo do Árctico, com os Estados circumpolares do Árctico a reclamar os seus direitos soberanos e com essas exigências a serem reforçadas pelas reivindicações relativas ao alargamento da plataforma continental apresentadas junto da ONU. Assim, e apesar de estarmos cientes de que, dificilmente se poderá esperar assistir a qualquer tipo de avanço no domínio das questões dos Global Commons até que seja produzida decisão relativamente às questões do alargamento das plataformas continentais, o facto é que ele continuará a ser um projecto e, como tal, passível de vir a ser concretizado pelo que, certamente, diferentes estratégias de acção terão que ser equacionadas.

3. A IMPORTÂNCIA DO DESAFIO DOS GLOBAL COMMONS PARA A RAM NO CONTEXTO DA NOVA ORDEM GLOBAL CONTEMPORÂNEA Na sequência do exposto facilmente se compreende que é precisamente na equação de novos desafios que as reais e potenciais janelas de oportunidades têm que ser identificadas, os objectivos definidos e em articulação uma Estratégia tem que ser desenhada. Assim, e em face dos desafios que se colocam ao mundo em geral e à Região Autónoma da Madeira (RAM) em particular, no contexto da actual conjuntura, torna-se essencial não deixar de ter presente a relevância de que se reveste a questão da Segurança em articulação, nomeadamente, com o Mar Profundo (Águas Internacionais), a Zona Económica (ZE - UE), a Zona Económica Exclusiva (ZEE – Portugal), o impacto do dossier com as reivindicações para o Alargamento da Plataforma Continental (para Portugal em particular mas, também e bastante significativamente, para a UE) apresentadas junto da Organização das Nações Unidas (ONU) e o problema mais amplo mas, igualmente, potencialmente mais sério, das alterações climáticas. Não podemos deixar de ter presente um princípio fundamental que, por ser tão básico, tão “senso

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comum”, tende a ser negligenciado: se nós não aproveitarmos, não fizermos, não explorarmos, não quisermos, não beneficiarmos… alguém há-se aproveita, há-de fazer, há-de explorar, há-de querer, há-de beneficiar. E isto aplica-se particularmente neste domínio sobre o qual nos temos vindo a debruçar. A simples reivindicação portuguesa para o alargamento da plataforma continental não é sinónimo de “posse”, nem sequer de “uso”. Para tal (e é um pressuposto conhecido e parte integrante dos dossiers) torna-se fundamental que cada país que vir as suas reivindicações reconhecidadas pela ONU possua (ou venha a possuir) a capacidade, os meios, necessários ao controle, fiscalização, exploração e conhecimento da área adicional que venha a ser-lhe “atribuída”. Se tal não suceder, um outro “senhor” lhe há-de suceder nessa tarefa submetendo, naturalmente, os interesses portugueses a outros. Assim, e tendo em consideração que o território português se prolonga para além do continente europeu até às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, e que as reivindicações para a extensão da plataforma continental reflectem tal realidade geopolítica, a Região Autónoma da Madeira não pode deixar de estar atenta e de agir em conformidade. Do mesmo modo, a RAM não pode deixar de estar atenta ao que se está a passar na região mais a norte do planeta, tendo em conta que as alterações climáticas em curso não se limitarão a trazer consequência àquela zona do globo. O degelo, a causar a abertura de passagens até aqui inexistentes (ou quase sempre intransitáveis), como a do nordeste, representarão grandes mudanças que poderão significar novas oportunidades também a sul.

4. AUTONOMIA REGIONAL INTEGRADA NA DEFINIÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA GLOBAL DA UNIÃO EUROPEIA PARA O ÁRCTICO Como já anteriormente foi referido, o problema dos Global Commons tende, hoje, a apresentar-se centrado, sobretudo, no Árctico e no Mar Profundo. Se a questão relativa ao Mar Profundo parece ser relativamente pacífica, no caso do Árctico já não se pode fazer a mesma afirmação, sobretudo porque existe uma efectiva disputa em curso naquela região. De facto, entende-se que não existe qualquer tratado específico que defina qual o regime que é aplicável àquela zona do globo. Por isso, considera-se, em geral e por princípio que nenhum país ou grupo de países possui soberania sobre o Pólo Norte ou o Oceano Árctico à sua volta, o que nos coloca de novo perante a questão dos Global Commons ou, como é mais comum dizer em língua portuguesa, Património Comum da Humanidade. No entanto, e um pouco na mesma linha daquilo que anteriormente se referiu quanto ao caso da Amazónia, quando nos referimos à região do Árctico, estamos a considerar, usualmente, a zona situada a norte do Círculo com o mesmo nome e que inclui o Oceano com a mesma designação. Também nele estão incluídos os territórios de três Estados-Membros da UE: Dinamarca (incluindo a Gronelândia), a Finlândia e a Suécia. Além disso, também dele fazem parte os territórios de dois Estados parceiros da Área Económica Europeia: a Islândia e a Noruega. Finalmente, há ainda a considerar a presença da Rússia, dos EUA e do Canadá. São Estados Ribeirinhos, o Canadá, a Dinamarca (Gronelândia), a Noruega, a Rússia e os EUA.

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Mapa 7 – Círculo Polar Árctico Interior31

A Estratégia da UE relativamente ao Árctico durante o período 2005-2009 traduziu-se em medidas que passaram por: uma aposta no desenvolvimento de uma economia marítima mais forte; o desenho de uma política integrada, ambientalmente sustentável, assente na excelência da investigação marinha e na tecnologia – que culminou na iniciativa do “Ano Polar Europeu”, que decorreu entre Março de 2007 e Março de 2009. Além disso, reconheceu a importância de encontrar vias alternativas no que se refere ao desbravar do potencial contido no Árctico, nomeadamente no que se refere a questões energéticas, transportes, ambiente, pescas, segurança e mantendo sempre uma preocupação relativa às populações indígenas. Para o período 2009-2013, as prioridades foram definidas em função da necessidade de reforçar a aposta no desenvolvimento de um sistema cooperativo de governança para o Árctico assente na United Nations Convention Law Of the Sea (UNCLOS) – Convenção das Nações Unidas sobre Direito 31

Fonte: http://ec.europa.eu/maritimeaffairs/arctic_overview_en.html.

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do Mar32 de modo a assegurar os objectivos de segurança e estabilidade (que, de resto, já haviam sido identificados para o período anterior), uma gestão ambiental restrita e a garantia de um acesso livre e equitativo aos recursos ali existentes. Para o mesmo período foram identificados como principais problemas/desafios os decorrentes do aquecimento global, nomeadamente o degelo, com as consequentes alterações a terem lugar nas rotas marítimas - com o aumento potencialmente muito significativo de necessidades de vigilância, segurança e controlo de embarcações, indivíduos e bens -, assim como a relevância do conhecimento, ciência e tecnologia – tendo em consideração todo o manancial de novidade que esta realidade, a confirmar-se, pressupõe. A RAM pode envolver-se mais directamente na Estratégia que a UE tem vindo a desenhar para o Árctico. De facto, possui condições Geopolíticas e Geoestratégicas privilegiadas e, se equacionasse (e definisse) uma Estratégia Regional que apostasse no reforço dos meios e instrumentos de vigilância, segurança e controlo marítimos (em associação com os meteorológicos já existentes e a serem reforçados), no reforço da capacidade turística e de portos (equacionando, nomeadamente, o potencial associado à possível alteração das rotas marítimas existente, com maior afluência de turismo e carga por via marítima [ligação Pacífico-Atlântico via Árctico]), na reparação naval (tendo em conta que a economia de base industrial que sustentava o modelo de Estado Social foi substituída por uma Economia de base tecnológica [o que explica, em larga medida, o significativo aumento do número de pessoas desempregadas, uma vez que o desenvolvimento da tecnologia e correspondente sofisticação que, entretanto, se verificou, permite prescindir de números sucessivamente maiores de Recursos Humanos), talvez pudesse beneficiar de uma oportunidade para reinvestir na dinamização da indústria: promover emprego, fixar as pessoas, apostar na experiência e qualidade. Potenciar Recursos e Resultados, em simultâneo. Além disso, é importante afirmá-lo, o seu Estatuto de Autonomia também poderá ser potenciado neste domínio, uma vez que permite equacionar várias opções na medida em que, em caso de assim o desejar, pode contar com a possibilidade de integrar projectos internacionais por iniciativa própria (o que pressupõe, desde logo, a possibilidade de proceder a um decision-making e decision-taking estratégico, que possa ir ao encontro dos interesses da RAM) como, por exemplo, foi o caso da Iniciativa Ano Polar Internacional (UE 2007-2009), da criação de um Consórcio Europeu para a construção de um navio oceânico com capacidade para a prospecção do fundo e investigação oceânicas, inclusivé no Árctico (o Aurora Borealis). Deste modo, também estaria a assegurar um posicionamento na vanguarda da acção estratégica, bem como do conhecimento e desenvolvimento tecnológico - estrategicamente orientado. Além disso, seria importante apostar na criação e ou acção de Lobby (em Bruxelas, nos corredores das instituições europeias é usual e perfeitamente legal) de modo a, com maior facilidade, estar e permanecer próximo dos meandros do poder supranacional onde hoje, praticamente tudo é decidido. Influenciar e participar é estar na linha da frente – por oposição à anomia. E isso é Empowerment. Isso permite garantir consições às pessoas em particular e à Região em geral, para participar e aproveitar as sinergias resultantes das oportunidades que surgem em cada momento, em função dos interesses da RAM. Assim se defendem os interesses da região acompanhando o futuro a partir do presente e preparando o caminho para dele colher benefícios. 32 Cfr. http://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/unclos/UNCLOS-TOC.htm, consultado em 21.10.2011; 09:12.

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A mudança implica transformação, é certo. Resta saber se a encaramos como um desafio que nos impulsiona para a frente e para cima ou se, ao invés, ficamos aterrorizados e paramos na esperança de que tudo não passe de um pesadelo…

CONCLUSÃO «Num contexto de Globalização como é aquele em que o planeta – considerado aqui em termos gerais, no seu sentido mais amplo - está imerso torna-se, a nosso ver, crucial, procurar “perceber” quais as “janelas de oportunidade” que hoje se apresentam (pelo menos) entreabertas para os países que, como o nosso, são mais pequenos, exíguos, dependentes e “voláteis” na real balança política e económica de poderes à escala internacional. Aproveitá-las pressupõe, antes de tudo, identificá-las e torná-las visíveis para os decisores, na expectativa de que elas se possam enquadrar na agenda de acção política prevista para cada ciclo político-conjuntural, e vê-las serem “traduzidas” em Políticas Públicas ou, se se preferir uma designação mais conservadora, em Políticas de Estado – quer na esfera “nacional” mais restrita, quer na europeia ou global.»33. A nossa perspectiva de análise não se alterou desde que, em 2008, escrevemos as palavras com que iniciámos esta conclusão. Tal como naquela data, persiste a nossa convicção relativamente à informação que os factos históricos nos transmitem: o Mar esteve sempre no centro do exercício do Poder à escala mundial, nomeadamente desde aquela que é, por muitos, considerada a primeira onda de Globalização – a Era Gâmica – na qual e para a qual Portugal terá ocupado uma posição central. Muitos serão, certamente, os pontos de discórdia relativamente a detalhes destes relatos da diacronia histórica mas parece subsistir um facto relativamente ao qual quer as opiniões desprovidas de cientificidade quer, sobretudo, as análises de cariz científico tendem a convergir: é em torno do Mar e do acesso a ele que, directa ou indirectamente, os grandes conflitos tiveram, têm e provavelmente continuarão a ter lugar. Por isso, tal como afirmávamos já em 2008 e, antes disso, em 200334, a geopolítica do mar e a globalização têm que ser equacionadas e consideradas a par das fronteiras tradicionais, físicas, num tempo em que tudo é cada vez e sucessivamente mais fugaz, interdependente, globalizado e particularmente frágil no que se refere aos recursos naturais – fonte natural de sobrevivência mas, também, de riqueza. Do exposto não nos resta qualquer dúvida relativamente ao facto de o mar continuar a representar, para o mundo, um factor estratégico da maior relevância. Para a UE em geral e para Portugal em particular, o papel das Regiões Ultraperiféricas – aqui com particular destaque para a Região Autónoma da Madeira – assume um destaque especial na medida em que elas representam a possibilidade de conferir profundidade geopolítica à massa continental, por um lado e, por outro porque, pela sua condição insular e posição geográfica representam ainda uma mais-valia significativa do ponto de vista geo-estratégico. Abdicar do mar e da profunda ligação que com ele partilhamos desde há vários séculos é negar a própria existência nacional. Além disso acresce que, como país quase totalmente dependente do exterior em matéria de recursos alimentares (para além de tantos outros), é no mar que mais uma vez parece encontrar-se a resposta para vencermos, de novo, o desafio que a conjuntura, em cada momento, constrói. 33

BALÃO, 2008, «Comunicação e Globalização: Portugal e o Mar na definição da Política Global», p. 137.

34

Cfr. BALÃO, 2003, Portugal, Geopolítica do Mar, Globalixação e Fronteiras Flexíveis.

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Parece hoje consensual considerar Portugal um país terciário, dominado pelos serviços e pelo Saber. Assim sendo, um dos serviços mais poderosos e rentáveis, capaz de (se for potenciado e bem desenhado) fazer pender o fiel da balança de pagamentos a nosso favor é, como chegou a sê-lo num passado não muito longínquo, o Turismo. Mas, referimo-nos a um turismo de qualidade, o que pressupõe a existência de estruturas hoteleiras sólidas, funcionais, bem pensadas e desenhadas, capazes de responder às necessidades, até, dos mais exigentes. Mas, exige igualmente recursos humanos altamente qualificados, muito bem formados, e uma política de ambiente absolutamente irrepreensível, associada a um ordenamento do território e a uma gestão dos oceanos, elementos que deverão estar integrados num sistema de eficiência maximizada para assegurar uma eficácia total. Além disso, retomando a questão da importância associada à existência de Regiões Ultraperiféricas, à sua insularidade e ao seu posicionamento geo-estratégico, anteriormente referidas, parece-nos relevante salientar que, no caso português – e apesar de ser a Região Autónoma dos Açores aquela que tem sido mais frequente e generalizadamente considerada relevante neste âmbito devido, em larga medida, ao facto de nela existir uma base aérea desde há muito identificada como de importância vital - não podemos esquecer que a Região Autónoma da Madeira não deverá, nem poderá, continuar a ser negligenciada. Por um lado porque tem vindo a ser direccionado um esforço muito significativo no desenvolvimento regional, procurando criar condições que, articuladas com as condições climáticas privilegiadas tornem a região num destino turístico de excelência – o que, de resto é, já, uma realidade. Por outro lado, torna-se fundamental apostar no desenvolvimento da indústria – e não apenas dos serviços porque, como aliás podemos hoje confirmar, é extremamente volátil. Sobretudo, impõe-se identificar as áreas de complementaridade que, ligadas e orientadas para a valorização, controlo, exploração e desenvolvimento do mar enquanto factor estratégico e de progresso possam, igualmente, contribuir para a criação de emprego e de incorporação de mais-valia nas trocas internacionais. Mais ainda: a posição da RAM equacionada em função das rotas marítimas existentes mas, sobretudo, das que virão, ainda, a ser desenhadas, merece uma atenção e reflexão redobradas – não apenas no que se refere à rota/circuito dos cruzeiros (que é já uma realidade) – sobretudo no que diz respeito ao potencial associado às alterações climáticas, ao degelo nas regiões do Árctico e à própria estratégia definida pela UE não apenas para aquela região do pólo norte mas, também para o Báltico e para o Mediterrâneo. Esta última é, claramente, uma área de influência natural da RAM e que merece ser potenciada. Para isso torna-se fundamental criar as condições necessárias e suficientes para poder estar na “corrida”. Mesmo que seja apenas para “ir a jogo”, é importante poder fazê-lo. E o facto é que há sempre uma de duas opções: ou assumir uma posição reactiva ou, ao contrário, ser proactivo. Em qualquer dos casos, a importância da Gestão Estratégica do Mar é, hoje, essencial35. O Espaço pode ser designado como a “Última Fronteira” mas, aqui e agora, e no que toca à realidade “palpável”, a disputa pelo espaço marítimo continua a ser o teatro de operações em torno do qual maior quantidade e diversidade de actores se reúne, buscando assegurar uma fatia cada vez maior desse mercado que, afinal, acabará por ter um fim. Por isso, e porque por analogia com a economia, as necessidades são ilimitadas e os recursos (mesmo que sejam referentes ao espaço marítimo) são limitados, a oferta é sempre menor do que a procura. Assim, quem ocupar um lugar na pole position pode escolher e, provavelmente, assegurar um preço mais equilibrado. Além disso, não é possível continuar a ignorar um facto: é que o Planeamento e Ordenamento do 35

Cfr. DAMANAKI, 2010, Let’s Act for Europe’s Maritime and Coastal Economy.

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Espaço Marítimo é um projecto à beira de ser concretizado36, tendo em vista a partilha do Mar, procurando conciliar diferentes interesses, enquanto potencia o investimento em sectores como as Pescas, os Transportes, a Energia e o Turismo. Mas, também, a Aquacultura e a Energia das Ondas. Por outro lado, não podemos esquecer a relevância das auto-estradas marítimas, e aqui o Oceano Atlântico assume uma relevãncia determinante, nomeadamente quando equacionado em articulação com um sector em franco desenvolvimento e expansão, como é o da indústria do lazer associado aos Cruzeiros mas, também e em breve, com um renovado vigor no que se refere à marinha mercante (com a passagem do nordeste no Árctico e com as eventuais alterações que poderão produzir-se no seio do Mediterrâneo e envolvendo, por exemplo o canal do Suez37). Mapa 8 – Comparação gráfica entre a passagem do Nordeste (Azul) e um arota alternativa através do canal do Suez38

36

Cfr. COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2008, Roteiro para o ordenamento do espaço marítimo: definição de princípios comuns na UE

37

Cfr. http://www.1911encyclopedia.org/Suez_Canal, consultado em 01.11.2011; 11:13.

38 In, http://en.wikipedia.org/wiki/Suez_Canal, consultado em 01.11.2011; 11:17.

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Mapa 9 – Visualização das duas rotas alternativas: via Suez ou via Cabo da Boa Esperança39

39

In, http://www.khanelkhalili.com.br/mapasEgito4.htm, consultado em 01.11.2011; 11:43.

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Mapa 10 – A Importância do Egipto na Segurança do Canal do Suez40

40

Adaptado a partir de http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/estado-maior-americano-espera-que-egito-proteja-canal-de-suez, consultado em 01.11.2011; 12:24.

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