Gonçalves de Magalhães e a fabricação da nação brasileira

July 18, 2017 | Autor: Sérgio Massagli | Categoria: Portuguese and Brazilian Literature, Brazilian Studies, Brazilian Literature
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Gonçalves de Magalhães e a fabricação da nação brasileira

Sergio Roberto Massagli (Universidade Federal da Fronteira Sul)






Este trabalho se propõe a investigar como o Romantismo brasileiro,
em seus primeiros alvores, na ânsia de dar contornos ao caráter nacional,
imerge na busca da alma individual e coletiva da pátria, e como Gonçalves
de Magalhães, arauto do movimento romântico no país, desempenha um papel de
intelectual orgânico, na concepção gramsciana, ao estabelecer o ideário
programático do movimento, tendo como objetivo primordial receitar a
terapêutica para o nosso raquitismo cultural e refundar o Brasil como nação
moderna adequada às exigências da civilidade européia, sobretudo a de
orientação francesa, em contraposição à herança da colonização portuguesa,
signo do nosso atraso. Como um intelectual orgânico avant la lettre,
Gonçalves de Magalhães explicita seu lugar e seu papel dentro da ideologia
dominante da nascente estrutura política e sua função na sua auto-
afirmação, bem como usa sua posição para engendrar estratégias que
desenvolvesse na mirrada classe intelectual brasileira uma consciência
orgânica e autônoma.
Concentrarei minha leitura no artigo publicado na revista Niterói -
Revista Brasiliense, editada em Paris, no ano de 1836, catorze anos após
nossa independência política, por Gonçalves de Magalhães, Torres-Homem e
Porto Alegre. Publicada em apenas dois números, a revista, uma espécie de
Reader's Digest da época, assumia o papel de propagadora dos ideais da
recém-constituída modernidade européia dentro do espírito enciclopédico da
Ilustração. Embora tenha saído em apenas dois números e incapaz de uma
"ação popular", como teve a revista Panorama, em Portugal, dirigida por
Herculano, estabeleceu o ponto de partida para a discussão sobre a
necessidade de uma literatura nacional sob o influxo das idéias de autores
estrangeiros como Mme. de Stael, Ferdinand Denis e Chateaubriand.
Finalmente, partindo do pressuposto de que o momento cultural era o
da constituição das nacionalidades, tanto na Europa como nas colônias
americanas, buscarei identificar no artigo de Gonçalves de Magalhães as
estratégias de identificação cultural e de interpelação discursiva que o
levaram a escrever a nação em nome do "povo" a partir de uma temporalidade
cultural, dentro da qual se formou toda uma geração, à qual Magalhães
pertenceu como expoente, e que explicaria como ele e seus colegas da
revista pretenderam "conformar aos seus ideais o nosso povo, enquanto este
foi matéria plástica e maleável" (HOLLANDA, 1966, p. 353)



2. Gonçalves de Magalhães e a revista Niterói.

Gonçalves de Magalhães é freqüentemente julgado pelo que não foi –
um poeta de grande habilidade no trato da palavra e dotado de uma linguagem
adequada ao momento e à grandeza da sensibilidade romântica. Aludido muitas
vezes de maneira pouco simpática como "romântico arrependido", "escritor de
segunda plana" e muitas vezes referido, com solenidade irônica, como o "Sr.
Magalhães", em virtude do prestígio que obteve em uma carreira feliz de
diplomata e político, na qual, aliás, fez boa figura, como generosamente
observa Hollanda, acrescentando que "soube aparentemente guardar, em toda a
vida, uma gravidade melancólica e solene, e um alto senso de dignidade –
virtudes que no Brasil imperial eram excelentes" (HOLLANDA, 1966, p.368). O
Sr. Magalhães pertencia a essa gente honrada, composta por homens
medíocres, com suas suíças veneráveis, cabelos arrumados, óculos de aro de
ouro e pose de escritório, bem ao figurino da época, que não era apenas
exterior. Eram "homens de ordem e moderação, medianos na maioria, que
viviam paradoxalmente o início da grande aventura romântica..." (CÂNDIDO,
1981, p. 49).
É preciso entender que essa moderação no Brasil imperial era uma
virtude. Em face da ausência de uma esfera de atividade privada
independente da vida pública, o intelectual via-se na dependência das
benesses das autoridades do Estado, obtidas através da prática do favor,
como observa Roberto Schwartz, largamente usada no Brasil de então. Assim,
o escritor obrigava-se, em sua atitude política, misturar um "certo
liberalismo de origem regencial e o respeitoso acatamento ao Monarca". Se
quisesse ser bem sucedido, mesmo no acesso da paixão literária, deveriam
agir com conveniência, "nunca tirando um olho do Instituo Histórico ou da
jovem e circunspecta majestade de D. Pedro, ao qual dedicavam seus livros"
(CÂNDIDO, 1981, p. 47-49). Obviamente esse sucesso do Visconde de Araguaia
e sua adequação ao meio oficial da época choca alguns pelo contraste com
sua persona poética que se arroga a maldição do Gênio, condenado à vida
solitária e para sempre incompreendido.
Essa visão melancólica e profundamente idealista sobre o papel do
poeta e, por extensão, a que tinha de si-mesmo, enquanto poeta, já aparece
em seu ensaio Sobre a Historia da Literatura, quando cita Mme de Stael para
quem "A glória dos grandes homens é o patrimônio de um país livre, depois
de sua morte todos participam dela" e conclui, junto com o "belo
pensamento" da autora de De L'Allemagne: "O Gênio no meio da multidão é uma
dor, uma febre interior de que se deve tratar como verdadeira moléstia, se
a recompensa da glória não lhe adoça as penas" (MAGALHÃES, 1836). Ao que
parece, se lhe faltou a consagração popular de outros que lhe sucederam,
não lhe faltou prestígio e reconhecimento literário, a ponto de Antonio
Candido afirmar que ele por dez anos foi a própria literatura Brasileira.
Como figura eminente na política de Estado, agraciado com honrarias
e distinguido com o título de Visconde de Araguaia, confundiu-se de tal
forma com a ideologia do Império, que passou a ser visto como elo de
ligação entre o romantismo e a gênese da consciência conservadora no
Brasil. Ao que parece Gonçalves de Magalhães pareceu ser o homem certo no
lugar certo e na hora certa, com um oportunismo que reconhece que, segundo
palavras suas, "o grande homem jamais se apresenta quando nós não o
merecemos" (MAGALHÃES, 1836).. Assim, com um aparente fatalismo, ocupou um
espaço vazio; obviamente, ou nem tanto, numa cultura que cultuava o homem
de gênio, não fosse ele, outro "grande homem" teria se apresentado. Foi um
tipo contraditório, poeta e político, renovador e conservador, nacionalista
e amante da civilização européia, provinciano com larga vivência na Europa.
Silvio Romero o definiu como "um homem de meias medidas: meio clássico e
meio teólogo, com pretensões a espírito moderno" (ROMERO, 1969, p. 22).
Embora sua persona poética conflita com sua personalidade social e
a ressonância do nome de Gonçalves de Magalhães na história da cultura
brasileira seja ambígua, pode ser dito que poucos, no entanto, viveram a
poesia como ele – romântica, que "antes de voltar-se para si como tema,
quer na verdade interferir na teia de ralações histórico-estéticas que rege
a sociedade humana" (MARQUES, 2005, p.13). Sua arte não é desinteressada,
não é uma arte autônoma, em que "o poeta não é lidador, mas antes sabe
libertar o mundo que cria do mundo das suas idéias e de seus anelos"
(HOLLANDA, 1966, p. 356). Se é Tabira quem peleja em Gonçalves Dias, é o
próprio Magalhães quem combate, em A Confederação dos Tamoios, ao fazer com
que o tema de sua epopéia obedeça claramente a uma intenção polêmica de
"ver liquidada a herança portuguesa" em favor da nova direção francesa,
levando-o fatalmente a propalar um "nativismo estreito e prosaico"
(HOLLANDA, 1966,, p.356). Em seu artigo no número 01 da Niterói, ele
próprio reconhece esse estreitamento como sendo uma poesia em tempos de
exceção:

No século dezenove com as mudanças, e reformas políticas,
que tem o Brasil experimentado, nova face Literária
apresenta. Uma só ide, uma nova idéia até ali
desconhecida, é a idéia da pátria; ela domina tudo, tudo
se faz por ela, ou em seu nome. Independência, Liberdade,
instituições sociais, reformas, política em fim, tais são
os objetos que atraem a atenção de todos, e os únicos, que
ao povo interessam. Tem-se convindo, e com razão, que
contrarias à Poesia são as épocas revolucionárias. Em tais
crises a Poesia, que nunca morre, só fala a linguagem do
entusiasmo patriótico, e das paixões, é a época dos
Tirteos. (MAGALHÃES, 1836).

Magalhães vai buscar nas elegias de Tirteo, de grande elevação e
tom firme e severo, o elogio ao valor guerreiro e a vigorosa afirmação do
ideal moral da pátria. Diferente de Homero, que exalta o valor individual,
Tirteo fala do valor coletivo; a cidade impõe a seus cidadãos obediência e
sacrifício civil por bem de pátria. Assim, no prefácio ao leitor, podemos
ver que o caráter didático e intervencionista, "o amor ao país, e o desejo
de ser útil aos seus concidadãos" são as motivações que moveram os autores
da revista no intuito de também influir sobre eles, desviando-os de "cousas
de pouca utilidade, e o que é mais, de questões sobre a vida privada dos
cidadãos" e acostumando-os a "refletir sobre objetos do bem comum, e de
glória da pátria".
Deste modo, a Nitheroy, Revista brasiliense – Sciencias, Lettras, e
Artes, cujo mote era "Tudo pelo Brasil e para o Brasil", foi o instrumento
de que se utilizou em sua campanha em prol do desenvolvimento de uma
inteligência e de uma literatura de cunho nacional foi com uma revista, com
a preocupação-mor de "criar, nas classes dirigentes brasileiras,
completamente absorvidas pela crise política regencial, uma consciência
lúcida, atualizada e atuante da realidade nacional, em dois de seus
principais aspectos: o econômico e o cultural" (AMORA, 1963, p.111). Além
da literatura outros temas ali são tratados porque seus colaboradores os
achavam relevantes para o processo de construção do pensamento da elite
intelectualizada sobre o Brasil.
Em seu "Ensaio sobre a história da literatura do Brasil", Magalhães
propõe a discussão de vários temas: as relações entre literatura e
sociedade; as condições da vida intelectual colonial; a origem da
literatura brasileira, seu início e caráter; a manifestação literária do
passado e do presente. Movido por um acentuado nacionalismo, o autor
critica a influência do classicismo sobre a literatura do Brasil, em
virtude da herança portuguesa, e aponta para a necessidade de afirmar o
caráter original da literatura, apoiado na nacionalidade literária.
Neste ensaio, em consonância com as tendências da historiografia
romântica, ao afirmar que cada nação tem uma literatura própria e
característica, reveladora do caráter do povo que a produz:

A literatura de um povo é o desenvolvimento do que ele tem
de mais sublime nas idéias, de mais filosófico no
pensamento, de mais heróico na moral, e de mais belo na
natureza; é o quadro animado de suas virtudes e de suas
paixões, o despertador de sua glória, e o reflexo
progressivo de sua inteligência (MAGALHÃES, 1836).

Fica claro, pois, que Magalhães valoriza a literatura como a mais
elevada forma de manifestação da cultura de uma nação e entende que esta
não se manifesta de maneira indiferenciada, mas antes é "variável com são
os séculos", e, como acontece com cada época, reflete uma idéia, que é o
"pensamento mais íntimo", a "razão oculta de todos os fatos contemporâneos"
(MAGALHÃES, 1836). Dentro dessa perspectiva idealista se propõe responder a
algumas questões que ele mesmo explicitamente formula e que visam, como
ficou dito acima, identificar a origem, o "progresso", o caráter, as fases,
os escritores e as circunstâncias que a informaram.
Contudo, o que mais nos interessa neste trabalho é a invectiva
profundamente nacionalista que o leva, inclusive, a precipitar uma ruptura
com o passado colonialista em que o Brasil, nas suas palavras, "jazeu três
séculos esmagado debaixo da cadeira de ferro, em que se recostava um
Governador colonial, com todo o peso de sua insuficiência, e de sua
imbecilidade." A esse respeito é bem verdade, como observa Hollanda, que,
por ter rompido com a tradição portuguesa e se vinculado à escola
romântica, por meio de uma fratura com a nossa tradição colonial, perdeu
aquela "secreta afinidade" com a espontaneidade sentimental inerente à
lírica de extração portuguesa e não foi capaz, como nossos maiores
românticos, de encontrar o "filão perdido" dessa sensibilidade, que já
predispunha naturalmente a alma lusitana, mesmo na época do classicismo, a
uma aversão permanente a tudo que é mero artifício e se opõe à livre
expansão da personalidade. Daí que, se nos trouxe os temas do romantismo
europeu e até insinuou os principais motivos que mais tarde inspirariam os
outros românticos, não obteve a consagração popular, uma que não conseguiu
compatibilizar a sua linguagem à nova sensibilidade lírica. Houve,
portanto, um descompasso entre sua proposição de uma poesia com novos temas
e motivos que, se agrupados teremos "uma teoria perfeita de temas
românticos" e sua linguagem ainda viciada pela sua formação clássica, que
rende malogrado o empenho de Magalhães em querer ser um poeta da nova
escola sem cuidar de criar, ao mesmo tempo, uma linguagem nova. (HOLLANDA,
1966, 367-368)
Além disso, em virtude de suas investidas contra o colonizador
português, vemo-lo delinear, em seu ensaio, uma área de combate cultural,
ou como diz Hollanda "uma zona onde a literatura confina com a política,
sem que as separe uma linha muito nítida". O que fica nítida é sua intenção
elevar o campo da cultura a um grau de autonomia que ele julgava necessário
para que o Brasil superasse seu atraso e se elevasse ao nível das nações
modernas européias, ou seja, fica nítida sua intenção de "traduzir em
literatura o mesmo ideal de independência que em política já se realizara
com antecipação de catorze anos é nele tão intencional, tão agressiva
mesmo, que G. D, a seu lado passará por um restaurador, verdadeiro
'caramuru' das letras" (HOLLANDA, 1966, p.354).
Antônio Cândido afirma que o "Romantismo no Brasil foi episódio do
grande processo de tomada de consciência nacional, constituindo um aspecto
do movimento de independência" (CÂNDIDO, 1981, p. 303). Vemos acontecer
naquele momento o choque de consciência de nacionalidade que viria a se
constituir em sintoma de uma tendência na história da nossa literatura em
tempos de afirmação de nossa independência econômico-político-cultural. Uma
espécie de histeria que decorre de um complexo que mistura uma ansiedade
por autonomia cultural e recusa do importado com um fascínio com o que vem
de fora, dos países mais "civilizados" – síndrome que acomete o colonizado
em face da cultura do colonizador. Temos, então, de um lado a ansiedade em
encontrar um não-sei-quê, definidor de nossa singularidade, que nos
identificaria como sujeitos dotados de uma maioridade identitária; de outro
a influência européia e a força de sua universalidade dominante,
patrocinando essa emancipação a partir de fora ou as legitimando de algum
modo.
Esse embate, que se deu durante nosso romantismo, entre as forças
telúricas, inspiradas na nossa natureza e a cultura ilustrada e
desenraizada que vinha do "alto", fecundando nossa terra, como nutrientes
em terra inculta, produzirá mais tarde, no nosso modernismo, uma
intensificação dessa ansiedade nas formas do ultra-nacionalismo do grupo
Anta e na antropofagia do grupo Pau-Brasil. Assim como nossos românticos
tiveram o empuxe das idéias de estrangeiros com um Debret ou um Denis, no
início de nossa modernização, o olhar estrangeiro de um Brecheret ou de um
Cendras será decisivo para que nossos primeiros modernistas redescubram o
Brasil. O que importa lembrar é que naquele primeiro momento, como neste
segundo, eleger-se-á o índio e a natureza como o legítimo representante do
que há de mais "nosso".


3. Construindo a indigeneidade
Após a independência, os brasileiros deviam encara o problema de
definir sua "indigeneidade" e distingui-la da continuidade de sua herança
Européia. Era necessário construir a figura do índio para descobrir o que
seria uma "relação original" com a terra e a natureza pátria. O
estabelecimento dessa relação adâmica, entretanto, não significava um
retorno simples à inocência. A relação entre a população e a terra era
nova, bem como era nova a relação da nova língua com a terra e língua por
si mesma já traz consigo muitas associações com a experiência européia e,
portanto, não poderia nunca ser inocente em sua prática. Essa dualidade
entre o indígena e o importado levaria ao que alguns teóricos chamam de
"apropriação" Essa apropriação se refere ao fato de que, uma vez que os
códigos de representação são europeus, há um impulso em competir, em termos
europeus, por reconhecimento literário que validasse o Novo Mundo aos olhos
do Velho (ASCROFT et ali, p.134-135).
Assim, a primeira tarefa a que o Romantismo Brasileiro,
representado por Gonçalve de Magalhães, se dedicou foi a de indicar as
novas orientações literárias, cabendo certamente ele a "intuição decisiva
de que elas correspondiam à intenção de definir uma literatura nova no
Brasil, que fosse no plano da arte o que fora a Independência na vida
política" (CÂNDIDO, 1981, p.11-12). Magalhães traz consigo três
acontecimentos da maior importância para o desenvolvimento de nossa
literatura:
É o arauto do nosso Romantismo;
É o arauto da orientação francesa, que prevaleceu na nossa
literatura até recentemente;
É o pioneiro do nacionalismo literário entre nós (teoricamente do
próprio indianismo romântico).
Em seu ensaio "Sobre a História da Literatura do Brasil",
Magalhães ressalta a ausência, nas origens de nossa colonização de um
ambiente civil que favorecesse o surgimento do gênio de modo que, em sua
opinião, indigno de "altos e civis empregos", restava-lhe "morrer para o
mundo" e "viver sepultado, cercado de místicas imagens", apenas saindo para
catequizar os índios. Quanto aos brancos, quanto ao colonizador português,
estes estavam surdos para as "austeras verdades do Evangelho", pois que
eram homens, em sua maior parte, tirados das cadeias de Lisboa para povoar
a nova terra. Essa sua crítica genética da nação é marcada por uma
virulência que não apenas contrapõe a decadência do colonizador em face da
nobreza e inocência do indígena, mas também porque revela a impossibilidade
de se fundar uma civilização em tais bases: "Era então um sistema de fundar
colônias com homens destinados ao patíbulo, era basear uma nação nascentes
sobre todos os gêneros de vícios e crimes" (MAGALHÃES, 1836).
A redenção para o fado trágico destinado a essa nação era o seu
elemento nativo, o índio, ou, como ele o chama, o "brasileiro" que, como se
vivendo em terra estrangeira por se ver subjugado, escravizado e privado de
sua terra, chegava mesmo, envergonhado de ser "brasileiro" , adotar o nome
português, para pelo menos "aparecer como um ente da espécie humana".
(MAGALHÃES, 1836). Feita essa crítica de nossa gênese, ele encaminha sua
discussão para a necessidade de reformar a nação, diz ele: "toca ao nosso
século restaurar as ruínas, e repara os erros dos passados séculos". Como
um verdadeiro revisor da história propõe: "Nada de exclusão, nada de
desprezo. Tudo o que puder para concorrer para o esclarecimento da história
geral dos progressos da humanidade merecer deve nossa consideração"
(MAGALHÃES, 1836).
Obviamente, nessa afirmação, há muito de uma retórica liberal que
visa contrapor a colonização portuguesa com a independência da nova nação.
Com a expiração do domínio português, novas idéias deveriam orientar-nos em
direção ao tão almejado status de nação civilizada que sopravam a partir da
França. A partir daquele instante o Brasil é "filho da civilização
francesa; e como nação é filho desta revolução famosa, que balançou todos
os tronos da Europa, e repartiu com os homens a púrpura, e o cetro dos
Reis". Sem essa revolução e a expansão napoleônica, ele reconhece, o Brasil
não teria deixado de ser colônia e se tornado Reino e proclamado sua
independência em 1822. (MAGALHÃES, 1836). Como decorrência a necessidade
de uma revolução literária surge como um complemento necessário da
revolução política. A literatura que se pretendesse nacional deveria
exprimir aquele algo inexprimível que nos identificasse..
Localizar essa especificidade, entretanto, não era tarefa fácil.
Somado à escassez dos documentos para consultar, havia o problema de haver
aqui uma literatura imitativa, que não desaprendera os vícios de suas
matrizes, nem se aclimatara à nova terra. Tal literatura, produto do
desterro, apresenta-se como corruptela das literaturas européias e
dificulta o espelhamento da nossa especificidade.

A poesia brasileira não é uma indígena civilizada; é uma
grega vestida à francesa e à portuguesa, e climatizada no
Brasil; é uma virgem do Helicon que, peregrinando pelo
mundo, estragou seu manto, talhado pelas mãos de Homero, e
sentada à sombra das palmeiras da América, se apraz ainda
com as reminiscências da pátria, cuida ouvir o doce
murmúrio da Castália, o trépido sussurro do Lodon e do
Ismeno, e toma por um rouxinol o sabiá que gorjeia entre
os galhos da laranjeira. (MAGALHÃES)

Para Magalhães era inaceitável que se trocasse o sabiá pelo
rouxinol, bem como nossa natureza exótica e seus mitos pela natureza e pela
mitologia clássica. Para ele cabia aos seus compatriotas se perguntarem:
"Pode o Brasil inspirar a imaginação dos Poetas? E os seus indígenas
cultivaram porventura a Poesia?" Baseado na isenção das experiências dos
estrangeiros, ele faz a apologia da natureza pátria:

Nós vimos o céu, que cobre as ruínas do Capitólio, e as do
Coliseu, sim, ele é belo; mas oh! Que o do Brasil não lhe
cede em beleza! Falem por nós todos os viajores, que, por
estrangeiros, de suspeitos não serão taxados. Sem dúvida
fazem eles justiça, e o coração do brasileiro, não tendo
muito de ensoberbar-se quanto aos produtos das humanas
fadigas, que só com o tempo se adquirem, enche-se, e
palpita de satisfação, vendo as sublimes páginas de
Langsdorff, Nisved, Spixet et Martius, Saint-Hilaire,
Debret, e uma multidão d'outros viajores, que as belezas
de sua Pátria conhecidas fizeram à Europa. (MAGALHÃES,
1836).

Obviamente não é só na visão do estrangeiro que Magalhães vai
fundar o seu elogio do nacional. Sua experiência no exílio também é rica e
vária, e se revela na sua poesia, salpicada de poemas de circunstância
inspirados nos diferente "céus" europeus – ora vislumbramos gigantes Alpes
"açoutando as nuvens", ora a Catedral de Milão, louvor à "Santa Religião",
ora um passeio às Tulherias, ao Monte Jura, ora uma visita às ruínas de
Roma... Enfim, lugares sob cujos eflúvios o poeta desperta a sua natureza
sentimental para o universo e com ele se religa através da força
organizadora da intuição, recuperando, nas palavras do poeta americano
Ralph Waldo Emerson, sua "original relation with the universe" (In Nature,
1836).
Dessa relação fundamentalmente espiritualista, e religiosa, surge
uma nova concepção da noção de poesia de da missão do poeta, missão que
será espiritual para alguns, como no caso de Magalhães, e social para
outros. A esse respeito aponta Cândido:

"O poeta romântico não apenas retoma em grande estilo as
explicações transcendentes do mecanismo da criação, como
lhes acrescenta a idéia de que sua atividade corresponde a
uma missão de beleza, ou de justiça, graças à qual
participa duma certa categoria de divindade". (CÂNDIDO,
1981, p. 27)


Vemos surgir com o Romantismo a idéia do poeta como profeta como
depositário de um poder mágico – não mais mero versejador hábil, antes um
Vate, que com seu lume deveria conduzir a humanidade para frente e para o
alto, deixando de lado "prados e blandícias para atirar-se aos grandes
valores: a Infância, a Religião, a Poesia e sobretudo Deus" (CÂNDIDO, 1981,
p. 27). O poeta, uma espécie de Prometeu desacorrentado, por conseguinte,
adquiria, através de sua sensibilidade, um status de mensageiro de uma nova
religião, muito distinta do paganismo humanista:


Religião concebida como posição afetiva, abertura da
sensibilidade para o mundo e as coisas através de um
espiritualismo mais ou menos indefinido, que é
propriamente a religiosidade, tão características do
Romantismo (...) O espiritualismo era um pressuposto da
escola, e todos pagavam o seu produto (CÂNDIDO, 1981, p.
27).

Essa nova religiosidade afastar-se-á do formalismo e do sensualismo
a que se deveu a literatura do século anterior para adentrar o sentimento
do mistério, o inaccessível diante do qual inutilmente se debate a razão
humana. Liberta dos grilhões da verdade natural o poeta se abre para o
sobrenatural. Recusando a religião pagã e sua mitologia decorativa oriunda
dos templos greco-romanos, vai nas brumas medievais encontrar o
cristianismo tosco, ingênuo e belo. Da Idade Média também vem as fontes dos
seus ideais de virtude e nobreza de espírito soterrados pela polidez e
frivolidade neoclássicas, bem como o sentimento da nacionalidade esquecido
sob séculos de domínio de monarcas cujos liames com seu povo se esgarçavam
em virtude de casamento e de acordos entre casas reais. Ao invés do
"encanto" da paisagem bucólica árcade, os escritores buscarão a "magia" da
natureza agreste e arredia, os abismos, as montanhas, os vulcões. Em vez da
cidade as aldeias, no lugar do nobre, ou do burguês, e de sua racionalidade
pragmática, a coragem e a altivez dos heróis fabulosos de tempos passados.
No Brasil, os primeiros românticos escreverão movidos pelo desejo
de um retorno à prístina origem de sua fundação como nação e na ausência de
uma Idade Média localizará no passado pré-cabralino a sua natureza e seu
habitante: o silvícola, o índio, que ganhará fumos de fidalgo em nossa
literatura, com a ajuda da filosofia de Rousseau e do exotismo de
Chateaubriand.. Daí a "crescente utilização alegórica do aborígine na
comemoração plástica e poética" (CÂNDIDO, 1981, p. 18) do específico
brasileiro como representante do país com uma dignidade comparável à das
figuras mitológicas. Desta maneira estabelece-se uma relação causal entre o
meio e a literatura, acentuando as forças sugestivas da natureza e do
índio, qual seja, a idealização, ou a criação, de um mito fundante da jovem
nação e o desejo de dotá-la de uma literatura independente e com temas
nacionais.

4. Fabricando a nação
Após a independência, que se limitou a um acordo das elites ornado
com certa teatralidade, uma nova tarefa se impunha à intelligentsia
brasileira naquele momento histórico: fabricar a nação brasileira. Tarefa
hercúlea, em se tratando de um país continental onde pululavam movimentos
locais de natureza revoltosa e até separatista. Somem-se a isto a
fragilidade do aparato estatal, incapaz de atender às demandas dos seus
sujeitos, e a diversidade racial e cultural.
Nessa primeira tarefa de fabricação cultural de nossa
nacionalidade, podemos localizar as ainda incipientes estratégias de
homogeneização fundamentais à existência da Nação moderna que, conforme
preconiza Benedict Anderson deve reproduzir no tempo a continuidade física
e territorial do Estado Nação, bem como a constituição de um tempo plano,
ininterrupto, consistente, que funde origem e presente nacional. O conceito
de nação que ele propõe é construído como categoria cultural e não apenas
como uma categoria política, isto é, construída a partir da aliança de
grupos ligados por laços de parentesco ou ligações regionais, como ocorria
com os reinos feudais e as monarquias absolutistas na Europa. Para
Anderson, um grupo de pessoas pode constituir uma nação não apenas por
possuir suas próprias instituições políticas, mas por compartilhar um
conjunto de práticas culturais.
A nação política, portanto, os brasileiros já a possuíam, uma vez
que herdara do período colonial, especialmente dos 13 anos do reinado de D.
João VI, um aparato administrativo altamente centralizado e centralizador.
Faltava então construir a nação como categoria estética, isto é, um
construto cultural em que os habitantes do país pudessem se reconhecer como
pertencentes a uma comunidade, a um universo simbólico comum no qual
pudessem visualizar sua identidade como processo simbólico de busca de algo
comum a todos os seus membros, que lhes proporcione um sentimento de
pertença e os torne irmanados por laços menos identificáveis que os
estabelecidos pele contrato social.. Assim Weber se refere ao conceito de
comunidade:

Chamamos comunidade a uma relação social quando a atitude
na ação social ... inspira-se no sentimento subjetivo
(afetivo ou tradicional) dos partícipes da constituição de
um todo ... Chamamos sociedade a uma relação social quando
a atitude na ação social inspira-se numa compensação de
interesses por motivos racionais (de fins ou valores) ou
então numa união de interesses com idêntica motivação...
((In: FERNANDES, 1973, p. 140)

Há, portanto, implícita, na noção de comunidade, uma ligação
afetiva, que se estabelece por um sentimento irracional de pertencimento
que, como argumenta Anderson, torna possível que no decorrer dos últimos
dois séculos milhões de pessoas tenham morrido voluntariamente por tais
imaginações, isto é, movidas por um "companheirismo profundo e horizontal"
(ANDERSON, 1991, p.16). Concentrando sua análise nessa natureza afetiva,
subjetiva, irracionalista mesmo, Anderson define a nação como sendo:

(...) uma comunidade política imaginada - e imaginada como
sendo inerentemente limitada e soberana. É imaginada
porque os membros até das menores nações nunca chegam a se
conhecer mutuamente (...), mas em suas mentes está a
imagem de sua comunhão. (...) [É] limitada porque até a
maior delas (...) tem limites bem definidos, ainda que
elásticos, para além dos quais estão outras nações. (...)
É imaginada como soberana porque o conceito nasceu numa
era em que o Iluminismo e a Revolução destruíam a
legitimidade do reino dinástico hierárquico, ordenado pelo
poder divino. (...) [É] imaginada como comunidade porque
(...) a nação é sempre concebida como um profundo
companheirismo horizontal (ANDERSON, 1991, p. 6-7).

Entretanto, o próprio autor reconhece que essa é uma definição
"viável", pois que assentada em três paradoxos: modernidade objetiva X
antigüidade subjetiva; universalidade formal X particularidade irremediável
de suas manifestações concretas; e o poder "político" dos nacionalismos X
sua pobreza e incoerência filosófica. Essas suas incongruências intrínsecas
o levaram dentro de um espírito sociológico a propor a idéia de nação como
comunidade imaginada, evitando, desse modo, associar a idéia da construção
do que ele chama de nation-ness com a idéia de "invenção" associada a
"contrafação" e "falsidade". Isso, diz ele, nos faria supor que existissem
comunidades que se supusessem mais "verdadeiras" do que as nações.
(ANDERSON, 1991, p. 14 -15)
Aqui um problema de semântica: os termos "imaginação", "criação" e
"invenção", todos remetem à idéia de produção de algo anteriormente
inexistente e resultante de um ato volitivo e demiúrgico. Deste modo o
resultado final seria um produto mais abstrato e intangível que seria mais
apropriado associar a uma construção simbólica com fins ideológicos, como
ocorreu naquele momento específico. Neste trabalho e em virtude de sua
matéria, isto é a recente independência política e a urgência de uma
autonomia cultural a ser arrancada a fórceps de uma terra virgem e inculta,
darei preferência à idéia de "fabricação", sobretudo por ter exigido do
pequeno grupo de jovens intelectuais da Niterói um esforço maquinal de
conceber e definir uma origem e, a partir dela, traçar uma estratégia e uma
teleologia, que justificasse a existência da nação, e assim preencher o
vazio deixado pelo rompimento dos vínculos coloniais e criar narrativas de
legitimação capazes de projetar e manter uma rede de relações imaginárias
necessárias a garantir unidade territorial e cultural do jovem estado-
nação.
Quero dizer que a nação não deveria surgir como uma epifania, uma
vez que não possuíamos as pré-condições de um nacionalismo com sólidas
raízes histórico-culturais. Antes, era preciso construí-la como força viva
que emerge da teia de eventos cotidianos, a partir um trabalho consciente
de ideólogos capazes de recolher, analisar e dar forma aos elementos
caóticos de nossa cultura incipiente, heterogênea e ainda amorfa. De certa
maneira, aqueles jovens pretenderam, e em certa medida realizaram, a tarefa
de preencher o vazio deixado pelo desenraizamento das relações com
Portugal, "transformando esta perda na linguagem da metáfora". (BHABHA,
1992, p.199)
Fabricar, naquele momento, ainda significava transformar a matéria
prima de uma tradição sob muitos aspectos incômoda em um artefato cultural
novo e apto a inserir a jovem nação na modernidade, segundo os padrões de
civilização fornecidos pela Europa. Para tanto era necessário buscar os
traços essenciais de nosso caráter nacional na localidade de nossa cultura.
Para Bhabha essa localidade está mais em torno da temporalidade do que
sobre a historicidade e possui uma plasticidade que o leva a defini-la como
sendo:

"Uma forma de vida que é mais complexa que 'comunidade',
mais simbólica que 'sociedade', mais conotativa que
'país', menos patriótica do que 'pátria, mais retórica que
a razão de Estado, mais mitológica que a ideologia, menos
homogênea que a hegemonia, menos centrada que o cidadão,
mais coletiva que o 'sujeito', mais psíquica que a
civilidade, mais híbrida na articulação de diferenças e
identificações culturais do que pode ser representado em
qualquer estruturação hierárquica ou binária do
antagonismo social" . (BHABHA, 1992, p. 199).

Com essa oposição entre temporalidade e historicidade, Bhabha
salienta o caráter ambivalente e transitório que dificulta uma definição
geral de nação moderna, uma ambivalência que tem a ver com a localidade da
cultura. Isso equivale dizer que, a partir de uma visão pós-estruturalista,
procura desestabilizar a coincidência entre a história e os eventos
ocorridos, isto é entre o que acontecido e o narrado. Dito de outra forma,
com a ênfase em uma temporalidade ambivalente e transitória, ele questiona
essa equivalência entre "evento" e "idéia" , que estabiliza o conceito de
nação ou de cultura nacional enquanto "entidade cultural holística",
desconstrói o conceito de nação e o revela enquanto estratégia
narrativa.(BHABA, 1992, p. 200)
A nação é escrita, ou narrada, sempre em termos de negociações,
rupturas, exclusões em relação a um outro, ou a outros. No caso da nossa
fabricação como nação, rompeu-se com o português, tanto no campo político
como no literário, excluiu-se o elemento africano e elegeu-se e negociou-se
com a elite local alguns símbolos identificadores da nacionalidade, dentre
os quais se destaca o índio. E não poderia ser de outro modo, uma vez que o
nacionalismo, para afirmar-se, necessita de seu outro; se buscasse se
efetivar no mundo real como universal, acabaria por aniquilar a si próprio.
Em 1836, no Brasil, o Nacionalismo e o Romantismo se fundem para
dar origem àquela renovação literária que deveria afirmar-se "como um
complemento necessário da revolução política". (HOLLANDA, 1966, 367), ao
mesmo tempo em que o olhar horizontal e espacial do Nacionalismo encontra
na apologia ao atavismo do Romantismo e ponto de intersecção quiasmática
entre tempo e lugar. Aí reside a problemática experiência de se escrever a
nação moderna (não só as americanas) como, nas palavras de Bhabha, o
"evento do cotidiano" e o "advento do memorável" (BHABHA, 1992, p. 206).
Daí a perplexidade de Anderson ao indagar-se: "mas por que as nações
celebram sua antiguidade, não sua surpreendente juventude?" (Apud Bhabha,
1992, p. 201)
Segundo Antonio Candido, o nacionalismo "engloba o nativismo em
sentido estrito e já então tradicional em nossa cultura (...) mais o
patriotismo, ou seja, o sentimento de apreço pela jovem nação e o intuito
de dotá-la de uma literatura independente". (CÂNDIDO, 1981, p. 14). Esse
nativismo tem suas raízes nos conflitos políticos e culturais entre a
colônia e o colonizador português cuja história de desmandos e violência se
fez sentir nos movimentos de insurreição no século anterior à
Independência. Assim, a figura do português, naquele momento de construção
da nação, foi vituperado na mesma proporção em que o elemento aborígine foi
louvado, a ponto de os Ilustrados adotarem nomes indígenas para seus
jornais libertários a exemplo de O Tamoio, de José Bonifácio, bem como ao
denominarem-se com nomes indígenas em suas associações. Sem falar da adoção
de nomes tupiniquins na distribuição de títulos de nobreza durante o
período imperial.
Diante da necessidade de dar à nação uma identidade, viu-se no
índio, enquanto representante do nacional o signo da resistência e da
independência. O discurso indianista dominou o cenário do Romantismo
brasileiro como forma de legitimação da atitude nacionalista na literatura,
a ponto de Machado de Assis, já tardiamente fazer a crítica dessa atitude,
tida por ele como "errônea" que só reconhecia o "espírito nacional nas
obras que tratam de assunto local". (ASSIS, 1994, p. 803) Machado apontava
a falácia desse tipo de visão literária citando o exemplo de obras de
Shakespeare que, embora não tratem de temas ingleses, não deixam de revelar
seu autor, não apenas como um gênio universal, mas sobretudo um poeta
essencialmente inglês.
Entretanto, deve-se reconhecer que quando Machado escreve sua
crítica "Instinto de nacionalidade", já não havia mais a força narrativa e
psicológica daquele entrecruzamento entre Romantismo e Nacionalismo capaz
de fundir um passado lendário, à maneira dos povos do norte da Europa da
idade Média, com um indianismo, ou americanismo, que servisse de fundação
ao projeto idealizado e levado a cabo por Magalhães e seus seguidores. A
fusão entre história e lenda que tornou possível o projeto nacionalista já
havia se realizado, ainda que parcialmente.

Conclusão
Para a execução desse projeto, alguns elementos, que iriam compor o
imaginário da população como sinais da brasilidade foram eleitos, em
detrimento de outros, obviamente. A palmeira, o sabiá, o céu azul-anil, o
céu estrelado, a saudade, todos já presentes na lírica de Magalhães, que
não logrou popularidade, mas ditou o ideário temático aos jovens poetas de
nosso Romantismo, serão fixados na história de nossa literatura de tal modo
que, ainda hoje, ao pensarmos o Brasil tais elementos emergem na
consciência do brasileiro. Como diz Sérgio Buarque de Hollanda, "A imagem
que assim fabricaram ainda vive conosco e está vinculada ao que prezamos
por mais nosso, mais isento dos contatos de fora". ( ). E em seguida
acrescenta que a literatura romântica "veio a coincidir com a
espontaneidade nacional, ao ponto de se identificarem, ou se exerceu uma
função pedagógica de primeira importância anexando ao seu espírito algumas
das modalidades típicas de nossa cultura e do nosso ambiente social"
(HOLLANDA, 1966, p. 353-354).
Valendo-me das categorias de Pound, que distinguem os Gênios como
fundadores de um novo estilo de arte, os Mestres como se empenham em levar
seu estilo à perfeição e os Diluidores como os que popularizam o estilo.
Podemos identificar nessa seqüência o tripé do nosso nacionalismo
romântico, que encontrou na personalidade do inventor, Gonçalves de
Magalhães; na do mestre, Gonçalves Dias; e na do diluidor, o jovem Casimiro
de Abreu. Sob a influencia inicial dos colaboradores da Revista Niteói, que
recuperaram "energias que não nasceram com ela e não deveriam morrer com
ela" (HOLLANDA, 1966, p. 358-359), como atesta o nosso Modernismo e, mais
recentemente, o Tropicalismo, essas gerações de poetas levaram adiante o
projeto da fabricação do Brasil do qual Gonçalves de Magalhães foi o grande
mentor.




Referências Bibliográficas
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Literatura. Coleção Ensaio, 1963, São Paulo.
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. Tradução de Lólio
Lourenço de Oliveira. São Paulo: Ática, 1989.
ASHCROFT, Bill, GRIFFITHS, Gareth, e TIFFIN, Helen. The Empire Writes Back.
1989. New York: Routledge, 1998
ASSIS, Machado de. Obra Completa, vol. III, Rio de Janeiro: Editora Nova
Aguilar, 1994.
BHABHA, Hommi. O local da Cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana
Lourenço de Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG,
1998
CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira. 6ª. ed. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1981.
EMERSON, Ralph Waldo.Nature, 1836. Disponível em
http://www.rwe.org/pages/Nature_html.htm. Acesso em 14/03/2011.
FERNANDES, Florestan (org.). Comunidade e sociedade. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1973.
HOLLANDA, Sergio Buarque de. O Livro dos Prefácios. São Paulo: Cia. das
Letras, 1966.
MAGALHÃES, D. J. Gonçalves de. Ensaio sobre a história da literatura do
Brasil. Nitheroy: Revista Brasiliense: sciencias, lettras e artes, Paris,
tomo I, vol. 1, 1836. (Edição fac-similar da Biblioteca da Academia
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MARQUES, Wilton. O poema, o prefácio e o diálogo necessário. Revista
Letras, Curitiba, n. 67, p. 11-24, set./dez. 2005.
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