HABITAÇÃO E LOCALIZAÇÃO: Notas sobre padrões de deslocamento em empreendimentos do PMCMV no Rio de Janeiro

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HABITAÇÃO E LOCALIZAÇÃO: Notas sobre padrões de deslocamento em empreendimentos do PMCMV no Rio de Janeiro

SANTOS, J.M. (1); MENEZES, M.T. (2); PALMA, R.C. (3) 1. ICT/UFVJM; PROURB/UFRJ UFVJM - Rodovia MGT 367, Km 583, nº 5000. Instituto de Ciência e Tecnologia, sala 241 Alto da Jacuba, Diamantina - MG. CEP: 39100-000 [email protected] 2. PROURB/UFRJ Rua Bambina, 17/204. Botafogo, Rio de Janeiro - RJ. CEP : 22251-05 [email protected] 3. PROURB/UFRJ Rua Bento Lisboa, 120/408 Bloco 03. Catete, Rio de Janeiro - RJ [email protected]

RESUMO O estudo da adequação habitacional implica no resgate de sua particular inserção no espaço e seus componentes locacionais, uma vez que a qualidade da moradia vai além da compatibilidade com padrões construtivos mínimos, contemplando também as redes de infraestrutura e externalidades ligadas à porção do espaço no qual a moradia se insere e dos aspectos internalizados pelos usuários da habitação. Diante disso, diversos autores destacam a importância da integração das políticas habitacional e urbana para a produção de moradias melhor localizadas, para que essas se estruturem como elementos facilitadores ao acesso à saúde, educação, emprego, segurança, qualidade de vida, conforto e mobilidade social, promovendo de fato o direito à moradia adequada e o direito à cidade. No entanto, historicamente as políticas habitacionais brasileiras replicaram a ocupação excludente do solo urbano, restando à Habitação de Interesse Social (HIS) as periferias urbanas com baixo valor do solo urbano e marcadas pela dicotomia entre as áreas mais valorizadas, que agrupam as melhores condições de infraestrutura e maior oferta de emprego, educação, comércio e serviços. Observa-se a repetição desse processo na cidade do Rio de Janeiro com a implantação do Programa Minha Casa, Minha Vida, onde tem-se priorizado a construção de empreendimentos na AP5 (Área de Planejamento 5), correspondente à região oeste. A área apresenta as piores condições de infraestrutura, oferta de serviços e emprego do município do Rio de Janeiro, mas recebeu 70% dos empreendimentos da faixa de 0-3 salários mínimos, enquanto na AP3 (Área de Planejamento 3), correspondente à região norte, com melhor rede de infraestrutura instalada e concentradora do maior déficit habitacional da cidade, recebeu apenas 14% dos empreendimentos habitacionais da faixa de 0 a 3 salários mínimos. Neste sentido, este estudo comparativo visa avaliar o acesso dos beneficiários do PMCMV, na cidade do Rio de Janeiro: ao trabalho, saúde, comércio e serviços, identificando os deslocamentos realizados pelos moradores para o atendimento das necessidades citadas. Para isso, toma-se como objetos de estudo dois empreendimentos do PMCMV com condições locacionais distintas. O primeiro localizado no Bairro Paciência, Zona Oeste (AP5) e o segundo no Complexo do Alemão, Zona Norte (AP3).

Como método de pesquisa foram aplicados formulários com os moradores, onde se identificou os bairros em que os entrevistados geralmente atendem as necessidades de saúde, emprego e comércio, bem como o tempo de deslocamento necessário para chegar no referido local. Em todos os casos analisados percebeu-se maior tempo de deslocamento dos moradores do empreendimento localizado na AP5, enquanto no empreendimento da AP3 observou-se um padrão de menor dispersão, que em geral se limita aos bairros mais próximos do Complexo do Alemão. Percebeu-se através da análise realizada que a concentração dos empreendimentos na AP5 tem fadado a população a realizar maiores deslocamentos para ter acesso aos serviços oferecidos pela cidade, gerando uma certa expropriação da vida urbana. Dessa forma, atende-se à demanda pelo abrigo, como objeto físico e unitário, mas tem-se desconsiderado todas as externalidades necessárias ao acesso pleno à habitação e direito à cidade. Palavras-chave: Habitação de interesse social; Localização; Programa Minha Casa, Minha Vida.

Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

1.Introdução Apesar da visão romantizada da vida urbana como promotora do encontro, do acesso, das oportunidades; as assimetrias existentes entre distintas porções da cidade mostram-se preponderantes para a existência de diversificados níveis de acesso à vida urbana. Dessa forma, é correto dizer que o detentor da posse da terra se vale não apenas de seu espaço construído e habitado, mas também dos benefícios e malefícios acessíveis a partir daquele local. Nesse sentido, este trabalho analisa as características e condicionantes locacionais relevantes para a conquista de uma moradia adequada, ao acesso às infraestruturas e externalidades urbanas, trazendo tais conceitos para a discussão da implantação do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) no Rio de Janeiro, sobretudo para o entendimento dos efeitos para os moradores, da ocupação dos empreendimentos aqui analisados. Este artigo agrega os estudos desenvolvidos pela primeira autora em sua dissertação de mestrado (em elaboração), financiada pelo CNPq, bem como os resultados obtidos pelo Grupo de Pesquisa Habitação e Forma Urbana do PROURB/UFRJ na pesquisa intitulada "Inserção na cidade e a importância do desenho urbano como instrumento de vitalidade e promoção de espaços urbanos de qualidade nos assentamentos HIS (Habitação de Interesse Social) do PMCMV", encomendada pelo Ministério das Cidades e financiada pelo CNPq.

2.Condicionantes locacionais relevantes para a alocação da moradia na cidade 2.1 A localização dos grupos sociais na cidade O Brasil é um país com fortes desigualdades sociais que se manifestam na distribuição de renda, no acesso a serviços de educação, saúde, mercado de trabalho e diversos aspectos ligados ao bem estar social. Além da expressão das desigualdades pelos índices que atestam a dicotomia entre os grupos sociais, também pode-se identificá-las pelas manifestações espaciais, uma vez que a ocupação do espaço urbano é marcada por extrema diferenciação dos setores da cidade em função da população que os ocupam. Tal distinção pode ser reconhecida visualmente, não somente pelo padrão edilício, mas também pelas características de infraestrutura e serviços disponíveis em cada porção do território, Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

podendo-se afirmar que as amenidades urbanas nas cidades brasileiras se distribuem de maneira desigual no espaço, demarcando territórios dicotômicos. A distribuição dos grupos sociais na cidade foi sistematizada por diversos autores pelo padrão centro-periferia, que delineia, segundo Andrade e Silveira (2013) um processo de segregação em macro escala. A simplificação desse modelo apresenta o centro como região concentradora dos investimentos públicos e privados e que detém os principais equipamentos e serviços urbanos. Ao redor desse centro se localizam as áreas habitacionais mais ricas, que contrastam com o crescimento segregado e horizontalizado das áreas periféricas que crescem desprovidas de atividade econômica (consequentemente com poucos postos de trabalho), com baixa densidade de ocupação e precárias condições socioambientais; conformando intensas distinções qualitativas entre os demais espaços urbanos. No entanto, a distribuição dos grupos sociais na cidade galgado no padrão centro-periferia se mostra insuficiente para abarcar toda a complexidade do ambiente urbano. Além da segregação em macro escala apresentada, pode-se identificar um padrão de segregação que se manifesta em uma escala micro, mediante a existência de bolsões de pobreza incrustados em áreas valorizadas e próximas às centralidades urbanas (sobretudo decorrentes do processo de favelização). Ainda pode-se falar em um processo progressivo de auto segregação identificado no surgimento de condomínios residenciais de alta renda implantados em regiões apartadas da área urbana, que se manifestam como verdadeiros elementos de negação da vida urbana. Os diferentes resultados dos dois processos de segregação apresentados (micro e macro) são trabalhados por autores que desenvolvem pesquisas sobre o efeito-território, literatura sociológica que surge a partir da década de 80 e busca identificar os prejuízos ou benefícios socioeconômicos que acometem os grupos sociais em função de sua vizinhança, ou seja, da sua localização no espaço social na cidade (Andrade; Silveira, 2013). Segundo Andrade e Silveira (2013), existem divergências entre as conclusões dos diversos autores sobre o tema, sobretudo em relação aos benefícios ou prejuízos da proximidade territorial de grupos sociais altamente dicotômicos. No entanto, é evidente o fato de que a segregação de uma população homogeneamente pobre em um território pode acarretar na reprodução dessa pobreza, ao passo que priva essa população não só do contato com experiências economicamente bem sucedidas, mas também desvincula essa população dos fluxos socioeconômicos, preponderantes para a mobilidade social. Jacobs (2012, p. 76) afirma que "os ricos têm muito mais maneiras de satisfazer necessidades do que os mais pobres, que dependem mais da vida nas ruas", da proximidade dos serviços e Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

da vitalidade urbana, tal relação pode ser identificada ao se comparar os bairros residenciais periféricos que abrigam populações homogêneas e de baixa renda, e os condomínios de alta renda que também se distanciam das áreas urbanas consolidadas. Em relação aos condomínios de alta renda alocados fora na área urbana, esses se reproduzem levando a seus interiores as funções da cidade, que em razão do distanciamento físico são inexistentes no entorno. Dessa forma, as amenidades urbanas são supridas pela implantação de shoppings, áreas comerciais e de lazer que atendem exclusivamente aquele grupo social, bem como pela melhor facilidade de acesso e de deslocamento desse grupo social (tal fato ainda será doiscutido neste trabalho). A mesma solução de compensação da ausência da cidade real não pode ser reproduzida pelos grupos sociais de menor renda que se instalam nas franjas da cidade, restand a essa população a expropriação da vida urbana pela dificuldade de acesso aos serviços oferecidos pela cidade consolidada. Assim, o isolamento dos segmentos sociais de menor renda colabora para a reprodução da pobreza e das desigualdades, uma vez que isola o indivíduo no território afetando suas relações com a sociedade e suas instituições (Sant'Anna, 2012).

2.2 Sobre solo urbano e localização A partir do exposto, pode-se constatar que os efeitos sociais advindos da habitação na qual o indivíduo ocupa são influenciados não apenas pelas características construtivas da moradia, mas também por sua localização no espaço urbano. Nesse sentido, Guimarães (1997) compreende a unidade habitacional como resultante de três componentes: o solo, a localização e a estrutura física da moradia. Este trabalho concentra-se nos dois primeiros componentes, evidenciando as imbricações sociais advindas da ocupação de determinada porção do território. Por solo urbano entende-se a porção física que oferece suporte às atividades sociais e produtivas (Guimarães, 1997), o solo em si não constitui o maior componente do valor da terra urbana, o que lhe agrega interesse socioeconômico é sua localização, fator inerente ao espaço, cujas as características positivas ou negativas são responsáveis pela valorização ou desvalorização do solo urbano. Guimarães (1997) define o fator localização como fruto da junção do conjunto de infraestruturas e externalidades relacionadas com cada porção do solo urbano. O conjunto de infraestruturas é composto pelas redes de água, esgoto, vias de transporte, redes de telecomunicações, energia, equipamentos de saúde, educação, lazer, cultura, etc.; sendo esse conjunto um bem coletivo que quando agregado ao solo passa a estar disponível ao uso privado de quem detém a posse da terra (Guimarães, 1997). Em geral, essas Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

infraestruturas são implantadas através de investimentos públicos, que são mediados sobretudo pelo mercado de terras e imobiliário, dessa forma, os interesses econômicos orientam a captura dos investimentos como forma de aumento dos lucros. Como destacado por Cardoso (2003), existe uma disputa entre os grupos sociais, que pressionam o poder público para que os investimentos sejam feitos em suas áreas de interesse. A concentração desses investimentos em porções específicas do território gera áreas melhores infraestruturadas e consequentemente mais valorizadas, que serão ocupadas pelos grupos de maior renda, enquanto parcela significativa da população não poderá arcar com os altos custos gerados pela valorização causada pela implantação dessa infraestrutura. Seria equivocado dizer que o valor de uso é restrito ao valor dos edifícios, ruas, redes de água, esgoto, ou seja, à infraestrutura. O maior valor de uso da terra urbana reside na acessibilidade (Villaça, 2001), visão correlata à definição de acesso às externalidades de Guimarães (1997), que as define como: "o conjunto do ambiente social acessível a partir de determinados pontos do espaço" (Guimarães, 1997, p. 265). As externalidades são influenciadas pela estrutura espacial do ambiente construído, mas vai além dela, compreendendo "a capacidade conjunta desta estrutura gestar e engendrar fluxos sociais e, em particular, econômicos" (Guimarães, 1997, p. 265). Dessa forma, pode-se dizer que a localização é a combinação desses dois componentes, objetos infraestruturais e a importância do local em um cenário socioeconômico. Tal junção oferece condições locacionais distintas para cada ponto do espaço, que serão apropriadas através da posse da terra.

2.3 Acesso: conjugação entre componentes espaciais e sociais Lynch (2007) aponta o acesso como uma das principais vantagens da organização da sociedade em cidades, assim, a cidade ideal é frequentemente entendida como um grande centro onde todo indivíduo tem acesso a variedade de bens, serviços e a outras pessoas. No entanto, nas cidades reais o acesso não se distribui de maneira igualitária, dessa forma, seu estudo deve avaliar não só como esse se diferencia de local para local, mas também como as condições de acesso variam entre diferentes grupos de população (Lynch, 2007). Nars et al (2006) destacam a importância de se avaliar as condições de acesso como resultantes da combinação de dois tipos de acesso, o acesso espacial e o acesso social. O primeiro consiste na relação de proximidade física entre o indivíduo e os serviços e infraestruturas ofertados pela cidade, enquanto o segundo equaciona, por exemplo, a influência do grau de escolaridade e nível socioeconômico para a avaliação do acesso real às amenidades ofertadas pela vida urbana. Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

Por acesso espacial, entende-se a importância da proximidade territorial do indivíduo a determinado equipamento, sendo que tal proximidade mostra-se positiva para a garantia do acesso a esse. Assim, o local da habitação possui forte relevância, pois constitui o ponto de apoio do indivíduo no território. As distâncias recomendáveis para cada tipo de equipamento variam em relação à sua função e grau de alcance, isso significa que nem todas as demandas precisam ser atendidas nas imediações da moradia. Santos (1988) realiza uma sistematização da localização desejável dos equipamentos urbanos mediante a determinação de escalas urbanas: vizinhança, bairro e cidade. O autor define os equipamentos que preferencialmente devem estar localizados nas proximidades da habitação, ou seja, na sua vizinhança, aqueles que se articulam ao nível do bairro ou da cidade. A dimensão do equipamento é ampliada a medida que seu grau de alcance aumenta. Em contrapartida, recomenda-se, por exemplo, no caso das creches, que essas sejam implantadas com capacidade limitada a pequenos grupos, a fim que se descentralize o atendimento e haja equipamentos pulverizados por todo bairro (Santos, 1988), garantindo assim, menores deslocamentos para as crianças, já que essas possuem menor grau de mobilidade que os adultos ou adolescentes. Como já apontado, a análise do acesso enquanto proximidade espacial se mostra insuficiente para abarcar as variantes que o constituem, sendo importante para a avaliação da equidade no acesso a consideração da interferência das condições sociais da população, como sua renda e escolaridade, o que Nahs et al (2006) definem como acesso social. Como exemplo prático toma-se um parque urbano público, gratuito, de alcance municipal, que apresenta boas qualidades infraestruturais e é equidistante de duas porções residenciais onde residem dois grupos sociais distintos. Por mais que as distâncias sejam as mesmas para indivíduos que residem nas duas porções citadas, as distâncias sociais podem ser diversas. A primeira consideração a ser feita é referente ao custo advindo desse deslocamento. Deve-se considerar, nesse caso, não o custo absoluto, mas sim seu impacto nos ganhos do indivíduo. Dada a variabilidade desse impacto em função das capacidades econômicas de cada indivíduo, é inviável determinar um patamar máximo de gastos que torne o equipamento acessível. Para determinado grupo social, os gastos de deslocamento podem inferir um impacto tão pequeno nos rendimentos que o componente econômico torna-se irrelevante para a decisão de frequentar ou não o parque urbano, ao passo que para outro indivíduo esses gastos podem se tornar um impeditivo econômico decisivo. Em relação ao meio de transporte utilizado, deve-se considerar alguns fatores de correlação, como o grau de conforto no deslocamento e o tempo desse deslocamento. Para quem utiliza o Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

transporte público, o desgaste do deslocamento pode ser maior que para o indivíduo que utiliza veículo particular, não só em função do tempo, mas também das condições do transporte público, que no caso brasileiro é marcado por superlotação, baixa frequência, e altos custos (que retoma à discussão econômica apresentada anteriormente). Quando frequentar determinado equipamento é dispensável, tende-se a fazê-lo com menor frequência em função das más condições de acesso, no entanto, existem deslocamentos indispensáveis, como ir ao trabalho, ir ao médico, ir à escola, nesses casos, parte significativa da população fadada ao isolamento físico é exposta ao desgaste diário ao realizar tais deslocamentos, sacrificando, muitas vezes os momentos de descanso e comprometendo a renda familiar com os gastos relativos a transporte. Deve-se destacar que quanto melhor infraestruturado for o entorno da moradia, menor será a necessidade de deslocamento para o atendimento das necessidades diárias, bem como maior será a oferta por transporte, colaborando para menores tempos de deslocamento. Além disso, em geral, encontram-se próximos às áreas infraestruturadas os equipamentos que ofertam serviços na escala da cidade, o que diminui os deslocamentos necessários, inclusive para atividades eventuais, como ida a alguma instituição pública, ou a necessidade de comprar algo específico. Ainda sobre o acesso social, deve-se destacar a necessidade de que as políticas urbanas e habitacionais estejam associadas a políticas de inclusão social e melhoria econômica. A existência de um teatro próximo à residência não garante que a população tenha, de fato, acesso a esse serviço, uma vez que os impeditivos econômicos e sociais podem se tornar uma barreira para o acesso real. Da mesma forma, a existência de clínicas de saúde particulares nos arredores não denota o atendimento ao direito à saúde, uma vez que a utilização desse equipamento é limitada aos grupos sociais que conseguem arcar com serviço prestado. O acesso social ainda se mostra relevante quando se trata da avaliação da oportunidade de melhoria econômica ofertada por determinado local. Quando se articula a oferta de emprego nas imediações da moradia com a oportunidade de mobilidade social, deve-se considerar a qualificação exigida pelas vagas oferecidas, já que a população residente pode não atender aos requisitos demandados. Assim, a capacitação profissional e educacional se mostra preponderante para o acesso real ao emprego. Além do acesso espacial e social, pondera-se que o acesso também é determinado pelo atendimento das demandas quantitativas e qualitativas inerentes aos serviços prestados, já Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

que um equipamento deve funcionar de tal forma que acolha quantitativamente o grupo de alcance ao qual presta atendimento, bem como deve oferecer um serviço de qualidade satisfatória. Assim, a existência no entorno da moradia de, por exemplo, um posto de saúde sem a estrutura necessária e sem o apoio de profissionais suficientes para o atendimento da população, torna-se pouco relevante à conquista real ao direito à saúde.

2.4 Onde encontra-se o interesse social da HIS brasileira? Se qualidade da moradia não se restringe às características físicas e construtivas da casa, uma política habitacional que vise a garantia do direito à moradia deve ofertar o acesso ao solo urbano, que deve ser compreendido como um bem social, já que à terra está associado o próprio acesso a equipamentos e serviços próximos à ela, físico e socialmente, indispensáveis para o direito pleno à cidade. Nesse sentido, Rolnik et al. (2011) reitera que o solo urbano deve ser um dos componentes essenciais da política habitacional, sendo sua disponibilidade em quantidade e condições adequadas, imprescindíveis para o êxito dessas ações. No entanto, a autora destaca que historicamente, as políticas de solo para dar suporte aos programas habitacionais brasileiros raramente estão dissociadas da tendência da localização periférica. Essa alternativa busca a redução de custos pela implantação de empreendimentos em locais com baixo valor da terra, o que negligencia (negligencia ou desconsidera) os gastos futuros de infraestruturação dessas áreas, e ainda a baixa qualidade habitacional em função da implantação da moradia em locais distantes dos fluxos econômicos e de baixa densidade, que naturalmente dificultam o surgimento desses fluxos. Em contrapartida, quando se empreende a habitação pelo viés do acesso à cidade, promovendo boa localização, as novas moradias se valerão das oportunidades urbanas existentes nas áreas urbanas consolidadas, o que dispensará grandes obras de infraestrutura e implantação de grandes equipamentos. Além disso, deve-se considerar a economia de custos para o morador, que residindo em uma área consolidada realizará menores deslocamentos para o atendimento das demandas diárias, reduzindo tanto os gastos com transporte, quanto o desgaste físico e mental advindo desses deslocamentos. Se em geral as próprias iniciativas governamentais no setor habitacional replicam a ocupação excludente do solo urbano, têm-se a reafirmação, pelo poder público, da sobreposição dos interesses econômicos em detrimento dos interesses urbanos e sociais, exacerbando o padrão segregatício de ocupação do solo, onde as áreas formais, dotadas de infraestrutura, lazer, serviços e oportunidade de emprego, tornam-se exclusivas das classes mais altas, à Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

medida que os mais pobres se instalam nas franjas da cidade, distantes de oportunidades de melhoria urbana e mobilidade social. Através dessa abordagem analisa-se no próximo item o padrão de localização dos Vida (PMCMV), política pública federal que tem se configurado como importante empreendimentos no contexto do Programa Minha Casa Minha porta de acesso à moradia para a população da cidade do Rio de Janeiro. Dessa forma, busca-se entender qual o papel do poder público na oferta de uma moradia adequada do ponto de vista urbano e de promotor do acesso à cidade ou de privação a ela.

3. Padrão de localização dos empreendimentos do PMCMV no Rio de Janeiro O Programa Minha Casa Minha Vida foi implantado em 2009, no segundo Governo Lula, com objetivos que iam além da oferta habitacional, abarcando forte interesse no incentivo da atividade econômica como estratégia de mitigação das consequências da crise mundial de 2008. O uso de uma demanda social para o atingir objetivos econômicos de resultados imediatos ocasionou em pequena aderência entre o programa e as ações no setor habitacional implantadas no primeiro mandato do Presidente Lula, marcadas por um importante processo de estruturação da Política Urbana e Habitacional no país, com forte destaque à capacitação dos municípios e mensuração dos problemas habitacionais em nível local ─ destaca-se como iniciativas: a criação do Ministério das Cidades, aprovação do SNHIS, elaboração do Plano Nacional de Habitação e dos Planos Locais de Habitação, aprovação da Lei de Assistência Técnica - Lei 11.888/2008. Apesar dessa pequena aderência, o PMCMV apresenta avanços, a começar pela destinação de significativo volume de recursos para o setor da habitação, que desde a extinção do BNH era marcado por iniciativas desarticuladas e com baixos recursos que consequentemente ocasionavam em baixo impacto na realidade habitacional instaurada no país. Outro avanço do programa, como destacado por Compans (2012), constitui no reconhecimento da habitação como um direito social, que deve ser assegurado pelo Estado. Mediante o atendimento da histórica demanda pelo subsídio habitacional o PMCMV destina 40% de sua produção para a faixa de zero a três salários mínimos (0-3 SM), que foram atendidos com baixa expressividade pelos programas anteriores. Segundo Neto, Furtado e Krause (2013), em 2013, 73,6% do déficit habitacional brasileiro se concentrava na faixa de 0-3SM, dessa forma, mesmo com o avanço citado, o percentual ainda demonstra um descompasso entre a atuação do programa e a composição do déficit no país, mesmo que Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

apresente melhores resultados quando comparado com experiências anteriores, como o BNH. O Programa Minha Casa, Minha Vida apresentou os resultados quantitativos esperados, tendo financiado em menos de dois anos 1 milhão de moradias (até o fim do Governo Lula). Comparativamente, o Banco Nacional de Habitação (BNH) financiou 4,4 milhões nos seus 23 anos e o Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) 273 mil no período entre 1999 e 2009 (COMPANS, 2012). Tal resultado repercutiu na manutenção dos níveis de desenvolvimento do país durante a crise, mas efetivamente não apresentou o mesmo efeito no ponto de vista do desenvolvimento urbano. Benetti et al (2013) destacam que é clara a dificuldade dos municípios no estabelecimento de regras que ajam como instrumentos reguladores, a fim de que o programa seja elemento integrado a uma política urbana justa. Com a dificuldade de regulação dos empreendimentos pelo poder público municipal e a protagonização do mercado privado na implantação dos conjuntos habitacionais, o programa acaba por seguir a dinâmica mercadológica e apresentar produtos arquitetônicos padronizados, implantados através da junção de empreendimentos contíguos, geralmente nas periferias, que ocupam extensas porções do território com baixa qualidade construtiva, estética e funcional, com morfologia uniforme, monótona e de baixa qualidade urbanística. Tais avaliações podem ser observadas nos diversos estudos que avaliam a atuação do programa em cidades brasileiras, o que aponta uma tendência de desvinculação entre planejamento urbano e habitacional. Na cidade do Rio de Janeiro, até o ano de 2013, segundo Benetti et al (2013), foram implantadas cerca de 66.000 unidades habitacionais pelo PMCMV, sendo que dessas, 41% foram destinadas à faixa de renda de 0-3 SM, 22% para a faixa de 3-6 SM e 38% para a faixa de 6-10 SM. Andrade (2011) e Cardoso (2013) evidenciaram a criação pela prefeitura de medidas facilitadoras para viabilizar a rápida aprovação do grande número de projetos e incentivar a produção de empreendimentos pelo PMCMV, como incentivos fiscais e flexibilização das leis urbanísticas. Porém, não houve a preocupação, sobretudo na primeira fase do programa (2009- 2011), de associar a grande oferta de projetos a um planejamento urbanístico condizente com as demandas sociais, dessa forma, a ocupação na cidade ocorreu baseada na segregação socioespacial da população de baixa renda nas periferias. Observa-se na cidade do Rio de Janeiro uma tendência de implantação de empreendimentos na AP5 (Área de Planejamento 5), Zona Oeste, que apresenta precárias condições de Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

atendimento à nova demanda em função da precariedade de infraestrutura e escassez de serviços no local. Além disso, a referida área não concentra o maior déficit habitacional da cidade, mas recebeu a maioria das unidades, 61% do total. Quando analisa-se apenas as unidades habitacionais destinadas à faixa 1 (0-3SM), o percentual é ainda maior, 70% de todas as unidades habitacionais produzidas para essa faixa foram localizadas na AP5 (Benetti et al, 2013). Compans (2012) realizou uma análise da espacialização dos empreendimentos retirando aqueles feitos por iniciativa pública e considerando, assim, apenas aqueles empreendimentos de 0-3 SM implementados exclusivamente via mercado, percebe-se que na faixa 1 (0-3 SM), a AP5 concentra 94% dos empreendimentos, o que demonstra uma tendência mercadológica de instalação dessa faixa de renda nessa porção da cidade. Compans (2012) também observa uma diferenciação da localização dos empreendimentos dentro da própria AP5. Com exceção de Campo Grande, que recebeu muitos empreendimentos oriundos do PAR, que migraram para o PMCMV, o número de unidades cresce proporcionalmente à distância do centro da cidade. A AP3, Região Norte, embora possua o maior déficit e melhores condições urbanísticas para o recebimento de novas moradias, contou com poucos investimentos, 21% de todas as unidades habitacionais e 14% daquelas destinadas à faixa 1 (0-3 SM). Já a área central apresentou um número de contratações ainda menor que aqueles observados nas duas áreas citadas anteriormente, 4% considerando as três faixas de renda e o mesmo percentual para os empreendimentos de 0-3 SM (Benetti, 2013), o baixo percentual contrasta com as boas condições urbanas ofertadas pela área, que possui satisfatória infraestrutura de transportes, serviços, postos trabalho, além de conformar uma área de importantes fluxos econômicos de relevância metropolitana com um número crescente de vazios urbanos. Em 2012 surge por parte da municipalidade do Rio de Janeiro a primeira tentativa de direcionar os locais passíveis à implantação dos conjuntos habitacionais do PMCMV. Através da Resolução nº1 de maio de 2012 da Secretaria Municipal de Urbanismo e da Secretaria Municipal de Habitação foi demarcada uma faixa territorial onde é desejável a construção de novos conjuntos na AP5, considerando a mobilidade do local de moradia. As consequências advindas dessa iniciativa tem feito parte das análises do Laboratório Habitação e Forma Urbana PRORURB/UFRJ, que tem analisado sua eficácia para a promoção de melhores localizações no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida na cidade do Rio de Janeiro.

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4.Paciência x Complexo do Alemão: Padrões de deslocamento Para a análise das consequências para a população atendida pelo PMCMV da localização da habitação na qual ocupa, toma-se como objetos de estudo dois empreendimentos implantados em áreas distintas da cidade do Rio de Janeiro. O primeiro, no Complexo do Alemão (denominado neste estudo por empreendimento Itararé, por estar localizado no logradouro de mesmo nome), é conformado por dois condomínios habitacionais contíguos, que foram implantados em conjunto 1 (Condomínio Palmeiras e Jardim das Acácias, que juntos somam 582 unidades), cuja ocupação foi iniciada em 2010. O empreendimento é localizado, na AP3, Zona Norte, nos limites do Complexo do Alemão (Estrada do Itararé), conformando um ponto de contato entre os bairros limítrofes e o complexo de favelas. Como característica da área pode-se destacar a variedade de usos, e a junção de tecidos urbanos diferenciados: favela, remanescentes industriais, cidade formal, conjuntos habitacionais de outros períodos (Figura 1a) e a proximidade da área central da cidade do Rio de Janeiro, a localização privilegiada é potencializada pela proximidade da Avenida Brasil e Linha Amarela, importantes vias estruturadoras do tráfego.

Figura 1: a. Mapa de usos do entorno do empreendimento Itararé. b. Mapa de usos do entorno do empreendimento Agaí. Os círculos vermelhos possuem raio de 400m e representam os limites atingidos após 5 minutos de caminhada a partir dos empreendimentos. Fonte: Laboratório Habitação e Forma Urbana.

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A implantação de empreendimentos contíguos é uma estratégia adotada para driblar as exigências do programa que define um limite máximo de 500 unidades por empreendimento. Muitas vezes os lotes utilizados são desmembrados para constituírem condomínios distintos, que são aprovados em conjunto, empreendidos lado a lado, pela mesma construtora, com projetos que se diferem apenas pela disposição dos blocos no terreno, demarcando forte monotonia no espaço urbano. Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

O segundo empreendimento, no Bairro Paciência (AP5) (denominado neste estudo por empreendimento Agaí, por estar junto à rua que recebe este nome), é constituído por três condomínios Zaragoza, Sevilha e Toledo, cuja a ocupação das 1047 unidades habitacionais foi iniciada em 2011. O empreendimento é implantado no limite da malha urbana, dessa forma o entorno é conformado por uma porção sem ocupação e por um território com pequena variedade de usos (Figura 1), em geral, a área apresenta edificações residenciais de um a dois pavimentos, sendo os edifícios com maior gabarito aqueles dos condomínios analisados (4 pavimentos). Dessa forma, o empreendimento apresenta características tipológicas distintas do entorno, tanto em função da organização em sistema condominial, como no gabarito e na estruturação em blocos multifamiliares. Para a análise proposta, partiu-se do pressuposto de que, quanto melhores fossem as condições urbanas do entorno da moradia, menor seria a necessidade de deslocamento dos moradores para atenderem suas necessidades básicas de saúde, comércio, bem como o acesso ao trabalho, uma vez que o entorno ofereceria essas amenidades. Ou seja, as melhores condições estruturais do entorno garantiriam o acesso espacial, evitando grandes deslocamentos. Para averiguar tal hipótese, optou-se pela mensuração e espacialização dos deslocamentos realizados pelos moradores nos dois empreendimentos, que como já apontado apresentam localizações distintas (AP3 e AP5). Tal levantamento foi realizado através da aplicação de formulários pelo Laboratório Habitação e Forma Urbana, em janeiro de 2014, cuja a amostra correspondeu a 10% do total de unidades habitacionais dos empreendimentos analisados, (Itararé: 588 unidades, amostra = 59 formulários; Agaí: 1050 unidades, amostra = 105 formulários). Além dos padrões de deslocamento o formulário aplicado contém questões relativas às características socioeconômicas e o grau de satisfação dos indivíduos com o bairro, condomínio e moradia, em vários níveis, no entanto, este artigo limitará suas considerações aos aspectos de deslocamento e questões correlatas a esse. Serão analisados alguns deslocamentos realizados cotidianamente, serão eles: 1) deslocamento casa-trabalho; 2) deslocamento casa-local em que os entrevistados realizam suas compras (do dia-a-dia e eventuais; deslocamento casa - médico. Durante a pesquisa de campo os entrevistados também foram questionados acerca dos deslocamentos casa instituição de ensino que frequenta, no entanto, em função do baixo percentual de entrevistados que estudam, optou-se pela não utilização desses dados. Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

Inicialmente é importante considerar um deslocamento mais abrupto e permanente que aqueles realizados no dia-a-dia, a mudança do lugar ocupado pelo entrevistado no espaço urbano em função da vinda para o empreendimento analisado. Em Itararé a maioria dos entrevistados são oriundos do Complexo do Alemão (Figura 2a) e foram realocados em função das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), dessa forma, as famílias participaram de um processo de realocação conjunta, onde foi priorizada a proximidade do empreendimento do antigo local de moradia. Em Agaí o padrão identificado é oposto, os moradores dos empreendimentos foram encaminhados por sorteio e aquisição, e por isso provêm de porções distintas da cidade, que, em geral, se localizam distantes do atual local de moradia (Figura 2b). Por mais que em Agaí 61% dos entrevistados tenham origem na própria AP5, os antigos locais de moradia são distantes do empreendimento em estudo em função da maior dimensão territorial dessa AP. (Figura 2) A espacialização apresentada em Agaí reflete o já mencionado descompasso

entre

a

localização

do

déficit

habitacional

e

a

localização

dos

empreendimentos, que têm sido implantados, sobretudo, em áreas remotas da AP5.

Figura 2: Espacialização no mapa da cidade do Rio de Janeiro: a. antiga moradia entrevistados Itararé; b. antiga moradia entrevistados Agaí; c. local de trabalho entrevistados Itararé; d. local de trabalho entrevistados Agaí. Fonte: Laboratório Habitação e Forma Urbana - PROURB/UFRJ

Em relação aos deslocamentos realizados pelos entrevistados no percurso casa-trabalho, obteve-se um número menor de respostas que a amostra (Figura 2c e 2d), uma vez que em Itararé, apenas 56% dos entrevistados exercem alguma atividade profissional, enquanto esse percentual é de 45% em Agaí. Além disso identificou-se alto percentual de entrevistados que revelaram não possuir nenhum tipo de ocupação, 24% em Itararé contra 27% em Agaí, Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

considerou-se nesse cálculo aqueles entrevistados não aposentados, não pensionistas e que não trabalham ou não estudam. Sobre os deslocamentos casa-trabalho realizados pelos entrevistados, em Itararé (Figura 2c), pode-se notar uma proximidade entre os locais de trabalho e concentração de trabalhadores em alguns bairros, além disso, os postos de trabalho são relativamente próximos à moradia, confirmando os dados indiretos que apontam maior oferta de emprego e serviços no entorno dos empreendimentos dessa área de planejamento que em relação à AP5. Já em Agaí, nota-se que os entrevistados trabalham em bairros pulverizados por toda a extensão do município, existindo pouca concentração de trabalhadores no mesmo bairro. Essa pulverização dos locais de trabalho cria uma demanda de transporte para destinos variados, mas que devido à baixa densidade não é viabilizada, assim, a população é fadada a utilizar vários meios de transporte, aumentando o tempo e o custo de deslocamento. Tal espacialização pode ser confirmada pelo tempo de deslocamento apresentado na Tabela 1. Enquanto em Itararé 73% dos entrevistados gastam de 0 a 30 minutos para chegar ao trabalho, em Agaí apenas 34% dos entrevistados chegam ao trabalho em até 30 minutos de trajeto, sendo significativo o percentual de entrevistados no empreendimento da AP5 (19%) que necessitam de mais de 2h para chegar ao local de trabalho. Tabela 1: Tempo de deslocamento casa x trabalho, saúde, compras diárias e eventuais Itararé de 0 a 5 min. de 6 a 30min. de 31min. a 1h de 1h01min. a 2h mais de 2h de 0 a 5 min. de 6 a 30min. de 31min. a 1h de 1h01min. a 2h mais de 2h

Trabalho 8% 65% 23% 4% 0% Compras diárias 39% 54% 3% 3% 0%

Agaí

Saúde Trabalho Saúde 78% 13% 2% 15% 21% 67% 5% 13% 16% 2% 34% 5% 0% 19% 0% Compras eventuais Compras diárias Compras eventuais 7% 7% 0% 75% 72% 41% 16% 20% 52% 2% 1% 4% 0% 0% 4% Fonte: Laboratório Habitação e Forma Urbana

A pulverização dos locais de trabalho dos entrevistados de Agaí não se deve apenas à menor oferta de emprego nas imediações, mas também à relação existente entre os antigos locais de moradia (que como constatado pelo mapa de espacialização da antiga moradia também é pulverizado) e o local de trabalho. Dessa forma, é importante destacar a necessidade de uma melhor relação entre o antigo e atual local de moradia, pois essa mudança espacial pode fadar o morador a maiores deslocamentos para chegar até o local de trabalho. Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

Questionados sobre a capacidade do local de moradia de facilitar ou dificultar a oportunidade de se conseguir um emprego, os resultados obtidos nos dois empreendimentos foram contrários, enquanto em Itararé, 88% dos entrevistados consideram que o local de moradia favorece as oportunidades de se conseguir emprego, em Agaí esse percentual foi de 14%, 81% dos entrevistados em Agaí consideram que morar no Bairro Paciência constitui desvantagem na busca pelo emprego, e 5% não soube responder. Muitos dos entrevistados em Agaí atribuíram tal dificuldade aos altos custos de deslocamento até o local de trabalho, que muitas vezes o possível empregador não está disposto a arcar. Em relação aos deslocamentos geralmente realizados pelos entrevistados para o acesso a equipamentos de saúde, houve maior concentração desses locais nas proximidades da habitação (Figura 3). No caso de Itararé existe um equipamento de saúde contíguo ao empreendimento, o que justifica o percentual de 78% dos entrevistados que chegam ao equipamento de saúde em até 5 minutos (Tabela 1). No entanto, muitos dos entrevistados relataram a inexistência de médicos e a dificuldade de se conseguir atendimento no local, dessa forma, deve-se considerar que o acesso espacial não deve ser considerado como único componente de avaliação do acesso à saúde.

Figura 3: Espacialização no mapa da cidade do Rio de Janeiro: a. Local em que entrevistados do empreendimento Itararé vão ao médico; b: Local em que entrevistados do empreendimento Agaí vão ao médico. Fonte: Laboratório Habitação e Forma Urbana - PROURB/UFRJ

Para a análise do acesso espacial ao comércio, esse foi dividido em dois tipos: 1) comércio diário (compras do dia-a-dia), entendido por este estudo como aquele ligado à subsistência do indivíduo, como compra de alimentos e medicamentos, que em geral são feitas com maior frequência, e por isso é preferível que esteja disponível nas imediações da habitação; 2) já o comércio eventual está ligado às compras realizadas com menor frequência e não ligadas à subsistência, como a compra de eletrodomésticos, presentes e roupas, que geralmente exigem o deslocamento para um centro comercial. Mesmo com a menor frequência de utilização, deve-se destacar que a existência de um comércio eventual nas proximidades da moradia é um bom termômetro da qualidade e vitalidade urbana existente no local, uma vez esse está ligado à presença de fluxos econômicos, que geralmente é concentrado no espaço através da concentração populacional. Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

Como pode-se perceber na Figura 4, em Itararé as compras do dia-a-dia são realizadas nas imediações da edificação, já em Agaí (4b) observou-se um padrão diferenciado de espacialização dos locais de compra do dia-a-dia, uma vez que parte significativa dos moradores realizam suas compras em Campo Grande (35%), no entanto, 57% dos entrevistados fazem as compras do dia-a-dia no próprio bairro. Essa espacialização reflete a oferta de produtos básicos no entorno da moradia, uma vez que, quanto mais deficitária é a oferta desses produtos maior o deslocamento dos moradores para atendê-las.

Figura 4: a.;c. Espacialização no mapa da cidade do Rio de Janeiro dos locais de compras do dia-a-dia e eventuais do empreendimento Itararé. b.;d. Espacialização no mapa da cidade do Rio de Janeiro dos locais de compras do dia-a-dia e eventuais do empreendimento Agaí. Fonte: laboratório Habitação e Forma Urbana - PROURB/UFRJ.

Em relação às compras eventuais, nos dois casos houve um maior espraiamento da mancha em relação às compras do dia-a-dia, no entanto, em Itararé essa dispersão foi menor que aquela apresentada em Agaí, onde número pouco significativo faz suas compras no próprio bairro, sendo predominante a ida a Campo Grande, para a realização das compras eventuais (Figura 4c e 4d). Sobre o tempo de deslocamento casa x comércio, apresentados na Tabela 1, percebe-se em todos os casos maior tempo de deslocamento para moradores de Agaí, em relação às compras eventuais esse tempo de deslocamento é ainda maior, refletindo o padrão de distribuição espacial apresentados na Figura 4.

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5.Conclusão Diante das análises do tempo e espacialização de alguns deslocamentos realizados pelos moradores dos empreendimentos, pode-se dizer que a inserção urbana de Itararé apresenta melhores condições de acesso aos serviços oferecidos pela cidade. Sobre as características do entorno de Itararé que se diferenciam daquelas evidenciadas no entorno de Agaí, pode-se destacar a densidade urbana, enquanto em um raio de 800m a partir de Itararé observa-se uma densidade de 221 hab/ha, em Agaí a densidade para o mesmo raio é de 45 hab/ha. Isso torna-se relevante ao se ponderar que a vitalidade urbana tem forte ligação com a concentração populacional, necessária para a viabilidade de instalação e manutenção de infraestrutura, transporte, serviços e comércio, por exemplo. Em relação às externalidades urbanas, pode-se dizer que em Itararé têm-se um maior acesso à essas em função da proximidade física de centralidades da cidade do Rio de Janeiro, que concentram não só infraestrutura, mas também fluxos econômicos importantes. No entanto, deve-se destacar, que mesmo com essas características locacionais favoráveis a taxa de desemprego observada em Itararé, bem como ocorre em Agaí é alta, o que evidencia uma necessária associação entre a política habitacional e estratégias de desenvolvimento social mais amplas, o que se insere nas considerações realizadas na primeira parte do artigo sobre acesso social. Em relação à implantação de empreendimentos habitacionais em áreas não consolidadas, localizadas na periferia urbana, deve-se destacar a existência de um duplo efeito: 1) Modificação da estrutura urbana dessas periferias através de um incremento populacional que exerce esforço sobre as já precárias estruturas urbanas existentes, mas que também oferece campo de desenvolvimento dessas periferias mediante o incremento populacional. 2) Por outro lado deve-se destacar as consequências advindas dessa ocupação para as famílias, que passam a fazer maiores deslocamentos e que muitas vezes passam a residir em porções do território pior localizadas que os antigos bairros. Nesse sentido, observa-se um processo de rearranjo da população no território estimulado pelo poder público, que em parte tem significado a retirada da população de áreas com boas características locacionais e adensamento de regiões que pouco tem a oferecer do ponto de vista das oportunidades urbanas. Muito tem se responsabilizado o Governo Federal pelos fracassos qualitativos do PMCMV, no entanto, além de uma maior regulação a nível federativo, é necessária uma articulação da política habitacional e a política urbana municipal para que se garanta melhores localizações, Habitar 2014 Belo Horizonte, de 26 a 28 de Novembro

uma vez que, as ações de planejamento a nível local que insiram de fato a noção da função social da propriedade são preponderantes para a produção de cidades equitativas.

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