HATSUNE MIKU: A CONSTRUÇÃO DE UM ÍDOLO VIRTUAL A PARTIR DA COLABORAÇÃO ENTRE SEUS FÃS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

ARTHUR SILVEIRA DE MENEZES

HATSUNE MIKU: A CONSTRUÇÃO DE UM ÍDOLO VIRTUAL A PARTIR DA COLABORAÇÃO ENTRE SEUS FÃS

Porto Alegre 2015

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Arthur Silveira de Menezes

HATSUNE MIKU: A CONSTRUÇÃO DE UM ÍDOLO VIRTUAL A PARTIR DA COLABORAÇÃO ENTRE SEUS FÃS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda, pela Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.

Orientador: Prof. Me. Ticiano Ricardo Paludo

Porto Alegre 2015

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Arthur Silveira de Menezes

HATSUNE MIKU: A CONSTRUÇÃO DE UM ÍDOLO VIRTUAL A PARTIR DA COLABORAÇÃO ENTRE SEUS FÃS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda, pela Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.

Aprovado em ___/_____/2015.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________ Prof. Dr. André Fagundes Pase

__________________________________________ Prof. Dr. Roberto Tietzmann

__________________________________________ Orientador: Prof. Me. Ticiano Ricardo Paludo

Porto Alegre 2015

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais por minha criação, amor, toda dedicação e fé depositados em mim. Por todas as vezes que eu fui indeciso e eles estiveram lá para me dar a certeza de que eu poderia fazer tudo que eu quisesse. Por terem me tornado uma pessoa capaz de chegar até aqui. À minha mãe, por sempre me incentivar a construir as coisas que eu tenho vontade, seguir adiante sem nunca tropeçar. Ao meu pai, por ter sido o melhor para mim durante muitos anos, um ídolo que desejo um dia me tornar similar, mas da minha forma. Descanse em paz. Aos meus amigos e colegas de banda, que por muitas vezes foram compreensivos e entenderam que eu não poderia estar com eles em diversos momentos para poder me dedicar melhor a este trabalho. E por também me darem o apoio que precisei nos momentos mais delicados deste estudo. À Mel, que é praticamente uma filha humana que devo cuidar, alimentar, ensinar e até mesmo dar sermões com muito amor (e claro, me preocupar muitas vezes), à Liza, que ficou órfã de seu dono (meu pai) e procurou à mim, após alguns anos de mordidas nas mãos, para lhe acolher e dar carinho, e à Babalu, que já a certo tempo se foi, mas ainda mora no meu coração, dos três aos dezenove anos de idade. Ao meu orientador, mestre, chefe, superior, modelo de inspiração, professor Ticiano Paludo, que só pelos meus momentos de desespero e travadas onde ele pôde me ajudar a desencalhar, mereceria já uma página inteira de agradecimentos em sua homenagem. Além do âmbito acadêmico, gostaria de agradecê-lo também por ter sido uma pessoa muito importante na minha construção profissional e um excelente amigo. À Aletha Silva, que com toda certeza mereceria uma dedicatória muito maior por todas as vezes que me ligou, abraçou e deu carinho pensando no melhor para mim, sempre desejando que eu tivesse êxito neste trabalho. De todas as pessoas, uma das que mais acreditou em mim, talvez mais do que eu mesmo acreditava em mim. Ao Japão, que me propiciou tanto conhecimento sobre sua cultura, idioma e costumes. Suas formas de entretenimento, artistas e, principalmente, culinária. Nunca esquecerei os dias que passei neste lindo país. ありがとうございます!

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“Wanting to be someone else is a waste of the person you are” “Querer ser outra pessoa é um desperdício da pessoa que você é” - Kurt Cobain

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RESUMO

A presente monografia consiste em um estudo sobre a evolução de Hatsune Miku como uma estrela pop, uma marca e uma fonte de entretenimento. O trabalho realiza, em um primeiro momento, uma conceituação sobre a indústria cultural e a cibercultura, analisando noções de massificação da cultura e a transmissão desta para o povo, assim como ideias de manipulação da arte e criação de novas formas de propagar uma mesma ideia. Este estudo busca compreender as relações entre estrela e ídolo, e como isto fomenta a relação com o fã. A partir destes conceitos, é traçado o problema de pesquisa: “É possível que uma personagem ficcional se torne popular e vendável ao ponto de ser considerada uma estrela? ”. Para responder a esta pergunta o trabalho contou com uma metodologia que abrange a pesquisa bibliográfica e documental, onde são resgatados os conceitos de mito, ídolo e a questão da divinização do amor, além de ter sido feito um estudo sobre advertainment, estratégia publicitária que pôde tornar Hatsune Miku uma figura atrativa em diversos produtos. Dessa forma, foi possível estabelecer ligações entre o referencial teórico e a análise de dados, onde pode ser comprovada a relevância da personagem e o quanto o software Vocaloid foi necessário para que suas canções fossem concretizadas e, assim, disseminadas através de shows, jogos e vídeos na internet.

Palavras-chave: Indústria Cultural. Cibercultura. Advertainment. Ídolos. Vocaloid.

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ABSTRACT

This monograph consists of a study on the evolution of Hatsune Miku as a popstar, as a brand and a source of entertainment. The work, at first, realizes a conceptualization of the cultural industry and the cyberculture, analyzing mass culture notions and its transmitting to the people, as well as art handling ideas and creating new ways to propagate the same ideia. This study aims to understand the abstraction of star and idol, and how it promotes the relationship with the fan. From these concepts, the problem was traced to the research: "It is possible that a fictional character becomes popular and salable to the point of being considered a star?”. To answer this question the work had a methodology that encompasses the bibliographic and documentary research, which redeems the concepts of myth, idol and the issue of deification of love, and so has been made a study of advertainment, an advertising strategy which could make Hatsune Miku an attractive figure in several products. Thus, it was possible to establish links between the theoretical and data analysis, which can be proven the relevance of the character and how the Vocaloid software was necessary for their songs to be realized and thus spread through shows, games and videos on the internet.

Keywords: Cultural Industry. Cyberculture. Advertainment. Idols. Vocaloid.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Madonna em “Lucky Star” ......................................................................... 30 Figura 2: As faces de Madonna no vídeo de “Borderline” .........................................31 Figura 3: Comparação do videoclipe de “Material Girl” e do filme “Os Homens Preferem as Loiras” ...................................................................................................32 Figura 4: O videoclipe de “Like A Prayer” ..................................................................33 Figura 5: Videoclipe de “Vogue” ................................................................................34 Figura 6: Madonna na Revista Vogue italiana ...........................................................35 Figura 7: A tipologia do advertainment ......................................................................40 Figura 8: O sintetizador Moog ...................................................................................43 Figura 9: Os andamentos musicais ...........................................................................45 Figura 10: Os tipos de Sinais de Intensidade ............................................................46 Figura 11: Palavras de expressão .............................................................................46 Figura 12: O funcionamento do programa Vocaloid ..................................................48 Figura 13: Tipos de twintails ......................................................................................51 Figura 14: Hatsune Miku no “Hanamaru Market” ......................................................53 Figura 15: Comparação de design entre Miku e os sintetizadores da Yamaha ........54 Figura 16: As caixas da primeira versão de Vocaloid ...............................................57 Figura 17: A caixa da edição de Vocaloid que continha MEIKO ...............................58 Figura 18: A caixa de Vocaloid KAITO ......................................................................59 Figura 19: O funcionamento do site Nico Nico Douga ..............................................61 Figura 20: Busca de interesse por “Hatsune Miku”, “初音ミク” e “Vocaloid” ............62 Figura 21: A capa de Supercell, álbum do coletivo de mesmo nome .......................63 Figura 22: “Black Rock Shooter” conforme padrão visual de Huke ...........................64 Figura 23: Hatsune Miku ao vivo em “Miku no Hi Kanshasai 39's Giving Day” .........67 Figura 24: Banner de Hatsune Miku com o carro Toyota Corolla .............................68 Figura 25: Printscreen do anúncio da parceria entre Lady Gaga e Hatsune Miku ....68 Figura 26: Grupo de cosplays de Hatsune Miku .......................................................69 Figura 27: Um dakimakura contendo Hatsune Miku .................................................70

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Tipos de twintails ........................................................................................52 Tabela 2: Os twintails conforme suas épocas ...........................................................53 Tabela 3: Madonna e Miku ........................................................................................65

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11 2 INDÚSTRIA, CANTORAS E ÍDOLOS ...................................................................14 2.1 INDÚSTRIA CULTURAL .....................................................................................14 2.2 CANTORAS .........................................................................................................20 2.2.1 Madonna ...........................................................................................................28 2.3 ADVERTAINMENT ..............................................................................................36 3 HATSUNE MIKU, A ESTRELA VIRTUAL ..............................................................42 3.1 O PROGRAMA VOCALOID .................................................................................42 3.2 DESIGN DE HATSUNE MIKU ..............................................................................49 4 A PRINCESA NÚMERO UM DO MUNDO ..............................................................56 4.1 DESCOBRINDO A DIVA .....................................................................................56 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................72 REFERÊNCIAS .........................................................................................................75

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1. INTRODUÇÃO O cenário musical sofreu diversas mudanças dentro de vários gêneros musicais, principalmente a música pop, que em certos casos é distante da música orgânica. Durante o avanço dos anos 2000, a computação permitiu que as vozes dos cantores pudessem sofrer variadas modificações, incluindo alterações de tom, manipulação de notas cantadas e até mesmo distorção de voz original. Com um auxílio da Yamaha Corporation, a Pompeu Fabra University, via o projeto de Kenmochi Hideki, desenvolveu o programa Vocaloid, um sintetizador de voz que possui um banco de dados de timbres de cantores virtuais e possibilita ao seu usuário compor faixas de voz, que recebem expressões vocais humanas, para poder produzir informação sonora. No programa, dentre os diversos personagens a serem escolhidos, em sua segunda edição foi lançada a personagem Hatsune Miku (na versão produzida pela Crypton Future Media), pioneira no programa, junto a outras figuras, a idealizar a vontade dos produtores em darem uma imagem às vozes que estavam sendo empregadas pelos músicos que compunham no programa. Conforme Kenmochi (2010), após o lançamento de Hatsune Miku em agosto de 2007, o site japonês Nico Nico Douga, responsável por hospedagem de vídeos, teve uma grande mudança. Os internautas começaram a postar composições originais em clipes, e alguns se tornaram populares. Pessoas que viram os trabalhos começaram a ter convicção de que poderiam fazer o mesmo, comprando Vocaloid e compondo músicas. Com a avaliação positiva do programa, Miku continua vendendo, já passando 50.000 unidades comercializadas, sendo um recorde na área de software de sintetizador. Este trabalho busca realizar uma análise sobre o programa Vocaloid, com um enfoque maior na personagem Hatsune Miku. Será pertinente explorar as qualidades do programa como um emulador vocal, tendo em vista as possibilidades que este confere para simular a voz de um ser humano. Analisar o design de Hatsune Miku também será significativo para este trabalho tendo em vista que, por ser uma personagem ficcional, inexistente como um ser de carne e osso, e sua construção como figura é importante para que conquiste o interesse do público. Serão utilizados autores como Morin (1989) e Eliade (2006) para analisar a construção de uma estrela e como Hatsune Miku enquadra-se no perfil de um ídolo.

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Uma análise sobre a cibercultura também será feita, mensurando as possibilidades de interação entre pessoas comuns para o bem de uma marca. Segundo Jenkins (2006), a indústria da mídia está ficando gradativamente mais dependente de consumidores que sejam ativos e comprometam-se a disseminar conteúdo positivo sobre propriedades valorizadas em um mercado de mídia saturado e, em determinadas condições, estes mesmos procuram formas de encaminhar a produção criativa dos fãs de mídia para amenizar os custos de produção. Na publicidade, desde a década de 2000 em diante, as pessoas têm apreciado cada vez mais o contato que possuem com as empresas via internet e, também, com seus ídolos. As pessoas deixam de ser receptoras e passam a se tornar coautores. Esta coautoria permite que o público participe da construção e promoção da marca, contribuindo para o seu advertainment, estratégia publicitária que permite que Hatsune Miku seja inserida em veículos de comunicação de grande alcance. Para a concretização deste trabalho serão utilizados pesquisa bibliográfica e documental, estudo de caso, observação não participativa e o método monográfico. Segundo Stumpf (2005, p. 51): É um conjunto de procedimentos que visa identificar informações bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado e proceder à respectiva anotação ou fichamento das referências e dos dados dos documentos para que sejam posteriormente utilizados na redação de um trabalho acadêmico. Por vezes, trata-se da única técnica utilizada na elaboração de um trabalho acadêmico, como na apresentação de um trabalho no final de uma disciplina, mas pode também ser a etapa fundamental e primeira de uma pesquisa que utiliza dados empíricos.

As pesquisas bibliográfica e documental terão como fundamento apontar a presença da colaboração criativa a partir da comunidade online, analisando as formas com as quais os internautas podem interagir entre si de forma artística sobre o mesmo assunto, influenciados por projetos e trabalhos anteriores de seus semelhantes. Através da observação não participativa, serão analisados os diversos sites onde Hatsune Miku teve sua presença fortalecida, onde as músicas criadas a partir do programa Vocaloid foram enviadas e a relação entre fãs, demonstrando os tipos de itens e artes que produzem baseando-se na imagem da personagem.

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Com a coleta destas informações, será colocado à prova a relevância de Hatsune Miku como uma artista virtual. Serão analisadas suas aparições em parceria com as seguintes empresas: SEGA, que a tornou uma de suas mascotes oficiais e promove seus shows; Toyota U.S.A. e Google Chrome Japan, que utilizam de sua imagem, suas canções e fama como uma forma de advertainment, tornando atrativos seus produtos por conter estas qualidades relativas à figura aqui estudada. Esta pesquisa apresenta duas hipóteses a serem confirmadas, ou não, no decorrer do trabalho: Hatsune Miku é um ícone que, ao associar-se a uma marca, conquista a atenção do público; existe uma adoração e desejo amoroso dos fãs pela personagem como se essa fosse um ser de carne e osso, expressando a vontade de ser semelhante a ela assim como cobiçá-la de forma sexual. Será feita uma análise sobre o design da personagem e como este foi relevante para a construção de Miku.

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2. INDÚSTRIA, CANTORAS E ÍDOLOS Este capítulo tem como objetivo explicar os conceitos de indústria cultural e como cada indivíduo está inserido neste meio. Além disso, busca explicar como a cibercultura e a comunicação fazem parte de uma forma de conexão entre ideias. Também será explicada a compreensão de uma cantora, desde a ideia de mito até a formação de um ídolo. Por fim, a última parte deste capítulo debate a definição de advertainment, conceituando a forma com a qual um produto pode ser estampado com uma marca famosa e aumentar seu potencial de venda. As principais referências para este capítulo são Coelho (1980), Eliade (2006), Llosa (2013), Morin (1989), Randazzo (1997), Rüdiger (2004), Russel (2007) e Sampaio (2003).

2.1. INDÚSTRIA CULTURAL Dentre os primeiros conceitos estabelecidos sobre cultura, destaca-se o definido por Tylor (1871, p. 1) onde “tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. O conceito também pode ser defendido como: Todas as manifestações da vida de uma comunidade: língua, crenças, usos e costumes, indumentária, técnicas e, em suma, tudo que nela se pratica, evita, respeita e abomina. Quando a ideia de cultura passa a ser um amálgama semelhante, é inevitável que ela possa chegar a ser entendida, apenas, como uma maneira agradável de passar o tempo. (LLOSA, 2013, p. 15)

O mesmo autor ainda implica que a literatura mais representativa de nossa época é aquela que não se compromissa a demandar esforços por parte dos leitores, mas sim tornar-se algo agradável, rápido e simples. A leitura light desencoraja os esforços do leitor para uma compreensão mais profunda e intelectual sobre outras obras. Ela coloca o leitor na posição de culto, moderno, revolucionário, de vanguarda, e faz com que o que se pretendia ser algo avançado torne-se uma propagação do conformismo e da autossatisfação. (LLOSA, 2013) Dentre os conceitos de cultura, há uma reflexão sobre como a cultura se manifesta segundo classes. Conforme conferido em um ensaio de T.S. Eliot chamado

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“Notas para uma definição de cultura”, esta divisão da cultura em classes implica que cada uma destas classes cria e desenvolve a cultura que lhes convém, o que por consequente implica que as culturas, apesar de certas exceções, não se misturam entre classes. Dentre as diferenças entre culturas, a condição econômica é um dos fatores mais marcantes para delimitar o comportamento de cada uma, como por exemplo a evidente diferença cultural entre trabalhadores e aristocratas apesar de compartilharem de coisas como língua e religião devido à sua coexistência. A alta cultura, por exemplo, mantém um padrão aristocrático e privilegiado sobre aquilo que transmite, havendo a possibilidade de um indivíduo ascender à uma cultura superior ou descender de sua atual posição. Este sistema de classes torna-se harmonioso e mantém a ordem hierárquica cultural. (LLOSA, 2013) Coelho (1980, p. 14, grifos do autor) defende que “não é difícil saber o que abrange o rótulo cultura superior: são todos os produtos canonizados pela crítica erudita, como as pinturas do Renascimento, as composições de Beethoven, os romances “difíceis” de Proust e Joyce, a arquitetura de Frank Lloyd Wright e todos os seus congêneres”. O mesmo autor ainda define a cultura média, ou midcult, como: Os Mozarts executados em ritmo de discoteca; as pinturas de queimadas na selva que se pode comprar todos os domingos na praça da República; os romances de Zé Mauro de Vasconcelos, com sua linguagem artificiosa e cheia de alegorias fáceis, daquelas mesmas que as escolas de samba faze desfilar todos os anos na avenida; as poesias onde pulula um lirismo de segunda-mão e de chavões; (COELHO, 1980, p. 15)

O conceito de cultura superior é importante para poder compreender e diferenciar a “cultura de massa”, a qual transmite formas de arte em um ritmo industrial de produção. O rumo sucedido direciona-se para a massa social, identificada cosmopolita por vocação e planetária por extensão, tendo seu surgimento relacionado à popularização dos meios de comunicação. (MORIN, 1997) A cultura de massa se diferencia por trazer como características a padronização, o estereótipo, o conservadorismo, a manipulação e a falsidade, oferecendo uma gratificação hipotética, em contraste com a “experiência genuína” da arte. Associada como uma produção quase artística para atingir um público urbano, semi-educado e com inclinação ao comportamento de massa, que busca atenuar o

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tédio profundo, alimentado pelo “medo mórbido de nada fazer” encontrado no mesmo. (SWINGEWOOD, 1978) Segundo Rüdiger, há uma razão econômica para o exponencial crescimento da cultura de massa: As transformações na sociedade, com a ascensão do capitalismo de monopólio e do estatismo burocrático, produziram melhorias na situação de vida das massas, mas no sentido de aumentar seu poder de consumo. As grandes corporações permitiram simultaneamente um aumento da produtividade e uma expansão dos salários, cujo resultado foi a explosão da produção e do consumo em massa. A arte não escapou desse processo, perdeu seu caráter elitista e se massificou através dos meios de reprodução técnica. (RÜDIGER, 1990, p. 32)

Há um equívoco geralmente incidente quando se fala sobre cultura de massa: a comparação feita entre formas de cultura disseminadas através de diferentes meios. Colocar no mesmo patamar a cultura trazida pelos meios de comunicação de massa (rádio, TV, cinema) e aquela que é produzida pela literatura ou grande teatro acarreta em uma conferência inválida. Esta forma de cultura deveria ser relacionada com outros grandes meios de comunicação de massa, como a moda, os costumes alimentares, a gestualidade dentre outras. (COELHO, 1983) Coelho (1983) explica que quando há uma pretensão em estabelecer relação entre categorias culturais e classes sociais, isso se torna uma dificuldade na maneira como se distingue as formas culturais e seus produtos. Apesar de haver resistência em defender a cultura superior e seus produtos como instrumentos de aproveitamento da classe dominante, há a possibilidade de, como exemplo, um operário (que supostamente seria consumidor da cultura de massa) perceber desfrute em ouvir Beethoven num Teatro Municipal, o qual seria facultado à classe alta. Em paralelo, é possível também a eventualidade por parte de um sociólogo a querer satisfazer-se assistindo o seriado “Jornada nas Estrelas1” na TV ou um filme qualquer de catástrofe. Conforme o mesmo autor, “isto significa que as formas culturais atravessam as classes sociais com uma intensidade e uma frequência maiores do que se costuma pensar”. (COELHO, 1983, p. 17-18)

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Em inglês, Star Trek, franquia de entretenimento criada por Gene Roddenberry, estreou na televisão em 1964. (Fonte: . Acesso em 06/05/2015).

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Conforme Rüdiger (2004), o capitalismo moderno possibilitou aos intelectuais e artistas viverem por conta de suas atividades criadoras, fazendo com que se sentissem livres perante autoridades políticas e religiosas, criando assim um mercado de bens culturais, avaliados como sérios e ligeiros. Devido ao seu caráter mercantil, a produção literária e artística conquista sua autonomia, e, desde cedo, esse tipo de mercado sempre almejou a ideia de ser categorizado como uma indústria. Esta situação acarretou na exploração desse mercado a partir do surgimento de atividades literárias e artísticas voltadas para a indústria, contrapondo a questão da arte como uma condição de liberdade. Rüdiger (2004, p. 34) toma como exemplo a literatura, a qual “conquistou espaço nos jornais por meio do folhetim, mas isso não se fez sem macula, quando se lembra que até mesmo escritores de renome foram pouco escrupulosos com sua assinatura”. A inserção da arte no meio econômico acaba por desenvolver a indústria cultural, um movimento coincidente com o da publicidade pelo fato de esta nutrir o potencial da primeira. A linguagem, campanhas, slogans, enfim, técnicas e truques publicitários serviram de início como uma forma de fomentar as finalidades das obras de arte como procedimentos externos. Conforme a indústria cultural se desenvolvia, estas técnicas tornaram a recepção da mesma dependente disto para seu desenvolvimento. Inclusive, as técnicas de promoção capacitam aos bens culturais elevarem seu valor para o público de forma que estes tenham contato com o produto antes mesmo de seu lançamento e, posteriormente, consumo. A satisfação das necessidades coincide com uma época em que a cultura se torna essencialmente o exercício do poder de compra. A grande admiração da mercadoria cultural tecnológica não é focada na obra, mas sim de todo o procedimento que cria e promove marca ao produto, ocasionando seu ato de consumo, um ato que é refletido como um sinal de capacidade de apropriação ou até mesmo um exercício de poder. (Levy, 1999) Levy usa diversas vezes em seus estudos os termos “cibercultura” e “ciberespaço”. O primeiro termo “especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. ” (Levy, 1999, p. 17). A definição de “ciberespaço”, segundo o mesmo autor: O ciberespaço (que também chamarei de "rede") é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores.

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O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (LEVY, 1999, p. 17)

Na forma de imagens, os bens de consumo constituem o próprio conteúdo da mídia, tornando estes fundamentais como um processo nos diversos contextos da vida em sociedade. Os esquemas mercantis da indústria não suprimem a criatividade social, porém a colocam em dependência e a exploram. Isto faz com que os alicerces globais sejam difundidos e ampliados através de todos os lugares do mundo, entre todas as classes, o que causa um estímulo a desenvolver a capacidade de escolha individual. Isso dá início a uma forma de consumo de produtos como se fossem veículos de determinados valores comuns, cuja promoção ocorre de forma pública através dos meios de comunicação. (RÜDIGER, 2004) O mesmo autor ainda defende que:

Na chamada indústria cultural, portanto, não se deve tomar de maneira literal o termo indústria. A conceituação não depende de sua base tecnológica: refere-se sobretudo ao emprego mercantil dos veículos de comunicação, ao manejo das técnicas de marketing (promoção) e à padronização dos bens artísticos e intelectuais. (RÜDIGER, 2004, p. 27, grifo do autor)

Segundo Levy (1999), a cibercultura é constituída de três subconjuntos, os quais transparecem uma forma semelhante à sua configuração global. O autor usa como exemplo a música tecno2 para exemplificar a existência destes três compostos do movimento social. Na música tecno há uma evidente presença da interconexão com a padronização técnica, no caso, padrão MIDI e, também, o uso da internet marca presença possibilitando aos músicos digitalizar e tratar qualquer peça artística do meio, fazendo com que exista um fluxo contínuo de trabalhos entre músicos do meio. Esse fluxo de informação contribui para sustentar a própria produção para a rede em si, uma vez que cada indivíduo pode contribuir para o todo e seu trabalho será levado com grande valor para o ambiente em si. A música tecno convém com a ideia de uma comunidade virtual, tendo em vista que suas produções artísticas são geralmente

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Tecno: Gênero musical com origem em Detroit, voltado para a música eletrônica. (Fonte: SICKO, Dan – Techno Rebels. 2010 – Wayne State University Press).

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concebidas durante festas rave

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e assumem sentido em comunidades mais

momentâneas compostas de músicos ou DJs4. Quando um artista musical entrega à comunidade uma obra finalizada, ele está também acrescentando à rede um material do qual futuros músicos poderão trabalhar e se inspirar. Todos, por consequente, são ao mesmo tempo produtores de matéria prima, autores, intérpretes, transformadores e ouvintes em um grande circuito auto-organizado de criação cooperativa e de criação concorrente. Levy (1999) ainda complementa que essa inteligência coletiva, falando-se do processo todo, integra a composição de todo um patrimônio musical gravado ao mesmo tempo que se mantém em constante expansão. Não apenas a música tecno, mas a música em geral expressa através do mundo uma figura singular do universal sem totalidade. Esta universalidade é, claro, também influenciada pela facilidade com a qual as composições são difundidas através do ciberespaço, mas ao mesmo tempo ela depende de uma compatibilidade técnica neste ambiente virtual. As canções étnicas, clássicas, religiosas ou semelhantes são sampleadas, isoladas de seu contexto original, inseridas em uma mixagem digital, transformadas em um novo produto e, por fim, disseminadas através da rede para que sirvam como base de futuros projetos. Esta universalidade da música também faz com que a globalização musical seja favorecida por rádios FM e pela indústria musical, o que leva à explicação orientada por Levy sobre o gênero transglobal underground: O gênero transglobal underground, por exemplo, participa intensamente do processo em andamento de universalização do conteúdo por contato e mistura. Ele integra músicas tribais ou litúrgicas a sons eletrônicos, ou mesmo "industriais", sobre ritmos flutuantes ou frenéticos visando provocar efeitos de transe. (LEVY, 1999, p. 143, grifos do autor)

Em um mundo que a universalidade de tópicos é dominante para a disseminação da rede, a principal metáfora é a rede. Dentro da imagem do homem em conexão global com seus semelhantes, disseminando conteúdo, conectado com

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Rave: Cena musical que começou na Bélgica na década de 1980, cujo estilo é reconhecido por possuir uma batida rápida; o termo também é associado a um tipo de festa que pode ser realizada em casas, pequenas vizinhanças ou até mesmo estádios ou sítios afastados. (Fonte: SFECTU, Nicolae – The Music Sound. 2014 – Google eBook). 4 DJ: Discjockey; é o indivíduo que seleciona e executa músicas em um cenário de clube e/ou festa. (Fonte: SFECTU, Nicolae – Dance Music, 2014 – Google eBook).

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espaços, tecnologias e pessoas, tudo está ligado através da interação social no ambiente online. Há existência de serviços e táticas de negócio direcionados para o marketing em rede, usufruindo de redes de relacionamento. Na visão pós-moderna de conhecimento, há uma grande valorização do trabalho coletivo. A modernidade se desenha na imagem de um gênio individual enfatizando seu próprio esforço, enquanto o homem pós-moderno, em contrapartida, instiga o compartilhamento de informação, procura a satisfação de um grupo como o todo, avalia resultados condizentes e visa, dessa forma, o processo coletivo. (PRETTO, 2008) Após a compreensão acerca da indústria cultural, será estudado mais a fundo o conceito de cantoras.

2.2. CANTORAS As cantoras desempenham o papel de ídolo. Para compreender o significado de ídolo, Morin (1989, p. 26, grifos do autor) define: Um mito é um conjunto de condutas e situações imaginárias. Essas condutas e situações podem ter por protagonistas personagens sobrehumanas, heróis ou deuses [...] Os processos de divinização não são uniformes; não existem um, mas vários tipos de estrela. Desde as estrelas femininas “de amor” (de Mary Pickford a Marilyn Monroe) até as estrelas cômicas (de Carlitos a Fernandel), passando pelas estrelas do heroísmo e da aventura (de Douglas Fairbanks a Humphrey Bogart).

Na concepção de sociedades arcaicas, o mito designa uma “história verdadeira”, sendo o significado totalmente oposto do termo i.e; não obstante, definese por uma história extremamente preciosa por um caráter sagrado, exemplar e significativo. Apesar do novo valor semântico atribuído à palavra, ainda carrega em sua concepção um modelo de “tradição sagrada, revelação primordial, modelo exemplar” (ELIADE, 2006) Dentre os povos indígenas ocorre uma separação entre suas “histórias verdadeiras” e as “histórias falsas” dentro do conceito de mito. Em ambos os casos, o mito apresenta uma série de eventos que se concretizaram em uma atmosfera distante e fabulosa. Nos mitos, os protagonistas geralmente são Deuses ou Entes Sobrenaturais, seres que possuem um ar de superioridade, poder e consciência sobre os demais eventos e possibilidades que os cercam, ao passo em que nos contos os

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protagonistas são heróis ou criaturas místicas, geralmente associadas a animais. Dentre estes, há uma característica comum: nenhum deles pertence ao mundo cotidiano, eles desconhecem a vida pacata e seus feitos são tratados como histórias significantemente divergentes da realidade. As narrativas dos mitos explanam acontecimentos que se referem apenas a seu universo, embora que estes tenham ocasionado mudanças no mundo, não modificam a condição humana. Os mitos debatem não meramente a origem dos animais, das plantas, do Mundo e do homem, assim como de acontecimentos primordiais que acarretaram em consequências do que o homem se tornou hoje. A retratação do homem na sociedade é de um ser mortal, sexuado, que convive em sociedade, possui a condição de trabalhar para poder viver e sob certas regras da mesma sociedade que está inserido. Essa concepção do homem estava incubada desde os primórdios sob as atitudes criadoras dos Entes Sobrenaturais. (ELIADE, 2006) As mitologias servem como uma forma de as pessoas compreenderem o universo e qual a razão de elas estarem nele. Nas histórias mitológicas os homens encontram um exemplo a seguir no retrato daqueles que lutaram antes deles. Os mitos auxiliam as pessoas a entenderem quem são elas na imensidão do mundo. Para compreender melhor a imensidão com a qual as pessoas lidam, “o sentido da identidade torna-se cada vez mais importante neste mundo moderno onde é muito fácil perder o rumo. As pessoas precisam sentir-se arraigadas e espiritualmente centradas. ” (RANDAZZO, 1997, p. 83) Segundo Randazzo (1997), uma associação comum com os termos “mito” ou “mitologia” é com relação à mitologia clássica dos gregos ou romanos. Nestas sociedades arcaicas, o mito desempenhava um papel importante. Em contraponto, na sociedade contemporânea a mitologia sofre decremento como um valor e faz com que a ciência a substitua, deixando de lado sua importância e influência na construção do homem moderno. Conforme o autor, não há mais um contato consciente entre nós e nossas raízes mitológicas e suas experiências. Conforme Eliade (2006), alguns mitos não são deixados de lado na sociedade contemporânea para servirem de exemplo em novos fundamentos. A intenção não é direcionar o ser humano para um pensamento arcaico, mas sim ter uma base para servir de exemplo e renovação dentro da sociedade. Os mitos transmitem eventos grandiosos, muitas vezes reproduzidos de forma fabulosa, que supostamente

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ocorreram sobre a terra, e que o passado é, em parte, recuperável. Eles transmitem um sentimento positivo que faz com que o homem queira se colocar ao lado dos heróis e deuses da mitologia, fazendo-o crer que pode cumprir os atos dos mesmos e transcender seus limites como homem, elevando-o a um novo paradigma. Experiências religiosas privilegiadas, quando inseridas neste contexto de uma história fabulosa e fantástica, tendem a criar modelos de inspiração para a comunidade, a qual compreende os contos como parte de um ato impressionante. Desde as sociedades arcaicas, graças às experiências criadoras de certos indivíduos, a cultura pôde ser embasada, construída e manter-se renovada constantemente. Segundo Eliade (2006), devido à reinterpretação e aprofundamento da concepção dos mitos e de como estes podem ser influentes para a construção do ser humano, os especialistas do sagrado acabam por conduzir a sociedade aos mesmos valores e descobertas que estes realizam a partir de seus estudos. Os mitos têm um papel de provocar o homem, de ajudá-lo a se colocar numa posição em que este visa estar entre os Deuses e Heróis mitológicos, os mesmos que o inspiram e fazem com que exceda seus limites e condicionamentos. Segundo o mesmo autor, “comportamentos míticos poderiam ser reconhecidos na obsessão do sucesso, tão característica da sociedade moderna, e que traduz o desejo obscuro de transcender os limites da condição humana; no êxodo para os subúrbios, onde se pode detectar a nostalgia da perfeição primordial. ”. (ELIADE, 2006, p. 160) Randazzo (1997) comenta a forma com a qual a mitologia provoca e instiga o ser humano a entrar em um contato primitivo consigo mesmo: A mitologia proporciona um acesso para a mente inconsciente – o aspecto irracional, intuitivo da psique humana. A mitologia permite-nos vislumbrar a alma humana, a nossa natureza instintiva que se mantém oculta por baixo das aparências da civilização. O contato com a nossa psique inconsciente permite que nos sintamos com os pés no chão e mais humanos, e é uma fonte rica e vital de energia criadora e de descobertas. (RANDAZZO, 1997, p. 63, grifo do autor)

Quando o homem quer se colocar num lugar entre Deuses e Heróis mitológicos, ele está no anseio por se tornar um ídolo. Segundo Campbell (1990), existe a possibilidade de o homem transpor-se para um âmbito onde ele torna-se passível de ser mitologizado. O modelo típico que acaba se tornando um mito (ou o alguém a ser idolatrado) é o do ator de cinema ao mesmo tempo protagonista de um filme. Em um

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filme, há o reconhecimento de duas figuras: do personagem e do ator. O ator quando surge em um ambiente público, como um restaurante ou uma casa de espetáculos, torna-se o centro das atenções, é compreendido como uma pessoa a ser contemplada, ao mesmo tempo em que quando se vai ao cinema assistir sua obra, os espectadores estão admirando o personagem, mas que ao mesmo tempo é o ator e que mescla as formas com as quais o ator surge. Ele desdobra sua presença e cria uma imagem grandiosa para o personagem e para si mesmo. Conforme Morin (1989) os heróis do cinema são agentes que provocam diversos sentimentos nos telespectadores justamente por serem guias destes em sua concepção de herói, a meio caminho entre os deuses e os mortais. Os personagens herói, tanto do amor quanto da ação, dentre outros gêneros cinematográficos, estão se colocando como os heróis no sentido divinizador das mitologias. O mesmo autor ainda acrescenta: A estrela é o ator, ou a atriz, que absorve parte da essência heroica – isto é, divinizada e mítica – dos heróis dos filmes, e que, reciprocamente, enriquece essa essência com uma contribuição que lhe é própria. Quando se fala em mito da estrela, trata-se, portanto, em primeiro lugar do processo de divinização a que é submetido o ator de cinema, e que faz dele ídolo das multidões. (MORIN, 1989, p. 26)

Segundo Eliade (2006), o ídolo que o público pode se espelhar não deve necessariamente ser um indivíduo existente, podendo este ser proveniente de uma ficção. Nos Estados Unidos, as histórias em quadrinhos retratam variantes dos heróis mitológicos em suas narrativas. O público que consome estas histórias é fiel à interpretação de ideal social do personagem, fazendo com que alterações em suas atitudes distintivas, ou até mesmo sua morte, causem grande revolta entre os leitores. Estes, por sua vez, respondem às mudanças de forma enérgica, enviando telegramas aos autores das histórias em quadrinhos e aos diretores dos jornais, contestando as mudanças realizadas. Um personagem fantástico, “Superman” 5 , alavancou sua popularidade devido à sua dupla identidade: um ser proveniente de um planeta destruído por uma catástrofe, munido de poderes extraordinários, vive na Terra perante a figura de Clark Kent, um jornalista tímido, modesto, apagado e dominado

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Super-herói ficcional criado em 1938 por Jerry Siegel e Joe Shuster. Suas histórias em quadrinhos são publicadas pela DC Comics. (Fonte: . Acesso em 07/05/2015).

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por sua colega de trabalho Lois Lane. Este herói, cujos poderes são literalmente inesgotáveis, traz à tona um tema mítico famoso, marcado principalmente por seu disfarce inocente e frágil. O mito do Superman corresponde à um desejo oculto do homem moderno, um desejo de, reconhecendo-se como um ser limitado e comum, um dia tornar-se um herói, um personagem excepcional. O espectador, em um nível psíquico, vive a vida apaixonada, valorosa, intensa e imaginária que os heróis e estrelas lhe proporcionam, tendendo a identificar-se com eles. O fã projeta no ídolo dois tipos de assimilação com ele mesmo: em um ponto, o fã busca na estrela uma paixão similar à de um parceiro amoroso, em outro ele busca na celebridade uma imagem a qual guiar-se, como se a celebridade fosse um alter ego seu. Nesta indagação do adorador, percebe-se que sua idade é próxima à do ídolo o qual admira. Esta aspiração do homem comum em se tornar cada vez mais similar a seu herói se desfaz quando confronta a realidade, onde ele se sente inferior e singular perante grandeza e imponência daquilo que gostaria de ser, contendo-se como apenas um adorador. A estrela se encaixa no mesmo nível do herói divinizado, este que serve como uma identificação a qualquer um, e contribui para a fidelização de seus admiradores. (MORIN, 1989) Segundo Morin (1989), um rosto e corpo adoráveis em uma atriz são considerados atributos que lhe tornam uma estrela. Estes elementos a tornam um objeto do mito do amor, semeando um culto em torno de si própria. A estrela cria uma imagem em torno de sua beleza que desperta um instinto de adoração perante o espectador. Amar é idealizar, a característica da beleza física de uma atriz não fica em segundo plano, pois não é apenas a personagem que está sendo apreciada, mas também a atriz. O romance é por si a grande magia do amor, que conduz o sentimento através do espectador para com os intérpretes, que vivem esta depuração da vida cotidiana. Os heróis do cinema desenvolvem e trabalham o mito do amor, o qual, segundo o autor, torna-se venerável diante do espectador, que acompanha romances e interpretações que despertam em si um novo olhar sob a vida cotidiana. Por consequência, a atriz ou ator acabam se tornando um objeto de culto devido à ligação que estes realizam entre o mundo real e o imaginário. O fã vive de um amor incondicional, o qual não o permite possuir, nem de forma física ou sociológica, mas sim é partilhável, adorador e pouco sexualizado, um amor pela estrela que não desencadeia inveja ou ciúme. A adoração acarreta em uma

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relação onde a estrela vê-se superior ao fã, estabelecendo um amor verdadeiro entre dois seres, totalmente recíproco que nutre os desejos de ambos os lados da história. O adorador quer que sua adorada também seja uma adoradora, porém, o verme quer se tornar estrela. O fã aceita, por pura inocência e humildade, ser apenas o verme na relação. Essa desigualdade caracteriza o amor religioso, uma adoração que mantém aceso o desejo do admirador em ser amado pela estrela, sem perder sua humildade. (MORIN, 1989) Segundo Shuker (1999) as estrelas agem como construções míticas, exercendo um papel-chave na estruturação de interpretações não-usuais da rotina de seus fãs. Ao mesmo tempo, são compreendidas como entidades econômicas, as quais tem a função de cativar o público e difundir os produtos da indústria fonográfica, que as coloca numa categoria de mercadoria ímpar, a qual representa um produto e, ao mesmo tempo, um processo de trabalho de um artista. Conforme Morin (1989), os ídolos possuem clubes dedicados à si que são considerados capelas onde se exaltam fervores individuais. Nestes clubes são agraciados seus componentes no momento em que as estrelas revelam novos aspectos de suas vidas privadas-públicas e seus mais recentes trabalhos midiáticos, inclusive permitindo a realização de perguntas. A correspondência entre o fã e seu ídolo faz com que se eleve ainda mais a condição de deus relativa ao segundo, o que acaba fazendo-o transcender sua imagem cinematográfica e integrando a si as virtudes e morais dos heróis dos filmes, sendo assim santificados perante aqueles que os veneram. O nível de entusiasmo do público com o seu ídolo pode variar, porém este sempre estará consumindo o artista como produto, e isto é evidente conforme a concepção a seguir: O fiel sempre quer consumir o seu Deus. Desde os banquetes canibais, onde se come o familiar mais velho, e os banquetes totêmicos, nos quais se come o animal sagrado, até as comunhões e eucaristias religiosas, todos os deuses são feitos para ser comidos, isto é, incorporados, assimilados. A primeira assimilação é a do conhecimento. O fã quer saber tudo, ou seja, quer possuir, dominar e digerir mentalmente a imagem integral do ídolo. O conhecimento se torna assim um meio de saber analítico ou sintético da estrela, mas a incorporar mexericos, rumores e indiscrições numa saborosa deglutição. (MORIN, 1989, p. 60)

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Os consumos de um fiel são dos mais variados tipos, porém fotografia e autógrafos são os dois fetiches-chave para qualquer um. Entre a década de 1930 e 1940, a Paramount 6 recebeu mais de seis mil cartas em poucos dias, as quais, provenientes de espectadores do, na época, mais recente trabalho de Dorothy Lamour7. No meio de tantos pedidos de objetivos fetichistas, um dos destaques era um admirador que desejava um pedaço dos cabelos da atriz. Assim, também foram pedidos botões, chicletes mastigados, cadarços de calçados, fragmentos de tecido e pontas de cigarro. Qualquer informação ligada à estrela permite ao leitor que se sinta mais próximo dela, que saiba mais de seus segredos e conheça mais de sua intimidade. A partir disto, se torna mais fácil para identificar-se com a celebridade e, eventualmente, incorporar seus trejeitos, maquiagens, cortes de cabelo e até mesmo parte de sua rotina saudável, como sua alimentação ou rotina de atividades, tudo isso tendo como base as entrevistas, confidências e indiscrições que o ídolo cede. O culto acaba se tornando material, o fã deseja possuir um fragmento da estrela para si, tornar-se cada vez mais próximo da realidade dela, poder ter ciência de um conhecimento fetichista de seus hábitos, comida favorita, medidas corporais, marcas de roupa, noções que são condutores de sua presença, composto da materialidade e da objetividade do real na ausência do próprio real. (MORIN, 1989) A indústria cultural é conferida com a possibilidade de tornar a vida banal do homem comum em espetáculo. Com a captura do anônimo, possibilita sua promoção como imagem de sucesso e de seu reconhecimento, agindo como uma empresa de emoções. A partir do espetáculo da fama, cria-se uma ilusória vida discernida, a qual está livre da realidade simples, promovendo a vida humana como visibilidade. O ídolo de massa tem como função “viver o simulacro de uma vida plena e continuamente roubada, como se não fossem, eles também, alienados nela” (Bucci, apud, 2005, p. 242). É neste padrão existencial diversificado que os ídolos acabam sendo diferentes das pessoas comuns, o que condiciona sua existência e torna-os atrativos para o público de massa, é a eventualidade que permite a estes terem seu reconhecimento, serem reverenciados e cortejados. A função da mídia é enviar para o público, os anônimos, os modelos de desejo que deram certo, fazer com que eles, de suas casas, admirem a rotina diferenciada das celebridades, contemplando suas vidas amorosas 6

Um dos principais estúdios cinematográficos dos Estados Unidos da América, fundado em 1912 por Adolph Zukor. Fonte: . Acesso em 11/05/2015. 7 1914-1996, atriz de cinema norte-americana. Em 1940, estrelou o filme Typhoon.

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cheias de mudanças e o desfrute de suas riquezas incomuns, tornando este diferente artificializado em fetiche. É neste caso que as indústrias se complementam, pois o entretenimento existe em harmonia com a publicidade de produtos, estes que possuem imagens dos ídolos das massas, os quais serão vendidos e, consequentemente, gerarão mais interesse e audiência para tais formas de entretenimento, e assim manterá por um ciclo contínuo. Conforme a quantidade de ídolos que a indústria cultural acaba produzindo, maior será a quantidade de material de alto valor de troca contendo suas imagens produzido pelos mais variados setores de venda. (COSTA, 2009) Conforme Morin (1989), as estrelas na publicidade transcendem sua imagem de anjo da guarda que afirma a qualidade de um produto, elas também convidam o público a consumir dos produtos que utilizam. Cigarros, pasta de dentes, batom, barbeador, todos estes utensílios de uso pessoal acabam sendo associados com a estrela, tornando estes produtos tão pessoais algo que aproxima o indivíduo ainda mais de seus ídolos, estreitando cada vez mais sua identificação com eles. São produtos que serão vendidos como uma combinação, um arranjo de itens que emanam as virtudes, alma e corpo da celebridade e que o comprador irá se apropriar, integrando estas coisas à sua personalidade. Dentro da mitologia cultural, a função dos mitos é tornar-se referência para o público e que este possa se espelhar no que os arquétipos criados pela mídia sugerem. De forma subliminar, estes arquétipos midiáticos acabam por moldar a vida das pessoas, fazendo com que estas tenham um padrão de beleza, estilo de vida e emoções. Na publicidade, os arquétipos são utilizados para melhor dialogar com o público e tornar a propaganda mais atraente para ele, ativando instintos primitivos do ser humano que o provocam e o atraem de forma inconsciente. (RANDAZZO, 1997) Segundo Costa (2009), em um comercial de cerveja, a cantora bonita e famosa sempre irá vender muito, pois sua imagem está associada a jovialidade, sucesso e adoração ao produto. Em lançamento de perfume, o ator charmoso assegura a atratividade da fragrância para com as mulheres, e esse ciclo afirma a criação de uma rede simbólica onde a imagem do ídolo é constantemente reafirmada, pois este faz o produto ser vendido, assim como a publicidade reforça a visibilidade do ídolo no imaginário do consumidor e atesta seu sucesso. Os fãs têm a possibilidade de consumirem seus ídolos em diversos formatos, e, contando com a imagem de seu

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ídolo no produto, eles acabam eventualmente comprando seus produtos. Permitemse adquirir revistas, CDs, DVDs, roupas, sandálias, produtos alimentícios, qualquer coisa que esteja associada com a imagem do ídolo, incluindo os materiais que este mesmo consome, além daqueles que possuem a publicidade estampada pelo próprio. É uma necessidade de projetar-se na imagem do ídolo, de associar sua imagem comum à daquela pessoa a qual ele adora, vestindo seus mesmos trajes de comerciais, de aparições em programas, numa forma de poder sentir-se cada vez mais próximo do ídolo. Segundo Morin (1989), um dos maiores atrativos das estrelas são seus cabelos, os quais são um ponto de extrema referência para estampar seu rosto e lembrar sua imagem. Os penteados de ídolos cinematográficos como James Dean e Marlon Brando marcam épocas e geram tendências no público, tornando as artes fontes de moda e referência para o grande público. As estrelas femininas, principalmente, causam maior impacto por terem um charme único ao demonstrarem a forma com a qual se comunicam, revelando, de forma amorosa, charminhos encantadores e provocantes, expressões românticas, os olhos apaixonantes e até mesmo a forma com a qual falam. As celebridades acabam se tornando padrão-modelo, um arquétipo global que viabiliza elogios como “Você é bonita como uma estrela de cinema”, os quais se tornam ainda mais pessoais quando o indivíduo se julga parecido com alguma estrela. No mundo moderno, são poucas as coisas que não sofreram influência, direta ou indireta de uma estrela, no erotismo. Elas colaboraram para que saíssem de cena ternos masculinos puritanos e entrassem na moda roupas de couro, blusões, considerados viris, rudes e rebeldes. No caso das formas femininas, começaram a expor mais partes de seus corpos, expondo-os com camisolas ou calças mais justas, moldando suas silhuetas e tornando-se cada vez mais atraentes nesta forma de observação ao corpo humano. A seguir serão discutidos vida e obra de Madonna, uma estrela que revolucionou parte da moda, música e publicidade, debatendo temas sensíveis, como religião, e provocando expectadores com seu figurino e coreografias.

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2.2.1. Madonna Nascida em 1958 no estado de Michigan, Estados Unidos, Madonna Louise Veronica Ciccone foi a terceira filha do casal Silvio e Madonna Ciccone. Sempre envolvida com música e corais durante a escola, despertou um interesse particular na dança, e logo, aos 14 anos, começou a praticar jazz. Após finalizar a escola, recebeu uma bolsa de estudos pela University of Michigan 8 , ficando nesta por dois anos estudando dança e então, após este período, decidiu, em 1978, se mudar para Nova York buscando rumo em uma carreira de dançarina profissional. Chegando na cidade com 35 dólares em seu bolso, morou em um apartamento no East Village 9. Para adquirir renda, trabalhava como garçonete em um restaurante fast food na Times Square e serviu também como modelo nu para artistas. No final dos anos 1970, Madonna conheceu o músico Dan Gilroy 10 e seu irmão Ed, que por sua vez era guitarrista e, logo, os três formaram a banda The Breakfast Club, que contava com Madonna na bateria, apesar de que esta foi instruída a tocar guitarra e teclado também. Em 1980, Madonna decidiu seguir carreira solo, deixando para trás The Breakfast Club e gravando sua primeira faixa demo, chamada “Everybody”11. A música tornouse rapidamente um hit em diversos clubes, danceterias e festas. Após esta primeira experiência, em 1982, Madonna decide assinar contrato com a Sire Records 12 e, em 1983, lança seu primeiro álbum solo intitulado “Madonna”. (TARABORELLI, 2003) Para Kellner (2003), é possível dividir a história artística de Madonna em três fases distintas. Em sua primeira fase, a qual é fortemente ilustrada pelos clipes do início de sua carreira, como por exemplo o clipe de “Lucky Star”13. No clipe, Madonna coloca-se como um objeto sexual, além de uma dançarina enérgica e uma figura inovadora que transmite uma nova moda. No clipe, também é notável sua abertura onde a cantora está usando óculos de sol, que para os padrões dos anos 1980, eram

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Universidade pública localizada em Ann Arbor, Michigan, Estados Unidos. Fonte: . Acesso em 30/04/2015. 9 Vizinhança localizada em Manhattan, Nova York, cercada ao leste pelo Greenwich Village, Stuyvesant Town ao norte, East Side ao sul e rio Hudson a oeste. Fonte: . Acesso em 30/04/2015. 10 Dan Gilroy: músico e vocalista da banda The Breakfast Club. Fonte: WALTERS, Barry – The Breakfast Club. SPIN, Nova York, Vol. 3, Nº 3, p. 34, Junho, 1987. 11 Música disponível em . Acesso em 30/04/2015. 12 Sire Records: selo de gravadora, em posse de Warner Music Group e distribuído por Warner Bros. Records. 13 PIERSON, Arthur. “Lucky Star”, 1983. Disponível em . Acesso em 30/04/2015.

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um símbolo da geração punk, que segue a ideia que ela quis passar a respeito de sua vida em Nova York. O clipe segue uma estética de preto e branco, onde Madonna usa roupas pretas e realiza sua performance em um fundo branco, havendo cenas em que ela está aparecendo de forma sexy e provocativa. O clipe constrói a imagem de uma cantora divertida, livre e expressiva, além de jovem e atraente. Na Figura 1 está demonstrado o visual de Madonna no clipe da canção “Lucky Star”: Figura 1: Madonna em “Lucky Star”

Fonte: . Acesso em 29/04/2015.

Em outro videoclipe, feito para a canção “Borderline”14, é tratada a questão do amor colocando duas sequências em contraponto: uma sequência de imagens coloridas e outra em preto e branco, como podem ser vistas em comparação na Figura 2. Na sequência colorida, pode-se observar uma Madonna alegre e sedutora flertando com um jovem hispânico, enquanto na sequência preto e branco ela interage com um fotógrafo que tira fotos dela e a corteja. Analisando as imagens coloridas do clipe, Madonna provoca a quebra do tabu de relações inter-raciais, sugerindo amor pelo jovem hispânico do clipe, que simboliza uma atitude mais independente sobre sua imagem e sexualidade, e isto fica claro desde as diferenças de figurino entre estes momentos e os inseridos nas cenas preto e branco. Na sequência preto e branco, a

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LAMBERT, Mary. “Borderline”, 1983. Disponível em . Acesso em 30/04/2015.

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cantora interage com o fotógrafo, demonstrando rejeição a este, porém usando um visual mais voltado à moda clássica e ao glamour. Inclusive, em dado momento do clipe, a Madonna dos momentos preto e branco picha diversas esculturas clássicas com tinta em spray que, conforme o autor, é “um gesto modernista do tipo que identifica seus vídeos musicais como transgressores do código da alta cultura, estabelecendo-a como praticante da subversão pop modernista, que quebra regras e tenta inovar, no entanto, dentro dos limites do popular”. (KELLNER, 2003, p. 270) Figura 2: As faces de Madonna no vídeo de “Borderline”

Fontes: . Acesso em 29/04/2015. . Acesso em 29/04/2015.

A segunda fase identificada por Kellner (2003) consiste em um momento a partir de 1985, nesta época Madonna conquista a venda de 16 milhões de singles e álbuns, o qual desta quantidade 4,5 milhões unidades foram de “Like A Virgin”, álbum de sucesso da cantora que colocou alguns de seus singles em primeiro lugar nas paradas. A imagem de Madonna nesta época está associada também a uma mudança no seu físico, que se tornou um corpo considerado magro e esbelto para os padrões da época. Seu figurino e cabelo também mudaram, usando do estilo de moda haute couture

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para compor suas novas vestimentas, esbanjando glamour e,

eventualmente, sendo comparada em aparência com Marilyn Monroe

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Haute couture: estilo de moda associado ao luxo, alta classe e estilo parisiano. (Fonte: . Acesso em 29/04/2015). 16 Norma Jeane Mortenson (1926-1962), atriz, modelo e cantora norte-americana. (Fonte: . Acesso em 30/04/2015).

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Eventualmente, com o lançamento do clipe de “Material Girl” 17 , houveram mais associações entre a atriz e Madonna, onde a estética do clipe fica evidente como referência ao filme “Os Homens Preferem as Loiras”18, como demonstra a Figura 3. Esta fase de Madonna revela um amadurecimento psicológico e musical em sua carreira, neste ponto ela procurou defender a posição da mulher tradicional e sua sexualidade. Figura 3: Comparação do videoclipe de “Material Girl” e do filme “Os Homens Preferem as Loiras”

Fonte: . Acesso em 30/04/2015.

Nesta fase é notável uma evolução modernista na produção de seus videoclipes. O clipe de “Like A Prayer”19 é provocativo, sexual e lida com diversas temáticas contrastantes, como por exemplo as representações de amor espiritual e carnal. No clipe, um homem negro é acusado erroneamente de um crime enquanto Madonna testemunha sua prisão, e durante a narrativa ela vai a uma igreja, onde sonha estar fazendo amor com uma estátua de um santo negro e, após a sequência de cenas lúdicas, ela resgata o rapaz da prisão e retorna ao cenário da igreja, a qual durante o clipe surge esporadicamente um coral composto apenas de pessoas negras. Nas cenas mais lúdicas, podemos notar Madonna cantando em um cenário cujo fundo são cruzes pegando fogo, e ainda há analogia nas cores de suas sapatilhas, pretas, 17

LAMBERT, Mary. Material Girl, 1985. Disponível em . Acesso em 30/04/2015). 18 OS HOMENS Preferem As Loiras. Direção: Howard Hawks, Produção: Sol C. Siegel. Estados Unidos: 20th Century Fox, 1953, 1 DVD. 19 LAMBERT, Mary. “Like a Prayer”, 1988. Disponível em . Acesso em 30/04/2015.

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que simbolizam o sono e o erotismo ao mesmo tempo. A proposta de imagens no clipe é encorajar o convívio harmonioso entre brancos e negros, justificado pela presença do coral de negros, Madonna salvando um negro e beijando outro. Na Figura 4 estão reunidos quatro momentos do clipe de “Like A Prayer”, os quais referem à estátua do santo negro, Madonna dançando com as cruzes em chamas ao fundo, a cantora libertando o rapaz negro da prisão e ela beijando-o. (KELLNER, 2003) Figura 4: O videoclipe de “Like A Prayer”

Fonte: . Acesso em 30/04/2015.

Segundo Kellner (2003), percebe-se em “Express Yourself”20, outro videoclipe da mesma fase da cantora, que ela está invertendo relações de poder e dominação entre gêneros, defendendo a imagem de mulheres independentes e criticando a visão masculina sobre a mulher como um objeto, tudo isso com a marcante erotização de si mesma. Na terceira fase definida pelo autor, Madonna continua mantendo sua imagem como um ícone da liberação sexual e se tornou, além disso, cada vez mais eclética a respeito de sua produção de imagem e de moda. Nesta fase a cantora mantém sua exploração das representações de gênero e sexualidade, atraindo a atenção de grupos compostos por gays, lésbicas, feministas pró-sexo e libertárias. A cantora 20

FINCHER. DAVID. “Express Yourself”, 1989. Disponível em . Acesso em 30/04/2015.

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constantemente explorava os limites da representação sexual nesta época, e durante sua turnê expôs imagens de masturbação, lesbianismo, sadomasoquismo, sexo interracial e orgias. A fase em questão foi marcada pela produção do álbum “Erotica”21 em 1992, seu livro “Sex”22 lançado no mesmo ano, a turnê “Blond Ambition” e o filme “Madonna: Truth or Dare”23, um documentário a respeito da própria turnê, materiais que fizeram a cantora ser reconhecida como uma superstar pop de alto nível e a mulher de negócios mais astuta da América. Em meio aos clipes lançados nesta fase, “Vogue” faz paródia às convenções de moda, ao mesmo tempo em que retrata os cuidados quanto à construção e produção de imagens. A canção expressa liberdade sobre a dança “voguing”24, implicando que isto independe de seu gênero, orientação sexual ou etnia, enquanto Madonna e seus dançarinos são fotografados em diversas poses ao longo do vídeo. (KELLNER, 2003) A Figura 5 demonstra uma cena do videoclipe de Vogue onde Madonna e seus dançarinos estão dançando “voguing”. Figura 5: Videoclipe de “Vogue”

Fonte: . Acesso em 30/40/2015.

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MADONNA; PETTIBONE, Shep; BETTS, André, 1992, Maverick Records. MADONNA, 1992, Warner Books. 23 KESHISHIAN, Alek, 1991, Miramax Films. 24 Voguing: tipo de dança que consiste em fazer diversas poses imitando modelos em passarelas. (Fonte: . Acesso em 30/04/2015). 22

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Em 2012, Madonna lança o videoclipe de “Girl Gone Wild”25, o qual mantém a temática erótica presente na maioria dos outros videoclipes da carreira. Este, por sua vez, provoca a questão da sexualidade, onde os integrantes do grupo de dança Kazaky26 tem como figurino apenas uma calça justa e sapatos de salto alto. Em 2014 a cantora teve participação em um editorial da Revista Vogue27 (tiragem italiana), a qual gerou polêmica por mostrar seus seios, conforme apontado pela Figura 6. Figura 6: Madonna na Revista Vogue italiana

Fonte: . Acesso em 30/04/2015.

Na Figura 6, é possível perceber uma Madonna madura, independente e que representa muito bem a sua proposta como uma cantora provocativa, erótica e singular. No capítulo seguinte será analisado o conceito de advertainment, importante para a inserção de produtos nos meios midiáticos.

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ALAS, Mert et PIGGOTT, Marcus. “Girl Gone Wild”, 2012. Disponível em . Acesso em 30/04/2015. 26 Grupo de cantores e dançarinos ucranianos que conquistaram muitos fãs gays na Europa Oriental, porém não revelam sua real opção sexual. Fonte: . Acesso em 30/04/2015. 27 Segundo a própria fanpage, é revista de moda mais influente do mundo, tendo edições em vários países. Disponível em: . Acesso em 30/04/2015.

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2.3. ADVERTAINMENT Segundo Sant’anna (1998), publicidade e propaganda são termos que andam juntos, porém significam rigorosamente coisas diferentes. A propaganda designa propagação, a reprodução de um conteúdo ou informação através dos meios de comunicação, geralmente corresponde à transmissão de um pensamento ou doutrina. A palavra foi traduzida pelo Papa Clemente VII, em 1597, com a fundação da Congregação da Propaganda, cujo ideal era propagar a fé católica através do mundo, logo o vocábulo foi associado com a disseminação de doutrinas religiosas ou princípios políticos de algum partido. A publicidade, por sua vez, confere a ideia de tornar uma ideia pública, divulgar um fato. Para vender um produto, geralmente se deve criar uma ideia sobre o mesmo, implantar na mente da massa um conceito a respeito daquilo que está sendo anunciado, logo utiliza-se uma forma de promoção para fazer este manifesto a respeito da mercadoria em questão. Então esta publicidade acaba sendo um grande meio de comunicação com o público, uma técnica de fornecimento de informações com o propósito de vender produtos e provocar ações benéficas para os anunciantes. Para assegurar a venda de um produto, é necessário muito mais do que ter um produto bom; é necessário qualificar o mesmo através de sua imagem. Desde muito tempo, a palavra “propaganda” é empregada para designar essa promoção do artigo de venda, o mesmo conceito que vale para disseminar a sua existência. A publicidade é essencial para fazer com que se conquiste além de uma posição no mercado, uma posição na mente dos consumidores, seja essa por imagem, reputação ou conceito. A propaganda serve como um método de persuasão e influência para todos os integrantes das sociedades de consumo modernas. Ela seduz os sentidos, revolve as aspirações, fala com o inconsciente e propõe novas experiências para aqueles que por ela são atraídos. Publicidade é um instrumento muito poderoso que, consequentemente, leva consigo uma grande responsabilidade a cargo de sua aplicação podendo ser mal-empregada, o que acarreta em sua inutilidade ou até mesmo trabalhando contra os princípios e piorando a imagem do assunto que está sendo divulgado em questão. Tendo em vista os riscos e possibilidades que a propaganda proporciona, é necessário usá-la com muita cautela, atenção e bom senso, pois a propaganda integra uma forma de arte, não se torna ciência, porém é

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mais do que uma simples técnica, é na verdade estas três coisas juntas. (SAMPAIO, 2003) Segundo Sampaio (2003), a propaganda é estabelecida como uma manipulação planejada de comunicação, a qual visa, através de persuasão, promover comportamentos em benefício do anunciante que a está utilizando. Essencialmente, tem como objetivo principal disseminar informações, raciocínios e ideias que venham a deixar os consumidores informados sobre produtos e serviços que estão à sua disposição, ao mesmo tempo em que os anunciantes podem prospectar seus negócios através da captação de novos consumidores. A publicidade, neste caso, carrega uma grande importância econômica para as empresas, agindo como um instrumento de promoção e vendas. Neste caso, ela realiza determinadas tarefas: divulgar a marca para que esta ganhe maior intimidade com seus consumidores ou torná-la conhecida para os que ainda a não conhecem; promover a marca para seus consumidores, pretendendo tornar sua presença ainda maior entre eles ou salientando suas questões mais concorrentes em relação aos concorrentes inseridos no mercado; criar um mercado para a marca através da captação de consumidores com o objetivo de expandi-lo futuramente, assim como deverá corrigi-lo quando a percepção sobre a imagem da empresa não estiver sendo notada de forma correta pelos consumidores; consolidar o negócio, de forma que reafirme as qualidades da entidade e solidifique sua posição conquistada, assim como irá dar atenção aos hábitos dos compradores e, por fim, realizar a manutenção deste comércio através da comprovação das vantagens e características da companhia. Tendo a publicidade como ferramenta, o publicitário deve traçar seus objetivos para com a marca a qual ele irá trabalhar. Os objetivos consistem numa série de itens que determinam a organização e metas sobre os planos de marketing. Após a definição dos objetivos, os quais devem ser específicos e realistas, deve se elaborar formas de como atingi-los, e para isso é estruturada uma estratégia de mercado. A estratégia serve como um impulso direcional, inclui decisões de segmentação, a análise do consumidor e as decisões tomadas com base no que foi verificado. As táticas adotadas para conferir qualidade na execução da publicidade podem abranger técnicas de diferenciação de produto, posicionamento e ainda contar com decisões sobre a qualidade e preço, que serão usados como guias de desenvolvimento de táticas executáveis. (OGDEN; CRESCITELLI, 2011)

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Uma estratégia importante recorrente nas últimas décadas em meios de comunicação para as grandes massas é o product placement, uma forma singular de comunicação persuasiva. Tal tática implica em posicionar de forma coerente um produto e/ou marca em determinado meio de entretenimento, seja ele um filme, programa televisivo, canção, peça de teatro, jogo eletrônico ou série, de forma que o anunciante tem ao seu dispor uma forma de comunicação híbrida, deixando subentendido a real intenção de vender o produto ou falar a respeito de sua empresa, não sendo assim algo de percepção imediata pelo público. (CAIRRÃO et. al., 2010) O product placement tem seus primeiros passos dados nos filmes da década de 1920, onde os atores costumavam aparecer fumando cigarros ou consumindo bebidas alcoólicas de marcas renomadas, porém nesta fase inicial isto ainda era um mero ato de relações públicas com publicidade. No fim da década de 1970 e início de 1980 esta tática entrou com vigor no mundo do cinema, onde as empresas iriam apresentar seus bens de consumo de forma coerente e bem posicionada para que o público notasse a presença e uso pelos atores. Como resultado, a prática tornou-se costumeira com o tempo para os anunciantes, que ganharam progressivamente maior controle sobre a aparição dos produtos nos filmes em troca de receber o devido reconhecimento positivo. O product placement deve contar com duas condições de suporte para atingir o sucesso: os anunciantes devem reconhecer que eles oferecem valor, e a mídia deve ser motivada pelos incentivos econômicos que eles providenciam. (BALASUBRAMANIAN, 1994) Em sua essência, inserir adereços, bebidas, carros, cereais e outros produtos que estampam marcas em um conteúdo de entretenimento define o que é product placement. As empresas buscam reforçar sua notoriedade ou até mesmo anunciar o lançamento de um novo produto, tendo a possibilidade de eleger, além dos programas, os protagonistas desta divulgação conforme o consumidor mais se identifica. Envolve, aqui, uma forma de negociação publicitária, tendo relação com a manipulação de conteúdos e do financiamento de programas. Os publicitários tendem a colocar estas formas de negociação numa definição mais abrangente, a qual chamam de branded entertainment, ou advertainment. (DN Online, 2005) Segundo Russel (2007), termo advertainment surge da conexão de dois termos: advertising e entertainment. A função desta prática promocional é divulgar uma marca através dos meios de comunicação e manter isto alinhado a um conteúdo

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de entretenimento. A comunicação de massa é agora presente nos mais variados veículos de entretenimento, incluindo televisão, cinema, rádio, jogos, canções e até mesmo novelas. Consumidores são expostos frequentemente a anúncios e, exponencialmente, começam a evitá-los, seja trocando o canal da televisão ou realizando outras atividades, como ler, comer ou beber enquanto os anúncios são transmitidos, e para isso o advertainment trabalha formas de atrair novamente a atenção do consumidor para o meio de comunicação. Publicitários geralmente buscam captar o interesse do público através de entretenimento patrocinado dentro de programas de televisão, anúncios de vídeo em websites e, claro, utilizando as vertentes publicitárias das quais dispõem uma interação maior com os receptores. O product placement consiste em, basicamente, incorporar uma marca em um veículo de entretenimento. O product integration define uma extensão da primeira tática, onde a inserção de um produto em uma fonte de diversão ao público acaba por tomar um papel importante na trama em questão, enquanto branded entertainment desenvolve uma forma mais entrosada de divulgar um bem de consumo, onde, de um modo geral, o responsável pelo setor de marketing trabalha constantemente com um criador responsável pelo material de entretenimento em questão. Um exemplo para estes casos onde a publicidade e uma forma de divertir o consumidor estão alinhados é o caso do curta-metragem produzido pela BMW 28 chamado “The Hire”29. Pode ser percebido o grande esforço e comprometimento da montadora de carros com o filme por ele ser dirigido, além de diretores de filmes publicitários, por dois profissionais de Hollywood (Wong Kar Kai 30 e Ang Lee 31 ) e conter no seu elenco a popstar Madonna. A produção contava a história de um personagem intitulado como The Driver, o qual usaria diferentes modelos de carro da BMW a cada filme com o intuito de completar sua missão. Esta peça era parte de uma campanha que usava de outros curta-metragens que, assim como este, eram hospedados em um site específico para os filmes da montadora32, onde o consumidor

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Bayerische Motoren Werke, empresa automobilística que produz carros e motocicletas. Disponível em . Acesso em 25/05/2015. 29 RITCHIE, Guy et. al., 2001, “The Hire”. Disponível em: . Acesso em 14/05/2015. 30 Diretor de filmes, chinês, vencedor do prêmio “Palme d’Or”. 31 Diretor de filmes longa-metragem, tailandês, vencedor do “Academy Awards” na categoria “Melhor Diretor”. 32 Disponível em . Acesso em 25/05/2015.

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poderia acessar para ir atrás de informações da marca, mantendo-o entretido ao invés de simplesmente lhe fornecer dados sobre a empresa. Russel (2007) ainda apresenta em sua leitura um gráfico onde as três formas de misturar entretenimento e propaganda são avaliadas conforme a sua transmissão de conteúdo a respeito da marca em comparação com a quantidade de entretenimento que o receptor está recebendo. Neste gráfico, conforme demonstrado na Figura 7, pode ser verificado que o product placement confere ao público a menor porcentagem de conteúdo da empresa, enquanto o branded entertainment consegue gerar grande interação do público, informa-lo sobre a companhia e ainda mantê-lo entretido. Figura 7: A tipologia do advertainment

% de conteúdo

Fonte: Russel, 2007, p. 5, traduzido pelo autor.

Segundo Chitu e Tecău (2010), é muito difícil comparar os custos de uma produção baseada em product placement com uma outra feita com a estrutura de publicidade tradicional. A grande dificuldade por trás disso é comparar um anúncio de dez segundos convencional com um anúncio da mesma quantidade de tempo onde um personagem ou artista aparece consumindo o produto. Dentro do processo de product placement, tanto a criação da agência quanto o cliente estão em um grande envolvimento, pois não somente a audiência está sendo levada em conta, mas também a mensagem que será transmitida a ela, que no caso para a tática em questão, é a forma que o produto será exposto e por quanto tempo ele será exposto. O esforço criativo para inserir um produto dentro de um meio de comunicação é baseado em

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variáveis como o público consumidor do programa, assim como a qualidade cultural dele, se não esse esforço e construção não ajudam a atingir os receptores. A empresa deve saber se comunicar, como em qualquer outra mensagem que ela venha a transmitir, fazendo com que ela saiba seu papel para com o público e saiba inserir seu bem de consumo no contexto do programa. A avaliação do produto depende do comportamento e percepção dos consumidores, e isso irá definir a eficácia da mercadoria, assim como, de outro lado, o valor da marca também influencia na atenção que esta atrai e na audiência que ela conquista ao falar sobre seu produto em um programa de televisão. O capítulo seguinte tratará de Vocaloid, sendo analisados o programa e Hatsune Miku, personagem importante na construção do produto.

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3. HATSUNE MIKU, A ESTRELA VIRTUAL Neste capítulo entraremos em detalhe na constituição do programa Vocaloid. Primeiramente, será feito um breve histórico sobre os sintetizadores para poder explicar o funcionamento de samples e mapeamento de notas MIDI. Partindo do princípio que é um software que lida com a emulação da voz do ser humano, será feita uma análise acerca das expressões vocais, incluindo sinais de intensidade e palavras de expressão. Após, será feito um reconhecimento sobre o design de Hatsune Miku, explorando cada aspecto da construção de seu personagem de forma visual. Para este capítulo, os principais autores serão Cé (2010), Huber (2007), Kenmochi (2010), Mascarenhas e Cardoso (1974), Nagado (2011), Sousa (2014) e Wisnik (1989).

3.1. O PROGRAMA VOCALOID Para compreender o funcionamento de Vocaloid, é necessário explorar o conceito de sintetizador. O termo foi oficialmente empregado pela primeira vez em 1956 por Harry F. Olson 33 e Herbert Belar 34 com o lançamento do RCA Electronic Music Synthesizer Mark I. Seu sistema de geração de som consistiu de 12 diapasões, que foram estimulados eletromagneticamente. O instrumento oferecia opções de processamento de sinal sofisticados para a época. O som de saída poderia ser monitorado por alto-falantes também gravado. Somente em 1964 o inovador americano Robert Moog 35 pode, ao lado do compositor Herbert Deutsch 36 , criar o primeiro sintetizador controlado por voltagem, protótipo utilizado como base desde então proveniente da combinação de um oscilador controlado por voltagem e um módulo amplificador com um teclado. (Apple, 2009) O sintetizador criado por Robert Moog e Herbert Deutsch pode ser visualizado conforme a Figura 8.

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Harry Ferdinand Olson (1901 – 1982), engenheiro em RCA Victor, gravadora pertencente a Sony Music Entertainment. 34 Herbert Belar, designer do RCA Electronic Music Synthesizer Mark I. 35 Robert Arthur Moog (1934 – 2005), inventor, músico e engenheiro norte-americano. 36 Herbert Deutsch, compositor, inventor e professor emérito de música eletrônica pela Universidade de Hofstra. Disponível em . Acesso em 29/05/2015.

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Figura 8: O sintetizador Moog

Fonte: . Acesso em 08/04/2015.

Conforme Kenmochi (2010), Vocaloid é um sintetizador de voz em software desenvolvido pela Yamaha Corporation em parceria com Music Technology Group (MTG), Universitari Pompeu Fabra, Barcelona. Com sua primeira versão lançada em 2004, o software é capaz de ser executado nos sistemas operacionais Windows em suas versões 2000, XP, Visa, 7 e 8, podendo também ser instalado no Apple iOS, porém neste sistema o programa recebe o nome de iVocaloid, e foi lançado apenas no Japão. O programa está disponível nos idiomas japonês, inglês, coreano, espanhol, chinês e catalão. Ele é um dos poucos sintetizadores de voz disponíveis no mercado para consumidores finais, e é o mais utilizado através do mundo atualmente. No site da CRYPTON FUTURE MEDIA INC.37 é possível adquirir os produtos de Vocaloid. Dentre o leque de produtos, o mais recente é o Megurine Luka V4X, lançado em março de 2015, e o mais vendido é Hatsune Miku V3, ambos podem ser adquiridos por 17.280 ienes (ou 149 dólares) em cópia física através da mídia DVD-Rom. Ambos programas acompanham o Piapro Studio, que funciona como uma interface DAW38 (Digital Audio Workstation), uma estação de edição que permite gravar, editar e tocar áudio sintetizado digitalmente, o que torna possível a edição de notas musicais e permite a edição por parte do usuário. O software Vocaloid 4 permite ao seu usuário importar vocais de versões anteriores do programa, fazendo com que estejam sempre

37 38

Disponível em . Acesso em 07/04/2015. Disponível em . Acesso em 07/04/2015.

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atualizados para a última versão. O programa também faz leituras de notas virtuais, possuindo em sua interface um teclado virtual para permitir a composição através de um instrumento musical físico. A comunicação entre um instrumento real e um software de computador é compreendida através do que se nomeia MIDI, uma forma de composição através de instruções e comandos planejados. A seguir, há uma explicação sobre o funcionamento do MIDI: As informações que passam via MIDI são muitas. É importante salientar que não são sinais de áudio que atravessam os cabos MIDI. São apenas informações sobre eventos em forma de mensagens MIDI. As principais mensagens MIDI são aquelas que definem a nota que foi tocada (até 128 notas podem ser identificadas), a intensidade com que a nota foi tocada (geralmente identificada pelo termo velocity) e a duração da nota (há comandos que transmitem as informações de quando a nota é ativada e quando é desativada no controlador). Outras informações também podem ser passadas via MIDI, como vibrato, pan (estereofonia), portamento, pedal de sustentação, controladores de expressãoo etc. (ZUBEN; CAZNOK, 2004, p. 30)

O programa interage entre três partes: o editor de partitura, a biblioteca de cantores e o mecanismo de síntese. O editor de partitura permite que o usuário insira notas, letras e até mesmo expressões vocais. Dentro das expressões vocais, há qualidades cinéticas e dinâmicas para contribuir com a execução musical. (Kenmochi, 2010) O andamento musical é, segundo Mascarenhas e Cardoso (1974, p. 115), O grau de lentidão ou rapidez que se imprime ao movimento na execução musical. São três os tipos de andamento, conforme velocidade: Lentos, Moderados e Rápidos. São indicados por palavras italianas. Os andamentos podem ser modificados momentaneamente de acordo com a expressão de cada trecho pelos vocábulos que se seguem, também da língua italiana.

Conforme a Figura 9, há três tipos de andamentos: lentos, moderados e rápidos, contendo em cada um destes subdivisões para melhor compreensão da velocidade que se pretende na execução.

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Figura 9: Os andamentos musicais

Fonte: Mascarenhas e Cardoso (1974, p. 115).

Há uma importante relação entre o andamento e o tempo da música. Para poder definir o tempo de uma canção é necessário um metrônomo. Na leitura de Alves (2004, p. 47, grifos do autor), há uma definição sobre metrônomo: Andamento é a velocidade em que a música é tocada e baseia-se na regularidade da pulsação (Unidade de Tempo). Os andamentos, geralmente, aparecem escritos no início das partituras musicais, acima da clave. Metrônomo é o aparelho mecânico ou eletrônico que possui marcações das velocidades. A medição é feita em batidas (pulsos) por minuto (bpm). Regulando o metrônomo para 60bpm, são ouvidas 60 batidas por minuto.

A partir da definição do tempo, pode-se averiguar qualidades cinéticas e dinâmicas a respeito do canto, estes interagindo em uma combinação de sinais de intensidade e expressões vocais. Conforme Mascarenhas e Cardoso (1974) sinais de intensidade são sinais que indicam a intensidade dos sons, às vezes substituídos por

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palavras italianas. Na Figura 10 pode-se conferir os tipos de sinais e o nome dado a cada um deles. Figura 10 - Os tipos de Sinais de Intensidade

Fonte: Mascarenhas e Cardoso (1974, p. 117).

Palavras de expressão, segundo o mesmo autor, são palavras que se ajustam aos termos de andamento, para dar maior caráter e expressão a um trecho musical. Conforme a Figura 11, podemos identificar nomes em italiano que definem cada tipo de palavras de expressão. Figura 11 – Palavras de expressão

Fonte: Mascarenhas e Cardoso (1974, p. 118).

47

O DAW possui um editor criado especialmente para Vocaloid. O usuário pode digitar letras em escrita gramatical e o editor converte automaticamente as letras em símbolos fonéticos olhando em um dicionário de pronunciação embutido. Se a palavra consiste em duas ou mais sílabas, o editor automaticamente decompõe em sílabas. Caso ache necessário, o usuário pode facilmente adicionar vibrato no editor. Estas sílabas, depois de inseridas no mapa de notas, são traduzidas como samples editáveis via MIDI. Há uma definição apropriada para o termo sample: Os sintetizadores se refinaram e se massificaram. Suas derivações mais recentes, os samplers, são aparelhos que podem converter qualquer som gravado em matriz de múltiplas transformações operáveis pelo teclado (seja a voz de qualquer pessoa, o pio de um pássaro, uma tampa de panela, um bombardino, ou ondas estelares captadas em radiotelescópio e transformadas em ondas sonoras). O sampler registra, analisa, transforma e reproduz ondas sonoras de todo tipo, e superou de vez a já velha polêmica inicial entre a música concreta e a eletrônica (pois num estado tal de produção de simulacros dilui-se a oposição entre o gravado e o sintetizado, o som real e o inventado). O objeto sonoro é o ruído que se reproduz em toda parte, além de passar por um processo sem precedentes de rastreamento e manipulação laboratorial das suas mais ínfimas texturas (gravado, decomposto, distorcido, filtrado, invertido, construído, mixado). (WISNIK, 1989, p. 48, grifos do autor)

Para sustentar o uso de samples, é necessário compreender o que é MIDI. Uma definição adequada para esta compreensão é: Simplesmente estabelecido, Musical Instrument Digital Interface (MIDI) é uma linguagem digital de comunicação e uma especificação compatível que permite múltiplos instrumentos eletrônicos de hardware e software, controladores de performance, computadores e outros dispositivos relacionados a se comunicarem entre si sob uma rede conectada. MIDI é usado para traduzir eventos de performance ou controlados (como tocar um teclado, selecionar um número de patch, variar uma roda de modulação, desencadear um efeito visual de cenário, etc.) em mensagens digitais equivalentes e depois transmitir essas mensagens para outros dispositivos MIDI, onde eles podem ser usados para controlar geradores de som e outros parâmetros de performance. (HUBER, 2007, p. 1, grifos do autor)

A biblioteca de cantores é um banco de dados de samples (principalmente fonemas) extraídos do canto de pessoas reais. Os samples devem incluir todas as combinações possíveis de fonemas do idioma-alvo. No caso do inglês, todas as combinações possíveis de Consoante-Vogal, Vogal-Consoante, Vogal-Vogal são

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gravadas, processadas e colocadas na biblioteca. O programa ainda possibilita a criação de samples em japonês, chinês, espanhol e coreano. O desenvolvedor pode, opcionalmente, adicionar polifonemas com mais de dois fonemas. Vogais sustentadas também são colocadas na biblioteca. Elas são usadas para reproduzir o comportamento de vogais sustentadas, que são essenciais em sintetizadores de canto. O número de samples é aproximadamente 2000 para cada afinação. Para poder gravar esses samples de forma efetiva, um mapa de sílabas gerado através de um arquivo MIDI é registrado. Depois que uma gravação estiver feita, os arquivos de ondas gravadas são semi-automaticamente segmentados e segmentos necessários são extraídos. (Kenmochi, 2010) A Figura 12 mostra a tela do editor do Vocaloid. Figura 12 - O funcionamento do programa Vocaloid

Fonte: . Acesso em 30/04/2015.

Em seu DAW, onde podemos notar a presença de um teclado virtual (que capacita a composição de notas em MIDI) e as sílabas já separadas em notas para

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que o usuário componha suas canções com facilidade. Na Figura 5, o programa está sendo executado no sistema operacional Windows XP. O próximo subcapítulo tratará a respeito do design de Hatsune Miku.

3.2 DESIGN DE HATSUNE MIKU Hatsune Miku é uma personagem de origem japonesa. Cé (2010) é uma autora que estuda cultura pop do Japão. As características culturais do povo são tidas como permeadoras do imaginário, tanto pelas tradições dos samurais quanto pelo exotismo de jovens de cabelos coloridos. O Japão é considerado um cenário da coexistência de contrastes, onde há uma mistura entre o comportamento tecno-efêmero do ocidente e os sedutores mistérios do oriente. Sua herança cultural foi muito além de seu país, apesar de pequeno, e pôde atingir o resto do mundo de forma que, conforme Sato (2007, p. 11), “a influência nipônica atinge cidadãos comuns de diferentes heranças culturais em diversas partes do globo”. Essa influência vai além de produtos industrializados e permite verificar-se também num consumo mais abstrato: na influência cultural, especialmente na cultura pop ou de massa. Segundo o site Merriam-webster.com39, a definição completa de anime é “um estilo de animação proveniente do Japão que é caracterizado por emplacar gráficos coloridos que retratam personagens vibrantes em enredos compostos de ação, muitas vezes com temas futuristas ou fantásticos”. Esta definição justifica a escolha de um personagem com caráter anime para representar o programa Vocaloid e inspirar a criação de Hatsune Miku. De acordo com Nagado, há uma definição para a palavra anime: A palavra é uma contração à moda japonesa de “animation”, termo em inglês para definir animações de qualquer tipo. Animações experimentais já eram feitas no Japão na década de 1910, mas a indústria realmente decolou com a entrada do estúdio Toei, que aconteceu oficialmente em 22 de outubro de 1958, com a estreia de Hakujaden, exibido por aqui como “A Lenda da Serpente Branca”. Quando a palavra começou a se difundir no ocidente para classificar os desenhos animados japoneses, usou-se a grafia “anime”, já que a romanização (transcrição para alfabeto romano) internacional da palavra não usa acentos. Mas a leitura sempre foi “animê” para se

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Disponível em . Acesso em 25/03/2015.

50

aproximar mais da pronúncia japonesa. (Nagado, 2011, p. 50, grifos do autor)

Conforme Lu (2009, p. 174), as características de personagens de anime, devido a sua simplicidade, fazem com que eles não possuam traços extremamente regionalizados: Portanto, os rostos de personagens de anime normalmente contém menos detalhes do que caricaturas ou retratos reais. Juntamente de características visuais únicas (e às vezes irreais) como olhos grandes e cores de cabelo vibrantes, a falta de detalhes raciais salientes em personagens de anime podem causar confusão no público. Se os personagens são apresentados em retratos estáticos, a disponibilidade de sinais dinâmicos, como movimento, gestos e ação podem também reduzir a capacidade de atribuir uma categoria racial.

Segundo Cavallaro (2009), fofura é geralmente associada com fisionomias infantis ou infantilizadas, caracterizada por corpos pequenos com cabeças grandes demais e olhos desproporcionalmente grandes, assim como um difusivo sentimento de suavidade evocativo da inocência, vulnerabilidade e ludicidade. Lorenz, apud, em 1949, durante seus estudos sobre comportamento animal, entretanto, procurava ir além de aparências superficiais e investigar as implicações emocionais de fofura, concluindo que formas infantis, de um modo geral, estimulam tendências nutritivas em adultos e realizam um papel importante na sobrevivência da espécie. Ainda vale ressaltar que fofura é prevalecente em muitos animes contemporâneos em geral – e não apenas animes adaptados de visual novel40 – e de fato em numerosos aspectos da arte e cultura popular japonesa, onde atende pelo nome de “kawaii41”. A partir da leitura de Neves (2012, p. 11) podemos identificar qualidades acerca dos trajes de personagens de anime: As roupas são muito coloridas e os cortes possuem designes diferenciados. Uma especificidade é que, geralmente, os personagens utilizam sempre a mesma roupa. Esta característica contribui para a fixação da identidade e a definição da personalidade deles e, ainda, possibilita que as empresas têxteis, especializadas em fabricação de trajes para otakus42, fabriquem roupas de personagens famosos de animês e mangás. Além disso, há que se considerar que, nas 40

Gênero de jogo narrativo onde o jogador tem a possibilidade de desdobrar diversas histórias a partir de sua criatividade alinhada com a produção do estúdio responsável. (CAVALLARO, 2009) 41 Do japonês: Fofo, bonitinho (tradução livre do autor). 42 Subcultura de origem japonesa associada com fãs de animações, jogos e músicas provenientes do Japão.

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animações, existe uma dificuldade, por parte do design, em refazer sempre roupas e movimentos diferentes de cada personagem.

No dia 22 de junho de 2012, o canal de TV TBS 43 do Japão, durante uma transmissão do programa “Hanamaru Market”44, apresentou uma matéria informativa explicando a atual situação do estilo de cabelo twintails45. De acordo com a informação apontada pelo programa, é explicado que o estilo já traz consigo um grande histórico na moda do país através das décadas, e como marca da década de 2000, está Hatsune Miku como a representante da tendência. Hatsune Miku é tida como uma referência famosa que trouxe de volta à moda o estilo. A Figura 13 demonstra os tipos de twintails que são tendência no Japão. Figura 13: Tipos de twintails

Fonte: . Acesso em 06/05/2015.

A seguir, os estilos de twintails serão colocados na Tabela 1 conforme sua representação, catalogados pelos nomes dados conforme o programa “Hanamaru Market”. Dessa forma, é possível perceber nítidas diferenças não só na forma com a qual o cabelo é preparado, mas também na forma com a qual é classificado e como é possível alterá-lo conforme o comprimento, altura dos twintails ou corte de cabelo em que este foi aplicado.

43

TBS: Tokyo Broadcasting System, canal televisivo do Japão. . Acesso em 30/04/2015. Programa de variedades, informações sobre a vida cotidiana. Transmitido na TBS de 30 de setembro de 1996 até 28 de março de 2014. 45 Twintails: Estilo de cabelo que tem dois rabos de cavalo, um de cada lado da cabeça (tradução livre do autor). 44

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Tabela 1: Tipos de twintails Nome

Representação

Coelho

Regular

Country

Rabo de cavalo

Camarão

Pássaro

Fonte: O autor (2015).

A Figura 14 consiste em uma imagem do programa “Hanamaru Market” no momento em que Hatsune Miku é citada. Na Figura, podemos perceber a presença de diversos personagens anime, assim como também notamos a presença de uma artista de carne e osso, sustentando a ideia de que os twintails não são apenas parte de desenhos.

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Figura 14: Hatsune Miku no “Hanamaru Market”

Fonte: . Acesso em 06/05/2015.

Na Tabela 2 é possível classificar os twintails apresentados conforme a época que ganharam fama, uma breve descrição da situação em que estes estavam inseridos e as celebridades que foram responsáveis por sua fama. Tabela 2: Os twintails conforme suas épocas Época

Descrição

Exemplo

Antes de 1970

O início do twintails

Kagami Atsuko46 e Shizuka-chan47

Após 1990

O ápice da popularidade do twintails

Usagi Tsukino48

Depois de

Um grande acerto da indústria do

Hatsune Miku e

2000

entretenimento

Watanabe Mayu49

Fonte: O autor (2015).

46

Kagami Atsuko: Personagem principal do anime “Akko-chan’s Got a Secret!”, cujo enredo trata da personagem em questão que, após quebrar um espelho, recebe poderes mágicos. (Fonte: THOMPSON, Jason – Manga: The Complete Guide. 2007 – Del Rey). 47 Shizuka-chan: Personagem do mangá de comédia e ficção científica Doraemon: Gadget Cat From The Future, lançado em 1970, que trata de histórias curtas sobre o gato-robô Doraemon. (Fonte: THOMPSON, Jason – Manga: The Complete Guide. 2007 – Del Rey). 48 Usagi Tsukino: Heroína principal da trama “Sailor Moon”, manga e anime que tratavam das aventuras da heroína adolescente. Desenvolveu uma grande subcultura e ganhou maior sucesso quando veio à America em 1995(Fonte: THOMPSON, Jason – Manga: The Complete Guide. 2007 – Del Rey). 49 Watanabe Mayu: Membro grupo de ídolos japonesas AKB48, participa do time B, participa do conjunto desde 2006. (Fonte: . Acesso em 21/04/2015).

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Em uma entrevista com KEI, criador do design de Hatsune Miku, o site Global Cosplay.com, conhecido pelas funções de fórum e hospedagem de imagens, revela50: Não houveram pedidos específicos sobre seu cabelo ou traje. Tudo que eu recebi foi “Ela é um androide”, junto de algumas especificações sobre seu design de cor e algumas partes auxiliares. Miku recebeu uma corassinatura azul-esverdeado em particular do sintetizador YAMAHA e alguns dispositivos do mesmo sintetizador em sua roupa. Por exemplo, a impressão em sua saia é, na verdade, baseada em um painel do sintetizador de verdade. (GLOBAL COSPLAY, 2015, s.p., grifos do autor)

Conforme a Figura 15 aponta, as cores e design de Hatsune Miku foram inspiradas nos sintetizadores da Yamaha, modelos DX7 e DX100. Figura 15: Comparação de design entre Miku e os sintetizadores da Yamaha

Fonte: . Acesso em 13/04/2015.

50

Disponível em . Acesso em 25/03/2015.

55

Segundo Sousa (2014), Hatsune Miku enquadra-se como um zeitgeist51 otaku. Ao observar em detalhes sua construção de personagem, é possível verificar que cada elemento que a compõe reforça qualidades relativas à subcultura. Seus twintails, que foram referência como uma evolução da personagem Usagi Tsukino citada anteriormente, seu figurino que mescla um visual futurista com a utilização de uma saia armada tipo abajur estilo Lolita52, e o desenho de sua silhueta representando um padrão de anime, personagens com cabeça grande, ombros estreitos, peito pequeno, cintura larga e membros longos e finos. Sua voz também sustenta sua aparência, sendo menos natural e madura, tendo um apelo infantil e sendo de tom agudo. No site da CRYPTON FUTURE MEDIA INC.53, é feito um quadro de perfil de Hatsune Miku que a descreve. Neste quadro, podemos notar algumas de suas características: ela tem 16 anos, mede 158 centímetros, pesa 42 quilos, tem como gêneros favoritos música pop japonesa e dance-pop. Já teve mais de 100.000 músicas lançadas, 170.000 vídeos enviados ao YouTube e 1.000.000 de artes originais criadas. Possui mais de 2.000.000 fãs no Facebook54, realiza shows 3D in loco que esgotam ingressos ao redor do mundo e tem colaboração corporativa com SEGA, Toyota USA, Google e outras marcas. Dada a pesquisa sobre estes elementos, o capítulo seguinte busca analisar os dados pesquisados acerca de Hatsune Miku.

51

Do alemão: Espírito da época; espírito do tempo; sinal dos tempos. (Tradução livre do autor). Estilo de moda japonesa inspirado na nostalgia da infância mesclado com a fofura. Suas primeiras manifestações foram na década de 1970. 53 Disponível em . Acesso em 25/03/2015. 54 Disponível em . Acesso em 05/05/2015. 52

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4. A PRINCESA NÚMERO UM DO MUNDO Neste capítulo serão apresentados dados relativos à construção de Hatsune Miku como um ídolo. Estarão presentes informações sobre sua origem, incluindo os softwares anteriores ao que continha a personagem. Será descrita a forma com a qual Miku foi capaz de ganhar popularidade através da internet, principalmente pelo início no site Nico Nico Douga. Após, serão demonstrados fatores que tornam Hatsune Miku apta a ser considerada um ídolo, incluindo suas parcerias com marcas e reconhecimento por parte dos fãs. As principais referências deste capítulo são Azuma (2009), Hamasaki, Takeda e Nishimura (2008), Morin (1989), Okada (2008) e Sousa (2014).

4.1. DESCOBRINDO A DIVA A conceituação de uma estrela, segundo Morin (1989), envolve a veneração da mesma por seus fãs, estes que lhe dão amor e ela retribui com sua arte. A estrela é conceituada como uma pessoa desejada, alguém almejado por indivíduos de ambos os sexos, estes que anseiam a pessoa para si assim como também, em certos casos, aspiram tornar-se alter egos dos artistas. Hatsune Miku se enquadra no perfil de uma artista se observada dessa forma, porém ela possui um diferencial em relação ao padrão de análise do autor: ela é uma personagem que serve como publicidade de um produto. Miku existe, é uma cantora, possui voz, figurino, produtos, é almejada por seus fãs, mas não está inserida no mundo como um ser humano de carne e osso. A primeira versão do programa Vocaloid, lançada em 2004 não constava com a personagem em sua capa. Quando lançado, as caixas do software, conforme a Figura 16, continham apenas imagens de bocas de um homem e uma mulher, no intuito de designar o sexo de cada Vocaloid, e as vozes principais do programa eram a masculina LEON e a feminina LOLA, ambos em inglês, lançados pela companhia Zero-G Limited. (SOUSA, 2014)

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Figura 16: As caixas da primeira versão de Vocaloid

Fonte: . Acesso em 19/05/2015.

Segundo Sousa (2014), em novembro de 2004 é lançado o primeiro Vocaloid japonês. Feito pela Crypton Future Media, é apresentada MEIKO, que na arte de sua caixa havia sido representada através de uma ilustração em anime de uma menina com figurino simples, como apontado pela Figura 17. Esta Vocaloid foi um passo triunfal para a empresa que a produziu, que pôde perceber a importância do character design55 aliado à biblioteca vocal como uma estratégia de marketing.

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Termo usado para qualificar o design de um personagem criado para jogos, quadrinhos, livros, produtos comerciais, entre outros.

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Figura 17: A caixa da edição de Vocaloid que continha MEIKO

Fonte: . Acesso em 20/05/2015.

Após o sucesso de vendas de MEIKO, em fevereiro de 2006 a mesma empresa por trás de sua produção lançou o Vocaloid masculino KAITO, que foi considerado um fracasso comercial por ter vendido apenas 500 unidades. Uma das justificativas para a falha em vendas dele é que a DTM Magazine 56 apontava em uma pesquisa demográfica que seu público era constituído em 80% por homens. (OKADA, 2008) Conforme a Figura 18, que demonstra a caixa na qual era vendida a versão de KAITO do programa, é possível notar que seu character design possui traços já mais complexos, distintos do simplista de MEIKO, usando de um figurino futurista e cabelos azuis.

56

Importante revista sobre música computacional, ou seja, feita com a ajuda de computadores. Site disponível em . Acesso em 20/05/2015.

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Figura 18: A caixa de Vocaloid KAITO

Fonte: . Acesso em 20/05/2015.

Em agosto de 2007, a Crypton Future Media decide lançar Hatsune Miku. Planejada para ser uma revolução, ela foi a primeira das VOCALOID Character Vocal Series, série essa que consiste em personagens que dão visual às vozes do programa. Hatsune Miku possuía uma série de informações a seu respeito como seu peso, altura, dentre outros citados anteriormente neste trabalho, tornando-a uma representação precisa de quem era o rosto por trás da voz que os usuários trabalhavam no programa. Em análise à escrita de seu nome, 初音ミク, “初“ (Hatsu) significa “primeiro”, “音“ (Ne) define “som” e “ミク“ (Miku) designa à “futuro”, então a concepção completa seria “o primeiro som do futuro”. Neves (2012) defende que os personagens de anime possuem trajes coloridos e cortes de cabelo extravagantes. Cavallaro (2009) discute a fofura associada com fisionomias infantilizadas e um sentimento de inocência, e estes aspectos conferem o design de Hatsune Miku. A personagem conquista sua popularidade e transcende o público-alvo original proposto pelo sintetizador de voz, passando de uma ferramenta

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para músicos profissionais a um programa que despertou interesse na subcultura otaku. (SOUSA, 2014) Conforme Azuma (2009), há diversos personagens japoneses criados com base na construção de elementos moe. O termo originalmente refere-se a pessoas que nutrem desejos por personagens de quadrinhos, animes ou jogos e por ídolos pop. Aqueles que sentem moe em relação a algum personagem tendem a comprar produtos associados a ele. O sucesso de um produto no mercado, às vezes, é determinado não pelo bem de consumo em si, mas pela propaganda e impacto sentimental que causam no consumidor. No caso estudado, uma estratégia eficiente pode ser criar um personagem que conquiste o público, para apenas depois situá-lo em uma narrativa, o que acarreta em tornar um banco de dados sobre elementos moe indispensável, o qual faz com que personagens, ao serem criados, façam referências a outros lançados anteriormente que obtiveram sucesso ao cativar seus receptores de forma emocional. Uma das grandes fontes de popularidade para Hatsune Miku foi o site japonês voltado para hospedagem de vídeo chamado Nico Nico Douga 57 , inaugurado em dezembro de 2006. Conforme dados do site em maio de 2015, consta com mais de 11 milhões de vídeos enviados, sendo visualizados mais de 60 bilhões de vezes e possuindo aproximadamente 4 milhões de comentários. Seu serviço é similar ao do YouTube58, porém possui um grande diferencial que o torna mais interativo entre os usuários: possibilita aos espectadores adicionarem comentários flutuantes sobre o vídeo em um playback59 que, quando reproduzido, mostra eles no exato instante que o internauta decidiu comentar, conforme demonstrado na Figura 19. O criador pode instantaneamente saber que momento específico é apreciado pelo observador, e isto inspira-o a produzir novos vídeos que explorem melhor os elementos presentes naquelas marcas temporais. (HAMASAKI et al, 2008)

57

Disponível em . Acesso em 21/05/2015. Disponível em . Acesso em 21/05/2015. 59 O ato de reproduzir uma trilha sonora ou vídeo previamente gravados para averiguar a qualidade sonora. (Fonte: . Acesso em 29/05/2015.). 58

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Figura 19: O funcionamento do site Nico Nico Douga

Fonte: . Acesso em 21/05/2015.

Segundo Levy (2009), a cibercultura serve mais como referência para futuros projetos interconectados do que algo de patrimônio cultural, deixando um legado para que futuros contribuintes possam difundir a matéria prima. Em menos de um ano após o lançamento de Hatsune Miku, já haviam mais de 36.000 vídeos com a tag 60 “Hatsune Miku” no Nico Nico Douga, e cada vídeo desses é a colaboração criativa entre diversas pessoas dos mais variados tipos de arte digital, dentre eles compositores musicais, ilustradores de doujinshi 61 e desenhistas 3D, que foram motivados pelos trabalhos de terceiros a realizarem seus próprios trabalhos e contribuir com as criações de próximos, sendo estes amadores ou profissionais. (HAMASAKI et al, 2008) No site Google Trends62, pode ser identificada uma tendência quanto a busca do termo “初音ミク” (Hatsune Miku), muito forte no mês em que a personagem foi lançada e mantendo-se com um índice de interesse alto. Conforme a Figura 20,

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Palavra-chave em forma de etiqueta que define os gêneros dos vídeos. (Tradução livre pelo autor). Tipo de mangá independente realizado por fãs. 62 Site que compara a popularidade de termos de busca no Google. 61

62

podemos observar uma comparação entre as buscas de termos, sendo vermelho para “初音ミク”, azul para “Hatsune Miku” e amarelo para “Vocaloid”: Figura 20: Busca de interesse por “Hatsune Miku”, “初音ミク” e “Vocaloid”

Fonte: . Acesso em 22/05/2015.

Um dos primeiros vídeos a ganhar popularidade com a voz e imagem de Hatsune Miku foi “I was allowed to cover「Ievan Polkka」with VOCALOID2 Hatsune Miku”63, criado pelo usuário Otomania64 e postado em 4 de setembro de 2007, o qual apresentava uma versão miniatura de Miku segurando um bastão de alho-poró enquanto sua voz reproduzia a canção “Ievan Polkka”65 em uma releitura tecno e modernizada. Conforme Nico Video66 (2015), o vídeo consta com mais de 4 milhões de execuções, e foi um grande marco para que outras pessoas pudessem iniciar a compor músicas usando Vocaloid. Um exemplo da forma com a qual as canções com Vocaloid tecem uma rede de colaboração criativa é o grupo musical Supercell, constituído por onze membros e liderado pelo compositor e letrista Ryo, que compôs alguns trabalhos primordiais com 63

Original em . Reprodução disponível em . Acesso em 21/05/2015. 64 Portfolio do artista disponível em . Acesso em 21/05/2015. 65 Música popular finlandesa cuja letra foi escrita em 1930 por Eino Kettunen. 66 Antigo Nico Nico Douga.

63

Hatsune Miku nos vocais. Duas destas canções recebem destaque: “Melt”67, que, em maio de 2015, ultrapassou a marca de 9 milhões de visualizações e “World is Mine”68, que da mesma data alcançou mais de 6 milhões de exibições. O conjunto começou a conquistar fama quando, na Comiket 74 69 , lançou seu álbum (Sony Music, 2009) autointitulado que contava com doze faixas originais (todas compostas por membros do grupo e cantadas por Hatsune Miku) e uma capa contendo uma ilustração de Hatsune Miku, como visto na Figura 21. (SOUSA, 2014) Figura 21: A capa de Supercell, álbum do coletivo de mesmo nome

Fonte: . Acesso em 22/05/2015.

Como visto no capítulo “2.2.1 Madonna”, a cantora em questão passa por diversas fases em sua carreira, variando seu estilo musical e visual. Segundo Sousa (2014), o grupo Supercell vai além de explorar a voz e o character design de Hatsune Miku e outros personagens de Vocaloid, tornando-os uma tendência, apoderam-se deles e acabam por criar personagens novos. Estes tipos desenvolvem novos

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Disponível em . Acesso em 22/05/2015. Disponível em . Acesso em 22/05/2015. 69 Comic Market. Maior feira de doujinshi do mundo. A edição 74 ocorreu em agosto de 2008, no Tokyo Big Site. 68

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contextos e cenários, que futuramente serão usados novamente para darem base a próximas figuras a serem criadas. Assim como Madonna tem diversas fases distintas, Miku também, sendo que a primeira muda sua proposta estética a partir de sua constante conceituação artística, enquanto Hatsune Miku modifica a partir dos fãs. Como complementa Sousa: Uma incubadora de alter egos — que variam em termos de cenário (da colegial à sereia, da vampira vitoriana à heroína cyberpunk), de character design (alterando elementos como a cor do cabelo ou indumentária), de personalidade e, inclusivamente, de género e orientação sexual —, alguns oficialmente reconhecidos pela CFM. (SOUSA, 2014, p. 134, grifos do autor)

Uma personagem original baseada em Hatsune Miku que recebeu grande notoriedade foi a protagonista de “Black Rock Shooter”70, canção escrita por Ryo que teve seu clipe ilustrado por Huke, artista reconhecido por realizar diversos trabalhos em torno de Hatsune Miku. Conforme visto na Figura 22, é perceptível semelhanças visuais com a personagem primária, porém fica claro também a originalidade do tipo autêntico. Figura 22: “Black Rock Shooter” conforme padrão visual de Huke

Fonte: . Acesso em 22/05/2015. 70

Disponível em . Acesso em 22/05/2015.

65

A Tabela 3 exemplifica este atributo da mudança de fases, demonstrando duas fases distintas de Madonna junto de duas concepções de Hatsune Miku. Tabela 3: Madonna e Miku Madonna71

Hatsune Miku72

Fonte: O autor (2015) Em julho de 2009 a Crypton Future Media, em parceria com a SEGA 73, lançou um jogo para PSP74 chamado “Hatsune Miku -Project Diva-“, onde o jogador deve acertar um padrão de notas no momento correto para continuar a música até o final. O jogo, que conta com a presença da personagem-título e outras figuras do mesmo ramo, testa as noções de ritmo do jogador e ainda o possibilita a obter novos figurinos para os personagens dentre os 52 acessíveis. As canções disponíveis para entreterse são as mesmas que os fãs do programa, como Ryo ou Otomania, compuseram e divulgaram na internet. O game foi pioneiro do que viria a ser uma série de mais de 10 jogos e, além disso, uma das franquias de maior sucesso da SEGA, que

71

Fonte das imagens: Imagem 1: Acesso em 02/07/2015; Imagem 2: Acesso em 02/07/2015. 72 Fonte das imagens: Imagem 3: < http://i.ytimg.com/vi/6DFBhaNmxPc/hqdefault.jpg> Acesso em 02/07/2015; Imagem 4: < http://i.ytimg.com/vi/6DFBhaNmxPc/hqdefault.jpg> Acesso em 02/07/2015. 73 Empresa fundada em 1940 no Japão responsável por jogos carismáticos como “Sonic The Hedgehog”. 74 PlayStation Portable, console portátil da empresa Sony.

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consequentemente oficializou Hatsune Miku como uma de suas mascotes. Conforme o relatório anual de 2014 da empresa75, a franquia Project Diva vendeu 4,5 milhões de unidades entre cópias físicas e digitais. Alguns meses depois, a SEGA iniciou a realização de shows holográficos in loco de Hatsune Miku. A estreia da personagem foi no evento “Animelo Summer Live”76 2009, onde ela foi projetada em uma tela e cantou duas canções, “Miku Miku ni Shite Ageru” 77 e “Black Rock Shooter”. Em 2010 foi a deixa para a SEGA e a Crypton Future Media realizarem um show completo de Hatsune Miku, contendo cerca de 40 canções, participações especiais de outros personagens de Vocaloid e situado no Zepp Tokyo78 em Odaiba, Tóquio. Este show, nomeado “Miku no Hi Kanshasai 39's Giving Day”, sendo o primeiro de uma turnê, teve como propósito a promoção do jogo “Hatsune Miku -Project Diva-“. Após este primeiro show, os seguintes da turnê levaram o nome “Hatsune Miku Live Party”, e passaram por cidades como Sapporo (Japão), Los Angeles (Estados Unidos) e Singapura. Segundo Sousa (2014), a experiência de um show com Hatsune Miku consiste na projeção da personagem (e outros participantes virtuais) em uma tela de vidro, dando a impressão de tridimensionalidade da figura, enquanto músicos humanos executam as canções ao fundo. O público, eufórico e provido de glowsticks79 em forma de alho-poró, pode se enxergar no mesmo vidro em que Miku é projetada, concebendo assim o conceito por trás de Vocaloid: uma rede de criação colaborativa representada por diversos artistas, profissionais ou não, em ligação com a estrela e sendo apreciados pelos fãs. Isto desencadeia num sistema de eixos de comunicação, onde os consumidores-produtores tornam real o intérprete, que sem estes acabaria por não ser algo possível. A Figura 23 ilustra o espetáculo:

75

Disponível em . Acesso em 22/05/2015. 76 Maior evento anual sobre canções de anime no Japão. 77 Disponível em . Acesso em 22/05/2015. 78 Casa de espetáculo, também chamada de hall musical, presente em diversos lugares do Japão, sendo este em questão em Tóquio. Patrocinado pela marca de cerveja Asahi Breweries Ltd. 79 Do inglês, bastão luminoso. (Tradução livre do autor).

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Figura 23: Hatsune Miku ao vivo em “Miku no Hi Kanshasai 39's Giving Day”

Fonte: . Acesso em 23/05/2015.

Russel (2007) aborda o advertainment como uma maneira de captar o interesse do público na propaganda de forma que este sinta-se entretido pelo que está recebendo como informação. O branded entertainment tem como exemplo um comercial de carros que tinha Madonna como protagonista. De forma análoga, Hatsune Miku também foi protagonista de uma campanha para a Toyota U.S.A. 80 em maio de 2011. A série de vídeos 81 publicada no canal oficial do YouTube da montadora foi vencedora do prêmio Multicultural Excellence Award na Association of National Advertisers’ annual Multicultural Marketing & Diversity Conference 82 . Na Figura 24 é possível observar o banner online que estava no site 83 criado para a campanha, já não mais disponível.

80

Montadora de veículos estadunidense. Disponível em . Acesso em 24/05/2015. 82 Fundada em 1910, possui mais de 640 companhias participando como membros. Significa Associação Nacional de Publicitários, do inglês. Fonte: . Acesso em 24/05/2015. 83 . 81

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Figura 24: Banner de Hatsune Miku com o carro Toyota Corolla

Fonte: . Acesso em 24/05/2015.

A artista Lady Gaga reconheceu Hatsune Miku como sua artista virtual favorita e, além disso, anunciou-a como atração de abertura para os shows da turnê “ARTPOP Ball” no período entre 6 de maio e 3 de junho de 2014. Conforme a Figura 25, Gaga fez o anúncio da parceria através de seu perfil no Twitter84: Figura 25: Printscreen do anúncio da parceria entre Lady Gaga e Hatsune Miku

Fonte: . Acesso em 23/05/2015.

O Google Chrome Japan, subdivisão japonesa do grupo Google Inc.85, produziu um vídeo 86 no YouTube com Hatsune Miku e Vocaloid sendo os protagonistas. O vídeo procura explicar a função de ambos na internet e na vida das pessoas. Nele, aparecem diversos compositores, profissionais ou não, programadores, modeladores 84

Disponível em . Acesso em 23/05/2015. Empresa multinacional de serviços online com sede nos Estados Unidos. 86 Disponível em . Acesso em 24/05/2015. 85

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3D e pessoas interessadas em Miku de um modo geral, todos produzindo canções, vídeos e comentando a respeito da cantora virtual, compartilhando informações, realizações e dando a entender que cada indivíduo pode contribuir de certa forma com trabalhos feitos com base no programa, enviá-los para a internet e assim manter a fama da personagem viva, conforme é demonstrado no desfecho do vídeo, que exibe cenas de um show in loco, aparentemente lotado, de Hatsune Miku sendo exibido no YouTube. Conforme Morin (1989), o fã tende a ter dois tipos de relação de desejo e amor com a estrela: o primeiro, onde este pretende tornar-se um alter-ego daquele que venera, e o segundo, que ele cobiça o ídolo como um par amoroso. No caso de Hatsune Miku, que realiza shows, assina propagandas com marcas de grande porte e até mesmo faz aparições em programas de televisão, como no caso de sua aparição no programa “Late Show With David Letterman”8788, é possível identificar as duas formas de relação em sua carreira a partir de seus fãs. Em um exemplo sobre a aspiração de se tornar a estrela, confere mencionar a realização de cosplays89 com base em Hatsune Miku, estes que variam conforme as ilustrações e clipes presentes na web, como pode ser visto na Figura 26. Figura 26: Grupo de cosplayers de Hatsune Miku

Fonte: . Acesso em 24/05/2015. 87

Disponível em . Acesso em 24/05/2015 Late Show estadunidense, formato de programa que consiste em entrevistas e pequenos espetáculos com celebridades, cujo nome se deve ao fato de ser transmitido normalmente após as 22 horas. 89 Costume play; consiste em fantasiar-se com base em algum personagem real ou ficcional. 88

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Na outra situação, onde o fã possui um desejo amoroso pelo o ídolo, pode ser percebida a variedade de produtos não-oficiais feitos pelos fãs que estampam o rosto da diva, como camisetas, brinquedos de pelúcia ou até mesmo estatuetas em acrílico que reproduzem a cantora. Entre os itens elaborados com a imagem dela, confere-se a existência dos dakimakuras90, também desenhados por fãs, que estampam Hatsune Miku em posições eróticas e que geralmente associam a personagem com um aspecto sexual, conforme demonstrado na Figura 27.

Figura 27: Um dakimakura contendo Hatsune Miku

Fonte: . Acesso em 24/05/2015.

90

Travesseiro para abraçar, do japonês. Termo associado a travesseiros retangulares que possuem estampas de personagens em posições eróticas de ambos os lados.

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A fama de Hatsune Miku, oriunda do coletivo entre diversos fãs, confere a ela o reconhecimento como um ídolo musical. Apesar de ela servir apenas como uma base para a composição de seus fãs, as canções que estes compuseram elevaram seu reconhecimento através da internet ao ponto de ela ser capaz de associar-se com a SEGA, o que permitiu que suas aparições fossem levadas de forma profissional. A presença de Miku em shows in loco faz com que ela traga essa legião de fãs a um mesmo local para apreciar as canções compostas por indivíduos comuns, como estes que a assistem. Sua popularidade ainda tornou possível sua participação em propagandas e campanhas de marcas de grande porte, além de desencadear todas as sensações que estão presentes na relação entre fã e ídolo conforme citadas neste trabalho. Hatsune Miku é a mais importante personagem de Vocaloid entre pessoas motivadas pelas mesmas razões a ganhar popularidade mundial e disseminar diversos trabalhos ao redor do mundo pela internet. Conforme Morin (1997), a cultura de massa é uma disseminação da cultura de forma industrial, mantendo constante produção sobre formas de arte. Hatsune Miku é uma figura que, associada a um software, permite a massificação de produtos associados à cantora, assim como o próprio Vocaloid. Segundo o mesmo autor, indústria cultural significa a produção de arte em ritmo industrial, logo Miku se relaciona com o termo que foi criado com a ideia de mostrar que a arte pode assumir um perfil de consumo, e ela acaba se tornando um veículo de disseminação de suas músicas.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O resgate sobre a indústria cultural foi fundamental para sustentar os capítulos posteriores deste trabalho, tendo em vista que se trata aqui de um produto, um ídolo e uma marca, todos alinhados ao mesmo objeto de estudo. A partir do estudo da cultura, foi possível compreender a cibercultura, que explora a colaboração entre indivíduos através da internet. No capítulo que trata de cantoras, foi possível examinar o desenvolvimento do conceito de ídolo, partindo desde a gênese do mito, conceituando sua origem e evolução, podendo assim situar as propriedades que este traz consigo. O tópico sobre a divinização do amor é determinante no que diz respeito à relação entre o fã e o ídolo. Quando Madonna é mencionada neste trabalho, pode ser notado um modelo de evolução de uma estrela. A cantora em questão foi escolhida pois ela é referência para a música pop, e as canções de Hatsune Miku analisadas estão associadas ao gênero em questão. Assim como Madonna teve diversas fases, podemos notar a mesma pluralidade em Hatsune Miku. Após esta construção de uma cantora como ídolo, o capítulo seguinte apresenta algumas formas com as quais a publicidade age. Ao tecer um paralelo entre a publicidade e a propaganda, foi relevante explicar o caminho traçado para se atingir uma estratégia eficiente de marketing. O product placement serviu como uma base para sustentar o posicionamento de um produto quando anunciado em um meio midiático. No caso, isto acaba por introduzir o advertainment, que, consequentemente, justifica o interesse das empresas e pessoas por Hatsune Miku. O único produto anunciado pela produtora antes da fama da personagem foi o próprio programa Vocaloid que, de forma subjetiva, estava sempre inserido nas canções e videoclipes produzidos para Miku. O entretenimento, tido neste caso como prioridade no momento de usar o produto, foi o fator mais importante para, indiretamente, atrair novos consumidores para o software e, consequentemente, fazer com que consumissem o produto para ter a possibilidade de comporem suas próprias canções na voz da personagem. Foi fundamental a esse estudo, antes de adentrar ao programa Vocaloid, explicar as expressões vocais e sinais de intensidade. A presença destes elementos no programa faz com que seja averiguada a informação de que Hatsune Miku tem a

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possibilidade de cantar músicas de diferentes sentimentos, expressões e estilos. Ainda, foi necessário apresentar um breve histórico dos sintetizadores para moldar uma compreensão clara a respeito do programa, que tem seu funcionamento diretamente ligado ao mapeamento MIDI, algo que só se torna possível graças a interação de um computador com um sintetizador capaz de interpretar esta linguagem e reproduzir em forma de som, tanto para a composição de melodias quanto a elaboração da voz da personagem ao longo de uma canção. Assim que está esclarecido o funcionamento do programa, conceituando MIDI e samples, foi o momento de explicar o design de Hatsune Miku, que acaba sendo outro capítulo essencial para determinar a transformação da personagem em ídolo. Ao analisar o design da personagem, notamos diversas qualidades referentes ao universo das animações japonesas, assim como também é perceptível referências ao mundo da moda japonesa. Desde seus ponytails até o formato de seu corpo e rosto, é evidente a estrutura oriunda de animes presente na personagem, o que justifica boa parte de sua popularização e o quanto tornou-se cativante para os futuros consumidores. Para o último capítulo fez-se necessária a apresentação de versões anteriores do programa, pois dessa forma fica clara a situação em que Hatsune Miku foi inserida. Os primeiros Vocaloids não possuíam uma imagem desenhada como a dos seguintes, e estes por sua vez deram início a uma nova perspectiva sobre o programa, porém a revolução ficou a cargo mesmo de Miku, que tinha feições inovadoras para o programa. A chegada de Miku permitiu ao programa abranger uma nova gama de consumidores, atraindo não só os produtores musicais profissionais, mas também pessoas comuns, que possivelmente nunca tiveram contato sequer com um DAW. Estes indivíduos demonstram interesse pela personagem, são atraídos pela curiosidade e por trabalhos anteriores de outros usuários do software. Conforme são desenvolvidos novos trabalhos, sejam estes canções, animações 3D ou ilustrações, mais e mais as pessoas contribuem para uma rede de colaboração entre apreciadores de Hatsune Miku, e isto foi importante para alavancar a popularidade do programa e da personagem, refletido no que foi debatido sobre cibercultura e sua interação entre indivíduos, que exploram trabalhos de outros pela rede e acabam por cooperar com a construção deste ambiente online.

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Foi notada uma evolução na seriedade com a qual as pessoas levavam as canções compostas no programa. Usuários com maior renome dentro das redes sociais puderam lançar álbuns contendo canções de autoria própria, assim como foram desenvolvidos novos personagens em torno de Hatsune Miku que puderam assim desdobrar personalidades diferenciadas de seu padrão futurista. Quando uma canção criada por um usuário é utilizada em alguma mídia, seja jogo, show ou vídeo, ele deve ser devidamente creditado por sua contribuição. Com essa elevação de popularidade, marcas começaram a perceber a cantora virtual, e assim, como os usuários, fazem uso de sua imagem em seus trabalhos. Com a chegada da SEGA até a personagem, jogos surgiram e isto tornou Hatsune Miku mais e mais popular, chegando ao ponto de ela começar a realizar seus espetáculos, o que pode tornar ela ainda mais real para seus fãs e chamar ainda mais a atenção da mídia. O uso da personagem pelo Google Chrome Japan e a Toyota U.S.A. também foi responsável por construir ela ainda mais como pessoa do que como programa de computador ou uma voz ilustrada por um personagem de anime, confirmando a hipótese de ela ser um ícone que, ao associar-se com uma marca, conquista o público. Notou-se certo apetite sexual em relação a Hatsune Miku, que é vista por seus fãs como um objeto de desejo, de amor, de adoração, conforme Morin (1989), tornando esta personagem, que não é de carne e osso, em uma artista tão poderosa quanto as que são, de fato, seres humanos. Portanto, as duas hipóteses se confirmaram e a pergunta de pesquisa foi respondida. O autor deste trabalho tem uma relação muito forte com o objeto de pesquisa. Além da grande apreciação por Hatsune Miku, há também um grande apreço pela cultura japonesa e as manifestações culturais que esta transmite. O intuito deste trabalho é servir como inspiração para aqueles que desejam, em futuros estudos, abordar temas relacionados à Vocaloid ou animes, tendo em vista que ainda há certa carência de dados específicos sobre o assunto no país. O autor espera que novos trabalhos semelhantes a este surjam com o tempo e sejam tão inspiradores quanto.

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REFERÊNCIAS

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