Hegel e o fim da história: algumas especulações sobre o futuro da sociabilidade humana.

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HEGEL E O FIM DA HISTÓRIA: ALGUMAS ESPECULAÇÕES SOBRE O FUTURO DA
SOCIABILIDADE HUMANA



Iraci del Nero da Costa
José Flávio Motta
(FEA/USP)




"No es difícil darse cuenta, por lo demás, de que
vivimos en tiempos de gestación y de transición
hacia una nueva época. El espíritu ha roto con el
mundo anterior de su ser allí y de su
representación y se dispone a hundir eso en el
pasado, entregándose a la tarea de su propia
transformación."
(HEGEL, 1983, p. 12)




Mobilizados por estas instigantes palavras de Hegel, propomo-
nos, neste breve artigo, atingir dois objetivos. Primeiramente, tratamos de
estabelecer nossa leitura, que pretendemos marxista, das postulações de
Hegel sobre o "fim da história" ( para o que nos inspiramos largamente na
segunda parte de Razão e Revolução, de Herbert Marcuse (cf. MARCUSE, 1978,
p. 230-349). Em seguida, ocupamo-nos com a consideração, ainda que sucinta,
de um conjunto de opiniões, expostas por autores diversos, sobre as
eventuais formas a serem assumidas pela sociabilidade humana no século que
se avizinha; tal consideração é acompanhada pelo bosquejo de nosso
entendimento acerca da aludida sociabilidade. Evidentemente, os comentários
que integram a segunda parte deste artigo acham-se alicerçados em nossa
leitura de Hegel previamente explicitada.


O FIM DA HISTÓRIA COMO INÍCIO DA HISTÓRIA
Segundo entendemos, o capitalismo é a forma superior e derradeira da
existência natural da sociabilidade humana. Superior porque nele as formas
mercadoria, dinheiro e capital chegam ao seu pleno desenvolvimento; os
homens definem-se como simples portadores de relações: o capitalista
personifica o capital, o trabalhador a força de trabalho reduzida à
condição de mercadoria. O capital, por seu turno, traz implícitos os
pressupostos de sua re-produção e acumulação; assim, enquanto os homens
sujeitarem-se à condição de portadores de relações, o modo de produção
capitalista recolocar-se-á automática e autonomamente. Natural porque até
então os homens restringiram-se, tão-somente, a acomodar-se e amoldar-se às
circunstâncias dadas. Neste sentido pode-se dizer que a história fez-se por
e mediante eles, mas não foi posta pelos homens, não podendo, pois, ser
considerada como criação efetivamente humana, vale dizer, como produto
resultante da ação consciente do homem. Este último fato justificaria a
seguinte afirmação de Marx: "Pero adviértase que aquí sólo nos referimos a
las personas en cuanto personificación de categorías económicas, como
representantes de determinados intereses y relaciones de clase. Quien como
yo concibe el desarrollo de la formación económica de la sociedad como un
proceso histórico-natural, no puede hacer al individuo responsable de la
existencia de relaciones de que él es socialmente criatura, aunque
subjetivamente se considere muy por encima de ellas" (MARX, 1978, vol. I,
p. XV).


Segundo a perspectiva marxista, tal forma de existência só será
superada pela ação do espírito, da consciência, votada à negação da
propriedade privada sobre os meios de produção, base objetiva sobre a qual
se assenta aquela forma de sociabilidade. Tal ação, política por sua
natureza, pressupõe a conjugação orgânica de consciências, às quais,
necessariamente, cumpre efetuar a crítica da situação presente e
estabelecer, teórica e empiricamente, as bases da nova sociedade. A crítica
da lógica do capital e a formulação do quadro em que se movimentará a nova
forma de sociabilidade definem-se, portanto, como pressupostos desta
última. Esta condição é absolutamente nova para a humanidade justamente
porque, até o presente, a história desenvolveu-se no plano natural. É esta,
ademais, a interpretação que damos às palavras de Lukács: "Pues las clases
que en anteriores sociedades se vieron llamadas al dominio y, por lo tanto,
fueron capaces de realizar revoluciones victoriosas, se encontraron
subjetivamente ante una tarea mucho más fácil, a causa precisamente de la
inadecuación de su consciencia de clase respecto de la estructura económica
objetiva, o sea, a causa de su inconsciencia respecto de su propia función
en el proceso del desarrollo social. Les bastó con imponer sus intereses
inmediatos mediante la fuerza de que disponían, y el sentido social de sus
acciones les quedó siempre oculto, entregado a la 'astucia de la razón' en
el proceso social determinado. Pero como el proletariado se encuentra en la
historia con la tarea de una transformación consciente de la sociedad,
tiene que producirse en su consciencia de clase la contradicción dialéctica
entre el interés inmediato y la meta última, entre el momento singular y el
todo. Pues el momento singular del proceso, la situación concreta con sus
concretas exigencias, es por su naturaleza inmanente a la actual sociedad,
a la sociedad capitalista, se encuentra sometida a sus leyes y a su
estructura económica. Y no se hace revolucionaria más que se inserta en la
concepción total del proceso, cuando se introduce con referencia al
objetivo último, remitiendo concreta y conscientemente más allá de la
sociedad capitalista. Pero eso significa, subjetivamente considerado, para
la consciencia de clase del proletariado, que la relación dialéctica entre
él interés inmediato y la acción objetiva orientada al todo de la sociedad
queda situada en la consciencia del proletariado mismo, en vez de
desarrollarse, como ocurrió con todas las clases anteriores, más allá de la
consciencia (atribuible), como proceso puramente objetivo. La victoria
revolucionaria del proletariado no es pues, como para las demás clases
anteriores, la realización inmediata del ser socialmente dado de la clase,
sino ( como ya lo vio y formuló agudamente el joven Marx ( la
autosuperación de la clase. El Manifiesto Comunista formula esa diferencia
del siguiente modo: 'Todas las clases anteriores que conquistaron para sí
el dominio intentaron asegurar la posición que ja havian logrado en la vida
sometiendo la sociedad entera a las condiciones de su logro. Los
proletarios no pueden conquistar para sí las fuerzas sociales de producción
más que suprimiendo su propio anterior modo de apropiación y, con ello,
todo modo de apropiación existido hasta ahora.' (cursiva mía - G.L.). Esta
dialéctica interna de la situación de clase dificulta, por un lado, el
desarrollo de la consciencia de clase proletaria a diferencia del caso de
la burguesía, que en el despliegue de su consciencia de clase pudo quedarse
en la superficie de los fenómenos, detenida en la empiria más abstracta y
grosera, mientras que para el proletariado, y ya en estadios muy primitivos
de su desarrollo, el rebasiamiento de lo inmediatamente dado fue una
imposición básica de su lucha de clases" (LUKÁCS, 1975, p. 77-78).


Estamos a tratar, pois, do fim da história natural do homem. É assim
que se interpreta neste artigo a postulação de Hegel quanto ao "fim da
história"; também sob esta ótica leem-se as assertivas de Marx: "Em um
caráter amplo, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês
moderno podem ser qualificados como épocas progressivas da formação
econômica da sociedade. As relações de produção burguesas são a última
forma contraditória do processo de produção social, contraditória não no
sentido de uma contradição individual, mas de uma contradição que nasce das
condições de existência social dos indivíduos. No entanto, as forças
produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa, criam ao mesmo
tempo as condições materiais para resolver esta contradição. Com esta
organização social termina, assim, a Pré-História da sociedade humana"
(MARX, 1977, p. 25).


Cabe esclarecer, desde logo, que o termo "natural" não é aqui aplicado
no sentido de uma projeção da natureza sobre o social, o que implicaria a
desnaturação desta segunda categoria; uma projeção desta sorte limita-se,
como sabido, à "sociedade" das abelhas ou das formigas. Também não se está
negando o social como fundante do próprio homem, tema já fixado
definitivamente por Marx (cf., especialmente, Manuscritos económicos-
filosóficos de 1844; MARX & ENGELS, 1966, p. 25-125). Igualmente, não se
pretende confundir natureza e social num conceito híbrido, pois, como
avançado, reconhece-se o primado do social. O termo natural é empregado na
medida em que o social "comporta-se" segundo modelo próprio da natureza,
vale dizer, na medida em que o homem não se apresenta como senhor auto-
consciente de seu futuro. Ou seja, o termo "natural" é usado com o intuito
de exprimir a condição na qual o homem, embora se defina como agente, ainda
não aparece como sujeito que o é em si, para si e por si mesmo. Enfim,
tenta-se dar conta das situações que podem ser sumariadas pela frase: ao
ser social deve-se a criação de relações que se impõem ao homem como
objetividade similar à que é própria da natureza.


É possível apontar vários autores que inspiraram a postura aqui
perfilhada. Destarte, lê-se em Engels: "Com a produção mercantil (
produção não mais para o consumo pessoal e sim para a troca ( os produtos
passam necessariamente de umas mãos para outras. O produtor separa-se do
seu produto na troca, e já não sabe o que será feito dele. Logo que o
dinheiro, e com ele o comerciante, intervém como intermediário entre os
produtores, complica-se o sistema de troca e torna-se ainda mais incerto o
destino final dos produtos. Os comerciantes são muitos, e nenhum deles sabe
o que o outro está a fazer. As mercadorias agora não passam apenas de mão
em mão, mas também de mercado em mercado; os produtores já deixaram de ser
os senhores da produção total das condições da própria vida, e tão pouco os
comerciantes chegaram a sê-lo. Os produtos e a produção estão entregues ao
acaso.


"Mas o acaso não é mais do que um dos pólos de uma interdependência,
da qual o outro pólo se chama necessidade. Na natureza, onde também parece
imperar o acaso, há muito tempo que pudemos demonstrar, em cada domínio
específico, a necessidade imanente e as leis internas que se afirmam em tal
acaso. E o que é certo para a natureza também o é para a sociedade. Quanto
mais uma actividade social, uma série de processos sociais, escapam ao
controle consciente do homem, quanto mais parecem abandonados ao puro
acaso, tanto mais as leis próprias, imanentes, do dito acaso, se manifestam
como uma necessidade natural. Leis análogas também regem as eventualidades
da produção mercantil e da troca de mercadorias; frente ao produtor e ao
comerciante isolados, aparecem como forças estranhas e no início até
desconhecidas, cuja natureza precisa de ser laboriosamente investigada e
estudada. Estas leis econômicas da produção mercantil modificam-se de
acordo com os diversos graus de desenvolvimento dessa forma de produção;
mas cada período da civilização está regido por elas. Até hoje o produto
ainda domina o produtor; até hoje, toda a produção social ainda é regulada,
não segundo um plano elaborado colectivamente, mas por leis cegas, que
actuam com a força dos elementos, em última instância, nas tempestades dos
períodos de crise comercial" (ENGELS, s/d, p. 231-232).


A mesma linha de raciocínio é desenvolvida por Lukács: "Tampoco es
casual que la economía política no haya nacido como ciencia sustantiva sino
en la sociedad capitalista. Y no es casual porque la sociedad capitalista,
por su organización mercantil y del tráfico, ha dado a la vida económica
una peculiaridad tan autónoma, tan cerrada y tan basada en legalidades
inmanentes, que en vano se buscará en las sociedades anteriores. Por eso la
economía política clássica está, con todas sus leyes, más cerca de la
ciencia natural que de otra alguna. El sistema económico cuya naturaleza y
cuyas leyes estudia se acerca efectivamente mucho, por su peculiaridad, por
la construcción de su objetividad, a la naturaleza estudiada por la física,
por la ciencia natural. En ella se trata de conexiones plenamente
independientes de la peculiaridad humana de los hombres, de todo
antropomorfismo, religioso, ético, estético o de otra naturaleza; se
estudian conexiones en las que el hombre no aparece más que como número
abstracto, como algo reducible a números y a conexiones y relaciones
numéricas; relaciones en las cuales, según las palabras de Engels, las
leyes pueden descubrirse, pero no dominarse. Pues se refieren a conexiones
en las cuales - esto también lo ha dicho Engels - los productores han
perdido el poder sobre sus propias condiciones sociales de vida, en las
cuales, a consecuencia de la cosificación de aquellas condiciones, las
relaciones han cobrado autonomía plena, vivem por sí mismas y cristalizan
en un sistema independiente, cerrado y explicado en sí. (...) La forma más
pura ( puede incluso decirse que la única forma pura ( de este dominio de
las leyes naturales sociales sobre la sociedad es la producción
capitalista. Pues la misión histórico-universal del proceso civilizatorio
que culmina en el capitalismo es la consecución del dominio humano sobre la
naturaleza. Estas 'leyes naturales' de la sociedad, que dominan la
existencia del hombre como fuerças 'ciegas' (incluso cuando se reconoce su
'racionalidad', y hasta más intensamente en este caso), tienen la función
de someter la naturaleza bajo las categorías de la per-sociación, y la han
realizado en el curso de la historia" (LUKÁCS, 1975, p. 98-99). Aliás,
Marx, no prefácio de O Capital, já havia evidenciado o caráter "cego" (vale
dizer, necessário) das assim chamadas "leis naturais" da sociedade: "Lo que
de por sí nos interesa, aquí, no es precisamente el grado más o menos alto
de desarrollo de las contradicciones sociales que brotan de las leyes
naturales de la producción capitalista. Nos interesan más bien estas leyes
de por sí, estas tendencias, que actúan y se imponen con férrea necesidad"
(MARX, 1978, vol. I, p. XIV).


Com o ardil da razão, assim entendemos, Hegel, por seu turno, aponta a
questão de forças que se impõem inexoravelmente ao homem: "La idea
universal no se entrega a la oposición y a la lucha, no se expone al
peligro; permanece intangible e ilesa, en el fondo, y envía lo particular
de la pasión a que en la lucha reciba los golpes. Se puede llamar a esto el
ardil de la razón; la razón hace que las pasiones obren por ella y que
aquello mediante lo cual la razón llega a la existencia, se pierda y sufra
dano. Pues el fenómeno tiene una parte nula e otra parte afirmativa. Lo
particular es la mayoria de las veces harto mesquino, frente a lo
universal. Los indivíduos son sacrificados y abandonados. La idea no paga
por sí el tributo de la existencia y de la caducidad; págalo con las
pasiones de los indivíduos" (HEGEL, 1982, p. 97). Evidentemente, para Hegel
tais forças fogem ao controle humano - "en la historia universal y
mediante las acciones de los hombres, surge algo más que lo que ellos se
proponen y alcanzan, algo más de lo que ellos saben y quieren
inmediatamente. Los hombres satisfacen su interés; pero, al hacerlo,
producen algo más, algo que está en lo que hacen, pero que no estaba en su
conciencia ni en su intención" (HEGEL, 1982, p. 85) ( e somos levados à
única solução possível: o reconhecimento da necessidade ( "Esta inmensa
masa de voluntades, intereses y actividades son los instrumentos y medios
del espíritu universal, para cumplir su fin, elevarlo a la consciencia y
realizarlo. Y este fin consiste solo en hallarse, en realizarse a sí mismo
y contemplarse como realidad" (HEGEL, 1982, p. 84). Não obstante, mesmo
assim dar-se-ia a superação da natureza enquanto tal, pois: "Tal es el fin
de la historia universal; que el espíritu dé de sí una naturaleza, un
mundo, que le sea adecuado, de suerte que el sujeto encuentre su concepto
del espíritu en esa segunda naturaleza, en esa realidad creada por el
concepto del espíritu y tenga en esa objetividad la consciencia de su
libertad y de su racionalidad subjetivas. Este es el progreso de la idea en
general; y este punto de vista ha de ser para nosotros lo último en la
historia. El detalle, el hecho mismo de haber sido realizado, eso es la
historia" (HEGEL, 1982, p. 211-212). Foge ao escopo deste artigo considerar
as críticas levantadas contra o pensamento de Hegel. Poder-se-iam lembrar
as qualificações efetuadas por Marx, mas preferimos reproduzir, tão-
somente, umas poucas palavras de um crítico duro e profundo e que dizem
respeito ao tema central de que aqui se trata: "La crítica socialista del
capitalismo reconoce, pues, en la Fenomenología hegeliana algunas
esenciales y correctas determinaciones del proceso que Marx llamará más
tarde la 'prehistoria' del desarrollo humano" (LUKÁCS, 1985, p. 537).


Ademais, superar o plano natural, suplantar o ardil da razão e fundar
uma nova era histórica são elementos de um mesmo processo. Assim, na
"Fenomenología, el 'saber absoluto' no parece que sea para Hegel solamente
la edificación de una lógica especulativa, un nuevo sistema filosófico que
se anada a los anteriores y los complete, sino la inauguración de un nuevo
período en la historia del espíritu del mundo. La Humanidad ha tomado
consciencia de sí mesma, se ha hecho capaz de arrostrar y engendrar su
propio destino" (HYPPOLITE, 1974, p. 539). Na mesma linha, afirma outro
autor: "en la medida en que lo histórico llega a saberse como el devenir
infinito de lo finito ( unidad esencial de lo finito y lo infinito ( ,
capta su fundamento en sí mismo, prescinde de los nexos trascendentes que
antes se antojaban indispensables para explicar su subsistencia y descubre
su condición ontológica originaria. En tanto que se sostiene a sí mismo y
él mismo es su fin, el devenir histórico ya no puede considerarse en
términos de fenómeno o accidente del ser, sino que se manifiesta como el
ser mismo, la realidad concreta (...) no debe olvidarse que el ser
histórico se hace totalidad del devenir sólo cuando deja de concebirse a sí
mismo como simple objetividad contingente dominada por la temporalidad
cronológica y se reconoce como sujeto, esto es, como devenir en sí y para
sí infinito. El espíritu es el devenir que ha cobrado consciencia de sí
mismo y que se sabe como infinito verdadero. Sólo a partir de esto se erige
en sujeto ..." (CORTÉS DEL MORAL, 1980, p. 210).


Pelo exposto, evidencia-se que a opinião perfilhada neste artigo
converge com as visões de Hyppolite e Cortés del Moral. Outras
interpretações do pensamento hegeliano conduzem a conclusões aparentemente
muito apartadas das aqui esposadas; a título de exemplo, lembre-se a
leitura de Kojève: "Así, para que el Hombre pueda conocerse a sí mismo,
debe previamente objetivarse, exteriorizarse, devenir um Mundo: 'el Hombre,
dice Hegel, debe realizarse en primer término y objetivarse por la Acción,
antes de poder conocerse'. Y la objetividad del Hombre, es precisamente la
existencia de sus Trabajos y de sus Luchas, o sea, la existencia de la
Historia que es el Tiempo. Ahora bien, en tanto que dura el Tiempo, en
tanto que hay Historia el Objeto permanece exterior ao Sujeto y el Hombre
no se reconoce pues en sus obras objetivas; el Mundo histórico que ha
creado se le aparece como un Mundo creado por otro que él: por un Espíritu,
ciertamente, pero por un Espíritu que no es el suyo, es decir, por un
Espíritu divino (...). Pero la Historia, es la oposición entre el Hombre y
el Mundo (natural). El comienzo del 'movimiento', es lo que no está en el
movimiento; es la ausencia de oposición entre el Hombre y el Mundo, o lo
que es igual, es la ausencia del Hombre. Por eso Hegel dice: 'el Círculo
presupone su comienzo', es decir: el Tiempo presupone el Espacio; el Hombre
presupone el Mundo; la identidad del Hombre y del Mundo es antes del
Hombre. Dicho de otro modo, esta identidad es la identidad no-revelada del
Mundo, que es recóndito o mudo porque todavía no implica al Hombre. Mas,
este origen del Hombre no existe para el Hombre. Porque el Ser-para-el-
Hombre es el Ser-revelado-por-el-concepto y desde que hay revelación del
Ser, ya existe el Hombre que lo revela por su Discurso. Y el Hombre es la
Acción, es decir, la oposición entre el Hombre y el Mundo, esto es,
precisamente el 'movimento-dialéctico' o el Tiempo. El Tiempo (humano)
tiene entonces un comienzo en el Mundo: la Historia comienza en un Mundo
(natural) ya existente. Pero la Historia es la historia de la Acción
humana, y esa Acción es la 'supresión-dialéctica' de la oposición entre el
Hombre y el Mundo. Y la 'supresión' de la oposición es la 'supresión' del
Hombre mismo, es decir de la Historia y por tanto del Tiempo (humano). En
consecuencia, el fin del 'movimiento' es también Identidad, como lo es su
comienzo. Sólo al final la Identidad es revelada por el Concepto. El
'movimiento', es decir, la Historia que es en última instancia el proceso
de la revelación del Ser por el Discurso, no alcanza (erreicht) por tanto
su comienzo sino al final: es que sólo al final de la Historia la identidad
del Hombre y del Mundo existe para el Hombre, o en tanto que revelada por
el Discurso humano. La Historia que há comenzado tiene necesariamente un
fin: y ese fin es la revelación discursiva de su comienzo ... . Mas si el
comienzo del Hombre, de la Historia y del Tiempo no existe, para el Hombre,
sino al final del Tiempo y de la Historia, este fin ya no es un nuevo
comienzo ni para el Hombre ni del Hombre, sino verdaderamente su fin. En
efecto, la identidad revelada del Hombre y del Mundo suprime el deseo que
es precisamente el comienzo de la Historia, del Hombre y del Tiempo. El
Círculo del Tiempo no puede ser recorrido más que una sola vez; la Historia
se acaba, pero no recomienza más; el Hombre muere y no resucita (por lo
menos en tanto que Hombre).


"Pero aun no siendo cíclico, el Tiempo es necesariamente circular; al
final se alcanza la Identidad del comienzo. Sin esa identidad (es decir sin
el Mundo natural) la Historia no habria podido comenzar; sólo se termina
con el restablecimento de esa Identidad; mas entonces se termina
necesariamente. Se vuelve por último al punto de partida: a la nada del
Hombre" (KOJÈVE, 1985, p. 159-163).


Não obstante esta cristalina interpretação de Kojève, ainda assim
observávamos ser apenas aparente a contraposição entre o seu e o nosso
entendimento sobre o fim da história. Isto é particularmente evidenciado ao
considerarmos nossa afirmação de que a superação do "natural" coloca-se
como requisito necessário de uma história posta pelo homem, pois o que
resta afirmado por Kojève é justamente a absoluta subordinação ao Espírito
e a anulação do homem, e isto, tendo-se em conta o quadro no qual foi
elaborada a obra de Hegel ( afirmação plena do capitalismo (, está em
concordância com a tese aqui defendida de que este modo de produção, na
ausência da ação política consciente do homem, perpetua-se no "espaço",
anulando o tempo e reduzindo sua subsistência a mera duração. Não se trata,
pois, do fim da História, mas do fim da história natural do homem e da
emergência de condições que tornam possível o início de uma História
verdadeiramente humana; não se trata da anulação do Homem, mas da negação
do homem determinado por forças naturais que atuam cegamente (embora
"racionalmente") e da efetivação de situação limite que torna possível a
existência de um Homem que atuará como sujeito que o é em si, para si e por
si, tornando-se, assim, senhor autoconsciente de seu futuro. História esta
que se marcará, não pela negação da natureza enquanto tal, nem pela
supressão da "necessidade" por ela imposta, mas, sim, pela sua superação,
calcada na ação conscientemente dirigida: "En efecto, el reino de la
libertad sólo empieza allí donde termina el trabajo impuesto por la
necesidad y por la coacción de los fines externos; queda pues, conforme a
la naturaleza de la cosa, más allá de la órbita de la verdadera producción
material. Así como el salvage tiene que luchar con la naturaleza para
satisfacer sus necesidades, para encontrar el sustento de su vida y
reproducirla, el hombre civilizado tiene que hacer lo mismo, bajo todas las
formas sociales y bajo todos los posibles sistemas de producción. A medida
que se desarrolla, desarrollándose con él sus necesidades, se extiende este
reino de la necesidad natural, pero al mismo tiempo se extienden también
las fuerzas productivas que satisfacen aquellas necesidades. La libertad,
en este terreno, sólo puede consistir en que el hombre socializado, los
productores asociados, regulen racionalmente este su intercambio de
materias con la naturaleza, lo pongan bajo su control común en vez de
dejarse dominar por él como por un poder ciego, y lo lleven a cabo con el
menor gasto posible de fuerzas y en las condiciones más adecuadas y más
dignas de su naturaleza humana. Pero, con todo ello, siempre seguirá siendo
éste un reino de la necesidad. Al otro lado de sus fronteras comienza al
despliegue de las fuerzas humanas que se considera como fin en sí, el
verdadero reino de la libertad, que sin embargo sólo puede florecer tomando
como base aquel reino de la necesidad" (MARX, 1978, vol. III, p. 759).


Nosso enfoque da interpretação de Kojève coloca-se como oportuno,
ademais, uma vez que tal interpretação é apontada como principal fonte
teórica da recente revivescência equivocada e distorcida da temática do fim
da história, vale dizer, o escrito de F. Fukuyama. É patente neste último
autor o tratamento simplista, efetivo empobrecimento das idéias hegelianas:
"Para Hegel, (o fim da história-JFM/INC) seria o Estado liberal ... .
Isso não significava o fim do ciclo natural de nascimento, vida e morte ...
. Significava, isso sim, que não haveria mais progresso no desenvolvimento
dos princípios e das instituições básicas, porque todas as questões
realmente importantes estariam resolvidas" (FUKUYAMA, 1992, p. 12-13). Mais
ainda: "Com as revoluções francesa e americana, Hegel concluiu que a
história chega ao fim porque a aspiração que impulsionou o processo
histórico - a luta pelo reconhecimento (do homem pelos outros homens,
como ser humano-JFM/INC) - está agora satisfeita numa sociedade
caracterizada pelo reconhecimento universal e recíproco. Nenhum outro
ajuste das instituições humanas é mais capaz de satisfazer essa aspiração,
e portanto não é possível nenhuma outra mudança histórica progressiva"
(idem, p. 19). E Fukuyama evidencia sua filiação ao pensamento de Kojève:
"Escrevendo no século XX, Alexandre Kojève, o grande intérprete de Hegel,
afirma intransigentemente que a história terminou porque o que ele chama de
'Estado homogêneo e universal' - que podemos entender por democracia
liberal - definitivamente resolveu a questão do reconhecimento,
substituindo a relação senhor-escravo pelo reconhecimento universal e de
igualdade. O que o homem vem procurando através da história - o que deu
impulso aos primeiros 'estágios da história' - é o reconhecimento. No
mundo moderno, ele o encontrou finalmente e ficou 'completamente
satisfeito'" (idem, p. 22-23).


Avancemos, pois, nossas considerações. Primeiramente, é preciso
apontar, como o faz Perry Anderson, que a leitura de Hegel feita por Kojève
envolve um desvirtuamento da própria substância do Estado: "Para Hegel, o
Rechsstaat é a consubstanciação racional da liberdade moderna. Os
principais temas de toda a sua exposição do desenvolvimento político são
Razão e Liberdade, as quais se concretizam ambas na substância ética do
Estado moderno. Na visão de Kojève do fim da história, elas recuam
gradualmente para o background - as referências a ambas tornam-se cada vez
mais residuais, até mesmo vestigiais. Em lugar delas, dois conceitos muito
diferentes passam a dominar a cena: Desejo e Satisfação. Kojève extraiu-os
da dialética da autoconsciência no quarto capítulo da Fenomenologia: o
desejo humano é fundamentalmente desejo do que não é ele próprio - a
consciência desejosa de outros. É essa dinâmica que desencadeia a disputa
recíproca de subjetividades cuja primeira figura histórica é a dialética do
senhor e do servo, na qual o que está em jogo é o reconhecimento. A vitória
nessa luta (...) é Befriedigung: satisfação. Com efeito, Hegel usa o termo
para indicar o objeto da dialética do desejo: 'a autoconsciência só realiza
a sua satisfação numa outra autoconsciência'. Mas, em si mesmo, isso
constitui apenas um episódio na aventura do espírito. Quando o relato de
Hegel atinge o quinto capítulo da Fenomenologia, o vocabulário de desejo e
satisfação desaparece: um outro e mais alto drama é agora encenado, cujo
palco é a razão. Para além dele, por sua vez, residem as vicissitudes das
liberdades inauguradas pela vontade geral. Na época em que veio a escrever
sua filosofia política propriamente dita, quinze anos depois, Hegel faz
pouca menção de desejo ou reconhecimento. A satisfação ainda é uma
categoria central, mas o seu registro é agora principalmente econômico,
relacionado com necessidades materiais. Assim, Kojève não foi totalmente
infiel a Hegel; mas realçou o que Hegel tendia a abandonar ou a suplantar"
(ANDERSON, 1992, p. 60-61).


Ora, quando recuperamos esse registro fundamentalmente econômico, isto
é, ao pensarmos a Liberdade e a Necessidade no seio da sociedade
capitalista, abrimos espaço para nossa visão sobre o fim da história. Pois
no capitalismo, como bem observa Marcuse, "o indivíduo é 'livre'. Nenhuma
autoridade lhe pode dizer como ele deve se manter; cada um pode escolher
trabalhar no que lhe aprouver. Um indivíduo pode decidir produzir sapatos,
outro, livros, um terceiro, rifles, um quarto, botões de ouro. Mas os bens
que cada um produz são mercadorias, isto é, valores de uso, não para ele,
mas para outros indivíduos. Cada um deve trocar seus produtos por outros
valores de uso que satisfarão suas próprias necessidades. Em outras
palavras, a satisfação das necessidades de cada um pressupõe que o produto
do seu trabalho atenda a uma necessidade social. Mas ele não o pode saber
com antecedência. Só quando traz os produtos do seu trabalho ao mercado é
que pode verificar se empregou, ou não, um tempo de trabalho social. O
valor de troca dos seus bens vai mostrar-lhe se estes bens satisfazem ou
não uma necessidade social. Se ele pode vendê-los ao custo da produção, ou
acima deste custo, a sociedade estava disposta a empregar uma porção do seu
tempo de trabalho na produção desses bens; de outra forma, ou ele
desperdiçou ou não gastou tempo de trabalho socialmente necessário. O valor
de troca das suas mercadorias decide seu destino social. (...).


"Marx chama este mecanismo pelo qual a sociedade produtora de
mercadorias distribui, entre os diferentes ramos da produção, o tempo de
trabalho à sua disposição, de lei do valor" (MARCUSE, 1978, p. 275-276).


A lei do valor na sociedade capitalista funciona, assim, como uma "lei
natural", "um mecanismo cego fora do controle consciente dos indivíduos". E
isto é desse modo exatamente na medida em que, no capitalismo, "a sociedade
não é um sujeito consciente" (idem, ibidem). Retorna-se, por conseguinte,
ao nosso entendimento da sociedade capitalista como o estágio final de uma
história "natural", que se fez por e mediante os homens, mas não foi posta
conscientemente por eles.




A POSSIBILIDADE DE UMA SOCIEDADE "PÓS-CAPITALISTA": UM NÃO AO NEOFATALISMO


Nem a superação da visão stalinista da evolução social, nem a
derrocada do socialismo real livraram-nos, no plano das idéias
socioeconômicas, da perspectiva fatalista, pois, tal postura, parece-nos,
ganhou novo fôlego nos dias correntes, em que se observa a proliferação de
escritos, assinados por intelectuais brasileiros e estrangeiros, nos quais
os autores opinam acerca das eventuais formas a serem assumidas pela
sociabilidade humana no século XXI.


É o caso, por exemplo, do artigo de Robert Kurz intitulado Para além
de Estado e mercado. Nele, o autor explicita, antes do mais, o insucesso,
tanto da instituição estatal ( seja o Estado social keynesiano, seja o
Estado socialista ( como do mercado, em realizar "o sonho da emancipação
social, da autodeterminação do homem, de uma produção autônoma da vida". A
partir daí, discute a emergência de um terceiro setor, quiçá possuidor de
uma "força histórica renovadora", apto a superar os problemas que não se
resolveram mediante a ação daquelas duas instituições que têm ocupado boa
parte do espaço social: "talvez o sistema totalitário da economia de
mercado (assim como o Estado) seja ele próprio um Golias corpulento, para
quem a pedra e a funda já estão armadas, à espera do momento exato para
derrubar o gigante" (KURZ, 1995, p. 14). Este terceiro setor ( que em certa
medida encontra seu precursor no cooperativismo ( é composto por
instituições que têm sido denominadas Organizações Não-Governamentais
(ONGs) e Non-Profit Organizations. Estaríamos, pois, frente a "novas formas
de reprodução social, para além do Estado e do mercado".


Nesse contexto, Kurz discute as propostas do sociólogo André Gorz e do
economista Jeremy Rifkin, e aí vêm à tona os aspectos que aqui nos
interessa salientar: "Salta aos olhos o fato de autores como Gorz ou Rifkin
ainda descreverem o problema de acordo com as categorias impostas pela
economia de mercado. ... Em ambos os casos, ... o terceiro setor é visto
como o irmão caçula do mercado, pois as fontes de 'financiamento' são
necessariamente as migalhas de caridade deixadas pela produção que visa ao
lucro. ... Os pontos de vista de Gorz e Rifkin ameaçam permanecer um
simples modelo de subvenção para países ricos, uma espécie de passatempo
altruísta para os campeões do mercado" (Idem, ibidem).


A reflexão sobre o futuro da sociabilidade humana também está presente
no artigo intitulado Lógica da emancipação, de José Arthur Giannotti. Os
vínculos com o mercado são encarados de forma não tão negativa como em
Kurz, o que decorre provavelmente de uma aceitação mais tranqüila da
inexorabilidade de tais vínculos: "... parece-me evidente que não existem
hoje meios de criar riqueza social totalmente desvinculados de uma forma ou
outra de mercado. Nada impede Robert Kurz de anunciar, em altos brados, a
crise do modo de produção de mercadorias. Nem ele nem ninguém foi até agora
capaz de nos dizer como um futuro modo de produção se organizará para
evitar a violência da competição capitalista e o estigma do mercado, sem
cair na regulamentação autoritária e no fundo ineficaz do sistema
produtivo. Qualquer projeto de produção cientificamente planejada, que
fosse capaz de ajustar oferta e demanda na base de um cálculo racional
prévio, foi irremediavelmente refutado pelos fatos" (GIANNOTTI, 1995, p.
9). Ver-nos-íamos encerrados, portanto, no âmbito do mercado.


Não obstante, isto não acarreta a perspectiva de um futuro pouco
promissor. Ao contrário, lembrando a "... observação de Marx de que o
capitalismo gera simultaneamente a maior riqueza e a maior pobreza",
Giannotti estabelece seu diagnóstico: "Ora, os instrumentos que nos
oferecem as ciências econômicas e a crítica filosófica da alienação bastam
para desenhar instituições compensatórias que, sem pretender ser
inteiramente transparentes, cuidem para que o todo tenda a ser justo e
racionável. Carecemos de instituições capazes de intervir na política
econômica mundial. E, como desde logo se descarta a idéia de que se tenha
uma única política correta, justa e racionável, essas instituições só podem
ser representativas, vale dizer, permeáveis à diversidade dos interesses e
da luta pelo poder. Noutras palavras, para que se conviva com as alienações
da produção mercantil, para que seus efeitos sejam cada vez mais
circunscritos e podados, é preciso aprofundar o sistema político
representativo, em escala regional e mundial, a fim de que ele democratize
as decisões de política econômica" (Idem, ibidem). Conforme nos sugere o
autor em questão, provavelmente não será mais capitalista a forma de
sociabilidade humana que emergiria da ação dessas instituições
compensatórias.


Da posição de Giannotti parece aproximar-se Alain Touraine (A longa
crise de transição do liberalismo). De um lado, este último autor salienta
que, "se quisermos evitar a catástrofe de conhecer hoje, em escala mundial,
o equivalente da proletarização e da miséria urbana na Europa de Dickens e
de Victor Hugo, temos de resistir aos encantos do hiperliberalismo". De
outro, porém, escreve Touraine: "... temos de conferir uma importância
central ao próprio sistema político, em vez de acalentar esperanças por
movimentos sociais ainda dominados e paralisados por ideologias vindas do
século passado. Digo sistema político, e não Estado, pois não se trata de
atribuir a esse último um papel condutor na modernização agora
internacionalizada, mas de exigir que o sistema político combine de forma
razoável as transformações econômicas e a integração social, de modo a
realizar esse desenvolvimento com a eqüidade tão bem pregada pelos
pesquisadores do Prealc e da Cepal. O que nos falta, portanto, são debates
e intervenções políticas. ... É preciso agora ingressar urgentemente num
período pós-liberal, ou seja, de reconstrução dos controles legais,
administrativos e sociais, a fim de impedir a selvageria econômica, o
aumento da exclusão e a difusão da violência em sociedades que perderam o
controle de sua própria transformação" (TOURAINE, 1996, p. 10).


Críticos todos ( com maior ou menor veemência (ou veneno!) ( da
desigualdade, da exclusão próprias do capitalismo, esses pensadores ( num
comportamento irrepreensivelmente racional, digamos de passagem ( refletem
sobre o devir da humanidade ocorrendo em meio a um processo que, aparadas
inevitáveis mas superáveis arestas, apresenta-se como eminentemente
natural. De fato, este "aparar de arestas" põe-se como marco a delimitar a
extensão das críticas que se têm multiplicado, as quais assumem afinal um
caráter "conciliatório". Ilustrativas desse caráter são as considerações
seguintes, de Paul Singer: "A globalização resultante da contra-revolução
liberal do último quarto de século não precisa ser irreversível. Se houver
vontade política por parte de alguns governos, a globalização poderá ser
reorientada, deixando de estar submetida à hegemonia do capital privado.
Sempre será possível reinstaurar algum controle intergovernamental do
movimento internacional do capital financeiro e produtivo, seja pela ação
de um agrupamento informal de economias nacionais poderosas, como o G-7,
por exemplo, ou de algum organismo multilateral, como o FMI ou o Banco
Mundial" (SINGER, 1996, p. 3).


Em suma, não obstante as marcantes disparidades que apartam algumas
das opiniões acima arroladas, elas se aproximam em um aspecto crucial. De
forma mais ou menos relevante – "por bem ou por mal" –, todas integram em
seu bojo soluções ditas de mercado, as quais se acham contempladas,
invariavelmente, a partir de um evidente traço fatalista; ao assumirem tal
"inevitabilidade" como que condimentam os cenários antevistos com uma
pitada de concessão ao neoliberalismo. Ora, a nosso ver, há que pôr em
questão esse traço fatalista que empurra, entre outros, os estudiosos
citados ( todos eles mais audaciosos que nós ( , no sentido de uma espécie
de "mercado light", com respeito ao qual é muito difícil distinguir a
efetiva superação do capitalismo da mera expressão da extrema flexibilidade
característica desse modo de produção. Nosso ponto, explicitado com maior
detalhe na primeira parte deste artigo, funda-se no entendimento do
capitalismo enquanto forma superior e derradeira da existência natural da
sociabilidade humana. Esta existência é denominada natural porque até então
a postura dos homens era essencialmente ditada pela passividade frente às
circunstâncias com que se defrontavam. De outra parte, enquanto a
sociabilidade humana mantiver-se restrita a essa expressão natural, vale
dizer, enquanto estiverem os homens relegados à condição de portadores de
relações, colocar-se-á, aí sim inevitavelmente, a re-produção automática e
autônoma do capitalismo.


Contudo, a ação do espírito, da consciência, tornada possível com a
sociedade capitalista, tem, a sua vez, o poder de acarretar a ruptura
daquele movimento de re-produção. A partir daí, abrir-se-ia a possibilidade
para uma etapa distinta, diríamos mesmo antinatural, em que a sociabilidade
humana ver-se-ia moldada conscientemente pelo homem: é o fim da história
natural, o início da história posta pelo homem. É evidente que nada
garante, a priori, que se efetive essa sociedade fruto da ação consciente
do ser humano. Exatamente porque ela não se porá "naturalmente" é que ela
se apresenta como mera possibilidade. Todavia, das enormes dificuldades que
ante ela se erguem não decorre a necessidade de descartar essa
possibilidade in limine, mediante a adoção de soluções mais fáceis, "de
mercado", com o que o ponto culminante da história "natural" do homem tende
a tornar-se, de fato, o ponto final de sua história.


Saliente-se, por fim, que não estamos a advogar, teimosamente, a volta
ao experimento do socialismo real. Estamos afirmando ser possível a ação
consciente, "não natural", do homem enquanto sujeito da história. A
alternativa a isto parece-nos ser o triste perfilhar da inexorabilidade do
neoliberalismo, a "entrega dos pontos" frente à onipotência do mercado e,
junto com isso, a assunção do mesmo pessimismo presente, por exemplo, em
artigo de João Sayad ("O início do próximo século que já começou é muito
difícil. ... Temos que aguardar que o tempo e o sofrimento de tantos
excluídos produzam crises, guerras e uma nova solução"; SAYAD, 1996, p. 2).
Vale dizer, esperaremos cabisbaixos o término das crises e das guerras que
hão de vir, no íntimo reconfortados por pensarmo-nos de antemão entre os
sobreviventes do mais pífio darwinismo social. Como adverte Lester Thurow:
"Ninguém jamais experimentou o capitalismo de sobrevivência do mais apto
por muito tempo, na era moderna. Para os cientistas sociais, essa
experiência será interessante. Para os que serão objeto da experiência,
será muito doloroso. Para os interessados na estabilidade social, os riscos
serão grandes" (THUROW, 1996, p. 2). Serão mesmo estes os riscos que
quereremos correr? Por outro lado, a configuração de uma eventual
trajetória alternativa apontaria para o que, exatamente? Vejamos.


Antes do mais, como sabido, uma vez superado o capitalismo a
mercadoria deixa de existir como a conhecemos hoje. Os bens deixarão, pois,
de ser valores de troca e limitar-se-ão à condição de valores para o uso.
Não obstante, permanecerão problemas econômicos afetos à alocação dos
recursos e dos fatores de produção às técnicas produtivas e à
produtividade, assim como os vinculados à distribuição dos resultados da
produção. Trata-se, pois, de uma situação na qual a vida econômica ver-se-á
absolutamente imersa (esgotar-se-á) na produção física de bens e serviços e
na distribuição dos seus resultados. Para dar conta de tais problemas
necessitar-se-á, portanto, de uma "engenharia econômica" que não se
confunde com a(s) engenharia(s) de hoje, nem com a administração como a
conhecemos, nem com a economia como a praticamos nos dias correntes. A essa
nova engenharia cumprirá estabelecer as relações que vincularão a produção
física com os recursos e as técnicas disponíveis e com as demandas de
caráter individual e social.


Tais soluções, frisemos novamente, contrariamente ao que ocorre no
âmbito da sociedade capitalista, terão de ser formuladas conscientemente e,
necessariamente, sua formulação terá de anteceder sua aplicação efetiva.
Ademais, uma vez que estamos a tratar de "uma nova forma de sociabilidade,
a primeira a se assentar inteiramente no espírito e que, portanto, terá de
ser por ele sustentada..." (MOTTA & COSTA, 1999, p. 25), cumpre lembrar que
tal sustentação só se verá garantida se forem obedecidas duas condições
essenciais e sem as quais, cremos, é impossível pensar-se numa sociedade
"pós-capitalista" auto-sustentável. Em primeiro, considerando que terá de
haver livre assentimento com respeito à nova forma de sociabilidade, é
indispensável uma ambiência democrática, vale dizer, a democracia e os
direitos que expressam a cidadania têm de prevalecer, absoluta e
irrestritamente, e a estes elementos, obviamente, há de estar aliado o
maior grau possível de liberdade pessoal e coletiva. De outra parte, as
vontades individuais desenvolvidas em tal ambiência devem associar-se
livremente de sorte a chegar-se à organização necessária àquela
sustentação. Liberdade e associação definem-se, pois, não só como metas
desejáveis por si, mas, e sobretudo, como elementos imanentes à assim
chamada sociabilidade "pós-capitalista" ou socialista, caso se queira.


Pelo exposto, tanto o nazismo como o fascismo reais, ainda que de
maneira apenas tangencial, podem ser entendidos, também, como tentativas de
estabelecimento de sociedades que, embora essencialmente capitalistas,
traziam alguns poucos traços "pós-capitalistas". Não é preciso lembrar que
tais incursões do espírito (preferimos pensar em incursões de um pavoroso
"inconsciente" do espírito) efetuadas de modo totalitário e largamente
inconsciente redundaram, apenas, em horror próprio para servir como objeto
de estudos restritos aos campos da patologia social e da psicopatia, o que,
de resto, também caracterizou o stalinismo.


Caso não sejam formuladas conscientemente alternativas às soluções
derivadas do funcionamento automático do capital, a tentativa de se
construir uma sociedade de corte socialista poderá terminar em mera
acumulação ampliada de ineficiência econômica, imposições autoritárias e
dirigismo burocrático. Descontados os horrores que o cercaram e outros
fatores que o condicionaram, não teria sido esta a experiência vivenciada
pelo fracassado socialismo real? E a aventura cubana, ainda que se defronte
com o brutal cerco imposto pelos Estados Unidos, não estaria a conhecer,
por causa de suas próprias mazelas, um fim semelhante?


Mas este desenlace melancólico da experiência socialista conduzida de
maneira puramente empírica não é o único possível. Poderão, os socialistas,
ainda, pretender "parasitar" o capitalismo, cobrando da sociedade, com
incidência particularmente forte sobre o capital, um "tributo" que
chamaríamos de "taxa de garantia do direito de existir" cuja destinação
seria atender aos menos privilegiados. Não é deste feitio a solução que
tentam implementar na Europa alguns partidos de extração social-democrata
ou comunista? Como é patente não se pode falar, neste caso, em sociedade
"pós-capitalista", pois, a "solução" aventada e os intentos aludidos não
pretendem alcançá-la e limitam-se, tão-somente, a aceitar a perpetuação de
um "capitalismo não-raivoso". Quanto a este tópico, escreveu-se já há
alguns anos: "Espremida entre uma base social cambiante e um horizonte
político em contração, a social-democracia parece ter perdido sua bússola.
... Houve época, nos primeiros anos da Segunda Internacional, em que ela
orientou sua ação para a superação do capitalismo. Empenhou-se depois por
reformas parciais, consideradas passos gradativos rumo ao socialismo.
Finalmente, contentou-se com o bem-estar social e o pleno emprego dentro do
capitalismo. Se ela admitir agora uma diminuição do bem-estar e desistir do
pleno emprego, em que tipo de movimento vai se transformar?" (ANDERSON,
1996, p. 23-24).


Outra possibilidade colocada no mesmo plano consubstanciar-se-ia na
geração de bolsões controlados de capitalismo que serviriam para
complementar uma "produção de tipo socialista" não muito bem definida.
Neste caso gerar-se-ia, em verdadeiros "enclaves socioeconômicos", uma
espécie de capitalismo enclausurado, "enjaulado" ou domado e manipulável de
sorte a conformar-se às necessidades políticas e econômicas de uma
sociedade "socialista" inclusiva. Seria este o caso da China dos dias
correntes? Aparentemente sim, embora os crimes comuns e de caráter político
cometidos pelos dirigentes chineses sejam tamanhos que nos causa engulho
considerá-los como homens e mulheres de esquerda. De toda sorte, para nós,
observadores externos e distantes que somos, o rumo tomado pelos
dirigentes chineses parece decorrer de dois fatores que se acham
intimamente relacionados: por um lado, da incapacidade de se gerar o número
necessário de postos de trabalho para garantir o prometido pleno emprego de
sua imensa força de trabalho; de outra parte, do receio das reações
políticas da massa de sua população caso o compromisso supracitado venha a
ser descumprido. Estaríamos em face, assim, antes de uma concessão do que
de uma solução desejada, planejada e perseguida.


Em suma, e voltando ao eixo central deste artigo, ao proporem uma nova
forma de sociabilidade, os socialistas e comunistas clássicos prenderam-se,
basicamente, à questão da distribuição do produto deixando de lado a
discussão das formas a adotar para se efetuar a alocação de recursos e
fatores e para se promover a produção. Neste sentido pode-se afirmar que as
propostas das esquerdas cingiram-se à apresentação de formas mais equânimes
de se distribuir a produção efetuada, não podendo ser vistas, portanto,
como soluções econômicas integradas e orgânicas, pois lhes faltou,
justamente, uma vertente essencial, qual seja a concernente à produção
propriamente dita, a qual, como tudo o mais, é automática e imediatamente
resolvida, no capitalismo, pelo funcionamento da "lei do valor". Na
sociedade "pós-capitalista" não se dá (dará) o mesmo. Ademais, os
paradigmas empiricamente adotados pelas nações do Leste Europeu que
conheceram o socialismo real e que se encontravam calcados, sobretudo, na
experiência proporcionada pela Revolução Industrial e nas técnicas e
métodos adotados pelos países ocidentais na primeira metade do século XX
mostraram-se absolutamente insuficientes para promover um crescimento
econômico harmônico, consistente e auto-sustentável. Por outro lado, o
asfixiante e totalitário sistema político brutalmente imposto tornou o
assim chamado socialismo real absolutamente inaceitável pelas populações e
nações por ele vitimadas. Destarte, de "positivo", as aludidas sociedades
do Leste Europeu conheceram, tão-só, uma política de pleno emprego que
esboroou e práticas assistencialistas que foram descontinuadas.


Ora, se pensarmos uma sociedade na qual se deseje ver promovida, sem
nenhuma mediação, a distribuição da produção de acordo com as necessidades
de cada um de seus integrantes (e é isto que os comunistas alegam querer),
seremos obrigados a admitir que seus pressupostos são: 1) tal sociedade tem
de se erigir com base na negação da propriedade privada sobre os meios de
produção, já que não pode haver, por hipótese, qualquer mediação entre a
produção de bens e serviços e sua distribuição; 2) essa sociedade tem de
ser "pensada", projetada, antes de existir concretamente, pois, como vimos,
a natureza é incapaz de instituí-la, de produzi-la; aliás, pelo contrário,
o que se produziu "naturalmente" foi justamente a propriedade privada sobre
os meios de produção, óbice maior à instituição da aludida sociedade
almejada pelos comunistas; 3) como visto, tal sociedade não é um produto da
natureza, mas algo antinatural, decorrente da vontade dos homens (do
espírito); não traz em si, portanto, os elementos necessários à sua
reprodução (re-posição), pois, "colocada" (posta) pelo espírito, por ele
terá de ser re-colocada, cabendo a ele, portanto, sustentá-la. Destarte,
tanto sua existência como sua persistência (subsistência) derivarão da
vontade dos homens, de sua tensão em mantê-la. Não há, portanto, repisemos,
nenhuma razão de ordem natural para que ela venha a existir ou permaneça
existindo.


Cumpre notar por fim que, na ausência de controles automáticos, a vida
econômica de tal sociedade terá de ser gerida pela anunciada "engenharia
econômica" a qual, até o momento, não se acha sequer esboçada.




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