Heteronormatividade e os modos curriculares 
de produção do gênero. In. Didática e avaliação: educação, cidadania e exclusão na contemporaneidade

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Editora Realize Conselho Editorial Abigail Fregni Lins Ana Ivenicki Cristiane Maria Nepomuceno Eduardo Gomes Onofre Filomena Maria Gonçalves da Silva Cordeiro Moita Juarez Nogueira Lins Katemari Diogo da Rosa Laércia Maria Bertulino de Medeiros Luis Paulo Cruz Borges Margareth Maria de Melo Mônica Pereira dos Santos Morgana Lígia de Farias Freire Ofelia Maria de Barros Patrícia Cristina de Aragão Araújo Roberto Kennedy Gomes Franco Samara Wanderley Xavier Barbosa Sandra Cordeiro de Melo Sandra Maciel de Almeida Tânia Serra Azul Machado Bezerra Tatiana Bezerra Fagundes Thiago Luiz Alves dos Santos Valdecy Margarida da Silva Walcéa Barreto Alves Wojciech Andrzej Kulesza

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Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Luis Paulo Cruz Borges Paula Almeida de Castro (Organizadores)

DIDÁTICA E AVALIAÇÃO: EDUCAÇÃO, CIDADANIA E EXCLUSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Campina Grande-PB 2016

© Carmen Lúcia Guimarães de Mattos | Luis Paulo Cruz Borges | Paula Almeida de Castro

Foto da capa: João Francisco Ferreira Design da Capa: Luiz Felipe de Oliveira Ramos Projeto Gráfico|Editoração: Jefferson Ricardo Lima Araujo Nunes

Revisão: O conteúdo e a forma dos artigos publicados neste e-book são de inteira responsabilidade de seus/suas autores/as.

370 D555 Didática e avaliação: educação, cidadania e exclusão na contemporaneidade [Recurso Eletrônico]./Carmen Lúcia Guimarães de Mattos; Luis Paulo Cruz Borges; Paula Almeida de Castro (Organizadores). - Campina Grande: Realize Editora, 2016. 3100kb - 246 p.:il. Modo de Acesso: World Wide Web ISBN EBOOK: 978-85-61702-39-7 1. Educação. 2. Exclusão. 3. Escola e avaliação. 4. Inclusão. 5. Escola pública brasileira. I. MATTOS, Carmem Lúcia Guimarães de. II. BORGES, Luiz Paulo Cruz. III. CASTRO, Paula Almeida de. IV. Título. 21. ed. CDD

Sumário Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Organizadores

Didactics and evaluation in different contexts: reflections on PISA assessment.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 Valentina Grion (Università di Padova - ITALY)

Educação, cidadania e exclusão: o aluno como agente de mudança na avaliação escolar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 Carmen Lúcia Guimarães de Mattos (UERJ) Valentina Grion (Universidade d Padova, IT) Paula Almeida de Castro (UEPB)

Saberes sobre a escola: a voz do aluno e a produção de conhecimento na pesquisa em educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Walcéa Barreto Alves (UFF) Carmen Lúcia Guimarães de Mattos (UERJ)

A escola e a avaliação: perspectivas da aprendizagem colaborativa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 Beatriz Calazans Dounis (Universidade da Madeira/SEEDF)

Avaliação na escola regular e na escola integral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 Ana Maria Petraitis Liblik (UFPR) Marta Pinheiro (UFPR)

Inclusão e exclusão: a diversidade na escola pública brasileira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 Mylene Cristina Santiago (UFF)

Um estudo longitudinal do desenvolvimento da inserçao de tecnologia em sala de aula de Matemática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 Paula Luderitz de Albuquerque Lenz-Cesar (EARJ)

Educação a distância e formação humana: a importância das práticas docentes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 Eloiza da Silva Gomes e Oliveira (UERJ)

PÁTRIA EDUCADORA: uma receita de fé na educação, falta de confiança nos professores e homogeneização dos estudantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 Maria Luiza Süssekind (UNIRIO) Viviane Lontra (UNIRIO) Raphael Pelosi Pellegrini (UNIRIO)

Alfabetização e vivências de alteridade: duas narrativas em dois contextos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 Arlindo Cornélio Ntunduatha Juliasse (UERJ)

Structure of violence in Pakistani Schools: a gender based analysis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 Jamil Ahmad Chitrali (University of Peshawar, Pakistan)

Heteronormatividade e os modos curriculares de produção do gênero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 Marcio Rodrigo Vale Caetano (FURG) Treyce Ellen Silva Goular (FURG) Marlon Silveira da Silva (FURG)

Literatura e as questões étnico-raciais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202 Glória de Melo Tonácio (CPII/Grupo de Pesquisa FormAÇÃO) Mariane Del Carmen da Costa Diaz (SESC/CPII)

Didática: conhecimento e escola Perspectivas teórico-metodológicas moderna e pós-moderna: questões para a reflexão sobre a pesquisa em didática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225 Siomara Borba (UERJ/FE)

Sobre os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 244

Apresentação A compilação dos textos apresentados no e-book “Didática e Avaliação: Educação, Cidadania e Exclusão na Contemporaneidade” foi produzida a partir das discussões promovidas durante o IV Colóquio Educação, Cidadania e Exclusão. O evento visou promover um espaço de caráter reflexivo com o suporte de estudos e pesquisas desenvolvidos no Brasil e no exterior que possibilite produções voltadas para a melhoria da qualidade da educação básica e superior. Oportunizou a possibilidade de valorizar as práticas de profissionais da Educação aproximando, cada vez mais, a universidade da escola de educação básica para a produção de conhecimentos e demandas formativas. Envolveu diferentes áreas do conhecimento, sendo organizado em atividades que fomentam o debate sobre as temáticas envolvidas. A programação foi apresentada de modo que possibilitasse uma ampla participação nas atividades (conferências, palestras, minicursos, sessões de comunicação oral e pôster, atividades culturais) bem como os profissionais convidados que contemplaram a temática do evento e a atualidade do campo educacional. Outrossim, entendemos que a temática do evento representou o expressivo interesse para discussões relevantes que extrapolam as dicotomias entre a teoria e a prática estando voltadas para os novos direcionamentos na atualidade. O texto Didactics and evaluation in different contexts: reflections on PISA assessment enfatiza a relação entre a Didática e a Avaliação a partir de reflexões do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Que é uma iniciativa de avaliação comparada, aplicada a estudantes na faixa etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. As reflexões ensejadas neste artigo nos fazem pensar em comparações necessárias ao campo da Educação e suas disputas no campo avaliativo na atualidade.

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Educação, Cidadania e exclusão: o aluno como agente de mudança na avaliação escolar tem como objetivo apresentar os resultados do IV Colóquio Internacional Educação Cidadania e Exclusão: Didática e Avaliação (IV CEDUCE) com destaque para o tema avaliação. Inicia-se com uma narrativa histórica dos aspectos sociológicos, psicológicos e pedagógicos que tangenciam esse tema. Em seguida, discute os encaminhamentos apresentados no IV CEDUCE, e finalmente apresenta subsídios para mudanças na avaliação do processo de ensino e aprendizagem. Saberes sobre a escola: a voz do aluno e a produção de conhecimento na pesquisa em educação discute os saberes produzidos sobre a escola mediante a voz aluno na pesquisa educacional. Seu objetivo é compreender os processos e práticas interativas no ambiente escolar na perspectiva dos estudantes que fazem parte desse contexto, entendendo-a enquanto produção de conhecimento. As análises realizadas foram elaboradas mediante pesquisas bibliográficas e etnográficas que privilegiam esse aluno como agente ativo no ato de dar sentido aos dados coletados durante a realização de pesquisas. Fatores como: relações assimétricas de poder, currículo centrado em práticas pedagógicas que não privilegiam os saberes dos alunos, pouca sensibilidade da escola em relação aos temas que permeiam o ambiente escolar e a violência da/na escola, emergiram da voz do aluno que, transformadas em vinhetas etnográficas, demonstram como eles se descolam do entendimento e realização de suas tarefas, dos professores, dos pais e de outros alunos e priorizam emergências que surgem na sala de aula, na escola e na família. Como resultado, esses alunos experimentam diversas vulnerabilidades em sua escolarização. Entende-se como fundamental um olhar e uma escuta atenta à voz do aluno, que se constitui enquanto elemento ativo de produção de conhecimento na pesquisa educacional, que se reverbera em saberes que podem provocar mudanças na escola. A Escola e a Avaliação: perspectivas da aprendizagem colaborativa aborda a escola, enquanto uma instituição que tem demonstrado a perpetuação de seu caráter excludente que precisa rever seus

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princípios e sua estrutura limitadora. A avaliação, enquanto uma parte do processo de ensino e aprendizagem, tem uma função importante para que alunos e professores percebam seus avanços e suas permanências. Em uma perspectiva mais democratizante do ensino, que não preconize o individualismo e a competitividade em situações avaliativas, a proposta da aprendizagem colaborativa concede novas opções para que alunos e professores possam obter uma aprendizagem mais efetiva por meio da valorização da interação entre os pares. A aprendizagem colaborativa propõe a resolução de problemas de uma maneira coletiva, que busque unir um pequeno grupo em torno de um tema, ou de vários temas cujos desdobramentos proporcionem uma compreensão mais ampla do que está sendo apresentado. Esta aprendizagem rompe com paradigmas arraigados presentes no cotidiano da escola, que sempre privilegiaram o individualismo e as relações entre professores e alunos, sem proporcionar uma interação social dentro de sala de aula entre os iguais, ou seja, entre os aprendizes. Isto representa trazer para a sala de aula o que as relações de troca que já existem em outros ambientes e que proporcionam uma aprendizagem mais ampla, mais significativa. Já o artigo, Avaliação na escola regular e na escola integral aborda a leitura atenta do que foi escrito por vários teóricos sobre avaliação, com as devidas atualizações, possa dar aos professores subsídios para ações educacionais mais justas, coerentes e eticamente corretas. E ao entender melhor, não fará muita diferença avaliar na escola regular ou na escola em tempo integral, integradora de conteúdos e saberes, pois a escola ou é integral ou não pode ser considerada ESCOLA. Inclusão e exclusão: a diversidade na escola pública brasileira aborda a questão da inclusão e exclusão na diversidade da escola pública brasileira a partir de narrativas vivenciadas em minha trajetória docente na educação básica, no ensino superior e nas atividades de pesquisa e extensão envolvendo a formação de professores para/ na/com a diversidade. A proposta do artigo é ampliar o diálogo e a reflexão sobre a prática docente que se encontra cercada de diversidade. A ideia central é questionar a indiferença às diferenças, a

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tendência de a escola converter diferenças em deficiências e a ênfase em práticas pedagógicas fundadas na concepção de igualdade, que se transfiguram em práticas homogeneizadoras no cotidiano escolar. A possibilidade de articular teoria-prática, ensino-pesquisa com vivências profissionais pode oferecer novos olhares aos nossos saberes-fazeres, transformando experiências em processos de formação e possibilitando o desenvolvimento da práxis e da condição de professor -pesquisador. Através de narrativas e metáforas surgidas no cotidiano do trabalho com os atores das escolas e universidades, buscarei refletir sobre questões referentes ao processo de inclusão/exclusão e os desafios de (nos) educar para/na/com a diversidade. Um estudo longitudinal do desenvolvimento da inserção de tecnologia em sala de aula de matemática apresenta registros sobre atividade com alunos de Matemática do 6a ano durante 6 anos. A atividade implica na construção de uma caixa através da utilização de escala previamente selecionada e aplicada a uma caixa original trazida pelos alunos. O objetivo é que, após discussão sobre pontos de marketing e logística, os alunos apliquem a escala escolhida nas dimensões da suas caixas, cuidadosamente desmontadas. Depois, as novas dimensões são traçadas em cartolina (discussão sobre linhas paralelas e perpendiculares, instrumentos de medição e precisão). Os alunos cortam seus modelos e montam as novas caixas, similares às antigas, maiores ou menores, respeitando escalas escolhidas. O produto final é um documento que retrata, com fotos, tabelas e texto, a atividade. Um ponto importante da avaliação é o uso da tecnologia na coleta e registros de dados, na execução e comunicação dos resultados. Este estudo revela que ao longo dos anos, o professor define e demanda o uso de diferentes métodos que envolvam tecnologia na execução de projetos, e também os alunos se mostram motivados e preparados para o seu uso. Em face do maior utilização de instrumentos tecnológicos, e da sua importância nos processos produtivos em diversas áreas, torna-se imprescindível que os alunos sejam expostos a atividades que explorem este conhecimento e as habilidades a ele relacionadas. Os professores também devem se atualizar e estudar

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para se sentirem capazes de incluir instrumentos tecnológicos e digitais nos projetos executados em sala de aula a fim de desenvolver tais saberes. Educação a Distância e Formação Humana: a importância das práticas docentes apresenta aspectos fundamentais da Educação a Distância (EAD) e a sua importância para a formação humana. A autora inicia o texto com alguns conceitos, características e a evolução histórica da EAD. Discutindo a seguir algumas questões polêmicas relativas a essa modalidade educacional. Finalmente, há ilustrações do texto com alguns resultados de uma pesquisa desenvolvida com cinquenta professores de matemática do 6° ao 9° ano e do Ensino Médio da rede pública de um município do Rio de Janeiro, com o objetivo de verificar quanto esses professores conheciam as tecnologias de informação e comunicação (TIC) e como faziam uso delas na sua prática docente. A maioria significativa da amostra valorizou a aplicação das TIC no trabalho docente, afirmando que o seu uso desperta a motivação dos alunos para a aprendizagem, melhorando a receptividade dos mesmos ao conteúdo e aprimorando a formação humana pretendida pela escola. O texto Pátria Educadora: uma receita de fé na educação, falta de confiança nos professores e homogeneização dos estudantes indica, neste ensaio, partindo das discussões do documento da SAE, visto no contexto das políticas curriculares e de avaliação que vem sendo progressivamente implantadas pelo Ministério da Educação, sobretudo na educação básica, para discutir três ideias presentes no documento que estão largamente presentes no imaginário social e tangenciam nossas pesquisas em currículo e formação de professores no grupo de pesquisa Práticas Educativas e Formação de Professores, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UniRio. O PÁTRIA EDUCADORA estabelece um processo de marginalização e estigmatização. Alfabetização e vivências de alteridade: duas narrativas em dois contextos apresenta uma pesquisa que pretende compreender práticas de alfabetização e vivências de alteridade de sujeitos anônimos, a partir de duas narrativas que ocorreram em dois contextos distintos,

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vinculados ao percurso de coleta de dados de minha pesquisa sobre memórias, acesso a cultura escrita e sentidos de educação de jovens e adultos atualmente em andamento. Foi no cerne desse percurso que surgiu a curiosidade de compreender os processos de acesso à cultura escrita decorrentes das vivências dos sujeitos e na escuta do outro, o qual provoca um desafio não só ao narrador, que ao tentar reconstruir um fato, imprime sua marca na interpretação, mas também ao pesquisador, pois ao ouvi-lo, pode atribuir ao mesmo fato outro significado. Portanto, questiona-se o que se constitui como alfabetização para esses sujeitos num contexto de fatores cada vez mais críticos à diversidade étnico-linguística e conectividade global? Em que língua e com que práticas pedagógicas se orientam ou se pode orientar o ensino-aprendizagem de jovens e adultos nesse contexto? Nesse sentido, as histórias contadas revelam pistas para pensar e reconhecer que os processos educativos de pessoas jovens e adultas, extrapolam o contexto escolar e de ensino. O artigo Structure of violence in Pakistani schools: a gender based analysis debate as formas de violências nas escolas do Paquistão a partir das questões de gênero. As reflexões propostas nos proporcionam pensar na relação entre educação e mundo social tendo como eixos a didática e a avaliação. Assim, educação, cidadania e exclusão ganham dimensão global para desenvolvermos pesquisas e inferências no âmbito escolar. Heteronormatividade e os modos curriculares de produção do gênero aborda o entendimento de que as identidades sexuais são marcadas pela cultura e, ao se apoiar nas perspectivas feministas e decoloniais, focaliza a possibilidade de reinvenção do sujeito. Contudo, reconhece que, independente das nossas trajetórias, intuímos por meio dos instrumentos que nos educaram, uma forma de ser, estar ou transitar nos marcadores político-sexuais “homem” e “mulher”. Assim, buscaremos questionar os currículos com vista a interrogá-los sobre os discursos que produzem modos de subjetivação e que nos ensinaram formas heteronormativas complementares e assimétricas de projeção das identidades sexuais.

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Literatura e as questões étnico-raciais é uma reflexão pautada na Lei 10.639/03 que tornou obrigatório no currículo oficial da rede de ensino a “história e cultura afro-brasileira”, em especial, nas áreas de literatura, história brasileira e educação artística. O trabalho que tem sido desenvolvido em Literatura, no Campus Realengo I consiste em  atividades que não se configuram, ainda, em um projeto delineado, são experimentações, a fim de desenvolver um   outro  olhar, ou seja, uma outra estética sobre a realidade. As autoras, nesse sentido, vislumbram um grande potencial da educação literária,  a favor de uma educação para as relações étnico-raciais. Exercitam e trabalham nossas mentes contra os discursos e práticas racistas. Seguem na contramão do que nos impõem a grande mídia, a cultura de massas. Compreendem Infância e Literatura, ligadas à forma de pensar, enxergar e expressar o mundo a partir do estético, do sensível, como sendo um dos caminhos possíveis para a potencialização de sentidos e significados que construam uma consciência que valorize a cultura afro-brasileira, sua ancestralidade e o seu conhecimento. Didática: Conhecimento e Escola - Perspectivas teórico-metodológicas moderna e pós-moderna: questões para a reflexão sobre a pesquisa em didática trata das questões teóricas-metodológicas da pesquisa educacional. Tais questões estão inseridas no debate sobre a Didática e o conhecimento, visualizando a reflexão sobre a pesquisa em didática. Seu objetivo é apresentar um panorama das perspectivas teórico-metodológicas, que acompanham o trabalho investigativo em educação, considerando as condições socioculturais modernas e pós-modernas. Sua organização compreende três momentos: [1] considerações iniciais sobre o significado do conhecimento, [2] apresentação geral de aspectos teórico-metodológicos na perspectiva do pensamento moderno que sustentam a atividade investigativa na área da educação e [3] introdução à análise dos aspectos teórico-metodológicos na perspectiva do pensamento pós-moderno, que têm orientado a pesquisa educacional. A composição desse e-book sinaliza para a diversidade de estudos que são realizados nas universidades brasileiras e no exterior, nos

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grupos de pesquisa que contribuem para a melhoria da qualidade da educação no país e, por fim, nas instituições educativas de forma geral. Cada texto sinalizou para as discussões que são pertinentes para a produção de conhecimentos inovadores voltados para os setores considerados cruciais das políticas públicas da edu­cação brasileira, que ainda carecem de olhares e constantes aprimoramentos. Assim, esperemos uma boa leitura e o convite à reflexão.

Rio de Janeiro, junho de 2016. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Paula Almeida de Castro Luís Paulo Cruz Borges Organizadores.

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Didactics and evaluation in different contexts: reflections on PISA assessment. Valentina Grion (Università di Padova - ITALY)

Introduzione La mia formazione e i temi che normalmente tratto in ambito accademico riguardano la didattica, e soprattutto la valutazione. Tuttavia, in questo contesto, intendo proporre una riflessione più ampia; una riflessione che riguarda il più ampio concetto di “educazione” e di come questa si realizza all’interno, e per mezzo, della formazione scolastica. Ritengo perciò importante proporre alcune considerazioni riguardanti le modalità attraverso le quali l’educazione possa realizzarsi nel modo migliore in ogni paese, sia esso ricco o povero, grande o piccolo, poiché ogni bambino, indipendentemente da dove è nato, dovrebbe poter godere dello stesso diritto di ricevere le risorse adeguate per usufruire delle opportunità che il 21° secolo può offrire. In conclusione di questa relazione ho voluto rendere “omaggio” ad un processo che considero uno dei motori più potenti di miglioramento delle pratiche scolastiche e presupposto per l’attivazione dei processi di avanzamento della qualità dei sistemi scolastici: la valutazione. Voglio premettere che, per proporre oggi tali riflessioni, ho fatto particolare riferimento a un rapporto di studio, titolato “The learning challenge: How to ensure that by 2020 every child learns” (Whelan, 2014), cui si devono buona parte dei dati e alcuni dei ragionamenti di seguito presentati.

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L’educazione come fattore indispensabile per lo sviluppo e il benessere dell’umanità Analizzando il passato e pensando al futuro, non possiamo che riconoscere l’educazione come uno dei fattori maggiormente importanti per lo sviluppo e il benessere dell’umanità. Essa dunque non è solo un diritto dei singoli, ma anche un dovere dei governi e una strategia su cui i decisori politici dovrebbero fare maggiormente leva per lo sviluppo dei paesi. L’educazione non risolve certo tutti i problemi del mondo, ma non si può tralasciare il fatto che i cambiamenti economici e il veloce sviluppo tecnologico del 21° secolo hanno reso l’educazione un fattore particolarmente importante, molto di più che in tempi precedenti, nelle società industriali e pre-industriali. Basti pensare che il livello medio relativo alle performance scolastiche di una popolazione, sembrerebbe rappresentare il fattore maggiormente determinante lo sviluppo economico a lungo termine di una nazione (Hanushek, & Woessmann, 2008, 2010). Inoltre, seppure con ampie differenze fra paese e paese, le persone che hanno un livello maggiore d’istruzione godono di minori rischi di disoccupazione e di migliori salari (Woessmann & Schütz, 2006). Ricerche empiriche hanno dimostrato, ad esempio, che in media in Europa, ogni anno in più di scolarizzazione permette a un individuo di ottenere risorse economiche dell’8% più consistenti di quelle che avrebbe avuto in assenza di quell’anno di scuola (de la Fuente, 2003). Negli Stati Uniti coloro che hanno una laurea guadagnano in media più del doppio di coloro che hanno un diploma. In Pakistan, ogni anno aggiuntivo di scuola condurrebbe ad un aumento dello stipendio del 7%. Ciò che è più importante è che queste differenze rappresentano un trend in continua crescita. Anche se l’educazione non fosse così importante per il benessere e lo sviluppo economico, sarebbe comunque fondamentale per altre ragioni: una migliore educazione sembrerebbe associata a più alti livelli di salute, a forme democratiche più forti, a situazioni di maggiore felicità individuale, a più profonda coesione sociale (Wessmann & Schütz, 2006).

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Tali consapevolezze hanno condotto tutti i paesi del mondo ad incentivare la scolarizzazione, tanto che oggi essa presenta tassi più alti che in qualsiasi altro momento storico. Questi risultati, riferiti ad una maggiore scolarizzazione dei bambini nel mondo, vanno considerati come un successo ottenuto attraverso l’eliminazione dei gap e delle ineguaglianze esistenti fra generi (maschi-femmine), fra residenti e non residenti (indigeni-immigrati), fra bambini provenienti dalle città e quelli dalle zone rurali ecc. (Center for Global Development, 2015).

Scolarizzazione e apprendimento nei paesi più poveri del mondo L’entusiasmo per il progressivo aumento della frequenza scolastica nel mondo, non deve distogliere l’attenzione sul fatto che ancora oggi 58 milioni di bambini, nella fascia d’età della scuola primaria, non vanno ancora a scuola (World Bank, 2015). Tuttavia ciò che risulta più grave è che, nonostante le alte percentuali di scolarizzazione, maggiori rispetto ad ogni altro periodo storico, i livelli medi di apprendimento raggiunto non sono ancora per niente soddisfacenti. Recenti studi sembrerebbero perciò rilevare che per migliorare l’educazione, in ambito educativo mondiale, sia necessario focalizzare l’attenzione non tanto o non solo sui dati quantitativi - numero di alunni frequentanti la scuola e anni di frequenza scolastica - quanto piuttosto sulle caratteristiche dell’apprendimento in termini di qualità delle acquisizioni e performance degli alunni. Dunque, la necessità parrebbe quella d’indagare la “quantità/qualità” di apprendimento che un paese è in grado di produrre e assicurare ai bambini (Hanushek, & Woessmann, 2010). In questo senso, sappiamo che dei 650 milioni di alunni che frequentano la scuola primaria nel mondo, solo un terzo raggiunge un buon livello di apprendimento alla fine di questo ciclo scolastico. Su 100 alunni, solo a 37 è offerta la possibilità di ottenere livelli adeguati negli apprendimenti di base. Focalizzando l’attenzione sul Brasile, sembra che la percentuale di bambini che alla fine della scuola primaria raggiunge buoni livelli

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d’apprendimento di base si aggira intorno al 40-50% del totale di alunni scolarizzati (OECD, Brazil, 2012b). A Hong Kong, Singapore, Giappone, Estonia, Irlanda e Corea del Sud, più del 90% degli alunni perviene a un buon livello di apprendimento di base. In 30 paesi nel mondo, l’apprendimento dei bambini della scuola di base non raggiunge nemmeno il 10% (OECD, 2012a)! La situazione è dunque chiara: a livello mondiale, a un numero ancora troppo basso di bambini viene offerta un’educazione adeguata ad accedere a tutte le opportunità offerte dal 21° secolo (Whelan, 2014).

I test PISA e la valutazione dell’efficacia della scuola Il programma di valutazione dell’OCSE, denominato PISA (Programme for International Student Assessment) è stato il primo strumento, di così vasta portata, finalizzato a valutare la qualità, e l’efficacia del sistema scolastico, in relazione alla sua capacità di fornire ai ragazzi determinate competenze (lettura, matematica, scienze e problem-solving) necessarie al di fuori dell’educazione formale. Il programma non mira a misurare capacità di “mera riproduzione”, da parte degli alunni, delle conoscenze acquisite, ma piuttosto va a valutare quanto essi siano in grado di estrapolare dai loro apprendimenti le risorse adeguate per risolvere situazioni problematiche all’interno di contesti più o meno familiari. Un approccio che riflette quanto avviene nel mondo extrascolastico: l’individuo è riconosciuto “capace” ed esperto non per ciò che sa, ma per ciò che sa fare con ciò che sa (Claxton, 2001; Klieme, Hartig, & Rauch, 2008; Le Boterf, 2000). Andando a individuare le caratteristiche dei sistemi educativi con alte performances, PISA mira a supportare i governi nell’identificare le politiche più efficaci per ottenere buoni risultati di apprendimento e una qualità scolastica di alto livello (Perry, & Ercikan, 2015). Tutti i 34 paesi OCSE e 31 stati partner hanno partecipato all’indagine 2012 (OECD, 2012a).

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Considerando in particolare le performances del Brasile, si rileva che il paese mostra risultati ben al di sotto della media OCSE; tuttavia va rilevato che dal 2003 al 2012, vi è stato un progressivo incremento dei risultati, tanto da dimostrarsi come il paese con l’incremento più alto nelle performance di matematica e con significativi miglioramenti anche in lettura e in scienze. Inoltre, tali miglioramenti si sono realizzati soprattutto nei ragazzi con più basse performance (low performers) (OECD, 2012b). Altri risultati positivi per il Brasile sono stati quelli relativi all’incremento della scolarizzazione non solo nelle scuole primarie, ma anche in quelle secondarie – dal 2003 ad oggi incremento di 13 punti percentuali nella scuola secondaria – e quelli riferiti al miglioramento del clima scolastico e dell’arruolamento e della ritenzione di insegnanti migliori. Quale aspetto negativo permane però la ripetenza che raggiunge livelli ancora molto alti. Come precedentemente accennato, la lettura “generale” dei risultati PISA permette ai governi di identificare i paesi con le più alte performances e di guardare alle caratteristiche degli stessi per orientare le politiche sulla scuola. Chiaramente i paesi con le più alte performances, confermate nei diversi anni, come nei casi della Finlandia e di Singapore, rappresentano esempi da cui si possono trarre lezioni significative in relazione al miglioramento dei sistemi formativi.

Paesi ricchi, paesi poveri: quali le lezioni apprese dai risultati PISA? Seppure i sistemi scolastici dei paesi con risultati di alto livello siano guardati da molti come modelli da seguire, essi non possono tuttavia rappresentare casi utilizzabili dai paesi in via di sviluppo. Le differenze di contesto nel quale le diverse scuole operano, ma soprattutto, le risorse che vengono impiegate nella scuola, e i tempi durante i quali avviene la scolarizzazione, determinano barriere assolutamente

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insuperabili nella diffusione del modello di successo dei paesi ricchi (Ercikan, Roth, & Asil, 2015). La divergenza più evidente fra i paesi del mondo nord-occidentale e quelli del mondo sud-orientale deriva soprattutto dall’enorme divario economico delle due differenti realtà. Quelli che sono oggi considerati i migliori sistemi scolastici del mondo spendono centinaia di migliaia di dollari per assicurare il percorso scolastico completo di ciascun allievo. Il 50% dei paesi del mondo, spende solo 3000 dollari e il 25% meno di 2000! Dunque: un modello che funziona bene in un paese che finanzia il percorso scolastico di un bambino con oltre 200.000 dollari, non può funzionare altrettanto bene in uno, la cui spesa per bambino è di appena 2.000 dollari (o, detto in altri termini, di circa 200 dollari all’anno). Per permettere, dunque, che la maggior parte dei bambini del mondo, anche quelli appartenenti ai paesi definiti “poveri”, giungano a buoni livelli di formazione, sembra necessario piuttosto prendere a modello le buone pratiche di quei sistemi che, pur facendo parte di paesi dai limitati finanziamenti alla scuola, riescono a ottenere risultati d’apprendimento soddisfacenti. E’ in tal senso che alcuni autori (Barber, 2013; Mourshed, Chijioke, Barber, 2010; Whelan, 2014) si sono mossi per individuare le caratteristiche di queste ultime situazioni e alla loro comparazione le une con le altre, per ottenere, da tale analisi, alcuni significativi “principi di pratica” comuni ai diversi contesti socio-geografici “poveri”. A tali principi, ritengo, possano fare riferimento quelle realtà poste in aree geografiche, dove le risorse per la scuola non sono delle più alte, come presumibilmente accade anche in certe zone del Brasile.

Scuole “povere”, risultati di alto livello: caratteristiche delle azioni didattiche There is no point enrolling children, ensuring teachers attend, and fixing school facilities unless the teachers have the tools and skills they need to teach so that the children learn (Barber, 2013, p.46).

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Come riferisce Whelam (2014), il sistema educativo BRAC1 in Bangladesh, Pakistan e Afghanistan, e il Gyan Shala2 in India rappresentano probabilmente i più significativi esempi di sistemi educativi che sono riusciti ad ottenere risultati “buoni” nei test PISA, pur operando in zone dove le risorse economiche assegnate alla scuola sono particolarmente basse. Altri casi quali School For Life in Ghana, i programmi Balsakhi e Naandi in India, e altri, hanno comunque dimostrato di saper promuovere buoni livelli di apprendimento dei ragazzi, valutati dal CfBT3, un’organizzazione di charity britannica che opera come organismo di ispezione esterna per lo sviluppo della qualità delle scuole, sia in Inghilterra che nel resto del mondo. Analizzando le caratteristiche di questi sistemi, alcuni autori (De Stefano, Moore, Balwanz & Hartwell, 2007; Kremer, Holla, 2009; McEwan, Murphy-Graham, Torres Irribarra, Aguilar, & Rápalo, 2014; Nath, Sylva & Grimes, 1999) sono giunti a definirne alcune comunanze, che sembrano rappresentare gli elementi significativi in relazione all’alta qualità dei livelli d’apprendimento raggiunti dagli alunni. Secondo Whelam (2009), in effetti, le scuole che ottengono buoni risultati sono quelle che persistono lungamente nella cura dei dettagli di alcuni aspetti del sistema formativo. Seguendo la sintesi proposta dallo stesso autore (2014), tali caratteristiche sono le seguenti. • Eccellenti materiali d’insegnamento. Come riferisce Lockheed (1993/2012), la qualità dei materiali scolastici, a cominciare dai libri di testo, ma anche altri sussidi, quali eserciziari e

1 BRAC è una delle più importanti organizzazioni non governative che mira a realizzare programmi di sviluppo nei paesi definiti “poveri”. Cfr. http://www.brac.net/ 2 Gyan Shala Develop è un’organizzazione a supporto dei sistemi educativi, che

mira ad assicurare un’educazione di base di alto livello ai bambini di paesi con poche risorse economiche per l’educazione. Cfr. http://gyanshala.org/ 3 CfBT è un organismo internazionale no-profit che svolge servizi di supporto alle scuole fra cui ispezioni scolastiche e attiità di guida ai processi di miglioramento. Cfr. https://www.cfbt.com/

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materiali di lavoro/gioco didattico, sembrano rappresentare una variabile fortemente determinante il miglioramento della qualità degli apprendimenti degli studenti. Tali sussidi, adeguatamente strutturati, rappresenterebbero, infatti, non solo mezzi di presentazione e trasferimento del curricolo agli studenti, ma anche valide guide di lavoro per i docenti, in funzione dell’erogazione di lezioni efficaci e coinvolgenti. In tal senso, dunque, i materiali didattici dovrebbero essere accuratamente predisposti e continuamente ridefiniti in riferimento allo specifico contesto locale. Se, infatti, in zone dove la presenza di insegnanti altamente qualificati, la rilevanza dei materiali d’insegnamento così strutturati potrebbe non costituire un valore aggiunto, in luoghi in cui la preparazione dei docenti non risulta sempre adeguata, l’uso di tali supporti didattici rappresenta un elemento irrinunciabile in relazione all’ottenimento di alti livelli d’apprendimento. • Attività intensive di guida e supporto continuo agli insegnanti. Vivendo e formandosi come professionisti in un contesto disagiato, anche gli insegnanti maggiormente preparati in quello specifico contesto, possono giungere a non possedere sufficienti competenze per svolgere adeguatamente i propri compiti. Per tale ragione, si è verificato come fondamentale, in questi particolari ambiti, prevedere frequenti e continue attività di formazione e supervisione dei docenti (Barber, 2013), dirette a preparare gli stessi a svolgere appropriatamente le attività didattiche e a realizzare pratiche convenienti alla specifica situazione locale. Innanzitutto, dunque, l’allocazione delle risorse economiche sui materiali d’insegnamento, e sulla formazione e supervisione degli insegnanti sembra dimostrarsi una strategia vincente per il miglioramento della formazione nei contesti con poche risorse. Come riferisce Barber (2013, p. 49) in un report sulla situazione di miglioramento della scuola pakistana:

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by April 2013, teachers will have revised and much improved textbooks aligned to lesson plans (which are being refined to match the new textbooks) and a monthly coaching session with a trained DTE (District Teacher Educators). This lays the foundation for the continuous improvement in teaching quality which has previously eluded not just Punjab, but many similar places across the world.

Vi sono, tuttavia, ulteriori elementi che sembrerebbero contribuire a determinare i buoni risultati d’apprendimento degli studenti di questi contesti. • Frequenza e impiego del tempo scolastico. Ricerche condotte in diversi paesi hanno dimostrato che la quantità di tempo dedicato all’impegno scolastico e le modalità con cui gli studenti vengono coinvolti nelle attività d’apprendimento a scuola sono fattori profondamente correlati con le acquisizioni scolastiche. La quantità di tempo scolastico sarebbe particolarmente importante soprattutto per i “low achievers”, ma, in generale, esisterebbe una diretta relazione causale fra quantità di tempo impiegato per attività scolastiche e apprendimenti ottenuti (Lockheed, 1993/2012; Whelan, 2014). I risultati migliori verrebbero raggiunti in quei contesti dove il tempo scuola: a) è massimamente prolungato nel corso dell’anno (massima lunghezza lungo l’arco dell’anno); è suddiviso in unità giornaliere svolte in tutti i giorni della settimana (massima frequenza su base settimanale); c) ha durata anche di poche ore al giorno, ma “intensamente” impiegate (more time on tasks). In relazione all’ottenimento di migliori risultati d’apprendimento, risultano inoltre importanti fattori quali: alti livelli di frequenza da parte degli studenti, bassi livelli di assenza da parte dei docenti, e alti livelli d’attività durante la giornata scolastica. • Uso della lingua madre nei primi anni scolastici. L’uso della lingua madre utilizzata dai bambini all’interno delle famiglie o

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dei villaggi di provenienza (vs lingua ufficiale del paese) nelle interazioni scolastiche, soprattutto nei primi anni di scolarizzazione, si rivela un processo di particolare significatività, per dare modo di acquisire le conoscenze di base, la cui appropriazione assicura una successiva positiva progressione lungo i successivi gradi d’istruzione4. Non si tratta, secondo Paran e Williams (2007), solo di un problema linguistico, ma anche socio-culturale. Permettere ai bambini di leggere, scrivere, comunicare nella propria lingua (usata in famiglia o a livello locale), significa proporre attività e concetti a loro familiari, maggiormente comprensibili e quindi “manipolabili”, rispetto a quelli veicolati in una lingua diversa (ad esempio la lingua nazionale). • Strutture o persone? Come spiega Smillie (2013) nel suo libro dedicato all’analisi dell’esperienza dell’organizzazione BRAC (Bangladesh Rural Advancement Committee) in Bangladesh, lo sviluppo e l’apprendimento non dipendono tanto dagli edifici e dalle caratteristiche delle strutture dove sviluppo e apprendimento avvengono, ma piuttosto discendono da quello che succede dentro agli edifici, e dalle modalità di essere e di agire delle persone che si trovano all’interno di questi stessi edifici. L’autore dimostra che, al di là degli aspetti strutturali e architettonici, e delle specificità locali, sono le persone, con il loro entusiasmo, la loro volontà, capacità di leadership e organizzazione a produrre i risultati educativi: persistenza, profondità d’impegno, capacità d’iniziativa, ottimismo, buon senso e valori sono variabili che determinano l’apprendimento molto più profondamente che le strutture in cui questi processi avvengono. • Accountability. Un sistema dove non vi sia un costante e frequente processo valutativo, mirato, da una parte a verificare

4 Cfr. ad esempio: School for Life Annual Report (2008); UNICEF (2012); Eisemon et al. (1993)

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per rendere conto dei risultati (ottenuti o non ottenuti), dall’altra a rilevare punti forti e punti deboli, per mettere in atto le successive azioni di riforma e progresso, rischia di “camminare nel buio” e fallire la propria missione.

La valutazione come strumento di empowerement “We have learned that democracy is not an event, it is an ongoing process. It is not just about casting votes and changing governments; it is about social justice, accountability and empowerment of the people” (Fakhruddin Ahmed, 2007).

Facendo particolare riferimento all’ultimo dei fattori considerati importanti per l’avanzamento dei livelli d’apprendimento degli alunni delle zone più povere del mondo, vorrei proporre un’ultima riflessione conclusiva riguardante proprio l’accountability e, in generale, la valutazione. Va rilevato infatti che le considerazioni qui presentate emergono soprattutto da una lettura critica e trasversale dei risultati di processi valutativi quali quelli OCSE PISA e altri messi in atto da organismi quali il CfBT. Ciò a dimostrazione di come tali processi possano costituire fattori determinanti nella comprensione dei fenomeni e nella conseguente elaborazione di percorsi a sostegno del miglioramento dei contesti e dei soggetti valutati, così come per lo sviluppo di teorie generali di empowerement. Considerazione, quest’ultima, che potrebbe sembrare scontata, se non fosse che nei sistemi scolastici, soprattutto in alcuni paesi - e cito l’Italia come contesto a me familiare - la valutazione di sistema, quale quella messa in atto ad esempio da OCSE PISA o INVALSI, viene spesso osteggiata e per niente o scarsamente considerata, in relazione ai processi di miglioramento del sistema scolastico. Sono invece profondamente convinta, come ricercatrice che da anni si occupa di valutazione scolastica, che i processi valutativi rappresentino qualcosa di indispensabile e irrinunciabile in relazione alla possibilità di progredire e migliorare: come singoli insegnanti, come

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struttura scolastica, come sistema. Al contrario, nella scuola e, in generale, nei sistemi formativi, una scarsa o distorta cultura valutativa, conduce a intendere questo processo esclusivamente come momento di accertamento e giudizio, spesso con conseguenze punitive. La tendenza dell’attuale ricerca sulla valutazione è invece quella di mettere in luce le potenzialità di quell’approccio che concepisce la valutazione come una dinamica attraverso cui non limitarsi a controllare, ma piuttosto a perseguire sviluppo, apprendimento, miglioramento. E’ in tal senso che oggi, in ambito di ricerca educativa, tanto successo riscuotono approcci come quello dell’Assessment for Learning (Brown, 2014; Sambell, McDowel, Montgomery, 2013) o del’ Intelligent Accountability (Cowie, Taylor & Croxford, 2007): la valutazione è per l’apprendimento e l’empowerement, e deve focalizzarsi e avere lo scopo di supportare l’apprendimento e produrre miglioramenti. E’ in quest’ultima funzione che i processi valutativi si dovrebbero ritenere indispensabili ai fini dell’avanzamento dell’apprendimento e d’innalzamento della qualità della scuola. E’ in tal senso che la valutazione dovrebbe essere considerata un “elemento interno” all’educazione e un fattore indispensabile per il suo continuo progresso.

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Educação, cidadania e exclusão: o aluno como agente de mudança na avaliação escolar Carmen Lúcia Guimarães de Mattos (UERJ) Valentina Grion (Universidade d Padova, IT) Paula Almeida de Castro (UEPB)

A prática de aprender a prática é a melhor maneira de aprender a pensar certo. (Paulo Freire)

A avaliação no Ensino Básico é um dos pontos nevrálgicos da educação no Brasil. Em muitos casos, em outros países com menos recursos que o Brasil e por processos diversos, minimizaram seus resultados negativos na qualidade da educacão e obtiveram melhores desempenhos. Tais resultados, aparecem tanto nas avaliações internas quanto externas. Nesta direção aumentam as apreensões entre professores, gestores, pesquisadores e políticos da área da Educação sobre o significado que se dá ao termo qualidade quando se trata da responsabilização de pessoas diretamente envolvidas no processo professores e alunos (ALAVARSE; BRAVO; MACHADO, 2013; OLIVEIRA, 2011; BONAMINO; FRANCO, 1999). Essa apreensão permeia os discursos das escolas a partir dos anos 1990 e se consolidam nos dias atuais como uma das principais inquietações das escolas na medida em que as atividades escolares e as vidas de alunos e professores tornam-se atreladas, aos processos avaliativos estranhos às suas práticas cotidianas. As mudanças expressivas no ingresso ao curso superior com a substituição/associação do Vestibular pelo/ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) assustam

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alunos oriundos das escolas públicas e assombram os alunos de escolas privadas, ou, ainda, o sistema de remunerações compensatórias prometida a professores e gestores com as elevações das notas dos alunos nos resultados de Provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), da Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e da Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil) dentre os diversos mecanismos políticos externos à vida escolar. Neste contexto, com o intuito de ouvir os protagonistas dos cenários da avaliação na Escola Básica no país e de se ampliar esse panorama incluindo atores de outros países, reeditou-se o IV Colóquio Internacional Educação Cidadania e Exclusão: Didática e Avaliação (IV CEDUCE) no âmbito da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É a partir de algumas discussões resultantes desse evento que se apresenta este artigo. Primeiro serão recapitulados aspectos que permeiam os processos de ensino e aprendizagem e que implicam diretamente na avaliação. A seguir serão sintetizados encaminhamentos resultantes dos trabalhos e discussões apresentadas durante o IV CEDUCE. Por último, serão delineadas tendências em avaliação na contemporaneidade oferecendo subsídios para mudanças possíveis no campo educacional.

Aspectos sociológicos, psicológicos e pedagógicos na avaliação Alertando para o fato de que os aspectos sociológicos, psicológicos e pedagógicos são indissociáveis, pressupõe-se que a avaliação se dá no âmbito da escola, de suas salas de aula e em interações entre professor-aluno, aluno-aluno, conteúdo-vida mediados pelos contextos didáticos. Na tentativa de orientar a discussão que se deu no âmbito do IV CEDUCE e ainda tendo como apoio as pesquisas do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU) que ouviram, descreveram e interpretaram as vozes dos alunos participantes numa postura etnográfica (MATTOS, 2015; MATTOS; CASTRO, 2010, 2011; GRION, 2014) passa-se a levantar algumas representações da escola que tem

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reflexo na contemporaneidade situando esses três aspectos como eixos centrais para os estudos do tema. Aspectos sociológicos Nos anos de 1970, os aspectos sociológicos mais destacados em pesquisas da área da Educação eram aqueles originários do questionamento sobre a origem familiar e social dos alunos. Assim, professores passaram a justificar os resultados escolares de seus alunos através das análises dos aspectos sociais, geográficos e familiares. Neste período surge a corrente sociológica associada à prática educacional que questionava tanto os fatores imanentes ao sujeito (aluno) como inteligência, raciocínio e memória que eram valorizados pela Escola Tradicional, além dos fatores comportamentais como: técnica, habilidades e adequação, valorizados pela Escola Tecnicista. Nos anos subsequentes, a sociologia passa a desempenhar um papel determinante nos estudos sobre os processos educativos. A teoria da reprodução (BOURDIEU; PASSERON, 1970), dentre muitas, dominaram o cenário de processos autoritários em avaliação. A teoria da reprodução, por ser crítica à memorização do conteúdo e a primazia do domínio de técnicas e habilidades que permeavam os processos de avaliação predominantes na Escola Tradicional, tem um valor inestimável para o desenvolvimento de uma pedagogia e uma avaliação mais centrada no contexto do que no sujeito. A grande contribuição das teorias sociológicas para os processos avaliativos é a revelação de que a natureza do indivíduo não é responsável sozinha pelo seu sucesso ou fracasso na escola. Os dados do Censo demográfico de 1980 apontavam que uma em cada três crianças não conseguia ingressar na escola (IBGE, 1983). Nas áreas rurais metade das crianças não frequentavam as escolas e no Nordeste do Brasil a situação era ainda mais aguçada. O problema vai além, pois grande parte daqueles que ingressavam na escola nunca conseguiam dela sair com aproveitamento e os índices de reprovação e repetência eram alarmantes. A maior crítica às teorias sociológicas

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foi que elas transferiram a culpabilidade pelo fracasso da natureza intelectual do aluno para o natureza social dele. Entretanto muitos estudos e pesquisas apontam que, na prática, os fatores sociológicos contribuíram para que na sala de aula, o aluno fosse percebido numa dimensão mais ampla, isto é, sem desvinculá-lo do contexto social em que vive, de sua realidade (MATTOS; CASTRO, 2005). No Brasil, destacamos os estudos sobre currículo publicados por Silva (1995, 2003), os inúmeros trabalhos influenciados por Giroux (1984, 1986) e Bourdieu (1986), assim como as reflexões sobre avaliação nos trabalhos de Luckesi (2005, 1990), Brandão (1982), que muito contribuem para as mudanças ocorridas na época. Aspectos psicológicos Mudando de contorno do social para o individual ao final dos anos de 1990, as pesquisas retomam a valorização dos aspectos psicológicos inerentes a avaliação. Nesta corrente, Piaget (1956) e Vygotsky (1993) foram os que mais contribuíram para os estudos da avaliação dos processos educacionais, em especial destacamos aspectos relacionados ao ensino da leitura e da escrita no início do processo de escolarização da criança. Podemos destacar que a epistemologia genética de Piaget (1956) e sua teoria de desenvolvimento passam a nortear as práticas pedagógicas de modo a questionar a adequação dos conteúdos curriculares às práticas de alfabetização, assim como os estudos a ele associados como os de Ferreiro e Teberoski (1986). Inciam-se nas escolas as práticas de relatórios individuais não somente elencando as notas dos resultados escolares dos alunos, mas ainda os comportamentos a elas associados como forma de mapear o rendimento de cada aluno. Os processos avaliativos que perpassam aspectos psicológicos como a construção coletiva entre professores e alunos, exige destes um questionamento diante o conhecimento a ser avaliado, isto é, do como se aprende. A maior contribuição neste sentido veio de Vygotsky (1994) com a teoria sobre a zona de desenvolvimento proximal, onde

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o professor passou a ser entendido como um agente mediador do conhecimento a ser assimilado pelo aluno, e o aluno passou a ser visto como um portador de saberes que, embora distante dos saberes do professor, se aproximaria do conhecimento deste face a interação em sala de aula. Quem melhor capta esta ideia embora não se refira ao autor é Paulo Freire (1989) quando faz uso da metáfora da ‘rua’ para falar sobre ensinar e aprender. Dizia ele que ensinar e aprender é como atravessar uma rua. O professor conhece a rua e leva o aluno a atravessá-la, ao atravessar a rua o aluno passa a conhecê-la, daí em diante não precisará mais do professor para fazer o percurso, pois a rua já será conhecida. Dos fatores psicológicos, podemos destacar ainda a importância dos estudos sobre cognição para a área de avaliação. Esses são responsáveis pelo melhor entendimento da natureza dos processos de aquisição do conhecimento, mas que por terem sido embrulhadas sob o rótulo de teorias, ficaram distantes do entendimento do professor. O que se vê na prática (PATTO, 1997; BRANDÃO, 1982; GATTI, 1977) é que os estudos sobre o fracasso escolar apontam para um retorno às causas psicológicas substituindo às sociológicas como justificativas para a situação de alunos e alunas multirepetentes e excluídos por um processo que ficou conhecido com a ideologia da profecia autorealizadora com ênfase na psicologização do fracasso escolar. A avaliação escolar continua a ser uma questão intrincada no domínio dos aspectos psicológicos, as contribuições de Patto (1991) são importantes marcos neste percurso, entretanto não conseguiu abalar até hoje os processos de psicologização nas avaliações e seus resultados que culminam com a medicalização dos alunos e alunas que persiste ainda com vigor na escola contemporânea (CASTRO, 2006). Aspectos pedagógicos Para analisar os aspectos pedagógicos que influenciam a avaliação dos processos de ensino-aprendizagem não se pode evitar a questão política que eles envolvem, como: educação pública de qualidade;

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maiores investimentos em prédios escolares; melhor formação para professor em cursos universitários, remuneração digna para profissionais da educação (professores, orientadores, diretores, pessoal de apoio); políticas curriculares sensíveis às práticas pedagógicas, medições mais justas quanto a qualidade do ensino. Além disso, vale destacar as diferentes forma de organização escolar (tempo integral, educacão infantil, programas compensatórios, escolas de aplicação, ranqueamento e seleção das turmas, ampliação do atendimento em mais anos escolares, dentre outros). Os diferentes contornos existentes nas escolas públicas pós-modernas e que são amplamente conhecidos. Neste sentido o caráter político-pedagógico da escola se fragiliza cada vez mais e quase que se destitui de sua função educativa, tornando-se cada vez mais burocrática e procedural. Ao deitar-se o olhar para a escola, vê-se que ela sofre: da falência, da burocracia em demasia, do descaso político, dos imperativos do poder exacerbado dos sistemas de governo, da falácia sobre teorias alimentadas pela banalização das práticas e pelo despreparo técnico de seus profissionais. O fator pedagógico que mais se evidencia como problema para a avaliação é a formação inadequada do professor que, com devidas considerações de culpabilidade, da academia que os forma, são os responsáveis efetivos pelo empreendimento educacional e cultural que constituem a profissão (CONNELL, at al., 1982). O professor, tenta sem êxito, entender os mecanismos governamentais e propostas teóricas impostas às escolas pelos sistemas de ensino, pelas leis, pelos parâmetros nacionais de currículo, pelas normas e regulações federais, estaduais, municipais e extra escolares como os conselhos de escola. Connell (2010), continua a investigar o significado de ser um bom professor junto a professores australianos e conclui apontando para as dificuldades que os mesmos tem na busca de entendimento sobre transposição das teorias pedagógicas para a prática de sala de aula. Nas teias burocráticas e procedurais da escola o professor se encontra diante de um aluno que não foi aquele descrito pelas teorias

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(FAGUNDES, 2013) e sim o seu vizinho, o estranho, o menino que pode a qualquer momento ser também o seu algoz, nas ruas violentas dos arredores das escolas brasileiras. Somente para falar sobre um dos nós mais bem atados nós dos aspectos pedagógicos se pode citar os sistemas de avaliações nacionais, estaduais e municipais que chegaram as escolas a partir dos anos 1980 e que a engessam (SÁ BARRETTO; ZÁKIA, 2005). O exacerbado poder central em busca por melhor desempenho das escolas nas estatísticas, utilizam a avaliação como moeda de troca com promessas de melhorias das condições de trabalho e de bônus sobre produtividade para professores e dirigentes e, ainda, da avalanche de bolsas de incentivo docente que maquia a remuneração com insumos que podem ser retirados sem aviso e sem compromisso político dos governos. Neste contexto uma das faces do pedagógico da avaliação está nos diferentes arranjos de sala de aula e dos alunos tanto, entre os diferentes anos escolares, quanto no interior deles. Os alunos em seus espaços/tempos são manipulados com as justificativas da adequação idade-série, ou da superação da assimetria das competências entre eles, em especial nas classes iniciais. Na resolução desses problemas e na solução de seus arranjos, os gestores e professores esbarram com a valorização dada pelo professor à avaliação meritocrática, assim como com a avaliação baseada na medição do desempenho desenvolvida por organismos externos à escola e na aquiescência do professor a essa manipulação na busca de facilitar seu trabalho com a ilusão de classes mais homogêneas. Tendências em avaliação na contemporaneidade. No sentido oposto, vemos que houve avanços nas políticas pedagógicas com a ampliação do acesso de quase totalidade das crianças às escolas no final dos anos 1990 e na adoção de teorias interacionistas, que muito contribuíram para a solução dos problemas educacionais relativos a avaliação. As salas de aula, neste contexto, passam a serem entendidas como um espaço de construção e a avaliação dos

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processos educacionais passa a ser encarada pelo professor como uma rotina, sem um momento especial, aliviando a tensão existente entre - processo e produto educacional, onde o aluno é resultado de um teste, uma prova ou outro instrumento avaliativo, dado num determinado momento da aprendizagem. Na contramão das teorias e de sua vivência pelos professores chegam com muita força as avaliações externas que se institucionalizam e passam a comandar as práticas pedagógicas. Dito que a realidade é opaca (GINZBURG, 1989) é preciso que seja revelada através de indícios e pistas imbricadas nos contextos de sua origem. Assim, ao se voltar o olhar para a avaliação dos processos educacionais e sobre as medições do aprender nos deparamos com seus acessórios mais visíveis como: exames; provas; trabalhos individuais e em grupo, exercícios a serem realizados em sala em casa valendo nota, além de muitos outros aparatos pedagógicos avaliativos que se passa em sala de aula e na escola. Entretanto, esses procedimentos tem uma característica comum que é contar como aferição da aprendizagem ou do aproveitamento do aluno. Em geral eles aferem apenas o conteúdo previsto para a série/ano escolar, ou dado em aula; e estão associados à clareza – se foi realizado como foi solicitado; limpeza – se a apresentação foi esmerada; objetividade – se foi conciso e objetivo, dentre inúmeros valores que se atribuem a cada tarefa e a todas elas. Esses aparatos pedagógicos servem ainda como motivação para que o aluno permaneça na tarefa de aula, ou motivado a caminhar nos conteúdos de acordo com as aulas dadas pelo professor, visto que de um modo geral os professores utilizam-os como forma de convencer os alunos a prestarem atenção nas aulas, ou a permanecerem quietos. Não raro, alunos e alunas são alertados que o conteúdo tratado vai cair na prova, portanto eles servem não somente como motivadores, mas como uma forma de intimidação ao aluno desatento. No tocante às provas, propagam-se de modo alarmante as diferentes formas de avaliações externas às atividades de sala de aula com as provas nacionais e internacionais que visam a medir a qualidade do ensino em determinados conteúdos que se pretendem universais.

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Assim, temos o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) que surge oficialmente com o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, por meio do Decreto n. 6.074, de 24 de abril de 2007 (BRASIL, 2007). O Ideb, sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), é um indicador de qualidade educacional que combina informações de desempenho em exames padronizados (Prova Brasil ou Saeb) – obtido pelos estudantes ao final das etapas de ensino (5ª e 9ª anos do ensino fundamental e 3ª ano do ensino médio) – com informações sobre rendimento escolar (taxa média de aprovação dos estudantes na etapa de ensino). No Art. 3, do Decreto n. 6.094, de 2007 é apresentada uma visão extremamente objetiva do potencial do Ideb como indicador da qualidade da escola: Art. 3. A qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no Ideb, calculado e divulgado periodicamente pelo Inep, com base nos dados sobre rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil) (BRASIL, 2007).

A avaliação é marcada pela reestruturação das formas usuais de arranjos da sala de aula e por alguns procedimentos como: ordenações e diferenciações da salas de aulas, avaliação da organização curricular através dos livros e de procedimentos burocráticos como diários de frequência de alunos e relatórios de aproveitamento; os processos e programas compensatórios que visam a reorganização das classes, superação da defasagem idade-série e dificuldades escolares como: Bloco Único; Ciclos de Aproveitamento; Classes de Progressão; Mais Educação; Amigos da Escola, Acelera, Correção de fluxo, dentre muitos que se tem visto no dia-a-dia da escola.

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Existe ainda um Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, um programa do MEC, que se configura como um compromisso assumido entre o governo federal, estadual e municipal que pretende alfabetizar todas as crianças até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental, instituído pela portaria nº 867 de 4 de julho de 2012 (BRASIL, 2012). Esses rearranjos da sala de aula se dão, de certa forma, na tentativa frustrada de que se formem classes homogêneas e assim adequarem os alunos a idade/série e ainda por rendimento dos alunos nas classes anteriormente cursadas, recurso este largamente utilizado nas politicas públicas, nacionais e internacionais, com maior destaque para as escolas dos Estados Unidos da América com a Lei intitulada ‘No Child Left Behind’ [Nenhuma criança deixada para trás]1, que tinha como uma das normas que todos os professores da rede estariam em uma determinada página de um determinado livro a cada dia. Portanto, engessava o processo de ensino não somente focando no livro e no conteúdo, como também, demolindo as teorias de desenvolvimento cognitivo da criança e a autonomia pedagógica dos professores. Este período entre 2002 e 2010 marca um dos maiores retrocessos dessas escolas nos últimos anos. No Brasil, o autoritarismo dos governos sobre as escola marca o movimentos liderado pelos pais e responsáveis pelos alunos que optaram por demonstrar publicamente a luta pela retenção de seus filhos nas escolas, depois da adoção da promoção automática determinada pelo dirigente do Sistema de Ensino (RIO DE JANEIRO, 2007). Contraditória, a decisão dos pais era clara de que se com a retenção escolar os alunos não estavam aprendendo nas escolas, sem retenção chegariam ao final da escola básica sem saberem sequer ler e escrever. O que, em muitos casos, ainda é verdadeiro. Embora se saiba que a repetência influência negativamente o progresso dos alunos (UNESCO, 2015).

1 Presidente George W. Bush assinou a Lei 107–110 de 8 de Janeiro de 2002 No Child Left Behind (NCLB) que foi reformulada pelo President Obama em 2010.

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Neste ponto a questão da relação entre a meritocracia e o desempenho acadêmico aparece neste texto como mais um viés pelo qual a avaliação e suas mazelas tem sido justificada. Em conclusão, citando o sociólogo e filósofo alemão Theodor Adorno (1995), na sociedade, que tudo administra, tudo controla, tudo planeja para a reprodutibilidade da lógica mercadológica resta ao pesquisador estudar essa lógica e dela depreender o que se quer na realidade com o que se tem feito com a escola. Ao discorrer sobre o ajuste do indivíduo Adorno disse: A educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porém ela seria igualmente questionável se ficasse nisto, produzindo nada além de well adjusted people, pessoas bem ajustadas, em consequência do que a situação existente se impõe precisamente no que tem de pior. Nestes termos, desde o início existe no conceito de educação para a consciência e para a racionalidade uma ambiguidade. Talvez não seja possível superá-la no existente, mas certamente não podemos nos desviar dela (ADORNO, 1995 p. 143-144).

Tendo em mente o valor dos processos adaptativos que à educação se impõe, a negação da subordinação às mudanças alheias a sua vontade que caracteriza a luta constante da humanidade e ainda o dever da consciência crítica de que deve se impor as mudanças na educação passamos a considerar os indicadores que orientaram esse momento de reflexão sobre as práticas avaliativas que vem se imponto como característica da escola neste início de século. Em síntese, na primeira parte deste artigo apontou-se a influência dos fatores sociológicos, psicológicos e pedagógicos numa abordagem histórico-conceitual. Como já anunciado, a seguir apresenta-se os resultados do IV Colóquio Internacional Educação Cidadania e Exclusão: Didática e Avaliação (IV CEDUCE) com destaque para o tema avaliação.

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Contribuições do IV CEDUCE A quarta edição do Colóquio Internacional Educação Cidadania e Exclusão: Didática e Avaliação, realizou-se nos dias 29 e 30 de junho de 2015 nas dependências da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, compareceram mais de 1600 participantes entre alunos de graduação e de pós-graduação, professores, pesquisadores e especialistas em Educação de todo o Brasil e do Exterior. Foram apresentadas 29 conferências e 9 minicursos, além de duas sessões especiais e 22 entrevistas com os especialistas que compareceram ao evento. No evento, 798 trabalhos resultantes de pesquisas foram aprovados, nestes predominaram os temas gerais contando com 466 trabalhos sobre Educação Cidadania e Exclusão e nos tema específicos contou-se com 166 trabalhos em avaliação e 105 em Didática. Portanto, 23% dos textos apresentados versavam sobre avaliação. Espera-se que, ao delinear os pontos que emergiram dos trabalhos, conferências e discussões floreçam encaminhamentos para pesquisas no campo da avaliação. Com um número expressivo de participantes o IV CEDUCE contou com a presença de pessoas oriundas de vários Estados do Brasil (Amazonas, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Acre, São Paulo, Minas Gerais, dentre outros), da América do Sul (Argentina, Bolívia, Peru, Colômbia, etc.) da África (Moçambique Angola, Guiné-Bissau, etc.) da Europa (Itália, Portugal, Espanha etc.) e também do Paquistão. Esta multiplicidade de pertencimento geográfico dos participantes foi de vital importância para certificar que o tema do evento teve um apelo intercultural na área da Educação. A escolha do temas centrais – Didática e Avaliação - demonstrou ter pertinência na medida em que empresta valor a preocupação geral com as avaliações externas de caráter nacional e internacional que tem produzido contrastantes entre países apelando para uma competição desleal em termos econômicos, culturais e acadêmicos.

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Esse amalgamo de pessoas demonstra ainda a apreensão com o imperativo mercadológico que envolve o ensino, visto que na interação socioeducacional não se pode desprezar a importância das tecnologia digitais que permeiam as escolas e os sistemas escolares, com especial destaque dado aos cursos a distância cujo alvo principal é a formação dos professores ao longo da vida num processo contínuo. Ilustra também a dimensão da globalização que afeta a Educação pela sua diversidade inter-multidisciplinar. Esses participantes originários de diferentes área do conhecimento que convergem para a Educação advertem para o fato de que existe uma visão dicotômica entre os conteúdos nas diferentes disciplinas ministradas pela escola ao mesmo tempo que uma apreensão quase que generalizada com a baixa qualidade do ensino. Portanto, da diversidade de participantes apreendeu-se que existe um interesse comum pelo tema do evento, em especial sobre avaliação e uma preocupação genuína com aspectos da realidade digital que permeia a escola assim como o compartilhamento de interesses entre os agentes de diferentes área do conhecimento com a Educação, em especial de iniciativa pública com a qualidade do ensino e suas formas de medida. Um segundo ponto que aparece nos textos do IV CEDUCE é a dificuldade expressa nos trabalhos sobre o que vem a ser avaliação institucional num paradigma meritocrático. Confunde-se a função das menções e bônus como forma de recompensa às escolas e aos professores com base em avaliações externas com as formas procedurais de medidas do aproveitamento escolar dentro do processo de escolarização. Por um lado entende-se que no paradigma meritocrático o aluno passa a ser cliente e não parceiro no processo de ensino e aprendizagem provocando a desconstrução de modelos de avaliação construtivistas e sobrepujando o modelo de recompensas por acerto e erro. Por outro, considera-se que a academia tem um papel fundamental que é o de esclarecer ao jovem professor como se opera os níveis formais e informais que confere valor nos diferentes processos avaliativos e suas fundamentações teórico-conceituais.

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Assim se faz premente que o compartilhamento entre pesquisadores, jovens e sêniores, na promoção de pesquisas com as escolas e não somente sobre elas, com os alunos e não sobre os alunos, com o professor e não sobre ele. De modo que na transposição das teorias para a prática pedagógica, a pesquisa possa servir de base efetiva para a produção do saber docente. Aqui se destacam as pesquisa que visam a melhoria das escolas e a questão da Didática na prática do professor. O terceiro item que se destaca nos textos é a necessidade de enfrentar as diversidades das minorias socioeducacionais como um desafio para todas as escolas, evitando assim que velhas formas de subordinação das minorias se perpetuem como novas formas de avaliação. Em especial, notou-se a preocupação genuína com as especificidades das populações rurais e indígena, assim como a necessidade de estudos sobre as escolas problemáticas e seus alunos desfavorecidos. Em seguida um grande número de trabalhos revelou a existência de imposições neoliberais de medidas avaliativas ao sistema educacional, com destaque para as avaliações externas e seus efeitos na organização da escola, assim como a preocupação com a alfabetização que é vista como um nó da escola básica. Neste ponto permanece o apelo dos estudiosos desta área sobre a importância de se enfatizar as contribuições de Paulo Freire para o processo de ensino aprendizagem e avaliação na escola. Cresce ainda a indicação das necessidades de se estabelecer uma relação efetiva entre a escola e o mundo do trabalho. Assim com a necessidade de reformulação do papel do livro didático na relação entre a escola e o conhecimento. Finalmente, neste sentido, é crescente o interesse para que em avaliação se considere tanto os aspectos formais quanto informais de construção do conhecimento pelo aluno. Em conclusão, os pontos que emergiram dos trabalhos apontam para uma apreensão com a banalização das violências da/na escola e entre alunos das escolas. Esse clima escolar é marcado pelo que foi descrito como o fim das certezas, os tempos de caos, as desconsiderações de valores que representavam a escola e o saber acadêmico. Temor

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de que as formulações e reformulações não mais se assentem em leis e princípios, mas sim em demandas econômicas e panfletárias sobre o que é Educação. Entretanto, em contradição a essa sensação de incerteza surge uma voz que se nutre das probabilidades e das certezas não construídas e que podem ser construídas a partir da Educação.

Avaliação: - caminhar para onde? Nos textos que se apresentaram no IV CEDUCE, nota-se uma tendência a valorização da avaliação significativa emancipatória que remonta a década de 1980 (SAUL, 1988), a qual se aproxima da noção de processos avaliativos em rede (MACHADO, 1998), se distanciando das noções lineares nas quais os processos avaliativos são unilaterais e dissociativos. De acordo com Machado (Idem), nos processos avaliativos através de redes de significados, praticamente não existem diferenças a serem percebidas quanto a produção do aluno, a observação a ser considerada é a intenção indiciária. A tarefa do educador é catalisar e interpretar os sinais, indícios, a parte manifesta do progresso do aluno. É importante considerar a dimensão ética que envolve o processo de avaliar e a discussão dialógica que envolve o procedimento avaliativo. Segundo o autor, avaliar é recolher a semeadura de valores fundamentais - emoções, criatividade, solidariedade, desempenho, honestidade. A perspectiva emancipatória se encontra nos trabalhos de Freire e Shor (1986), e de Saul (1988), que repetindo Adorno (1968), entendem que uma avaliação emancipatória só será possível quando o professor se desinfantilizar e se torna adulto no entendimento das questões sobre a natureza da aquisição do conhecimento. Dizem os autores supracitados que enquanto a imagem do professor estiver associada a castigos e punições, a dimensão avaliativa sempre estará impregnada destes aspectos. Nos é útil, ainda, as análises de Snyder (1988), sobre a alegria no processo de aprendizagem, e de Lipman (1990) sobre ensinar a pensar. Os autores associam a avaliação com uma prática auto-realizante,

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prazerosa, considerando fundamental o prazer em aprender e a auto -realização no aprender certo. No dia a dia da avaliação, se destaca a dimensão ética como norteadora das ações pedagógicas. O professor ou o aluno devem em conjunto, em redes significativas, se avaliarem de modo a saberem o quanto sabem ou quanto devem saber e como sabem que sabem, isto é, como chegam à aquisição do conhecimento sobre um determinado conteúdo a partir de seu uso e seu entendimento para a vida numa ação metacognitiva sobre o conhecimento (MATTOS, 2000). Hoje com uma rede de informações que não podemos medir, pois configuram-se em espaços virtuais de troca de saberes, é importante saber entender como acessar o conhecimento e como torná-lo significativo nos contextos sociais mediadores das nossas relações existenciais. Hoje é importante, ainda, nos divorciarmos dos aspectos que Foucault (1979) chama de dominação do eu que na avaliação se manifesta pelos exames. Esta técnica privilegiada da avaliação do processo ensino-aprendizagem na qual se expõe o indivíduo, despindo-o de sua identidade e do seu verdadeiro eu. Isto é, a exposição dos resultados de um exame ou prova substitui a força física como punição e elege o escrutínio, uma forma de exposição muito utilizada pela escola, onde notas de alunos são afixadas nas paredes ou quando se pede ao aluno que leia em voz alta. Estes são pequenos detalhes daquilo que entendemos como processos autoritários que se mascaram de democráticos para justificar a inabilidade de avaliadores exacerbando práticas levianas de avaliação do ensino-aprendizagem que circulam nas escolas. Neste ponto é bom lembrar o Freire (1988) que busca sempre falar com o outro como uma atitude menos autoritária, ele diz em uma de suas aulas; ...numa pedagogia progressista você nunca pode falar a, apenas, nunca pode falar com apenas, mas você tem que falando a falar com o educando. Enquanto que numa pedagogia tradicional, autoritária, a ênfase é falar a, é a falar de a, é falar sobre a, é falar sobre o conteúdo

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ao educando, que por sua vez, precisamente porque não fala com recebe a fala a ele com o educando (FREIRE, 1988, transcrição e ênfase nossa2).

Com esta fala Freire manifesta a possibilidade de numa pedagogia progressista, de forma a ouvir o aluno como forma de avaliação. Salientado que a avaliação pode ser também bancária quando se avalia a partir do professor e do conteúdo e não do que o aluno sabe. Entretanto, as formas de organização escolar transferem o movimento da avaliação da esfera de sala de aula para outras dimensões e para falar em alternativas em avaliação temos que primeiro tratar da dimensão organizativa do sistema escolar em alguns dos seus aspectos. Como nos lembra Grion (2014) para se operar uma mudança no entendimento do que é a avaliação escolar temos que passar DE uma aprendizagem passiva com uma visão comportamentalista PARA o posicionamento do aluno como um sujeito ativo que constrói o conhecimento em um contexto específico e a partir desse contexto. O que exige de avaliadores uma postura cognitivo-construtivista da aprendizagem, isto é, saber COMO os alunos sabem que sabem. Seguindo esse movimento, Grion (2015) propõe uma avaliação COM os alunos lembrando a importância de se ter um ponto de vista sociocultural da aprendizagem onde a avaliação se dá em construção e como parte de fazer as coisas COM os outros. Sintetiza a autora que nessa mudança de enquadre a avaliação DE-PARA-COM visa a uma participação de apoderamento realizador, especialmente em contextos socioeconômico e educacionais ‘complexos’ como os que se incluem muitas das escolas brasileiras. Por isso, é imperativo se conseguir um melhor alinhamento entre a avaliação o ensino e a aprendizagem. Corroborando com Grion (2014; 2015), James (2008) afirma que houveram três gerações de práticas de avaliação com destaque para determinados tipos de relações entre avaliação e aprendizagem. Grion

2 Transcrito de uma aula com Paulo Freire na pós-graduação em Psicologia Social da PUC/SP em 14/9/1988, às 13:30

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(2015), afirma para que as nossas práticas em avaliação sejam eficazes elas precisam ser congruentes com a nossa visão de aprendizagem. Na primeira geração, assumindo-se uma abordagem behaviorista de aprendizagem considera-se a resposta condicionada à estímulos externos e, em coerência com um tipo avaliação apropriada que é focada no teste de desempenho, individualmente realizado ao final de um curso ou unidade de aprendizagem. Aqui as respostas são avaliadas como certo/errado e as notas globais só indicam o que aluno tem feito bem, ou que ele deve tentar fazer melhor, sem qualquer outro estímulo e sem disponibilizar qualquer ajuda para que essas respostas melhorem. Na segunda geração, se insere a abordagem cognitivo-construtivista da aprendizagem. A aprendizagem é determinada pelo que se passa na cabeça das pessoas e por diferentes maneiras com que as pessoas fazem sentido do mundo através da construção de modelos mentais de como o mundo funciona. A tarefa de ensinar, de acordo com este ponto de vista, é de ajuda aos alunos novatos para que esses possam adquirir as formas de pensar apreendida pelos alunos mais experientes. Nomeadamente, aprender as formas que organização do conhecimento e como se dão seus próprios processos metacognitivos. Coerentemente, as práticas de avaliação nesta segunda geração focam na resolução de problemas e na compreensão, focam na performance e tendem a ser definidas como uma demonstração da capacidade de aplicar modelos conceituais para encontrar soluções para problemas. A melhoria na aprendizagem pode ser inferida a partir de mal -entendido ou falhas para encontrar soluções viáveis. Os processos de avaliação são formativos e está previsto o apoio aos alunos para que estes possam desenvolver novas habilidades cognitivas e assim fechar as lacunas existentes entre alunos novatos e mais experientes. No entanto, apesar de muitas diferenças entre a primeira geração e a segunda, esta última permanecerá focada na aquisição e processamento de conhecimento, em última instância, como algo adquirido pelo indivíduo.

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A terceira geração de práticas de avaliação trazem uma mudança mais radical, longe de ver a aprendizagem como a aquisição de conhecimento e de compreensão. A aprendizagem é vista como participação em práticas sociais. Um princípio fundamental da teoria sociocultural é que a aprendizagem envolve pensamentos e ações no contexto. Ela é particularmente influenciada pelas interações entre fenômenos. Além disso, a aprendizagem é uma atividade social e colaborativa entre pessoas com o objetivo de construir conhecimentos e desenvolver o pensamento juntos. Portanto, ela envolve a participação em um grupo/comunidade onde o que é aprendido é distribuído no interior desse grupo. O ensino torna-se a capacidade de criar ambientes em que as pessoas podem ser estimulada a pensar e agir em tarefas autênticas e colaborativas. Nesses contextos, a avaliação precisa ser alinhada à aprendizagem e deve ser situada, ou seja, realizada lado a lado ao ensino, e não como um evento depois do aprender. Além disso, a avaliação precisa ser realizada pela comunidade, em vez de por avaliadores externos, com um importante papel das práticas de pares e auto-avaliação. As práticas avaliativas situadas na resolução de problemas são as formas mais adequadas de avaliações, porque a aprendizagem é expressa na participação em atividades autênticas (do mundo real). Nesse sentido, a avaliação é uma forma de estimular a participação dos alunos em seus processos cognitivos metacognitivos e socioeducacionais, para apoiar a aprendizagem. A avaliação torna-se uma forma de aprender. Além disso os pares realizam a auto-avaliação do aluno de modo a melhorar e a consciência destes sobre a sua aprendizagem. Como afirmou Grion (2015, p. 14), a avaliação torna-se avaliação como aprendizagem.

Conclusão A sociedade em que vivemos é diversa, multicultural e complexa, porém, questões acerca da avaliação externa à escola ultrapassam os muros da escola e alcançam dimensões nacionais e internacionais. Esse foi um dos resultados do IV CEDUCE. Os participantes do evento não deixam dúvidas quanto a internacionalidade da preocupação com 50

os diferentes tipos de testes e provas que chegam a escola para aferir medidas comparativas muito mais do que para avaliar competências. Entretanto, teorias como o construtivismo permeiam as escolas do século XXI e deixam marcas que não se coadunam com a participação do aluno no processo ensino-aprendizagem, pelo menos na prática. O construtivismo nos conduziu a crença de que o aluno é livre em suas aprendizagens, mas a crença idealista de que esse aluno sabe, de que ele/ela tem luz própria, mas esse aluno é um ideal a ser alcançado. Acredita-se no esforço multidisciplinar, num trabalho pedagógico em conjunto – professores-alunos-escolas para se obter melhores resultados e ter um sentido, interligando a escola à sua realidade. Neste sentido as indicações de Grion (2015) sobre a participação de alunos no processo de sua avaliação sugere que como afirma Mattos (2015) eles estão prontos para participarem não somente das avaliações mas ainda como agentes de pesquisa. Sua participação genuína agrega sentido aos dados e amplia o entendimento quando da interpretação dos mesmos. No âmbito da sala de aula, os fatores associados que incidem positivamente nos resultados de aprendizagem são o atendimento e a pontualidade dos professores; a disponibilidade de material didático; o ambiente escolar profícuo e as boas práticas de ensino. Ao mesmo tempo, a análise das escolas permite afirmar que, em geral, os sistemas educacionais são pouco inclusivos em termos socioeconômicos, que a violência tem um impacto negativo no desempenho, e que os recursos das escolas e sua infraestrutura se associam positivamente com a aprendizagem (UNESCO-TERCE, 2015). Estes fatores aparecem entre as demandas dos participantes do IV CEDUCE como importantes para que se efetue as mudanças na avaliação modo que estas repercutam no aumento do rendimento dos alunos. Muito mais do que avaliações externas a escola precisa se olhar de dentro para fora e incluir sentido de realidade nela. Sentidos que, embora abstratos de início, com o auxílio de pesquisas, podem agregar valor ao seu interior.

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Neste texto, apresentam-se considerações sobre as dimensões sociológicas, psicológicas, pedagógicas da avaliação dos processos de ensino e aprendizagem, sob a ótica dos trabalhos apresentados no IV CEDUCE, com o intuito de ampliar as discussões sobre o tema e ainda de apontar indicadores para a pesquisa. O enfoque temático maior foi para o tema avaliação, neste sentido, elencou-se pontos levantados pelos participantes como importantes para a área. E em conclusão apresentou-se uma proposta de mudança para as práticas de avaliação. Mudança essa que implica em avaliar com os alunos e assim permitir a ele maior autonomia e reflexividade sobre seu processo de aprender.

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Saberes sobre a escola: a voz do aluno e a produção de conhecimento na pesquisa em educação Walcéa Barreto Alves (UFF) Carmen Lúcia Guimarães de Mattos (UERJ)

Introdução Este texto busca dialogar com professores e pesquisadores sobre a importância de ouvir o aluno como fonte primária de conhecimento sobre a escola, o ensino e a pesquisa. Assim, pensa-se nos alunos como agentes de produção de conhecimento, potencialmente transformadores da escola. O suporte teórico para as análises da voz do aluno tem como base os conceitos e teorias derivados dos estudos de Fine (2013) a respeito da pesquisa participativa, Cook-Sather (2013) e Grion (2013) sobre o potencial da voz do aluno como contribuição para promoção de mudanças na escola, Mattos (2011, 1992) sobre a abordagem “bottom-up” (de baixo para cima) e Alves (2003, 2012) sobre a reflexividade dos participantes na pesquisa etnográfica. Dentre as diversas etapas que envolvem o trabalho de pesquisa, em uma delas, realizada por Mattos e Castro (2010a), intitulada “Fracasso Escolar: Gênero e Pobreza” foram estudados 2.017 textos científicos nacionais sobre o fracasso escolar em escolas públicas brasileiras. Este estudo bibliográfico chamou a atenção das autoras para o grande número de textos que argumentavam que os seus dados expressavam as percepções e o entendimento dos alunos sobre o fracasso escolar. Mediante interesse destas pesquisadoras sobre como estes alunos foram ouvidos, selecionou-se 683 textos que utilizavam entrevistas como instrumentos. Os objetivos foram: verificar a presença ou não de alunos como informantes primários dos estudos

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realizados; compreender como essas pesquisas situavam os alunos; e verificar se eles foram ouvidos ou não. O resultado da pesquisa apontou que: dos 683 textos, somente dez (10) relatavam ter incluído em suas entrevistas a participação de alunos como sujeitos da pesquisa, assim como outros participantes: professores, pais e diretores de escola. Essas pesquisas, embora variando o modelo de entrevistas, fizeram uso, prioritariamente, de entrevistas que pudessem lançar luz sobre o fracasso escolar e a realidade de crianças e jovens que o viviam. Entretanto, na descrição sobre esse fracasso priorizaram as falas dos demais entrevistados e não dos alunos. Entre os dez (10) textos que incluíram os alunos como entrevistados, apenas um (1) utilizou entrevista aberta, isto é, que ofereciam liberdade para que os entrevistados respondessem o que pensavam, independentemente das perguntas pré-concebidas pelo entrevistador. Pode-se inferir sobre os 683 estudos analisados, que existe uma dificuldade, entre os pesquisadores, em lidar “com a fala do outro”, sobre o seu objeto de estudo. No caso dos estudos analisados, as vozes sobre o fracasso escolar. Ao mesmo tempo em que parece existir uma necessidade, entre esses mesmos pesquisadores, de controlarem “o que este outro fala”, a partir da tentativa de falar sobre este outro e, assim, comprovar suas próprias hipóteses sobre o que é o fracasso escolar na visão dos sujeitos de suas pesquisas, embora sem a participação dos mesmos nesses resultados. Esses estudos revelam a necessidade de pesquisas que deem relevância à voz do aluno enquanto agência humana no ato de dar sentido ao conhecimento acerca de sua realidade, especialmente na escola e na sala de aula. Revela, ainda, que essas pesquisas educacionais, embora os tenha descrito como sujeitos primários, não os reconhece como vozes legítimas e válidas, pois interpretam o que esses alunos falam sem, efetivamente, ouvir a sua voz enquanto produtores do conhecimento. A ausência das vozes de alunos nas pesquisas educacionais releva a importância de se explorar mais detalhadamente o que eles tem a nos dizer sobre si próprios e sobre as suas escolas.

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Entendemos que numa Pedagogia vivenciada na condição pósmoderna (PINAR, 2003), os alunos têm acesso a uma variedade infinita de informações e que o papel de professores, sabedores dos conteúdos validados culturalmente, é de auxiliá-los a fazerem sentido dessas informações, transformando-as em conhecimento e atribuindo significado à sua realidade com seus próprios conteúdos. Reconhecendo a ausência da voz do aluno em pesquisas educacionais (MATTOS; CASTRO, 2010b), pretende-se estudar o que dizem essas vozes, a partir do acervo de pesquisa do banco de dados do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEdu/UERJ). Esses dados envolvem coletas realizadas em escolas públicas com a participação e colaboração de alunos da educação básica e de graduação (bolsistas de iniciação científica da UERJ) considerados sujeitos primários e agentes ativos nessas pesquisas. Portanto, as bases empíricas que compõem as vinhetas etnográficas exploradas no texto advêm de pesquisas desenvolvidas ao longo dos últimos dez anos por este Núcleo.

Ouvindo a voz do aluno: contribuições teóricas O Projeto Ciência Pública (Public Science Project), atualmente desenvolvido por Michelle Fine, na Universidade da Cidade de Nova York (City University of New York – CUNY), nos Estados Unidos da América (EUA), tem como uma das atividades, a pesquisa que é realizada em aliança entre universidades, pesquisadores, estudantes de graduação, ativistas, jovens em desvantagem social e membros de diversas comunidades e instituições da cidade, procuradores públicos, advogados, entre outros. O modelo de pesquisa participativa adotado evidencia o engajamento político e acadêmico entre os membros da equipe. Existe uma prioridade em ouvir, de forma igualitária, as vozes de todos os participantes, em especial os marginalizados socialmente. Fine explica que o grupo criou uma “zona de contexto” (TORRES et. al., 2008), o que significa que pessoas de diversos segmentos sócio -educacionais se reúnem com os pesquisadores e, juntos, partilham conhecimentos e criam as questões da pesquisa, os instrumentos, as

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amostras, as análises e os produtos, tornando-se uma equipe e constituindo o que ela considera “campo de pesquisa”. Nesse contexto, todos os membros da equipe são treinados juntos sobre métodos de pesquisas, projetos e epistemologia. Todas as diferentes vozes são consideradas e as diferentes opiniões são colocadas no campo de compreensão e negociação. Para Fine (2013), a chave para que isso aconteça é acreditar na “ação de pesquisa crítica participativa”, de forma que as pessoas que viveram injustiças e que tem um entendimento íntimo sobre os caminhos pelos quais a injustiça opera, possam ter liberdade para relatar esses eventos. Fine (2013) explica que, nesse processo, o mais desafiador é convencer as pessoas com Doutorado de que os estudantes marginalizados, também têm conhecimento. O cultivo de diferentes opiniões, quase sempre, significa uma “queda de braço” sobre as divergências. Segundo a pesquisadora, se existem diferentes tipos de jovens na sala, normalmente, os “bons alunos” acham que devem ensinar aos “maus alunos”, quando, na verdade, ela está interessada, justamente, nos pontos de vista dos “maus alunos”: “eles sabem de coisas... eles são experientes... eles seguram um pedaço diferente da história” (Idem, s/p). Fine (2013) contrasta, ainda, o tipo de investigação conhecida como “pesquisa-ação” com a “pesquisa participativa” que delineia em seus projetos. Quatro princípios modelam esta última: a) as pessoas que viveram injustiças têm profundo, íntimo conhecimento sobre as estruturas, histórias, efeitos e consequências da injustiça. Portanto, dispõem de um ponto de vista importante para fazer sentido a respeito dela; b) essas pessoas também têm o direito de fazer pesquisa; c) na universidade, os pesquisadores têm a obrigação de projetar pesquisas que não contribuam para ampliar o quadro de violência em que essas pessoas vivem, como a “violência epistemológica” (TEO, 2010), isto é, empreender mais violência aos grupos sobre os quais se pesquisa; d) a pesquisa deve ter ação aderente a ela, seja através de uma organização política ou um movimento social que visem mudanças. Para Fine (2013), esses são os elementos críticos da “pesquisa participativa”, que é diferente da “pesquisa-ação”, pois a pesquisa

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participativa desafia especialistas a tomarem posições mais democráticas em todo o processo de fazer pesquisa, sem que se promova uma ação de pesquisa de forma unilateral, isto é, levar a um grupo vulnerável aquilo que achamos ser bom para ele. Fine comenta que para isso é preciso que pesquisadores se posicionem em favor da comunidade, pois ela também “possui os dados”. Assim, em colaboração, podem-se pensar os tipos de produtos mais apropriados para essa comunidade. Ela exemplifica que os seus projetos começam pela questão política sob o ponto de vista do marginalizado, porque as pessoas das comunidades estão interessadas no que a comunidade pensa sobre as questões que enfrentam no seu dia a dia (FINE, 2013). O trabalho de Fine e sua equipe servem como subsídio e aporte teórico para este trabalho na medida em que ela inclui como participantes primários da pesquisa pessoas que, na maioria das vezes, são esquecidas, e dá importância a voz do excluído de maneira a legitimar os resultados da pesquisa. Esta é uma postura crítica frente a realidade do excluído. Alison Cook-Sather também contribui teoricamente com este trabalho. Ela explica a partir do projeto de pesquisa “Ensinando e aprendendo juntos” (Teaching and Learning Together), desenvolvido na cidade da Filadélfia, EUA, que no “esforço de posicionar os alunos como sujeitos ou protagonistas” das interpretações de suas próprias vivências e experiências, a pesquisa qualitativa coloca em primeiro plano a voz e a experiência do estudante (COOK-SATHER, 2013, s/p). Especificamente, a pesquisa posiciona os alunos como informantes, redefine seu papel, "ouvindo-os", e muda o quadro de referência, alterando assim a apresentação. Cook-Sather (2002) explica que a voz dos alunos é orientadora dos resultados e que os objetivos políticos e pedagógicos precisam preponderar na pesquisa. Para que isso aconteça, esses objetivos devem: 1) desafiar o modelo tradicional de ensino segundo o qual teóricos e pesquisadores geram conhecimentos e os passam para os professores. Estes, por sua vez, são pressionados a implementá-los como um novo

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conhecimento, posicionando os alunos como receptores passivos desta transferência; 2) alterar a dinâmica de poder na relação professor/ aluno: preparar professores comprometidos a agirem sobre as perspectivas dos alunos; e, 3) promover a consciência crítica no aluno sobre as suas experiências e oportunidades educacionais, de modo que este adquira mais confiança em expressar o que precisa como aprendiz. Este trabalho também se pauta nas pesquisas de Valentina Grion, que estuda questões como – o que é uma boa escola a partir do ponto de vista do aluno? Suas colocações partem do pressuposto de que “os alunos têm ideias muito positivas e realistas a respeito de sua escola e de como ela pode ser melhorada” (GRION, 2013, s/p). Ela explica que os alunos querem realmente mudar a escola e isso não pode ocorrer sem que a participação democrática na escola seja levada mais a sério. Para a autora é necessário empreender ações onde “os alunos possam atuar como copartícipes nos processos de mudança” (GRION, 2013, s/p), garantindo que espaços de discussão sejam legítimos e valorizados e onde alunos e alunas possam falar. Faz-se necessário, portanto, que “reajustemos os nossos ouvidos para que possamos ouvir o que eles dizem e, assim, redirecionarmos nossas ações em resposta ao que ouvimos” (GRION, 2013, s/p). Na esteira de Cook-Sather, Grion assenta que "os alunos têm uma perspectiva única sobre o que acontece na escola e nas salas de aula” (COOK-SATHER 2009, p. 5) e que, por isso, podem e devem ser considerados pela política nacional de avaliação escolar. A partir da explanação acima, torna-se evidente a relevância e necessidade de se ouvir a voz do aluno na realização de pesquisas que buscam compreender a escola com seus sujeitos e pretendem contribuir para sua transformação. Alves (2012) aponta a necessidade de se iniciar o planejamento das ações pedagógicas e educacionais sob uma perspectiva “bottom-up” (MATTOS, 1992) levando-se em consideração as demandas que emanam da base (o aluno) para o topo (gestores educacionais). A partir deste prisma, considera a viabilidade de uma aplicabilidade significativa das ações educativas, tomando como ponto relevante na construção conjunta a voz de alunos e alunas em suas compreensões sobre a escola em seus papéis social e educativo.

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O que acontece quando a voz do aluno é ouvida na escola? Nas pesquisas realizadas pelo NetEdu, lidou-se com temas que não são usualmente motivadores para os professores, como: violência na/ da escola; interações e discriminação de gênero; percepção dos alunos sobre a escola, sobre o fracasso escolar; a situação de pobreza associada ao desempenho do aluno; dentre outros. Pesquisou-se, ainda, como os alunos se percebem na realização de tarefas escolares, os processos de avaliação da aprendizagem; como se dá a relação “professor-aluno” no contexto das classes de programas compensatórios (como classes de repetentes, progressão, aceleração, dentre outros). Revisitando os dados do Núcleo supracitado, mostra-se aqui alguns eventos nos quais alunos e alunas se revelam conhecedores de suas próprias ações, limites e possiblidades no interior da escola e da sala de aula, constituindo-se atores críticos do seu papel social como educandos (MATTOS; CASTRO, 2010b). Em pesquisa realizada em uma escola localizada na Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, em 2010, um dos procedimentos de coleta de dados utilizado foi a realização de entrevistas feitas por alunos e alunas do 1º ano do Ensino Médio com seus colegas do 6º ano do Ensino Fundamental. Os pesquisadores treinaram os estudantes como entrevistadores para que as entrevistas se desenvolvessem de modo que permitisse a liberdade de resposta dos entrevistados. Os temas propostos pelos pesquisadores foram: ordenações de gênero e situação de pobreza como indicadores do fracasso escolar. Entretanto, por proposta dos alunos do Ensino Médio, foi acrescentado o tema violência. De acordo com eles e com seus professores, a escola é situada num bairro muito violento, envolvendo crimes, roubos e guerra do tráfico de drogas que refletem de modo negativo no ambiente escolar, levando os estudantes a situações de desespero e vulnerabilidade. O resultado dessas entrevistas e das observações de campo identificam instâncias de reflexividade crítica dos entrevistadores e

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entrevistados sobre os temas perguntados. Neste texto, serão apresentadas somente as análises do tema da violência, por este ter sido de escolha dos alunos. Serão apresentados dois eventos, em forma de vinheta etnográfica, contendo: sua contextualização, as inferências dos alunos; interpretação das falas e seus fundamentos teóricos. Para a produção deste artigo, foram separados dois eventos que refletem a produção de saberes e conhecimento na pesquisa educacional mediante a voz do aluno, que possibilita ao pesquisador aprender e apreender as significações que compõem o contexto de vivência desses sujeitos, demarcando territorialidades, sociabilidades e subjetividades. Evento 1: Aprendendo sobre violência

Renato – Alguém já tentou violência contra você? Maria – Já, teve uma vez que eu quase fui estuprada. Só que eu falei com o meu pai, o meu pai veio resolver. Renato – Você já presenciou algum caso de violência em sua família? Maria – Já, eu odeio o meu tio! Cara, assim! O meu sonho sempre foi matar ele [...] eu odeio ele! Ele metia a porrada na minha mãe [...] eu sempre defendi a minha mãe[...] eu já puxei a faca pra ele, quase que eu meti a faca nele! Renato – O que você acha desses atos de violência? Maria – É muita coisa!!! O meu pai era assim, o meu pai começou com faca, enfiava a faca nos outros, depois o meu pai começou a levar armas pra casa. Aí um dia eu cheguei pro meu pai e pedi uma arma pra ele de presente de aniversário... Maria, menina de 9 anos com a estatura de 7 devido a uma doença rara que limita seu crescimento físico é consciente da violência em que vive e visualiza como saída a própria violência. Renato, seu colega entrevistador, alarmado com a forma como ela falou do “quase estupro”, mudou imediatamente de assunto após a resposta

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de Maria. Ele declarou ter ficado “sem palavras” diante do sofrimento da menina, embora já soubesse do caso, pois Maria havia sido afastada dos pais e vivia com a avó por ter sido vítima de violência doméstica. Renato declarou que não fazia ideia de que a pesquisa levasse os alunos a falarem tão abertamente sobre as suas vidas, e que ele se sentiu útil ao “ouvir” os colegas. Lembrou que na comunidade onde reside não existe preocupação das autoridades em oferecer suporte social e psicológico para as vítimas de violência. Junto à equipe de pesquisa, ele argumentou que a violência vivida pelos alunos desta escola criou um círculo vicioso que impede as pessoas de viverem em liberdade e que a escola é um lugar onde se sentem livres, embora esta reproduza, na forma de agir, a lógica de violência das famílias e da sociedade que a circunda. O sentimento de liberdade relatado por Renato reflete o potencial existente nas relações escolares, um sentimento de pertencimento, de compartilhamento de valores que podem auxiliá-los a reverter o quadro de violência em que vivem. Nesse contexto, a escola se assemelha a um laboratório onde os alunos experimentam a violência brincando e desafiando uns aos outros. Este evento, da forma como foi significado pelo próprio aluno-pesquisador, denota a importância de se ouvir a voz do aluno e como este sente a necessidade de expor a sua realidade numa solicitação e consequente permissão de ser ouvido e visto. A maneira como a aluna entrevistada falou sobre a sua realidade não seria assim colocada se não lhe houvesse sido dada esta possibilidade, mediante a realização da entrevista. O fato de uma aluna ser ouvida, em ambiente de pesquisa, por outro aluno, também aponta um referencial importante para compreendermos esses atores enquanto potenciais agências de transformação da escola e da sua própria realidade: a entrevistada, por ter tido a oportunidade de compartilhar algo que lhe era extremamente significativo e marcante; o entrevistador, por se deparar com as possibilidades que a pesquisa traz a partir do momento em que ouve o outro.

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Evento 2: Escola como laboratório da violência

Renato –Você já viu alguma briga na escola? Pedro – Já(risos). Renato – Por que esse sorriso, aí (risos)? Pedro – Pô, lá na sala tem um monte, cara. Renato – Por que motivo? Pedro – Pô, porque começa assim, eles brincam depois levam tudo a sério. Pesquisadora – Mas tem umas brincadeiras assim na sala de aula? Alunas entrevistadas [em grupo] – TEM! Pesquisadora – Mas como é ? [pergunta ao grupo de alunas] Carol – Eles ficam brincando de soquinho... essas coisas. Mas também quando um se machuca o outro já quer machucar também, aí começa a briga. Pedro – A mesma coisa, tudo a mesma coisa... só na hora da saída que não... na hora da saída que tem alguns que fica... tipo assim, calmo! É engraçado que eles ficam levados só na hora na escola... Parece que eles sofrem uma transformação quando pisam do portão para fora. Lá dentro é diferente! Parece que do portão pra fora eles se transformam, é um negócio esquisito. Como vemos na asserção acima, os alunos usam e escola para experimentar formas de se libertar da violência que vivenciam fora dela, transformando o ambiente escolar em um caos, onde eles próprios, os professores e o pessoal da escola – gestores, professores e funcionários, não compreendem o que acontece. As brincadeiras são transformadas em lutas corporais e modificam o clima escolar, limitando as possibilidades de aprendizagem e de convivência pacífica. Alunos e escola, como um todo, se opõem em seus propósitos básicos. A escola, além de ensinar os conteúdos acadêmicos, ensina também a viver, a se defenderem da vida lá fora. O entendimento que os alunos têm sobre o papel da escola e dos professores também se altera, assim como as práticas relacionadas à violência da/na escola. Ao

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serem perguntados sobre como os professores reagem às brincadeiras que envolvem violência na escola, os alunos explicam que a violência física é a única que pode ser considerada violência pela escola, as outras não contam. A visão sobre este tipo de violência a partir da perspectiva do próprio aluno ganha outras cores e versões se vistas pela escola sob este aspecto. Se o olhar e o ouvir da pesquisa não estiverem atentos ao que a voz do aluno traz, significando os fatos ocorridos no cotidiano escolar, a violência entre os alunos não passa de uma concepção estratificada de “bagunça”, “desrespeito” e “atos de marginalização”. A apresentação da concepção trazida pelos próprios alunos e a interpretação dos dados pelo processo da pesquisa que tem como prerrogativa ouvir a voz destes atores, permite à escola uma visão diferenciada, possibilitando ações de transformação na forma de lidar com os aspectos de violência no cotidiano da sala de aula e do próprio contexto educacional como um todo.

Considerações finais Quanto mais se realizam pesquisas que têm como pressuposto teórico-metodológico ouvir a voz dos alunos e alunas, mais se tem consciência de que é necessário ouvi-los ainda mais. Sucessivamente a esta consciência, urge a necessidade de se compreender a realidade da própria escola a partir da voz daqueles que são a base da pirâmide educacional, para quem, para onde e de onde devem ser impulsionados o planejamento e as ações educacionais a fim de se promover igualdade e justiça social. Michelle Fine (2013) descreve em seu trabalho que as pessoas marginalizadas tem sido tratadas de modo desatento às suas demandas pelas pesquisas educacionais que, com isso, estas podem estar promovendo a “violência epistemológica” além da violência constante que esses sujeitos estão inseridos em seu dia a dia. Isto é, os pesquisadores podem estar reproduzindo as relações de violência em suas próprias relações de trabalho. Uma das formas de evitar que

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isso aconteça é delinear pesquisas que sejam originárias daqueles que estão à margem da sociedade, incluindo questões que permeiem diferentes posições, de pessoas de diferentes segmentos sócio-educacionais, e não somente originárias de demandas acadêmicas. Além disso, faz-se necessário que as pessoas pesquisadas sejam incluídas em todo o processo da pesquisa, desde do projeto até o produto fina que, dessa forma, refletirá o pensamento de todos e não apenas do acadêmico responsável. Cook-Sater; Grion (2013), em adição à perspectiva de Fine (2013), acreditam que ouvir o aluno pode impulsionar mudanças na escola. A abordagem das autoras é desafiadora, mas faz sentido, quando associamos as experiências de Alves (2012) em relação à reflexividade do aluno pesquisador sobre a sua própria realidade e a abordagem “bottom-up” proposta por Mattos (1992). Afirmamos, portanto, que, delineando pesquisas que incluam os sujeitos como participantes ativos do processo, incentivando a reflexividade dos mesmos e dos próprios pesquisadores no ato de fazer pesquisa, pode-se constituir uma chave para informar mudanças na escola. As vinhetas etnográficas apresentadas sobre a violência, demonstram que os alunos/pesquisadores e alunos/pesquisados são capazes de pensar sobre as situações vividas no cotidiano da escola de uma perspectiva inédita. Suas vozes expressam preocupação com eles mesmos, com os outros alunos, com os professores, com as práticas de sala de aula, com as interações entre eles e o pessoal da escola, enfim, com a escola como um todo. Nuances dessas expressões, na maioria das vezes, não são percebidas pelos pesquisadores e pelo pessoal da escola. Nos pesquisadores provoca uma visão equivocada desses processos interativos e dessas atividades. No pessoal da escola, provoca a percepção de que os alunos são bagunceiros e não querem fazer as tarefas propostas e ainda que sentem prazer em perturbar o ambiente escolar. Entretanto, em recente reunião entre professores, gestores e profissionais da Secretaria de Educação onde ocorreram muitas das pesquisas realizadas pelo NetEdu, os professores se mobilizaram enfrentado os representantes da Secretaria no sentido de promoverem

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mudanças no currículo e na avaliação, predominante normatizada e de caráter nacional. A mobilização foi no sentido de que as mudanças incluam as vozes dos alunos e dos professores. Os caminhos a trilhar a partir dessa perspectiva e preocupações são inerentes a confrontações e delimitações e partem da própria dialética do campo de pesquisa e da educação. No entanto, as possibilidades a serem criadas a partir da voz dos alunos permite compreender que é possível articular mecanismos de transformação da realidade educacional atual, onde o ensinar não se restrinja a uma mera transferência de conhecimentos, mas que seja lugar de vida, de produção de conhecimento e de vicissitudes que propulsionem novas formas de interpretar, ver e ouvir a realidade a partir do outro. Em particular, invertendo-se as relações hierárquicas de poder e flexibilizando a assimetria existentes entre elas.

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A escola e a avaliação: perspectivas da aprendizagem colaborativa Beatriz Calazans Dounis (Universidade da Madeira/SEEDF)

Introdução O caráter reprodutivo e reprodutor da escola não está somente naquilo que ela ensina, mas principalmente na forma de organização e nas relações que estabelece com aqueles que estão inseridos nela. Althusser, afirma que “O aparelho ideológico do Estado que assumiu a posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classe política e ideológica contra o antigo aparelho ideológico do Estado dominante, é o aparelho ideológico escolar” (1985, p.77) A forma de funcionamento da escola é ideológica, constituindose em uma máquina de sujeição mesmo quando utilizada por sujeitos que possuem valores divergentes daqueles que foram historicamente dominadores. A estrutura da escola permite a reprodução de hierarquizações e diferenças sociais que ainda interferem na construção de uma sociedade mais igualitária. A escola muitas vezes reproduz as relações excludentes presentes na sociedade, impedindo possibilidades de assumir a sua posição libertadora. É preciso que as práticas escolares e as relações sociais nas diferentes instâncias do processo educativo assumam novos direcionamentos. As políticos públicas implementadas visam possibilitar o acesso a escolarização para todos. Mas não basta que os estudantes entrem na escola, é necessário estabelecer mecanismos que provoquem uma escolarização efetiva, e não a manutenção de estudantes nas salas de aula que vivenciem processos de ensino que não conseguem atingi-los. 73

O exercício do direito a educação, transformado em obrigatório por muitos estados nacionais, requer condições materiais como: o acesso a uma vaga que compete ao Estado garantir; a possibilidade de permanecer na escola sem que obstáculos provenientes das condições sociais ou das práticas escolares levem a exclusão ou a evasão escolar (Jacomini, 2010)

A avaliação em uma perspectiva tradicional Para consolidar as práticas escolares de forma que seja garantida a permanência efetiva do aluno no processo de escolarização, a avaliação precisa ser coerente com os demais elementos constantes do processo de ensino e aprendizagem constantes do universo vivenciado pelos estudantes. É necessário que a avaliação esteja a serviço da aprendizagem. A avaliação não pode ser considerada como um elemento isolado do processo de aprendizagem, ancorada em princípios que estabelecem padrões iguais para todos os envolvidos. Avaliação e aprendizagem são partes integrantes de um processo indissociável, devendo a avaliação ser, portanto, coerente com o que é proposto durante as aulas. A avaliação tem como função essencial a promoção de percepções a respeito de como a aprendizagem ocorre e como os níveis de comunicação e entendimento entre professores e alunos tem se desenvolvido. Novas avaliações pressupõe também novas práticas diárias, que ultrapassem a simples recepção de conteúdos apresentados. Ao promovermos novas maneiras de aprender, há um esforço para possibilitarmos uma forma significativa de aprendizagem, então, necessariamente, devem-se buscar novas ideias, formas originais, caminhos de ensinar diferentes e inovadores. Assim como no momento do ensino, é preciso buscar formas ousadas e inéditas de avaliar que estejam em consonância com as ideias utilizadas em sala de aula, e que alcancem os pressupostos da atividade de aprender. Como os processos são associados, a consonância entre os mesmos precisa existir.

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A maneira como o sujeito aprende é mais importante que aquilo que aprende, porque facilita a aprendizagem e capacita o sujeito para continuar aprendendo permanentemente. As provas tradicionais não ajudam na compreensão deste processo de aprendizagem, pois somente medem quantitativos de informações adquiridas. A mentalidade usual referente a processos avaliativos ainda insiste em garantir uma mensuração individual do estudante, embora a escola mantenha um discurso frágil a respeito da interação. Para construir práticas avaliativas que sejam condizentes com as propostas de uma aprendizagem significativa, é preciso conhecer e reconhecer o contexto e a cultura escolar. A avaliação é permanentemente sentida como um processo presente em todos os aspectos da vida escolar. Tudo parece viver na escola sob a pressão constante da avaliação, principalmente a avaliação do aluno pelo professor. Esta visão reproduz o caráter de uma sociedade credencialista e meritocrática, servindo para distribuir socialmente o conhecimento. A escola inventa atividades consideradas capazes de provocar aprendizagens, segundo aponta Perrenoud (1995,p.21). A questão avaliativa, presente diariamente no cotidiano da sala de aula tem também como função, além de classificar e excluir, justificar a presença do aluno na escola, mantendo um mecanismo em constante funcionamento, com os estudantes realizando aquilo que já foi previamente estabelecido para os mesmos. “Fazer um bom trabalho na escola é fazer um trabalho não remunerado, largamente imposto, fragmentado, repetitivo e constantemente vigiado” ( PERRENOUD, 1995, p.71). As atividades realizadas na escola possuem esse caráter de obrigatoriedade, individualidade e repetitividade. As características do trabalho escolar desconsideram os principais aspectos que envolvem a vida dos alunos, seus anseios, suas semelhanças e diferenças e as maneiras pelas quais eles aprendem, os mecanismos utilizados pelos mesmos para adquirir o conhecimento formal ofertado pela escola. 75

O ritmo e o desenrolar das atividades escolares propostas são diferentes dentro de uma turma. Cada aluno, dono de um universo particular, com suas próprias experiências vai vivenciando a sua atuação, mesmo obedecendo a regras que, teoricamente, são iguais para todos. Há, na escola, uma atmosfera de vigilância, controle e determinações que visam manter a organização, mesmo que aparente, de um ambiente que pertence a indivíduos que não são peças mecânicas, mas pessoas.

A aprendizagem colaborativa e a avaliação colaborativa: No cotidiano da sala de aula, muitas vezes percebemos um escape por parte dos alunos, que tentam conversar entre si, embora isto seja constantemente proibido pelos educadores. Os alunos dialogam, desviando-se dos assuntos abordados durante a aula, ou ressaltando os aspectos desses assuntos que realmente vieram a lhes chamar a atenção de alguma maneira. Estas situações que fogem ao domínio clássico do professor, demonstram quais as verdadeiras reações que acontecem no ambiente da sala de aula, e que definem muitos aspectos do processo de ensino e aprendizagem e os papeis que estão sendo ocupados por professores, alunos e pelas atividades pedagógicas. Os alunos interagem com seus pares em diversas atividades que muitas vezes são ignoradas pelos padrões oficiais das propostas avaliativas.O aluno pode realizar um trabalho em grupo, mas não pode trocar ideias com seu colega de classe no caso de uma avaliação individual, pelo menos não oficialmente. Há uma suposição de que aquele “que não sabe” copia a resposta daqueles “que sabem”. Existem muitas argumentações em torno da democratização do ensino, mas não existem práticas democratizantes dentro das salas de aula que reconheçam os estudantes em suas totalidades e que promovam interações verdadeiras entre alunos, entre grupos de alunos, incentivando as trocas e as contribuições entre os pares. A sala de aula é um espaço de encontro entre alunos, professores e o conhecimento. Dessa maneira, a sala de aula é um ambiente vivo e dinâmico. “As vozes de cada aluno e do professor podem ser ouvidas, 76

ampliadas e aprimoradas, através da interação entre eles e deles com o conhecimento” ( BARRETO,2006,p.03). A interação social é uma característica marcante do ser humano, fora e dentro da sala de aula, sabendo-se que a escola é uma exemplificação do mundo exterior, nela as relações entre os diferentes grupos e entre os companheiros, acontecem todo o tempo de maneira oficial ou não. Essas relações interferem na maneira como o individuo percebe a si mesmo e o contexto social no qual está inserido, e a sua ocorrência está diretamente relacionada com o processo de aprendizagem dos alunos. A aprendizagem colaborativa considera que o conhecimento é resultante de um consenso entre membros de uma comunidade de conhecimento, algo que um grupo constrói trabalhando junto, de forma direta ou indireta. Avaliando-se este trabalho do grupo, é possível analisar diversos aspectos que ultrapassam a simples mensuração de uma nota por acertos e erros: a avaliação em uma perspectiva da aprendizagem colaborativa permite a observação de uma série de fatores que relatam quem é o aluno, como ele se relaciona, como ele coopera com o outro, como ele se envolve com determinado tema e como se comporta em diversas situações proporcionadas pelos momentos em que está inserido em um grupo. Na aprendizagem colaborativa há o principio que motiva a participação do estudante no processo de aprendizagem e que faz da aprendizagem um processo efetivo. Ao contrário do que ocorre em situações que caracterizam-se pela competitividade, nas situações colaborativas os grupos apresentam-se com uma organização mais aberta e podem até mesmo se constituir a partir de critérios menos limitados, valorizando a motivação ou o interesse dos alunos. Esta organização determina como este grupo irá desenvolver o seu trabalho, tornando este aspecto um princípio a ser avaliado. A colaboração é uma filosofia de interação e um estilo de vida pessoal. Essa aprendizagem sugere uma maneira de lidar com as pessoas que respeita e destaca as habilidades e contribuições individuais, sendo que os membros envolvidos compartilham responsabilidades e ações. 77

A aprendizagem colaborativa compreende o processo de reaculturação que auxilia os estudantes a se tornarem membros de comunidade do conhecimento cuja propriedade comum é diferente daquela da qual os mesmos são originários. Pressupõe uma ação mais efetiva da participação na aprendizagem. O objetivo da aprendizagem colaborativa, segundo Feitosa (2004) é atingir o consenso por meio de uma conversa expansiva. Essa conversa considera os níveis: primeiro, acontece um pequenos grupos de discussão, depois entre grupos de uma sala de aula, entre a classe e o professor e por fim, entre a classe, o professor e uma ampla comunidade do conhecimento. Springer, Stanne e Donovam (1997) apontam que os estudantes que aprenderam em grupos pequenos demonstraram maior realização do que estudantes que obtiveram informações sem a participação de seus pares em processo colaborativo. Essa forma de aprendizagem acrescenta vantagens, de acordo com Akel Filho ( 2006), por facilitar a resolução de tarefas complexas, através da divisão destas mesmas tarefas. “A aprendizagem colaborativa apresenta-se como uma das tendências mais marcantes decorrentes do novo paradigma educacional emergente. As principais características desta aprendizagem são: o trabalho em equipe, a formação de equipes heterogêneas ( constituídas por alunos de níveis, sexos e raças diferentes), os sistemas de recompensa orientados para o grupo e não para o individuo)”(CORREIA E DIAS,1995,P.118).

A colaboração entre os pares permite uma produção coerente e única do grande grupo, tanto nas atividades dos subgrupos quanto nas atividades individuais. Akel Filho( 2006) acredita que a aprendizagem colaborativa contribui decisivamente para o envolvimento dos alunos na construção efetiva de conhecimentos, pois em várias situações, tem se revelado extremamente eficiente quando aplicado na sala de aula. A aprendizagem colaborativa pretende promover um melhor desempenho do aluno nas tarefas escolares, no momento em que todos 78

os alunos são de alguma maneira beneficiados ao serem envolvidos em um projeto comum. A aprendizagem colaborativa amplia a participação do estudante, visto que oferta uma aceitação mais ampliada para pessoas pertencentes a outros grupos, como por exemplo confissões religiosas diferentes das predominantes na sala de aula: “Isso porque a aprendizagem colaborativa cria oportunidades aos alunos de trabalharem de forma interdependente em tarefas comuns, aprendendo a apreciar-se uns aos outros de um modo natural” ( CORREIA E DIAS, 1998, p.119) O professor, na aprendizagem colaborativa deve criar atividades que ajudem os estudantes a descobrirem e tirarem vantagem da heterogeneidade do grupo para aumentar o potencial de aprendizagem de cada membro do grupo, De acordo com Dillenbourg (2002), o caminho para realçar a eficácia da aprendizagem colaborativa está na estrutura de interações, aclopando estudantes em posições definidas. A colaboração livre não produz sistematicamente a aprendizagem. A simples troca de ideias entre os pares não significa que há um ambiente e um momento propícios para a aprendizagem, ou para a construção de soluções para um determinado problema. A tarefa precisa possuir elementos que favoreçam e instiguem de forma ativa a troca de informações e as demais ações que possibilitam a aprendizagem dentro do grupo. A tarefa deve possuir um caráter instigador, que oportunize a organização de pensamentos e reflexões coletivos que projetem novas perspectivas, proporcionando desta forma a efetivação de uma aprendizagem tanto individual como coletiva. A questão dos trabalhos em grupo envolvem diversas variáveis que estão em uso nos grupos. A compreensão a respeito de como os alunos interagem e desenvolvem saberes nessa modalidade é um elemento primordial a ser analisado pelos professores, pois a atividade realizadas em pequenos grupos é um elemento medidor que revela em detalhes aspectos referentes ao modo como a aprendizagem acontece em sala de aula. Quando o aluno trabalha individualmente, a visualização dos conflitos internos e dos modos de alcançar uma determinada resposta são menos explicitados. 79

Considerações Finais Bonals (2003, p.26) aponta que: “Aprender a trabalhar com pequenos grupos na sala de aula, continua sendo, em geral, um desafio para as escolas. A maior parte dos alunos desconhece, contudo, a experiência que supõe a realização de um trabalho sistemático em grupo.” Acostumados a uma dinâmica de aulas chamadas de expositivas e ao cumprimento de regras que geralmente apresentam o trabalho em grupo como algo esporádico, quase uma concessão de professores: os alunos não possuem o costume de organizar as suas tarefas na perspectiva da construção grupal. Há uma relação permanente entre o cognitivo e o social, um processo cíclico que não pode ser desassociado. O pensamento individual e o que o grupo produz, reflete a produção tanto pessoal como coletiva, com todas as implicações que essas relações produzem. Os grupos mais bem sucedidos, no trabalho colaborativo, segundo Thomas (1992,p.165) tanto em termos de envolvimento de todos os membros quanto em relação de resolução de problemas, são aqueles em que os alunos procuram chegar a um conhecimento comum a partir do estabelecimento de referenciais comuns. Dillenbourg ( 2002) aponta que a construção das tarefas inclui uma negociação entre os membros do grupo. Essa negociação reflete como ocorrem as relações internas no grupo, as inclusões e a valorização da participação de cada um na elaboração da atividade proposta. A tarefa realizada em grupo possui uma caracterização efetivamente comunicativa. A partilha de informações e de contribuições para realização da tarefa estabelece uma dinâmica de comunicação mais elaborada do que as conversas informais. Estar incluído em grupos de iguais, com aqueles que fazem parte da convivência, é uma das necessidades sociais básicas de qualquer ser humano. A avaliação, elemento que necessita de uma urgente redefinição, pode ter sua perspectiva ampliada segundo os princípios da aprendizagem colaborativa, a partir do momento em que romper com sua característica meritocrática, individualista e limitante, abrindo espaço para que a interação, que é um elemento natural entre os alunos e 80

entre os diversos grupos humanos, possa adquirir um espaço efetivo nas propostas de avaliação, enquanto uma parte do processo de aprendizagem.

Referências AKEL Fº, Naim. Aprendizagem Colaborativa Baseada em Ambientes Virtuais. Curitiba, PUC-PR, 2006. BARRETO, Vera (org). Trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos. A Sala de Aula como Espaço de Vivência e Aprendizagem. Brasília, Ministério da Educação, 2006. BONALS, Joan. O Trabalho em Pequenos Grupos na Sala de Aula. Trad. Neusa Kern Hichel. Porto Alegre, Artmed, 2003. COLL, Cesar. O Construtivismo em Sala de Aula. Trad. Claudia Schilling, São Paulo, Atica, 1999. CORREIA, Ana Paula e DIAS, Paulo. A Evolução dos Paradigmas Educacionais a Luz das Teorias Curriculares. Universidade do Minho. Revista Portuguesa de Educação, 1998. DILLENBOURG, Pierre. A Evolução da Pesquisa em Aprendizagem Colaborativa. Université de Genéve, Switzerland, 1999. DILLENBOURG, Pierre. Over-Scripting CSCL; The Risks of Blending Collaborative Learning With Instrucional Design. Disponivel em http://telearn.archives-ouvertes.fr/docs/00/19q02/30/dillenbourg. pierre.2002. Acessado em 10/09/2015. FEITOSA, João A. A Aprendizagem Colaborativa e Cooperativa. Porto Alegre, Mediação, 2004.

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PERRENOUD, Phillipe. Ofício do Aluno e Sentido do Trabalho Escolar. Coleção Ciências da Educação. Porto, Ed Porto, 1995. SNYDERS, Georges. Escola, Classes e Luta de Classes. Lisboa, Morais, 1981. THOMAS, E.M. Escola e a Inervenção Social. Trad. Mary K. Somenionne. Porto Alegre, Artmed, 1992.

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Avaliação na escola regular e na escola integral Ana Maria Petraitis Liblik (UFPR) Marta Pinheiro (UFPR)

Entre as difíceis questões que rondam o universo escolar, a avaliação merece lugar de destaque. Muito se fala, algo se faz, mas na realidade continuamos pondo em prática modelos de fora de nossa realidade e da década de `50. Se ainda mantemos estas propostas, ou elas são ainda interessantes ou não temos outras para pôr no lugar. De qualquer maneira é sobre este processo que iremos discorrer e tentar melhor entender o que seja avaliar. Mas avaliar onde? Quem? Em que situações? Se pensarmos que na escola em tempo regular, ou seja, reduzido a apenas três ou quatro horas/aula, é um problema, o que dirá da escola em tempo integral com conteúdos integrados e mais horas de atividades? Torna-se um pesadelo o trabalho docente de ensinar e avaliar. O ensino pouco muda, mas aparentemente há mais tempo e calma para isto, considerando que uma das críticas que os professores falam é o reduzido tempo destinado ao ensino. A avaliação por sua vez, se segue os modelos da escola dita regular, pouco se altera na realidade. O Programa Mais Educação integra as ações do Plano de Desenvolvimento da Educação Nacional e é uma estratégia para induzir a ampliação do tempo, dos espaços e das oportunidades educativas, na perspectiva da Educação Integral. Esta é uma proposta federal e se até o ano de 2020 metade das escolas brasileiras terá que se Integral, como estamos pensando esta escola, o ensino, os processos avaliativos e a formação deste profissional? É necessário avaliar? Mesmo que muitos digam não, e justifiquem a negativa com questões muito mais do âmbito afetivo, psicológico do que escolar, a avaliação se torna importante para saber se e quanto os alunos se apropriaram do que foi apresentado e ensinado pelo 83

professor. A função do professor é esta, a de apresentar, socializar e ensinar o que foi construído culturalmente pela humanidade. Se não há este acompanhamento, como saber se o trabalho docente é eficaz e adequado? Há uma ciência da Educação, com o nome de Docimologia, que estuda os processos avaliativos. Tem métodos e questões próprias das ciências e faz parte no conteúdo da disciplina de Didática. Ela tem por princípio o estudo dos processos avaliativos em duas direções: um examinador corrigindo duas avaliações e dois avaliadores corrigindo a mesma avaliação – quais são as razões para tantas discrepâncias em um conceito final? Não deveria ser o mesmo ou pelo menos semelhante? Se fizermos uma comparação entre professores e vendedores, fica mais fácil perceber a necessidade de avaliar. Enquanto um vendedor, para assim se chamar, precisa que haja a contrapartida de alguém que compra, para o professor não se pode dizer que ele, ensinando os alunos, na contrapartida, aprendem. Tanto é verdade que em tempos remotos comprar e vender eram termos substituídos pelo escambo. Havia a troca de produtos por outros, em uma relação de equivalência. No caso do professor, nada garante que, ao ensinar, seus alunos apreendam e aprendam. Avaliar, etimologicamente, significa dar valor a, e todos os sinónimos deste termo se categorizam em dois grandes grupos: o de medir e o de julgar. Portanto podemos dizer que avaliar pode ser entendido como medição ou como julgamento. E é ali, acreditamos, que reside o cerne das dificuldades dos processos avaliativos. Enquanto medimos a partir de um objeto, um “metro”, não há grandes problemas. Ele, o “metro”, é um objeto imutável. Em uma prova com cinco questões, cada uma valendo vinte pontos, se o aluno acertou três, a nota é seis e não há grandes dificuldades em entender e aceitar isto. A dificuldade surge quando temos que, no lugar de medir, julgar, pois isso se dá a partir de “leis” que são determinadas por sujeitos e outros sujeitos terão que, a partir dessas “leis” dar nota. A interpretação é subjetiva e pode variar de uma pessoa para outra. O mesmo instrumento avaliativo pode ter variações significativas no resultado e os problemas então se fazem presentes. 84

Outra questão importante é o que deve-se levar em conta ao pensar em um processo avaliativo. Há três dimensões a serem consideradas: a política, a técnica e a epistemológica. A dimensão política estuda e se apropria do que o Ministério de Educação e Cultura (MEC) preconiza como adequado para o nosso país. Se não é a Federação a decidir, o Estado, os Municípios e as próprias instituições de ensino determinam o que ensinar e como avaliar. Dificilmente temos como interferir nisto. A dimensão técnica mostra como elaborar instrumentos avaliativos adequados a cada situação educacional. Dependendo do teórico escolhido, os modelos mudam, mas percebe-se com muita frequência cópias mal elaboradas de modelos antigos, como se não fosse possível criar outros. A dificuldade, pouco estudada e portanto muitas vezes mal entendida, está em ver estes processos de avaliação pelo viés epistemológico. Qual é importância do que ensino? Por que ensino? Como faço isto? Como este conhecimento foi “construído” e como ele interfere (ou não) na vida de meus alunos. Epistemologicamente, o que eu, professor, ensino, tem sentido? Sem responder a estas perguntas, dificilmente meus planos de aula estarão de acordo com as necessidades de meus alunos e das minhas, como docente responsável pelo processo. Há uma imagem bem significativa para o excesso de conteúdos ensinados: A imagem acima é do livro, Cuidado, Escola! de 1980, e é considerado um clássico da Educação e foi prefaciado por Paulo Freire. Já na época se percebia que os conteúdos eram demais e cada vez mais, eles foram crescendo em volume, com pouquíssima profundidade. Há mais projetos na escola sendo realizados que efetivamente conteúdos escolares sendo ensinados. Não se nega a importância de se trabalhar com projetos dos mais variados, mas sem os conteúdos basilares

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tais como o domínio do código escrito, a leitura de outros assuntos se torna impossível. Sem saber operar minimamente com os números, todo e qualquer cálculo é impossível de ser realizado. Sem ser capaz de se localizar em um mapa ou em outro espaço que não o conhecido usual, perde-se a noção de onde se está e para onde quer-se ir. Conhecer a própria história permite sonhar um futuro. E não é querer, com saudosismo, voltar a um passado recente, mas sim valorizar métodos e propostas metodológicas que sabidamente estavam trazendo, para a época, resultados melhores dos que apresentados hoje pelos nossos alunos. Se retomarmos novamente o conhecimento como cerne do processo educacional, podemos retomar os tipos de conhecimento que os gregos identificavam e que em português foram agrupados sob o termo conhecimento, são eles: doxa, sophia e episteme. Enquanto o conhecimento doxa e considerado o do senso comum, daquele que se aproxima de uma primeira impressão, sem reflexões realizadas, o denominado sophia vem da experiencia de vida. São pessoas que já vivenciaram situações e com este pensar reflexivo, construíram o seu saber. Já o conhecimento episteme, ou epistemológico, é aquele que é recolhido, organizado e sistematizado pela academia. Ou seja, há uma instituição que valida este saber e é respeitada por fazer isto. Se pensarmos na escola, qual é o tipo de conhecimento que é levado para a sala de aula? O doxa, com certeza não. O sophia, paulatinamente está sendo introduzido no Ensino Superior, caso da utilização de ervas para auxiliar em sanar doenças. Denominada Fitoterapia, a disciplina já é ensinada nas faculdades e universidades e assim se espera, que profissionais da Educação, em formação, ao irem para a sala de aula, carreguem consigo estes saberes sophia tão e mais próximos dos alunos. O Professor doutor Jean Houssaye, teórico francês ainda em exercício, nos apresenta um triângulo pedagógico, cujos vértices são o conhecimento, o professor e o aluno, independentemente da ordem ou de uma hierarquia.

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Conhecimento

A questão importante é perceber que se dois vértices ou termos se associam, o terceiro fica isolado. Por exemplo, se associo o professor ao alunos, o conhecimento parece estar fora de questão e não os “formamos”. Também acontece que, ao associar o professor ao conhecimento, como que “eliminando” o aluno, não ensinamos. E ao associar o aluno ao conhecimento, o professor parece deixar de ter importância e ele, aluno, não necessariamente aprende. É bem verdade que este triângulo lembra, e muito, as ideias de Vygotsky (1896-1934) quando escreve sobre a zona proximal e como os saberes são construídos pelo aluno. O esquema do Professor Houssaye é uma nova maneira de se ver e entender o processo educacional. Outro teórico, Professor Doutor Nílson José Machado da Universidade de São Paulo, faz outro esquema, também baseado em um triângulo, que separa o saber em quatro níveis: dados, informações, conhecimento e inteligência. Estas categorias já eram conhecidas e foram estudadas por diversos autores nacionais e internacionais, mas unir dados e informações que formam as habilidades e conhecimento e inteligência associadas geram as competências foi algo inovador, algo que remete aos Parâmetros Curriculares Nacionais e deveria auxiliar o professor em sua ação educativa.

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Pensar no professor é pensar no trabalho que realiza e sempre vai realizar em suas ações educativas: planejar, agir e avaliar. Aprender a fazer isto é estudar Didática. Didática e Metodologia, ciências da Educação que se complementam mas que são diferentes. Enquanto a Metodologia (do grego meta + hodos) tem como foco o estudo das diferentes maneiras de se ensinar algo, ou seja apresentar os diferentes caminhos para se chegar a algum lugar, a Didática1 estuda a escolha do melhor caminho para ensinar para determinados alunos em certo espaço de tempo e lugar. Planejar o que pode ser melhor para o grupo de alunos no local de aprendizagem, é função da Didática. Conhecer as possibilidades de ensino faz parte da área da Metodologia. É como se fosse um jogo de xadrez onde os passos são pensados para o xeque-mate, o aprendizado. Portanto, as diferentes possibilidades de caminhos para a continuidade do jogo é a Metodologia, e a escolha do caminho a ser seguido faz parte da Didática. Nesta seara muitos são os teóricos que se debruçaram sobre os processos avaliativos e grande parte do que ainda é feito hoje provem de Benjamin Bloom (1913-1999), pedagogo e psicólogo americano que escreveu o livro Taxonomia dos objetivos cognitivos, ou Taxonomia de Bloom, traduzido e publicado no Brasil em 1973. O trabalho consiste em uma estrutura de organização hierárquica de objetivos educacionais, que foi resultado do trabalho de uma comissão multidisciplinar de especialistas de várias universidades dos Estados Unidos, liderada por ele, no ano de 1956. A classificação proposta por Bloom dividiu as possibilidades de aprendizagem em três grandes domínios: - o cognitivo, abrangendo a aprendizagem intelectual; - o afetivo, abrangendo os aspectos de sensibilização e gradação de valores;

1 A Palavra Didática tem sua origem no verbo grego didasko, que significava ensinar ou instruir. Como nome de uma disciplina autônoma ou como parte de saberes mais ampla (Pedagogia), a Didática, desde Comenius, significa o tratamento dos “preceitos científicos que orientam a atividade educativa de modo a torná-la eficiente”. Portanto podemos considerar que DIDATICA é a arte de transmitir conhecimentos, e de acordo com Comenius, é a arte de ensinar tudo a todos.

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- o psicomotor, abrangendo as habilidades de execução de tarefas que envolvem o aparelho motor. Cada um destes domínios tem diversos níveis de profundidade de aprendizado. Por isso a classificação de Bloom é denominada hierárquica: cada nível é mais complexo e mais específico que o anterior. O terceiro domínio não foi terminado, e apenas o primeiro foi implementado em sua totalidade. Mesmo assim, as ideias de Bloom ainda estão presentes em nossas escolas e continuam ajudando professores a avaliar seus alunos. O trabalho dessa equipe registrou os tipos possíveis de instrumentos avaliativos. Dividem-se em instrumentos individuais e coletivos, respectivamente, a saber: • Prova oral, • Prova escrita: • objetiva ou dissertativa, • Trabalho: • parcial (relatórios), • total (portfólios), • Auto-avaliação. • Debate, • Seminário, • Painel, • Estudos de casos, • Trabalho em grupo, • Prova elaborada/resolvida em grupo. Todos estes instrumentos são amplamente utilizados em nossas escolas com excelentes resultados. A questão que dificulta o processo é a de tomar a decisão se a avaliação deve ser feita como medida ou como julgamento, algo já apresentado neste texto anteriormente.

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Tal estudo foi tão amplo que especificou também o grau de dificuldade de cada tipo de enunciado. Para cada tipo de questão, Bloom sugere verbos para os enunciados das questões. Esta graduação vai da questão mais simples, (re)conhecimento, para a mais complexa, (julgamento/avaliação), assim: • (Re) conhecimento – identifique, nomeie, assinale, complete as lacunas, relacione... • Compreensão – explique, descreva.... • Aplicação – resolva, determine, calcule, aplique... • Análise – analise, explique... • Síntese – sintetize, generalize... • Julgamento/avaliação – justifique sua resposta, escreva/apresente argumentos a favor e/ou contra... Por mais que este autor seja combatido e questionado, percebemse outros teóricos, bem mais atuais, utilizando as ideias da década de sessenta como se fossem novas ou, na outra ponta, ações que nada tem a ver com processos avaliativos sérios e coerentes, atos baseados em relações afetivas que equiparam a boa relação entre professores e alunos com a nota máxima. “Dar nota” para participação, assiduidade, comportamento são outros quesitos questionáveis. Se o objetivo é entender o quê e do quanto foi ensinado pelo professor foi apropriado pelos alunos, é sobre o conhecimento que esta análise deve ser feita e não sobre atitudes comportamentais que em nada ajudam a perceber se os alunos aprenderam ou não o que foi ensinado. Para dar um término a estas reflexões, acreditamos que a leitura atenta do que foi escrito por vários teóricos sobre avaliação, com as devidas atualizações, possa dar aos professores subsídios para ações educacionais mais justas, coerentes e eticamente corretas. E ao entender melhor, não fará muita diferença avaliar na escola regular ou na escola em tempo integral, integradora de conteúdos e saberes, pois a escola ou é integral ou não pode ser considerada ESCOLA.

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Referências BLOOM, B.S. et al. Taxonomia de objetivos educacionais e domínio cognitivo. Porto Alegre: Globo, 1973 HARPER, B. et al. Cuidado, Escola! São Paulo: Brasiliense, 1980. MACHADO, Nilson José. Epistemologia e Didática. São Paulo: Cortez, 1995.

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Inclusão e exclusão: a diversidade na escola pública brasileira Mylene Cristina Santiago (UFF)

Introdução A temática da inclusão e exclusão da diversidade na educação básica e no ensino superior está diretamente relacionada com a “indiferença às diferenças” (BOURDIEU; PASSERON, 2008) presente nas instituições educacionais. Ao considerarmos diferença como deficiência e igualdade como homogeneidade reforçamos processos de classificação, hierarquização e competividade que geram mecanismos de exclusão nas relações interpessoais, que podem reforçar outros mecanismos de discriminação (rotulação, normalização e medicalização das diferenças), que se constituem em barreiras à aprendizagem e à participação de nossos estudantes nas diferentes etapas da educação (básica ou superior). Com o propósito de discutir as contraditórias relações de inclusão/ exclusão no cotidiano educacional, busco apresentar narrativas, fruto de vivências/experiência no contexto da educação básica, ensino superior e práticas de pesquisa. Destaco inicialmente, que a escola é um espaço privilegiado de encontro com as diferenças, nela deparamo-nos com situações que merecem reflexão, para que possamos compreender a sutileza das relações que deflagram experiências de inclusão/exclusão, que nas palavras de Sawaia (2008) “gestam subjetividades específicas que vão desde o sentir-se incluído até o sentir-se discriminado”. Para a autora, dialeticamente, uma situação pode representar processo de inclusão ou de exclusão conforme a percepção do sujeito

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que vive a experiência. O processo de interpretação pode ser uma tarefa complexa para pesquisadores à medida que a subjetividade de cada pessoa produz seus próprios significados para cada evento ou circunstâncias. Desse modo, evidencio uma concepção de pesquisa que consiste em um processo interpretativo dialógico e colaborativo, isto é, que considere as várias subjetividades e que dialogue com atores envolvidos na pesquisa, a fim de minimizar as consequências de interpretações únicas e totalizantes. Minha proposta é iniciar o artigo com a apresentação de alguns relatos a fim de provocar reflexões sobre o processo de inclusão/ exclusão no contexto escolar. Buscarei organizar tais narrativas não necessariamente pela cronologia dos acontecimentos, mas pela relação apresentada entre os eventos.

Inclusão/exclusão no contexto escolar: o diálogo faz diferença Em uma visita à escola me deparei com uma exposição de bonecas de papel machê confeccionadas pelos estudantes. Ao elogiar o trabalho, a professora de Artes apresentou-me uma carta, escrita por uma mãe contrariada com a proposta de trabalho, que em síntese afirmava que seu filho era homem e era de Deus. A carta expressava conflitos que podiam ser raciais, religiosos e/ou de orientação sexual. A proposta da professora era trabalhar o conteúdo artístico voltado para a questão racial, entretanto a dificuldade de acolher e compreender a proposta gerou uma carta com tom agressivo, que questionava a legitimidade de uma proposta pedagógica, que na visão da mãe, ameaçava a educação, a formação religiosa e a identidade sexual do filho. Em outra circunstância, ao entrevistar uma diretora de escola pública que tinha uma proposta de trabalho inovadora envolvendo a questão racial, foi relatado que a escola havia criado uma disciplina de antropologia no Ensino Fundamental, cuja proposta pedagógica seria abordar as diferenças culturais através de contos literários dos ameríndios, africanos, asiáticos, entre outros povos.

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Um dos contos escolhidos referia-se aos orixás1, os livros paradidáticos foram adquiridos pela escola e emprestados para os estudantes lerem em casa. No prazo determinado para a devolução dos livros e realização das atividades referentes à leitura, foi constatado que a maioria dos estudantes não havia lido e que não haviam devolvido os livros porque o líder religioso da comunidade teria retido as obras por julgar o conteúdo inadequado para as crianças. Entre a indignação e o desespero, a diretora relatou que foi conversar com o religioso e apelou ao seu conhecimento antropológico, alegando que a escola tratava o tema como manifestação cultural e a partir de então, a escola convidou os líderes de diferentes denominações religiosas para um diálogo com a comunidade. De acordo com a diretora o resultado dessa proposta foi positivo e os estudantes praticantes de religiões de matrizes afro-brasileira passaram a assumir suas identidades religiosas. O que esses dois casos têm em comum? São duas situações reveladoras de conflitos entre diferentes saberes e crenças no espaço escolar, entretanto as situações se divergem pelo encaminhamento da situação-conflito. No primeiro caso não houve um diálogo direto entre escola e família, a escola acuada solicitou a presença da secretaria da educação para mediar o conflito, enquanto que na segunda situação a diretora e sua equipe pedagógica apostaram no potencial enriquecedor do conflito para promover novas situações de aprendizagem e de interação com a comunidade. Com base nos casos inicialmente apresentados, destaco que o processo de inclusão se refere ao modo como cada instituição, através de seus atores, identifica barreiras e processos de exclusão e busca eliminá-los de forma coletiva em situações de diálogo e participação.

1 Os orixás são deuses africanos que correspondem a pontos de força da Natureza e os seus arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. Disponível em: https://ocandomble.wordpress.com/os-orixas/. Acesso em 18 ago. 2015

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Entre saberes e experiências: investigando o processo de inclusão em educação No período de doutorado busquei compreender as relações de inclusão/exclusão nos Laboratórios de Aprendizagem (LA) das escolas públicas do município de Juiz de Fora (MG). Os LA são espaços que buscam oferecer oportunidades de aprendizagem diferenciadas para estudantes que enfrentam barreiras à aprendizagem e à participação. Conforme as orientações da secretaria da educação do município, a proposição desses espaços não é oferecer reforço escolar aos estudantes, e mas viabilizar oportunidades pedagógicas que possibilitem novas relações com o processo de aprendizagem, de modo que todos obtenham sucesso escolar em conformidade com suas singularidades. Do ponto de vista conceitual a proposta dos LA aposta no processo de inclusão em educação, desse modo fui capturada pelo desejo de conhecer esse espaço e me propus a acompanhar as atividades do LA em três diferentes contextos escolares. Cada contexto escolar ofereceu experiências diferenciadas no LA e para facilitar meu recorte analítico, destacarei uma situação considerada mais relevante em cada espaço investigado.

Primeira escola: “você não vai encontrar nada de extraordinário aqui” No primeiro contato com a escola, a professora do LA apresentou seu trabalho de forma entusiasmada, descrevendo sua proposta para romper com a insegurança e a dificuldade de aprendizagem dos estudantes. Parecia acreditar na sua proposta pedagógica, demonstrando esforço para se manter em um processo de formação contínua, pois não residia na mesma cidade em que trabalhava. Entretanto, no final de nossa entrevista em tom de alerta a professora disse: “Você não vai encontrar nada de extraordinário aqui”. Tal alerta me conduziu às seguintes reflexões: A pesquisa em educação objetiva a busca de situações extraordinárias? O que seria um evento extraordinário no contexto escolar? A tentativa de superação 95

das barreiras à aprendizagem em um universo de profundas desigualdades educacionais poderia, ou não, ser considerado um evento de interesse para a pesquisa em educação? Entre outras hipóteses, pensei ainda que a professora estaria adotando uma postura de modéstia ao se referir a uma prática que em seu discurso denotava credibilidade ou que isso poderia representar também uma baixa expectativa em relação ao seu trabalho. No decorrer da observação em campo, percebi que na realidade a professora queria expressar que a prática do LA revelava um cotidiano que poderia ser praticado nos eventos de aprendizagem que ocorrem em sala de aula, no que se refere à postura do professor e às atividades selecionadas como mediadoras desse processo. Essa experiência me levou a considerar que um espaço escolar marcado pelo ‘extraordinário’, no contexto de nossas desigualdades estruturais em seus aspectos sociais e educacionais, seria a transformação que o conhecimento proporciona às pessoas envolvidas no processo educativo. O acesso ao conhecimento em nossa sociedade representa democratização do poder, a profissão docente tem um forte compromisso político que pode se expressar com o inconformismo diante das barreiras à aprendizagem e à participação dos estudantes. A ‘rotina’ escolar, na perspectiva de uma proposta inclusiva, baseia-se na criação de alternativas pedagógicas capazes de contribuir para o sucesso de todos os estudantes e não apenas de uma parcela deles. Assim, me utilizei da metáfora da orquestração de práticas para propor a adoção de conhecimentos significativos e relevantes aos contextos culturais dos estudantes, sem menosprezar suas habilidades e secundarizar o processo de aprendizagem. De acordo com Santiago (2013, p. 127) A metáfora da orquestração de prática é especialmente importante no contexto de nossa pesquisa, pois ao imaginarmos uma orquestra com seus diversos e diferentes instrumentos parece inconcebível que tanta diversidade de sons e de características possa produzir harmonia. Migrando esse exemplo para o contexto escolar,

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constatamos a existência de diferenças e singularidades em nossos estudantes; todavia, na perspectiva que adotamos, cada um em sua diversidade enriquece o contexto de sala de aula e a necessidade de recursos para viabilizar sua participação e sua aprendizagem. A harmonia da orquestra se transforma em aprendizagem para todos no contexto escolar. Uma vez que a orquestra é harmônica em virtude da regência de um maestro (mestre), podemos inferir que a prática pedagógica também pode produzir harmonia, em termos de oportunizar a aprendizagem para todos, à medida que o mestre saiba explorar a potencialidade de cada um e suas diferenças, enquanto recurso que possibilite maior riqueza de significados e de sentidos que circulam no contexto escolar.

Segunda escola: “a metáfora da cerca” Certo dia a professora precisou sair por alguns instantes e os estudantes se interessaram por um barulho que ocorria fora da sala de aula. Foram até a porta e, curiosos, começaram a criar hipótese sobre o trabalho que estava em execução. É uma escada diziam alguns, é uma cerca diziam outros. A professora da biblioteca lhes disse que se tratava de uma surpresa para a próxima semana. Nesse momento uma estudante se dirigiu a mim dizendo: “Já sei tia, estão construindo uma cerca para separar os estudantes que sabem ler daqueles que não sabem”. Ao pesquisar os acontecimentos que antecederam a fala da estudante, descobri que a mesma havia sido impedida de fazer uma apresentação na escola, pela professora da sala de aula, por ser identificada (ou rotulada) como uma estudante que não sabia ler. A cerca que estava sendo construída pela escola era uma réplica da entrada do Sítio do Pica-Pau Amarelo, em homenagem à Semana Nacional do Livro e ao escritor Monteiro Lobato. Entretanto, constatei que a cerca acabou assumindo para a estudante um sentido metafórico, que a colocou na posição “eu e os outros”, ao afirmar sua condição de exclusão da aprendizagem, seu

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não saber que, mesmo sendo circunstancial, atribuía-lhe uma condição de inferioridade em comparação aos outros que sabiam ler. Ao abordar as diferenças em educação, Skliar (2005) considera que seria interessante não fazermos referência à distinção entre “nós” e “eles”, nem estarmos inferindo nenhuma referência ou condição da aceitabilidade acerca do outro e dos outros. Nas suas palavras: A diferença, sexual, de geração, de corpo, de raça, de gênero, de idade, de língua, de classe social, de etnia, de religiosidade, de comunidade, etc., tudo o envolve, a todos nos implica e determina: tudo é diferença, todas são diferenças. E não há, desse modo, alguma coisa que não seja diferença, alguma coisa que possa deixar de ser diferença, alguma coisa que possa ser o contrário, o oposto das diferenças. Seria apropriado dizer que as diferenças podem ser muito melhor compreendidas como experiências de alteridade, um estar sendo múltiplo, intraduzível e imprevisível no mundo. Em educação não se trata de melhor caracterizar o que é diversidade e quem a compõe, mas de melhor compreender como as diferenças nos constituem como humanos, como somos feitos de diferenças (SKLIAR, 2005, p. 59).

Os “outros”, os diferentes continuam muitas vezes invisíveis aos nossos olhos e inatingíveis pela nossa intervenção escolar. Ou ainda, posicionados em determinado lado da cerca e imobilizados pelas barreiras institucionais e atitudinais, impostas no/pelo cotidiano escolar. A diferença imposta pela ausência da aprendizagem da leitura e da escrita se tornou consciente para a estudante de oito anos e sua presença no LA parecia representar sua posição e lugar no não saber. Esta situação sugere a necessidade de revisão das estratégias utilizadas no processo de intervenção pedagógica dos LA, como também das práticas pedagógicas enfatizadas em sala de aula e, sobretudo, que as mesmas sejam articuladas e pensadas coletivamente (SANTIAGO, 2013).

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Inicialmente concebido como espaço de mediação e de superação das prováveis barreiras que interferem na aprendizagem e na participação dos estudantes, enquanto espaço diferenciado o LA pode se converter em espaço diferenciador. A dialética relação entre inclusão e exclusão nos coloca diante de situações paradoxais que exigem nossa reflexão e posicionamento contínuos, no sentido de não atribuirmos ao outro o lugar que pensamos ou julguemos que ele deva ocupar em seu próprio benefício. Nesse contexto, destacamos que a escola tem um fundamental papel no processo na constituição identitária dos estudantes, na medida em que os processos de identidade e diferença se traduzem em operações de inclusão e de exclusão, em declarações sobre quem pertence e quem não pertence. O espaço escolar tem sido historicamente constituído como um demarcador de fronteiras que elege, legitima e classifica quem fica dentro ou fora. Tal demarcação de fronteira, responsável pela separação e distinção de comportamentos, atitudes de pessoas e grupos afirmam e reafirmam as relações de poder, classificando e hierarquizando, conforme a identidade e a diferença atribuídas às pessoas e aos grupos.

Terceira escola: “os estudantes da escola pública têm pouco compromisso” Nessa escola o espaço do LA era esteticamente acolhedor, com mobiliário adaptado às atividades em grupo, estantes com livros e jogos. Os estudantes eram participativos, curiosos e entrosados. Era perceptível a diferença de perfil dos estudantes desse laboratório de aprendizagem em relação aos outros, fato que me levou a questionar à professora sobre quais seriam as dificuldades dos mesmos. A professora do laboratório respondeu que no fim do ano as angústias dos professores se intensificavam e que era costume encaminhar os estudantes com maior frequência para o LA e acrescentou: “Os estudantes de escola pública têm pouco compromisso”.

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Perguntei em que sentido ela afirmava isso e ela respondeu que em relação à realização de atividades, frequência e participação. Não seria essa afirmação uma forma de transferir a culpa referente às barreiras enfrentadas aos próprios estudantes? A falta de compromisso em relação às atividades, bem como a pouca frequência e participação, são barreiras à participação, que após serem identificadas, precisam ser reduzidas. Mas se identificamos tais barreiras como responsabilidade dos próprios estudantes, ou se a encaramos como algo natural, a escola como um todo fica imobilizada no sentido de oferecer recursos e condições para a superação dessa realidade, pois se a culpa é do próprio estudante e de sua família, ou se a coisa é natural, não há necessidade de articulação para resolver tais questões. A investigação dos LA revelou que suas práticas expressam a tensão em colocar valores e princípios de inclusão em ação. Embora todos os LAs investigados pertençam à mesma rede de ensino, o perfil dos estudantes desse espaço se diferencia de acordo com cada escola no que se refere à participação e à aprendizagem. Os eventos e situações elencados a partir de observações nas escolas, se traduzem como um movimento interpretativo de pesquisa, ao analisar dimensões analíticas enquanto produções discursivas, identifiquei que a construção de culturas, o desenvolvimento de políticas e a orquestração de práticas de inclusão nas instituições educacionais, estão intimamente relacionadas com as condições de participação e distribuição de poder existentes no interior das escolas. Um passo importante para as transformações desejadas e necessárias em nossas escolas seria assumir posicionamentos ideológicos e práticas pedagógicas que produzam movimentos que questionem as relações de poder, traduzidas em práticas discriminatórias e hegemônicas que perpetuam as relações de exclusão. A mudança de tais práticas pressupõe a adoção e a construção de novas relações e práticas pedagógicas que se converterão em relações mais democráticas e participativas em nossas escolas. A escola como espaço de formação para o processo de inclusão: finalizando considerações

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O processo de formação docente é contínuo e a escola é um espaço formativo por excelência. Com base nessa premissa a escola torna-se indispensável no processo de formação inicial e contínua de educadores. Na universidade em que atuo como docente, temos um componente curricular denominado Pesquisa e Prática Pedagógica (PPP) que tem o propósito de articular teoria e prática ao longo de toda a licenciatura em Pedagogia. Considero esse componente curricular muito enriquecedor tanto para o processo de formação dos estudantes como para o intercâmbio entre educação básica e ensino superior, desse modo busco construir uma proposta que possibilite a participação dos estudantes no cotidiano escolar, evitando que se limitem exclusivamente à observação. Ao fim do semestre solicito que os estudantes apresentem um memorial de formação (escrito) e que façam relato de experiência (oral) sobre as atividades desenvolvidas na escola. Em alguns casos vejo relatos que destacam experiências propositivas e consideradas bem sucedidas, em outros casos os estudantes afirmam que aprenderam o que não devem fazer enquanto educadores, todavia destaco uma situação em que o estudante em tom desanimado, disse que a escola lhe pareceu um “freio de mão”. O estudante em questão é dedicado e entusiasmado com curso de Pedagogia, foi para a escola com muitas ideias e desejo de participar. Mas, ao contrário do que esperava, se deparou com uma realidade muito diferente e obteve resposta negativa para todas as suas proposições de participação. Esse episódio é importante, pois envolve situações de exclusão recorrentes nas escolas no que se refere à incoerência de regras, omissão em situação de discriminação, impedimento de participação com autonomia, conteúdos curriculares desconectados da realidade, avaliação como exame e não como investigação do processo de ensino -aprendizagem, relações verticais entre os atores, ausência de diálogo. Como superar tais barreiras no cotidiano escolar? De que maneira formar novos educadores com princípios de inclusão em uma escola excludente?

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Ao considerarmos que processo de inclusão é infindável, somos impelidos a rever culturas, políticas e práticas de inclusão/exclusão em educação (BOOTH; AINSCOW, 2011), o que implica em investir no incentivo à aprendizagem e à participação de todos os estudantes em todas as etapas da educação; na valorização de todas as pessoas que compõem os espaços educacionais; nas diferenças como possibilidade e apoio à aprendizagem e no reconhecimento que a inclusão em educação é um aspecto da inclusão na sociedade. Ao longo dessas experiências tem sido comum ouvir educadores expressarem um sentimento de incompletude e de incertezas diante dos desafios do processo de inclusão em educação, fato que me faz reportar ao mestre Paulo Freire (1996) que diz: “O inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se tornou consciente”. O sentimento e a consciência do inacabamento dos educadores se revestem de esperança, pois ao nos assumirmos desse modo, significa que precisamos continuar caminhando e produzindo condições necessárias e concretas para a efetivação da escola pública com qualidade para todos. Longe de uma perspectiva ingênua, em tempos de intolerância e face às relações de poder impressas em nosso atual cenário político e social, educar na/para/com a diversidade exige o combate àqueles que se opõe às teorias libertadoras e emancipatórias, resgatando ou desenvolvendo em nossas práticas cotidianas as orientações freireanas referentes à reflexão crítica sobre a prática; corporeificação das palavras pelo exemplo; convicção de que a mudança é possível; compreensão que educar é uma forma de intervir no mundo; rejeição a qualquer forma de discriminação e, sobretudo, disponibilidade para o diálogo.

Referências BOOTH, Tony; AINSCOW, M. Index para a inclusão: desenvolvendo a aprendizagem e a participação na escola. Tradução de Mônica Pereira dos Santos. Rio de Janeiro: LaPEADE, 2011.

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BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. SANTIAGO, M. C. As múltiplas dimensões de inclusão e exclusão nos Laboratórios de Aprendizagem. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013. SAWAIA, Bader . As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2008. SKLIAR, Carlos. A questão e a obsessão pelo outro em educação. In: GARCIA, Regina Leite; ZACCUR, Edwiges; GIAMBIAGI, Irene. Cotidiano: diálogos sobre diálogos. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 49-62.

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Um estudo longitudinal do desenvolvimento da inserçao de tecnologia em sala de aula de Matemática Paula Luderitz de Albuquerque Lenz-Cesar (EARJ)

Introdução Não é difícil encontrarmos pesquisas sobre como a experiência educativa deveria passar, necessariamente, pelo trabalho com projetos e com atividades onde haja colaboração, participação, discussão, e uso de tecnologia. Também não é difícil encontrarmos literatura que trate a respeito do “ novo paradigma emergente”, bem como das novas habilidades necessárias para um bom desempenho de cidadania. Segundo Buckingham (2003), “tornar-se um participante ativo na vida pública necessariamente envolve o uso das mídias modernas”. Spitz (2006) relata em sua pesquisa que as competências necessárias nas diversas ocupações tem mudado rápido e que tais mudanças em geral estão relacionadas ao maior uso de tecnologia nos ambientes de trabalho. Levy (1995, 1999) afirma que a sociedade encontra-se condicionada, mas não determinada pela técnica, ou seja, as sociedades de constituem historicamente pela técnica e pelas pessoas que tem o domínio da técnica, embora não seja por ela determinada. De fato, as mudanças tecnológicas acontecem com tamanha rapidez que o construção do conhecimento se modifica e cresce a cada dia. Trabalhar significa aprender, construir saberes, trocar experiências. Daí ser necessário a inclusão de atividades escolares que foquem em processos e não somente em conteúdos. O computador, que tem função educativa e também de comunicação, proporciona aos alunos instrumentos de

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pesquisa, de cálculo, de produção de texto e de material de comunicação. Entretanto, ainda é pequena a produção de materiais didáticos com este enfoque, bem como o relato e o registro de experiências que abordem conjuntamente conceitos matemáticos e a manipulação de tecnologia. É escassa a oferta de projetos e problemas, mediados pela tecnologia, desenhados de forma que se possa estabelecer um método de avaliação efetivo a fim de acompanhar, intervir, e desenvolver tais capacidades. Também observamos essa escassez quando procuramos e pesquisamos sobre atividades escolares que extrapolem seus “conteúdos” em direção a inclusão de outras habilidades, a saber, trabalho em grupo, planejamento, processos voltados para um produto final que tem como objetivo a comunicação a terceiros. Segundo Mercado (2002), ocorre uma mudança qualitativa no processo de ensino/aprendizagem quando se consegue integrar dentro de uma visão inovadora todas as tecnologias: as telemáticas, as audiovisuais, as textuais, as orais, musicais, lúdicas e corporais. A diferença didática não está no uso ou não uso das novas tecnologias, mas na compreensão das suas possibilidades na compreensão da lógica que permeia a movimentação entre os saberes no atual estágio da sociedade tecnológica (Almeida, 2001, 2002). Balacheff (1996) defende que o computador torna-se um novo parceiro nas práticas didáticas e que o uso do computador difere do uso de materiais concretos e desenhos no processo ensino-aprendizagem na medida em que o seu uso implica automaticamente em representações de objetos e relações entre eles. O advento da internet e as constantes inovações tecnológicas mudam a sociedade e o ambiente de trabalho. Não faz sentido pensar educação sem levar em consideração estas mudanças. Alunos, profissionais de ensino e professores devem absorver em suas práticas os novos instrumentos e saberes, a fim de que as capacidades desejadas (sociais, interpessoais, cognitivas, tecnológicas, entre outras) possam ser trabalhadas e desenvolvidas. Os sujeitos da pesquisa a seguir foram os estudantes do 6a. ano de uma escola particular, que cursaram a disciplina Matemática entre os anos de 2009 e 2014. Todas as aulas foram ministradas em Inglês.

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O grupo de alunos era bastante heterogêneo em relação ao nível acadêmico (diferentes níveis de conhecimento matemático), e a nacionalidade (em média 50% de alunos estrangeiros, possuindo em torno de 7 línguas maternas diferentes).

Metodologia Para o desenvolvimento deste trabalho escolheu-se o método qualitativo. Foi elaborado um plano de atividade (mais de um período de aula) bem como instruções para os alunos. Eles deveriam seguir as instruções e completar os diferentes níveis da atividade. Cada aluno deveria trabalhar com o seu próprio material e a interação era estimulada e encorajada ao longo do processo. Como cada aluno tinha um ponto de partida diferente (diferentes caixas de papelão), eles dividiam somente suas idéias sobre o desenvolvimento do processo. Cada aluno deveria aplicar instrumentos de medidas e fazer traços nas cartolinas disponíveis de acordo com suas próprias medidas e escalas utilizadas. A seguir deveriam calcular a área da superfície e o volume de ambas as caixas, seguido de uma reflexão sobre como a escala escolhida influencia as diferentes medidas, nas figuras e nos sólidos. Por fim, os alunos deveriam escrever um relatório explicando o processo, os resultados, e tentando identificar possíveis aplicações do conteúdo, do conhecimento e das habilidades trabalhadas ao longo do projeto em situações futuras . Neste documento eles deveriam utilizar os dados levantados para fortalecer os seus argumentos, incluir fotos e vídeos, que ilustrassem e explicassem melhor a atividade realizada, e compartilhar o produto final. A análise envolveu 6 anos de administração da atividade para mais de 200 alunos. Ela se desenvolveu em 5 momentos: 1. coleta de material (cartolinas, caixas de papelão, régua, ...). 2. discussão em sala de aula dos aspectos mais comuns observados

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nas caixas trazidas, bem como as semelhanças e diferenças entre elas – tamanho, formato, cores, utilidade, entre outros. Escolha das escalas a serem utilizadas pelos alunos (os alunos com mais dificuldade de cálculo foram encorajados a escolher escalas mais fáceis, como por exemplo, 1/2; alunos mais avançados deveriam escolher escalas mais desafiadoras, como por exemplo 1/5, 1/6, 1/8). 3. desmonte e medida das dimensões das caixas pelos alunos. Aplicação das escalas escolhidas e medidas das novas dimensões. Desenho das novas dimensões em uma cartolina. Corte e montagem das novas caixas. 4. cálculo da área da superfície e do volume de ambas as caixas. Comparação, discussão sobre expectativas e resultados. 5. relato por escrito do processo, dos resultados e do aprendizado ocorridos. Inclusão de tabelas com dados, de fotos e de vídeo no documento final.

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Segue abaixo uma tabela com os instrumentos utilizados para fazer a mesma atividade ao longo dos anos. Seguem também o mais recente plano de aula. Tempo1

Recursos utilizados

2009 6 aulas

Maquina fotográfica da escola para tirar fotos dos alunos, Computadores com processador de texto Word para digitar reflexão final Impressora para entrega da reflexão E-mail para envio e importação das fotos

2010 7 aulas

Maquina fotográfica da escola para tirar fotos dos alunos, Computadores com processador de texto Word para digitar reflexão final E-mail para envio e importação das fotos Impressora para impressão da reflexão

2011

Celular e tablet da escola (ou professor) para tirar fotos dos alunos, Computadores com processador de texto Word para digitar reflexão final E-mail para envio e importação das fotos E-mail para entrega da primeira versão do trabalho Impressora para impressão da reflexão final

6 aulas

2012 6 aulas

2013 6 aulas

Celular e tablet dos alunos ou do professor para tirar fotos dos alunos, Computadores com processador de texto Word para digitar reflexão final E-mail para envio e importação das fotos E-mail para entrega da primeira versão do trabalho Impressora para impressão da reflexão final. Celular e tablet dos alunos para tirar fotos durante o processo, Documentos compartilhados entre aluno e professor para digitar reflexões e receber correções Documentos compartilhados com a turma com as fotos disponíveis para uso Impressora para impressão da reflexão final

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2014 6 aulas

Celular e tablet dos alunos para tirar fotos durante o processo, Documentos compartilhados entre aluno e professor para digitar reflexões e receber correções Documentos compartilhados com a turma com as fotos disponíveis para uso Vídeo/apresentação do grupo relatando o processo e o aprendizado (habilidades e conteúdos) Divisão de tarefas, alunos fazem atividades diferentes interagindo ao longo da execução. Produto final comum que utiliza diversos recursos de mídia (livre escolha dos alunos).

Resultados e discussão A avaliação dos resultados levou em consideração três aspectos diferentes: a) os instrumentos e dinâmicas utilizados, b) o nível de aprendizado dos conteúdos propostos nos objetivos da atividade, e c) a participação e o engajamento dos alunos de diferentes perfis. Os diferentes instrumentos utilizados ao longo dos anos confirma a tese de que a tecnologia facilita a execução de diferentes processos produtivos (por exemplo, a captura e utilização de imagem e vídeo na produção de relato de atividade e registro de resultados), e a aprendizagem de alunos com diferentes perfis e capacidades. Também confirma que o avanço tecnológico modifica os saberes passíveis de aprendizado, já que novas tecnologias demandam diferentes capacidades e abrem possibilidades para o seu uso criativo e eficaz. A seguir, observações pertinentes de 6 anos de atividades com os alunos, e em relação aos aspectos citados acima. a) Dinâmicas e instrumentos utilizados Em relação a esse aspecto, observa-se que os instrumentos utilizados para a execução da atividade foram se modificando. Instrumentos novos surgiram não só para substituir antigos (maquina fotográfica por celulares) mas também para abrir novas possibilidades a partir de novos objetos de conhecimento (documento anteriormente enviado por e-mail passa a ser compartilhado, comentado e corrigido

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através do instrumento Google Drive). A disponibilidade deste novos instrumentos, e o fato de serem mais modernos, com capacidade de processamento rápido e eficiente, faz com que sejam rapidamente utilizados. Esta disponibilidade também revela novos saberes, os quais já estão impressionantemente internalizados por alguns alunos (por exemplo o aplicativo pow tunes para apresentações com animação). Dentro desta esfera observamos a necessidade de um formação contínua dos professores para que estejam aptos a conhecer, compreender, julgar e planejar atividades que absorvam os instrumentos tecnológicos que são criados e melhorados a cada dia, praticando assim comportamentos que queremos desenvolver nos nosso próprios alunos, a saber, o espírito investigativo, a flexibilidade, a busca pelo conhecimento, a capacidade do auto aprendizado, a criatividade, entre outros. (fontes sobre como integrar tecnologia em atividades e projetos em sala de aula disponíveis no site “Edutopia”) (Edutopia, 2007). b) Nível de aprendizado dos conteúdos específicos propostos Em relação a este aspecto constata-se que os alunos se utilizam de tecnologia para atingir os objetivos propostos. Eles compreendem desenho com escala e seus efeitos em desenhos e sólidos (depoimentos dos alunos por escrito e em vídeo). Utilizam razão e raciocínio proporcional para cálculos de novas medidas, conferindo cálculos com o uso de calculadoras (disponíveis também nos próprios celulares). Confirmam definições com o uso de seus computadores pessoais em sala de aula, como por exemplo, “área de superfície” (surface area). E ainda, os objetivos de desenvolvimento de confiança e motivação são atingidos quando os alunos usam a tecnologia para esclarecimentos, mas principalmente para organizar e mostrar resultados. Vale ressaltar que os adolescentes gostam, e em geral tem facilidade para manipular instrumentos tecnológicos. Em relação aos sujeitos da minha pesquisa, esse fato ainda é mais verdadeiro, já que fazem parte de um grupo bem exclusivo que trabalha diariamente nas salas de aula de diversos professores sob a prática BYOD (bring you own device), onde é

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esperado que todos os alunos tenham os seus próprios computadores em todas as aulas, o que no mínimo facilita e estimula a investigação e competência tecnológica. A seguir um depoimento da aluna Marta sobre as suas medidas e as suas conclusões. Transcrição de vídeo traduzida de aluno: “Minha caixa original é mais ou menos 8 vezes maior do que a minha caixa nova, e comparando as superfícies, a diferença é mais ou menos 1/4. A área da superfície da original é 1.126 cm2, e a da nova 259 cm2. O volume da original é 2.294cm3, a nova é 268 cm3. Eu pensei que a caixa seria exatamente 1/2 da original, mas quando você pensa sobre a atividade, você está fazendo a superfície 1 /4 porque você divide a comprimento e a largura, então você está fazendo ela realmente menor. O mesmo com volume, mas você está fazendo 1/8 do que era antes (...)”

c) Participação e engajamento dos alunos Em relação a participação e performance dos alunos, esta atividade se mostrou bastante eficaz. É sabido que os alunos trabalham e aprendem melhor quando são motivados (principalmente motivação intrínseca) e quando trabalham com projetos. Criar atividades que os alunos gostem e se dediquem é sempre um desafio para o professor. A introdução de tecnologia em atividades e projetos de sala de aula parece ajudar na motivação dos alunos: como sujeitos nativos digitais, os alunos parecem se interessar por assuntos relacionados a tecnologia e que sejam trabalhados através de seu uso porque eles se sentem confortáveis e confiantes com o seu manuseio. Também parece claro que diferentes alunos aprendem e se expressam de formas diferentes, apresentando maiores habilidades no manuseio de feramente tecnológicas. A atividade em questão apresenta um projeto a ser completado pelos alunos com o uso de tecnologia principalmente para comunicação do produto final, mas que, ao longo do processo, utiliza competências e habilidades variadas, permitindo que se manifestem e performem eficientemente em face a uma miríade de possibilidades. Por exemplo, 111

alunos que até então eram considerados “fracos” em matemática se revelam como exímios desenhistas e com ótimo raciocínio espacial. Ou ainda, alunos que apresentam necessidades especiais com escrita e fala se superam ao manipular materiais concretos e processadores de textos no relato da experiência acadêmica, além de serem muito bons em interações sócias. Por exemplo, Elizabeth que sempre foi uma aluno muito fraca em matemática, com notas abaixo da média obteve a maior nota da sua turma neste projeto já que tinha uma capacidade manual incrível bem como um conhecimento tecnológico bem acima dos demais. Ao longo da atividade Elizabeth ganhou confiança e se motivou; ela experimentou, trabalhou capacidades atuais essenciais na vida de jovens e adultos e se viu capaz de uma performance de alto nível. Da mesma forma, Henrique, que é disléxico, e exibiu um dos melhores projetos finais, com fotos, tabelas, cálculos corretos e uma reflexão bastante completa, feita com a ajuda do computador. Julia foi outra aluna cujo desempenho sempre esteve no grupo dos 5% mais fracos quando avaliada com testes padronizados, e que sempre teve dificuldade em acabar tarefas no tempo delimitado, mas que fez um projeto completíssimo e detalhado, além de ter ajudado imensamente diversos colegas na fase de desenho, corte e dobradura dos modelos. Por outro lado, o aluno William, um dos mais “fortes” da turma apresentou um produto final medíocre, escrita sem detalhes, modelo sem capricho e apresentação do documento final bem aquém do esperado; ele não foi paciente ao longo do projeto e praticamente não interagiu com os colegas. A tecnologia possibilita a avaliação de alunos diferentes sobre competências diferentes e de formas diferentes. O uso de computadores ajuda a diferenciar atividades. Fica mais fácil atender a diferentes níveis de conhecimento, diferentes necessidades, acomodações, e interesse dos alunos na medida em que o computador oferece opções para se demonstrar entendimento e compreensão do material discutido. Por exemplo, os alunos podem apresentar um projeto final através de um pôster, um vídeo, uma apresentação animada, uma entrevista, etc. No vídeo transcrito abaixo ama aluna demostra a sua compreensão em relação ao seu modelo final, sobre como a escala modifica áreas e volumes: 112

Transcrição de vídeo traduzida de aluno: “Oi, meu nome é (...) e eu fiz este projeto, o projeto da caixas, sobre caixas certo? E então, nós tivemos que aplicar a escala e a minha escala foi metade da caixa original, mas depois de um tempo eu descobri que a caixa, esta caixa não é metade menor, ela é oito vezes menor do que a original. A caixa da (...), esta aqui, e ela aplicou a escala de um quarto, mas ela descobriu que..., é..., a caixa menor não é 4 vezes menor, ela é 64 vezes menor, então... ela ficou surpresa; todos nós gostamos do projeto.”

No entanto, o uso de ferramentas tecnológicas de forma eficiente na diferenciação no ensino depende do preparo do professor. O pronto principal na tentativa de integração de tecnologia ao ensino é que o seu uso foque no resultado da instrução e do aprendizado, e não na tecnologia em si, o que pode ser exemplificado quando o professor usa o computador para treinar exercícios e passar problemas para casa. Sabemos que um computador está sendo bem usado quando observamos a utilização ativa e não passiva dos alunos, quando estes são agentes e não simples consumidores de dados e informações. A dinâmica entre professor e aluno é mudada somente quando o uso do computador é usado de forma pensada e estruturada, não somente como uma versão computadorizada dos atuais métodos de ensino (Valente, 1994). O computador deve possibilitar o desenvolvimento e aprimoramento de habilidades desejadas e necessárias na sociedade digital, conectada e interativa.

Considerações Finais Segundo Valente (1994, 1999), “a introdução do computador na educação tem provocado uma verdadeira revolução na nossa concepção de ensino e de aprendizagem”, muito embora esta revolução dependa de como o computador é utilizado. De fato, os computadores

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podem assumir o papel de instrutores, aquando apresentam softwares que treinam e oferecem explicações de como se realize alguma tarefa, oferecendo conceitos sobre praticamente qualquer domínio; mas também podem exercer um papel significantemente mais importante do que o de uma simples máquina de ensinar: o papel de mídia educacional. Segundo Valente (1994, 1999): “(…) o computador passa a ser uma ferramenta educacional, uma ferramenta de complementação, de aperfeiçoamento e de possível mudança na qualidade do ensino. Isto tem acontecido pela própria mudança na nossa condição de vida e pelo fato de a natureza do conhecimento ter mudado. Hoje, nós vivemos num mundo dominado pela informação e por processos que ocorrem de maneira muito rápida e imperceptível. Os fatos e alguns processos específicos que a escola ensina rapidamente se tornam obsoletos e inúteis. Portanto, ao invés de memorizar informação, os estudantes devem ser ensinados a buscar e a usar a informação. Estas mudanças podem ser introduzidas com a presença do computador que deve propiciar as condições para os estudantes exercitarem a capacidade de procurar e selecionar informação, resolver problemas e aprender independentemente.”

No trabalho apresentado vimos então não só o uso do computador como uma ferramenta (máquina para calcular e para tirar fotos), mas também desempenhando este papel de mídia educacional. Os alunos utilizaram as ferramentas tecnológicas na busca de informações, no compartilhamento de dados, na produção de comunicação, e no aprendizado independente, quando exploraram softwares novos e variados, na tentativa da execução do produto final. Além destas duas funções principais relatadas por Valente (1994, 1999), o uso do computador neste trabalho foi ainda importante quando utilizado como ferramenta na diferenciação da instrução (Hobgood e Ormsby) e na motivação dos alunos ao longo da execução do projeto.

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O desafio do uso do computador como facilitador no processo educativo atual, que deve contemplar a aquisição de novas competências por um publico já letrado tecnologicamente, passa necessariamente pela formação do professor e pela disponibilidade dos recursos tecnológicos, a saber, máquinas (celulares, tablets) e, dependendo da atividade, também rede. Vale ressaltar que este trabalho foi feito em uma sala de aula peculiar, onde o acesso as máquinas e a rede não era um obstáculo ao uso da tecnologia em atividades e projetos de sala de aula. Esta realidade é bem diferente se pensarmos outros ambiente, como por exemplo, a grande maioria das escolas públicas brasileiras. Entretanto, a escassez de recursos não deve desanimar a investigação dos professores em relação ao planejamento de possíveis e viáveis atividades. Hoje em dia a grande maioria dos alunos, mesmo de escolas públicas tem aparelhos celulares, o que já abre uma série de possibilidades em relação ao uso de tecnologia digital na busca de informações, investigação de dados, execução de vídeo e texto e o compartilhamento de documentos (Hardison, 2013). Seguindo os resultados do trabalho, podemos apresentar como desafio “secundário” a capacidade dos profissionais em, uma vez tendo planejado e executado atividade que inclua o uso de tecnologia e que esteja de acordo com o novo paradigma da educação (formar indivíduos investigadores, criativos e independentes), eles estejam também aptos a absorver novas tecnologias e continuar a busca de novos caminhos, novos programas e aplicativos que possibilitem ainda mais as investigações, as interações e a produção criativa, se mostrando flexíveis e motivados por serem agentes facilitadores na busca constante de saberes mutáveis.

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Educação a distância e formação humana: a importância das práticas docentes Eloiza da Silva Gomes e Oliveira (UERJ)

Introdução: Conceito e características da Educação a Distância Existem muitas definições para educação a distância (EAD). Vamos selecionar algumas que nos permitam transcender a simples anteposição à definição clássica de educação presencial (cursos regulares, professores e alunos no mesmo espaço físico no mesmo momento), com o enunciado: a educação a distância é a modalidade educacional em que há a separação geográfica e temporal entre professores e alunos, com uso de tecnologias de informação e comunicação, podendo mesclar-se à modalidade presencial. Belloni (1999) critica o fato de que a maioria das definições de EAD apresenta caráter descritivo e opõe a sala de aula tradicional à aprendizagem à distância. Desse modo, para a maioria dos teóricos, a distância é um parâmetro entendido em termos de espaço, havendo ênfase nos processos de ensino (estrutura organizacional, planejamento, concepção de metodologias, produção de materiais etc.), com pouca ou nenhuma referência aos processos de aprendizagem (características e necessidades dos estudantes, modos e condições de estudo, níveis de motivação etc.) e à ideia de autoaprendizagem. Vianney et al (2003) destacam o papel das tecnologias de informação e comunicação (TIC) no conceito de EAD, uma vez que a partir do uso dos sistemas em rede, em particular dos ambientes virtuais de

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aprendizagem que passaram a integrar professores e alunos em tempo real, a noção de distância entre professor e alunos modifica-se a partir do conceito de interatividade e de “aproximação virtual”. O conceito de Educação a Distância no Brasil é definido oficialmente por meio do Decreto 5.622 de 19 de dezembro de 2005, que regulamenta o art. 80 da Lei 9.94 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional: Art. 1º - Para os fins deste decreto caracteriza-se a Educação a Distância como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a mediação de meios e tecnologias da informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos (BRASIL, 2005).

Em Aretio (1994) encontramos algum avanço: a referência à necessidade de que haja uma “arquitetura” educacional específica para a EAD, que a diferencia fortemente da educação presencial: Educação a Distância é um sistema tecnológico de comunicação bidirecional, que pode ser massivo e que substitui a interação pessoal, na sala de aula, de professor e aluno, como meio preferencial de ensino, pela ação sistemática e conjunta de diversos recursos didáticos e pelo apoio de uma organização e tutoria que propiciam a aprendizagem independente e flexível dos alunos. (ARETIO, 1994, p. 14).

Hoje em dia preferimos utilizar o termo “educação com mediação tecnológica”, mais abrangente em relação a todas as variedades de Educação a Distância: b Learning (híbrida de educação presencial e mediada); e Learning (totalmente mediada, sem momentos presenciais) e m Learning (utilizando a mediação de tecnologias móveis).

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Tomamos, então, a definição de educação a distância como o espaço interativo de ensino e de aprendizagem, mediado por tecnologias de informação e comunicação, no qual a aprendizagem se constrói em um ambiente afetivo, cognitivo e social, partilhado em rede. De acordo com Kaye e Rumble (1981) estas são as principais características da educação a distância: • Permite atender a uma população estudantil dispersa geograficamente e, em particular, àquela que se encontra em zonas periféricas, que não dispõem das redes das instituições convencionais. • Administra mecanismos de comunicação múltipla, que permitem enriquecer os recursos de aprendizagem e eliminar a dependência do ensino face a face. • Favorece a possibilidade de melhorar a qualidade da educação ao atribuir a elaboração dos materiais didáticos aos melhores especialistas. • Estabelece a possibilidade de personalizar o processo de aprendizagem, para garantir uma sequência acadêmica que responda ao ritmo do rendimento do aluno. • Promove a formação de habilidades para o trabalho independente e para um esforço auto responsável e autônomo. • Formaliza vias de comunicação bidirecionais e frequentes relações de mediação dinâmica e inovadora. O professor passa do status de “provedor de conteúdo” para o de facilitador da aprendizagem. • Garante a permanência do aluno em seu meio cultural e natural com o que se evitam os êxodos geográficos que incidem no desenvolvimento regional. • Alcança níveis de custos decrescentes, já que, depois de um forte peso financeiro inicial, se produzem coberturas de ampla margem de expansão. • Realiza esforços que permitem combinar a centralização da produção com a descentralização do processo de aprendizagem.

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• Precisa de uma modalidade para atuar com eficácia (...) na atenção de necessidades conjunturais da sociedade, sem os desajustes gerados pela separação dos usuários de seus campos de atuação. Como pudemos ver o conceito e a definição das características da Educação a Distância foram estabelecidos após muitas nuances. Inicialmente conceituava-se a EAD comparando-a com a modalidade presencial. Apesar de não ser totalmente incorreto, isso partia de um entendimento parcial e sem base científica. Atualmente verificamos que a EAD, que já possuía um sentido democratizante por apresentarse para muitos como única possibilidade de acesso à educação pôde, a partir de avanços tecnológicos, permitir que a educação seja acessível para um enorme contingente de estudantes sem acesso à oferta de vagas presenciais, especialmente em instituições públicas.

Evolução histórica da Educação a Distância A evolução da EAD acompanhou o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação em que se apoia. Por isso mesmo, esse desenvolvimento foi avassaladoramente rápido. Embora falemos em “gerações” esses períodos evolutivos são curtos, superpondo-se no seu início e final, acontecendo simultaneamente. Podemos falar de seis gerações da educação a distância: 1ª) Meio de comunicação textual, através da correspondência, com predomínio de material impresso. 2ª) Ensino através do rádio e da televisão, surgimento das tele e vídeo aulas. 3ª) Criação das Universidades Abertas. 4ª) Interação a distância em tempo real, em cursos que utilizam áudio e videoconferência. 5ª) Ensino e aprendizagem on-line, utilizando ambientes virtuais de ensino e aprendizagem (AVEA), maximização da utilização de recursos da internet (e-learning). 6ª) Utilização de dispositivos móveis (m-learning).

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Podemos observar, como foi dito, que as gerações em EAD não se sobrepõem ou se anulam, é fácil perceber que elementos de uma fase são encontrados em outra. Percebemos, ainda, que elas convivem simultaneamente, porém, como a diferença entre os avanços tecnológicos é grande, surgem distinções claras, principalmente de interatividade e participação, nos processos de ensino e aprendizagem entre as gerações. Nas três ultimas o aluno assume um papel de gerenciador e co-mediador na comunicação bidirecional.

Algumas polêmicas que envolvem a Educação a Distância Das muitas polêmicas que envolvem a EAD escolhemos duas para ilustrar este texto. A primeira diz respeito ao fato de ser ela uma tecnologia, apenas uma metodologia de ensino ou uma modalidade educacional. No que diz respeito à tecnologia, se a entendermos como um encontro entre ciência e técnica, por extensão, todo o conjunto de ferramentas e processos já criados pelo ser humano, dos mais simples aos mais complexos, e que todas as tecnologias levam a novas formas de pensar, de se apropriar criticamente da realidade, de fazer, de resolver de problemas, incrementando o desenvolvimento individual e coletivo, e que quanto mais revolucionário for o caráter da tecnologia, maiores as resistências que enfrenta, já que provoca maiores mudanças culturais, concluímos que a EAD, embora não seja uma tecnologia, se apropria, como ferramenta, de uma modalidade de tecnologias extremamente impactante: as de informação e comunicação (TIC). Quanto a tratar-se de uma metodologia, fica claro que não se trata de um método, mas de um aporte de variadas metodologias, recursos e ferramentas, muitos se constituem em releituras da educação presencial. Relativamente ao aspecto “modalidade educacional” podemos afirmar que sim:

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Educação a distância é uma forma de ensino que possibilita a autoaprendizagem, com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados, e veiculados pelos diversos meios de comunicação. (SANCHEZ, 2005, p. 101).

Como modalidade educacional a EAD tem aspectos próprios como uma metáfora do conhecimento: do edifício à rede (substituição da ideia de construção vertical e hierárquica do conhecimento através da superposição de conceitos, pela ideia de que essa construção se faz horizontalmente, em redes colaborativas). Essa mesma metáfora pode enunciada através da dicotomia da árvore ao rizoma. A modalidade educacional a distância tem ainda conceitos de novos “espaços” e “tempos”: continuidade da ação, mesmo com duração descontínua, onde a interconexão substitui a unidade de tempo; unidade de tempo sem unidade de lugar, onde a sincronização substitui a unidade de lugar. Possui, ainda, novas formas de escrita e leitura coletiva, hipertextuais e novas formas de pensar: o pensamento em rede- expansão das capacidades individuais e grupais. A segunda grande polêmica trazida pela EAD é a “reengenharia pedagógica” que ela demanda. A Reengenharia sugere a quebra de regras e de procedimentos dentro de um determinado contexto, proporcionando desta forma reorganizações, readaptações e novas formas de se fazer, provocando a criação de novos métodos. Shandler (1996) criou um modelo de Reengenharia Educacional, inspirado no modelo 6R’s da Reengenharia (seis fases): • Realização, • Requisitos, • Repensar, • Replanejamento, • Reformulação, • Reavaliação.

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A Educação, no entanto, bastante conservadora em sua estrutura, vê com reservas mudanças profundas, impactos de gestão, reorganização de procedimentos, altos de inovação como essas, demandadas pela EAD. No entanto, como afirma Pretto (1999, p. 84): [...] estas novas tecnologias de comunicação e informação podem vir a se constituir em um importante elemento destas transformações se pudermos vê-las em outra perspectiva que não a de simples instrumentos metodológicos mais modernos que podem ser implantados de forma isolada e desarticulada, mantendo crianças, jovens, adolescentes e professores como meros consumidores de um conhecimento pronto que passa agora a circular e ser entregue via as ditas novas tecnologias. Em oposição a isso, se pensamos nas tecnologias a serviço da produção de conhecimento e de cultura, podemos pensar na inserção do país no mercado mundial dito globalizado, numa outra perspectiva. Uma perspectiva de efetiva cidadania.

Antes de prosseguir para o próximo tópico ainda podemos elencar algumas ideias polêmicas que acompanham a EAD: a de que ela levará a prescindir de professores; a de que estudar a distância é mais fácil; a de que os cursos nessa modalidade são de qualidade duvidosa; a de que os alunos ficam sozinhos, não contam com o apoio docente; a de que os certificados obtidos em cursos não presenciais não têm o mesmo valor de mercado, entre outras. Enfim, acreditamos que se trata de uma modalidade educacional muito nova, que ainda não foi estudada em profundidade e que requer muitas pesquisas para que se possa fazer sobre ela afirmativas de cunho científico.

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Educação a Distância e formação humana Por tratar-se de educação a formação humana é meta e determinante da educação a distância, seu alvo fundamental, sua meta. A emergência e o crescimento acelerado das tecnologias de informação e comunicação, que lhe servem de ferramenta principal, provocaram efeitos que transcenderam a educação e afetaram profundamente a subjetividade humana. Para Turkle (1984, p. 3): “todas as grandes inovações tecnológicas, além dos resultados práticos imediatos, trazem consequências profundas e transcendentais que provocam mudanças, não apenas nas atividades que realizamos, mas também em nosso modo de pensar”. As mais recentes gerações da EAD trazem como novidade algo além de uma mídia, como abordam Villardi e Oliveira (2005), mas a possibilidade de que a educação a distância se faça não mais entre sujeitos separados no tempo e no espaço, mas entre indivíduos separados apenas pelo espaço físico, reunidos num espaço específico, que seria o virtual. Portanto, a EAD não difere da educação presencial em sua essência, mas em aspectos pontuais; ela faz apenas essa separação física, como vimos anteriormente, porém não há distância entre uma relação construtiva e de diálogo entre os atores envolvidos no processo educacional. Um dos exemplos claros desse foco da EAD na formação humana é o conceito de inteligência coletiva, formulado por Pierre Lévy. A inteligência coletiva permite a sinergia entre competências, recursos e projetos, a constituição e manutenção dinâmicas de memórias em comum, a ativação de modos de cooperação flexíveis e transversais, a distribuição coordenada dos centros de decisão. Opõe-se, portanto, à separação estanque entre as atividades, às compartimentalizações, à opacidade da organização social arcaica. Diz o autor: É uma inteligência distribuída por toda a parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em mobilização efetiva das competências.

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Acrescentemos à nossa definição este complemento indispensável: a base e o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas, senão o culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas. Uma inteligência distribuída por toda parte: tal é o nosso axioma inicial. Ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa, todo o saber está na humanidade (LÉVY, 1998, p.30).

Nesta perspectiva de colaboração e de construção de conhecimentos, a educação a distância se destaca por seu caráter humanista e integrador que nos permite trabalhar o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo e incentivar o desenvolvimento da autonomia educacional nos processos de ensino e aprendizagem. Passemos agora a ilustrar este texto com alguns resultados de uma pesquisa recentemente realizada.

Professores e EAD, falas e representações Embora sejam muitas as pesquisas sobre o tema, mas consideramos que esse universo de investigação dificilmente está esgotado. Vemos a inserção das TIC no trabalho docente como algo bastante viável e necessário, embora seja imprescindível buscarmos algumas alternativas e caminhos para viabilizá-la. Para fundamentar esta opinião recorremos a Papert, um dos precursores do uso do computador no ensino. Ele apresenta uma parábola em seu livro A Máquinas das Crianças (1994) em que demonstra que, embora as TIC imponham mudanças na rotina das classes escolares, muito do que existe permanecerá, fazendo com que o professor nunca se sinta um estranho naquele ambiente ou incapaz de realizar o seu trabalho. Na mesma obra Papert fala da existência de dois grupos, envolvendo alunos e professores. O primeiro grupo, que ele chama de conservadores reconhece que a escola possui problemas e mostra-se interessado em resolvê-los, mas não compreende de que forma usar computadores para auxiliar esse processo, criando certo impedimento

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para a sua utilização. O segundo grupo é o dos inovadores, que aspira por mudanças que venham a suprir as dificuldades, facilitando o aprendizado, mas indica pontos que impedem a inserção da tecnologia nas práticas pedagógicas, como custos, políticas, carência de pesquisas científicas sobre novas formas de aprendizagem. Percebemos que em ambos os casos há resistências e arestas que necessitam ser “aparadas” para que a real apropriação das TIC no ambiente escolar aconteça. Realizamos uma pesquisa cuja amostra foi de 50 professores de matemática, do 6º ao 9º ano e do Ensino Médio da rede pública de um município do estado do Rio de Janeiro. Elaboramos um questionário com perguntas abertas e fechadas que abrangia quatro áreas: o levantamento dos saberes percebidos como essenciais para o exercício do Magistério com a inclusão das tecnologias de informação e comunicação (TIC); o conhecimento das mesmas; as atitudes (positivas ou negativas) em relação à inserção das TIC no cotidiano do trabalho docente; e as opiniões sobre os conteúdos da disciplina ministrada. Ao final do instrumento inserimos um campo para “comentários diversos” que os respondentes gostariam de fazer. Para verificar a influência da área de formação (uma ciência exata) sobre as respostas dos docentes, pretendemos replicar o procedimento com uma amostra de 50 professores de uma disciplina da área das Ciências Humanas. Inserimos a partir de agora alguns resultados obtidos. O segundo campo do questionário escolhido para esta comunicação, “opiniões sobre a inserção da tecnologia de informação e comunicação na atuação no magistério”, apresentava uma escala de opiniões graduada de 1 a 5, correspondendo o grau 1 às opiniões mais desfavoráveis e o grau 5 às mais favoráveis. A partir das respostas adquiridas, as subdividimos e organizamos em quatro categorias: • Contribuição das TIC para a melhoria da aprendizagem dos alunos: respostas relacionadas à forma como as TIC interferem na aprendizagem e a importância desta interferência.

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• Facilitação das atividades proporcionada pelas TIC: respostas que mostram como as TIC facilitam a interação e a mediação nas aulas. • Receptividade dos alunos: a maneira como os alunos recebem essas tecnologias em sala e como se sentem com a sua utilização. • Intensificação da dinâmica das aulas com a inserção das TIC: respostas que abordam como os professores veem a dinâmica das aulas com o auxílio das TIC. Optamos por apresentar apenas a quantificação dos graus mais favoráveis de resposta (4 e 5) porque nos graus inferiores a concentração de respostas foi muito pequena. Aspectos avaliados

Excertos de respostas para exemplificação

Considero as TIC um marco Importância da inserção das histórico de progresso no TIC no trabalho docente trabalho do professor. Se você estimula a autonoFacilitação das atividades mia e a iniciativa do aluno proporcionada pelas TIC as atividades se tornam mais agradáveis. Percebo que os alunos Contribuição das TIC para a aprendem melhor e mais ramelhoria da aprendizagem pidamente se utilizam artefados alunos tos tecnológicos. O uso das TIC permite ao Intensificação da dinâmica professo aproveitar melhor das aulas com a inserção o tempo da aula e torna-la das TIC mais dinâmica. Os próprios alunos declaram Receptividade dos alunos que as aulas ficam mais “maneiras” e interessantes.

Atribuição de graus mais favoráveis de resposta (5 e 4) 36

36

34

33

30

Tabela 1: Atribuição dos graus 4 e 5 (respostas mais favoráveis).

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Finalizando este campo do instrumento de pesquisa incluímos uma questão aberta: “Se você fosse recomendar a um colega o uso de tecnologias de informação e comunicação nas aulas, que argumento você utilizaria?”. Analisamos o conteúdo das respostas, atribuindo frequência aos argumentos mais utilizados. Como recomendação os professores listaram os mais diversos argumentos, mas sempre dando destaque a algumas palavras em suas falas, como: dinamismo, facilitador, agilidade, motivação, participação, estratégia, prazeroso, simples, rápido, objetivo, agradável, importante e interessante. Todas estas palavras foram descritas nas respostas dos professores para demonstrar que o uso das tecnologias de informação e comunicação desperta a motivação dos alunos para a aprendizagem, melhorando a receptividade dos mesmos ao conteúdo de matemática. Isto confirma afirmações encontradas na literatura sobre o tema, como a de Penteado e Borba (2003, p. 64-65): (...) À medida que a tecnologia informática se desenvolve nos deparamos com a necessidade de atualização de nossos conhecimentos sobre o conteúdo ao qual ela está sendo integrada. Ao utilizar uma calculadora ou um computador, um professor de matemática pode se deparar com a necessidade de expandir muitas de suas ideias matemáticas e também buscar novas opções de trabalho com os alunos. Além disso, a inserção de TI no ambiente escolar tem sido vista como um potencializador das ideias de se quebrar a hegemonia das disciplinas e impulsionar a interdisciplinaridade.

Considerações finais É inegável o impacto da tecnologia na educação. No entanto, ainda que a tecnologia favoreça o avanço das práticas pedagógicas, persiste o modelo de educação que coloca o professor como detentor do saber, como único gestor do conhecimento, com ênfase tradicional, não permitindo mudanças concretas no processo educacional. 129

Considerando aqui as tecnologias e as formas de mediação, entendemos que a inserção das mesmas na educação acontece concomitantemente com a necessidade de se repensar os rumos da educação e o papel do professor. É preciso haver uma mudança conceitual na educação, para que não venhamos a permanecer nas práticas antigas com um “verniz de modernidade”. É importante também ressaltar que a EAD, apesar de sua especificidade, não constitui um campo teórico isolado da Educação. São as concepções e os princípios educacionais mais gerais que embasam as práticas de EAD.

Torna-se fundamental compreender que os desafios da EAD, e das próprias Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), são congruentes com os desafios do sistema educacional em sua totalidade, cuja reflexão implica em analisar que educação se pretende realizar, para quem se dirige, com quem será desenvolvida, com o uso de quais tecnologias e quais serão as abordagens mais adequadas para acelerar o processo de inclusão social da população brasileira. Tudo que “ouvimos” dos professores na pesquisa mostrou que eles conhecem razoavelmente as tecnologias de informação e comunicação, indo contra a ideia de que há um desconhecimento quanto às mesmas. Eles conhecem e utilizam recursos e softwares específicos para o ensino de matemática, como o Geogebra e o Matemática Kids. As opiniões sobre as TIC avaliadas demonstram representações favoráveis e disponibilidade para a utilização da mediação tecnológica. Em resumo, tudo aponta para a necessidade de inovar a prática docente, de criar novas metodologias, outras formas de “ser docente”, o que ocorre quando o professor utiliza as TIC como auxiliares nas suas aulas. Sabemos que surgiu um novo aluno que, assim como o docente, também se vê diante de uma aventura feita de estudo, pesquisa e produção de conhecimento num ambiente inovador. Embora tenhamos todo o tempo destacado a importância das tecnologias de informação e comunicação para o aprimoramento do trabalho docente e da formação humana, não esquecemos que, por si sós, elas não promovem a aprendizagem formal. É necessário que 130

o professor desenvolva nos alunos uma série de atributos cognitivos indispensáveis às aprendizagens significativas. Fica o desafio para as instituições de ensino em todos os níveis: abrir-se ao diálogo com essas tecnologias, compreender melhor os alunos nativos digitais, prover aos professores formação inicial e continuada que lhes permitam fazer das tecnologias digitais ferramenta pedagógica, incluindo-as no cotidiano docente.

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PÁTRIA EDUCADORA: uma receita de fé na educação, falta de confiança nos professores e homogeneização dos estudantes Maria Luiza Süssekind (UNIRIO) Viviane Lontra (UNIRIO) Raphael Pelosi Pellegrini (UNIRIO)

Recentemente vimos ser distribuído com alarde na mídia o documento PÁTRIA EDUCADORA: a qualificação do Ensino Básico como obra de construção nacional (Brasil; 2015), que parece ainda não ter passado de sua versão publicada como preliminar, assinado pelo ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos/SAE da Presidência da República Roberto Mangabeira Unger. Segundo seu idealizador, o documento apresenta um projeto de nação a realizar-se via reforma na educação escolar, partindo da ideia de que os professores são diretamente culpados pelo que entende como a situação ruim1 em que se encontra a educação nacional. Utilizando redação confusa, argumentos vazios e recheado de afrontas ao que se entende como uso correto da Língua Portuguesa, o PÁTRIA EDUCADORA (Brasil; 2015) recolhe preconceitos, visões simplistas e profecias mirabolantes apoiando-se basicamente na proposta de que a educação deve buscar padronizar o seu resultado, formando um estudante preparado para o mercado de trabalho, o que parece ser garantido pelo bom desempenho nas testagens internacionais.

1 Vale mencionar que os dados apresentados para considerar a educação brasileira ruim são a classificação no PISA, a suposta baixa qualificação dos professores e pouca eficiência de seu trabalho, a alegada inexistência de um sistema público de ensino, a inexpressividade de uma inteligência nacional capaz de liderar a reforma idealizada pelo autor do documento, a pobreza, o status conjugal das mães dos estudantes, entre outros.

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No documento, professores são acusados de serem maus estudantes desde a escola básica, posteriormente não se destacando na formação superior e tornando-se profissionais pouco comprometidos com seu trabalho. A formação de professores e o trabalho docente são tratados com ironia, generalização, desconhecimento e preconceito. Contudo, nada disso nos parece ingênuo. No PÁTRIA EDUCADORA (Brasil; 2015) a visão do trabalho docente, assim como a visão do que seria um estudante preparado para a vida, são reduzidas a conhecimentos únicos cujos resultados de aprendizagem poderiam ser eficientemente verificáveis por meio de testes em larga escala (como PISA), despindo-lhes do caráter inerente de criação (Süssekind; 2014), isentando-lhe de complexidade social e humanidade (Edling; 2014). Com certo escárnio, ressalta que as universidades: deixam-se fascinar, ao gosto de cada catedrático, com o torneio de manual entre filosofias da educação. Costumam, entretanto, prover ao menos alguns elementos de formação aceitável. [...] É voz corrente nas universidades e no professorado que os melhores alunos costumam não ficar na docência. Demonstradas suas credenciais, cedo procuram escapar para outra profissão. Dos que ficam, muitos procuram minimizar, a qualquer custo, tempo na sala de aula. Comumente preferem tarefas administrativas. Porcentagem impressionante, e sem equivalente em outro lugar do mundo, falta ao trabalho alegando doença. (Brasil; 2015, p.14)

Não ignoremos o inconteste desconhecimento de Unger a respeito da histórica, plural, original e internacionalmente respeitada produção brasileira na área das ciências da educação ou mesmo sobre o que se passa no cotidiano (Pais; 2003) dos cursos de formação de professores. Nem a visão de que o que não é ciência quantificável não é conhecimento, pois ambos não são nem incomuns nem sem razão. Não é difícil encontrar as ideias de que os professores são mal formados, ou de que a educação é um blábláblá nas redes sociais, programas

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de televisão, jornais e nas conversas do dia-a-dia. Como compartilha Nóvoa: Precisamos todos de saber que nada disto é novo. Já no final do século XIX se denunciava esta pseudo-ciência, inútil, barroca, palavrosa, da qual, dizia-se, “os professores devem fugir”. Troçar dos pedagogos era moda naquela época e continua a ser moda nos dias de hoje. (Nóvoa, 2015; p. 5)

Em fevereiro/2015, a série de reportagens sobre a situação dos professores no Brasil, realizada pelo Jornal Nacional da Rede Globo2, por exemplo, enfatizava que: “A larga maioria dos jovens não quer mais ser professor no Brasil, só 2% e mesmo assim são aqueles que não tiveram um grande desempenho no ensino médio e vê nas licenciaturas o caminho mais fácil de ingressar em um curso superior”, explica o diretor do Instituto Ayrton Senna3, Mozart Neves Ramos. O aluno com dificuldades de ontem se torna o professor com dificuldades amanhã. Esse ciclo vicioso não está sendo rompido nem pelos governantes, nem pelas universidades, segundo a professora Bernadete Gatti. “O professor que estamos formando hoje já está saindo nessa condição de uma formação muito precária”, afirma. [...] nas faculdades de pedagogia, sobra teoria e falta conteúdo. [...] A mistura

2 A Fundação Roberto Marinho estabelece parceria há décadas com as redes municipais estaduais e o MEC fornecendo materiais didáticos, apoiando projetos e executando treinamento de professores. Seus interesses mercadológicos na educação são óbvios. 3 Entre outros colaboradores e defensores não-governamentais das politicas para educação básica em curso, este instituto não tem poupado esforços para imprimir sua visão de educação, currículo e avaliação nas redes e no país. Vem estabelecendo crescentes parcerias com as redes municipais estaduais e o MEC visando o fornecimento de materiais didáticos, implantação de projetos e executando treinamento de professores. Seus interesses mercadológicos na educação são também óbvios.

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de formação falha desde o ensino médio, da correria e das carências cria situações como a de professores que simplesmente não leem mais.4

Questionando estas ideias hegemônicas a respeito da má formação de professores, encontramos argumentos que valorizam o trabalho docente como invenção, entendendo o papel criador dos “homens comuns” com Certeau (2013; Alves; 2001; Oliveira; 2008; Ferraço; Carvalho; 2012). Portanto, reconhecem os professores e estudantes por seu papel principal como fabricantes de conhecimentos (Süssekind; 2014, p.28) admitindo que professores não reproduzem conteúdos porque são “profissionais-intelectuais” (Moreira; 1995, p.12). Defendendo a autonomia do trabalho docente (Pinar; 2012) e a potência dos projetos politico-pedagógicos locais, a partir do resgate do sentido político e nacional, conquistado na LDB (Lei 9394/96), sublinhamos a riqueza, diversidade e localidade destas criações de conhecimentos e currículos, como “conversas complicadas” (Pinar; 2012). Reconhecemos, então, que os professores tecem redes de práticas pedagógicas que inserem na estrutura social/curricular criatividade e pluralidade (Oliveira; 2009; p. 26) e que o resultado disso, é a luta permanente pela emancipação social a partir da valorização e oportunização da diferença (Santos; 2010) e não de sua anulação. Por isso, “acreditamos que o cotidiano é o campo privilegiado da reflexividade transformadora” (Pais; 2003). E, buscando um olhar positivo da escola (Ezpeleta; Rockwell; 1989), enxergando nas ausências produzidas pelo hegemônico aquilo que ela tem de bela e viva (Victorio Filho; 2003) arriscamos admitir nunca termos conhecido um professor ruim (Süssekind; Pinar; 2014). Professores são, sim, tornados ruins quando exigimos que produzam resultados iguais (Pinar; 2008; Süssekind; 2014). Neste ensaio, partiremos do documento da SAE, visto no contexto das políticas curriculares e de avaliação que vem sendo progressivamente

4 Disponível em: < http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/02/alunos-enfrentam-faltade-preparo-de-professores-em-sala-de-aula.html > Acesso em: 11 Jun. 2015.

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implantadas pelo Ministério da Educação, sobretudo na educação básica, para discutir três ideias presentes no documento que estão largamente presentes no imaginário social e tangenciam nossas pesquisas em currículo e formação de professores no grupo de pesquisa Práticas Educativas e Formação de Professores, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UniRio, que são: a fé depositada na educação como “arma de transformação social” (Paraskeva; 2011); a falta de confiança nos professores, que gera processos de verificação e responsabilização, descritos por Pinar (2008) como “demonização”; e o entendimento subjacente de conhecimento, capturado nas entrelinhas das politicas em questão, que buscam a padronização dos conhecimentos trabalhados pelos professores e dos resultados obtidos pelos estudantes. A partir de leitura indiciária dos documentos curriculares e outras fontes, selecionamos “pistas” (Ginzburg; 1989) para pensar as relações entre professores e currículos e educação e sociedade sob uma abordagem das epistemologias da ordinariedade (Certeau; 2013) e do Sul (Santos; 2010) reforçando nosso compromisso politicoepistemológico com a justiça social, para a qual admite-se como condição sine qua non a justiça cognitiva (Santos; 2010). Temos defendido (Süssekind; 2014; p. 51, 52) que a ideia de transformar a sociedade pela educação habita o campo da crença (Paraskeva; 2011), embora seja debatida como política e legislação. Desdobra-se numa noção de currículo despida de complexidade, entendendo o documento curricular como sendo um objeto, uma lista de conteúdos, para assumir o papel de arma com um poder de educaçãodestruição em massa (Paraskeva; 2011; Süssekind; 2014). Alimentando-se de e nutrindo esta crença, estudiosos argumentaram que a educação seria uma ferramenta efetiva de mudança social (Paraskeva; 2011) defendendo a ideia de que a educação poderia modelar e melhorar a sociedade forjando cidadãos-trabalhadores (Süssekind; 2014, p.53; Paraskeva; 2011). Esta crença está calcada na primazia do pensamento cientifico (Santos, 2001; 2007), na crença em sua capacidade de diagnosticar e solucionar problemas (Vilaça; 2015; Santos, 2001; Bourdieu; 1998;

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2003), bem como no entendimento de que a partir da prescrição dos conhecimentos presentes no currículo escolar poder-se-ia educar cidadãos para uma sociedade melhor (Süssekind; 2014). Paradoxalmente, todo este poder concedido à escola acaba por atormentar os professores e estudantes assolados sob a obsessão do novo, dos resultados quantificáveis, da transformação, do homogêneo, do controle, da massificação e mercadologização na contemporaneidade. Ferraço (2008) nos ajuda a pensar que, pautados em um paradigma cartesiano, corremos o risco de pensar o mundo como um cosmos mecânico, um universo relógio, com movimentos previsíveis num tempo/espaço absoluto: “Compartimentalização, causalidade, hierarquia, linearidade e determinismo são alguns dos princípios básicos que sustentam os conhecimentos aí construídos. ” (p. 101, grifo do autor). Nesse sentido, o conhecimento torna-se um objeto que é possível ser trocado e imaginado como mercadoria de modo a possibilitar àquele que o possui alçar espaços sociais antes impossíveis. O conhecimento - assumido como impessoal e descontextualizado - torna-se assim mercadoria: quanto mais é acumulado, maior a chance de melhorar na sociedade. Além disso, reforça-se a concepção de existência de um conhecimento transformador, desencarnado dos eus e nós e transmissível por meio de práticas docentes de qualidade. Qualidade, aqui, num sentido produtivista, é assumido como homogeneidade e massificação. Este modo de entender o conhecimento como potente em si mesmo e homogêneo desperdiça a experiência (Santos; 2001) e as relações sociais que criam estes mesmos conhecimentos, invisibiliza a força criadora e inventiva do humano (Certeau; 2013) e despreza o papel das redes de conhecimentos e subjetividades (Santos; 2004) que tornam qualquer conhecimento passível de ser consumido (Certeau; 2013) relacional, situacional e contextualmente (Simmel; 1971) pelos “praticantes do cotidiano” (Certeau; 2013). Oliveira e Sgarbi (2002) afirmam que a grande luta dos que entendem e procuram respeitar a diversidade do cotidiano é “combater o pensamento hegemônico porque hegemônico, na medida em que pensar em diversidade, em “multi” é conceber que os espaçostempos do conhecimento não devem ser hegemonizados” (p.11).

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Oliveira (2009) chama atenção para o fato de que, de acordo com as propostas ditas progressistas, se mantém a ideia da “preparação para o futuro” e a crença no poder da escola sobre os estudantes. Acrescentamos que nesta crença também se insere um entendimento do espaço escolar como sendo, de certo modo, isolável do restante da sociedade e, tendo um potencial de formação da pessoa maior do que outros espaços da sociedade, como família, igreja, comunidade, configurando-se de modo homogeneizador e idealizado em escolas entendidas como “laboratórios de democracia” (Pinar; 2008). Nessas propostas: a (verdadeira) função da escola é formar o cidadão – crítico e consciente do seu papel de sujeito da própria história – responsável, portanto pela transformação da sociedade numa sociedade mais justa e igualitária, torná-lo capaz de lutar pela transformação social. (Oliveira; 2009, p.20, grifo do autor)

Delegando toda responsabilidade da construção da PÁTRIA EDUCADORA às salas de aula das escolas, atribuímos aos professores uma missão impossível, fadada ao fracasso. Não deveria causar estranhamento a opinião do diretor do Instituto Ayrton Senna de que a maioria dos jovens não quer mais ser professor no Brasil, embora o crescimento expressivo dos cursos de licenciatura, das redes municipais e da pós-graduação provavelmente aponte números que sugerem outro entendimento desta questão. Portanto, ao depositarmos nas escolas ou universidades o papel de transformação da sociedade, deixamos de lado outros tantos lugares que habitamos e que também (trans)formam. Mas quem poderia ter interesse em isentar-se da responsabilidade sobre a construção de uma sociedade melhor depositando o fardo nas costas dos professores? E que sociedade é essa que se propõe? Denunciamos que estas políticas possuem o apoio de representantes dos setores industrial e financeiro do país – interessados talvez nos altos lucros que a venda de materiais, testes e programas de qualificação de professores podem oportunizar mas, entendendo, de modo ingênuo, que assim escolas preparariam eficientemente a massa 139

de estudantes para serem convertidos em trabalhadores competentes – e que mimetizam as políticas de unificação curricular e testagem em larga escala já implantadas, sem sucesso (Pinar; 2008; Price; 2014; Edling; 2014) em outros países. Se cabem no vocabulário do mercado, as ideias de eficiência e competência tem dado de pouquíssima contribuição para o campo da educação, seja na formação de professores ou na prática educativa, apesar de historicamente presentes na relação escola-sociedade-mercado, ao contrário por exemplo, das ideias de diferença/diversidade e justiça cognitiva (Paraskeva; 2011). Azevedo (2007) nos lembra que no campo das reformas neoliberais o conceito de qualidade vem sempre vinculado a métodos quantitativos de avaliação, que afirmam a meritocracia como aptidão para competitividade, competência e eficiência. Entendendo as instituições escolares como um modelo organizacional das empresas, aferem-se resultados quantificáveis, medições e controles, reduzindo a formação do ser humano à subordinação dos interesses imediatos do mercado. Daí as práticas de avaliações externas, com sistemas de avaliação em que os sujeitos que atuam no cotidiano das instituições transformam-se em objetos passivos, sendo os processos de trabalho ignorados, as especificidades dos contextos desconhecidas. O que dá validade ao trabalho é o produto final, aferido, quase sempre, em limites quantitativos, concentrados nos resultados, avaliados de fora para dentro. (p.8)

Esteban (2009) nos faz refletir sobre a “produção de qualidade” nas instituições públicas, cada vez mais universalizadas e, portanto, simultaneamente mais vinculadas às particularidades dos grupos historicamente subalternizados, negados em seu saber, invisibilizados. Portanto, uma outra qualidade. A escola pública que se realiza a cada dia é uma escola marcada por tensões, conflitos, destituída de percepção e projeto únicos, o que leva ao questionamento sobre a padronização estimulada pela consolidação de

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processos de avaliação da aprendizagem orientados por parâmetros uniformes. A escola estruturada como parte do projeto da modernidade não se tornou realidade e seus princípios fundadores – a verdade como lei, o rigor como método, a transmissão dos conhecimentos socialmente válidos e necessários como finalidade – mostram-se insuficientes para enfrentar os desafios que a vida cotidiana contemporânea impõe. Mais do que isso, tais princípios, ainda que evoquem a democracia, articulam-se na perspectiva excludente que marca as relações coloniais, fortemente implicadas na produção do pensamento moderno. (p. 125)

Questionamos, nesse sentido, o quanto o PÁTRIA EDUCADORA trata a educação mercadologicamente e hierarquicamente, como “pseudo-ciência” (Novoa; 2015) subalternizando os professores como (maus) reprodutores de conhecimentos e os estudantes como um corpo único cuja diversidade, entendida a partir do conceito estranho de “barreiras pré-cognitivas” (Brasil; 2015, p. 4) deve converter-se em homogeneidade. Qualidade, aqui, é uniformidade. Assim, entendendo o humano, e a diferença, como obstáculo epistemológico (Bourdieu; 1998) e problema social. Argumentamos que esta ótica não é novidade e que, ao contrário de valorizar e oportunizar a diferença, é um projeto político epistemicida e abissal (Santos, 2007). Recorremos aos estudos de Santos (2007) para compreender que o pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal, que acredita em uma única forma de conhecimento e hierarquiza e abissaliza outros saberes, outros conhecimentos: Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo “deste lado da linha” e o universo “do outro lado da linha”. A divisão é tal que “o outro lado da linha” desaparece enquanto realidade, torna‑se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. (p. 79)

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Nesse movimento de estabelecimento de linhas hierárquicas, o pensamento abissal também conquista credibilidade, popularidade e sucesso (Hobsbawn; 1995), tornando-se objeto de fé (Santos; 2001; 2004; 2007; Süssekind; 2014; Paraskeva 2011). Quando abissais, os currículos demonizam por desperdiçarem a experiência (Santos; 2010), por invisibilizarem conhecimentos diferentes em detrimento de um único e por des-acreditarem, des-historicizarem os conhecimentos “criados” (Certeau; 2013), produzidospartilhados nas redes de subjetividades que produzem as tessituras dos cotidianos das escolas (Alves; 2001; Süssekind; 2014). Longe de serem acordos sociais, os currículos prescritos são resultado de relações de força e demarcam pautas arbitrárias de ensino e aprendizagem construídas como verdade, onde a transmissão de um único conhecimento e a conformação desse modo de estruturação do pensamento é entendido como único válido e colonizam o diferente (Santos; 2007), subalternizando-o. Assim, as diversas perspectivas de conhecer o mundo alimentadas pela fé, por exemplo, não existem como conhecimento, como também a emoção, o feminino, a infância, o gênero e outras experiências relacionais e sociais têm silenciadas suas potências criadoras de conhecimentos. O homem comum, professor, estudante e “os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sociais, com propriedades perceptíveis e imperceptíveis” (Marx; 1977, p. 80). Importante reforçar que subjaz aos discursos de desqualificação da ação docente um entendimento de currículo como aquilo que deve ser feito em sala de aula, um conhecimento que deve ser ensinado. A inventividade, o ineditismo e o acontecimento (Geraldi; 2010) não são contemplados, e toda atenção passa a ser dada às tecnologias de suporte ao ensino que, bem aplicadas, “sacodem a mediocridade”5 e resolvem os problemas da educação e da sociedade. Para a SAE, uma sociedade que desperdiça gênios com professores incapazes e antiéticos. No PÁTRIA EDUCADORA (Brasil; 2015) vemos a ideia de que: 5 A palavra “mediocridade” é sete vezes citada no documento Pátria Educadora (p.6 e 12) e deve ser “sacudida” para admitir aos Newtons e Darwins programas especiais e escolas de referência (p.12)

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A transformação do ensino pode ser acelerada pelo uso criterioso de tecnologias de dois tipos: as aulas em vídeos e os softwares interativos. Os primeiros permitem enriquecer e sacudir o ambiente da escola com inspiração vinda de fora. Os segundos acrescentam à inspiração vinda de fora a oportunidade para o aluno avançar por conta própria. (p. 19)

Reduzindo a prática docente a métodos e técnicas e reduzindo os métodos e técnicas a algo neutro e aplicável em qualquer espaço e tempo, o autor revela sua crença no tecnicismo. Acredita ele que o estudante é enriquecido com conteúdos eleitos de fora para dentro e o que, de fato, acontece nos cotidianos das salas de aula é invisibilizado pelos currículos, materiais e testes massificados. As experiências são desperdiçadas, os professores “demonizados” (Süssekind; Pinar; 2014), e todos são negligenciados em tudo aquilo que aprenderam e aprendem em outros contextos sociais da vida cotidiana. Nessa perspectiva abissal de ensino e de mundo, os currículos tornam-se planos despidos de complexidade, listas de conteúdos reprodutíveis em quaisquer contextos já que são constituídos de modo idealizado, desvinculados dos cotidianos das escolas. Constituem-se como imagens, significados e valores cristalizados a serem reproduzidos nas salas de aula. Dessa forma, reforçam a concepção da existência de um conhecimento potente e atira-se com isso num abismo epistemológico saberes negociados pelos praticantes das escolas nos percursos das salas de aula, desperdiçando parte das experiências de mundo produzidas nesses espaços de aprendizagemensino. Outras formas de compreensão de currículo, de escola e suas funções guiam ações diferentes e possibilitam abordagens distintas no encaminhamento da discussão. Por meio das pesquisas nos/dos/com os cotidianos compreendemos com Alves (2014; p.1478) que “currículos – no plural - são formados por aquilo que os docentes e discentes fazempensam nas salas de aula de cada escola brasileira.” Na mesma perspectiva, Oliveira (2012; p.3) nos ajuda a entender os currículos como pensadospraticados visto a indissociabilidade existente

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entre prática e teoria, entre reflexão e ação. Daí a (im)possibilidade (Süssekind; 2014) dos que pensam os currículos como criação cotidiana (Oliveira; 2012) aceitarem a implantação de um currículo comum. O documento PÁTRIA EDUCADORA, a despeito de seu histrionismo, se alinha às ideias da Base Comum para educação básica e parece pretender criar uma forma de regulação baseada num currículo mínimo, estreitamente vinculado aos sistemas de testagem padronizada e que opera segundo modelos privados de gestão. O argumento para esta defesa é que “ficará claro para todo mundo quais são os elementos fundamentais que precisam ser ensinados nas Áreas de Conhecimento: na Matemática, nas Linguagens e nas Ciências da Natureza e Humanas.”6 A educação pública, avaliada, classificada e monitorada se vê assim em uma relação mercadológica de concorrência através dos diversos exames padronizados e classificatórios. A Prova Brasil, por exemplo, produz dados que “visam servir de subsídio para o diagnóstico, a reflexão e o planejamento do trabalho pedagógico da escola, bem como para a formulação de ações e políticas públicas com vistas à melhoria da qualidade da educação básica7”. Não te parece estranho, leitor, que uma prova onde as crianças têm suas escritas corretas invalidadas como conhecimento, se confundem a imagem de uma laranja com a de uma manga, possa gerar resultados tão poderosos? Se concebemos a escola como espaço de transmissão do conhecimento, vemos as testagens em larga escala de uma forma bem diferente do que se a concebemos como espaçotempo de possibilidades, de criação, circulação e produção de diferentes conhecimentos. Nessa perspectiva, entendemos a impossibilidade de mensurar os saberes que são criadoscompartilhadosexperienciados nos cotidianos das escolas.

6 Disponível em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/index.php/base-nacional-o-que-e/>. Acesso em: 2.Set.2015. 7 Disponível em: . Acesso em: 14 Jul. 2015.

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Oliveira (2008) nos ajuda a compreender que as maneiras de fazer, estilos de ação dos sujeitos reais, obedecem a outras regras que não aquelas da produção e do consumo oficiais: Para além do consumo puro e simples, os praticantes desenvolvem ações, fabricam formas alternativas de uso, tornando-se produtores/autores, disseminando alternativas, manipulando, ao seu modo, os produtos e as regras, mesmo que de modo invisível e marginal. (p.56)

Por isso, levantamos as (im)possibilidades (Süssekind; 2014) de tais propostas regulatórias (Santos; 2004) serem implantadas tal qual foram pensadas, pois, como afirma Certeau (2013; p.38), “o cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada”. Ao mesmo tempo, chamamos atenção a respeito da “demonização dos professores” (Pinar; 2008) provocada por essa união funesta entre currículos unificados e testes padronizados, Pinar em entrevista a Süssekind (2014), enfatiza que: A fantasia de melhoria alimentada pelos testes padronizados coloca os professores em uma situação de autodestruição, insustentável. Uma situação impossível, pois o professor precisaria trabalhar em sala de aula de modo a compensar as desigualdades em vários domínios: dificuldades econômicas e sociais e, em certos casos, familiares. Como sabemos, o sucesso escolar de uma criança – seja lá o que se entenda por isso – é colocado em suas mãos [...] é como se o professor fosse um mágico que pudesse consertar tudo. Logo, é feito para terminar mal. E termina mal... Porque mesmo nas escolas em que os resultados dos testes melhoram é uma história sem fim. Sempre há o que melhorar e testar e melhorar. Na verdade, se todos

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tivessem um desempenho perfeito nos testes, os testes seriam inúteis, certo? Então os testes somente têm sentido quando selecionam e distinguem as pessoas, portanto, é preciso que haja falhas e fracassos. Alguém precisa perder. Então é uma corrida numa esteira que não só nunca é desligada, como a velocidade só aumenta. [...] A experiência do teste substitui a experiência acadêmica de compreensão. (p. 94, 95)

No documento PÁTRIA EDUCADORA torna-se evidente, além da obsessão homogeneizadora, a primazia do pensamento científico e “o reconhecimento das hierarquias de des-pertencimentos que produzem da exclusão às invisibilidades até as inexistências” (Süssekind; 2014). Como consequência de tal perspectiva, o projeto de democratização da educação, e da sociedade neste bojo, não se constrói com “justiça cognitiva” (Santos; 2010) – “multiplicação das relações de troca igualitária entre diferentes, na qual ambos se enriquecem por meio de reconhecimento mútuo e aprendizagens (diferentescomuns) a partir do acesso a conhecimentos diferentes e comuns” (Süssekind; 2014) – mas reforçando uma “linha abissal” (Santos; 2007). Além de valorizar a experiência do teste mais que a da compreensão (Süssekind; Pinar; 2014), e demonizar os professores (Pinar; 2008), a proposta, então, claro, também coisifica os estudantes. Aqueles que possuem seus saberes, conhecimentos e experiências desqualificados são estigmatizados (Elias; 2000) com a marca do fracasso escolar, reforçando a histórica subalternização e culpabilização das vítimas. Com Esteban (2009), compreendemos que atuar no cotidiano escolar das classes populares exige diálogo constante com os sujeitos que habitam as margens sociais e significa se comprometer com a produção diária do êxito como uma possibilidade real para um segmento social historicamente negado, marginalizado, abandonado, fracassado. Contudo, veremos no documento da SAE que o entendimento segue outra direção, pois advoga que:

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nas periferias e nos bairros pobres de nossas cidades, mais da metade das famílias costuma ser conduzida por mãe sozinha, casada ou solteira. Revezam-se os homens como companheiros instáveis. Esta mãe, pobre e geralmente negra ou mestiça, luta para zelar pelos filhos e para manter ao mesmo tempo emprego ou biscate. (p.14)

Para a SAE, que se propõe estrategicamente a resolver o problema da educação multiplicando-o em nosso entendimento, seria preciso apagar as histórias de vida da “parte da massa de alunos pobres” (Brasil; 2015, p. 12-14) para que eles consigam aprender os conteúdos importantes e vencer “os obstáculos que podem parecer intransponíveis em subir a escada das capacitações analíticas” (Idem) quando se é vitima de “inibições, às vezes chamadas socioemocionais, que barram o caminho” (Ibidem). A busca de homogeneização dos conhecimentos provoca abissalidade, apagamento do humano e subalternização do outro. Relacionando, não desinteressadamente, os resultados (julgados) ruins coletivos dos sistemas públicos de ensino nos testes em larga escala à características inatas e sociais dos indivíduos, o PÁTRIA EDUCADORA estabelece um processo de marginalização e estigmatização (Elias; 2000). Atribuindo ao estudante pobre, negro, morador de periferia, filho de mãe solteira, trabalhadora informal a existência generalizada de uma condição de dificuldade de aprender os conteúdos exigidos e explicando isso por conta de sua condição social e história de vida, o documento abissaliza mais que o currículo ao apresentar como inferior tudo que foge a um certo modelo de sociedade. De que pátria estamos falando? Quem cabe na pátria de Unger, Marinho e Senna8? Vítimas de cotidianos epistemicídios (Santos; 2004) sob a lógica de controle que marca o imaginário neoliberal (Ball apud Macedo; 2014, p. 1553), algumas práticas escolares são desqualificadas e

8 Referência a Viviane Senna, do Instituto Ayrton Senna.

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invisibilizadas. Os professores acabam culpados e demonizados (Süssekind; 2014) enquanto vemos multiplicar a arquitetura de regulação (Santos; 2004) através de punições, classificações, bônus, inundando as escolas com livros didáticos, manuais e cartilhas que orientam o professor. Diante da proposta de intervenção curricular e seus testes padronizados, aulas-modelo e discussões para implementação de um currículo comum, assistimos aos professores, estudantes e conhecimentos cotidianamente inventados serem tornados inexistentes (Santos; 2007), abissalmente.

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Alfabetização e vivências de alteridade: duas narrativas em dois contextos Arlindo Cornélio Ntunduatha Juliasse (UERJ)

Ela só tinha um remédio para se melhorar: era contar a sua história. Eu disse que a escutava, demorasse o tempo que demorasse.[...]. Então, me contou a sua história. Mia Couto (Escritor moçambicano)

Introdução Neste trabalho, procuro compreender as práticas de alfabetização e vivências de jovens e adultos a partir de duas narrativas descritas em dois contextos (na travessia e pós-travessia do rio). As narrativas surgiram partindo da minha própria experiência de pesquisador em busca de dados, percorrendo os caminhos quase desfeitos em Moçambique, por conta da queda demasiada de chuvas que destruíram infraestruturas escolares, de habitação, de transportes rodoviários, ferroviários e linhas de distribuição de energia elétrica, dificultando a circulação normal de pessoas e bens para chegar a Nampula1, especialmente na travessia improvisada do Rio Licungo na Província da Zambézia2. Neste texto, relatos de experiências de convivências de escuta de alteridade me ressignificaram e brotaram dos contatos na viagem de trabalho de

1 Nampula, é umas das províncias (Estado) de Moçambique com cerca de 4.084.656 de habitantes de acordo com o censo de 2007, situa-se na região norte do país. 2 Zambézia, também é uma das províncias de Moçambique, situa-se na região fazendo fronteira com a província de Nampula.

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campo com dois sujeitos “alfabetizados” em espaço e tempo diferente (colonial e pós-colonial). O conceito de alfabetização neste texto associa-se a ideia segundo a qual não se limita apenas à capacidade de entender formas escritas e impressas, mas também “as mudanças sóciocognitivas que resultam de ser alfabetizado, e de ser uma população alfabetizada. Ainda assim, ao mesmo tempo, a alfabetização implica uma avaliação da utilidade dessa capacidade” (COOK-GUMPERZ, 2008, p.31). Acrescenta-se a esta definição, a sua relação com as “práticas da língua escrita que contemplam os usos sociais da leitura e da escrita, como também as concepções que as pessoas possuem sobre si mesmas” (KALMAN, 2009, p.75). Conforme estes autores a leitura e escrita envolvem práticas sociais. Nesta ótica, o Sistema Nacional de Educação em Moçambique enquadra a educação de adultos no ensino extraescolar e nas modalidades especiais do ensino escolar. Quanto ao ensino escolar, lê-se no Art. 31 da Lei 6/923 que o ensino de adultos é aquele que é organizado para indivíduos que já não se encontram na idade normal de frequência do sistema de ensino geral e formação técnico-profissional, incluindo aqueles que não concluíram. De acordo com esta lei, tem acesso a esta modalidade de ensino os indivíduos a partir dos 15 anos para o ensino primário e a partir de 18 anos para o ensino secundário. Quanto a perspectiva epistemológica, o texto fundamenta-se nas relações de alteridade construídas na linguagem como processo de produção de conhecimentos. Tais relações se estabelecem tendo como referência os diferentes lugares que os indivíduos ocupam na sociedade, em momentos diversos de sua história pessoal e profissional de onde proferem seus enunciados. Esses lugares produzem um ponto de vista possível a cada sujeito, que em sua caminhada complementa o outro. Nesse sentido, (re) discutindo a concepção de dialogismo de

3 A Lei nº 6/92 de 6 de Maio de 1992, revoga e reajusta a lei nº 4/83 de 23 Março de 1983 que cria o Sistema na Nacional de Educação em Moçambique

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Bakhtin (2000) como um evento que acontece na unidade espaçotempo da comunicação social interativa, sendo por ela determinado. Portanto, o que se diz é determinado pelo lugar de onde se diz. Foi na travessia do Rio Licungo em Moçambique, que travei a primeira conversa com os sujeitos desta pesquisa, inicialmente com Sr. Mundhimua, o qual me deu pistas para me encontrar com a Sra. Bibi. Trata-se de encontros entre “desconhecidos” como nos sugere Skliar (2014), refiro-me de encontros entre desconhecidos novos: os que chegam ao mundo, os que entram nele; desconhecidos anônimos: os que estão ali, mas com os quais nunca conversamos; desconhecidos diferentes: aqueles a quem convidamos a igualdade, ainda marcados pela suspeita de não serem capazes de conversar, de não ser capazes ainda, ou definitivamente, de estar entre nós. A partir dessas conversas iniciais me apercebi que estava diante de “bons entrevistados” como na definição de Aspásia Camargo, lembrado por PINSKY (2008): Aquele que, por sua percepção aguda de sua própria experiência, ou pela importância das funções que exerceu, pode oferecer mais do que o simples relato de acontecimentos, estendendo se sobre impressões de época, comportamento de pessoas ou grupos, funcionamento de instituições e, num sentido mais abstraio, sobre dogmas, conflitos, formas de cooperação e solidariedade grupai, de transação, situações de impacto etc. Tais relatos transcendem o âmbito da experiência individual, e expressam a cultura de um povo, país ou Nação, chegando, a partir de categorias cada vez mais abrangentes - por que não? - ao denominador comum à espécie humana (CAMARGO, apud PINSKY, 2008, p.173).

Por conseguinte, a riqueza do saber desses sujeitos permitiu-me convida-los para uma entrevista. Nesse sentido, metodologicamente embarquei pela História oral, uma metodologia que segundo PINSKY (idem, p.155) “permite o registro de testemunhos e o acesso a ‘histórias dentro da história’ e, dessa forma, amplia as possibilidades de

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interpretação do passado”. Efetivamente, esta metodologia consiste por um lado, na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos e conjunturas do passado e do presente. Por outro, tais entrevistas são produzidas no contexto de projetos de pesquisa, que determinam quantas e quais pessoas entrevistar, o que e como perguntar, bem como que destino será dado ao material produzido (PINSKY, 2008). Por outras palavras, o recurso a esta metodologia nos possibilita não só, a deixar de pensar em termos de uma única história ou identidade nacional, mas também a reconhecer a existência de múltiplas histórias, memórias e identidades em uma sociedade.

Primeira narrativa: travessia do rio licungo, histórias e vivências do canoeiro Durante o percurso da viagem de pesquisa que venho desenvolvendo no doutorado, deparei-me com dois obstáculos principais que interferiram de alguma maneira no meu trabalho. Por um lado, as condições climáticas que viveu Moçambique neste último verão, com a queda demasiada de chuvas que destruíram infraestruturas escolares, de habitação, de transportes rodoviários, ferroviários e linhas de distribuição de energia elétrica, dificultando a circulação normal de pessoas e bens. Por outro, uma convivência com a malvadez dos poderosos (homens) e com o sofrimento do povo fragilizado que precisava de forças para se virar da dupla dominação: a da natureza e do homem malvado. Foi um dia, caraterizado por aflição, dor, angústia e desespero. A travessia estava interrompida por conta da destruição da ponte pela correnteza de água da chuva que caíra excessivamente na região Centro do país. Tratou-se de uma situação de emergência na qual a grande luta era pela sobrevivência, o homem confrontando-se com a realidade que não depende dele, mas que pelas suas necessidades vitais é chamado a agir.

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No meio a esses percalços, vivenciei uma experiência triste e alegre ao mesmo tempo. Triste porque tive que correr riscos de vida ao atravessar um dos grandes rios do País de Canoa, carregado pela fúria das águas. Os barcos convencionais, considerados seguros, eram escassos e os critérios de elegibilidade das pessoas para embarcar eram (in) transparentes e/ou corruptos. Foram 8 horas de espera aguardando que a minha oportunidade de subir o barco chegasse, mas nunca chegava. Ao longo desse período, fui observando a multidão presente que aguardava igualmente o acesso a esses barcos para a travessia. Enquanto uns furavam a fila, corrompiam as autoridades responsáveis pelos barcos, outros gritavam sem voz e emagreciam os seus rostos pelo desespero. Mas, ao lado, bem próximo de nós, estavam os canoeiros, com as suas canoas, transportando outras gentes na insegurança, sem coletes salva-vidas, mas num ambiente tranquilo de atendimento. De tanto cansado pela espera e injustiça que estava ocorrendo nas minhas barbas, gritei desesperado “basta”, respeitem o sofrimento do povo! Em seguida, um grupo considerável de passageiros que estava aí presente, também gritou, aplaudindo meu gesto de coragem. Envergonhados, os responsáveis pela desorganização, os comandantes da tripulação se aproximaram de mim ameaçando que não iria embarcar naqueles barcos até no dia seguinte por ter agitado as pessoas e desobedecer às autoridades! Não tinha feito nada a mais se não reclamar pelo mau atendimento. Enquanto eles proferiam as ameaças, eu ia gravando as conversas, mas logo em seguida se aperceberam que estava gravando as suas falas, de imediato, se aproximaram novamente e de forma agressiva retiraram o celular das minhas mãos, tendo apagado as filmagens incluindo fotos antigas! Só me devolveram o celular quando mais tarde souberam que eu era professor. A gravação tinha em vista apenas a minha defesa/proteção como cidadão diante do poder das autoridades sobre a fraqueza do povo. Porém, esta revelação os deixou mais inflamados de raiva, daí começaram a falar mal de mim, tentando me envergonhar por tê-los criticado. “Que professor você é?”, perguntou um dos militares. “O

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que você ensina aos seus alunos?”, acrescentou outro. É “por isso que temos má qualidade de ensino com esse tipo de professor que não respeita as autoridades”! Concluiu o terceiro membro de “autoridades” presentes. Diante daquela desordem respondi instantaneamente que eu era professor que ensina os alunos a “desobedecer” discursos violentos, a desobedecer a ordens de injustiças, a não admitir o sofrimento do povo e corrupção sem poder fazer nada. Sou esse professor que ensina os alunos a não se aproveitar do sofrimento do povo, antes pelo contrário a ajuda-lo. E sou feliz por esse trabalho gratificante! “E vocês, a quem protegem?”; “a quem defendem, ou a quem servem?” Ninguém me respondeu e se foram embora! No silêncio, ia me questionando: será que continuarei nesta margem ou atravessarei para outra? Com um olhar magro de preocupação, fui revelando a minha preocupação no rosto até que apareceu um senhor ao lado que, em conversa, me confidenciou que teria atravessado o rio no dia anterior com o canoeiro que acabava de chegar a nossa margem e que o mesmo teria participado do resgate das vítimas do naufrágio que acontecera com um dos barcos convencionais, considerados “seguros”! Percebi que os canoeiros estavam aí na travessia, mas não eram considerados pela sua insignificância, não tinham o direito a coletes “salva-vidas”. Tanto os gestores das calamidades quanto a maioria ou pelo menos um número considerável da população que estava aí instalada, não via, ou, se via, não valorizava o trabalho dos canoeiros. As nossas atitudes naquele espaço davam uma sensação aparente de não estarmos preocupados em encontrarmos alternativa, não tínhamos parado para ver de fato a relevância do trabalho daqueles canoeiros e só ali, diante de um olhar atento dos seus movimentos de navegação fui me dando conta que no cotidiano eram (in) visibilizados: o trabalho, a significância e seu sentido.

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Foi nesta dura realidade que conheci o senhor Mundhimua4, de 42 anos idade. Ele é alto, magro e parece-me bastante simpático, alegre e motivado pelo que faz. Olhei para ele e naquele instante, ganhei coragem junto a outros 4 passageiros que iam embarcar daquela Canoa. Para reduzir o medo e assegurar que a travessia fosse rápida apesar de tanta incerteza que pairava entre nós, fomos conversando e inventando estórias. Estávamos na Canoa atravessando o Rio Licungo e pedi ao sr. Mundhimua para falar da sua experiência de vida e de trabalho com a Canoa. E ele, começou por comentar nos seguintes termos: “Tive uma vida dura desde criança, os meus pais foram mortos pela guerra civil que durou 16 anos em Moçambique. Fui criado pelos meus avós paternos. Tudo o que sei, eles é que me ensinaram, ensinaram-me a pescar, a cuidar da ‘minha vida e a dos outros’.” Hoje, ele é Canoeiro com “calos nas mãos”, expressando-se pela sua atividade prática da vida cotidiana com sabedoria tradicional, singular e original de quem realiza a atividade porque sabe fazer e com amor. Esta passagem da conversa me remeteu a ideia de que a educação familiar para o Sr. Mundhimua consiste em ensinar e aprender a cuidar de si e do outro. Foi o que ele generosamente estava fazendo conosco ao longo da travessia. Este gesto do sr. Mundhimua fez pensar sobre a escola e as nossas práticas educativas: Será que a nossa escola tem ensinado a cuidar do outro? Será que nós, professores, temos sido generosos no sentido de ajudar, facilitar aprendizagem dos alunos em nossas escolas hoje? Faria sentido pensar numa prática pedagógica de generosidade entre professor-aluno-professor e alunos-professores-alunos, alunos entre si e professores entre si? E continuamos o percurso falando de outros assuntos. Remando de remo em remo, de onda em onda, o canoeiro foi atravessando o avesso, 4 Tradução literal da Língua Echuwabo falado na Província da Zambézia em Moçambique, que significa alguém mais velho, não só pela idade, mas e principalmente pela sabedoria, pelo mérito, exemplar na comunidade. Usei esse termo pelo reconhecimento que este sujeito tem na comunidade, e como forma preservação da sua personalidade.

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difícil, mas tranquilo e confiante, era como se estivesse dizendo que em breve estaremos na outra margem do rio. O mais impressionante ainda é que a Canoa parecia passar numa linha já por ela traçada, como acontece com os trens e metrôs quando circulam pelos seus carris, um avião telecomandado que vai direitinho ao ponto. Parecia ter medidas tão exatas sobre a produção da canoa, número de passageiros, da profundidade do rio, da amplitude das ondas, da intensidade da corrente de água, de âncoras invisíveis que atacavam a canoa para as pessoas subirem e descerem com tranquilidade. Aqui encontro algumas palavras-chave que me parecem importantes destacar: tranquilidade e confiança. Mas também não me escapa outro questionamento a seguir que passa pela minha cabeça. Em relação a palavra confiança, apesar de ser discutível no contexto educacional quanto a sua aplicação, aproveito o pensamento Biesta (2014, p.45) ao afirmar que “a educação só começa quando o aprendente está disposto a correr risco, porque a confiança gira em torno daquelas situações em que não se sabe e não se pode saber o que vai acontecer”. No entender de Biesta, a confiança é, pela sua natureza, sem fundamento, porque se alguém soubesse o que iria acontecer ou como a pessoa com quem depositou confiança agiria e responderia, ela não seria necessária. No silêncio fui refletindo, que conhecimentos geográficos, físicos, matemáticos, geométricos, hídricos por ai em diante este Canoeiro devia ter? Quando chegamos à outra margem do rio, enquanto descansava para tomar o seu almoço, questionei-o onde teria aprendido a navegar? A resposta foi simplesmente esta: acompanhava o meu avó na pesca, depois fui trabalhando sozinho. Fui um pouco na escola, fiz 3º ano de alfabetização, mas não continuei porque a escola fica longe e não dá para frequentar a noite; a guerra também atrapalhou e, meu avô me levava a pesca. Mas agora estou a ver que a escola é bom mesmo, eu sei ler e escrever um pouquinho pra falar com as pessoas... e

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minhas crianças é que vão na escola, o mais grande está avançado mesmo quase... ficar enfermeiro, vai ajudar a nossa família [...] risos (Informação verbal).

Nesta conversa, ainda que parcial, o sr. Mundhimua define a escola como espaço de aprendizagem de algo para o trabalho institucionalizado, empregável, remunerável para “ajudar a família”. Esta situação me leva a questionar o sentido da nossa escola, os seus objetivos e o modo como temos atuado para maximizar os outros saberes adquiridos fora da escola e que os jovens e adultos possuem, dando primazia apenas os valores e sabres da classe dominante. Tal como nos reporta Santos (2001, 2008, p.106) na sociologia das ausências segundo a qual “não há ignorância em geral nem saber em geral. Toda ignorância é ignorante de certo saber e todo saber é a superação de uma ignorância particular.” Por isso, nos sugere a aceitação da existência de uma pluralidade de formas de conhecimentos cuja utopia seria aprender outros conhecimentos sem esquecer os próprios. Esta experiência de travessia do rio, da invisibilidade dos canoeiros e seu trabalho, fez-me igualmente pensar nos dizeres de Trindade (2000) quando argumenta que agente a gente olha, mas não vê, a gente vê, mas não percebe, a gente percebe, mas não sente, a gente sente, mas não ama a pessoa [...] a vida que ela representa, as infinitas possibilidades de manifestação dessa vida que ela traz. A gente não investe nessa vida, e se a gente não investe nessa vida, a gente não educa e se a gente não educa no espaço e tempo de educar, a gente mata, ou melhor, a gente não educa para vida; a gente educa para morte das infinitas possibilidades [...] para uma morte em vida: a invisibilidade. Esta afirmação traduz humildemente a minha indignação, me parece prazeroso a inculcação de preconceitos que corroboram para a reprodução de discursos de poder (FOUCAULT, 1996) que produzem concomitantemente maiorias invisíveis e silenciadas, mas que fazem muita diferença na nossa vida cotidiana, mais triste é que isto tende a ser cada vez mais forte que nem nos apercebemos. Pela minha alegria, essa discussão fez me enxergar a existência de homens que estavam

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aí (in) visibilizados pelo discurso de perigo e insegurança a sua navegação, mas trabalhando arduamente, ajudando o povo a atravessar de uma para a outra margem do rio através das suas Canoas, seu trabalho, sua coragem e determinação. Partindo do pressuposto de que a vivência de escuta do outro, provoca um desafio não só ao narrador que ao tentar reconstruir um fato, imprime sua marca na interpretação, mas também ao pesquisador, pois ao ouvi-lo, pode atribuir ao mesmo fato outro significado. Portanto, coloco-me nesse espaço de entre lugar para interpretar as falas de Mundhimua, sem sufocar a sua voz não só pela sua rica trajetória de vida, mas também por causa de sua extraordinária imaginação. Nesse sentido, ao contar a sua história, ainda que de forma rápida pelas circunstâncias em que nos encontramos no cruzamento da vida, Mundhimua revela nos seus olhos o valor de sua cultura, marcada pela arte de saber trabalhar a terra, de mergulhar nas profundidades dos rios, da sua relação forte com natureza. Relata de forma simplificada, o esforço da gente simples de sua comunidade, na produção do milho nas “machambas” (roça), do arroz no baixo Zambeze5, do feijão, entre outras culturas. Era como se ele estivesse me dizendo que enquanto haver cumplicidade entre o eu, o outro e a natureza, já mais haverá fome, sofrimento, porque trabalho é o que não falta. Percebe-se igualmente pela sua imagem alegre, timbrada no rosto, por sua vontade de luta e o gosto pelo seu lugar que se encontra em atravessamento entre a vida urbana e a do campo, entre o tradicional e moderno, destacando que ela não é inferior à cultura da cidade. Diz que, embora não seja um homem considerado “instruído”, sabe ler, escrever e muitas coisas que os “bem-instruídos” não sabem, por exemplo, como cultivar os artigos de subsistência e lavrar a terra, remar, pescar entre tantos outros afazeres que também alimentam essa gente que se considera “instruída” e “citadina”.

5 Refiro-me das áreas extensas e propensas a produção de arroz na Província de Zambézia em Moçambique.

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E, continuando a reconstrução das imagens do seu passado, aponta que entre as inúmeras qualidades que lhe foram transmitidas por seu avô estão “a bravura no trabalho, a honestidade, o prazer de ser lavrador, pescador e de não gostar de preguiçosos, porque eles se tornam invejosos e perigosos”. Para ele, “os invejosos são pessoas que geralmente não querem trabalhar, nem deixam que os outros trabalhem a vontade”. Por isso, os valores como “honestidade e caráter”, que lhe foram inculcados por seus avós, são “preciosidades” que ele “não trocaria pelo diploma de nenhum doutor”, pois “não adianta ser doutor e ser desonesto” como “aquelas autoridades que estavam a subornar as populações pela travessia de barco e em tempo de sofrimento”. Mundhimua, visivelmente emocionado pela tristeza que vem nos seus olhos, lamenta acrescentando que “o governo enviou-lhes para socorrer o povo nessa travessia do rio e, eles cobram dinheiro a esse mesmo povo que está precisando de ajuda”. “É para isso que a escola dos doutores serve?” “Eu ensino aos meus filhos e netos, já tenho dois netos [risos...], os valores que os meus avos me ensinaram”. O mais impressionante nas suas falas, Mundhimua, faz uma ponte interessante no território escolar em atravessamento, ligando o caminho da casa à escola dos seus filhos e dos futuros netos, ao afirmar que “quando os meus filhos vão a escola, lembro-lhes sempre para que não se esqueçam dos “ensinamentos” de nós, pais. “Não é para nos desprezar, nem para ficar contra nós com essas coisas modernas, mas é para nos ajudar a pensar sobre a nossa vida e a dos outros da comunidade e do nosso país”. É isso que eu espero da escola. Concluiu. Segunda narrativa: história de alfabetização e vivências de bibi Depois da história de Mundhimua, atravessei-me com outra, contada indiretamente, mas que vale a pena acompanhar. Era uma vez, um sujeito que atravessou os tempos “coloniais e pós-coloniais”. Esse sujeito era e continua sendo visto como uma fonte de inspiração, um exemplo de luta anticolonial, uma história de vida que nos ensina a ser educadores generosos, mas também a questionar como a nossa escola prepara as pessoas para vida e ao mesmo tempo como ela própria é produtora de “analfabetos”.

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Em uma conversa sem importância, escutei a história de generosidade de Bibi, uma educadora de jovens e adultos que se tornou analfabeta com o tempo. Informaram-me que ela ainda está entre nós, mas gradualmente vai atingindo seu fim, a sua memória está se apagando, lembrando-se apenas da felicidade que sente por ter cumprido um dever de cuidar dos outros por meio da educação em diferentes espaços e tempo. A jovem Bibi, como carinhosamente lhe chamam, aprendeu a ler e escrever as primeiras palavras em língua portuguesa na casa de um colono português onde a sua mãe trabalhava. Conta que aprendeu a ler imitando outros que liam, até que despertou atenção da mãe e dos donos casa, que decidiram lhe inscrever na escola para assimilados. Foi nessa escola que Bibi frequentou até a 4ª classe do sistema colonial de ensino, nível que lhe deu a possibilidade de ser professora nas escolas das zonas libertadas durante a luta de libertação nacional. Tarefa que perdurou até a primeira década após a independência nacional de Moçambique. Os anos se foram, a Bibi formou parte dos vários alfabetizadores, educadores e professores que orgulhosamente proclamaram e proclamam a este sujeito como símbolo de luta e generosidade. Uma história de leitura e escrita que aconteceu na espontaneidade, de forma pura, original, lúcida e apaixonada. Foi uma experiência, entendida como “aquilo que nos toca, que nos acontece [...]” (LARROSA, 2014, p.10). Pois, não teve formação para ser professora, mas também iniciou a ler e escrever antes de ir a escola. Mas o que me chamou mais atenção nessa história de Bibi é a forma como ela ao longo do tempo foi perdendo os domínios de escuta e fala de leitura e escrita em língua Portuguesa, como se em algum momento de sua vida não tivesse usado, essa língua, essa linguagem. Mas, ela escuta e fala, lê e escreve em sua língua materna! O que terá acontecido com Bibi? Fica a questão que nos próximos textos continuarei com esta história. Esta experiência da Bibi me remeteu a duas ideias fundamentais. A primeira é a de formação docente, tendo em conta a sua subjetividade,

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sua história de vida. Pois, “as concepções sobre práticas docentes não se formam nos cursos de formação, encontram-se enraizadas nos contextos e histórias individuais que antecedem até mesmo a entrada na escola e estendendo-se por toda avida”. (CASTANHO, 2002, apud LODI, 2010, p.37). Por isso, estes autores afirmam que a nossa identidade pessoal e profissional é um emaranhado de todas as relações vividas, que se cruzam e produzem múltiplas ambiguidades e contradições e que vão se entrelaçando, tecendo, trazendo à tona todos os momentos de alegrias, tristezas, harmonia, tensão, dúvidas, realizações, desânimos, conquistas que fazem parte de nossa vida, desde que começamos a nos fazer como pessoas. A segunda seria provavelmente a que dá primazia as práticas que definem a educação de jovens e adultos, na vertente da escolarização. Paiva (2006) refere que por muito tempo, e até hoje, continuam compreendidas no âmbito do atendimento aos que não sabem ler e escrever, privados da rede de conhecimentos que se produz, se organiza se dissemina, se socializa por meio da escrita, sem que o acúmulo de experiências se associe a sucesso, na luta “contra o analfabetismo”. Seria esta uma situação que nos faz pensar na necessidade de propor programas de alfabetização e educação de adultos que propicie a aprendizagem ao longo da vida? Em relação a esta questão Paiva (2006a) revelou-me que este seria o verdadeiro sentido da educação de jovens e adultos, que ressignifica processos de aprendizagem pelos quais os sujeitos se produzem e se humanizam, ao longo de toda a vida, pois, não se restringe à questão da escolarização, e muito menos da alfabetização.

Tecendo conclusões para iniciar o debate O processo de alfabetização e vivências de Mundhimua e da Bibi nos revela histórias de acesso à cultura escrita que aconteceram na espontaneidade, pela curiosidade, e talvez até de forma original, lúcida e apaixonada. Pois, não teve formação para ser professora, mas também iniciou a ler e escrever antes de ir à escola. Mas ao longo do

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tempo foi perdendo os domínios de escuta e fala de leitura e escrita em língua Portuguesa, como se em algum momento de sua vida não tivesse usado, essa língua. Mas, “ela escuta e fala, lê e escreve em sua língua materna” Portanto, essas histórias nos remetem invariavelmente a pensar os modos como têm sido desenvolvidos os programas de alfabetização. Daí que levanto questões de reflexão sobre a centralidade da alfabetização escolarizada: O que terá acontecido com a Bibi? Poderíamos aventar a hipótese de que o não uso social da prática de leitura e escrita teria lhe desabilitado? Ela parece não revelar problemas de saúde. Seria o problema da idade dela? Ela tem 76 anos de idade. Mas ela lê sua língua materna. Faria sentido pensarmos na transferência de habilidades de leitura e escrita de português para sua língua materna, já que continua lendo e escrevendo nessa língua? Felizmente, o sr. Mundhimua continua a ler e escrever, esperando por uma oportunidade para continuar com os seus estudos no curso noturno. Seria fato de acesso continuo da leitura e escrita que tem mantido Mundhimua com as suas habilidades? Parece evidente afirmar que a disponibilidade de materiais impressos não é suficiente, mas influencia o surgimento de oportunidades para acessar ou perder as práticas de leitura e escrita vice-versa. E que “o acesso a escrita se refere a situações em que o sujeito se posiciona frente a outros leitores e escritores e às oportunidades para aprender a ler e escrever” como descrito por Kalman (2009, p.73). Conforme esta autora, a presença do material, não promove leitura, é a circulação destes e seu uso nas mãos dos leitores é que estimula. Daí a necessidade de compreender o que faz com que os sujeitos a procurem. Com base nas histórias contadas no texto, fica a impressão de que a prática de leitura e escrita pode-se dar tanto antes, durante ou depois de alfabetização, dependendo do conceito e sentido que cada aluno cria sobre a escrita quando entra em contato com a escola. Daí que se pode questionar quanto é (in) útil quando o processo de alfabetização não se contextualiza com o alfabetizado. E quanto é (in)

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útil o letramento sem alfabetização. Talvez faça sentido pensar que a alfabetização precisa trilhar outros caminhos de modo a tornar-se um processo de redescoberta de um modelo social, de uma cultura, em que a escrita faz sentido. Em suma, as duas histórias descritas no texto, por um lado, nos possibilitam reconhecer que os processos educativos de pessoas jovens e adultas, extrapolam o contexto escolar e de ensino. Por um lado, reabrem o espaço para repensar e questionar os modos pelos quais o processo de alfabetização tem sido proporcionado a esses sujeitos, por outro, revelam pistas e caminhos que precisam ser mais explorados na educação de jovens e adultos.

Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000 BIESTA. Gert. Além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autentica, 2014. COOK-GUMPERZ, Jenny; et al. A construção social de alfabetização. 2ª ed. Porto Alegre: Artimed, 2008. DIAS, Hildizina Norberto. As desigualdades sociolinguísticas e o fracasso escolar; Em direção a uma prática linguístico – escolar libertadora. Maputo: Textos Editores, 2006. KALMAN, Judith. O acesso a cultura escrita: participação e apropriação de conhecimentos em eventos cotidianos de leitura e escrita. In: PAIVA, Jane; OLIVEIRA, Inês Barbosa (orgs.). Educação de jovens e adultos. Petrópolis, RJ: DP et alii, 2009. LARROSA, Jorge. Tremores: Escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2014.

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LODI, Ivana Guimarães. Um olhar sobre formadores de formadores: Histórias de vidas. São Paulo: Annablume, 2010. PAIVA, Jane. Tramando concepções e sentidos para redizer o direito à educação de jovens e adultos. Rio de Janeiro: UERJ, 2006. PINSKY, Carla Bassanezi (org.) Fontes históricas. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2008. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2008. SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. (orgs). Epistemologias do sul. São Paulo: Cortez, 2010. SKLIAR, Carlos. Desobedecer a linguagem: Educar. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

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Structure of violence in Pakistani Schools: a gender based analysis Jamil Ahmad Chitrali (University of Peshawar, Pakistan)

In Pakistan, school system is divided into three tiers. Primary schools; enroll and retain students from grade 1 through grade 5, followed by enrolment in middle schools; (grade 6th to grade 8th) through to, high schools; (grade 9th to grade 10th). In addition to this, there are higher secondary schools, replacing high schools in most cases, which offer enrolment from grade 9th to grade 12th. This last tier is not considered as the fourth one because there is no school exists in the country which offers only grade 9 to 12 educations but this is mostly an attachment or part of school or college to have students beyond grade 10. The concept was to extend schooling to twelve grades from 10 and colleges only to deal with four years bachelor program that others call undergrad. Pakistani schools, in terms of their internal environment and enrolment-related aspects exhibit multiple issues and problems that we are going to discuss briefly to make a case. In Pakistan, addition to public schools, private schools also provide education, which until the beginning of 1990s were only few but since then have mushroomed quite well. The private primary schools have grown more than the middle or high schools. Despite efforts at improving public sector schools’ performance1 their performance is quite low, rather degenerating, in

1 Since the holding of ‘All-education conference (1947) a number of Commission have been formed, e.g. The Commission on National Education (1959), National Education Policy (1970), National Education Policy (1979), and National Education Policy (1992), and Education Sector Reforms as part of Devolution of Power (DOP) various commissions such as 1959 Commission on National Education,

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comparison to private sector schools. Absenteeism of teachers, high dropout rates, low completion rates and high repetition rates, and inequalities of gender, power, class, geography have been identified as persistent problems (Shah, 2003). With teacher-to-student ratio of 40:1 in government primary schools (Witte, El-Bassel, Gilbert, Wu, & Chang, 2010) in a culture of authoritative teaching techniques it is not unsurprising to know that it is more damaging for children to be in schools than to be out of it; the luckier school students – against the unfortunate children herding animals or scavenging – sitting for hours in congested and crowded environment (Montero, 2010)2 and being subject to punishment for minor actions such as moving or speaking in class-room, stunt their mental, emotional and physical growth (DFID, 2000: 12-13). Around 20,000 public schools do not have adequate facilities such as toilets (Montero, 2010). According to Population Council Report (Council, 2009, p. iv) children attending primary schools are only half of the total schoolinggoing age children, in secondary schools only quarter of the cohort are in schools and just 5 % of got higher education. Moreover, wide gaps exist in enrolment rates in rural and urban areas. At primary level the enrolment gap between rural and urban areas is 20%, which more than doubles at middle level (41.4%), finally reaching 50% at Matric (high school) level. A more striking fact is that 14 % of girls are enrolled in primary schools and just 8 % girls are enrolled at middle schools (EMIS, 2011: 22). In Pakistan, gender differences in school attendance exist in all provinces and in urban and rural areas (Sathar, Lloyd, Mete, & ul Haque, 2003). According to Sathar’s (2003) findings the percentage of respondents attending school increases with higher levels of socioeconomic status. There is relatively small difference in the gap between male and female school attendance in urban areas. Moreover, she found that poverty, especially in urban areas, is a major explanatory variable for differences in school attendance for females in urban

2 Montero, Pakistan: The Lost Generation

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areas: in comparison to 88 percent of female adolescents from the highest income group only 23 percent of female adolescents from the lowest income group reported to have attended school. Thus, in the context of urban areas, class rather than gender seems to explain differences in school attendance for girls. However, in rural areas the number of males completing middle school is more than twice the number of females, which means that gender differences are more clearly pronounced: ‘… only 13 percent of young female students in rural areas complete middle level compared to more than four times that proportion in urban areas’ (Sathar, 2003: 50). Although school attainment rates are higher for males in urban areas as well but the gender differences are not that striking as they are in rural areas. Overall, Sathar (2003) concludes that ‘… fewer than half of all young females aged 15-24 years have ever enrolled in school. Of those who are fortunate enough to gain some education, more are likely to drop out of school at an earlier class than their male counterparts. This pattern of low enrollment for females is magnified at the lowest socioeconomic stratum’ (Sathar, 2003:57-58). In 2000 as part of Devolution of Power (DoP) program for transforming local government system, the government of Pakistan initiated Educational Sector Reforms (ESR) for the purpose of ‘comprehensive literacy and poverty reduction, expansion of primary elementary education, introduction of technical stream at the secondary level, improving the quality of education through teacher training, forming public private partnership’ (Shah, 2003: iv). The situation, however, is anything but better. As of 2005, some 33 % of children were enrolled at private schools in Pakistan (Amjad & MacLeod, 2012). The mushrooming of private sector schools may generally be seen as a sign of overall improvement in living standard of the people and as ground for supposition that school environment there might be qualitatively more sophisticated. However, besides the fear that it is leading emergence of class divisions and rifts in terms of employability, creativity and civic engagement their internal dynamics are strongly linked to gender issues. For instance, the largest

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bulk of students in private schools are boys; only a handful of families would like to send their daughters to schools. This gender discrimination from family side emerges out of socially shared belief that sons are future/old age insurance while a girl’s education in private school is devalued because she would have to move to husband’s house after marriage and hence won’t be of that much help to parents (Aslam, 20063). According to UN (20054), 40% of government schools and 35 % of private schools use corporal punishment. One should not expect violence-free schools in a state that legalize corporal punishment and does not have legal safeguards against sexual harassment. According to Section 89, Pakistan Penal Code 1860 (XLV), parents, teachers and guardians of children are empowered to use “MODERATE CORPORAL PUNISHMENT” as a means to discipline children under the age of 12 years (Jones et al., 2008)5. As stated above, because there are no laws safeguarding children against sexual abuse, Plan International (2008) reports to have documented 2500 complaints of sexual abuse against children between 2002 and 2003. In Pakistani culture, mobility is more, and severely constrained for females than it is for males. Although it is hard to see, but in case, if both the genders are equally (un)constrained, there are yet other important gender dimensions administered to young people by the adults. For instance, once permission is given for outside activities (play, sports, clubbing etc.), young males can move outside home unaccompanied but for young females it is compulsory not to move unaccompanied. Reasons for gender differences in mobility could be many but, the issue of religion or more specifically, the cultural interpretation of religious values and beliefs seem to a major reason. 3 Aslam, M. (2006).The Quality of School Provision in Pakistan: Are Girls Worse off? Retrieved on July 8, 2011, from http://www.gprg.org/pubs/workingpapers/pdfs/gprg-wps-066.pdf 4 United Nations (2005) Violence against children: regional consultation in East Asia and the Pacific.Geneva: United Nations. In the Painful lessons report. 5 Jones, N., Karen Moore, Eliana Villar-Marquez, and Emma Broadbent (2008), ‘Painful Lessons: The Politics of preventing sexual violence and bullying at school’, London: ODI.

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According to Khan (2004: X), the imposition of uni-dimensional and monolithic version of Islam led to emergence of an ideology that has contribute towards severing mobility for females. Elaborating the argument, He (Khan, 2004) contends that the injunctions to keep female body covered and hidden and the injunction, to move less in society and the socially created need ‘…“protect” it from the gaze of outsiders, the fear of its being violated by strangers. These are terms in which men perceive the female body and legislatures, dominated by men, make laws to protect themselves from the havoc that may be wrought upon society if the fitna6 located within the female body were to release’ (Khan, 2004: 10). Such restrictions have serious implications for the attainment of education, accessing health services, opportunities for job/work, as well as for recreation and social networks for young females. In her survey about gender dimension of parenting, Sathar (2003) found that places that parents consider unsafe for young males and females vary. Similarly, parents’ fears and reasons for justifying restrictions on the mobility of young males and females also vary. For example, with respect to young males, parental fear circles around the notion of personal safety that is whether they might get physical harm or not. However, with respect to females, the notion of fear is broader than the mere concern for their physical safety: the concern mainly centers on the notion of family reputation and family honor due to loss of virginity of girls (Sathar, 2003: 40-41). The differences in conception of mobility have implications for school attendance, which, for example in 2001, remained 84 percent for male and 54 percent for female adolescents in 2001 (Sathar, 2003: 40-41). The social values of devaluing girls’ education out of concern that they would shift to another house after marriage (Council, 2009) is perhaps the worst form of violence. Such ideational construct around the girls’ education supposedly mean that no matter what happens to a handful of enrolled girls in and around school, parents or community

6 Translated here as social and moral degeneration leading to violence due to instigation of sex.

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at large would turn blind eye to their problems. This perhaps explains the reasons regarding lack of studies on girls’ harassment in and around school. Inside schools the authoritarian teaching methods, punishment and humiliation of children are factors associated with non-attendance and high dropout rates of children from schools in Pakistan (Watkins, 1999: 75)7. It should also be noted that though no estimates exist as to how much girl students suffer from sexual harassment in and around schools but at least this much is known that most parents would not send their daughters to schools because safeguarding girls’ virginity is socially considered as equivalent to safeguarding family honor (UNFPA, 2000)8. The gender based violence in schools and outside, especially sexual harassment, has a religious and minority dimension to it as well. For instance, in many parts of Khyber Pakhtunkhwa province of Pakistan there was and is a myth that to have sex with a sweeper girl9 cures backache. Such mythical beliefs trigger risky behavior among boys who would not hesitate from sexual violence against girls in schools as well as outside schools. This phenomenon also relates to the issue of terrorists’ development in Pakistan. The anecdotal evidence and media inspired theory suggests that it is madrasah-system and its curricula that prepare students for terrorist activities. The madrassah which cater for 2 million annual of the school going children constitute 6% of total school going children in Pakistan. If you consider a child of age 6 to be in school, in Pakistan 4.5 million is the figure that are not going there and 3 million of them are girls. If you count on total under 15 age children going schools, Pakistan has a large number of 25 million out of school in this age bracket out a total expected population of 63 million 7 Watkins, K. (1999), ‘Education Now: Break the Cycle of Poverty’, Oxford: Oxfam 8 UNFPA (2000), ‘State of World Population Report, the Widespread violence against women in Africa documented, http://www.afrol.com/Categories/Women/wom003_violence_unfpa.htm accessed 23rd April, 2010 9 Cleaning is considered low status job especially public services and hence are mostly performed by Christians in Pakistan being minority

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(35% of the total population which is 180 million). Both Madrassah and School going in total constitute only 54% of the school going age and that makes it 36 million totals in number (Fair, 2014). Madsarrah education in Pakistan is considered to constitute 5% of total formal education enrollments. But before that it is important to note that the ASER (2014) Report published in January 2015 says: In 2014 both at the rural level only 37% girls were enrolled in private schools whereas it was 44% in urban areas. Overall girls remain marginalized and especially those from poorest families, in both public and private schools. A growing concern among households is about where their children will go beyond the primary level? When their children are unable to move from primary to post primary level simply due to lack of schools, parents begin to make hard and angry choices, withdrawing children even prior to primary completion as the future looks very stark and vulnerable for a primary graduate. In public sector for every 8 primary schools there is only 1 middle school and for 11 primary schools there is only 1 secondary school at the National level (ASER, 2014: 8-9).

However, Christine’s (2007: 100) qualitative study on profiling of suicide-bombers suggests that out of total educated youth (males) some 70% are educated in public schools of Pakistan. According to Christine (2007) more than 60 % of suicide-bombers in Pakistan had some form of formal (public) schooling. The education system in Pakistan is not limited to public school system both in private and public sector. It is more than that. The question is where these 25 million (estimated figure) children go. Why they are called child labor, if they are? if no alternative is available to seek professional or vocational education at all? I share a couple of tables from my research to make it a case in formal education sector before dealing with these questions.

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Table 1: Gender-based Distribution of Government and Private High Schools in Selected Districts Gender

Peshawar*

Mardan**

Government

Private

Total

Government

Private

Total

Boys

103

329

432

85

122

207

Girls

50

232

282

50

82

132

Total

153

561

714

135

204

339

Sources: *Result Gazette: Secondary School Certificate 9th, 2012 Annual, Board of Intermediate and Secondary Education, Peshawar. Khyber Pakhtunkhwa

Table 2: Gender Based Distribution of Students in Government and Private Schools in Two Districts of Khyber Pakhtunkhwa Province of Pakistan

Sources: *Result Gazette: Secondary School Certificate 9th, 2012 Annual, Board of Intermediate and Secondary Education, Peshawar. Khyber Pakhtunkhwa

As table 1 and 2 shows in District Peshawar the total 29340 students study at 714 Schools, out of them 432 schools for boys and 282 are girls’ schools. Out of these total 714 schools 561 are private schools and 153 are government Schools. In District Peshawar the average number of students per in Grade 10 per school is thus 41.09 however if it is divided on single variable i.e. public and private; 82.41 students in grade 10 per school is in government sector and 29.82 in private sector. In District Mardan a total

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of 20006 students observed study in grade 10 at 339 Schools. Out of them 207 schools are for boys and 132 are for girls. Total private schools are 204 and 135 government Schools. In District Mardan the average number of students in grade 10 per school is 59.01 however, if it is separated 115.11 average students in grade 10 per school in government sector and 21.85 in private sector. Gender based segregated data however, shows that schools both in public and private sector for female are half of those for male in the two districts. Similar are the facts for gender based enrollment. Summery We need to consider some important facts to deal with the problem of Education, Gender, Radicalization, Documentation of Economy and Democratization of institutions through a program of Education Reforms in Pakistan as a one package. We need to consider out of box, research based indigenous solutions. With densely populated schools and poor infrastructure available you cannot just put in more 25 million, nor can you let them wait till the schools are build and teachers are employed, let the quality of education, poverty, lack of interest from parents, training of teachers compromised.

References Amjad, R., & MacLeod, G. (2012). Effectiveness of Private, Public and Private-Public Partnership Schools in Pakistan. Council, P. (2009). Pakistan: the next generation: British Council. Sathar, Z. A., Lloyd, C. B., Mete, C., & ul Haque, M. (2003). Schooling Opportunities for Girls as a Stimulus for Fertility Change in Rural Pakistan*. Economic Development and Cultural Change, 51(3), 677-698. Montero, David. (2010). Pakistan: The lost Generation. accessed online at www.pbs.org/frontline/world/stories/Pakistan901/ video_index.html

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Heteronormatividade e os modos curriculares de produção do gênero1 Marcio Rodrigo Vale Caetano (FURG) Treyce Ellen Silva Goular (FURG) Marlon Silveira da Silva (FURG)

O sexual do corpo: aspectos teórico-metodológicos Dados os espaços interativos, possuímos - em qualquer que seja o lugar em que vivemos – um entendimento do que seja homem ou mulher. Esta situação nos permite afirmar que atualmente o entendimento sobre o sexo está capilarizado. Ele criou e legitimou marcas e se tatuou nas corporalidades. Sua inscrição, ainda que fragilizada, encontra-se na divisão social do trabalho e constituição legal de vínculo afetivo-sexual. Essa visão, muitas vezes binária, é fruto dos instrumentos que nos educaram e que nos auxiliaram na construção singular de nossa ideia de masculino e feminino, os chamados gêneros. Uma vez que estas formatações afetam as formas como historicamente os coletivos de sujeitos/as tem estabelecido relações dentro dos sistemas democráticos, propomos com este ensaio algumas provocações aos modos como dinâmicas binárias e hierarquizantes tem se articulado nas noções de cidadania. Todas as considerações permitem reafirmar o ensaio como uma dissertação pouco extensa, na qual o/a autora/pesquisador/a constrói o seu objeto através de um encadeamento de raciocínios lógicos

1 Versão ampliada e revisada de artigo submetido à Revista Atos de Pesquisa em Educação - FURB.

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e fundamentados que estruturam sua argumentação. Mary Rangel (2007) argumenta que do ponto de vista semântico, pode-se compreender o ensaio como uma dissertação mais curta e menos metódica do que um tratado formal e acabado. Esse desenho, em princípio, menos rígido e mais flexível de encaminhamento de análises e proposições que suscitam e sugerem continuidade, seja para confirmações, seja para questionamentos, encontra também respaldo em outros autores, a exemplo de Manuel da Costa Pinto (1998), quando se refere ao seu próprio estudo como “provisório e aberto”. Ainda, de acordo com o estilo ensaístico, a dissertação não se encerra nos limites de seus termos e proposições. Ao contrário, a inconclusão de um ensaio tem o especial valor de suscitar e sugerir outros prosseguimentos. Assim acontece com este ensaio, sua temática se centra em debater a tríplice “gênero, sexualidade e currículo”, constituindo-se numa sugestão ao debate aos/às pesquisadores/as, esperando-se persuadi-los/as a considerá-la em suas investigações e análises, seja para encontrar novas perspectivas, seja para confirmar ou refutar as que este ensaio lhes oferece, através da construção de seus argumentos. Tendo feito esse esclarecimento, dividiremos o artigo em dois momentos. Em um primeiro exercício, traremos à discussão alguns tensionamentos sobre as produções discursivas em torno das caterias de sexo e gênero. Em seguida, faremos algumas provocações sobre como os arranjos do eixo sexo-gênero-sexualidade estão implicados em relações de poder que afetam nossas performances afetivo-sexuais e os movimentos curriculares na escola. Com usos distintos entre as correntes teóricas, o conceito de gênero não foi uma invenção feminista. Antes de Gayle Rubin utilizá-lo para analisar o tráfico de mulheres em 1975, ele já se encontrava na obra de Robert Stoller: Sex and Gender, publicada em 1968. A releitura deste conceito pelas feministas está inserido em momentos históricos de alterações sociais substanciais, a exemplo da inserção de mulheres brancas e de classes medianas no mundo do trabalho formal. Ao ponderar o sexo como questão a se explicar, em vez de entendê-lo como dado, o conceito de gênero trouxe ao plano prático-teórico-prático as

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diferenças sexuais na agenda de investigações acadêmicas e de elaboração de políticas públicas. Como não bastasse, a emergência do conceito de gênero inscreviase em um processo que tornava visível uma relação social marcada pela desigualdade investigativa entre mulheres e homens. Ao retomar, em outros moldes, velhas questões (a exemplo da participação de mulheres nas decisões políticas ou sua presença nos grandes feitos da humanidade), o conceito de gênero deu lugar, mais recentemente, a uma perspectiva crítica sobre a produção dos saberes em diversas disciplinas das ciências. Conforme podemos observar, a categoria de gênero reemerge com as feministas como um dispositivo para problematizar as desigualdades orientadas pelas diferenças sexuais e, sobretudo, como um contrato epistemológico para produzir conhecimento frente aos saberes hegemônicos que buscava justificativas para limitar a cidadania a determinados tipos de homens: proprietários, brancos, classe-média, heterossexuais e judaico-cristãos. A palavra sexo é correntemente usada para designar o órgão anatômico sexual e a relação genital entre pessoas, incluindo ou não a penetração. Mas, nesse texto, iremos entendê-la como um feito social marcado pelo significado cultural. Se aceitarmos o entendimento sobre o corpo como uma situação cultural, então, a noção de corpo e sexo natural se faz cada vez mais suspeita. Enquanto dispositivos de subjetivação e de governamento, entendemos que os discursos produzidos em torno do gênero e do sexo (re)produzem representações sociais, que uma vez construídos pela linguagem, ganham significado na cultura, subjetivando os sujeitos e, com isso, classificando-os. Segundo Furlani (2005), “a representação é o modo como os significados, construídos e atribuídos pela retórica e pelo discurso, dão sentido e posicionam as diferenças, as identidades, os sujeitos, num processo que é fundamentalmente social, histórico e político”. Daí a importância de pensá-las (as representações) enquanto categorias produzidas e inventadas. Mais do que isso, questionar aqueles que falam, por que falam e de onde falam ao produzirem uma determinada identidade. A respeito deste aspecto, Tomaz Tadeu da Silva (1999) ressalta:

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Tanto a educação quanto a cultura em geral estão envolvidas em processos de transformação da identidade e da subjetividade. (...) através dessa perspectiva, ao mesmo tempo que a cultura em geral é vista como uma pedagogia, a pedagogia é vista como uma forma cultural: o cultural torna-se pedagógico e a pedagogia torna-se cultural (SILVA, 1999, p. 139).

Diante disso, entende-se que, se não existe uma essência “natural” sobre o gênero, tampouco existe sobre o sexo e, muito menos, sobre as sexualidades. O que se tem são construções discursivas que, ao serem criadas histórica e culturalmente, estabelecem performances sociais aceitáveis para o que entendemos e assimilamos como homem e mulher. Da mesma forma, será elaborado performances para aqueles/las que se opuserem à essas performatividades normativas, como no caso dos/das homossexuais. Uma das grandes contribuições da filósofa estadunidense Judith Butler, pode se dizer, foi trazer a própria biologia para o campo das construções sociais. Embora segundo Beauvoir nos ‘tornemos’ nossos gêneros, o movimento temporal desse tornar-se não segue uma progressão linear. A origem do gênero não é temporalmente descontínua precisamente porque o gênero não é originado de repente em algum ponto do tempo depois do que assume forma definitiva. Sob importante aspecto, o gênero não é historiável a partir de uma origem definível porque, por sua vez, é uma atividade originante que acontece sem cessar. Já não mais entendido como um produto de antigas relações culturais e psíquicas, o gênero é um modo contemporâneo de organizar normas passadas e futuras, um modo de nos situarmos e através dessas normas, um estilo ativo de viver nosso corpo no mundo (BUTLER, 2003a, p. 142).

Importante ressaltar também que, no cerne desta contínua atividade originante citada por Butler, também encontra-se as configurações hierarquizadas entre as mulheres. Se nos debruçamos sobre

182

as colonialidades, ou seja, as continuidades nas relaçoes de poder engendradas após o fim do colonialismo oficial, é necessário considerar a racialização e generificação enquanto fatores que contaminam e determinam tais relações. Sendo assim, o que buscamos apontar com esta provocação é que nosso colonialismo e nossa colonialidade nos denunciam, a partir da construção ativa da desumanidade de negras e indígenas, em contraponto, a afirmação do gênero apenas às mulheres brancas. Nestes termos, o diformismo sexual aplicado a indigenas e negras/os nos informa sobre o sexo enquanto construção discursiva e atravessada de outras representações. Então, com este diálogo, pensamos que tanto gênero como o sexo parecem ser questões culturais. Se o corpo, seu sexo e sexualidade são ficções, isso parece nos dizer que sexo foi gênero todo o tempo (BUTLER, 2003a) e que para sua performance é exigido o mínimo de liberdade para excitar a criatividade. Com a liberdade criativa, a sexualidade fala muitas linguagens, se dirige a muitos tipos de pessoas e oferece uma cacofonia de distintos valores e possibilidades (WEEKS, 1998). Com elas, os sujeitos e instituições são capazes de inventar identidades, desejos, práticas... que acabam por fragilizar qualquer certeza e nos denunciam que mesmo com toda a tentativa de regular, de domesticalizar os corpos ou determinar as práticas pedagógicas em situação de liberdade, o sujeito é mais rizomático. A liberdade nos aproxima da compreensão de Foucault (1997) quando nos convida a refletir sobre o poder como algo que permeia todas as relações, ou seja, está difundido e capilarizado nelas. O poder entendido a partir de práticas ou de relações implica também práticas de resistência, não a partir de um lugar privilegiado, mas exercida dentro das diferentes redes de relações entre sujeitos/as e instituições. Ou seja, onde há poder, existe possibilidades de resistência. Para Foucault (1997), saber e poder inserem-se em uma mesma relação, em que nem todo saber detém o poder, e nem todo o poder detém o saber, mas para o poder funcionar é necessário acionar os chamados regimes de verdades. Dito de outro modo, é necessário a produção de uma série de discursos que estabeleçam “a verdade”, e

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que vão autorizar que certas coisas sejam ou não pensadas e ditas. Sendo assim, a produção dos saberes e a produção “da verdade” estão diretamente ligadas ao exercício de poder, da mesma forma que o poder não pode ser exercido sem a produção desses saberes. Logo, Nenhum saber se forma sem um sistema de comunicação, de registro, de acumulação, de deslocamento, que é em si mesmo uma forma de poder, e que está ligado, em sua existência e em seu funcionamento, às outras formas de poder. Nenhum poder, em compensação, se exerce sem a extração, a apropriação a distribuição ou a retenção de um saber. Nesse nível, não há o conhecimento, de um lado, e a sociedade, do outro, ou a ciência e o Estado, mas as formas fundamentais do “saber-poder” (FOUCAULT, 1997, p. 19).

Nessa direção, é necessário pensarmos o poder para além da relação entre indivíduo e um saber específico, mas o indivíduo inserido em um contexto de população, sendo parte de um corpo social. Por isso, a sexualidade é tão temida e é capaz de gerar tantos discursos na escola, na ciência, na religião... sua estreita relação com a liberdade amedronta as pobres almas da arrogância porque fragiliza suas verdades e certezas. “A sexualidade não segue as regras da cultura, mesmo quando a cultura tenta domesticar a sexualidade. Podemos insistir que a sexualidade é a própria alteridade” (BRITZMAN, 2001, p. 89. Tradução livre).

Criação e tensão com a escola Alguns sujeitos argumentam que sexualidade não se configura nos currículos e que, portanto, ela não se encontra entre as prioridades da escola. Essa afirmação nos revela duas situações: o desconhecimento das relações e práticas cotidianas da escola e as dimensões assumidas do conceito de sexualidade. A situação em que se encontra o eixo gênero-sexualidade na escola favorece os movimentos heteronormativos, as tensões curriculares e

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acaba por consolidar a sexualidade como uma “scientia sexualis”2, como nos descreve Foucault (1988). Na perspectiva do autor, haveria duas formas de apropriação da sexualidade por saberes, uma via “scientia sexualis”, como já dito, e outra através da “ars erotica”. Enquanto que, na última, o prazer, a curiosidade e a subjetividade encontram-se na agenda de discussão e na experiência; para a anterior, a narrativa seria conduzida pela cientificidade com ênfase na preocupação com a reprodução. Cotidianamente, ambas estão presentes e se tensionam nos movimentos curriculares, entretanto, dada a forma moderna de organização da escola é indiscutível que a “scientia sexualis” goza de maior prestígio e reconhecimento escolar. Esta situação nos faz recordar que quando a sexualidade se converte em objeto do conhecimento e que, por sua vez, suas metáforas científicas são aplicadas à população, ela gera outros movimentos de subalternidades e de controles. Quando tentamos mapear a geografia do sexo [...] ou quando tentamos ler a sexualidade através de uma teoria favorita, um manual de instrução ou de acordo com as visões dos chamados especialistas. Quando inserida no currículo escolar ou na sala de aula universitária – quando digamos, a educação, a sociologia, a antropologia colocam sua mão na sexualidade - a linguagem do sexo torna-se uma linguagem na sexualidade – a linguagem do sexo torna-se uma linguagem didática, explicativa e, portanto, dessexuada. Mais ainda:

2 Segundo Foucault (1988), a “scientia sexualis” (correspondente ao Ocidente) teria se desenvolvido a partir do século XIX com a função de controlar os corpos de homens e mulheres. Tal controle, inicialmente era exercido pelo ato da confissão (poder pastoral), em que a religião se tornava peça fundamental nesse processo. Posteriormente, no século XX, a confissão foi substituída pela medicina, onde a Ciência (mais precisamente as Ciências da Saúde) foi a autorizada a exercer a “verdade” sobre o sexo, instituindo o certo/errado, o normal/anormal. Foi por essa Ciência e o poder a ela atribuído (poder disciplinar) que nosso sexo foi regulado através dos saberes por ela produzido e difundidos através de seus discursos sobre os corpos, na maioria das vezes naturalizando práticas e comportamentos.

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quando o tópico do sexo é colocado no currículo, nós dificilmente podemos separar seus objetivos e fantasias das considerações históricas de ansiedades, perigos e discursos predatórios que parecem catalogar certos tipos de sexo como inteligíveis, enquanto outros tipos são relegados ao domínio do impensável e do moralmente repreensível (BRITZMAN, 2001. p. 90).

Se contemplarmos a sexualidade como dimensão da curiosidade, conforme nos propõe Britzman, é possível ampliar o conteúdo sobre a sexualidade, ao invés de limitá-la ao ato sexual e, por sua vez, à reprodução dos seres humanos. Se assim a vemos, o debate sobre ela se estenderá a toda a vida escolar. Este ponto de reflexão nos leva novamente ao conceito do erótico proposto por Audre Lorde e discutido diretamente no âmbito da educação, por bell hooks. Conforme a primeira autora feminista, o erótico tem sido frequentemente distorcido em pornográfico, o que para a autora é exatamente o oposto do que se propõe a prática do erotismo. Para essa, o erótico é a medida entre o senso de si e o caos do mais forte sentir. Temos tentado separar o espiritual e o erótico, assim reduzindo o espiritual a um mundo de afetos insípidos, um mundo do asceta que deseja sentir nada. Mas nada está mais longe da verdade. Pois a posição ascética é uma do mais grandioso medo, da mais grave imobilidade. A severa abstinência do asceta torna-se a obsessão dominadora. E não é uma de autodisciplina mas de autoabnegação. A dicotomia entre espiritual e político é falsa também, resultante de uma atenção incompleta ao nosso conhecimento erótico. Pois a ponte que os conecta é formada pelo erótico– o sensual–, aquelas expressões físicas, emocionais e psíquicas do que é mais profundo e mais forte e mais rico dentro de cada uma de nós, sendo compartilhado: as paixões de amor, em seus mais fundos significados (LORDE, 1984, p. 2).

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Ao vivermos/buscarmos a completude dessa profundidade, é afetada a forma como nos relacionamos com/nesse mundo. A compreensão de que o Eros é uma força que auxilia o nosso esforço geral de autoatualização, de que ele pode proporcionar um fundamento epistemológico para entendermos como sabemos o que sabemos, habilita tanto os[as] professores [as] e alunos [as] a usar essa energia na sala de aula de maneira a revigorar as discussões e excitar a imaginação crítica (HOOKS, 2013, p. 258).

Por essa razão é que “um dos princípios centrais da pedagogia crítica feminista é a insistência em não ativar a cisão entre mente e corpo [...] [o que] nos permite estar presentes por inteiro [...] na sala de aula.” (HOOKS, 2013, p. 256). O erótico, nestes termos é a personificação do poder criativo... de uma energia criativa empoderada. O erótico e o erotismo, entretanto, não estão desconectados dos discursos sobre sexo, gênero e sexualidade e, tampouco das interpelações raciais. Quando Audre faz a crítica com relação à pornografização da energia erótica, apontando a exploração e ausência de agenciamento implicada neste processo, está nos incitando a pensar as adjacências desta distorção. Uma das facetas deste prisma, reflete as noções de heteronormatividade que sugerem a necessária existência de uma hierarquia, de um desajuste entre os poderes das/os sujeitos envolvidos em uma relação afetivo-sexual. Outra faceta deste prisma, correlata a essa, é que, quando nos debruçamos sobre os corpos femininos esses têm, constantemente, sua energia erótica por um lado enquanto algo a ser controlado, normalizado em direção à satisfação de corpos masculinos. Neste cenário, a hipersexualização da mulher negra, por exemplo, constrói seu corpo enquanto público, violável. Por outro lado, há também os discursos que direcionam esta mesma energia em relações de cuidado com os outros. Tanto uma representação quanto a outra implica homens e mulheres em interações obrigatórias e desiguais, que buscam todo o tempo aprisioná-las/os à reprodução

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da coerência de sexo-gênero-sexualidade e os papeis sociais decorrentes desta. Sendo assim, o projeto de indivíduo subjacente a esta norma, o/a enquadra em uma relação sempre dicotômica e atomizada, e o erótico subverte esta construção. Se o corpo é território, é relevante considerá-lo enquanto contestado, sempre em disputa e disputado, produtor e produto de discursos. Com Goellner (2007), temos que o corpo é provisório, conjuntural e histórico, ou seja, não natural. Sendo a naturalidade do corpo um estatuto a ser criticado são também as falas produzidas com/por/sobre ele. Interrogar os discursos sobre o corpo é salientar sua geração de hierarquizações quando definem o que é positivo, o que é belo, jovem e saudável. Tais definições, com Foucault (1987), são atravessadas por relações de poder que buscam tornar estes corpos úteis, produtivos, docilizados, inteligíveis dentro de uma lógica dicotômica e normativa. Estes atravessamentos se dão por meio de métodos disciplinares: “um conjunto de saberes e poderes que investiram no corpo e nele se instauraram” (GOELLNER, 2007, p. 35). Estes métodos encontram-se balizados nos discursos produzidos nas mais diversas instâncias, tais como ciência, escola, família, mídia, etc. As noções de beleza, juventude, masculinidade, feminilidade (entre outras) que incidem sobre este corpo são referentes, localizadas e foram se transmudando, incorporando outros conceitos com o passar do tempo. Sendo assim, com Goellner afirmamos que o corpo, assim como as configurações anatômicas que definem/produzem culturalmente homens e mulheres (entre outras categorias de diferenciação), deve ser considerado enquanto categoria discursiva e, portanto, historicizada. Com este entendimento, partimos do princípio que transitam modelos de gêneros nos currículos e estes projetam a heterossexualidade e a masculinidade hegemônica3 como norma e referência. Não estamos 3 Pensar em masculinidade hegemônica é se ancorar em algo criado, construído, imaginado, considerado como padrão e disseminado pelas experiências e pelos discursos e que, a cada momento, busca ser consolidado nas performances significadas como masculinas. O que quero dizer, é que independente do contexto social, histórico e cultural, todos nós intuímos, por meio

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com isso atribuindo à escola o poder e, tampouco, a responsabilidade de explicar as identidades, nem muito menos de determiná-las. Porém, reconhecemos que as proposições e interdições realizadas pelas escolas fazem e produzem sentidos, além de possuir “efeitos de verdade” nos sujeitos (CAETANO, 2011). De forma mais ampla, o conjunto de discursos ou teorias do currículo deduzem o tipo de conhecimento considerado importante a partir de descrições sobre o tipo de sujeito que devem constituir a sociedade. Cada “teoria” leva, em si, para determinado “modelo” de sujeito e corresponde a determinados tipos de saberes presentes na organização curricular. Entendemos currículos como as tecnologias pedagógicas (arquitetura, livros didáticos, vestimentas, mídia, etc.), que, significadas na cultura e obedecendo a certa lógica de planejamento, constroem, ensinam e regulam corporalidades, produzindo modos de subjetivação e arquitetando formas e configurações de estar e viver na escola e, mais amplamente, na sociedade. Como parte das instituições que interagem e se integram na sociedade, a escola tem, em seu interior, sujeitos que trazem de suas relações mais amplas os saberes que se configurarão nos currículos. Isto significa assumir que a escola se caracteriza como espaço privilegiado de encontro de diversas leituras e conhecimentos do mundo. Assim, os curriculos, ainda que ausentes de reflexão, não são ações neutras sem resultados práticos na vida dos sujeitos. Eles são configurados por sistemas de interesses, sejam estes elaborados pelos sujeitos que estão diretamente nas práticas escolares ou por aqueles que na gestão orientam/determinam o que deve ser ensinado na escola. Pensado de outra forma, ao não problematizar em suas agendas, planos e conteúdos o quanto somos sujeitos construídos histórico e culturalmente, a escola já está produzindo e regulando as condutas sexuais dos/das alunos/as. Isso se dá, sobretudo porque aquilo

das práticas educativas que nos formam, uma forma de ser masculino. Essa, por sua vez, é configurada, quase sempre, na negação do que é significado como feminino.

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que não é dito, o silenciado, também corrobora no processo de subjetivação dos corpos, na maioria das vezes, baseado em concepções binárias, assimétricas e complementares entre a mulher e o homem: a heterornormatividade. A heteronormatividade não somente almeja manter a lógica dicotômica e complementar entre homens e mulheres, como também a degradação social dos sujeitos que buscam subvertê-la. Neste sentido, a homofobia e o machismo são respostas da heteronormatividade destinada às sexualidades dissidentes ou às mulheres. O sistema heteronormativo, para se manter na ordem das coisas, necessita se retroalimentar da lógica sexual binária. Daí, a necessidade de ideologicamente controlar as tecnologias pedagógicas da escola e mais amplamente da cultura. Nestes pressupostos, articulam-se as identidades e as práticas curriculares. A homofobia ultrapassa as expressões do corpo e as práticas sexuais desdobram-se nas identidades de gênero. Isto nos leva a afirmar que somos todos os dias interpelados por determinações regulamentares que nos ensinam sobre como devemos avaliar, classificar e hierarquizar os sujeitos, produzindo, em última instância, relações assimétricas heterocentradas. Os sistemas normativos operam verdades nos discursos e produzem modos de subjetivação que funcionam como marcos regulatórios de nossos comportamentos e miradas sobre o mundo. A heteronormatividade se conecta diretamente com o androcentrismo. Em primeiro plano, sustenta a ideia do governo homem/ masculino sobre a mulher/feminino. Em segundo lugar, ao exigir a tarefa de governo do homem e de governada da mulher, lhes obrigam a relações intrínsecas e reprodutivas do sistema em uma lógica binária. Nestes termos, penso que qualquer que seja a análise ou ativismo político das identidades sexuais que não considere estes dois conceitos, estará reduzindo e limitando suas ações à superficialidade, sem contar, que estará reproduzindo cadeias de governos, alimentando a manutenção das estruturas que abarcam um ou ambos os conceitos (CAETANO, 2011; CAETANO; DE GARAY, 2012).

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As práticas educativas heteronormativas são tão inexpressivas que raramente as questionamos. A partir dos ensinamentos deixados por Monique Wittig (2006) sobre o papel político das categorias mulher e homem4, deveríamos nos interrogar sobre a oposição binária entre a heterossexualidade e a homossexualidade. Assim como o ideal de homem universal foi efeito de interesses políticos que buscou estabelecer ao longo da história uma hegemonia branca, proprietária, adulta e heterossexual e a categoria “mulher” como o outrem desse homem; a homossexualidade vem sendo um corpo discursivo alimentado pela lógica heteronormativa e se caracterizando como o outrem da heterossexualidade. Torna-se necessário atentar para uma alteração político-epistemológica e subjetiva que efetivamente destitua a lógica binária e seus efeitos sobre o conhecimento e, por sua vez, dos currículos. Foucault, ao criticar a configuração binária de poder e o modelo jurídico de opressor e oprimido, nos oferece algumas estratégias para a subversão da hierarquia de gênero e ao binarismo homo/hétero. Sua 4 Para Wittig, a heterossexualidade seria um regime político sustentado pela submissão e apropriação das mulheres em que, a partir de sua capacidade biológica para gerar filhos/as, procriar, é colocada num lugar de subordinação, ou seja, a submissão está atrelada à categoria de sexo: “naturaliza-se a história e se passa a crer que homens e mulheres sempre existiram e sempre existirão do mesmo modo” (WITTIG, 1992, p. 10-11). Através da naturalização destes fenômenos, justifica-se o lugar de submissão das mulheres. Compreender o conceito de não-mulher nessa perspectiva, passa antes pela compreensão de que a categoria “sexo” é uma categoria política que funda a sociedade enquanto heterossexual. Em outras palavras, a categoria sexo estabelece como natural a relação que está na base da sociedade (no caso, heterossexual) inclusive, economicamente (divisão sexual do trabalho) e sobretudo no campo do desejo. Tal categoria é o produto que impõe às mulheres a obrigação absoluta de reproduzir a sociedade heterossexual (WITTIG, 1992). Nela, o contrato do matrimônio torna-se uma das formas pelas quais os homens se “apropriam” das mulheres (por lei) e se fazem homens, assim como as mulheres se constituem em um par complementar e assimétrico intrínseco, uma vez que a esposa pertence ao marido enquanto pessoa física, tendo que trabalhar sem remuneração, sujeita à violência sexual e doméstica, entre outras formas de violência e dominação masculina. Sendo assim, a categoria sexo é o que a autora chama de totalitária, pois é legitimada por instituições como o Direito, a Medicina e outras tão tradicionais, tanto que, através de seus discursos biologizantes sobre a natureza dos corpos, exerciam (e ainda exercem) influencia na divisão binária homem-mulher.

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tática, se assim podemos chamá-la, não é transcender as relações de poder, mas multiplicar suas diversas configurações de tal modo que o modelo jurídico de poder como opressão e regulação deixe de ser hegemônico. Para Butler, essa proliferação auxiliaria no processo de desconstrução dos sistemas de dominação, uma vez que os sistemas essencialistas que sustentam o gênero atuam e mascaram os discursos dominantes, tornando-se elementos de opressão. Talvez, desse ensinamento deixado por Foucault, possamos retirar as bases para proliferar inúmeras e ilimitadas formas de ser homem e mulher, a tal ponto que nenhuma seja a “legítima forma” e, tampouco, alguma hegemonicamente governe o fazer da/na escola. Parafraseando Deborah Britzman (2005), o direito à liberdade de exercer a sexualidade e a inventar o gênero se compõe de pequenas ações cotidianas, mas de profundo significado na organização sócio -política: o direito a inventar o Ser como possibilidade, a elaborar e executar o que lhe der prazer e constituir de forma singular o Estar no mundo, a dignidade, a informação adequada às necessidades, a formulação de infinitas perguntas e a obtenção de perguntas como respostas, a adesão ao que socialmente lhe fascina, a curiosidade sobre o desconhecido e, sobretudo, o direito de amar e com o amor transformar os dogmas do corpo e, com o corpo, o mundo. Se nos aproximamos de Lorde, encontramos a necessária ênfase na capacidade de gozar (com e para além de nossas práticas sexuais) como também prática de liberdade. O erótico, nestes termos, nos desconforma frente ao conveniente e, ao mesmo tempo, nos desafia à busca constante de uma mudança genuína para além das reacomodações de personagens e relações de poder. A conquista destes coletivos de direitos exige condições básicas de vida o que nos leva assumir a sexualidade como principio subjetivo de profundas dimensões políticas: comida, roupa, moradia, educação escolar, saúde, democracia, prazer, cidadania, liberdade, auto-estima e satisfação... vida. Uma democracia sexual necessariamente implica um processo mais amplo de democratização em que seja desmantelado definitivamente as barreiras que restringem o potencial e o

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crescimento individual, tais como: a exploração econômica, a opressão racial e a desigualdade de gênero, o autoritarismo moral e desigualdade de acesso à educação. Isto não implica que desaparecerão ou deveriam desaparecer as dificuldades, as necessidades e interesses, os conflitos de prioridade e de desejo. Ao contrário, a meta seria o de obter o máximo de meios pelos quais estas diferenças e conflitos possam se resolver democraticamente (WEEKS, 1998). Quando observamos nossas especificidades coloniais, mais de vinte anos após o restabelecimento das democracias neoliberais, as/ os sujeitas/os (ex)cêntricos dos chamados novos5 movimentos sociais de esquerda vêm pautando sua exclusão dentro da democracia. Para Breny Mendoza, o cerne desta discussão sobre a democracia jaz na própria erição deste conceito e, portanto, a autora parte da premissa de que existe uma colonialidade da democracia. Ao analisar criticamente, com María Lugones, as teorias decoloniais, sobretudo a partir de Aníbal Quijano, Mendoza sublinha a naturalização das relações de gênero e da heterossexualidade na obra do autor peruano. Para Breny, as mulheres foram, a um só tempo, racializadas e inventadas como “mulheres”, de acordo com princípios e códigos discriminatórios. Portanto, a colonização foi acompanhada necessariamente pela racialização e colonialidade de gênero enquanto bases para a classificação social dentro daquele sistema. Sendo assim, o que as autoras nos propõem é que a ideia de gênero produz-se concomitantemente com a ideia de raça. Nestes termos, quando pensamos as relações coloniais de gênero e raça nas colônias, temos que às/aos escravizadas/os negras/os e indígenas, o que era aplicado aproximava-se mais a um diformismo sexual

5 É corrente a divisão histórica entre aqueles movimentos sociais, considerados tradicionais, enquanto aqueles pautados nos embates causados pela questão de classe. O novo referido aqui, talvez não tenha nada de novidade, uma vez que visa dar conta daqueles/as sujeitos/as cuja diferença tem sido significada em termos de desigualdade e que historicamente vem tensionando as normatividades etnicorraciais e de gênero, entre outras.

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(macho e fêmea)6, o que demarcava a produção destes corpos como não humanos. Sendo assim, estas relações colonizadas de gênero e raça estiveram imbricadas e refletidas nas relações sociais de capital e trabalho que se engendraram a partir da experiência colonial. Nas relações desenvolvidas, foi forjada, consideravelmente a partir de diferenças fenotípicas, a codificação das diferenças e a noção de superioridade branca e masculina, frente aos povos indígenas e, posteriormente aos negros e amarelos. O autor descreve um cenário colonial em que a dominação/exploração estava diretamente ligada ao binômio raça/trabalho. Nestes termos, com a divisão racial do trabalho, e a partir da expansão mundial (propiciada por séculos de exploração de trabalho gratuito de negros/as e indígenas) da dominação colonial, por parte da dita raça dominante, foi imposto o mesmo critério de classificação social a toda a população mundial em escala global. Daí depreende-se e relacionam-se ideais eurocêntricos de modernidade para a concepção do mundo em que, em primeiro plano, a história da civilização humana é retratada como uma trajetória que parte de um estado de natureza e culmina na Europa; e, em segundo plano, são outorgadas enquanto diferenças de natureza (racial) e não de história do poder, as diferenças entre europeus e não europeus. Dessa maneira, legitimava-se a dicotomização e a essencialização identitária. É o que Santos (2007) afirma enquanto “simetria dicotômica”, que, ainda que pareça simétrica, esconde uma hierarquia e busca manter a racionalidade refém da ideia de totalidade e complementaridade. Deste modo, não é possível pensar o sul sem o norte, a mulher sem o homem, o escravo sem o amo. E dessa forma, é gerada a invisibilização, a produção ativa da não-existência daqueles/as que encontram-se em posição inferior nesta hierarquização naturalizada. Assim, o primeiro componente é apresentado como o puro, ideal a ser alcançado, o modelo a ser copiado, a razão, enquanto que ao segundo resta a cópia, a incompletude, a animalidade, 6 É importante ressaltar que, conforme Mendoza e Lugones, as “mulheres” escravizadas foram moeda de troca neste processo e garantiram aos “homens” escravizados manter algum tipo de poder e margem de manobra dentro deste sistema de exploração.

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a natureza. Estas categorias tem uma construção identitária relacional, e, portanto, sempre atrelada a seu “oposto”. Se retornamos à Mendoza e Lugones, o que as autoras nos demarcam é que jaz na constituição do conceito democrático um duplo pacto. De um lado, um pacto social que deu conta de garantir as atividades assalariadas apenas aos homens brancos a partir das noções de superioridade natural branca, em detrimento dos trabalhadores escravizados não-brancos. E, outro, de gênero entre os homens. O primeiro contrato livrou os homens brancos pobres da escravização, o segundo, do trabalho e circunscrito ao âmbito doméstico. Tal formatação social esteve diretamente implicada na concepção de cidadão livre, pleno em direitos, o sujeito/agente da democracia liberal e, para Mendoza, reflete a confluência do sistema heterossexista, de gênero colonial com o capitalismo e a democracia liberal. Tais confluências seguem a se engendrar e retroalimentar dentro daquilo que cotidianamente chamamos democracia. Sendo assim, o passado e presente deste constructo social nos apontam para a análise de que, mesmo em sua composição, já nos informa quais são seus interlocutores e sujeitos a quem se destinam suas estruturas. Se assim o interpretamos, será o caminho da legalidade, a exigência da inclusão/ adequação/assimilação dentro deste sistema um caminho possível ou menos violentador do que a outra opção? Existirão também para nós negras/os, gays, lésbicas, travestis e transexuais apenas possibilidades atomizadas de existência/resistência? Será a “passabilidade” de algumas/uns suficientemente satisfatória para acreditarmos em avanços e profundas transformações do estabelecido como realidade? Para além de qualquer tentativa de responder a estas questões, parece-nos necessário que não abandonemos a inquietação e a crítica mesmo às nossas conquistas. Se atualmente, tem se alargado e democratizado diversas instâncias de ação política, é aconselhável a percepção de que nem todas/os cabem nesta cidadania. Talvez, nem todos/as queiramos caber. As instituições midiáticas familiares, religiosas, escolares, entre outras não encontram-se isentas na (re)construção destes conceitos.

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A cultura escolar e as necessidades políticas nos sugerem uma relação com os movimentos curriculares, as ações pedagógicas e as necessidades sociais mais amplas dos sujeitos. Pensando com Foucault (1988, 2005, 2006), a sexualidade “ars erotica” está mais próxima da liberdade que permite a construção de sentidos e usos do que dos currículos prescritos pela “scientia sexualis”. A primeira, está mais presente nos movimentos e fazeres curriculares do que nos programas governamentais e nas ações não-governamentais que buscam codificá -la ou estabelecer verdades sobre ela. A sonhada liberdade ou a opção de criar novos tipos de liberdade e novas questões à vida são a base que nos implusionam a subverter a sociedade democrática e, para então, nos reapropriarmos da possibilidade de construir infinitamente o conceito de cidadania, de modo a ajustá-lo às necessidades dos coletivos de sujeitos. Como na política e na cultura, a sexualidade é o lugar do impossível, é o espaço em que o sujeito deixa suas contribuições e se torna autor de sua prática e invenção. Com ela, em situações democráticas, o fim da vida é o limite da criação e da invenção de si. A incompletude da sexualidade nos faz refletir a cidadania porque esta última não consiste em receber sem postular um ato no qual os sujeitos deixam suas contribuições às necessidades sociais, ao pensamento e à eleição de estilos de vida. Entretanto, a eleição implica, em primeiro lugar, democracia. Pode parecer estranho aplicar a palavra “democracia” ao âmbito sexual, porém, sem dúvida, se necessita um novo conceito de democracia quando falamos do direito a controlar nossos corpos, quando decidimos que nossos corpos são de nossa “propriedade”. Nessa direção, somos interpelados/as a repensar a democracia, sobretudo a partir de uma visão decolonial, para além da compreensão comum de espaço de participação, uma vez que, da forma como está, ela cerceia e regula (inclusive através da própria inclusão tão reivindicada pelo próprio movimento LGBT), de diferentes formas, as condutas e os desejos dos sujeitos. Como na política e na cultura, a sexualidade é o lugar imaginativo em que se reúnem os discursos sociais mais amplos. Porém, na cultura,

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na política e na sexualidade também co-existem espaços onde se abre a possibilidade de romper os significados, refazer os interesses, buscar as ideias e onde a inconformidade pode possibilitar outras configurações de estar no mundo. Nesta ceara, concordamos com Donna Haraway (2000) quando a autora defende que, a partir destas configurações, é necessária a sutil compreensão das possibilidades trazidas pelos poderes emergentes e que tem potencial para mudar as regras do jogo. Ainda que estejamos distantes de compreender/ empreender plenamente o alcance da interseccionalidade, por exemplo, precisamos reconhecer e potencializar os saberes produzidos pela perspectiva parcial que permite novas e criativas interpretações, assim como outras formas de participação política. Ainda que o mundo exista sem a nossa presença, nossa presença no mundo nos exige muita criatividade para inventá-lo. Para que o mundo tenha sentido devemos criar/significar o que já contém, devemos aprender a questioná-lo e a inventar o que ainda não existe em nossas petições no mundo. Neste sentido, viver criativamente é também uma condição para criar/ampliar a democracia e se criar com a democracia.

Considerações finais Se por um lado, as discussões em torno do eixo sexo-gênero-sexualidade, por vezes, são cotidianas na academia e demais espaços de produção do conhecimento, por outro, temos a resistência a essas discussões nos currículos e demais instâncias educativas, demonstrando o quanto esses espaços são palco de disputas e tensionamentos políticos. Como sabemos, o currículo é o instrumento escolar que visualiza o corpo como a superfície em que ele escreve ou imprime os valores culturais. Neste sentido, os movimentos curriculares que se realizam nos cotidianos não são elementos inocentes e neutros de transmissão desinteressada de conhecimentos, mas construídos nos interesses que são eleitos pelas escolas, pelos sistemas educativos e, sobretudo,

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pelos e pelas professoras. Inúmeras pedagogias que envolvem a complexidade das identidades apontam para a noção de que os/as sujeitos/as, ao longo do seu desenvolvimento físico e psíquico, através das mais diversas instituições e ações sociais, se constituirão como homem e mulher em etapas que não são sequenciais, contínuas ou iguais e que de modo algum serão concluídas. Esta configuração emerge porque os campos histórico-culturais que formam os sujeitos são implicados de conflitos e são capazes de produzir múltiplos sentidos, que nem sempre são convergentes nas noções de gêneros ou identidades sexuais. Conhecimentos fixos, universais e a-históricos são simplistas porque as performances de gênero destacam as pluralidades de etapas pelas quais as culturas constroem e marcam os corpos dos/as sujeitos/as. Se levarmos em consideração os arranjos de gênero com outras marcas sociais (classe, raça, geração, religião, nacionalidade, identidades sexuais) teremos infinidades de apresentações. No campo da engenharia do corpo são estas infinidades de apresentações que se inscrevem as articulações entre gênero, sexualidade e as pedagogias, ampliando para além dos processos familiares e escolares a aprendizagem da sexualidade. A partir desses cenários, deveríamos nos perguntar, antes de tudo, como determinadas características passaram a ser nomeadas e significadas como marcas de uma identidade ou de outra. Penso que apresentamos alguns caminhos que justificam algumas marcas do corpo, mas é importante destacar a necessidade de se aprofundar o conhecimento sobre as práticas pedagógicas que funcionam como verdades e modelam nossas subjetividades e formas de atuar no mundo.

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Literatura e as questões étnico-raciais Glória de Melo Tonácio (CPII/Grupo de Pesquisa FormAÇÃO) Mariane Del Carmen da Costa Diaz (SESC/CPII)

Introdução [Figura 1-Ambiente da sala-de-aula de Literatura em Realengo I]

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[Figura 2- Roda de leitura espontânea com o livro: “Pretinha de Neve e os Sete Gigantes]

Como possibilitar o conhecimento e o valor de uma outra cultura, para além do modelo eurocêntrico? Como resgatar o acontecimento/ experiência, que rasga e dilacera o espaço-tempo vivido e que nos impulsiona para além dele? Em uma ordem inversa ao pensamento dominante, compreendemos a experiência correlata à palavra, ao conto, ou seja, à autoridade. Como pode a autoridade se centrar no poder de narrar/dialogar? Como isso pode se transformar em um acontecimento, em novidade, ou seja, em experiência? Que caminhos tomar para agir na contramão à ordem estabelecida? De que forma a escola pode se contrapor a essa ordem? Falar... narrar para não morrer teve um sentido em comunidades de matrizes africanas e em outras épocas, em diversas culturas. Em outros tempos, o cotidiano, as conversas e os contos narrados nos círculos, ao redor da fogueira ou da mesa de alimentos eram tomados como experiência, ou seja, a vida era experenciada e, que agora, soa-nos tão estranho. Essa busca plena da experiência é o que temos buscado, com o nosso trabalho

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de Literatura1, como uma atividade específica, realizada em turmas do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental no Colégio Pedro II, no Campus Realengo I, em diálogo com os estudos empreendidos pelo Grupo de Pesquisa FormAÇÃO, dos quais uma de nós é integrante e a outra se faz colaboradora desse grupo. É importante ressaltar que, todos os Campi I do Colégio Pedro II (do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental) desenvolvem as atividades da área de Literatura e possuem uma proposta comum contida no Projeto Político Pedagógico da instituição, ao mesmo tempo, em que desenvolvem projetos específicos. Ao debruçarmo-nos, então, sobre a experiência do Campus Realengo I, estamos abordando tanto a generalização dessa proposta na instituição, quanto as suas especificidades no Campus estudado, no que se refere à educação para as relações étnico-raciais. Conforme explicam TONÁCIO e PACHECO (2008), a proposta de Literatura do Colégio Pedro II, no primeiro segmento do Ensino Fundamental, está voltada para a formação do ser-leitor que, em uma relação dialógica com o texto, seja capaz de, a partir dele e de seu contexto, produzir sentidos e conhecimentos sobre a realidade. A relevância desse projeto reside, principalmente, no seu pioneirismo, pois até o ponto em que conhecemos, o Colégio Pedro II é a única instituição pública a desenvolver tal trabalho sistematizado nesse nível de ensino. Do mesmo modo, consideramos a relevância do trabalho do Campus Realengo I, em específico, que entrecruza o texto literário, com outros textos imagéticos ou não, outras linguagens e estéticas, a 1 Nos Campi I do Colégio Pedro II, além das aulas regulares do Núcleo Comum (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e Estudos Sociais), uma vez por semana, os alunos participam das Atividades de Literatura, Sala de Leitura, Artes, Música, Educação Física e Informática Educativa. São aulas de uma hora e meia, semanais, para cada turma, com uma sala específica e um professor para cada uma dessas atividades. As aulas de Literatura são realizadas por uma equipe de três professoras, dentre elas uma coordenadora, que se distribuem para atender às turmas do colégio. Estas possuem dias e horários fixos para participarem das aulas. Semanalmente, a equipe se encontra para planejar, avaliar e estudar as propostas de trabalho, que se distribuem em temas específicos voltados para o interesse e necessidade de cada série/ano.

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fim de produzir uma consciência antirracista de olhar a realidade, para além do modelo eurocêntrico dominante. Tomando, então, como referência a escrevivência, como “a escrita de um corpo, de uma condição, de uma experiência negra no Brasil” (Evaristo 2007, p. 20), nosso objetivo, nesse texto, é escreviver alguns caminhos, que temos percorrido e vivenciado na nossa trajetória, como professoras do primeiro segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II, no Campus Realengo I, ao desenvolvermos um trabalho pedagógico de Literatura, como uma possibilidade de uma educação antirracista e produtora de uma educação para as relações étnico-raciais.

O trabalho desenvolvido Implementamos nossa proposta de trabalho, baseada na construção de uma educação para as relações étnico-raciais, que se desenrola ao longo das séries iniciais do Ensino Fundamental no Colégio Pedro II, desde 2013, com o objetivo de resgatar as potencialidades da Literatura, priorizando seu caráter estético e sua condição polifônico-dialógica com a finalidade do combate ao racismo, não apenas por uma incursão lógico-racional, mas, principalmente, através da exploração de outras possibilidades de apropriação-percepção da realidade: emoção, criatividade, intuição, sensações, além do aspecto lúdico e interativo. A preocupação com esse outro olhar não está presente somente no planejamento/execução das atividades, mas, também, na própria ambientação de sala de aula, na relação dos sujeitos envolvidos com esse ambiente e nas diferentes relações interpessoais que aí se realizam. Forma e conteúdo se complementam de maneira coerente. Temos disponíveis para as crianças manusearem objetos, artefatos de diferentes culturas; diversos mapas, dentre eles do continente africano e suas diversas culturas, etnias e línguas; imagens, cartazes com figuras de vestimentas, turbantes; espelho a disposição para que as crianças se vejam; livros, dentre outros2.

2 Cf. Figuras 1, 2, 3, 4, 5.

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A ornamentação da sala, a disposição das carteiras, a existência de um espaço com almofadas [e esteiras] propiciando o aconchego, o toque, a proximidade, a troca de olhares, um ambiente composto por reproduções de obras-de-arte de diferentes origens e épocas e, sobretudo, a existência de muitos livros disponíveis para manuseio (...). Em tudo há uma preocupação estética com o fim de impregnar os sentidos do sujeito, desautomatizar seu olhar, deseviesá-lo, permitir que se elabore uma possibilidade criativa e sensitiva de relação com o espaço escolar. (...) Infância e Literatura estão intimamente ligadas no que se refere à forma de pensar e expressar o mundo: pelo inusitado, estético e sensível. (Tonácio e Pacheco, 2008, p.289)

[Figura 3- Roda de contação de histórias de contos populares com o primeiro ano, com o auxílio de dramatizações espontâneas das crianças com fantoches]

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[Figuras 4 e 5- Ambiente da sala-de-aula de Literatura em Realengo I. Aula com o quarto ano, com a utilização de artefatos, objetos, dentre outros]

[Figura 5]

Como enfatiza PACHECO (2002), Não é só o texto literário que está em questão, mas tudo, desde o ambiente da sala, a relação professor -aluno, a cumplicidade estabelecida nessa relação e as atividades propostas, contribui para a elaboração de um “texto” a ser lido, reescrito e modificado sob diferentes olhares. Nesse contexto, (...) a literatura é o centro da questão, mas não uma literatura enquadrada nos paradigmas estruturalistas e instrumentais, que muitas vezes regem o uso da língua na escola, mas uma literatura que

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exige um leitor coautor, que permita o preenchimento de lacunas e a existência de possíveis digressões, que solicite atenção e raciocínio agudos para ler inclusive o que ‘não está escrito’ e para fugir aos padrões estereotipados (s.p.).

Isso posto, o Campus Realengo I trabalha trimestralmente ou semestralmente com temas que se transformam em um projeto que é trabalhado por toda a escola. Assim, a partir desses projetos e dos objetivos almejados em Literatura, estabelecemos para cada série/ano temas de discussão, de acordo com os interesses e realidades de cada grupo e do projeto de trabalho proposto pela escola. Um exemplo desse trabalho, é o “Projeto Carnaval”, sempre desenvolvido, no início do ano letivo, no nosso Campus. A partir desse projeto, desenvolvemos com todas as séries/anos, além da história do carnaval, o resgate de Marchinhas de Carnaval conhecidas ou não (como “Ó, abre Alas”), o protagonismo de compositores negros ligados à história das marchinhas, do samba e de outros estilos musicais pouco conhecidos, como o maxixe (Paulo da Portela, Chiquinha Gonzaga, Jackson do Pandeiro, dentre outros) e a relação entre a resistência da negritude brasileira, com esse movimento cultural (como a figura de Tia Ciata). Também, tomando como temática o combate ao racismo, privilegiamos, no primeiro ano, a narrativa oral como parlendas, contos populares, trava-línguas, cantigas de roda, acalantos e outros textos que abordam a produção cultural eminentemente popular. Para isso, utilizamo-nos de rodas de histórias e pequenas dramatizações (com fantoches, corpo, máscaras confeccionadas pelos alunos, dentre outros), envolvendo toda a turma. Além disso, enfatizamos autores que estabelecem, como temática, a discussão da nossa ancestralidade negra e buscam o diálogo com essas estéticas ancestrais na ilustração como: ANDRADE (1987; 2004); MACHADO (1998); ALMEIDA (2003). Muitas dessas histórias possuem como temáticas os medos, desejos, sonhos, problemáticas relacionadas com a criança negra, sua cor, seu corpo e seu cabelo. Um exemplo disso é o livro “Menina Bonita do Laço de Fita”. No segundo ano, iniciamos o nosso trabalho com a abordagem da cultura indígena: conhecimento de autores e personalidades indígenas 208

(como o indígena Daniel Munduruku), brincadeiras, fragmentos de documentários, hábitos e animações (como o vídeo “Pajerama”3). Em seguida, abordamos as diferentes versões de contos de fadas e suas releituras4 (FILHO, 2000), para, em seguida, discutirmos as diversas representações de reis, rainhas, príncipes e princesas (para além do modelo eurocêntrico), com imagens e vídeos, a fim de que as crianças construam imagens de reis e rainhas diferentes dos estereotipados pela mídia (FILHO, 2000; ANTÔNIO, 2011). Já no terceiro ano, ainda na busca da construção de uma outra estética, trabalhamos o conhecimento da Mitologia Afro-brasileira (ANDRADE, 2000; 2002; PRANDI, 2001; 2002; 2011; BRÁZ e DANSA, 2001), com o objetivo da “desconstrução de estereótipos”, de estigmas advindos de um olhar preconceituoso e excludente com as origens e heranças africanas, assim como as histórias, a cultura, a religiosidade e a cor, realizamos, principalmente, a leitura de algumas reuniões dos  odus   africanos presentes no livro infanto-juvenil “Os Príncipes do Destino - Histórias da Mitologia Afro-Brasileira” de Reginaldo Prandi. Em especial, o trabalho com esse livro trouxe algumas questões. Lemos algumas reuniões dos odus, sem mostrar as imagens do livro. Trabalhamos com os alunos, apenas, com a contação das histórias dos príncipes africanos, com o intuito de identificar quais seriam as reações dos alunos, a partir de tais histórias, sem mostrar as ilustrações. Solicitamos, posteriormente, que os alunos desenhassem seus príncipes africanos e, como imaginamos, mesmo após a leitura dos capítulos do livro;  de uma conversa introdutória sobre outras concepções e representações de reis e rainhas; e sobre o continente africano e suas características, observamos que o resultado consistiu em “príncipes europeizados”, com pele clara, com a representação de coroas européias e castelos, para caracterizá-los como príncipes5. 3 Animação, do ano de 2008, produzida em São Paulo, Brasil e dirigida por Leonardo Cadaval. Sinopse:  Um índio é pego numa torrente de experiências estranhas, revelando mistérios de tempo e espaço. Cf. http://portacurtas.org.br/filme/?name=pajerama. Acesso em 20/07/2015. 4 Cf. Figura 2 5 Cf. Figura 6.

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Ao intervirmos e problematizarmos, relembrando as histórias,  questionando tais representações, alguns alunos “recoloriram” seus desenhos mudando da “cor de pele” para o “marrom”6, mas não mudando ainda os estereótipos. As aulas posteriores foram dedicadas há conhecermos um pouco mais sobre o continente africano e, consequentemente, suas  culturas, através de textos informativos, slides e contos (como o de ANDRADE, 2002). A imagem e a estética dos  odus  começaram a surgir, assim como suas características. As crianças não mais se espantaram ou teciam comentários depreciativos das imagens projetadas7 ou trazidas em pôsteres para observação. As crianças começaram a  compreender  a diversidade cultural existente nas vestimentas, nas línguas, nomes, modo de viver, dentre outros. Os príncipes africanos começaram a tomar outras formas e estéticas8.  [Figura 6: Ilustração do príncipe africano, sem intervenção da professora]

6 Cf. Figura 7. 7 Cf. Figura 9. 8 Figura 8.

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[Figura 7: Ilustração do príncipe do africano, com as primeiras intervenções da professora]

[Figura 8: Ilustrações a partir de intervenções e de projeção de imagens]

211

[Figura 9: Projeção, para turmas de terceiro ano, de imagens com deuses de origem iorubá]

A partir das discussões geradas pelas histórias dos odus e por outras narrativas de origem africana (PRANDI, 2001; 2002; ANDRADE, 2000; BRÁZ e DANSA, 2001), organizamos, junto com os alunos, uma “Oficina objetos da África”9, com o intuito de incitar a percepção da influência do continente africano para a nossa cultura brasileira. Solicitamos aos alunos que trouxessem para a aula de Literatura objetos que remetessem à África (como roupas, acessórios, bijuterias, dentre outros). É importante destacar que, para a nossa surpresa, a grande maioria dos alunos contribui com diversos objetos.

9 Cf. Figura 10.

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[Figura 10: Alunos interagindo e organizando os objetos na Oficina “Objetos da África”]

Todo o trabalho dedicado ao terceiro ano perpassou por uma descentralização das histórias de vertente ocidental, para ceder lugar a questões marginalizadas (no sentido de estar a margem de) como a religiosidade, o sagrado e a estética. Além da desconstrução das imagens e histórias, trabalhamos com a estética africana, construindo uma “oficina de turbantes”10 com os alunos. Essa proposta consistia em uma tentativa de desconstrução das imagens e dos estereótipos advindos do senso comum, com o objetivo de problematizar e romper com estigmas “do feio”, “da coisa de macumba”. (DIAZ e TONÁCIO, 2014).

10 Cf. Figuras 11, 12 e 13

213

[Figuras 11, 12 e 13: Oficina de Turbantes]

[Figura 12]

214

[Figura 13]

Ainda entrecruzamos as histórias lidas com filmes como “Kirikou e a feiticeira”11 e “Kirikou e os animais selvangens”12, discutindo valores, sentidos e sensações despertados pelos filmes. Em seguida, representamos as principais personagens, utilizando-se, para isso, do próprio contorno do corpo das crianças.13

11 Longa-metragem, animação franco-belga  de 1998 dirigido por  Michel Ocelot. Retrata uma lenda  africana, em que um recém-nascido superdotado que sabe falar, andar e correr muito rápido se incumbe de salvar a sua aldeia de Karabá, uma feiticeira terrível que deu fim a todos os guerreiros da aldeia, secou a sua fonte d’água e roubou todo o ouro das mulheres. Kiriku é tratado de forma ambígua pelas pessoas de sua aldeia, por ser um bebê, é desprezado pelos mais velhos quando tenta ajudá-los, porém, quando realiza atos heróicos, suas façanhas são muito comemoradas, embora logo em seguida voltem a desprezá-lo. Apenas a sua mãe lhe trata de acordo com sua inteligência. http://www.adorocinema.com/filmes/filme-18446/. Acesso em 22/07/2015. 12 Sequência de “Kirikou e a Feiticeira” (1998), desenho animado de 2005, dirigido por Michel Ocelot e Bénédicte Galup. A animação retoma a história do minúsculo menino africano Kirikou, mais uma vez enfrentando a terrível feiticeira Karabá, que ameaça a sobrevivência de sua aldeia. http://www.adorocinema.com/filmes/filme-57948/. Acesso em 22/07/2015. 13 Cf. Figuras 14 e 15.

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[Figuras 14 e 15- Representações de personagens dos filmes relacionados ao Kirikou]

[Figuras 16 e 17- Representações de Orixás]

Por fim, esse trabalho com o terceiro ano possibilitou o reconhecimento da nossa diversidade cultural, de nossas origens e

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religiosidades14. Crianças candomblecistas, por exemplo, reconheciamse nas histórias, nos valores e sentidos apreendidos das reflexões. O reconhecer-se numa história que, talvez, durante toda a vida escolar foi silenciada e negligenciada faz com que os ecos dos emudecidos comecem a ecoar (BENJAMIN, 1975). Já no quarto ano e quinto ano, centramos na reflexão da situação e da condição do negro na sociedade brasileira. Para isso, conhecemos diversos autores afro-brasileiros e suas obras (como Machado de Assis), em diferentes suportes (livros, vídeos, áudios); exibimos e discutimos diversos curta metragens, episódios, músicas (“Vista minha pele”15; “Cores & Botas”16; “Uólace e João Vitor” – Cidade dos

14 Cf. Figuras 16 e 17. 15 Curta-metragem, de 2003, dirigido por Joel Zito Araújo. Sinopse: a história está invertida, os negros são a classe dominante e os brancos foram escravizados. Os países pobres são Alemanha e Inglaterra, enquanto os países ricos são, por exemplo, África do Sul e Moçambique. Maria é uma menina branca, pobre, que estuda num colégio particular graças à bolsa-de-estudo que tem pelo fato de sua mãe ser faxineira nesta escola. A maioria de seus colegas a hostilizam, por sua cor e por sua condição social, com exceção de sua amiga Luana, filha de um diplomata que, por ter morado em países pobres, possui uma visão mais abrangente da realidade. Maria quer ser “Miss Festa Junina” da escola, mas isso requer um esforço enorme, que vai desde a superação do padrão de beleza imposto pela mídia, onde só o negro é valorizado, à resistência de seus pais, à aversão dos colegas e à dificuldade em vender os bilhetes para seus conhecidos, em sua maioria, muito pobres. Maria tem em Luana uma forte aliada e as duas vão se envolver numa série de aventuras para alcançar seus objetivos. O centro da história não é o concurso, mas a disposição de Maria em enfrentar essa situação. Ao final ela descobre que, quanto mais confia em si mesma, mais capacidade terá de convencer outros de sua chance de vencer. Cf. https://cinemahistoriaeducacao.wordpress.com/cinema-e-historia/historia-da-africa/vistaminha-pele/. Acesso em 23/07/2015. 16 Documentário (curta-metragem), do ano de 2010, dirigido por Juliana Vicente. Sinopse: Joana tem um sonho comum a muitas meninas dos anos 80: ser Paquita. Sua família é bem sucedida e a apóia em seu sonho. Porém, Joana é negra, e nunca se viu uma Paquita negra no programa da Xuxa. “Cores & Botas” discute os padrões estéticos estabelecidos pela mídia e sua influência na formação das crianças, padrões incoerentes com o povo brasileiro, tradicionalmente miscigenado, provocando também uma reflexão acerca da construção da auto-imagem da família negra. (ROSA, 2012, p.1)

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Homens17, dentre outros) e compreendemos o movimento do funk, como uma manifestação cultural a ser conhecida e discutida como tal. Analisamos algumas letras que retratam o cotidiano carioca (como o “Rap da Felicidade”, de Cidinho e Doca e “Rap do Silva”, de Pablo Botini), discutimos textos informativos sobre esse movimento cultural, entrecruzando com a discussão da situação do Rio de Janeiro e seus bairros, exaltando sua beleza, seu caos e contradições. A partir do “Projeto 450 anos do Rio de Janeiro” desenvolvido em toda a escola, analisamos, também, músicas como “O meu lugar”, de Arlindo Cruz; “Quem é ela?”, de Zeca Pagodinho e Dudu Nobre, assim como discutimos os pontos positivos e negativos do subúrbio carioca e suas comunidades. Além disso, analisamos capas de revistas e propagandas impressas nacionais e estrangeiras18. Nosso objetivo principal foi a discussão do negro (e sua ausência) na mídia e no marketing, o processo de embranquecimento de personalidades negras no Brasil – e no exterior- (como a análise da propaganda da Caixa Econômica Federal, tendo como protagonista Machado de Assis, em sua primeira versão branco e depois “corrigido”, em uma versão negra19 e propa-

17 “Uólace e João Vítor”, com obra de homônima de Rosa Amanda Strauss, faz parte do seriado “Cidade dos Homens” (2002 e 2003) que retrata a realidade de dois adolescentes em uma comunidade carente do Rio de Janeiro. Nesse episódio, traça-se um paralelo entre o cotidiano dos meninos pobres e o de um garoto de classe média. Foi exibido em 18/10/2002, pela Rede Globo de Televisão, com Roteiro de Fernando Meirelles, Guel Arraes , Jorge Furtado e Regina Casé e direção de Fernando Meirelles e Regina Casé. Cf. http://memoriaglobo.globo.com/programas/ entretenimento/seriados/cidade-dos-homens/trama-principal.htm. Acesso em 23/07/2015. 18 19 A Caixa Econômica Federal fez uma peça publicitária, em 2011, para a comemoração de seus 150 anos, no qual o escritor Machado de Assis, que era mulato e pardo, foi interpretado por ator de cor branca. O “embranquecimento” do escritor provocou protestos da SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e de ativistas que defendem o “enegrecimento” de mulatos, caboclos, cafuzos e todos os outros pardos e mestiços. A Caixa (CEF) enviou pedido de desculpas à SEPPIR dirigindo-se não aos mestiços, mas ao negros. A Caixa produziu, então, esta nova propaganda sobre Machado de Assis na qual um ator de cor preta representa o escritor de cor parda. https://www.youtube.com/watch?v=V3F-S3VF2IY. Acesso em 23/07/2015.

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gandas com a modelo Lupita e outros artistas negros). Demos, ainda, continuidade ao conhecimento literário produzido pelas culturas e mitologias africanas. [Figura 18-Análise de mídia impressa]

Considerações A lei 10.639/03 que tornou obrigatório no currículo oficial da rede de ensino a “história e cultura afro-brasileira”, em especial, nas áreas de literatura, história brasileira e educação artística, possibilitou-nos discutir e trabalhar questões invisibilizadas e “escovar a história a contrapelo”, como nos sugere Walter Benjamin (1975). O trabalho que tem sido desenvolvido em Literatura, no Campus Realengo I consiste em atividades que não se configuram, ainda, em um projeto delineado, são experimentações, a fim de desenvolver um  outro olhar, ou seja, uma outra estética sobre a realidade, a partir da compreensão de que uma “ (...) nova consciência cultural e criadora dos textos literários [somente  é possível] em um mundo ativamente plurilinguístico,  que se tornou irremediavelmente assim de uma vez por todas”[grifo nosso](...) (BAKHTIN,  1993, p.404).  Precisamos, então, estarmos atentos à diversidade cultural, assim como ao preconceito e à discriminação racial presentes na realidade

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brasileira e ocultadas por uma ideologia dominante baseada no “Mito da Democracia Racial”20, que tem criado uma cortina de fumaça, que camufla o preconceito racial em nosso país. Concordamos com Florestan (1972, 2003) na afirmação de que não existe democracia racial no Brasil e que isto não passa de uma ideologia que procura ocultar a face racista da dominação de classes que é praticada pelas elites burguesas brasileiras. Concordamos com Kabengele Munanga (1998), ao afirmar que:   É impossível legislar contra os preconceitos porque eles são invisíveis. Não se pode fazer as leis para lutar contra um preconceito. Fazem-se as leis para lutar contra os comportamentos discriminatórios concretos. Isto significa que o subsolo infernal do preconceito racial escapa, por princípios, ao tipo jurídico político da ação antirracista. É na estrutura profunda do imaginário racizante que está o problema. Nós não temos instrumentos para atingir as profundezas dessa estrutura, a não ser talvez indiretamente, através da educação. (...) O preconceito não é o problema da ignorância. Ele tem a sua racionalidade embutida na própria ideologia. Por isso a educação é apenas um dos meios para se lutar contra o racismo, mas não é o único, porque o racismo é, antes 20 A partir da obra Casa-Grande & Senzala (FREYRE, 2006) foi delineado o conceito de “democracia racial”. Nessa obra, o autor defendeu a ideia de que havia relações estreitas entre senhores e escravos, mesmo antes da emancipação legal dada pela Lei Áurea (1888). Para ele, o colonialismo português foi benéfico, impedindo o surgimento de categorias raciais rígidas. Com isso, ocorreu a miscigenação continuada entre as três raças (ameríndios, os descendentes de escravos africanos e brancos). Embora Freyre jamais tenha usado esse termo nesse trabalho, ele passou a adotá-lo em publicações posteriores, ocorrendo, então, uma popularização dessa teoria. O argumento é de que o Brasil escapou do racismo e da discriminação racial. Isso porque, não é possível definir com exatidão à qual raça uma pessoa pertença. Os próprios indivíduos não são capazes de se definirem. Desse modo, ocorre certa mobilidade social. Para Florestan Fernandes tal conceito é um mito e serve para obscurecer a realidade do racismo. É o “preconceito de não ter preconceitos”. Com isso, há uma ausência do Estado no combate à discriminação racial, já que acredita-se na não existência do racismo. Cf. FERNANDES (1972; 2003); FREYRE (2006) e estudos atuais como o de KEM (2014).

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de mais nada, uma ideologia e não se corrigi a ideologia simplesmente pela educação. Pode-se, entretanto, trabalhando com os jovens, potencializar a personalidade, dar elementos para que eles possam reagir contra o racismo (MUNANGA, 1998, p. 48). 

Vislumbramos, nesse sentido, um grande potencial da educação literária,  a favor de uma educação para as relações értnico-raciais. Precisamos exercitar e trabalhar nossas mentes contra os discursos e práticas racistas. Precisamos seguir na contramão do que nos impõem a grande mídia, a cultura de massas. Compreendemos que Infância e Literatura, ligadas à forma de pensar, enxergar e expressar o mundo a partir do estético, do sensível, são um dos caminhos possíveis para a potencialização de sentidos e significados que construam uma consciência que valorize a nossa cultura afro-brasileira, sua ancestralidade e o seu conhecimento.

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Didática: conhecimento e escola Perspectivas teórico-metodológicas moderna e pós-moderna: questões para a reflexão sobre a pesquisa em didática1 Siomara Borba (UERJ/FE)

Introdução O trabalho aqui apresentado foi escrito para o IV Colóquio Internacional Educação, Cidadania e Exclusão, realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, nos dias 29 e 30 de junho de 2015, como uma das contribuições para a mesa redonda intitulada “Didática: conhecimento e escola”. Essa condição explica o estilo informal do texto, em alguns momentos de sua apresentação Tendo como horizonte a temática mais geral – a questão da didática - mas destacando um dos aspectos do debate que acompanha essa temática – o conhecimento - o objetivo desse texto é apresentar uma síntese do debate sobre o conhecimento, particularmente sobre o conhecimento da realidade social, a partir dos pressupostos subjacentes às formas de se pensar e de se desenvolver o entendimento da sociedade e suas práticas. A opção por focar a temática do conhecimento da realidade social, no contexto de um debate na área da Didática, é justificada pelo argumento de que a identificação dos pressupostos do conhecimento ocupa, de forma consciente ou inconsciente, um lugar importante no

1 Esse texto foi escrito a partir de pesquisa financiada pelo CNPq e Faperj.

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trabalho de investigação da realidade. Participando do conjunto desse trabalho de investigação da realidade, está a pesquisa em didática. Apesar da amplitude da discussão sobre o conhecimento da sociedade e da consolidação do debate sobre os pressupostos do conhecimento da realidade social, na trajetória da pesquisa educacional no Brasil, a apresentação desse quadro geral é marcada por fundamentação teórica singular que delimita os horizontes dessa análise e faz com que essa síntese tenha uma marca própria. Foram consideradas, como ponto de partida, as principais características do conhecimento científico, destacando alguns pontos que ajudam a organizar uma síntese e uma caracterização da problemática do conhecimento científico. Esses destaques vão contribuir para a construção de um quadro geral sobre essa questão. Ao escolher essa questão, alguns pontos precisam ser lembrados. O primeiro deles é que não é um tema simples, pois analisar a temática do conhecimento da realidade social significa focar uma determinada ação humana, portanto, histórica. O segundo ponto é que a síntese proposta e os aspectos destacados sobre as possibilidades teóricasmetodológicas do conhecimento científico da realidade social não são produções teóricas novas. O que é novo e singular é a forma de organizar essa síntese, a escolha e a relação entre as contribuições dos autores analisados e o tratamento dado aos aspectos que caracterizam cada perspectiva de conhecimento. Certamente essa e todas as configurações possíveis de análises e sínteses estão fundadas em determinada concepção histórica e teórica que orienta não só a ação bem como o pensamento daqueles que se propõem a analisar e a discutir a realidade. Considerando, então, esse entendimento, outro aspecto a ser lembrado na discussão sobre as perspectivas teóricometodológicas para o conhecimento da realidade social é que esse debate envolve conceitos que foram construídos a partir de relações históricas-sociais que antecedem e estão implícitas ao processo de conhecimento. Em outras palavras, nessa análise, é importante não esquecer a constituição das sociedades que sustentam as diferentes formas de pensar o conhecimento, uma vez que essas formas de

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significar, de carregar o sentido de conhecimento não são geniais, mas sociais, demarcadas pela organização histórica da sociedade. Entretanto, como a proposta desse trabalho é de uma síntese do debate sobre as perspectivas teóricas-metodológicas da pesquisa educacional, esse debate será apresentado, em termos gerais, mas, lembrando, sempre, sua condição histórico-social, deixando subjacentes as relações e a complexidade que constituem os fundamentos dos conceitos. Em termos de organização do trabalho, seu conteúdo foi desenvolvido a partir de três problemáticas centrais. A primeira delas faz rápidas referências às diferentes formas de o humano conhecer a realidade. Essa discussão introdutória encaminha, primeiramente, para a análise das perspectivas teórico- metodológicas segundo a lógica do pensamento moderno e, em seguida, para o exame das perspectivas teórico-metodológicas pensadas a partir da lógica contemporânea

Formas de conhecimento – algumas anotações Para começar a discussão sobre o significado do conhecimento, de imediato, o que deve ser registrado é que não só o conhecimento é uma ação infinita bem como não existe uma única forma de se conhecer o real. No que diz respeito às formas de conhecer o real, elas podem ser identificadas pelas diferentes possibilidades de se lidar com a realidade objetiva. São diferentes possibilidades de se aproximar do real, marcadas por lógicas e procedimentos diferentes e, muitas vezes, antagônicos, embora, isso não queira dizer que sejam lógicas e procedimentos excludentes. Assim, o homem pode lidar com a realidade através de um entendimento imediato do significado do seu cotidiano, momento em que o cotidiano é entendido a partir de sua manifestação pontual e se basta como explicação de si. Mas, pode, também, ocupar-se através do exercício de sua sensibilidade, ou, pela experiência de fé, ou com sua capacidade e competência de pensar, interrogar e significar o real ou,

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ainda, através de sua competência para entender e explicar a realidade. Entretanto, apesar de existirem diferentes possibilidades de se aproximar do significado da realidade, apesar de o humano significar o real por diferentes dimensões, isso não quer dizer que elas sejam excludentes e cada indivíduo só tenha uma possibilidade de expressar o que é o real. Objetivamente, é possível que cada indivíduo entenda a vida por todas essas alternativas, em tempos e espaços diferentes. Dentro dessa multiplicidade de caminhos para se aproximar do sentido do real, a intenção, nesse texto, como já anunciado, é destacar a questão do conhecimento científico e em especial do conhecimento científico da realidade social que é entendido como prática de compreensão e explicação racionais da vida. Um aspecto central da prática de conhecimento científico é sua característica de ser, ao mesmo tempo, processo de aproximação da realidade e produto desse investimento de aproximação do real. Efetivamente, a dimensão de produto do conhecimento não traz muitos debates sobre o significado do conhecimento. Os debates acontecem na forma de pensar e desenvolver a atividade investigativa, ou seja, na forma de se entender e realizar o processo de aproximação do real. Em termos gerais, sem intenção de qualificar o conhecimento, mas com o objetivo de pontuar o debate sobre o conhecimento científico, são identificadas duas lógicas, aparentemente antagônicas, que estão subjacentes às opções teóricas-metodológicas do processo de conhecimento científico do real: a moderna e a contemporânea. Lembramos, no entanto, que nosso interesse em trazer as classificações moderno e pós-moderno para o debate sobre o conhecimento não significa que estamos resumindo as condições moderno e pós-moderno à questão do conhecimento do real. Modernidade e pós-modernidade são condições históricas, complexas e totalizantes das sociedades, que compreendem as relações econômicas, sociais, políticas e culturais, alcançando, portanto, todas as dimensões da vida social e não podendo, por conseguinte, serem resumidas às suas formas de conceber o conhecimento. Com essa advertência, queremos firmar, sem hesitação, nossa compreensão de que estamos lidando

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com condições históricas e sociais que vão além do conhecimento, sendo, portanto, contextos determinantes do conhecimento. Nesse sentido, a classificação do conhecimento como moderno ou pós-moderno não corresponde à classificação, segundo a periodização histórica da sociedade, nem segundo um corpo de ideias consolidado ou em consolidação, mas corresponde a uma classificação, segundo condições históricas específicas. (HARVEY, 1994). Essa distinção é feita considerando as propriedades intrínsecas à concepção e à prática do conhecimento científico que dominam em determinados momentos da história da sociedade, no seu esforço de conceber o processo de entendimento e explicação da realidade social. Em termos mais precisos, o que, objetivamente, se pretende é situar as concepções de conhecimento científico dentro de uma lógica de pensar o conhecimento, sem esquecer, no entanto, a proposição central da análise aqui apresentada: essa lógica de pensar o conhecimento não tem competência de se governar por sua própria dinâmica, descartando a determinação de condições históricas-sociais específicas. Essa lógica é, sempre, histórica-social; é sempre contextualizada e supõe, sempre, condições históricas-sociais próprias.

Perspectivas teórico-metodológicas – a lógica moderna Para analisar a condição do pós-moderno, David Harvey (1994), em seu livro Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural, parte da afirmação de Baudelaire que reconhece que o moderno traz em si, tanto as dimensões do eterno, do imutável e da totalidade, como as dimensões do efêmero, do mutável e do fragmento: “’A modernidade’, escreveu Baudelaire em seu artigo seminal ‘The painter of modern life’ (publicado em 1863), ‘é o transitório, o fugidio, o contingente, é uma metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável’ (HARVEY, 1994: 21) Em seu livro, Harvey (1994) analisa a questão cultural, especificamente no que diz respeito às construções arquitetônicas, considerando aspectos mais gerais do conceito de “moderno”. Nesse sentido, elenca,

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citando os editores da revista de arquitetura Precis, algumas características que têm explicado o que é o “moderno”: positivista, tecnocêntrico, racionalista, universal, percepção monótona do mundo, crença não só no progresso linear da história da sociedade bem como nas verdades absolutas e na emancipação racional, na possibilidade do planejamento racional e ideal da vida social e na definição de padrões ideais para o conhecimento e a produção. Segundo os editores da Precis, [...]. Geralmente percebido como positivista, tecnocêntrico e racionalista, o modernismo universal tem sido identificado com a crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais e com a padronização do conhecimento e da produção. (PRECIS, 1987 apud HARVEY, 1994: 19).

Boaventura de Souza Santos (2004:1), ao discutir os modelos de conhecimento, afirma que a opção teórica-metodológica moderna está baseada nos seguintes pressupostos: [...] distinção entre sujeito e objeto e entre natureza e sociedade ou cultura; redução da complexidade do mundo a leis simples susceptíveis de formulação matemática; uma concepção da realidade dominada pelo mecanismo determinista e da verdade como representação transparente da realidade; uma separação absoluta entre conhecimento científico – considerado o único válido e rigoroso – e outras formas de conhecimentos como o senso comum ou estudos humanísticos; privilegiamento da causalidade funcional, hostil à investigação das ‘causas últimas’, consideradas metafísicas, e centrada na manipulação e transformação da realidade estudada pela ciência.

Sendo assim, por conhecimento moderno, de modo geral, entendese o conhecimento científico - um metadiscurso elaborado a partir das categorias da razão iluminista que compreende, como fundantes, as ideias de universalidade, neutralidade, verdade e emancipação.

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Considerando as características destacadas pelos editores da Precis, apresentadas por Harvey (1994) e as indicadas por Santos (2002), é possível entender que o conhecimento moderno é uma atividade que busca a verdade universal, neutra, objetiva, que se alcança com o auxílio do método científico. Esse método compreende a observação, a experimentação, a generalização e a prescrição. Nessa forma de conhecer a realidade, o trabalho de investigação é marcado, de um lado, pela total separação entre o indivíduo-sujeito e o real-objeto e, por outro lado, pela relação de causa e efeito entre os fatos e fenômenos da realidade, sendo papel do conhecimento científico buscar a causa ou as causas de um determinado fenômeno, já que o mundo, a sociedade e a vida são “máquinas”, cujos mecanismos podem ser identificados, desvendados e explicados em uma linguagem universal, possibilitando o conhecimento do real. Além disso, na perspectiva moderna de conhecimento, o esforço de aproximação do sentido do real é realizado por um indivíduo-sujeito que se descola do real-objeto. No seio dessas características, o conhecimento científico da realidade social foi pensado a partir de três perspectivas diferentes de entender a sociedade: a naturalidade do mundo social, a historicidade da sociedade e a materialidade das relações sociais, aspectos que demarcam o processo de conhecimento da realidade social e que, em termos de correntes de conhecimento, são definidas, segundo Michael Löwy (2009), como Positivismo, Historicismo e Marxismo. Compondo esse grupo de correntes modernas do conhecimento científico da realidade social, lembrando mais uma vez, que a intenção desse texto não é qualificar ou desqualificar uma forma de pensar o processo de conhecimento da realidade, o Positivismo, tendo por base o argumento da naturalidade do mundo social, parte da premissa que a realidade social é igual à realidade natural, física e essa homogeneidade justifica que as ciências sociais adotem não só os mesmos pressupostos do conhecimento do mundo natural, bem como o mesmo procedimento para o conhecimento da realidade social. Assim, no processo de conhecimento do real, no contexto da perspectiva positivista

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de conhecimento, está subjacente o entendimento que o processo de conhecimento da realidade social é um processo equivalente ao processo de conhecimento da realidade física. Nesse sentido, Löwy (2009: 19-20. Grifos do autor) chama a atenção para as seguintes proposições da concepção positivista de conhecimento da realidade social: 1. A sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis invariáveis, independentes da vontade e da ação humanas; na vida social, reina uma harmonia natural. 2. A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimilada pela natureza (o que classificaremos como "naturalismo positivista") e ser estudada pelos mesmos métodos, dêmarches* e processos empregados pelas ciências da natureza. 3. As ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias, descartando previamente todas: as prenoções e preconceitos.

E, segundo Marisa Vorraber Costa (1994), uma outra característica da lógica positivista é o enquadramento do real em um modelo teórico. Nesse sentido a autora faz a seguinte afirmação: [...] uma conduta nitidamente positivista, [...] é a de tentar encaixar a realidade em um modelo. Nessa perspectiva, a verdade subjaz ao modelo e não decorre da interação do sujeito com um determinado contexto. Se a verdade está dada de antemão e o que se faz é buscar evidências para sua comprovação, não importando que flexões e pressões precisam ser impostas à realidade para que ela corresponda ao esperado, mantém-se o dualismo empirista entre sujeito e objeto. (COSTA, 1994:17)

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Como oposição direta ao Positivismo, no seu princípio de entendimento do mundo social como equivalente ao mundo natural, o Historicismo e o Marxismo vão considerar que o mundo social tem uma especificidade que o difere do mundo natural e que, portanto, não permite que a realidade social, quando se torna objeto de conhecimento, seja tratada com orientações teórico-metodológicas semelhantes aos procedimentos teóricos-metodológicos para o conhecimento da realidade natural Para o Historicismo, a especificidade do mundo humano está na historicidade da vida e para o Marxismo, a especificidade da realidade social está na sua condição de materialidade. Assim, apesar de se aproximarem na crítica ao Positivismo, o Historicismo e o Marxismo fundamentam suas críticas em bases teóricos-conceituais opostas. O Historicismo parte do pressuposto que o real é histórico, ou seja, ele é real de um determinado tempo e o sujeito que conhece esse real, também, é um sujeito histórico. Essa condição de historicidade do real e do sujeito atribui ao conhecimento a qualidade de histórico e não garante ao real a possibilidade de comportar a verdade definitiva sobre si. A história é condição da existência humana, muda a realidade e não permite reduzir a complexidade da existência humana às condições de fenômeno natural: 1. Todo fenômeno cultural, social ou político é histórico e não pode ser compreendido senão através de e na sua historicidade. 2. Existem diferenças fundamentais entre os fatos naturais e os fatos históricos e, conseqüentemente, entre as ciências que os estudam. 3. Não somente o objeto da pesquisa está imerso no fluxo da história, mas também o sujeito, o próprio pesquisador, sua perspectiva, seu método, seu ponto de vista. (LÖWY, 2009:75. Grifos do autor).

Nesse sentido, o real é sempre a manifestação provisória/relativa da verdade: “[...] estas diferentes maneiras de pensar e de conhecer

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não são de forma alguma arbitrárias: elas contêm a sua parcela de verdade [...]” (LÖWY, 2009: 82). Esse comentário de Löwy (2009) está fundado na seguinte análise de Wilhelm Dilthey (1962): [...] ‘Cada visão de mundo é historicamente condicionada, portanto, limitada, relativa... Cada uma exprime, nos limites de nosso pensamento, uma dimensão do universo. Cada uma é, conseqüentemente, verdadeira. Mas cada uma delas é unilateral. É-nos negado ter uma visão de conjunto destas dimensões (diese Seiten zusammenschauen). A luz pura da verdade nos é visível apenas nas múltiplas facetas de um raio de luz’. [...]. (DILTHEY (1962) apud LÖWY, 2009:82. Grifos no original)

Numa perspectiva, totalmente diferente, o Marxismo afirma que a realidade social é, segundo Marx (1974: 229), a “síntese de múltiplas determinações”. A manifestação do real não mostra as relações de classe que estão subjacentes à concretude da existência humana, concretude que é material uma vez que as relações de classes são relações econômicas. Assim, segundo a leitura da teoria marxista, só se pode conhecer o real, se nesse real forem destacadas as relações econômicas que são determinantes ou dominantes, segundo a leitura do Marxsimo, no processo de constituição da realidade social. Considerando o horizonte teórico do Marxismo, a verdade sobre o real está nas relações de classe, que não são aparentes e não podem ser percebidas pelos sentidos, mas, que, entretanto, é o concreto da vida humana. O mais abstrato da vida humana são as coisas ou os pedaços de realidade percebidas pelos sentidos, pois as coisas ou os pedaços de realidade só são realidades concretas na medida em que existem relações determinantes subjacentes que, embora não aparentes, são concretas e, contraditoriamente, não podem ser percebidas pelos sentidos. E são concretas porque essas condições materiais são as condições de existência da realidade social. Segundo Löwy (2009:119),

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Em outras palavras: não e senão por uma análise sócio -histórica, em termos de classes sociais, que se pode compreender a evolução de uma ciência social [...], seus avanços ou seus recuos do ponto de vista científico. A história da ciência não pode ser separada da história em geral, da história da luta de classes em particular. [...] trata-se simplesmente de mostrar que [nenhuma ciência] [...]pode escapar aos condicionamentos sociais e não se move no espaço e no tempo de forma independente do movimento histórico concreto.

Destacando, então, de forma pontual, algumas características do pensamento moderno sobre o conhecimento científico do real social, entendido como racional, que busca a verdade universal na “descoberta” das leis gerais formuladas matematicamente, o que foi destacado diz respeito à forma de entender a realidade social – ou natural ou histórica ou material – e ao processo investigativo assumido pelas diferentes possibilidades de pensar o conhecimento: o conhecimento da realidade parte da observação ou o conhecimento da realidade demanda que se considere a historicidade do sujeito e do objeto de conhecimento ou, ainda, para se aproximar do sentido da realidade é fundamental se aproximar das condições materiais, ou sejam, econômicas que determinam a realidade como ela aparece aos sentidos.

Perspectivas teórico-metodológicas – a lógica pós-moderna Lembrando, mais uma vez, que a natureza do trabalho aqui apresentado é de síntese da discussão sobre o conhecimento, a partir desse momento, a atenção será sobre as perspectivas teórico-metodológicas do conhecimento pós-moderno. O conhecimento pós-moderno é entendido como uma perspectiva de conhecimento do real, que nasceu da crise da epistemologia moderna. Boaventura de Sousa Santos (2004:1) afirma que recorre às expressões “pós-moderno” e “pós-modernidade” após ter chegado à conclusão de que os modelos de conhecimento e de racionalidade que

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sustentavam o conhecimento científico não estavam mais dando conta de explicar e analisar a complexidade, o dinamismo e as contradições da realidade imediata e mediata: “[...] Tinha chegado à conclusão que a ciência em geral e não apenas as ciências sociais se pautavam por um paradigma epistemológico e um modelo de racionalidade que davam sinais de exaustão, [...]” Partindo, portanto, de uma crítica aguda ao modelo de conhecimento científico moderno, quando são negados os pressupostos gerais dessa epistemologia, ou seja, verdade, racionalidade, universalidade, objetividade, neutralidade, para explicar o real, a epistemologia pósmoderna afirma seus principais pressupostos como sendo: a diferença, a hibridez, a multiplicidade, a ambiguidade, a incerteza, a ruptura e a descontinuidade. Esses pressupostos fundamentam a definição das características do pensamento pós-moderno. Santos (2004: 9), considerando as diferentes concepções do que é o pós-moderno, destaca algumas características comuns aos diferentes entendimentos do que é o pós-moderno: crítica à ideia de universalidade, à possibilidade de construção de projetos coletivos, à existência da utopia, à ideia de crítica, ao fundacionismo e ao essencialismo e ênfase no relativismo, na fragmentação, no que está à margem, na heterogeneidade e na pluralidade: [...] são múltiplas as concepções que se reivindicam do pós-moderno. As concepções dominantes – onde pontificam nomes como Rorty, Lyotard, Baudrillard, Vattimo, Jameson – assumem as seguintes características: crítica do universalismo e das grandes narrativas sobre a unilinearidade da história traduzida em conceitos como progresso, desenvolvimento ou modernização que funcionam como totalidades hierárquicas: renúncia a projectos colectivos de transformação social, sendo a emancipação social considerada como um mito sem consistência: celebração, por vezes melancólica, do fim da utopia, do cepticismo na política e da paródia

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na estética: concepção da crítica como desconstrução; relativismo ou sincretismo cultural; ênfase na fragmentação, nas margens ou periferias, na heterogeneidade e na pluralidade (das diferenças, dos agentes, das subjectividades); epistemologia construtivista, não-fundacionalista e anti-essencialista

Harvey (1994), ao falar do pós-moderno, afirma que o que caracteriza o pós-moderno são justamente as características que Baudelaire reconhece como sendo a outra face do modernismo: Começo com o que parece ser o fato mais espantoso sobre o pós-modernismo: sua total aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico que formavam uma metade do conceito baudelairiano de modernidade. (HARVEY, 1994: 49).

Segundo a análise de Harvey (1994), o pós-moderno tem como pressupostos o privilégio da heterogeneidade, da diferença, da fragmentação, da indeterminação, da descontinuidade, da desconfiança nos discursos universais e totalizantes, a primazia do pragmatismo, como concepção filosófica, a negação das relações de causalidade e a ênfase nas correlações poliformas. Esses pressupostos, na discussão de Harvey (1994), aparentemente, distanciam a lógica do pós-moderno da lógica do moderno, considerando a afirmação de Baudelaire (1863): “’A modernidade’ é o transitório, o fugidio, o contingente, é uma metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável’ (BAUDELAIRE, 1883 apud HARVEY, 1994: 21) Ao listar os pressupostos do pensamento pós-moderno, Harvey (1994: 20) chama a atenção para um aspecto importante: a explicitação do que é pós-moderno é feita a partir da referência ao moderno: “[...] o único ponto de partida consensual para a compreensão do pósmoderno reside em sua possível relação com o moderno, [...]”. Essa relação, segundo Harvey (1994:46), é uma relação de crítica radical e profunda aos pressupostos centrais do modernismo, a saber: a razão iluminista, o projeto de emancipação social, os discursos totalizantes:

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“[...] vigorosa denúncia da razão abstrata e [...] profunda aversão a todo projeto que buscasse a emancipação universal pela mobilização das forças da tecnologia, da ciência e da razão. [...]” Partindo do editorial da revista Precis (1897), Harvey (1994) apresenta o pós-moderno como momento de determinadas práticas culturais, políticas e econômicas. Para Harvey (1994, p. 65), o contexto sócio-econômico-político próprio de uma sociedade capitalista, em um determinado estágio de organização, é o fundamento da condição pós-moderna. O pós-modernismo não pode ser visto como um simples movimento cultural, quando valores culturais modernos são negados e superados por valores culturais que reconhecem, basicamente, a transitoriedade e a inexistência de modelos e regras para a condição humana. Os valores culturais pós-modernos são produtos definitivos de uma determinada sociedade: [...] considero importante aceitar a proposição de que a evolução cultural que vem ocorrendo a partir do início dos anos 60 e que se afirmou como hegemônica no começo dos anos 70 não ocorreu num vazio social, econômico ou político. [...] não devemos ler o pósmodernismo como uma corrente artística autônoma; seu enraizamento na vida cotidiana é uma de suas características mais patentemente claras.

Segundo Santiago Castro-Gómez (2005:169), que vai chamar a atenção para as diferenças entre as formas moderna e pós-moderna de pensar o conhecimento, [...] A modernidade é uma máquina geradora de alteridades que, em nome da razão e do humanismo, exclui de seu imaginário a hibridez, a multiplicidade, a ambiguidade e a contingência das formas de vida concretas, A crise atual da modernidade é vista pela filosofia pós-moderna e os estudos culturais como a grande oportunidade histórica para a emergência dessas diferenças largamente reprimidas.

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Ao rejeitar os parâmetros modernos para o conhecimento do real – natureza, história, materialidade do real - o conhecimento pósmoderno trabalha com outra referência para significação do real. A análise da realidade social considera, como eixo central, no processo de significação da sociedade e da ação humana, uma dimensão própria da existência humana, que é a experiência cultural. A cultura é central na organização histórico-social não só pela presença constante do que lhe diz respeito bem como por compor as práticas sociais. Nessas condições, ela passa a ter importância substancial na constituição das sociedades, o que lhe dá competência epistemológica no campo das ciências humanas e sociais: Por “substantivo”, entendemos o lugar da cultura na estrutura empírica real e na organização das atividades, instituições, e relações culturais na sociedade, em qualquer momento histórico particular. Por “epistemológico” nos referimos à posição da cultura em relação às questões de conhecimento e conceitualização, em como a “cultura” é usada para transformar nossa compreensão, explicação e modelos teóricos do mundo. Hall (1997:1. Grifos do autor).

Assim, considerando a centralidade da cultura na experiência humana, Hall (1997:1) afirma a competência científica da cultura, admitida na teorização social: “[...] o amplo poder analítico e explicativo que o conceito de cultura adquiriu na teorização social. [...]”. Nesse sentido, toda a ação humana pode ser pensada e entendida, a partir dessa referência, uma vez que, nessa referência é reconhecida a propriedade de análise e explicação das circunstâncias sociais e, portanto, a construção de entendimentos para se chegar aos significados atribuídos à realidade. Para o pós-moderno, a constituição de outra categoria de análise da realidade social – a cultura – significa uma revolução conceitual frente ao modelo tradicional de ciência, e, devido à transformação das referências tradicionais de análise social, esse movimento é reconhecido

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como momento de uma grande transformação conceitual – “[...] uma revolução conceitual de peso está ocorrendo nas ciências humanas e sociais. - [...]” (HALL, 1997: 9). Essa revolução traz para o centro da compreensão e da análise da sociedade, a experiência cultural que, tradicionalmente, era entendida como uma prática decorrente: “[...]. Nas ciências humanas e sociais, concedemos agora à cultura uma importância e um peso explicativo bem maior de que estávamos acostumados anteriormente [...]” (HALL, 1997: 9), sendo, portanto “[...] diferente da forma como a mesma foi teorizada por vários anos pela corrente dominante nas ciências sociais. [...]” (HALL, 1997: 11) A partir dos Estudos Culturais, a atenção dada às práticas e experiências culturais - entendidas como manifestações sociais, construídas a partir de condições sociais, históricas e subjetivas específicas - nega os valores modernos que construíram o indivíduo. Esses valores, ao construir um modelo de homem para a sociedade como sendo o homem racional, capaz de explicar, pela razão, o mundo e o ser humano em suas ações e promover, racionalmente, a emancipação social, fizeram desaparecer da condição de humanidade, uma experiência social e histórica que é importante na constituição do indivíduo, a cultura. Na compreensão da realidade social, a cultura aparece, então, como alternativa para significar o real, ou seja, a prática cultural passa a ter “[...] um papel constitutivo e determinado na compreensão e na análise de todas as instituições e relações sociais [...]” (HALL, 1997: 11). Sendo constituída, portanto, como alternativa às explicações da realidade social, a cultura vai dar origem à perspectiva teórico-metodológica chamada Estudos Culturais. Segundo Hall (1997: 9), essa orientação teórico-metodológica Refere-se a uma abordagem da análise social contemporânea que passou a ver a cultura como uma condição constitutiva da vida social, ao invés de uma variável dependente, provocando, assim nos últimos anos, uma mudança de paradigma nas ciências sociais e nas humanidades que passou a ser conhecida como a ‘virada cultural’,

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A perspectiva teórico-metodológica Estudos Culturais, embora, reconheça a importância da dimensão econômica na organização e definição de valores sociais, sugere que a cultura compreende experiências que não se resumem ao econômico. Nesse sentido, Hall (1997) afirma que a centralidade da cultura na explicação da realidade social não quer dizer reduzir essa explicação ao cultural, mas significa articular os aspectos culturais e materiais no estudo da realidade social. Então, sem atribuir primazia à dimensão cultural, mas, também, sem priorizar as outras dimensões da prática humana, Hall (1997: 9) coloca a cultura ao lado “[...] dos processos econômicos, das instituições sociais e da produção de bens, da riqueza e de serviços [...]” na explicação das práticas sociais. Assim, a perspectiva teórico-metodológica dos Estudos Culturais entende que a experiência cultural tem estatura epistemológica própria – [...] no seu sentido epistemológico, a centralidade da cultura repousa nas mudanças de paradigma que a ‘virada cultural’ provocou no interior das disciplinas tradicionais, no peso explicativo que o conceito de cultura carrega e no seu papel constitutivo, ao invés de dependente, na análise social. [...] -

Aparecendo, por conseguinte, como uma alternativa teórico-metodológica, às perspectivas teórico-metodológicas que privilegiam a naturalidade da realidade social, a historicidade do homem e de sua ação e a materialidade da existência social.

Considerações finais Antes de terminar, é importante destacar, mais uma vez, que essa síntese geral, aqui apresentada, deve ser entendida como uma apresentação panorâmica sobre a questão do significado do conhecimento, em dois períodos específicos da história do pensamento e das relações sociais. Temos certeza que o tratamento aqui apresentado é

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simplesmente uma tentativa singular de síntese e, que, portanto, não esgotou o tema, deixando muitas questões sem resposta. Sendo assim, nesse texto, tentamos apresentar os pressupostos mais gerais da forma de conhecer cientificamente a realidade social, mas que entendemos não é a única forma de conhecer a vida, nem a mais importante e muito menos, nem a mais rica. É simplesmente uma forma, que contraditoriamente, pode libertar e/ou aprisionar o humano frente à riqueza e complexidade da vida. Em linhas bem gerais, os pressupostos da epistemologia moderna – universalidade, unicidade, separação entre o sujeito e o objeto de conhecimento, ênfase na empiria, o Positivismo, ou na história, o Historicismo ou nas relações materiais de existência, o Marxismo - distinguem a versão moderna da versão pós-moderna de conhecimento. No período pós-moderno o conhecimento do real destaca a cultura como eixo importante de análise. A cultura, entendida como lógica e prática, constitui a perspectiva teórico-metodológica dos Estudos Culturais. O significado desse panorama para a pesquisa educacional e para a pesquisa em didática não é metodológico, mas teórico-metodológico na medida em que os pressupostos de sociedade e de conhecimento sustentam as formas de entendimento do que é o trabalho investigativo. O pesquisador, ao identificar esses pressupostos, terá consciência não só de sua opção por determinada forma de pensar e lidar com a sociedade e das possibilidades e limites do seu trabalho investigativo, bem como, terá indicações dos procedimentos de pesquisa que são importantes e adequados ao seu projeto de aproximação do real. Por último, é importante ressaltar que não tivemos a intenção de dar conta das questões que fazem parte dessa problemática geral e ampla que é o significado do conhecimento. Tratar essa apresentação como uma síntese própria, singular, definida por uma determinada reflexão, por um determinado conhecimento e por determinadas opções significa que, terminada essa exposição, questões não terão sido respondidas, aspectos terão sido esquecidos e debates precisarão ser retomados

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de qualquer lugar teórico, para um maior aprofundamento, para uma mais cuidadosa argumentação, para uma mais rigorosa análise.

Referências COSTA, Marisa C. Vorraber (1994). Pesquisa em educação: concepções de ciência, paradigmas teóricos e produção de conhecimento. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, nº 90, p. 15-20. HALL, Stuart (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação e Realidade, 22 (2), p. 15-46. HARVEY, David (1994). Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, p. 7 – 67. LÖWY, Michael (2009). As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchahausen: marxismo e o positivismo na sociologia do conhecimento. São Paulo: Cortez. MARX, Karl (1974). O método da economia política. Lisboa, Editorial Estampa. SANTOS, Boaventura de Sousa (2004). Do pós-moderno ao póscolonial. E para além de um e outro. Conferência de abertura do VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra, 45 pp. Disponível em: www.ces.uc.pt/misc/Do_pos-moderno_ao_pos-colonial. pdf Acesso em: 15/9/13.

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Sobre os autores

Ana Maria Petraitis Liblik Possui Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2001), Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (1996), graduação em Bacharel em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1974), graduação em Licenciatura em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1974), graduação em Educação Artística pela Universidade Federal do Paraná (2011). Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Matemática, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação, Educação Matemática, Arte-educação, Ensino-aprendizagem e coordena o projeto Arte na Escola, polo UFPR. Arlindo Cornélio Ntunduatha Juliasse Possui graduação em Educação de Adultos pela Universidade Pedagógica de Moçambique - Delegação de Nampula (2009), graduação em Direção e Gestão Educacional pela Universidade Católica de Moçambique - Faculdade de Educação e Comunicação (2010) e mestrado em Gestão do Desenvolvimento pela Universidade Católica de Moçambique - Faculdade de Educação e Comunicação (2012). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação inclusiva e processos educacionais Beatriz Calazans Dounis Possui Graduação em História pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (1993), Mestrado em Teologia e Doutorado em Ciências da Educação - Área de Inovação Pedagógica pela Universidade da Madeira (2012). Atualmente é professora de Historia do Centro de Internação de Adolescentes Granja das Oliveiras, professora de Metodologia Científica do Instituto Betel Brasileiro Faculdade de Teologia. Tem

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experiência na área de História, e Educação/Pedagogia, atuando principalmente com as seguintes temáticas: Educação, Cultura, EJA, Escola e Fracasso Escolar. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Possui graduação em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Santa Doroteia (1976), mestrado em Interdisciplinary Studies in Human Development na University of Pennsylvania (1987) e doutorado em Education Culture And Society na University of Pennsylvania (1992). É professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atuando na Faculdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação (ProPEd). Também é PROCIENTISTA da FAPERJ/UERJ. Atualmente é pesquisadora Senior Scholar na British Columbia University (UBC). Coordena o Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU) e o grupo de pesquisa Etnografia e Exclusão. Participa de diversas parcerias internacionais: Universidade da Pensilvânia, Universidade de Sydney, Universidade de Cambridge, Universidade de Pádua, Universidade de Northampton e a Universidade de Pretória. Ao longo dos anos vem disponibilizando o material de pesquisas, por meio de livros, relatórios de pesquisa e artigos científicos, de natureza etnográfica na área educacional visando estimular o intercâmbio de conhecimentos e socializar os resultados de pesquisas e reflexões elaboradas no Brasil e no exterior a partir de estudos de natureza etnográfica. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Etnografia na Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: fracasso escolar, etnografia, justiça social, tecnologia em educação e gênero. Eloiza da Silva Gomes e Oliveira Possui Graduação em Psicologia e em Pedagogia, Especialização em Supervisão Educacional e Mestrado em Psicologia Escolar. Concluiu o Doutorado em Educação (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1997. Atualmente é professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), atuando na Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH),

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onde lidera o Grupo de Pesquisa "Aprendizagem, subjetivação e cidadania ". Coordena o Laboratório de Estudos da Aprendizagem Humana (LEAH). É Diretora do Instituto Multidisciplinar de Formação Humana com Tecnologias da UERJ. Atua especialmente nas áreas de Educação com mediação tecnológica, Aprendizagem, Formação Humana e Políticas Públicas. Glória de Melo Tonácio Possui Doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da UFRJ, no eixo de pesquisa Políticas Públicas e Instituições Educacionais, concluído em agosto de 2011. Concluiu o Mestrado em Educação na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, em abril de 2003, na linha de pesquisa: Linguagem, Conhecimento e Formação de Professores. É professora do ENSINO FUNDAMENTAL do Colégio Pedro II. Faz parte nessa instituição do NEAB/CPII e da Comissão Permanente de Pessoal Docente do Colégio Pedro II-CPPD/ CPII. Tem experiência na Educação Infantil; no Ensino Fundamental, onde atua; e no Ensino Superior, na áreas ligadas à Educação Infantil, ao Ensino Fundamental e Prática de Ensino. Estuda e pesquisa temas ligados às seguintes áreas: linguagem; formação, trabalho docente e políticas públicas e educação etnicorracial Jamil Ahmad Chitrali Ele fez o seu PhD em Sociologia pela Universidade de Peshawar, em 2013. Foi formado pela Universidade de Peshawar em 1998 e passou Mestre em Antropologia com destino departamento forma de sociologia e Antropologia Universidade de Peshawar. cursos tiveram de nível de doutorado de Área de Estudo Centre (Estudos da Ásia Central) em 2003-04 e de nível MS cursos de Verão 2008-09 da Universidade de Lund, na Suécia em Estudos de Género. Ele permaneceu Director de estudantes Sociedades e é atualmente Organizador do Cultural & Dramatic Society, da Universidade de Peshawar. No seu crédito vários programas de artes criativas e conseguiu encenar Drama no Agha Khan Auditório sobre o conceito de paz. Ele permaneceu o drama artista,

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roteirista e diretor de várias peças em ao ar no canal Estado Run TV PTV em 1990. Ele realizou vários projectos de investigação e ganhou boa relação na comunidade internacional viajar para conferências e trabalhos de campo e outros eventos de pesquisa do Afeganistão, Irã, Índia e Alemanha, Austrália, Turquia, etc Como Diretor IPCS assinou memorandos de entendimento com o Governo do Paquistão. Brasil e Canadá e une Unidos estão prestes a estar na mesma rede de pacificadores no Paquistão. Servindo desde maio de 2002 na Universidade de Peshawar permaneceu dois tempos elegeu Membro do Sindicato, Conselho Académico, Senado e presidente da PUTA e conseguem levantar fundos no valor de 20 milhões para vários projetos de Governo de Khyber Pakhtunkhwa e outros doadores. Luís Paulo Cruz Borges Formado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Especialista em Relações Étnico-raciais e Educação: uma proposta de (re)construção do imaginário social pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/ RJ). Mestre em Educação pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ). Membro do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente é Professor dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: conhecimento e cultura escolar, formação docente, sociologia da educação e etnografia. Marcio Rodrigo Vale Caetano Líder do Nós do Sul: Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Currículo, graduado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com mestrado e doutorado em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Como parte dos estudos de pós-graduação, realizou estágio no Programa de Estudios

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Feministas do Centro de Investigaciones Interdisciplinarias en Ciencias y Humanidades da Universidad Nacional Autónoma de México (CEIICH- UNAM). Paralelo ao magistério, atuou em organizações de direitos humanos LGBT coordenando projetos de pesquisas e de formação continuada com docentes, profissionais da saúde, gestores/as públicos/as e ativistas dos movimentos sociais LGBT e Aids. Professor de Políticas Públicas da Educação no Instituto de Educação da Universidade Federal do Rio Grande - FURG, orienta investigações desenvolvidas nos Programas de Pós-graduação em Educação e em História. Dentre os temas de interesse e de pesquisa estão: 1. gênero, sexualidade e relações etnicorraciais; 2. desigualdades e marcadores sociais de diferenças 3. teorias feministas e queer; 4. educação e currículo e 5. população Lésbica, Gay, Bissexual, Travesti e Transexual. É coeditor da Revista Momento: diálogos em educação. Entre 2013 e 2014, ocupou a secretaria executiva da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura ? ABEH- e a suplência no Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Maria Luiza Süssekind Finalizei em 10 de Maio de 2013, na Universidade da Columbia Britânica, Vancouver, Canadá, Estagio Pós-doutoral sobre Curriculum Studies in Brazil; junto ao Professor Emerito William Pinar, com projeto aprovado pela Capes. Sou Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da UNIRIO. Coordeno o PIBID-CAPES/Interdisciplinar para Ensino Fundamental atuando junto a Escola Municipal Georg Pfisterer. Coordena o GT Currículo Anped. Líder do Grupo de Pesquisa Práticas educativas e Formação de Professores/GPPF. Editora da Revista Teias Proped-UERJ. Membro do Comitê de Conferências do IAACS- Associação Internacional de Estudos Avançados em Currículo. Possuo Licenciatura Plena em História pela PUC-RJ (1990), Mestrado em Ciências Sociais (Etnografia) pela UFRRJ (2002) e Doutorado (2007) em Educação (Cotidiano) pela UERJ. Fui professora de História e OSPB nos Ensino Fundamental e Médio por mais de 10 anos. Trabalhei junto

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à equipe de implantação da UENF. Atuei como Subcoordenadora do Projeto ?Metacognição em Sala de Aula? UERJ-DEGASE-SEJINT (1999-2000). Coordenei a DIREITORIO da FGV-RJ. Na Fundação Getúlio Vargas - RJ, também, lecionei no Mestrado Profissional em Poder Judiciário e fui consultora pedagógica em desenvolvimento institucional para os cursos de graduação em História, Ciências Sociais, Economia e Matemática Aplicada. Fui consultora do IBAP nas áreas de pesquisa quantiqualitativa e educacional de 2006 a 2009 tendo atuado nos projetos da FUNASA, SEDU-ES e IASES. Fui também professora da pós-graduação lato sensu em Administração escolar da UVA e professora substituta da graduação em Pedagogia e Licenciaturas da UERJ. Atuo nas disciplinas de Didática, Currículo, Estágio Supervisionado e Cotidiano escolar para Pedagogia e Licenciaturas em História, Filosofia, Letras, Teatro, Música, Sociologia. Leciono Epistemologia no PPGEdu/ Unirio e Proped/UERJ. Tenho experiência em pesquisa, desde 1988, com ênfase em Metodologia, Currículo, Formação de Professores e Estudos do Cotidiano. Mariane Del Carmen da Costa Diaz Mestre em Educação pelo PPGEduc/UFRRJ com pesquisa na área de educação escolar indígena e política educacional, foi bolsista IPEA/ ANPEd através de um Edital de Concurso Nacional para mestrandos em educação obtendo o sétimo lugar com a pesquisa na área de desigualdades sociais. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ (2010). Foi monitora da disciplina Estrutura e Funcionamento do ensino durante 2 períodos (2008-II/ 2009- I), do Departamento de Teoria e Planejamento do Ensino DTPE-IE, da UFRRJ. Foi bolsista de PIBIC/CNPq durante um ano e meio (2009-I/2009-II/2010-I) pesquisando na área de educação escolar indígena, políticas públicas e identidades. Atualmente é tutora a distância da disciplina Prática de Ensino I (CEDERJ/UFRRJ) e professora contratada do Colégio Pedro II (1º Segmento do Ensino Fundamental). Tem interesse na área de formação de professores, políticas educacionais e desigualdades sociais, prática de ensino e estudos culturais.

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Pesquisa sobre movimentos sociais - em especial, indígena - interculturalidade, culturas, identidades e políticas educacionais. Atua nos grupos de pesquisa: Espaços Educativos e Diversidades Culturais - UFF (pesquisador) e Núcleo de Estudos de Tradições Indígenas e Negritudes (NETIN) - UFRRJ (estudante) e associada da ANPEd GT 21. Marlon Silveira da Silva Possui graduação em História, licenciatura plena pela Faculdade Porto Alegrense. Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande e membro do Nós do Sul: Laboratório de Estudos e Pesquisas Sobre Currículo; Profissionalmente, tem experiência em espaços e instituições educativas e de preservação do patrimônio público e privado, além de ter atuado como educador popular em oficinas e cursos voltados para os temas: juventudes, vulnerabilidades, protagonismos e Direitos Humanos. Atualmente, desenvolve pesquisas nas áreas da História, Educação, Gênero e Sexualidade, orientado pelos Estudos Culturais, feministas e de-coloniais. Áreas de interesse: História, História do Brasil, História da educação, Educação Patrimonial, Gênero e Sexualidade. Marta Pinheiro Professora do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação, Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Mylene Cristina Santiago Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1998), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2002) e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2011). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal Fluminense e vice coordenador do LAPEADE da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Currículo, atuando principalmente nos

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seguintes temas: formação de professores, inclusão em educação, inclusão e exclusão, educação intercultural e currículo. Paula Almeida de Castro Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2003). Mestrado em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2006). Doutorado em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2011). Professora Doutora de Formação de Professores da Educação Básica da Universidade Estadual da Paraíba/Centro de Educação. Orientadora de Mestrado no Programa de Pós Graduação em Formação de Professores. Coordenadora Institucional do PIBID/UEPB. Líder do Grupo de Pesquisa Observatório de Pesquisas e Estudos Multidisciplinares (OPEM) e Pesquisadora associada do Núcleo de Etnografia em Educação (NETEDU/ UERJ). Estudos desenvolvidos na área de Psicologia e Educação utilizando a pesquisa etnográfica com ênfase nos processos de tornar-se aluno, formação de professores, identidade, pertencimento, resiliência. Paula Luderitz de Albuquerque Lenz-Cesar Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ_1993), graduação em Matemática pela Universidade Santa Úrsula (USU_2004) e Mestrado em Educação Matemática - Boston University (BU_1998). Atualmente é professora da Escola Americana do Rio Janeiro e participa dos seminários de pesquisa do núcleo de Educação Matemática da UFRJ, e do núcleo de Etnografia da UERJ. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Métodos e Técnicas de Ensino, Interesse na pesquisa sobre uso de tecnologias em sala de aula como facilitador do aprendizado e da aquisição de habilidades do século 21 (21st century skills). Já lecionou no Brasil e no exterior nos níveis fundamental, médio e universitário, em instituições públicas (através de concurso) e privadas.

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Raphael Pelosi Pellegrini Graduado em Licenciatura em Letras - Português e Literaturas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Mestrando em Educação no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Siomara Borba Leite Possui Graduação em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1974), Mestrado em Educação - University of Manchester (1983) e Doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é Professora Associada da Faculdade de Educação, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Exerce atividades de ensino na Graduação em Pedagogia e na Pós-graduação. Tem experiência na área de pesquisa, dedicando-se as seguintes temáticas de investigação: pós-graduação em educação, formação do pesquisador, conhecimento científico, pesquisa em educação. Treyce Ellen Silva Goular Pesquisadora, acadêmica do Mestrado em Educação (Programa de Pós Graduação PPGEDU) e do curso de História Licenciatura, na Universidade Federal do Rio Grande 2010-2011, formada pela mesma Universidade em História Bacharelado, no ano de 2010. Atuou como presidente do Centro Acadêmico de História; Angelina Gonçalves; na gestão 2008-2009. Atuou como coordenadora adjunta do Programa de Extensão PROEXT/MEC/SESu 2012-13 Comunidades FURG - COMUF. Em 2013, foi coordenadora acadêmica do Programa de Apoio ao Ingresso aos Ensinos Técnico e Superior - PAIETS Indígena e Quilombola: Novas conexões de saberes. É membro do Nós do Sul: Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Currículo e possui área de pesquisa e interesse no estudo de Gênero, Feminismos das mulheres negras, História e Cultura Negra e Quilombola. Tem experiência na execução de formações e oficinas/mini cursos relacionadas/os à efetivação da Lei 10.639/03, feminismos das mulheres negras e decolonialidade.

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Valentina Grion Ph.D em Pedagogia e Ciências da Educação (Faculdade de Educação da Universidade de Pádua). Professora AssistenteExperimental Pedagogia (M / PED04 Sector Scientific) da Universidade de Pádua, Departamento FISPPA (Filosofia,Sociologia, Pedagogia e Psicologia Aplicada). Ensina nos cursos de graduação (“Experimental de Pedagogia” e “Métodos dePesquisa em Educação”), cursos de mestrado ( “Escola de avaliação do sistema e Tecnologias da Educação” e Avaliação do Sistema Escolar e do Desenvolvimento profissional do professor “) e cursos de doutoramento. Viviane Lontra Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO, professora supervisora do Programa Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência PIBID, professora do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - CAp/ UFRJ. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente com alfabetização e letramento. Walcéa Barreto Alves Possui graduação em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2000), Mestrado em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2003), Doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (2012) e Pós-Doutorado pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2014). É Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF - Niterói - RJ) . Atua como pesquisadora junto ao Núcleo de Etnografia em Educação (netEDU/PROPED/UERJ). Sua experiência profissional envolve as áreas de Educação e Psicologia, dentro das seguintes temáticas/ áreas de atuação: didática, processos de ensino-aprendizagem, psicologia do desenvolvimento, psicologia educacional, reflexividade, representações sociais e tecnologias educacionais.

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