HISTÓRIA CONCISA DA LINGUÍSTICA (aula ministrada)

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGUÍSTICA ALEX PEREIRA DE ARAÚJO Universidade Estadual de Santa Cruz Universidade Aberta do Brasil1

1. OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS PRÉ-SAUSSURIANOS Como o próprio Saussure nos lembra na introdução do Curso de Linguística Geral (Cours de Linguistique Générale), a ciência da Linguagem passou por três fases distintas até estabelecer seu único e verdadeiro objeto, a língua. No dizer de Saussure, “a ciência que se constituiu em torno dos fatos da língua passou por três fases sucessivas antes de reconhecer qual é o seu verdadeiro e único objeto” (SAUSSURE, 1995, p. 07). Assim podemos compreender, de acordo com o mestre genebrino, que a primeira fase “começouse com o que se chamava de ‘Gramática’”. Já na segunda fase, apareceu a Filologia e por fim, o terceiro período “começou quando se descobriu que às línguas podiam ser comparadas entre si” (ibidem). Esquematicamente podemos apresentá-las da seguinte forma: 

A fase das Gramáticas: iniciada pelos gregos, passando pela Gramática de Port Royal, também chamada de Gramática Geral Racional (ou Razoada), dos franceses Claude Lancelot e Antoine Arnaud (1690);



A fase da Filologia: iniciada, talvez, em Alexandria; no entanto, o termo filologia só aparece no movimento criado por Friedrich August Wolf a partir de 1777 e que prossegue até os dias de hoje;



A fase da Linguística Histórica, com as gramáticas comparadas. Tendo como figura mais importante o alemão Franz Bopp (1886).

Na primeira fase, a preocupação era estabelecer através dos estudos da Gramática um modelo de língua-ideal, prescrever regras de uso para expressar melhor o pensamento. A língua é vista como espelho do pensamento. Pensar é usar a lógica (logos, palavra, razão de forma correta). Na segunda fase, a crítica filológica “apega-se muito servilmente a língua escrita e esquece a falada”. Esta fase vai contribuir para o desenvolvimento das gramáticas históricas ou comparadas da terceira fase da Linguística. Na terceira fase, a busca era pela 1

Aula ministrada no dia 15 de maio de 2010 no Polo de Jequié (UESC/EAD- UAB)

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGUÍSTICA protolíngua (língua-mãe),isto é, não se busca mais a perfeição, mas a origem (a língua antes da construção da Torre de Babel). Assim, na perspectiva histórica (evolutiva, diacrônica) compara-se as línguas com este objetivo. A necessidade em definir um objeto para a Linguística surge porque os estudos da linguagem não era (e não é) apenas um privilégio dos linguistas (a exemplo dos filósofos da linguagem e dos filólogos). Por isso, o franco-suíço Ferdinand de Saussure vai trabalhar na perspectiva de definir tal objeto e traçar os objetivos dessa ciência. Assim, na fase saussuriana, o mestre genebrino tentou criar um método que pudesse fazer um inventário dos universais linguísticos a partir de um modelo de língua a-histórica, descrever as línguas sem se preocupar com os falantes, os sujeitos da linguagem, mas com a língua(gem) em si mesma. Portanto, a língua nessa perspectiva é um constructo teórico, virtual. De acordo com Robert Martin (2003, p.54) “aceitar o conceito de língua é abandonar a estrita observação dos fatos e optar por um método em que as hipóteses assumam o leme”. 2. A LINGUÍSTICA MODERNA E A QUESTÃO DA LÍNGUA(GEM) A Linguística geral ou teórica, tal como a conhecemos hoje, tem suas origens nos estudos do pesquisador Ferdinand de Saussure da Universidade de Genebra, Suíça. O método desenvolvido por este pesquisador foi batizado por Roman Jakobson de estruturalismo porque Saussure considerava a língua (langue - em francês) como um sistema (estrutura) de signos no qual elementos se definem nas relações de oposições e equivalências uns com os outros. Para Saussure, o único objeto de estudo da Linguística é a língua. Nessa perspectiva “nossa definição da língua supõe que eliminemos dela tudo o que lhe seja estranho ao organismo, ao seu sistema” (SAUSSURE, 1995, p.29). A preocupação de Saussure era, como vimos, dar a Linguística um objeto próprio que possibilitasse a descrição das línguas num método próprio. Segundo Saussure, "a matéria linguística é constituída inicialmente por todas as manifestações da linguagem humana, quer se trate de povos selvagens ou de nações civilizadas, de épocas arcaicas, clássica ou de decadência considerando correta e a 'bela linguagem', mas todas as formas de expressão" (p. 13). De acordo com Saussure (ibidem), a tarefa da Linguística será: a) fazer a descrição e a história de todas as línguas que puder abranger, o que quer dizer: fazer a história das famílias de línguas e reconstruir, na medida do possível, as línguas-mães de cada família;

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HISTÓRIA CONCISA DA LINGUÍSTICA b) procurar as forças que estão em jogo, de modo permanente e universal, em todas as línguas e deduzir as leis gerais às quais se possam referir todos os fenômenos peculiares da história. c)

delimitar-se e definir-se a si própria. Com uma rigorosidade metódica, Saussure define o objeto da ciência da

língua(gem). No dizer de Saussure “o objeto concreto de nosso estudo é, pois, o produto social depositado no cérebro de cada um, isto é, a língua”. Mas o que é a língua nos moldes saussurianos? Para ele, a língua não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos (SAUSSURE, op. cit., p. 17). O método saussuriano é caracterizado por diversas dicotomias: a) língua ( um sistema abstrato, social e virtual) e fala (realização concreta da língua pelo sujeito falante); b) significado (conceito) e significante (imagem acústica); c) eixo sintagmático (é aquele que representa as relações de contraste [e+e] em que as unidades se combinam [c + o + m + o = como]) e paradigmático (é o que organiza as relações de oposição [ou/ou], em unidades se substituem [tomo/como]); d) diacronia (sucessão, no tempo, de diferentes estados da língua em evolução) e sincronia (o estado atual do sistema da língua). 3. ESTRUTURALISMO: EXPANSÃO E CRÍTICAS Ao lado de Claude Lévi-Strauss, Roman Jakobson conseguiu ampliar as discussões presentes no Curso de Linguística Geral, transportando para outras ciências humanas o método desenvolvido por Saussure. O trabalho de Émile Benveniste também é relevante para a divulgação do método saussuriano que acaba se transformando em um “megaparadigma” teórico para as demais Humanidades (Antropologia, História, Sociologia, Crítica literária etc.). Neste sentido, podemos ver no trabalho do filósofo Jacques Derrida um dos grandes críticos do modelo saussuriano de conceber a língua(gem) em dicotomias. Em seu livro Gramatologia, Derrida dedica todo um capítulo ao modelo saussuriano de pensar as questões da língua(gem) e propõe a Gramatologia para suprir o espaço deixado por Saussure em relação à linguagem escrita no Curso de Linguística Geral. De acordo com 3

HISTÓRIA CONCISA DA LINGUÍSTICA Lima (2010), conquanto o livro de Derrida seja uma crítica implacável aos fundamentos do estruturalismo, ele não se furta a citar alguns vislumbres do pensamento crítico do próprio Saussure, no Curso de Linguística Geral. São passagens como aquela em que o próprio Saussure admite que a escritura é um processo de figuração ao qual cumpre-se “reconhecer a utilidade, os defeitos e inconvenientes”, ou quando Saussure diz não haver um liame entre o significado e o significante ( a arbitrariedade do signo linguístico), ou ainda quando fala da impossibilidade de uma escrita fonética internacional, ou reconhecer que o escritura não reproduz bem a fala, por não possuir sinais de entonação. Outro grande crítico de Saussure é o pesquisador russo Mikhail Bakhtin, o qual tece algumas críticas em seu livro Marxismo e Filosofia da Linguagem sobre a linguística geral proposta por Saussure. Para Bakhtin (1995, p.84), a ideia de língua como sistema de signos arbitrários e convencionais, essencialmente racionais, foi elaborada de forma simplificada já no século XVIII pelos filósofos do Século das Luzes. No entanto, a chamada escola de Genebra, com Ferdinand de Saussure, mostra-se como a mais brilhante expressão do objetivismo abstrato em nosso tempo. As ideias de Saussure sobre a história são bem características do espírito racionalista que reina até hoje na segunda orientação do pensamento filósofico-linguístico e para o qual a história é um domínio irracional que corrompe a pureza lógica do sistema (ibidem, p.88). Por meio das críticas de Bakhtin e Benveniste, surge a teoria da Enunciação, colocando no centro da reflexão o sujeito da linguagem, fato este desconsiderado por Saussure (no seu modelo de língua). O pensador russo vai mostrar que a enunciação é um fenômeno social e não individual. Para ele, a abordagem da língua deve ser feita por sua inserção no contexto social e no universo da tensão em que ela atua (ORLANDI, 1986, p. 60), isto é, "na realidade, o ato de fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo; não pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. A ENUNCIAÇÃO é de natureza social" (BAKHTIN, op. cit., p.109). 4. DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO: A LINGUÍSTICA DE BLOOMFIELD De acordo com Orlandi (op.cit., p.32), "enquanto essas reflexões são elaboradas na Europa, o americano L. Bloomfield propõe, nos Estados Unidos, uma teoria geral da linguagem que tem muitos pontos em comum com a reflexão europeia". Quando Bloomfield publicou seu primeiro livro em 1914, estava fortemente influenciado pela psicologia da linguagem de Wundt. No entanto, é com Language, publicado em 1933, uma 4

HISTÓRIA CONCISA DA LINGUÍSTICA espécie de nova versão revista e ampliada do livro anterior que Bloomfield consegue propagar suas ideias (durante 30 anos, suas ideias dominaram os estudos linguísticos nos EUA). A obra traz uma abordagem explicitamente behaviorista do estudo da língua, eliminando, em nome da objetividade científica, toda referência a categorias mentais e conceituais. É a partir do modelo proposto por Bloomfield e seus seguidores que Noam Chomsky vai criar sua teoria ge(ne)rativa, tão importante para os estudos linguísticos desenvolvidos a partir da segunda metade do século XX, isto é, Chomsky vai de encontro ao modelo comportamental (behaviorista)proposto por Bloomfield, criticando a vocação classificatória dos estudos distribucionistas fundados por Bloomfield. De acordo com Wedwood (2002, p. 134), as propostas de Chomsky visavam descobrir as realidades mentais subjacentes ao modo como as pessoas usam a língua(gem): a competência é vista como um aspecto de nossa capacidade psicológica geral. Assim, a linguística foi encarada como disciplina mentalista - uma visão que contrastava o viés behaviorista da linguística feita na primeira metade do século XX e que se vinculava aos objetivos de vários linguistas mais antigos, como os gramáticos de Port-Royal (ibidem). O mecanismo que essa teoria ge(ne)rativa instala é o dedutivo: parte do que é abstrato, isto é, de um axioma e um sistema de regras e chega ao concreto, ou seja, as frases da língua (ORLANDI, op. cit., p. 39). O ponto mais polêmico da teoria elabora por Chomsky, talvez seja a retomada da concepção inatista da língua(gem).Chomsky advoga que a língua(gem)é inata, isto é, ela faz parte da espécie humana. ÉÉ como um órgão do corpo humano. A título de curiosidade, Jakobson é quem ajuda a Noam Chomsky a publicar seu livro Syntactic Structures (Estruturas Sintáticas), numa editora holandesa, já que o pai do Gerativismo não encontrou apoio no mercado editorial americano. Hoje o linguista norte-americano é dos teóricos mais citado em dissertações e teses. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como vimos, a obra póstuma de Ferdinand de Saussure, publicada em 1916, deu uma formulação singularmente precisa a ciência da linguagem. É com Saussure que a Linguística ganha autonomia. Ele dividiu a Linguística em sincrônica e diacrônica: “é sincrônico tudo que se refere ao aspecto estático da nossa ciência, diacrônico tudo que diz respeito às evoluções”. Para Mattoso Câmara Júnior (1994, p.9), Saussure acentuou, ao mesmo tempo, que a distinção é imprescindível numa "ciência de valores", como é a linguística, pois os valores são função de um momento dado. Com a emergência da “era 5

HISTÓRIA CONCISA DA LINGUÍSTICA chomskiana”, a linguística se tornou definitivamente uma disciplina de quebrar a cabeça. O primeiro pressuposto é o de que há uma faculdade de linguagem, ou seja, há uma parte da mente/cérebro que é dedicada ao conhecimento e ao uso da linguagem. Para Chomsky, trata-se de uma função particular no corpo; é algo como um órgão da linguagem, proximamente análogo ao sistema visual, que também é dedicado a uma tarefa particular, mas isso é uma outra aula. O livro de Eni Orlandi, o que é linguística, nos leva a passear pelas diversas teorias linguísticas produzidas antes e depois de Sausssure. Vale a pena conferir. Lembremos que nenhum livro é completo. Ele sempre precisa da sua ajuda para fazer sentido e para nos levar a outros caminhos. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 7. ed. Trad. Michel Lahud et al. São Paulo: Hucitec, 1995. CÂMARA JÚNIOR, J. M. Problemas de linguística descritiva. 15ª ed. Petrópolis: Vozes, 1994. DERRIDA, J. Gramatologia. Trad. Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, 1975. LIMA, L. Desconstruindo a linguística estruturalista: o castelo de Saussure sitiado pelo pensamento de Derrida. Acessado em 11 de maio de 2010. Disponível em: MARTIN, R. Para entender a linguística: epistemologia elementar de uma disciplina. Trad. Marcos Bagno. - São Paulo: Parábola Editorial, 2003. ORLANDI, E. O que é Linguística. São Paulo: Brasiliense, 1986. SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. Trad. de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995. WEEDWOOD, B. História concisa da linguística. Trad. Marcos Bagno. 1ª ed. - São Paulo: Parábola Editorial, 2002.

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