História da Misericordia de Alcobaça - Esboço histórico desta Misericórdia desde a sua fundação até 1910, por Francisco Baptista Zagalo

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Francisco Baptista Zagalo

Título: HISTÓRIA DA MISERICÓRDIA DE ALCOBAÇA - Esboço histórico desta Misericórdia desde a sua fundação até à actualidade - fac-símile da edição de 1918 Autor: Francisco Baptista Zagalo Concepção e arranjo da capa: Gonçalo Fernandes Gravura da capa: frontispício do livro do “Compremisso da irmãdade da casa da Sancta misericordia desta villa de Alcobaça - Anno de 1610” Na contracapa: actual brasão da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça Nota: esta edição, para além do fac-símile do livro, insere uma Apresentação, da responsabilidade do Sr. Professor Doutor Saul António Gomes, uma nota sobre “Francisco Baptista Zagalo e a Misericórdia de Alcobaça”, um “Resumo temático [do historial da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça] do séc. XX e início do séc. XXI” e a caracterização da mesma Santa Casa como “Uma epopeia social”, ambas da responsabilidade do Sr. Eng. José Pedro Duarte Tavares (actual Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça), e ainda os fac-símiles do jornal “Correio de Alcobaça” (número extraordinário de 1 de Maio de 1906), do opúsculo “Alcobaça a Zagallo” (de homenagem ao Dr. Zagalo, no dia 1 de Maio de 1907) e do desdobrável com o programa do “Sarau Dramatico-Musical” (apresentado no Teatro Alcobacense no âmbito da mesma homenagem), cedidos gentilmente pelo Arquivo Distrital de Leiria. Reedição integrada na Comemoração dos 450 anos da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça (1563-2013) e apoiada por Ricardo Charters d’Azevedo e pela Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça Colecção Tempos & Vidas - 23 © Textiverso, Lda. Rua António Augusto da Costa, 4 Leiria Gare 2415-398 LEIRIA - PORTUGAL E-mail: [email protected] Site: www.textiverso.com Revisão e coordenação editorial: Textiverso Montagem e concepção gráfica: Textiverso Impressão: Tipografia Lousanense 1.ª edição fac-similada: Novembro 2013 Edição 1120/13 Depósito Legal: ISBN: 978-989-8044-82-2 Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.

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História da Misericórdia de Alcobaça

HISTÓRIA DA MISERICÓRDIA DE ALCOBAÇA Esboço histórico desta Misericórdia desde a sua fundação até 1910 Fac-símile da edição de 1918

Francisco Baptista Zagalo

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Recolhe esse documento precioso para a tua história, que ficará impresso nos teus fastos, e lá quando, no futuro, as gerações que nos sucederem, folhearem as suas páginas, reconhecendo o direito que o Dr. Francisco Batista d’Almeida Pereira Zagalo tinha à nossa veneração, inclinar-se-ão reverentes e repetirão connosco: – SALVE, BENEMÉRITO!

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História da Misericórdia de Alcobaça

ÍNDICE Apresentação …......................................................................................................… IX Francisco Baptista Zagalo e a Misericórdia de Alcobaça…............................…… XV História da Misericórdia de Alcobaça (fac-símile) ….................................…… XIX Anexos ……..................................................................................…… CCCLXXXIII - Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça - Resumo temático do séc. XX e início do séc. XXI …….........................................…… CCCLXXXV - Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça - Uma epopeia social…....… CCCXCI - O “Correio de Alcobaça” e o Pavilhão Anexo ao Hospital da Misericórdia ….......................................................................… CCCXCV - Alcobaça a Zagalo - 1 Maio 1907 ….......................................................… CDIII - O desdobrável do “Sarau Dramatico-Musical” ……….........................… CDXIX

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Apresentação Saul António Gomes* A principal fonte de informação histórica relativa à Misericórdia de Alcobaça, assim como às demais instituições de Santas Casas noutros lugares do antigo couto alcobacense, é, ainda hoje, a monografia publicada, em 1918, por Francisco Baptista d’Almeida Pereira Zagalo. Publicação póstuma à qual se deu o título criterioso de Historia da Misericordia de Alcobaça. Esboço historico desta Misericordia desde a sua fundação até á actualidade. Trata-se de uma monografia muito válida, como escrevemos, pela informação criteriosa que o seu Autor nela compaginou, num português esmerado e elegante, revelando informação documental de primeira ordem originária do arquivo da própria instituição retratada. Uma monografia, ainda, em que ao exame e reprodução de informação documental, numa linha historiográfica erudita e tardo-positivista, se associa, de quando em vez, o juízo crítico do médico e do cidadão que foi Francisco Baptista Zagalo. Em parágrafo algum da obra deste ilustre Autor se colhe crítica primária ou anticlerical sem que isso signifique ausência de considerações críticas, justificáveis pela intencionalidade pedagógica do discurso literário do autor para com os leitores seus contemporâneos, aliás, nas quais se contrasta, aos olhos do tempo então presente e do passado, os valores gastos pelas misericórdias alcobacenses, em certas conjunturas históricas, com liturgia piedosa face à reduzida ação, revelado nos registos de deve e haver das escrivaninhas dessas Santas Casas, em esmolas caritativas junto dos mais pobres, mais desvalidos e mais necessitados. Mas essa é uma crítica atendível, ontem e hoje, por cristãos ou não cristãos, desde que homens e filantropos de consciência e de bem, compadecidos como o Bom Samaritano para com o seu próximo, a que os combates dos historiadores não são insensíveis. * Professor Associado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Instituto de Paleografia e Diplomática. Docente de Paleografia e Diplomática, Codicologia, Sigilografia e História da Idade Média. Membro do Centro de História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra; Académico Correspondente da Academia Portuguesa da História; Colaborador do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa; Membro do Conselho de redacção das revistas História da Sociedade e da Cultura (Coimbra), Leiria-Fátima. Órgão Oficial da Diocese; Secretário da Sociedade Portuguesa de Estudos Medievais (2003).

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Não se interessaram os historiógrafos cistercienses de Alcobaça, sintomaticamente, aliás, pela história da Misericórdia. Fr. Manoel do Santos, na sua Alcobaça Ilustrada, não se lhe refere, merecendo, todavia, reparo de somenos e pontualíssimo a Fr. Fortunato de S. Boaventura, em contexto de exaltação do legado civilizador dos seus antepassados no hábito: “Á custa dos Monges se fizeram as suas Igrejas Parochiaes antiga e moderna. Se tem Casa de Misericordia, aos Monges o devem, que não só doárão terreno, e concorrerão para a sua fundação; mas, por lhe ter sobrevindo grande ruina motivada de hum terremoto em 1563, do Mosteiro he que sahirão os materiaes, e dinheiro para a sua reedificação.”1 Fr. Francisco de S. Boaventura não abona documentação que sustente a informação que presta. Sabemos, pela Historia da Misericordia de Alcobaça, de Francisco Zagalo, que, na verdade, foi em 1563 que se levantou na vila de Alcobaça Casa da Misericórdia, não sem percalços e conflitualidade como bem elucidam as fontes arquivísticas arroladas. Só numa “Memória” preservada num livro manuscrito do arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça se guardava memória explicativa dessa catástrofe que afetou o edifício onde se instalava a Misericórdia alcobacense por esses dias. Manuscrito que anotava ter sido esta Misericórdia fundada em 1520, data que, todavia, nenhuma outra fonte tem confirmado. A evolução cronológica das fundações de misericórdias na área da antiga Comarca de Leiria e dos Coutos de Alcobaça revela terem sido estas Casas piedosas estabelecidas algo tardiamente. Com exceção dos casos de Porto de Mós ou de Aljubarrota, os quais, ainda assim, necessitarão de verificação crítica mais profunda. Porto de Mós teria sido, segundo O Couseiro, a primeira vila a ter Misericórdia na região, recebendo ela, em 1516, alvará régio, com cópia do compromisso, o que lhe foi confirmado em 15412. Datará de 1516, também, a Misericórdia de Aljubarrota, iniciada com cem irmãos, passando, em 1582, por alvará de D. Sebastião, a mais cinquenta irmãos3. Sabemos que, em 1572, o rei D. Sebastião lhe passou alvará para poder anexar ao seu património o hospital local4, assim como está documentada a proibição, em 1629, para nela serem admitidos irmãos de sangue judeu ou mouro5. 1516 é o ano da edição tipográfica de uma série de compromissos seguidores do modelo da Misericórdia de Lisboa. Reticenciamos, aqui, se o anónimo autor de O 1 Fr. Fortunato de S. Boaventura, Historia Chronologica e Critica da Real Abadia de Alcobaça da Congregação Cisterciense de Portugal para servir de continuação á Alcobaça Illustrada do Chronista Mor Fr. Manoel dos Santos, Lisboa, Impressão Regia, 1827, p. 40. 2 O Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria. (Transcrição da 2.ª edição de 1898, por Carlos Fernandes); Leiria, Textiverso, 2011, IIª Parte, Capº 24, p. 244. 3 O Couseiro... cit., IIª Parte, Capº 45, pp. 264-265. 4 Portugaliae Monumenta Misericordiarum. (Dir. José Pedro Paiva), Vol. 4. Crescimento e consolidação: de D. João III a 1580, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2005, p. 150. 5 Portugaliae Monumenta Misericordiarum. (Dir. José Pedro Paiva), Vol. 5. Reforço da interferência régia e elitização: o governo dos Filipes, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2006, p. 130.

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Couseiro, tendo visto estas edições do Compromisso nos arquivos das misericórdias referidas, não terá forçado a interpretação da data do respetivo estabelecimento. O Duque de Bragança determinou a ereção de uma Misericórdia em Ourém no ano de 1541, à semelhança da Misericórdia de Tomar6. A Sul, Óbidos teve Misericórdia antes de 15217. Mais a Norte de Leiria, sabemos que Abiul teve Misericórdia em 15928, Redinha em 16429 e o Louriçal em 160610. É aceitável que Pombal tivesse acolhido Misericórdia ainda em Quinhentos, mas só se consegue documentar inequivocamente a sua existência no último terço do século XVII11. De seguro, sabemos que Leiria conta com Casa da Misericórdia a partir de 154412, nas vésperas de ser elevada a cidade e a sede episcopal, seguindo-se, por 1561, a da Pederneira (hoje Nazaré) e, logo depois, justamente, a de Alcobaça, em 1563, como se atesta suficientemente, e sem discordância da investigação mais recentemente levada a cabo13, na presente monografia de Francisco Zagalo. Nos Coutos de Alcobaça, Évora teve Misericórdia antes de 157114, Cela em 158515 e Maiorga em 159516. Não encontrámos referências documentais precisas para a fundação das demais misericórdias do antigo Couto de Alcobaça. A de Cós é anterior a 1592, como documenta Francisco Zagalo nesta sua monografia, sucedendo-se, no ano de 1600, a de Santa Catarina e a de Alvorninha. A Misericórdia de Turquel existia já em 1651, remontando o seu processo de fundação a finais da década de 1640. Bem mais tardia nesta região, ainda, foi a Misericórdia da Batalha, sucessora do antigo Hospital de Nossa Senhora da Vitória, estabelecida somente em 1714 por decreto régio de D. João V17. A 15 de maio de 1775, os ventos reformistas da política governamental de Sebastião José de Carvalho e Melo, por petição oficial do Dom Abade Geral e Esmoler-Mor, atingiam as Santas Casas do Couto de Alcobaça, determinando-se a redução das Misericórdias das vilas de Aljubarrota, Alvorninha, Santa Catarina, Cela, Cós, Évora, Maiorga e Turquel à de Alcobaça em ordem a que, do património de todas

Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 4, pp. 256 e 283. Portugaliae Monumenta Misericordiarum. (Dir. José Pedro Paiva), Vol. 3. A Fundação das Misericórdias: o reinado de D. Manuel I, União das Misericórdias Portuguesas, 2004, pp. 380-381. 8 Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 5, p. 258. 9 Portugaliae Monumenta Misericordiarum. (Dir. José Pedro Paiva), Vol. 6. Estabilidade, grandeza e crise: da Restauração ao final do reinado de D. João V, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2007, p. 201. 10 Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 5, p. 264. 11 Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 6, p. 206. 12 O Couseiro..., cit., Iª Parte, Capº 47, p. 65. 13 Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 3, p. 142. 14 Portugaliae Monumenta Misericordiarum, vol. 4, p. 305. 15 Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 5, pp. 77 e 78. 16 Portugaliae Monumenta Misericordiarum, vol. 5, pp. 86 e 88. 17 S. A. Gomes, O Livro do Compromisso da Confraria e Hospital de Santa Maria da Vitória da Batalha (1427-1544), Leiria, Ed. Magno, 2002, p. 24. 6 7

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elas, se gerassem os recursos necessário ao sustento de um hospital comum “de enfermos necessitados de todos os sobreditos povos.” E em 15 de julho desse mesmo ano, uniu-se também a Misericórdia da Pederneira à de Alcobaça. Deste conjunto de anexações de Santas Casas à Misericórdia de Alcobaça, todavia, eximiu-se, em 1778, a de Aljubarrota e, em 1781, a da Pederneira, recuperando ambas a sua autonomia administrativa18. A reforma setecentista das misericórdias alcobacenses permitiu que os seus arquivos se concentrassem no cartório da Misericórdia de Alcobaça. Alguns desses arquivos incorporavam a documentação de instituições de beneficência, como confrarias e hospitais, existentes nas vilas do Couto já nos confins da Idade Média, para além de toda, ou parte, da documentação administrativa então recente produzida no decurso da vida dessas instituições laicas caritativas e também cultuais e piedosas. Esses antigos acervos documentais permanecem hoje na Misericórdia de Alcobaça tornando o arquivo desta Santa Casa num dos mais relevantes lugares do património documental das misericórdias portuguesas. Um arquivo vasto e rico, como se sabe19. Foi o acesso de Francisco Baptista Zagalo a este arquivo privilegiado que lhe permitiu redigir a sua extensa monografia, com mais de 300 páginas, dedicada à história e ao então presente da Misericórdia alcobacense. Urgia, na abertura do século XX, defender os interesses das misericórdias portuguesas face às políticas governamentais da época em matéria assistencial pública. Em 1901, o ministro Hintze Ribeiro fez promulgar uma reforma dos serviços de saúde e beneficência criando organismos nacionais de supervisão. Em 1903 projetava-se uma nova lei em matéria de assistência pública temendo-se perda de autonomia de gestão por parte das misericórdias. As Santas Casas dão sinais de inquietação e, debaixo da liderança de José António Forbes de Magalhães, provedor da Misericórdia do Porto, mobilizando-se, levando a cabo, em Janeiro de 1905, o Primeiro Congresso Portuguez de Beneficencia, no qual se debateu amplamente o papel imprescindível das misericórdias na beneficência e na assistência sociais em Portugal20. A Misericórdia de Alcobaça esteve presente neste Congresso pela pessoa do seu provedor, justamente Francisco Zagalo, que nele apresentou dois textos, um sobre “Desamortisação nos bens das corporações de beneficencia” e outro acerca do “Imposto do rendimento das inscripções das corporações de beneficencia”21. A ação Elementos colhidos na monografia de Francisco Zagalo, que agora de reedita, nas páginas justamente alusivas às Misericórdias referidas no texto. 19 Guia do Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça (Org. Gérard Leroux), Alcobaça, Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça, 2011. 20 Vd. Maria Antónia Lopes, “As Misericórdias de D. José ao final do século XX”, Portugaliae Monumenta Misericordiarum. (Dir. José Pedro Paiva). Vol. 1. Fazer a História das Misericórdias, Lisboa, União das Misericórdias Portuguesas, 2002, pp. 79-117: 93-94. 21 Publicados em Primeiro Congresso Portuguez de Beneficencia: documentos, Porto, Typ. de José da Silva Mendonça, 1906, pp. 100-104 e 118-123 respetivamente. 18

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de Francisco Zagalo em prol da causa beneficente, marca identitária ancestral das misericórdias portuguesas, não se ficou pela participação em congressos ou em intervenções de carácter público, traduzindo-se nos melhoramentos efetivos que levou a cabo na sua Misericórdia de Alcobaça e no denodo e persistência que colocou na fundação de uma outra Santa Casa em Penafiel, sua terra natal. A Misericórdia de Alcobaça, todavia, mereceu-lhe um amplo estudo histórico, como escrevemos, muito documentado, razão principal, aliás, da utilidade científica da sua reedição para os investigadores contemporâneos e do interesse cultural que esta monografia representa para todos os alcobacenses. Por 1900, a investigação histórica acerca das misericórdias portuguesas contava com estudos relevantes como o de Costa Goodolfim, intitulado Misericordias (editado em 1897), e os de Vitor Ribeiro, dedicados à Misericordia de Lisboa (saído em 1902) e à Historia da Beneficencia Publica (publicado em 1907). Até ao presente, a obra de Francisco Zagalo permanece o trabalho mais amplo e coerente sobre a história da Misericórdia de Alcobaça. Obra de um erudito, de formação médica e não historiográfica, mas dotado de inteligência superior, foi estruturada em três partes, a primeira das quais dividida em duas subsecções. Na primeira parte disserta sobre os fundamentos cristãos e éticos da beneficência na longa história do ser humano, focando, depois dessa contextualização causal, o estabelecimento e a evolução da Misericórdia de Alcobaça. Francisco Zagalo valoriza sobremodo a documentação em que se manifestam acontecimentos históricos maiores da vida desta Misericórdia, alguns deles relativos a momentos de conflito da Misericórdia com os monges cistercienses, outros respeitantes a litígios endógenos à instituição assistencial, como os que opuseram irmãos cristãos-velhos a irmãos cristãos-novos, na alvorada do século XVII, como enuncia, também, as boas relações que, no geral, pautaram a coexistência dos alcobacenses, monges e leigos, em torno da sua Santa Casa. Na segunda subsecção desta primeira parte, Francisco Zagalo procura apurar, de modo mais sintético e breve, a história das Misericórdias das vilas do antigo Couto, nomeadamente as de Évora de Alcobaça, Cós, Cela, Santa Catarina, Alvorninha, Maiorga e Turquel. Discreteia, ainda, sobre a devoção popular ao Senhor Jesus de Turquel e também de Alcobaça. Na segunda parte historia, mantendo sempre um amplo esforço de publicação ou citação de documentação do cartório da Misericórdia alcobacense, processo de reforma e anexação, em 1775, das Misericórdias do Couto à da vila sede, apresentando ainda informação significativa sobre a história das Misericórdias da pederneira e de Aljubarrota. Toda a terceira parte da obra é dedicada à história contemporânea da Misericórdia de Alcobaça, a “mais eriçada de dificuldades para nós”, revela o Autor. Era um tempo de dificuldades mas também de recuperação e de renovação da missão beneficente e assistencial da prestigiada instituição em terras de Alcobaça. Um tempo de modernização, de edificação no novo Hospital, para cujas obras, aliás, Francisco Zagalo contribuiu generosamente. XIII

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O ano de 1910 marca o fecho da monografia que se apresenta, tendo sido o ano do decesso do seu autor. A impressão da monografia, levada a cabo por Olimpio Jorge, editor, na Tipografia e Papelaria de Antonio M. d’Oliveira, de Alcobaça, em 1918, afirma-se como memorial tanto da Misericórdia, como do seu benemérito irmão, benfeitor e autor. Apresenta uma extensa e bem informada biografia do Dr. Francisco Batista Zagalo, subscrita por António Dias Simões, datada de dezembro de 1914, e a oração fúnebre “em homenagem à veneranda memoria do benemerito cidadão”, pronunciada, nas suas exéquias, pelo Pe. Francisco Coelho Ribeiro de Abranches, prior de Alcobaça. Nenhuma Misericórdia do atual Distrito de Leiria conta com uma monografia semelhante, em alcance e em interesse documental científico, como esta que, apesar de ela traduzir um olhar epocal, próprio de um autor, médico de formação mas cidadão de alma portuguesa e filantropo por vocação, constitui ainda hoje uma peça historiográfica incontornável para a história das misericórdias nesta região22. Uma obra injustamente esquecida e tantas vezes ignorada pela dificuldade na sua obtenção e leitura. Impunha-se de há muito a sua edição e divulgação ampla para maior valorização do passado de uma instituição portuguesa caritativa, beneficente e de assistência social, a Misericórdia de Alcobaça, que conta uma história com 450 anos de vida e que constitui, na longa trajetória da assistência cristã portuguesa, um dos seus marcos mais luminosos e fecundos.

A história da Misericórdia de Alcobaça recebeu recentemente novos contributos que foram reunidos no livro 450 Anos. Santa casa da Misericórdia de Alcobaça. Galeria de exposições Temporárias. Mosteiro de Alcobaça, Alcobaça, 2013, nela se compaginando estudos de Jorge Pereira de Sampaio, José Aurélio, Gérard Leroux, Isabel Costeira, Ana Margarida Louro Martinho e Cecília Gil.

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Francisco Baptista Zagalo e a Misericórdia de Alcobaça Pedro Tavares* Francisco Baptista Zagalo nasceu em Ovar em 23 de Maio 1850 e faleceu em Alcobaça em 25 de Maio 1910. Foi um Homem Bom e, reconhecidamente, se tornou Filho Dilecto de Alcobaça, pelo muito mérito, amor e energia que lhe dedicou. Formou-se em Medicina em Coimbra em 1876 e foi provido Médico Municipal de Alcobaça em 4 de Setembro. Foi Presidente do Montepio Alcobacense, Vereador Municipal, Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça cerca de oito anos e deixou a sua marca no Asilo da Infância Desvalida do Distrito de Leiria, no Club, na Fanfarra, na Orquestra, na Confraria do Santíssimo, no Teatro e na Liga de Instrução. Dois dos seus Pontos Altos prendem-se com o Novo Hospital de Alcobaça e a Exposição dos Produtos Alcobacenses havida no Claustro de D. Dinis de 1 a 13 de Maio 1913 (Exposição-Kermesse). Por fim, ainda promoveu a criação da Misericórdia de Ovar, que veio a ser fundada e empossada a sua Mesa em 3 de Março 1910. O Hospital de Alcobaça, inaugurado em 16 de Agosto 1890, foi uma obra exemplar, em que do nada fizeram muito, mostrando como um grupo de pessoas motivadas e de vontades inquebrantáveis, unidas no propósito de bem servir Alcobaça, conseguem mover montanhas e criar obra! A leitura desta epopeia constante da História da Misericórdia de Alcobaça, pois do Hospital de Misericórdia se trata, é bem reveladora do empenho, capacidade e dedicação que o referido Grupo de Homens Bons de Alcobaça conseguiu levar a cabo. Há mais de cem anos, teve a Misericórdia Provedores notáveis pela obra que deixaram, nomeadamente Bernardino Lopes Oliveira e Francisco Baptista Zagalo. Partindo do zero, deram corpo a um novo Hospital de Alcobaça, mercê de muito empenho pessoal, dinamização de benfeitores e generosas doações. Hospital este que hoje está bem na ordem do dia. * O Eng. José Pedro Duarte Tavares é o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça.

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A Exposição-Kermesse no Claustro de D. Dinis foi um dos evento de maior projecção realizados em Alcobaça e disso Zagalo nos deixa uma descrição notável, ilustrada pelas fotografias (“clichés”) de Manuel Vieira Natividade, conforme outro Trabalho escrito destes dois Autores1. A “Historia da Misericordia de Alcobaça – Esboço historico desta Misericordia desde a sua fundação até 1910”, de autoria de Francisco Baptista Zagalo e dada à estampa em 1918 pela Tipografia e Papelaria de António Miguel d’Oliveira, agora reeditada em oportuna acção de Carlos Fernandes da Textiverso e da louvável obra mecenática do Eng.º Ricardo Charters d’Azevedo, esteve inexplicavelmente ausente dos circuitos habituais das obras deste mérito. A celebração no corrente ano de 2013 dos 450 anos conhecidos da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça, veio catalisar, quase um século depois, a sua nova apresentação a Alcobaça, a Portugal e ao Mundo. Porque, pela sua qualidade e pelo seu conteúdo e exposição, são de exemplo para a época actual e de incentivo para que, mesmo nos piores momentos, se procurem encontrar os melhores propósitos de acção e as energias para os alcançar. Esta reedição é assim de elementar justiça, para que este Tesouro seja novamente divulgado para recordar Francisco Baptista Zagalo, para a memória de Alcobaça e para honra da Santa Casa da Misericórdia. Da leitura desta obra notável, depreende-se que o Dr. Francisco Zagalo compulsou o acervo documental da Misericórdia, cobrindo quase 350 anos, de uma maneira abrangente e arrumada. Acervo documental a que as recentes Mesas Administrativas da Misericórdia de Alcobaça deram o devido valor, acautelando a sua guarda e manutenção e em tentativa de propiciar a sua divulgação.

“Relatório da Exposição Alcobacense realizada de 1 a 13 de Maio de 1906” de F. B. Zagalo e “Alcobaça d’Outro Tempo”, de Manoel Vieira Natividade, Typographia e Papelaria de Antonio Miguel d’Oliveira, 1906. À altura da “Exposição Alcobacense”, o Claustro de D. Dinis encontrava-se emparedado para a Sala do Capítulo, que servia de... Picadeiro à Instituição Militar que ocupava os Claustros do Cardeal e do Rachadouro. Um cliché de M. V. Natividade mostra o Stand da Fiação e Tecidos d’Alcobaça no nicho criado pelo portal fechado da Sala do Capítulo. Noutra fotografia patente no Arquivo Municipal de Lisboa pode-se observar a mesma parede espúria pelo lado do Capítulo, com porta de homem para passagem e com o pavimento em terra batida, como convém a um Picadeiro (!) Os espaços frente às Janelas do Capítulo, também emparedadas, eram ocupados pelas exposições de Firmo da Trindade & Irmão e Thomaz Pereira da Trindade.

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Afigura-se assim oportuno, ao reeditar esta obra, completar com um breve resumo factual da história da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça nos últimos cem anos, desde o ponto em que Zagalo a deixou e que segue em Anexo. Não certamente com a mesma riqueza de conteúdo descritivo, mas fechando o ciclo do historial dos 450 anos da Misericórdia. Por outro lado e porque também de celebração centenária se trata e ajuda a compreender que as épocas do lançamento das Misericórdias, dos Hospitais e do Estado Social têm história, pontes e analogias, transcreve-se adiante a nota “Uma epopeia Social” preparada para a efeméride pelos Corpos Sociais da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça e constante do Catálogo da Exposição “450 anos da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça” realizada na Galeria de Exposições Temporárias do Mosteiro de Alcobaça com cerimónia inaugural em 13 de Abril 2013. (omite-se a nota de agradecimentos finais inerentes à referida Exposição)

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