História, mídias e hegemonia no Brasil Recente (2003-2014): transformações, desafios e lutas.

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Índice

Resumo........................................................................................................................2 Agradecimentos...........................................................................................................3 Lista de Tabelas...........................................................................................................6 Lista de abreviaturas e siglas.......................................................................................7 Epígrafe......................................................................................................................10 Introdução..................................................................................................................11 Capítulo 1 ± Comparações entre os jornais O Globo e Brasil de Fato: os veículos de comunicação como potenciais geradores de consenso ............................................. 21 Capítulo 2 ± As organizações da sociedade civil e a luta pela democratização da comunicação no Brasil contemporâneo ..................................................................... 59 Capítulo 3 ± Jornal Brasil de Fato: contra hegemônico? .......................................... 84 Considerações finais ................................................................................................ 115 Referências Bibliográficas ....................................................................................... 121

RESUMO O trabalho pretende discutir aspectos ligados à liberdade (e pluralidade) de imprensa no Brasil a partir do 1° governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003), quando há o fim de um período de governos do PSDB, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, que contribuiu para a consolidação de um projeto neoliberal para o Brasil. Minha preocupação principal é com a atuação de veículos de caráter contra hegemônico, isto é, como a atuação destes é influenciada pelas condições historicamente construídas dentro do período trabalhado. Sendo assim, pretendo analisar como a legislação, a concentração dos meios de comunicação e outros fatores foram capazes de limitar ou possibilitar a construção de uma comunicação contra hegemônica na sociedade brasileira, que pudesse alcançar diversos setores da população, a partir da chegada do Partido dos Trabalhadores ao governo federal. Em um estudo de caso, pretendo analisar o jornal Brasil de Fato e verificar se este se trata de um veículo de comunicação contra hegemônico ou não, a partir das discussões do quadro teórico sobre os conceitos de hegemonia e contra hegemonia propostos pelo filósofo italiano Antonio Gramsci e por outros autores que seguiram a linha adotada por ele. Para tal, tentarei comparar o jornal em questão com o jornal O Globo, além de realizar uma análise de suas formas de financiamento, público e relação com o governo, a fim de confirmar (ou não) as hipóteses que terei para minha problematização. Palavras-chave: Imprensa ± Contra hegemonia ± Brasil de Fato ± O Globo ± Mídia ± Tempo Presente

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AGRADECIMENTOS Este trabalho é fruto de um acúmulo de discussões e reflexões que se desenvolveram ao longo de 11 semestres, período no qual fui estudante de graduação no curso de História da Universidade Federal Fluminense. Durante esses 5 anos e meio de intenso aprendizado, muitas pessoas puderam contribuir para a concretização deste trabalho. Talvez eu cometa a injustiça de não lembrar de todos e todas que me motivaram a me formar como historiador e professor de história. A elas, peço minhas mais sinceras desculpas. Às demais, aqui vão os meus registros de gratidão pela importância que têm, tiveram e certamente continuarão a ter. Primeiramente gostaria de agradecer a meus pais, Carlos e Cecília por sempre terem me incentivado a estudar e terem feito o máximo que puderam para que eu tivesse acesso a uma educação e uma formação intelectual de qualidade. Sem vocês eu não teria chegado absolutamente a lugar nenhum. Gostaria de agradecer também a minha irmã mais velha, Priscila, por ser e ter sido uma grande referência para mim no que diz respeito aos estudos. Sem ela, os obstáculos que se apresentaram ao longo de minha trajetória seriam certamente mais difíceis. Um agradecimento mais do que especial vai para os meus tios Ana e Sued, que sempre me acolheram com muito amor e solidariedade em sua casa e cuidaram de mim como se fosse filho deles. A presença e a generosidade de ambos certamente tornaram a tarefa de estudar e trabalhar ao mesmo tempo bem menos difícil. Aos meus amigos, fica um agradecimento especial a Kaio Assis, Daniel Tota, Rodrigo Cravo, Victor Machado, André Brito e Catarina Farias pela série de conversas e trocas de ideias que certamente me influenciaram a escrever este trabalho. Credito os méritos e virtudes dele a tudo que pude aprender e ensinar na companhia de vocês. A Beatriz Paz e Roberta Almeida, agradeço por sempre me fazerem ver beleza e graça em coisas simples da vida, inclusive nos momentos mais difíceis. Também cabe agradecer ao Rodrigo Monteiro por ter me ajudado a montar o computador com o qual escrevi este trabalho e pelas demais ajudas relacionadas à área de informática. Ao Júlio César, pelas ϯ 

companhias, risadas, histórias engraçadas e por partilhar grandes vitórias do Flamengo comigo, muito obrigado. Não poderia em hipótese alguma deixar de agradecer à minha namorada, Ana Carolina por absolutamente tudo ela fez por mim ao longo desses 5 anos e meio. Certamente conhecer você, Carol, foi o melhor presente que UFF poderia me dar. Seria necessário o tamanho de páginas de uma pesquisa de doutorado para mencionar tudo que você significou para mim ao longo desses 11 períodos de graduação. Você é a minha maior inspiração, minha maior fonte de felicidade e eu agradeço a toda atenção que você dispendeu a mim e saiba que quero fazer o mesmo por ti. Eu posso não mostrar isso com frequência, mas não há ninguém como você. Peço desculpas por todos meus erros e defeitos, e saiba que se não fosse por você, eu dificilmente teria encontrado forças para aguentar 11 períodos de deslocamento de Brás de Pina a Niterói. Obrigado por me fazer sentir vivo e motivado, por me dar dicas para este trabalho, por implicar com a minha resistência em usar as notas de rodapé, por me ensinar tanto de história e pesquisa em história, por me ajudar a rever alguns de meus conceitos e erros, enfim, por me ajudar a viver. Gostaria de agradecer também ao Henrique Sobral, por ter me dado inúmeras dicas ao longo da produção desse trabalho, me passando textos e contribuindo com ideias fundamentais que certamente qualificaram esta monografia. A você, muito obrigado. Seria impossível negligenciar a participação fundamental da professora Nívea Andrade, certamente a pessoa que mais me influenciou na decisão de cursar a graduação em história, da qual não me arrependo nem um pouco. Muito obrigado pelos 3 anos nos quais você foi minha professora no ensino fundamental, e posteriormente, pelos 2 semestres de aulas de Pesquisa e Prática de Ensino na UFF. Minha gratidão e admiração por esta professora serão eternas. Ao professor Marcelo Badaró, gostaria de agradecer pela orientação deste trabalho e do projeto que o originou e também pelas aulas de História do Brasil III, que foram fundamentais para a escolha do tema de minha pesquisa. Também possuem contribuição fundamental na escolha desse tema e desenvolvimento do trabalho os ϰ 

professores Rodrigo Teixeira, Hugo Bellucco, Norberto Ferreras, Martha Abreu, Carlos Addor e Juniele Rabelo, esta última, que se prontificou a fazer a leitura crítica deste trabalho. Por fim, gostaria de agradecer a todos trabalhadores e trabalhadoras da Universidade Federal Fluminense que possibilitam o funcionamento das atividades, apesar de todos os empecilhos impostos pela reitoria e pelo governo federal. Desses, destaco Juceli Silva, muito querida por todos os estudantes de História da UFF, provavelmente a única unanimidade de todo o curso. A todos eles, muito obrigado.

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LISTA DE TABELAS Número Tabela 1

Título

Página

Posicionamentos em relação às

31

ações afirmativas em O Globo Tabela 2

Estações

de

Rádio

e

TV

54

controladas por políticos no Brasil Tabela 3

Perfil dos assinantes do Brasil de

87

Fato Tabela 4

O jornal Brasil de Fato nas bancas

89

em diferentes estados brasileiros Tabela 5

Distribuição de assinantes de

90

Brasil de Fato por estado Tabela 6

Manchetes que citam o governo Lula dividida por anos

                 ϲ 

93

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC

Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul

Abert

Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão

Abra

Associação Brasileira de Radiodifusores

ABRAÇO

Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária

Abranet

Associação Brasileira de Internet

Abratel

Associação

Brasileira

de

Rádio

Brasileira

de

TV

e

Televisão ABTA

Associação

por

Assinatura ACERP

Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto

AI-5

Ato Institucional n° 5

AIR

Associação Internacional de Radiodifusão

Anatel

Agência Nacional de Telecomunicações

Ancinav

Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual

Ancine

Agência Nacional do Cinema

ANER

Associação Nacional de Editores e Revistas

BBC

British Broadcasting Corporation ϳ



CBT

Código Brasileiro de Telecomunicações

CCS

Conselho de Comunicação Social

CFJ

Conselho Federal de Jornalismo

CoNoSur

Coletivo de Noticias del Sur

CUFA

Central Única das Favelas

CUT

Central Única dos Trabalhadores

DEM

Democratas

EBC

Empresa Brasil de Comunicação

EUA

Estados Unidos da América

FENAJ

Federação Nacional do Jornalistas

FHC

Fernando Henrique Cardoso

FNDC

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

GTI

Grupo de Trabalho Interministerial

INSS

Instituto Nacional do Seguro Social

MASP

Museu de Arte de São Paulo

MP

Medida Provisória

MST

Movimento dos trabalhadores rurais semterra

ONG

Organização Não Governamental

PCB

Partido Comunista Brasileiro

PC do B

Partido Comunista do Brasil

PIB

Produto Interno Bruto

PL

Partido Liberal ϴ



PL

Projeto de Lei

PMDB

Partido da Mobilização Democrática Brasileira

PNBL

Plano Nacional de Banda Larga

PNDH 3

3° Plano Nacional de direitos humanos

PSB

Partido Socialista Brasileiro

PSC

Partido Social Cristão

PSDB

Partido da Social Democracia Brasileira

PSOL

Partido Socialismo e Liberdade

PSTU

Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado

PT

Partido dos Trabalhadores

RCTV

Radio Caracas Televisión

RTVIs

Retransmissoras de TV institucionais

SBTVD

Sistema Brasileiro de Televisão Digital

SECOM

Secretaria de Comunicação Social

UERJ

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFPR

Universidade Federal do Paraná

UNE

União Nacional dos Estudantes

Uneafro

União de Núcleos de Negros e Classe Trabalhadora

URSS

União

das

Soviéticas

ϵ 

Repúblicas

Socialistas

EPÍGRAFE

A vida é preciosa. O mundo é grande. Tem muitas pessoas. Pessoas com todas as religiões, idiomas, dialetos, culturas, preferências sexuais, muitas diferentes cores, pessoas de todos os tamanhos. E cada uma com sua própria personalidade. O coração socialista tem espaço para todas.

Bilbo Göransson ϭϬ 

Introdução O período de transição democrática no Brasil, iniciado na década de 1980 após 21 anos de ditadura empresarial-militar, foi marcado por diversas disputas políticas e ideológicas. Tais disputas se fizeram presentes, sobretudo, na formulação da nova constituição, promulgada em 1988. Diversos setores da sociedade brasileira participaram e disputaram o sentido político do novo conjunto de leis pelas quais se constituiria a nova república. Trabalhadores, sindicatos, movimentos sociais, empresários, partidos políticos, igrejas, entre outros segmentos da sociedade estiveram presentes nesta conjuntura de redemocratização. Uma força política que obteve muito destaque neste processo histórico foi formada nesta mesma década: trata-se do Partido dos Trabalhadores. O PT destacou-se, ao longo da década de 1980 pela defesa se um programa nacional que aglutinasse diferentes ideias de esquerda1 em torno de um projeto que ficou conhecido como ³GHPRFUiWLFRSRSXODU´2. O auge de tal destaque pode ser identificado na disputa eleitoral pela presidência da república de 1989, a primeira após o fim da ditadura (1964 ± 1985). Neste processo eleitoral, o candidato deste partido, Luiz Inácio da Silva, o Lula, ganhou destaque pela defesa de um programa de esquerda, que contava com o apoio de diversas organizações da sociedade civil, em oposição àquele que viria a ser retratado pela historiografia como o representante do neoliberalismo, Fernando Collor de Mello. Esta eleição era a que havia registrado a disputa mais acirrada pela presidência do Brasil durante a nova república3, sendo superada somente pela disputa entre Aécio Neves, do PSDB e Dilma Rousseff, do próprio PT no pleito realizado no ano de 20144.

 Sobre as concepções de esquerda e direita no jogo político, ver: BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: Razões e significados de uma distinção política. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995. 2 KECK, Margaret E. PT: A lógica da diferença. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. 3 Em 1989, Collor foi eleito com 53% dos votos no segundo turno, contra 47% de Lula. Ver: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/09/especial-25-anos-das-eleicoes-de-1989.html (Acesso em 15/07/2015 às 01:08) 4 Em 2014, Dilma Rousseff foi eleita com 51,65% dos votos, enquanto Aécio Neves obteve 48,35%. Ver: http://www.eleicoes2014.com.br/ (Acesso em 15/07/2015 às 01:09) ϭϭ  1

O objetivo principal dessa pesquisa é analisar as políticas de comunicação e as disputas políticas em torno da área da comunicação social no Brasil entre os anos de 2003 e 2014. Tal recorte cronológico corresponde a um período no qual este país esteve sob governos do Partido dos Trabalhadores, somando um total de 3 mandatos executivos, e 3 legislaturas diferentes. Como o PT, ao longo do processo de redemocratização brasileira, se constituiu como a principal força política de esquerda do país (ainda que com diversas divergências internas), a sua chegada ao poder em 2003, após a vitória eleitoral de Lula contra o candidato do PSDB, José Serra, em 2002, foi marcada de expectativas por parte daqueles que desejavam construir um país e/ou uma sociedade na qual os abismos sociais entre ricos e pobres não existissem. No entanto, a composição de forças que levou o candidato do Partido dos Trabalhadores à vitória eleitoral em 2002 não foi a mesma que compôs a candidatura derrotada por Collor 13 anos antes, ainda que o candidato à presidente permanecesse o mesmo. O avanço do pensamento neoliberal no Brasil e em outras partes do mundo, associado ao colapso do sistema socialista soviético abalou as estruturas dos pensamentos de esquerda tanto no Brasil quanto em outras partes do planeta na passagem da década de 1980 à década de 19905. O Partido dos Trabalhadores não ficou imune a isso. Ao longo dos anos 90, em meio a consecutivas derrotas nas corridas presidenciais para o candidato do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, - responsável por dar continuidade ao programa de reformas neoliberais iniciadas no governo Collor - o partido encontrou poucas brechas para combater politicamente e contestar o pensamento neoliberal. Tal processo fez com que o partido modificasse seu arco de alianças para a disputa eleitoral de 2002, dando um tom mais moderado às suas propostas políticas, o que ILFRXVLPEROL]DGRQD³&DUWDDRSRYREUDVLOHLUR´6, de junho de 2002. Outro aspecto que pode ser ressaltado em relação a essa mudança política e estratégica do Partido dos Trabalhadores está na composição da chapa que veio a vencer as eleições de outubro de 2002, encabeçada por Lula, o quadro político de maior destaque  PAULINO, Robério. Socialismo no século XX: O que deu errado? 2. ed. São Paulo: Letras do Brasil, 2010. p. 350. 6 $³&DUWDDRSRYREUDVLOHLUR´FRQVLGHUDGDSRUPXLWRVXPDFDUWDDRPHUFDGRILQDQFHLURSRGHVHUDFHVVDGDHP http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u33908.shtml (acesso em 15/07/2015 às 01:10) ϭϮ  5

do partido, cujo vice foi José Alencar, filiado ao Partido Liberal (PL). Vale lembrar que na disputa de 1989, o arco de alianças do PT se restringiu ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) e ao Partido Comunista do Brasil (PC do B), partidos que, assim como o PT, sofreram profundas mudanças de cunho ideológico semelhantes àquelas pelas quais o quadro majoritário petista passou. Sendo assim, a chegada do PT ao poder no Brasil, como aponta a historiadora Virginia Fontes7, estava carregada de uma série de fatores, dentre os quais ela destaca: 1) a crise na base de apoio ao candidato tucano (José Serra), resultante de um certo esgotamento do modelo colocado em prática na década anterior; 2) a opção de parte do empresariado pelo apoio à Lula, que estabeleceu diretrizes ao comportamento do futuro governo através dos meios de comunicação; 3) uma guinada da corrente majoritária do Partido dos Trabalhadores em direção a uma política menos radical, mais focada em um SDSHOLQVWLWXFLRQDOHQDVSDODYUDVGDSUySULDKLVWRULDGRUD³PHQRVRUJDQL]DWLYRQRTXH diz respHLWRDRVPRYLPHQWRVVRFLDLV´H RDF~PXORGHIRUoDVSROtWLFDVTXHDRORQJRGD história recente do Brasil, através de movimentos sociais e sindicais, possibilitou que um candidato oriundo da classe trabalhadora chegasse ao posto de presidente da república.8 A guinada à direita que marcou a vitória de Lula pode ser identificada também nas páginas do jornal O Globo. Nos dois primeiros dias do ano de 2003, houve uma intensa cobertura em relação à posse do novo presidente. Em vários anúncios publicitários, pode-se verificar diferentes empresas saudando e felicitando a posse de Luiz Inácio, relacionando o sucesso do novo presidente ao sucesso da empresa em questão 9. O próprio jornal também saudou a posse do novo presidente com muitas menções positivas  In: DEMIER, Felipe: As transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil: entrevistas com Babá; César Benjamin; Luciana Genro; Marcelo Badaró Mattos; Valério Arcary; Virgínia Fontes; Zé Maria. Rio de Janeiro, Bom Texto, 2003. 8 Idem, p. 17 9 A empresa canadense do ramo farmacêutico Apotex, por exemplo, estampava em seu anúncio na página 15 do GLDGHMDQHLURGHRVVHJXLQWHVGL]HUHV³6HQKRUSUHVLGHQWHTXHRVHXJRYHUQRIDoDWmREHPSDUDDSRSXODomR como os nossos PHGLFDPHQWRVJHQpULFRV´8PDRXWUDHPSUHVD&RORQLDO/XVWUHVHVWDPSDYDXPDQ~QFLRPHQRU QDSiJLQDFXMRWtWXORHUD³%HP-YLQGR/XODSUHVLGHQWH´$VHGLo}HVGHMDQHLURGHGHO Globo podem ser acessadas em: http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorData=2000200301 (Acesso em 15/07/2015 às 01:11) 7

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à Lula10, algo que seria inimaginável caso o Partido dos Trabalhadores tivesse vencido as eleições de 1989. Um governo que chegou ao poder através de tal correlação de forças fazia com que parte da esquerda brasileira ficasse, ao mesmo tempo, temerosa e esperançosa em relação ao futuro do país no que diz respeito à distribuição de renda, política externa, aplicação de recursos públicos nas áreas de saúde e educação e também no que diz respeito às políticas de comunicação. Esta última área está no centro desta pesquisa. A área da comunicação no Brasil, de maneira geral, possui, até o momento em que este trabalho é escrito, uma parca regulamentação. Um dos problemas que Venício Lima ± cuja obra11 adquire fundamental importância por ser uma referência no que diz respeito à (não) regulação dos meios de comunicação no Brasil ± aponta é a ausência de qualquer marco regulatório que impeça a existência da propriedade cruzada dos meios de comunicação. Na prática, isso implica que uma mesma empresa possa ter concessões públicas de canais de televisão e rádio, além de jornais impressos, editoras, entre outros. Um caso emblemático de propriedade cruzada no Brasil, sem dúvidas, é o das Organizações Globo, chefiadas pela família Marinho, que possuem canais na televisão (aberta, a cabo e via satélite), no rádio (AM e FM), jornais, revistas, uma editora e o principal portal de notícias na internet do país, além de inúmeras emissoras filiadas em todos os estados da federação. Este autor explica que os cinco artigos da constituição federal que compreendem os números 220 e 224 não possuem uma regulamentação suficientemente clara para definir a estruturação da comunicação social no Brasil, ainda que, no artigo 220, afirme-se que os meios de comunicação não podem ser monopolizados ou oligopolizados12 1R HQWDQWR RV WHUPRV ³ROLJRSyOLR´ H ³PRQRSyOLR´ FDUHFHP GH qualquer definição constitucional. Sendo assim, Lima identifica que estas brechas constitucionais permitiram a poucas famílias ter o controle da maior parte da mídia e da  Em sua coluna na página 4, Márcio Moreira Alves, por exemplo, destacava que a maior alegria cívica para 53 milhões de brasileiros naquela virada de ano era a posse de Lula e José Alencar. 11 LIMA, Venício. Regulação das comunicações: História, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011. 12 A constituição federal brasileira pode ser acessada em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm (Acesso em 15/07/2015 às 01:14) 10

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imprensa brasileiras. Ele também ressalta que grande parte da legislação sobre a comunicação no Brasil está baseada no Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), datado de 1962, atualmente defasado e obsoleto. Tal código é responsável, segundo ele, por permitir a existência da propriedade cruzada dos meios de comunicação no país 13. Carolina Matos também analisa a maneira como foi formulado o sistema de comunicação social no Brasil14. Ela afirma que o modelo de radiodifusão dos países latino-americanos foi bastante influenciado pelo modelo de radiodifusão dos Estados Unidos, sobretudo a partir de fins da década de 1980, época de avanço do pensamento neoliberal. O Brasil não fugiu à regra, ainda que, segundo a autora, haja também neste país uma certa influência de um modelo de imprensa partidária típico da Europa15. Segundo esta jornalista e professora universitária, o sistema de mídias construído na sociedade norte-americana possui um caráter majoritariamente privado, com pouco espaço para a comunicação pública (diferentemente da Inglaterra, por exemplo, que possui uma empresa pública de comunicação forte, a BBC). Mesmo que tais modelos sejam majoritariamente privados, as empresas concessionárias dos serviços de radiodifusão são dependentes, em certa medida, do poder público, uma vez que grande parte de suas receitas é advinda da publicidade estatal. Matos também aponta, que tanto nos EUA quanto na América Latina, a maior fatia do mercado está concentrada nas mãos de poucos grupos empresariais, o que, por sua vez, dificulta a garantia da pluralidade cultural e de opiniões dentro do espaço de radiodifusão destes países. A consequência de WDOHVWUXWXUDomRpTXHJUDQGHVSDUFHODVGDSRSXODomRVREUHWXGRDV³PLQRULDV´ QHJURV indígenas, homossexuais, etc.) e a classe trabalhadora não se vejam representadas nos principais espaços de circulação da produção audiovisual. Ou então, quando incluídos, sejam majoritariamente estigmatizados de alguma forma que mantenha as relações de poder tradicionais. Tal realidade, é importante dizer, não exclui as possibilidades de se  LIMA, Venício. Política de Comunicações: Um balanço dos governos Lula [2003 - 2010]. São Paulo: Publisher Brasil, 2012, pp 25-26. 14 MATOS, Carolina. Mídia e política na América Latina: Globalização, democracia e identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. 15 Idem, p.150 ϭϱ  13

encontrar brechas nos meios de comunicação dominantes que possam tentar subverter as relações de poder estabelecidas. É importante ter tal ressalva em mente para que não se crie uma falsa ideia de homogeneidade dentro dos principais veículos da grande mídia. Ela também é importante no sentido de evitar maniqueísmos. Ainda sobre a concentração da comunicação nas mãos de poucos grupos empresariais brasileiros, Dênis de Moraes16 identifica quais são as famílias responsáveis pelo controle do maior fluxo de informações na radiodifusão brasileira. As famílias Marinho, Civita, Mesquita, Abravanel, Saad, Sirotsky, Sarney, Magalhães e Collor (esta última representada pelo ex-presidente da república, Fernando Collor de Mello)17, articularam, nas últimas décadas, uma série de acordos com empresas estrangeiras, o que culminou, na década de 90, em uma abertura para o investimento do capital externo na área de comunicação social. Tal medida possibilitou tais grupos a se manterem como os principais detentores dos meios de comunicação do Brasil, ainda que os tenha deixado, de certa forma, dependentes dos investidores estrangeiros. Vale lembrar que o domínio de tais famílias não se forma a partir da década de 90, mas tem suas origens no antigo regime empresarial-militar18. O interesse na área da comunicação advém da função que atualmente ela possui na sociedade. Com a massificação de meios como a imprensa, o rádio e a televisão, e mais recentemente a internet, os meios de comunicação se tornaram ferramentas importantíssimas no que diz respeito à construção da hegemonia. Falar em hegemonia, a partir dos pressupostos teóricos de Antonio Gramsci19VLJQLILFD³DQDOLVDUDVIRUPDVGH convencimento, de formação e de pedagogia, de comunicação e de difusão de visões de  MORAES, Dênis de. Vozes abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação. Rio de Janeiro, Mauad X/FAPERJ, 2011. 17 Idem, p. 40. 18 PIERANTI, Octavio Penna. Políticas públicas para radiodifusão e imprensa: Ação e omissão do Estado no Brasil pós-1964. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. 19 Considerado um dos principais pensadores marxistas da primeira metade do século XX, Gramsci é uma referência fundamental no que diz respeito à concepções sobre o Estado e política. Ver: HOBSBAWM, Eric. Como mudar o mundo: Marx e o Marxismo, 1840-2011. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 285-301. 16

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PXQGR DVGLIHUHQWHV PRGDOLGDGHVGH DGHVWUDPHQWRSDUD R WUDEDOKR´GHDFRUGR FRP D historiadora e professora Virgínia Fontes20. Ainda que a hegemonia possa também ser exercida através de meios coercitivos, como por exemplo, a violência policial, o papel do convencimento e do poder simbólico são essenciais para que uma classe ou fração de classe detenha a hegemonia dentro de determinada sociedade. É importante ter em mente que coerção e consenso não são duas categorias que caminham separadamente. É possível que ações coercitivas tenham legitimidade por parte da maioria da sociedade, como por exemplo, quando uma ação policial resulta em mortes e ferimentos de dezenas de pessoas nas favelas e bairros pobres das grandes cidades brasileiras e, ainda assim parcelas significativas da população acreditam que o crime esteja sendo devidamente combatido pelo Estado. Dentro da perspectiva teórica que será adota neste trabalho, entende-se que a hegemonia não é algo que representa uma forma totalmente consolidada de dominação. Ela precisa se reinventar constantemente, encontrar novas formas de guiar a ação da maioria dos indivíduos em sociedade. Isso ocorre porque ela é quase sempre desafiada por aqueles que não concordam com ela, ou seja, pressupõe a existência de uma contra hegemonia, que contesta os valores e as práticas do sistema de dominação vigente. Portanto, compreender as disputas por hegemonia é fundamental para que se entenda a complexa dinâmica da luta de classes no início do século XXI. Sendo assim, este trabalho busca analisar as disputas por hegemonia no Brasil a partir do ano de 2003 e atentar para os diversos fatores que condicionaram tais disputas. Para a realização destas discussões, foi feita a opção pela a análise de duas fontes

 FONTES, Virgínia. Intelectuais e mídia: Quem dita a pauta? In: COUTINHO, Eduardo Granja et al. Comunicação e contra-hegemonia: Processos culturais e comunicacionais de contestação, pressão e resistência. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. p. 145.

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primárias distintas: os jornais O Globo21 e Brasil de Fato22. A escolha pelos dois partiu de uma notável diferença entre ambos no que diz respeito às condições materiais sob as quais eles são produzidos e publicados e dos diferentes posicionamentos políticos que podem ser verificados quando fazemos as comparações entre os jornais, muito mais explícitos e claros no segundo que no primeiro. O objetivo da primeira parte do trabalho consiste em verificar semelhanças ou diferenças entre as coberturas dos jornais no que diz respeito aos seguintes temas: a criação da Empresa Brasil de Comunicação, aprovação do Marco Civil da Internet, a aprovação da reforma da previdência e o debate em torno das cotas raciais nos processos seletivos das universidades brasileiras. Posteriormente, na segunda parte deste trabalho, será dado destaque às organizações da sociedade civil que tem como bandeira principal a luta pela democratização da comunicação, com a construção de um sistema que permita a diferentes atores sociais se fazerem vistos pela sociedade. Além disso, pretende-se verificar se alguma demanda destes grupos foi atendida pelo Estado brasileiro no período que compreende a pesquisa. As obras de Dênis de Moraes23 e Venício Lima24 apontam para direções que nos permitem identificar as ações e demandas destes grupos. A hipótese é de que poucas reivindicações dos movimentos sociais, meios de comunicação contra hegemônicos e coletivos pró-regulamentação da comunicação foram atendidas tanto pelo governo federal, quanto pelo poder legislativo brasileiro, uma vez que tais setores da sociedade sempre demandaram políticas públicas que visassem à democratização dos meios de comunicação no Brasil, com o fim de monopólios, oligopólios e da propriedade cruzada, algo que, até o momento em que este trabalho é escrito, não aconteceu.  O Globo, fundado em 1925 pelo jornalista Irineu Marinho, tornou-se um dos mais conhecidos jornais do Brasil. No momento em que escrevo este trabalho, é o quarto maior jornal em circulação do país. Ver: TRISTÃO, Marisa Baesso; MUSSE, Christina Ferraz. O direito à informação e o (ainda restrito) espaço cidadão no Jornalismo Popular impresso. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação: Intercom. São Paulo, v. 36, n. 1, p. 39-59. 01/2013. p. 48 22 Brasil de Fato foi fundado em 2003, como fruto das discussões do Fórum social mundial, realizado em Porto Alegre. Trata-se de um jornal de circulação semanal a nível nacional oriundo do trabalho de movimentos sociais como o MST e a Via Campesina. 23 MORAES, op. cit. 2011. 24 LIMA, op. cit. 2011. ϭϴ  21

Nesta mesma parte do trabalho, pretendo fazer a discussão acerca de como as políticas públicas de comunicação condicionaram a atuação dos veículos contra hegemônicos. Serão discutidos temas como iniciativas legislativas e também ações do poder executivo. A hipótese em relação a essa questão é de que as políticas de comunicação do período que contemplam os anos de 2003 a 2014 pouco contribuíram para a solidificação e massificação de meios de comunicação contra hegemônicos no Brasil. A maior parte dos projetos de regulamentação do sistema de radiodifusão permaneceu emperrada em tramitações pelo Congresso Nacional, ou foram barradas pelo PHVPRDWUDYpVGHXPDSUiWLFDTXH9HQtFLR/LPDFKDPDGH³FRURQHOLVPRHOHWU{QLFR´ 25. Tal processo pode se dar pela própria composição das bancadas legislativas, uma vez que boa parte dos deputados e senadores são/foram concessionários dos serviços de radiodifusão brasileiros. Ao final desta parte, há o objetivo de problematizar o papel da internet e das novas tecnologias da informação e da comunicação em relação à propagação de ideias e de ações dos setores contra hegemônicos. A ideia inicial é que o advento das novas tecnologias de informação e da comunicação ampliou consideravelmente as possibilidades de diálogo dos meios de comunicação contra hegemônicos com a população brasileira em termos absolutos. No entanto, em termos relativos, penso que tal ampliação não se verifica, ou se verifica em proporções tímidas, fazendo com que tais meios ainda sejam bastante limitados em relação ao seu alcance. O terceiro capítulo desta obra se pauta na seguinte questão: o jornal Brasil de Fato pode ser considerado um veículo de comunicação contra hegemônico? Nesta parte, a análise da leitura dos escritos do pensador italiano Antonio Gramsci26 se faz fundamental, assim como a reflexão em relação ao material do jornal, que será comparado a um jornal  2FRQFHLWR³FRURQHOLVPRHOHWU{QLFR´XWLOL]DGRSRU/LPDDGYpPGDREUDGH9LFWRU1XQHV/HDO³&RURQHOLVPR enxada e voto´ UHIHUrQFLD SDUD D KLVWRULRJUDILD EUDVLOHLUD VREUH D ƒ UHS~EOLFD -1930). Por esse termo, podemos entender que se trata de um fenômeno ocorrido na sociedade brasileira a partir da segunda metade do século XX no qual oligarquias regionais lançam mão do Estado para adquirir concessões de radiodifusão com o intuito de utilizarem tais concessões na tentativa de garantir eleições e reeleições, isto é, a sua perpetuação dentro do aparelho de Estado. Ver: LIMA, op. cit. 2011, pp. 103-148. 26 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere: Volume 3. Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. ϭϵ  25

da mídia hegemônica, no caso, o jornal O Globo, no capítulo 1. Para responder a tal questão, serão analisados o editorial do jornal, formas de financiamento do mesmo, o público leitor e as relações que o veículo estabeleceu com o governo. Além disso, as comparações com o jornal O Globo do capítulo 1 devem ser retomadas para contribuir com as respostas que podem ser dadas ao questionamento que guiará a produção deste capítulo. Para concluir, buscarei responder ao seguinte questionamento: durante o período no qual a pesquisa se insere, houve algum tipo de contribuição do governo federal brasileiro em busca de fortalecer a comunicação contra hegemônica? Os resultados obtidos nessa pesquisa guiarão as reflexões que tentarão responder a essa pergunta. A escolha por trabalhar com a análise de veículos de comunicação advém da potencialidade que eles oferecem ao pesquisador interessado nas disputas políticas em torna da formação de consenso e na difusão de valores que guiam as ações do ser humano no convívio coletivo. No entanto, é necessário ter em mente que nem todas as pautas que serão analisadas a partir dos periódicos obtiveram grande repercussão pública, logo, influenciaram pouco as disputas em torno da formação de uma hegemonia. No entanto, há de se discutir as razões para tal e este também é um dos objetivos deste trabalho.                  ϮϬ 



Capítulo 1 - Comparações entre os jornais O Globo e Brasil de Fato: os veículos de comunicação como potenciais geradores de consenso Este capítulo tem como foco destacar algumas propostas de políticas públicas que foram colocadas em discussão na sociedade brasileira durante os governos de Lula e o primeiro mandato de Dilma Rousseff. Dentre vários temas que foram debatidos por brasileiros e brasileiras (seja nas escolas, sindicatos, igrejas, associações de moradores, nas universidades, ou nos meios de comunicação), foram escolhidas quatro pautas: a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), aprovação do Marco Civil da Internet, a aprovação da reforma da previdência e o debate em torno das cotas raciais nos processos seletivos nas universidades brasileiras. Dois destes temas são específicos sobre a área da comunicação social, e outros dois são considerados de extrema importância para a vida daqueles grupos sociais que fazem partes dos mais marginalizados no Brasil, os(as) trabalhadores e os(as) negros(as)27. A proposta é verificar como os jornais O Globo e Brasil de Fato trataram dessas temáticas, a fim de compará-los. Durante a verificação, serão discutidos os padrões de abordagem de ambos os veículos de comunicação. Antes de aprofundar a análise das fontes históricas, no entanto, é necessário fazer uma breve apresentação de cada um dos temas.

A reforma da previdência Primeiramente, cabe tratar da reforma da previdência. Uma das primeiras medidas aprovadas pelo governo e pela legislatura que exerceram mandatos de 2003 a 2006 foi esta. A aprovação da reforma teve apoio dos quadros majoritários do Partido dos

 Vale lembrar que a maioria da classe trabalhadora brasileira é negra, então, nem sempre ambas as categorias estão separadas.

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Trabalhadores, mas foi rejeitada pela ala mais radical do partido, que votou contra ou se absteve da votação. Segundo Carlos Ranulfo Melo e Fátima Anastasia28, a aprovação da reforma da previdência resultou em uma derrota para a classe trabalhadora brasileira, em especial aos funcionários públicos, aposentados e pensionistas. Eles lembram que as propostas em torno da reforma começaram em 1995, ainda no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, através da Proposta de Emeda Constitucional número 33. No entanto, afirmam que foi durante o governo de Lula que a proposta pode ser finalmente positivada. Dentre as perdas, destacam-se :1) a instituição de um valor máximo (2400 reais à época)29 a ser pago, que igualava as categorias do funcionalismo público aos trabalhadores da LQLFLDWLYDSULYDGDXPDHVSpFLHGH³QLYHODPHQWRSRUEDL[R´ DWD[DomRGRVVHUYLGRUHV inativos em 11% do valor dos salários dos servidores federais que ganhavam mais de 1440 reais30 e dos servidores estaduais e municipais que ganhavam mais de 1200 31; 3) a redução de 5% (a partir do ano de 2006) para aqueles que se aposentassem antes da idade mínima; 4) o desconto de 30% nas pensões que fossem concedidas após a aprovação da reforma, entre outras322JRYHUQRDUJXPHQWDYDTXHWDLV³DMXVWHV´HUDPQHFHVViULRVSDUD que a economia do país pudesse crescer. Mas dentro do próprio partido, havia quem discordasse. Diversos parlamentares do Partido dos Trabalhadores se opuseram às pautas da reforma. Dentre eles, destacaram-se os deputados federais -RmR%DWLVWDR³%DEi´33,

 MELO, Carlos Ranulfo; ANASTASIA, Fátima. A reforma da previdência em dois tempos. DADOS: Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 48, n. 2, p. 301-332. 2005 29 Este valor era equivalente a 10 salários mínimos em 2003. 30 Este valor era equivalente a 6 salários mínimos em 2003. 31 Este valor era equivalente a 5 salários mínimos em 2003. 32 Idem, p. 309. 33 João Batista Oliveira de Araújo, o Babá, é engenheiro mecânico e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No momento em que este trabalho é escrito, exerce mandato de vereador na capital fluminense pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), do qual ele é um dos fundadores. Nas eleições de 2016, buscou reeleição para a câmara de vereadores do Rio de Janeiro, tendo ficado como 1° suplente do partido após conseguir 6.661 votos. 28

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Luciana Genro34 e a senadora Heloísa Helena35. Tal processo acabaria fazendo com que eles fossem desligados do Partido. Segundo Melo e Anastasia, o governo Lula, em comparação ao governo anterior, obteve muito mais êxito em aprovar a reforma, uma vez que ela acontecera ainda no primeiro ano de governo36. Dentre as razões que eles apontam para justificar tal fato estão o fato de Lula ter enfrentado menos resistência por parte do poder legislativo e também a alteração do comportamento político de atores ligados aos movimentos sociais, o que influenciou no resultado das tramitações. Analisar o processo histórico utilizando como fonte primária um jornal permite a(o) historiador(a) analisar dois aspectos relevantes através deste método. O primeiro, sem sobra de dúvidas é identificar a forma de apresentação dos acontecimentos por parte do meio de comunicação em questão, o que nos permite refletir sobre o(s) posicionamento(s) político(s) do veículo. Atentar para este aspecto é fundamental nesta obra, uma vez que se entende aqui que uma empresa de comunicação pode ser considerada um aparelho privado de hegemonia, dentro dos postulados teóricos de Antonio Gramsci. Isto quer dizer que ela (assim como igrejas, partidos políticos, sindicatos,

associações

empresariais,

entre

outros)

tem

a

capacidade

de

orientar/convencer os cidadãos em torno de um projeto de sociedade, garantindo o consenso necessário para que uma estrutura política, econômica e social se estabeleça. O segundo está em identificar que o processo histórico é formado por diversas possibilidades de ação por parte dos seres humanos. Isso implica em desnaturalizar os

 Luciana Krebs Genro é filha do ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. Exerceu mandatos na Assembleia Legislativa de seu Estado e foi deputada federal de 2003 a 2010. Em 2014, foi candidata à presidência da República pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), obtendo pouco mais de 1 milhão e 600 mil votos. 35 Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho é profissional da área de enfermagem. Assim como Babá e Genro, ajudou a fundar o Partido Socialismo e Liberdade, pelo qual foi candidata à presidência da república no pleito de 2006, no qual obteve cerca de 6 milhões e 500 mil votos. No momento em que este trabalho é escrito, exerce mandato de vereadora na cidade de Maceió, não tendo concorrido a reeleição em 2016. Apesar de ter sido eleita pelo PSOL, a parlamentar migrou para uma nova legenda, a Rede Sustentabilidade, liderada pela também exsenadora pelo PT, Marina Silva. 36 MELO & ANASTASIA, op. cit. 2005, p. 308 Ϯϯ  34

DFRQWHFLPHQWRVGRSDVVDGRRXVHMDHPQHJDUTXH³DVFRLVDVDFRQWHFHram porque haviam GHDFRQWHFHU´ A cobertura da reforma da previdência pelo jornal O Globo permite ao pesquisador atentar para estas duas facetas do fazer historiográfico através da análise de jornais como fontes e objetos. Durante o ano de 2003, o veículo publicou praticamente todos os dias alguma notícia em relação à esta medida. Como se trata de um periódico que está entre aqueles de maior circulação nacional e é pertencente ao maior conglomerado de comunicação do país, foi feita a opção por analisá-lo, inclusive porque todo o acervo do jornal no ano de 2003 (exceto os classificados) poderia ser encontrado on-line. Já no dia 3 de janeiro37, após dois dias dedicando dezenas de páginas cobrindo a posse do novo presidente empossado, a página 12 de O Globo deu destaque para o pronunciamento do então ministro da previdência, Ricardo Berzoini. A manchete (principal, diga-VHGHSDVVDJHP GDSiJLQDDILUPDYD³%HU]RLQLTXHUILPGHSULYLOpJLRVQD SUHYLGrQFLD´RTXHMiDQXQFLDYDDSRVWXUDHGHWHUPLQDomRGRQRYRJRYHUno em aprovar a reforma. 2XVRGRWHUPR³SULYLOpJLRV´VHPDVSDVWDPEpPLQGLFDXPDFRQFRUGkQFLDHQWUH a linha editorial do jornal e a proposta do governo. O que chama a atenção nesta reportagem do dia 3 de janeiro é que somente o ministro da previdência foi ouvido na matéria, sem que qualquer voz dissonante ou complementar fosse apresentada. Dois dias depois38QDVHVVmR³2SLQLmR´GRMRUQDO Ságina 6), foi publicado um texto editorial LQWLWXODGR ³6RQKR H 5HDOLGDGH´ 1HOH, o jornal afirmava que a carga tributária imposta ao povo brasileiro (cerca de 36% do PIB, segundo o próprio texto) não era capaz de suprir as despesas públicas. Afirmava ainda que estas não paravam de crescer graças aos enormes gastos com a previdência. Ficava subentendida, então uma defesa de que os cortes na área previdenciária eram necessários para que houvesse responsabilidade  O GLOBO. Rio de Janeiro, 3 jan. 2003. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 38 O GLOBO. Rio de Janeiro, 5 jan. 2003. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 37

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fiscal por parte do governo. Além disso, passava a ideia de que não haveria outra opção senão a adotada pelo novo governo. Nos dias 839 (página 3) e 940 (página 5) de janeiro o jornal já destacava o déficit que os gastos da previdência geravam para o poder público, que era de 68 bilhões de reais. Ainda que na mesma página 5 do dia 9 de janeiro se atentasse para o fato de que uma parcela dos trabalhadores ficaria prejudicada caso a reforma fosse aprovada, na reportagem sobre o tema, somente o ministro Ricardo Berzoini teve espaço para pronunciamento. No dia 10 de janeiro41 foi possível verificar que aqueles que seriam afetados pela reforma foram ouvidos por O Globo. No entanto, a reportagem da página 5 do veículo deu espaço a 6 pronunciamentos do ministro Berzoini, enquanto apenas um trabalhador foi ouvido pelo jornal, o então Secretário de Organização da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Securidade social, Vladimir Nepomuceno. Durante todo o ano de 2003, foi possível verificar uma tendência por parte de O Globo no que diz respeito ao debate público acerca da reforma da previdência. Antes de dar prosseguimento, é importante ressaltar um aspecto desta reforma, que foi analisada por Melo e Anastasia42. Para estes autores (visão que é reiterada nesta pesquisa), tal temática (assim como várias outras pautas políticas que passam pelo parlamento) esteve FRQGLFLRQDGDSRU³DUHQDV´GRMRJRSROtWLFR$SULPHLUDGHODVVHPG~YLGDpD³DUHQD´ parlamentar, isto é, os debates e negociações dentro do congresso nacional que levaram a aprovação da reforma. A segunda seria a do Poder Executivo, uma vez que o assunto envolvia os ajustes nas contas públicas e isso fazia com que o presidente precisasse se mobilizar com seus ministros para influenciar o comportamento político da maioria dos  O GLOBO. Rio de Janeiro, 8 jan. 2003. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 40 O GLOBO. Rio de Janeiro, 9 jan. 2003. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 41 O GLOBO. Rio de Janeiro, 10 jan. 2003. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 42 MELO & ANASTASIA, op. cit. 2005. 39

Ϯϱ 

parlamentares, em especial no próprio PT, que não foi unânime em relação à reforma. O WHUFHLURVHULDRGR3RGHU-XGLFLiULRTXHSRGHULD³VHUDFLRQDGRcomo ator com poder de YHWRGDGRRJUDXGHGHVFRQVWLWXFLRQDOL]DomRH[LJLGRSDUDDDSURYDomRGDSURSRVWD´ 43. O TXDUWR VHULD R TXH RV DXWRUHV FKDPDUDP GH ³DUHQD VRFLHWDO´ RX VHMD D SDUFHOD GD população que se envolveu direta ou indiretamente com as discussões em torno da reforma e que buscava pressionar os poderes legais em busca de seus interesses. Por ~OWLPRYLULDD³DUHQDHOHLWRUDO´HVSHFLDOPHQWHLPSRUWDQWHSRUTXHDYRWDomRGRSURMHWR poderia ter implicações no que diz respeito à reeleição (ou não) dos membros das casas legislativas, uma vez que os debates e posicionamentos se tornariam públicos. 6HQGR DVVLP GLDQWH GHVWD PXOWLSOLFLGDGH GH ³DUHQDV´ TXH RV PHLRV GH comunicação poderiam dar atenção, foi possível verificar que as esferas parlamentar e do poder executivo foram privilegiadas pela cobertura do jornal em relação às demais. Como foi afirmado anteriormente, durante o ano de 2003, em praticamente todas as edições do jornal O Globo, que é de circulação diária, houve alguma menção à reforma da previdência, sendo que na maioria dos casos, o veículo optou pela ênfase nos trâmites institucionais que conduziram a reforma, em detrimento das ações conduzidas por aqueles que seriam afetadas por ela, os(as) trabalhadores(as), sobretudo os servidores públicos. Quando houve alguma notícia em relação àqueles que lutaram contra a reforma, ela foi noticiada como aspecto secundário. Além disso, dentro da pouca visibilidade dada aos contrários à reforma, houve uma tendência a destacar mais a resistência de alguns parlamentares petistas do que a mobilização social dos servidores 44. Tal tendência, segundo Edna Miola45, é comprovada empiricamente pela maioria das coberturas jornalísticas. A visibilidade dada aos atores históricos varia de acordo com a posição hierárquica que eles ocupam dentro de uma estrutura institucional. Isto quer dizer que há muito mais espaço para aqueles que ocupam cargos de ministros, deputados, senadores,  Idem. p.302 44 É necessário ressaltar que uma parcela dos servidores se viam representados por estes parlamentares. A intenção não é apontar uma contradição entre os parlamentares da esquerda do PT e a luta dos servidores, mas sim destacar a quem O Globo deu mais visibilidade. 45 MIOLA, Edna. Representações do jornalismo sobre a radiodifusão pública: o debate em torno da criação da Empresa Brasil de Comunicação na imprensa. Revista Compolítica, n. 2, vol. 1, ed. set-out, ano 2011, pp. 41-42 Ϯϲ  43

entre outros, do que para os movimentos sociais e sindicatos organizados na base da sociedade. No entanto, tal diferença de visibilidade oferecida pela maioria dos meios de comunicação não pode, de forma alguma, ser encarada como natural. Há de se pensar as razões pelas quais O Globo adotou essa postura. Primeiramente, é necessário ter em mente quHTXDQGRRWHUPR ³WHQGrQFLD´pXVDGRpMXVWDPHQWHFRPR REMHWLYRGHQmRLJQRUDU ocasionais posicionamentos divergentes dentro do próprio jornal, em especial porque elas eventualmente ocorrem dentro da grande imprensa. Isso não implica em dizer que se trata de um jornal que lida de maneira equitativa com diversos pontos de vista. Definitivamente não é o caso. Mas também não se pode incorrer na ingenuidade de acreditar que não existam vozes dissonantes dentro do veículo. Não há a pretensão de dar uma resposta definitiva e fechada para o porquê de o jornal adotar essa ou aquela postura, mas é possível apontar alguns caminhos. Primeiramente, é preciso relembrar que dentro do quadro teórico aqui proposto, ganha destaque o pensamento de Antonio Gramsci, filósofo socialista da Itália, nascido no final do século XIX e morto na década de 30 do século XX em decorrência de suas péssimas condições de sobrevivência no cárcere do regime fascista de Benito Mussolini. Para este pensador, pensar no Estado não significa apenas considerar as suas instâncias formais. Para ele, o Estado é a junção da sociedade civil, a partir de seus aparelhos privados de hegemonia (escolas, igrejas, sindicatos, associações empresariais, meios de comunicação, entre outros) com a sociedade política, isto é, as forças armadas, a polícia, os poderes legislativos, executivo e judiciário. A união entre parte da sociedade civil e os aparelhos coercitivos do Estado formam o que Gramsci chama de Estado Ampliado, que é capaz de garantir a dominação de uma classe ou fração de classe sobre outras classes e/ou frações de classes, através de um misto entre coerção e consenso, que estabeleceria então a hegemonia de determinados grupos em relação a outros46.

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 GRAMSCI, op. cit. 2000. Ϯϳ 

Então, como O Globo, assim como vários outros veículos de comunicação da mídia oligopólica brasileira, depende do Estado47 para se manter como um dos principais formadores de opinião (ou de consenso, para usar os termos gramscianos) do país, e o Estado, por sua vez, depende das Organizações Globo (proprietária do jornal), uma vez que o que é retratado nos meios de comunicação de massa influi diretamente na opinião S~EOLFD PXLWR GLILFLOPHQWH RV DVVXQWRV GD ³JUDQGH SROtWLFD´ VHULDP UHWUDWDGRV HP O Globo 3RU ³*UDQGH 3ROtWLFD´ UHILUR-me a uma definição do próprio Gramsci, ao diferenciá-ODGD³SHTXHQDSROtWLFD´6HJXQGRRILOyVRIR³$JUDQGHSROtWLFDFRPSUHHQGH as questões ligadas à fundação de novos Estados, a luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociaiV´48. Por outro lado, D ³SHTXHQD SROtWLFD´ FRPSUHHQGHULD ³ DV TXHVW}HV SDUFLDLV H FRWLGLDQDV TXH VH apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela SUHGRPLQkQFLDHQWUHDVGLYHUVDVIUDo}HVGHXPDPHVPDFODVVHSROtWLFD´49. O que se pretende afirmar aqui, então é que, durante a cobertura dos trâmites da reforma da previdência, O Globo SULRUL]RXRGHEDWHSHOD³SHTXHQDSROtWLFD´DRRSWDUSRU dar pouco destaque à resistência dos trabalhadores do setor público e aos questionamentos sobre os benefícios que o Estado estava concedendo aos bancos. Pode-se dizer que tal prática ocorreu uma vez que ela correspondia não só aos interesses de seus proprietários, mas também aos de seus anunciantes, em sua maioria, empresas privadas e o próprio Estado brasileiro. Ao fazer isso, torna-se possível afirmar que o veículo contribuía para a estruturação da hegemonia da fração de classe dominante, a burguesia financeira, principal beneficiária da reforma. Antes de entrar na discussão sobre a forma na qual Brasil de Fato cobriu a reforma da previdência, é necessário discutir um pouco de sua história ± que será aprofundada no capítulo 3. Ele foi lançado oficialmente no dia 25 de janeiro de 2003, a partir das  O Estado é responsável, entre outras coisas, pela manutenção da propriedade cruzada dos meios de comunicação e por garantir grande parte de verbas publicitárias para estes meios. 48 GRAMSCI, op. cit. 2000, p. 21 49 Idem. 47

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discussões do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, e teve seu primeiro exemplar publicado no dia 8 de março do mesmo ano, vendido pelo preço de 2 reais. Segundo Rozinaldo Antônio Miani50, este jornal foi formado a partir da vontade de diferentes setores da esquerda brasileira de disputar a hegemonia na sociedade, em diálogo não só a nível nacional, mas também com outros setores da esquerda latino-americana. Ou seja, desde a sua fundação, Brasil de Fato se propunha a ser um veículo contra hegemônico. Ainda segundo Miani, tal tentativa não era inédita na sociedade brasileira, mas outras que atuaram no sentido de emplacar um veículo de comunicação não foram bem-sucedidas e/ou duradouras para as lutas sociais no Brasil51. Vale lembrar que o autor também ressalta que não se disputa a hegemonia com um único veículo de comunicação, mas a partir de uma série de frentes que podem gerar um determinado consenso por parte da maioria dos indivíduos da sociedade. Este trabalho não tem alcance para destrinchar todos os aspectos da disputa pela hegemonia na sociedade brasileira no período 2003-2014, mas a comparação entre Brasil de Fato e O Globo pode ajudar a verificar quais são as estratégias adotas por cada veículo para gerar um convencimento por parte de seus públicos. As consultas ao jornal Brasil de Fato foram realizadas on-line a partir do portal Issuu52. Nele, encontram-se diversas edições inteiras do jornal, que permitem ao pesquisador ter acesso gratuito às suas edições. No que diz respeito à reforma da previdência, em sua edição de 21 a 27 de agosto (apenas a vigésima quinta do jornal)53, verificou-se algo que foi difícil de encontrar nas páginas de O Globo: o destaque para a luta dos trabalhadores. A manchete de capa do MRUQDOGL]LD³6HUYLGRUHVGDHGXFDomRUHSXGLDPUHIRUPD´,GHQWLILFD-se uma foto de uma  MIANI, Rozinaldo Antonio. Imprensa das classes subalternas: atualização e atualidade de um conceito. Em Questão, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 193-208, jan. /jun. 2010. p. 202 51 Os exemplos de A lanterna, durante a primeira república e Opinião, durante a ditadura empresarial-militar são apenas alguns de variados exemplos que podem ser pesquisados. Ver: FERREIRA, Maria Nazareth. A imprensa operária no Brasil (1880 ± 1920). Petrópolis, Vozes, 1978, e MACHADO, J. A. Pinheiro. Opinião x Censura: momentos de luta de um jornal pela liberdade. São Paulo, L&PM, 1978. 52 http://issuu.com/brasildefato 53 BRASIL DE FATO: Uma visão popular do Brasil e do Mundo. São Paulo, 21 ago. 2003. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. Ϯϵ  50

manifestação contra a reforma na qual 20 mil pessoas estiveram presentes em Brasília, VHJXQGRRSUySULRMRUQDO$SiJLQDGL]LDHPVXDPDQFKHWH³8PVRQRURµQmR¶jUHIRUPD GD SUHYLGrQFLD´ $EDL[R HUD SRVVtYHO YHULILFDU XPD IRWR QD TXDO SURILVVLRQDLV sindicalizados ligados à área da educação pública mostravam sua insatisfação com tal proposta, uma das primeiras a ser discutida pelo novo governo. Um pouco antes, na segunda tiragem do jornal, foi possível verificar um viés classista na cobertura sobre as questões da previdência. Uma das manchetes que estampava a primeira página do jornal (que esteve em divulgação entre os dias 16 e 22 de PDUoR GL]LD³)XQGRVGR,166YmRSDUDEDQTXHLURV´ 54. Na página 4 desta mesma edição, a matéria referente ao assunto estamSDYDDPDQFKHWH³,166WHPGLQKHLUR3HUJXQWHDRV EDQTXHLURV´2MRUQDOGHQXQFLDYDTXHKDYLDXPDVpULHGHLQWHQWRVSRUSDUWHGRJRYHUQR da época, assim como dos anteriores em difundir a ideia de que se a previdência FRQWLQXDVVHFRPRVVHXV³DOWRVJDVWRV´ o Brasil quebraria economicamente. O ponto de vista - mais que explícito, diga-se de passagem - do jornal foi expressado a partir de um claro descontentamento com a política previdenciária, uma vez que, os motivos pelos quais se intentava diminuir os custos do governo com a previdência, de acordo com o pensamento expressado pelo veículo, atendiam mais aos interesses da burguesia financeira e especulativa do que os interesses das contas públicas do Estado brasileiro, e claramente, dos trabalhadores. Diferentemente de O Globo, Brasil de Fato ofereceu a seus leitores a ideia de que a política previdenciária poderia ser guiada por outro viés, tocando em uma questão classista. Sendo assim, o jornal se aproximou de um tipo de discussão que Gramsci provavelmente cKDPDULDGH³*UDQGH3ROtWLFD´ A visão do jornal é reiterada por Ivonete Boschetti55. Ao analisar como as reformas da previdência, desde a década de 1990, condicionaram a seguridade social brasileira, a autora coloca em xeque os argumentos governamentais que tentavam justificar o corte de custos nessa área. Ainda segundo ela, o déficit entre a receita e a  BRASIL DE FATO: Uma visão popular do Brasil e do mundo. São Paulo, 16 mar. 2003. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 55 BOSCHETTI, Ivanete. Implicações da reforma da previdência na securidade social brasileira. Psicologia & Sociedade; 15 (1): 57-96; jan. /jun.2003 ϯϬ  54

despesa não era um argumento que se justificava na prática, mas sim que era utilizado para legitimar um processo de descaracterização da previdência enquanto um sistema de proteção social. Sendo assim, foi possível verificar, durante o processo de disputas que levou à aprovação e positivação da reforma da previdência, que os jornais colocaram em prática dois tipos de cobertura que eram pautadas por diferentes interesses de classe, e consequentemente, produziram jornalismos diferenciados um do outro. Nessas disputas, os jornais mostraram pontos de vistas divergentes, sendo que em Brasil de Fato, o posicionamento político é muito mais claro do que em O Globo. Tal constatação permite ao leitor verificar que a cobertura jornalística, independentemente do veículo, não é neutra e objetiva, como alguns veículos e jornalistas insistem em afirmar. Além disso, permitem ao leitor fazer uma análise sobre as disputas pela hegemonia e as diferentes estratégias adotadas pelos meios de comunicação para alcança-la.

As cotas raciais nas universidades Finalizada a exposição em torno da reforma da previdência, será feita agora uma discussão sobre como ambos os jornais trataram da positivação de ações afirmativas para negros, pardos e índios nas universidades brasileiras. É necessário frisar que a discussão HPWRUQRGDV³FRWDV´JDQKRXPXLWDYLVLELOLGDGHDSDUWLUGHTXDQGRD8QLYHUVLGDGH do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) se tornou a primeira a reservar uma parcela de suas vagas para estudantes afrodescendentes e indígenas. Apesar da primeira experiência ter se dado em 2003, a maioria das universidades federais brasileiras só foi adotar tal política a partir de 2009. Trata-se de uma questão que divide opiniões até o momento em que este trabalho é escrito. Desta forma, o que é divulgado pelos meios de comunicação e os debates em torno de tal proposta servem ± e muito ± para a formação da opinião pública56, fundamental para a geração de consenso. Sendo assim, buscarei analisar a cobertura dos  Tomo como referência o conceito de opinião pública a partir da leitura de Patrick Charaudeau. Ver: CHARAUDEAU, Patrick. A conquista da opinião pública: como o discurso manipula as escolhas políticas. São Paulo: Contexto, 2016. ϯϭ 

56

jornais durante o ano de 2009, a fim de comparar o posicionamento político de ambos em relação às ações afirmativas para negros, pardos e índios nas universidades brasileiras. Os resultados que podem ser observados com a análise permitem ao pesquisador identificar, parcialmente, qual modelo de sociedade é defendido por cada veículo. Antes de entrar na análise específica sobre a cobertura dos meios de comunicação, é preciso explicar de onde vem tal proposta de se reservar vagas a partir de critérios raciais nas universidades federais brasileiras. É necessário ter em mente que um dos traços culturais da sociedade brasileira é o racismo. O Brasil é um país que conviveu com a escravidão durante séculos, sendo o último a aboli-la oficialmente no continente americano57, no ano de 1888. Mesmo no pós-abolição, os antigos escravizados se mantiveram, majoritariamente marginalizados, sem acesso à terra, moradia e os direitos mais básicos do ser humano. No entanto, é extremamente problemático afirmar que os(as) negros(as) e os descendentes das populações nativas da América são apenas vítimas de sua própria história, e não agentes. Historicamente, as populações marginalizadas devido aos seus traços físicos se mobilizaram em torno de ideias que combatiam ± e que ainda combatem ± esse tipo de opressão58. O resultado da positivação das ações afirmativas para os grupos sociais oprimidos advém da luta por melhores condições de vida por parte deles próprios, em um contexto histórico no qual aumenta a demanda por parte daqueles menos privilegiados pelo acesso ao ensino superior, com destaque para a atuação do movimento negro. Seria uma ingenuidade acreditar que o Estado brasileiro, historicamente composto, em sua maioria, por homens brancos de origem afortunada, formulasse voluntariamente qualquer tipo de política pública que favorecesse os setores mais pauperizados e estigmatizados da sociedade. Partindo deste princípio, é possível, então, iniciar as discussões sobre a cobertura dos jornais.  Outros países fora do continente americano aboliram a escravidão oficialmente depois do Brasil. Os casos mais recentes são o do Paquistão, que aboliu a escravidão por dívidas no ano de 1992, e o da Mauritânia, onde esse tipo de regime de trabalho foi abolido em 1985. Ver: PÉTRÉ-GRENOUILLEAU, Olivier. A história da escravidão. São Paulo, Boitempo, 2009. 58 Sobre as condições de vida e a atuação dos libertos no pós-abolição, ver: RIOS, Ana Maria; MATTOS, Hebe Maria. O pós-abolição como problema histórico: Balanços e perspectivas. Topoi, v. 5, n. 5, p. 170-198. 01/2004. Disponível em: http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/Topoi08/topoi8a5.pdf. Acesso em: 27/07/2015 ϯϮ  57

Como grande parte dos debates em relação à reserva de vagas para negros pardos e índios ocorreu no ano de 2009, quando houve uma reformulação na forma de acesso às universidades federais brasileiras, escolhi delimitar o recorte temporal da análise dos jornais a este ano. Através do acervo on-line de O Globo, que permite a realização de pesquisas a partir de buscas por palavras-chaves, foi possível encontrar cerca de 32 páginas que versavam sobre o tema. É impossível, devido às limitações deste trabalho, analisar minunciosamente todas elas. Sendo assim, foi feita a escolha por dissertar sobre as páginas onde o conteúdo publicado visava, explicitamente, apresentar o ponto de vista dos autores sobre o tema. Tal seleção não é aleatória. A escolha por artigos contendo a opinião dos(as) autores(as) é especialmente importante porque são nessas partes onde podemos verificar com mais clareza o posicionamento político de um veículo de comunicação e identificar eventuais dissensos que podem ocorrer dentro do mesmo. As exposições de opiniões, em um jornal de grande tiragem e um dos maiores em circulação no país tem fundamental importância no que diz respeito à formação da opinião pública e na geração de consenso em torno de valores morais, ações, visões de mundo e projetos de poder. No dia 2 de fevereiro de 200959, O Globo publicou um artigo editorial, em sua sexta página, criticando o projeto de lei que criava a reserva de vagas baseadas em critérios raciais. Nele, o veículo carioca afirmava que a aprovação da lei 73/99 reduziria a importância do mérito acadêmico e privilegiaria a cor da pele nos processos seletivos. Além disso, argumentava dizendo que, caso tal projeto fosse colocado em prática, uma série de estudantes despreparados assumiria cadeiras nas universidades, e que consequentemente, formaríamos profissionais menos qualificados. Para O Globo, a solução passava por melhorias no ensino básico, e que a aprovação da lei de cotas seria uma vitória para políticos populistas que não visavam a real solução do problema na

 O GLOBO. Rio de Janeiro, 2 fev. 2009. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 59

ϯϯ 

educação pública brasileira. O artigo não fazia menção a qualquer dado ou fonte que embasasse seu posicionamento político, claramente contrário às cotas. Na mesma página, um artigo que se encontrava abaixo deste que acaba de ser mencionado, assinado por Gilmar Machado60, argumentava a favor da aprovação da lei 73/99, justificando seu ponto de vista a partir de dados ± nos quais as fontes não foram mencionadas ± que explicitavam que em pleno século XXI, havia uma série de diferenças entre brancos e negros no Brasil no que diz respeito à grau de escolarização, renda, emprego, entre outros fatores. Sendo assim, verificou-se que o jornal abriu espaço a opiniões divergentes em sua edição, deixando claro qual era a opinião de O Globo e que havia uma outra forma de se interpretar o projeto de lei.61 Poucos dias depois, na edição de 5 de fevereiro de 2009 62, Demétrio Magnoli63 publicou um artigo que, em muitos pontos, corrobora com a opinião publicada pelo jornal O Globo dias antes. Para este autor, a lei 73/99, caso fosse aprovada, seria a primeira lei racial da história brasileira. Além disso, Magnoli afirmou não existir um movimento negro organizado no Brasil, ± como ocorrera em países como os EUA e a África do Sul ± prevalecendo, no caso, a pressão de algumas ONGs racialistas que não possuíam legitimidade para pressionar o congresso em prol da aprovação da lei, uma vez que a maioria dos brasileiros não concordava com a separação de vagas de acordo com critérios raciais. Assim como o primeiro texto que foi discutido, Magnoli enfatizava a necessidade de se investir em educação pública, para que as cotas não se fizessem necessárias. Inclusive, lembrou de um projeto de lei de autoria do então senador Demóstenes Torres (DEM ± GO) que visava garantir o ensino integral nas escolas públicas, que segundo ele, seria economicamente viável.

 Professor de História e então vice-líder do governo no congresso nacional. 61 Na página onde constam os textos, acima do primeirRpSRVVtYHOYHULILFDUTXHKiRVGL]HUHV³1RVVDRSLQLmR´H DFLPDGRWH[WRGH*LOPDU0DFKDGRHVWiHVFULWR³2XWUDRSLQLmR´ 62 O GLOBO. Rio de Janeiro, 5 fev. 2009. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 63 Sociólogo e doutor em geografia humana pela Universidade de São Paulo (USP). 60

ϯϰ 

Curiosamente (ou não), no dia 9 de fevereiro de 200964, Demóstenes Torres viria a ser mencionado novamente em um artigo em O Globo. Dessa vez, o autor era o jornalista Carlos Alberto di Franco. Ao abrir espaço para o então senador do Democratas, este afirmou que o PL 73/99 faria com que a sociedade brasileira se visse dividida, porque tal proposta estimularia o ódio entre raças. Posteriormente, o autor fez menção à obra de Ali Kamel65, diretor de jornalismo das organizações Globo, para afirmar que o Brasil nunca foi um país racista, no qual havia algumas pessoas racistas. Assim como os demais textos ± à exceção do de Gilmar Machado ± di Franco afirmou que a solução para tal problema VH HQFRQWUDYD QD PHOKRULD GD HGXFDomR S~EOLFD $OpP GLVVR DILUPRX TXH ³RV QHJURV EUDVLOHLURVQmRSUHFLVDPGHIDYRU´ Na edição de 17 de março de 200966, em outra coluna de opinião, O Globo apresentou, mais uma vez, uma série de argumentos posicionando-se contrário às cotas raciais e ao Estatuto da Igualdade Racial, que previa não só a reserva de vagas para minorias étnicas nas universidades, mas também no mercado de trabalho. O texto afirmava, além de alguns pontos já vistos anteriormente, que a medida que previa tal tipo de distribuição de vagas nas universidades era uma armadilha perigosa para o país. Apesar de reconhecer a necessidade de políticas públicas que visassem combater a desigualdade social, o jornal foi enfático ao afirmar que tal medida tinha cunho discriminatório e racista. Além destes cinco textos de cunho opinativo, foi possível encontrar mais 14 que versavam sobre a reserva de vagas para negros índios e pardos nas universidades brasileiras. Como, muitas vezes, os argumentos tendem a tornar-se repetitivos para ambos os lados, optou-se aqui pela construção de uma tabela na qual é possível verificar a diferença quantitativa de posicionamentos pró-cotas contrários a elas.

 O GLOBO. Rio de Janeiro, 9 fev. 2009. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 65 KAMEL, Ali. Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2006. 66 O GLOBO. Rio de Janeiro, 17 mar. 2. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. ϯϱ  64

Tabela 1 ± Posicionamentos em relação às ações afirmativas em O Globo Data e Página

Autor(a)

Posicionamento

2 de fevereiro de 2009 ± 6

Editorial

Contrário às cotas.

2 de fevereiro de 2009 ± 6

Gilmar Machado

A favor das cotas.

5 de fevereiro de 2009 ± 7

Demétrio Magnoli

Contrário às cotas.

9 de fevereiro de 2009 ± 7

Carlos Alberto di Franco

Contrário às cotas.

17 de março de 2009 ± 6

Editorial

Contrário às cotas.

13 de abril de 2009 ± 7

Edson Santos

14 de maio de 2009 ± 7

Demétrio Magnoli

Contrário às cotas.

16 de maio de 2009 ± 6

Editorial

Contrário às cotas.

28 de maio de 2009 ± 6

Editorial

67

A favor das cotas.

Contrário às cotas.

2 de junho de 2009 ± 7

Luiz Garcia .

Contrário às cotas.

3 de junho de 2009 ± 7

Elio Gaspari69.

A favor das cotas.

4 de junho de 2009 ± 7

João Luiz Mauad70

Contrário às cotas.

68

22 de junho de 2009 ± 7

71

Raul Henry

26 de junho de 2009 ± 7

Rodrigo Constantino

28 de julho de 2009 ± Augusto Revista

Contrário às cotas. 72

Contrário às cotas.

Chagas74,

73

em A favor das cotas. 75

Magazine , entrevista a Lauro Neto

Página 3 3 de agosto de 2009 ± 6

Editorial

Contrário às cotas.

22 de setembro de 2009 - 6 Editorial

Contrário às cotas.

 Então ministro da igualdade racial. 68 Ex-editor de opinião de O Globo. 69 Colunista de O Globo. 70 Administrador de empresas. 71 Então deputado federal pelo PMDB do estado de Pernambuco 72 Economista ligado ao Instituto Millenium. No momento em que tal trabalho é escrito, trabalha como colunista da Revista Veja. 73 Revista anexa ao jornal. 74 Então presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), militante do Partido Comunista do Brasil (PC do B). 75 Repórter de O Globo. 67

ϯϲ 

6 de outubro de 2009 ± 6

Editorial

25 de outubro de 2009 ± 7

Roberta

Contrário às cotas. Fragoso

M.

Contrário às cotas.

Kaufmann76

Pelo que se pode verificar a partir da análise da Tabela 1, nas páginas dedicadas a exposição de opiniões, O Globo apresentou 19 textos que argumentavam acerca da reserva de vagas nas universidades federais brasileiras para estudantes negros, pardos e indígenas. Destes, 15 ± ou aproximadamente 79% - se posicionaram contrários à aprovação do PL 73/99, nos quais, grosso modo, os argumentos tenderam a defender a ³QmRUDFLDOL]DomR´GRSDtVHTXHRSUREOHPDGHGHVLJXDOGDGHQRTXHGL]UHVSHLWRDRDFHVVR ao ensino superior no Brasil não estava ligado a problemas relacionados ao racismo, mas sim à pobreza. Por outro lado, 4 textos ± ou aproximadamente 21% - se mostraram favoráveis à aprovação da lei. Todos eles tocavam em questões relacionadas a necessidade de se haver uma medida de ação afirmativas para diminuir as diferenças sociais, que no Brasil, se confundem com desigualdades raciais. Nenhuma das que defendiam o PL, no entanto, enfatizava que a tramitação projeto de lei advinha de pressões dos movimentos sociais, de setores organizados da sociedade civil. Apenas aquelas que se posicionavam contrárias às cotas lembraram de tal fato, ainda que fosse para desmoralizá-los, afirmando que ONGs e movimentos sociais não poderiam se afirmar como representantes da sociedade e que os parlamentares deveriam pensar mais QRV FLGDGmRV ³GHVRUJDQL]DGRV´ Além disso, cabe ressaltar que, ao criticar as ações afirmativas baseadas em critérios raciais nas universidades brasileiras, nenhuma delas assinalou que as reservas de vagas também previam recortes sociais, baseados em critérios de renda e origem escolar77.

 Mestre em direito, ligada ao instituto Millenium. 77 Sobre os diferentes recortes (de classe, raça e origem escolar), ver: FERES JÚNIOR, João; DAFLON, Verônica Toste. A nata e as cotas raciais: genealogia de um argumento público. Opinião Pública, Campinas, v. 21, n. 2, p.238-267, ago. 2015. 76

ϯϳ 

Segundo Petrônio Domingues78, o Brasil é um país no qual os indicadores sociais andam ao lado dos indicadores raciais. A segregação social leva a marca do racismo 79. Em seu texto, o autor defende a ideia de que os aspectos que fazem da sociedade brasileira uma sociedade racista variam desde a porcentagem de negros desempregados, até a expectativa de vida dos mesmos, passando, obviamente, pela entrada nos cursos de ensino superior. À época da publicação de seu artigo (2005), 97% dos universitários eram brancos, 2% eram negros e 1% eram descendentes de orientais80. É importante frisar que tal recorte nada tem a ver com aspectos genéticos. Sendo assim, uma pessoa que tem 80% de sua herança genética de descendentes europeus, mas que por ventura, tenha a pele negra e/ou qualquer outro traço físico que remeta à negritude, é considerada negra. O que entra em questão então, é a discriminação do ser humano a partir de suas características físicas, como a cor da pele, cabelos e traços estéticos-corporais. Nenhum dos colunistas de O Globo apontou que, antes de algumas universidades adotarem sistemas de cotas, o que havia, na prática, era uma reserva de vagas ± não explícita ± para estudantes brancos, a maioria advinda das camadas médias ou das famílias burguesas. Sendo assim, ao se posicionarem contrariamente ao PL 73/99, o que se defendia, na verdade, era que uma geração de milhares de estudantes negros, pardos e indígenas ficassem de fora do ensino superior público brasileiro. Como ³VROXomR´ GHIHQGLDP XPD SURSRVWD JHQpULFD ± investimentos no ensino básico ± que levaria, no mínimo, uma década e meia para ter resultados práticos, haja vista que os investimentos em educação básica possuem retornos de médio e longo prazo. Logo, podemos identificar em O Globo uma postura conservadora, ainda que eventualmente houvesse espaço para vozes divergentes que se alinhavam a um discurso mais progressista dentro do jornal. O jornal Brasil de Fato, por sua vez, não dedicou intensa cobertura à aprovação do PL 73/99. Durante todo o ano de 2009, foi possível verificar apenas uma reportagem  DOMINGUES, Petrônio. Ações afirmativas no Brasil: O início de uma reparação histórica. Revista brasileira de educação, n. 29, p. 164-177. 05/2005. 79 Idem, p. 165 80 Ibidem. 78

ϯϴ 

que fazia referência à reserva de vagas para estudantes negros, pardos ou indígenas nas universidades federais do Brasil. Tratava-se de uma reportagem divulgada na edição 343, em circulação na semana de 24 a 30 de setembro de 200981. Nesta reportagem, Brasil de Fato seguiu sua tendência de ouvir militantes de movimentos sociais e ativistas envolvidos com determinada pauta. Ao comentar a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, o jornal problematizou o fato de alguns pontos considerados fundamentais para a promoção de uma redução nas desigualdades raciais terem sido retirados do texto final do Estatuto. Entre elas, estava a retirada da obrigatoriedade de se aprovar as cotas, contestadas judicialmente por parlamentares do Democratas (DEM), além da demarcação de territórios quilombolas. A retirada de tais propostas do Estatuto foi criticada pelo jornal e pelos entrevistados pelo mesmo. Os agentes históricos ouvidos na reportagem foram Marcelo Paixão82 e Douglas Belchior83, duas pessoas envolvidas na luta antirracista. Ambos comemoraram a aprovação do instituto, que para eles foi uma demonstração de reconhecimento da necessidade de políticas públicas focadas na superação das desigualdades raciais por parte do Estado brasileiro. Porém, não deixaram de ressaltar a necessidade de se continuar avançando na conquista de mais direitos para os grupos oprimidos. No entanto, chama a atenção o fato de apenas uma reportagem ter contemplado o tema das ações afirmativas em prol de etnias historicamente segregadas na sociedade brasileira. Apesar de o jornal adotar uma postura claramente favorável à aprovação das reservas de vagas e ao Estatuto da Igualdade Racial, o jornal não fez uma cobertura extensa e não promoveu debates intensos em relação à temática. Há de se perguntar o porquê de tal constatação. Ao analisar a cobertura das edições de Brasil de Fato no ano de 2009, foi possível verificar que a maioria das manchetes e notícias em destaque no jornal faziam referência ao quadro político latino-americano, sobretudo de Venezuela,  BRASIL DE FATO: Uma visão popular do Brasil e do mundo. São Paulo, 24 set. 2009. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2016. 82 Então diretor de graduação da faculdade de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Movimento Negro do Rio. 83 Membro do conselho geral da União de Núcleos de Negros e Classe Trabalhadora (Uneafro). ϯϵ  81

Bolívia, Equador, Nicarágua e Honduras ± onde, no ano de 2009, o então presidente Manuel Zelaya foi vítima de um golpe militar. Então, talvez a resposta possa passar por uma proposta do jornal de dar foco a questões internacionais, uma vez que boa parte da mídia hegemônica tendeu a criminalizar os governos desses países por terem uma tendência de menor subordinação aos interesses do imperialismo, principalmente o norteamericano. Outro ponto que pode guiar tal resposta é apontado por Petrônio Domingues 84. Segundo o autor, uma parcela da esquerda marxista relutou em apoiar a aprovação das ações afirmativas nas universidades por se tratarem de uma política pública reformista, e não revolucionária, isto é, que não atingia as raízes do problema da desigualdade social e racial. Como Brasil de Fato se caracterizou por aglutinar diferentes pensamentos de esquerda em sua produção, torna-se razoável supor que não havia um consenso dentro de seu editorial capaz de fazer com que o jornal se empenhasse na causa de rebater os argumentos vindos dos meios de comunicação hegemônicos, notavelmente, contrários às ações afirmativas ± ainda que, como se viu em O Globo, houve espaço, mesmo que pequeno, para quem as defendessem. De qualquer forma, dadas as limitações desta pesquisa, não é possível formular uma resposta consistente que explique o porquê de Brasil de Fato ter dado tão pouca visibilidade a uma proposta que foi capaz de oferecer maiores oportunidades de acesso à educação de jovens pobres e etnicamente estigmatizados. Talvez uma futura pesquisa possa fornecer melhores elementos que respondam a tal questionamento.

A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) Cabe agora analisar a cobertura dos jornais no que diz respeito à criação da Empresa Brasil de Comunicação. Segundo Edna Miola85, as políticas públicas de comunicação que visavam fomentar uma regulamentação desta área no Brasil sempre foram poucas e, quando existiram, tenderam a privilegiar os setores dominantes do 84 85

 DOMINGUES, op. cit. 2005, p. 168. MIOLA, op. cit. 2011, p. 36 ϰϬ 

mercado. Ainda segundo a autora, a criação da EBC foi um marco importante para a história da comunicação brasileira pois, neste caso, ela surgiu de uma mobilização dos movimentos sociais em articulação com o governo federal, em detrimento dos interesses dos empresários do setor e de grande parte dos parlamentares do Congresso Nacional. Miola86 também reforça a ideia de que o Estado brasileiro primou, a partir do processo de redemocratização, por um modelo essencialmente privado de comunicação social em detrimento de um modelo que pudesse responder às demandas dos demais setores da sociedade, como as dos movimentos sociais. Tal prática fez com que os meios de comunicação tradicionais se transformassem em verdadeiros conglomerados, que se apoiaram, sobretudo, em uma estrutura que permitisse a existência da propriedade cruzada. A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) fez com que vários setores da sociedade civil organizada que se viram, ao mesmo tempo, esperançosos e temerosos em relação ao governo Lula, considerassem a criação da TV pública um passo à frente em relação a mudanças mais democráticas na comunicação brasileira. A medida provisória responsável pela criação desta empresa, que se formaria através da fusão da ACERP87 com a Radiobrás88 previa não só este ponto específico, mas também dissertava sobre o modelo de gestão a ser aplicado à empresa (Diretoria executiva, Conselho de Administração e um Conselho Curador, composto por membros do governo e da sociedade civil), além das formas de financiamento que teria a nova emissora (publicidade institucional, patrocínios, dotação orçamentária e prestação de serviços). Sendo assim, havia sido colocada na prática a ideia de uma televisão pública independente dos interesses editoriais dos grandes grupos de comunicação do país. Desta forma, cabe agora analisar como tal processo foi noticiado pelo maior jornal da maior empresa de comunicação do Brasil. Primeiramente, chama a atenção a pouca  Idem. 87 A Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto foi a organização social responsável pela criação da TVE do Rio de Janeiro em 1969. Em sua produção, historicamente, prezou pela difusão de conteúdo audiovisual de cunho educativo. 88 Empresa pública, fundada em 1975, que tinha como objetivo gerir as emissoras de radiodifusão pertencentes ao governo federal. ϰϭ  86

visibilidade dada à questão por parte de O Globo. Na pesquisa realizada através de seu acervo on-line, foi possível encontrar poucas páginas nas quais havia algum tipo de menção à criação de uma rede de televisão pública. No total, foram encontradas apenas 7 páginas no período que compreende outubro de 2007 e outubro de 2008, ou seja, 1 ano. Vale lembrar que O Globo é um jornal de circulação diária e um dos maiores do país no que diz respeito ao número de páginas por edição. A primeira das páginas encontradas, datada de 26 de outubro de 200789 (página 10) fazia uma breve menção à criação da empresa responsável por gerir a televisão pública. A notícia explicava resumidamente como havia sido criada a empresa, segundo DVSDODYUDVGRMRUQDOSRUXP³GHFUHWR´± o termo jurídico mais adequado seria Medida Provisória, ou MP ± do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de explanar, também de forma sucinta, a receita financeira da empresa e sua forma de estruturação. Neste caso, nenhum ator político foi ouvido pelo jornal. No entanto, 5 dias depois ± 31 de outubro de 2007 ± na sua décima primeira 90

página , O Globo dedicou uma reportagem cujo tamanho fora parecido com a explanada anteriormente na qual era possível destacar um posicionamento político por parte de algum agente histórico. Desta vez, fora ouvido um parlamentar da oposição. Neste caso, tratava-se de Paulo Bornhaussen representante do Democratas (DEM) do estado de Santa Catarina. Na reportagem, era possível identificar as críticas que a oposição conservadora ao governo petista fazia à criação da EBC. Segundo este grupo, a criação de uma rede de televisão pública era um risco à democracia pois havia a possibilidade de ocorrer a ³PRQWDJHPGHXPDJUDQGHPiTXLQDGHSURSDJDQGDSDUWLGiULD´FDVRD(%&IRVVHFULDGD Além do pronunciamento de um parlamentar da oposição, o jornal também ouviu Tereza Cruvinel, que viria a ser presidente da nova rede pública. Segundo ela, havia a garantia GH TXH R QRYR FDQDO GH FRPXQLFDomR QmR IDULD TXDOTXHU WLSR GH MRUQDOLVPR ³FKDSD O GLOBO. Rio de Janeiro, 26 out. 2007. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 90 O GLOBO. Rio de Janeiro, 31 out. 2007. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 89

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EUDQFD´LVWRpTXHVHIXUWDULDGH fazer críticas ao governo e que serviria simplesmente como máquina de propaganda petista. Assim como na cobertura em relação à reforma da previdência, a partir da análise das páginas de O Globo, foi possível verificar a tendência que Edna Miola91 apontou. Mais uma vez, houve um destaque muito maior aos atores institucionais, como parlamentares da oposição (de direita, é importante frisar) e membros do governo e pouco destaque a quem está fora da institucionalidade, como os trabalhadores e os movimentos sociais. A exceção (se é que pode se chamar dessa forma) à esta tendência, que pode ser verificada em O Globo, ocorreu na edição de 30 de outubro de 200892 (página 15), na qual uma greve de jornalistas e radialistas obteve destaque em uma reportagem. Nela, no entanto, apesar de haver um destaque das ações dos trabalhadores e de suas versões em relação às negociações das pautas, foi possível verificar também que a voz da direção da HPSUHVDREWHYHPDLVGHVWDTXHGRTXHDGRVWUDEDOKDGRUHV$OpPGLVVRRV³SUHMXt]RV´ decorrentes da paralisação dos trabalhadores também foram destacados. Para além do que foi noticiado pelo jornal, é necessário também refletir sobre o porquê de tal pauta ter tido pouca visibilidade em O Globo. Primeiramente, acadêmicos ligados à pesquisa na área da comunicação social, dentre eles Venício Lima93 e Edna Miola94, atentam para o fato de que a discussão sobre a regulamentação dos meios de comunicação no Brasil foi historicamente afastada da agenda pública de debates. Isto porque tal agenda é ditada justamente pelos meios de comunicação dominantes e/ou pelo Estado. Uma vez que, como Dênis de Moraes95 e Venício Lima96 expuseram, existe uma estrutura de comunicação que permite a propriedade cruzada e a prática do Coronelismo Eletrônico, não foi interessante para o Estado brasileiro e para os empresários da comunicação, no período pós-ditadura, investir em canais públicos de radiodifusão.  MIOLA, op. cit. 2011, pp. 42-43. O GLOBO. Rio de Janeiro, 30 out. 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 93 LIMA, op. cit. 2011. 94 MIOLA, op. cit. 2011. 95 MORAES, op. cit. 2011. 96 LIMA, op. cit. 2011. ϰϯ  91 92

Sendo assim, qualquer proposta em torno da regulação da comunicação social ou em torno do fortalecimento de meios públicos independentes dos canais privados seria ignorada e/ou atacada pelos meios dominantes e por parte daqueles membros do Estado que tivessem qualquer relação ou compromisso político com a comunicação privada. Sendo assim, a escassez de matérias de O Globo sobre a criação da Empresa Brasil de Comunicação diz muito mais sobre o seu posicionamento político nesta questão do que o que foi de fato noticiado, ainda que se possa tirar algumas conclusões a partir das poucas notícias veiculadas pelo jornal. É importante ter em mente, mais uma vez, que o caso aqui explicitado é apenas um dentre tantos outros. Miola97, por exemplo, verificou a mesma tendência em A Folha de São Paulo, um dos principais jornais impressos do país, ainda que na pesquisa feita por ela, tenha sido possível encontrar uma coluna de opinião que defendesse a criação da EBC, algo que não foi possível verificar em O Globo nesta pesquisa. O jornal Brasil de Fato, no que diz respeito à criação da EBC, adotou, como na reforma da previdência, uma postura diferente daquela adotada por O Globo. Foi possível verificar que o tema da regulamentação dos meios de comunicação, em especial do espaço da radiodifusão, teve um destaque maior que em O Globo. Inclusive, na sua edição número 221, o jornal estampou em sua página 9 a opção do então presidente venezuelano Hugo Chávez de não renovar a concessão do canal RCTV, uma das maiores concessionárias daquele país. Para o jornal, tal medida foi importante pois fez levantar um debate crucial em relação ao papel do empresariado na comunicação social de um país98. Em relação à questão da criação da Empresa Brasil de Comunicação especificamente, foi possível em Brasil de Fato, um jornal de circulação semanal, verificar que a temática em torno da criação da TV pública teve um número de reportagens parecido com o de O Globo, que é diário. Apesar de não encontrar tantas  MIOLA, op. cit. 2011. 98 BRASIL DE FATO: uma visão popular do Brasil e do mundo. São Paulo, 24 maio 2007. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2016. ϰϰ  97

matérias específicas entre os anos de 2007 e 2008, aquelas que tratavam do tema o abordaram de maneira distinta de O Globo. Primeiramente, na edição número 229, correspondente à semana de 19 a 25 de julho de 200799, o jornal chamava atenção, em sua página 8, para as definições políticas que estavam sendo formuladas pelo governo em relação à EBC. Algo que não foi possível verificar em O Globo presente na cobertura desta matéria de Brasil de Fato diz respeito à preocupação de ativistas da área de comunicação sobre a possibilidade da gestão da empresa que estava sendo criada ser, efetivamente, pública. O jornal, neste caso, seguiu a sua tendência de dialogar com as demandas dos movimentos sociais, quebrando a tendência jornalística de dar mais visibilidade aos atores políticos estabelecidos nas esferas institucionais. A edição 246 do jornal, que esteve em circulação na semana de 15 a 21 de novembro de 2007100, por sua vez, trouxe críticas à forma como estava sendo criada a EBC. Ao ouvir especialistas no assunto ± a saber: Valério Brito101, e Murilo Ramos102 - o jornal fazia uma crítica que já ficava visível na própria manchete da notícia, que dizia: ³79 S~EOLFD FDGD YH] PDLV HVWDWDO´ 1HOD RV DFDGrPLFRV VXSUDFLWDGRV FULWLFDUDP respectivamente, 1) o modelo de organização da empresa que estava a ser implementado, no qual, segundo Brito, o poder executivo poderia fazer diretamente a indicação dos conselhos de gestão da EBC e 2) O fato da empresa ser criada por uma Medida Provisória (MP) e não por um Projeto de Lei (PL), que segundo Ramos, poderia fazer com que houvesse mais discussões parlamentares sobre a forma de funcionamento da Empresa Brasil de Comunicação. Sendo assim, o processo se tornaria antidemocrático. Brasil de Fato também denunciou, nesta mesma reportagem103, que a EBC, de acordo com a proposta em jogo, ficaria praticamente sob responsabilidade exclusiva da presidência da  BRASIL DE FATO: uma visão popular do Brasil e do mundo. São Paulo, 19 julho 2007. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2016. 100 BRASIL DE FATO: uma visão popular do Brasil e do mundo. São Paulo, 15 novembro 2007. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2016. 101 Professor da pós-graduação em comunicação da Universidade do Vale do Rio Sinos (Unisinos/RS) 102 Professor do laboratório de políticas de comunicação da Universidade de Brasília (UNB) 103 A jornalista responsável por ela é Mayrá Lima, do Distrito Federal. ϰϱ  99

república. De acordo com a matéria, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria o poder de indicar 80% do conselho administrativo da empresa e 95% do conselho curador, que seria responsável pelas diretrizes da televisão pública. O jornal, além de corroborar com as críticas ao governo, também refutou os posicionamentos dos parlamentares da oposição pertencentes ao DEM e ao PSDB, que segundo eles, eram ligados à grande mídia corporativa e não teriam qualquer interesse em positivar a criação de uma rede de televisão pública. Verifica-se então, que neste ponto, o jornal adotou um posicionamento independente do governo e de sua oposição de direita. No entanto, na semana de 29 de novembro de 2007 a 5 de dezembro do mesmo 104

ano , o jornal publicou em sua quarta página uma entrevista com Tereza Cruvinel, aquela que viria a ser a presidente da EBC. O jornal ressaltou a história profissional de Cruvinel, que trabalhara por 10 anos como colunista de O Globo, o que fazia com que a indicação do nome dela à presidência da empresa causasse uma certa apreensão por parte do próprio jornal e dos movimentos comprometidos com o fortalecimento da comunicação pública. Na entrevista, foram abordados temas como o pensamento teórico em comunicação de Cruvinel, a criminalização dos movimentos sociais por parte da mídia hegemônica, e os princípios jornalísticos editoriais da TV pública. Em linhas gerais, a presidente afirmou-se intelectualmente eclética, variando suas preferências por Gramsci, Bobbio e Chomsky, negou a existência de criminalização dos movimentos sociais pela mídia hegemônica, naturalizando o fato da mídia comercial refletir os interesses das classes dominantes, além de afirmar que a TV Brasil se basearia no princípio jornalístico da isenção. Por fim, foi possível encontrar, tanto em O Globo, quanto em Brasil de Fato, uma matéria que versava sobre o mesmo tema: a criação do conselho curador da EBC, que seria formado por um grupo de quinze pessoas, a saber: Cláudio Lembo 105, Delfim

 BRASIL DE FATO: uma visão popular do Brasil e do mundo. São Paulo, 29 nov. 2007. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 105 Ex-governador de São Paulo, membro do DEM, advogado e professor de direito da Universidade de São Paulo 104

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Netto106, Ângela Gutierrez107, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho108, Maria da Penha Maia109, Rosa Magalhães110, Luiz Gonzaga Belluzzo111, Isaac Pinhanta112, Ima Vieira113, Luiz Edson Fachin114, Lúcia Willadino Braga115, MV Bill116, José Paulo Cavalcanti Filho117, Wanderley Guilherme dos Santos118 e José Martins119. Além desses, os ministérios da Comunicação, Educação, Cultura e Ciência e tecnologia estariam envolvidos com a curadoria. No que diz respeito à nomeação dos curadores pela presidência da república, as coberturas de ambos os jornais foram completamente distintas. O Globo, no dia 27 de novembro de 2007, caracterizou a formação do conselho como eclética120. A própria manchete da notícia já anunciava tal interpretação. Além disso, O Globo destacou o fato de que Boni era o único pertencente ao meio televisivo e o único jornalista era José Paulo Cavalcanti Filho. Na discussão que guiou a construção desta reportagem, foram ouvidos o então ministro das comunicações, Franklin Martins e Tereza Cruvinel, que viria a presidir a empresa. Ambos endossavam o posicionamento de que as escolhas por aqueles nomes seriam acertadas porque o grupo de 15 curadores englobava pessoas de diferentes profissões, regiões do Brasil e pontos de vista diversos.  Ex-ministro da fazenda, foi um dos principais formuladores da política econômica da ditadura empresarialmilitar brasileira, responsável, entre outras coisas, por um aumento na concentração de renda no país. 107 Empresária, então integrante do conselho consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional. 108 Mais conhecido como Boni, empresário e consultor da Rede Globo de comunicações. 109 Biofarmacêutica, famosa por dar nome a uma lei que leva seu nome, que visa proteger as mulheres que sofrem violência doméstica. 110 Carnavalesca ligada ao G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense, localizada no bairro de Ramos, zona norte do Rio de Janeiro. 111 Economista e professor da Unicamp, viria posteriormente a se tornar presidente da Sociedade Esportiva Palmeiras, um dos clubes mais populares do estado de São Paulo. 112 Então presidente da Organização dos professores indígenas do Acre, membro da tribo Ashaninka. 113 Engenheira agrônoma e doutora em ecologia. Pesquisadora da biodiversidade na Amazônia. 114 Professor de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 115 Então diretora da Rede Sarah de hospitais. 116 5DSSHUPHPEURGD&HQWUDOÒQLFDGDV)DYHODV &8)$ )LFRXIDPRVRSRUGLULJLURGRFXPHQWiULR³)DOFmR PHQLQRVGRWUiILFR´TXHIDODVREUHDYLGDGHMRYHQVIDYHODGRVTXHHQWUDPSDUDRPXQGRGRFULPH 117 Advogado e Jornalista, dirigia a Empresa Brasileira de Notícias na época do governo Sarney. 118 Professor aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 119 Engenheiro mecânico que esteve historicamente ligado a empresas de fabricação de ônibus e carrocerias. 120 O GLOBO. Rio de Janeiro, 27 nov. 2007. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 106

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Brasil de Fato, em sua edição n° 249121, em circulação na semana de 6 a 12 de dezembro de 2007, por sua vez, enfatizou que dentre os 15 membros escolhidos para a formação do conselho pela presidência da república não havia qualquer representante de organizações sociais ou movimentos ligados às lutas dos trabalhadores. Para embasar sua crítica, o jornal concedeu espaço à João Felício, membro da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e João Brant, membro do coletivo Intervozes ± que tem como pauta principal a democratização dos meios de comunicação no Brasil. Para o primeiro, a composição do conselho deveria ser mais eclética e chamar membros de setores organizados da classe trabalhadora, como a própria CUT ou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Já o segundo afirmou não se sentir representado por nenhum dos 15 membros, por se tratarem de escolhas conservadoras e elitistas. Para Brant, a sociedade civil deveria escolher os conselheiros, e não a presidência da república. Sendo assim, a cobertura de ambos os jornais em relação à criação da EBC permite ao pesquisador constatar algumas conclusões. A primeira delas é que tal assunto apareceu como secundário na construção das pautas de ambos os jornais. Em nenhum deles, a proposta de criação da EBC foi destaque em suas capas, ± ao contrário da reforma da previdência, por exemplo ± e na maioria dos casos, as notícias que apareceram nos jornais tiveram tamanho modesto, com exceção da entrevista feita com Tereza Cruvinel por Brasil de Fato, que ganhou uma página inteira. A segunda delas é que os jornais mantiveram as tendências que lhes são características no que diz respeito à visibilidade dos agentes sociais. Enquanto em O Globo foi possível verificar que os agentes ligados à esfera institucional tiveram maior destaque, sendo que neste caso, em especial, não foi possível verificar nenhuma reportagem na qual o veículo tenha concedido espaço aos movimentos sociais, em Brasil de Fato percebe-se uma preocupação em estabelecer diálogos com ativistas. No entanto, a maior reportagem do jornal em relação à criação da EBC foi a entrevista com Tereza Cruvinel, presidente da empresa, e obviamente ligada ao aparato estatal.  BRASIL DE FATO: uma visão popular do Brasil e do mundo. São Paulo, 6 dez. 2007. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. ϰϴ 

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A terceira é que se verifica que meios de comunicação distintos possuem estratégias distintas para tentar convencer o(a) leitor(a) a se aproximar de sua linha editorial. Enquanto Brasil de Fato adotou um posicionamento político mais claramente assumido, O Globo optou por mantê-lo mais implícito, o que não significa, de forma alguma, que o jornal tenha assumido uma postura imparcial122. Tais estratégias giram em torno da produção de consenso em relação a um determinado projeto de sociedade, uma vez que o que estava em jogo, era a formação de um veículo de comunicação pública a nível nacional. Os grandes empresários que controlam a comunicação no Brasil, tinham, então, interesses para: 1) negligenciar o tema e não colocá-lo na agenda pública de discussão; 2) nas raras vezes em que o tema fosse tratado, conceder espaço àqueles contrários à proposta; 3) uma vez que a criação se tornasse inevitável, se articulassem para que seus interesses não fossem colocados em xeque pela TV pública ± daí o interesse de Boni em participar do conselho curador da empresa e 4) excluir os ativistas ligados à movimentos sociais pró-democratização da comunicação de suas edições, para que estes fossem conhecidos o menos possível por grande parte da população. Aqueles que não fazem parte do grande empresariado que comanda a maior parte dos veículos de comunicação, por sua vez, também tentam se contrapor ao discurso hegemônico e questionar as ações e estratégias daqueles que detêm a hegemonia. Daí a busca por quebrar tendências estéticas e jornalísticas que vigoram em grande parte da imprensa comercial.

O Marco Civil da Internet A última das medidas a ser analisada é o Marco Civil da Internet. A escolha por tal tema advém da importância adquirida pela internet a partir do final do século XX, no qual o número de pessoas com acesso a ela aumentou significativamente. Este processo fez com que tal meio se tornasse extremamente relevante no que diz respeito ao acesso à informação, participação de debates que pautavam a agenda pública de discussões,  Dentro da perspectiva teórica aqui adotada, acredita-se que é impossível que qualquer veículo de comunicação seja completamente imparcial. Ver: FONTES, op. cit. 2008. ϰϵ  122

entretenimento, articulação política, divulgação de eventos, entre outros fatores. Inclusive, as fontes utilizadas para a realização desta pesquisa foram encontradas através da internet, o que, de certa forma, demonstra um aumento da participação de tal ferramenta em diferentes níveis da vida em sociedade, inclusive na produção historiográfica. Sua importância tem adquirido cada vez mais força na vida social, política, econômica e cultural, ainda que, no momento em que escrevo esta pesquisa, estima-se que metade dos brasileiros não disponha de acesso à internet123. No entanto, até meados de 2014, o Brasil não possuía uma regulamentação precisa para a exploração e utilização deste meio. Segundo os autores Rafael Cardoso Sampaio, Rachel Callai Bragatto e Maria Alejandra Nicolás124, até o ano de 2009, tramitavam no congresso nacional 26 propostas legislativas que buscavam regulamentar a internet no Brasil, sendo que destas, ganhava destaque o PL 84/99, do então senador do PSDB de Minas Gerais Eduardo Azeredo, que fora apelidado por alguns meios de comunicação de ³$,-GLJLWDO´125. Com a possibilidade de aprovação das medidas previstas no projeto de lei supracitado, o Ministério da Justiça resolveu lançar uma consulta pública para aprovar XPDOHLTXHVHULDXPDHVSpFLHGH³FRQVWLWXLomRGDLQWHUQHW´TXHYLULDDVHUFRQKHFLGD como o Marco Civil da Internet. A intenção era que o novo projeto fosse amplamente debatido pela sociedade civil afim de garantir direitos de liberdade e privacidade dos usuários e a neutralidade da rede, entre outras questões. O texto final da lei aprovada em 2014 pelo congresso nacional126 deu força legal à garantia de privacidade dos usuários, isto é, que eles não pudessem, legalmente, ter seus arquivos, trocas de mensagens, entre  As informações são do site da BBC e podem ser encontradas em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/04/150429_divulgacao_pnad_ibge_lgb (Acesso em 15/07/2015 às 01:33) 124 SAMPAIO, Rafael Cardoso; BRAGATTO, Rachel Callai; NICOLÁS, Maria Alejandra. Inovadora e democrática. Mas e ai?: Uma análise da primeira fase da consulta online sobre o Marco Civil da Internet. Curitiba: V Congresso da Compolitica, 2013. 125 Tal apelido fazia menção ao Ato Institucional n° 5 da ditadura civil-militar brasileira, responsável pela cassação de diversos direitos civis dos brasileiros. O PL 84/99 previa, entre outras medidas, a criminalização de uma série de ações corriqueiras feitas pelos internautas brasileiros, como fazer download de álbuns sem o pagamento de direitos autorais. 126 O texto do Marco Civil da Internet pode ser acessado em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/912989.pdf ϱϬ  123

outras coisas acessadas sem a existência de mandado judicial. Além disso, aprovou que as provedoras de rede sejam proibidas de cortar a conexão de seus clientes, a não ser que haja descontos na conta a ser paga pelo serviço em decorrência da interrupção, e previa também, que o direito de acesso à internet estaria atrelado ao exercício da cidadania. Sendo assim, como nos outros três casos analisados anteriormente, os jornais O Globo e Brasil de Fato serão analisados a fim de verificar quais são as diferenças ou semelhanças entre ambos e identificar como estes buscam se enquadrar dentro das disputas por hegemonia exercidas na sociedade, das quais, certamente os jornais participam e ± ainda no século XXI ± têm bastante importância. A pesquisa em relação ao jornal O Globo pode ser realizada a partir de buscas por palavras-chaves em seu acervo on-line. Como se trata de uma lei aprovada em meados de 2014, foi feita a opção de analisar a cobertura do jornal a partir de 2013 porque, ainda que o projeto de lei tivesse sido apresentado em 2011, a maioria das referências à lei só ocorreram a partir daquele ano. Além disso, uma análise a partir de 2011 demandaria um esforço que iria além das possibilidades desta pesquisa. Em junho de 2013, foi possível encontrar 2 páginas com conteúdo relacionado ao Marco Civil da Internet. A primeira, datada do dia 16127, consta na vigésima nona página do jornal. Nela, a jornalista Mônica Tavares afirmava que escândalos de invasão de privacidade ocorridos nos Estados Unidos naquela época haviam reacendido a discussão sobre a necessidade de se proteger os internautas deste tipo de violação. A autora da matéria ouviu o deputado federal do Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, Alessandro Molon128, que fora o relator do projeto de lei. Ele afirmou que o texto se

 O GLOBO. Rio de Janeiro, 16 jun. 2013. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 128 Alessandro Molon, após o desgaste do segundo mandato de Dilma Rousseff ± que sequer foi concluído ± deixou o Partido dos Trabalhadores e migrou para a Rede Sustentabilidade, partido pelo qual concorreu à Prefeitura do Rio de Janeiro em 2016, tendo terminado o pleito em 8° lugar, com o total de 43.426 votos. 127

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encontrava pronto e corroborou com a interpretação de Tavares no que diz respeito aos ocorridos nos EUA e as discussões parlamentares brasileiras. Pouco mais de uma semana após a publicação da matéria de Mônica Tavares, no dia 24

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o próprio Molon teve um artigo seu publicado em O Globo. Nele, o deputado

ressaltava que o projeto havia sido considerado uma referência de legislação sobre a internet em diversos países do planeta e destacou três virtudes do mesmo: o impedimento à limitação das escolhas de navegação e download dos internautas, ± também conhecida como neutralidade da rede ± a garantia da liberdade de expressão on-line e a proteção da privacidade dos usuários. No entanto, o autor ressaltou a resistência por parte das empresas fornecedoras de conexão da internet no Brasil. Ao chamar atenção para este fato, o então deputado do Partido dos Trabalhadores indicava que existiam interesses de empresas de capital privado que estavam em jogo, uma vez que boa parte delas não estavam dispostas a se comprometer com o que estava previsto na lei. Sendo assim, era de se esperar que não seria fácil a aprovação do Marco Civil da Internet, uma vez que grande parte dos parlamentares brasileiros ± que tendem a defender no congresso, majoritariamente, os interesses da burguesia ± não veria tal aprovação com bons olhos. Por outro lado, movimentos sociais engajados na temática buscariam pressionar o Congresso Nacional para que o Marco fosse positivado. De junho de 2013 até junho de 2014, foi possível encontrar 23 páginas de O Globo que tratavam do tema, dentre noticiários e colunas opinativas. No que diz respeito aos noticiários, foi possível identificar que o jornal, ao tratar de uma proposta de política pública de comunicação, tendeu a procurar entidades e personalidades públicas envolvidas na área de comunicação, além daqueles que se encontravam dentro da institucionalidade política. Dentre estes, destacou-se, claramente, o deputado Alessandro Molon, relator do projeto e a ministra de Relações Institucionais, Idelí Salvatti. Dentre as

 O GLOBO. Rio de Janeiro, 24 jun. 2013. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. 129

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instituições, o jornal deu destaque para representantes da AIR130, Abranet131, Anatel132 e Abert133. Além disso, em algumas matérias, os jornais convidaram especialistas no que diz respeito a legislações no campo da comunicação para que eles comentassem pontos do projeto de lei. Dentre as reportagens mais factuais sobre o assunto, verificou-se que o jornal deu bastante ênfase nas disputas interpartidárias envolvendo parlamentares do Partido dos Trabalhadores e o governo federal, sob o comando do mesmo partido, além de deputados e senadores de orientação política mais conservadora. Destes, a maioria se encontrava no PMDB, no PSDB e no PSC, com destaque para o deputado federal carioca Eduardo Cunha134, então líder peemedebista na câmara. Nos textos de opinião sobre o Marco Civil da Internet, verificou-se que aqueles que tiveram espaço no jornal tenderam a apoiar a aprovação do Projeto de Lei, construindo argumentos a partir da defesa da liberdade de expressão, da privacidade dos usuários e, em alguns casos, na defesa da neutralidade da rede. Por este termo, entendese que as fornecedoras de conexão de Internet não poderiam fazer pacotes específicos para o uso de determinados serviços. Ou seja, uma provedora não poderia fazer um pacote específico para os usuários acessarem somente e-mails ou redes sociais em detrimento de sites jornalísticos, por exemplo. Ainda que o jornal tenha feito, parcialmente a defesa deste ponto, abriu-se espaço para que as reclamações das empresas de telecomunicação se fizessem presentes.

 A Associação Internacional de Radiodifusão reúne representantes de empresas de rádio e televisão das Américas, da Ásia e da Europa. 131 A Associação Brasileira de Internet é uma entidade responsável por reunir as empresas provedoras de serviços de internet no país. 132 A Agência Nacional de Telecomunicações é a agência reguladora dos serviços de telefonia e internet no Brasil. 133 A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão foi fundada à época da formulação do Código Brasileiro de Telecomunicações na década de 60. Segundo Lima, a associação transformou-se em uma das principais representantes dos interesses da Rede Globo no país. 134 No momento em que este trabalho é escrito, Eduardo Cunha está preso preventivamente. Ele é acusado de recebimento de propina e lavagem de dinheiro. Cunha havia sido eleito, no início de 2015, presidente da câmara dos deputados. Porém, pouco antes de ser preso, teve seu mandato cassado. 130

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De certa forma, pode ser considerado surpreendente o fato de que O Globo, um jornal pertencente a um grande conglomerado de comunicação, tenha se posicionado a favor de uma política pública que colocava, parcialmente, em xeque os interesses de uma parcela importante da burguesia. Não cabe aqui discutir as razões pelas quais o jornal optou por aderir à proposta do governo, uma vez que isso demandaria uma pesquisa de maior alcance. Atentemos então para a forma como O Globo fez tal defesa. Destaca-se na cobertura sobre o Marco Civil da Internet o fato de que, nas reportagens encontradas, não houve qualquer tipo de diálogo com movimentos sociais ligados à área da comunicação, como o Coletivo Intervozes135 e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)136. Como visto nas coberturas de O Globo, o jornal seguiu, mais uma vez, uma tendência a fazer poucas referências às atuações dos movimentos sociais organizados, e quando o fez, como no caso das cotas, os tratou como não representativos da sociedade civil. No entanto, instituições como a Abert, a AIR e a Abranet, que dentro do pensamento de Gramsci podem ser consideradas aparelhos privados de hegemonia 137 ± em torno dos interesses da burguesia, obviamente ± tiveram voz no jornal. Neste caso, a forma do jornalismo praticado por O Globo diz mais do que o posicionamento político em si em relação ao Marco Civil da Internet. Ao não falar dos movimentos sociais e focar as coberturas em torno das discussões parlamentares, dos interesses da espionagem dos EUA, e das críticas de associações empresariais, uma parcela importante da sociedade ficou ± deliberadamente ou não ± excluída: aqueles que se organizam politicamente em prol de um modelo de comunicação social mais plural, democrático e inclusivo. No caso do jornal Brasil de Fato, como nas outras ocasiões analisadas, pode-se verificar um modelo jornalístico diferente daquele exercido por O Globo. No caso da cobertura do Marco Civil da Internet, não foi possível acessar as versões digitalizadas do jornal através do portal Issuu, No entanto, as análises não ficaram inviabilizadas, uma vez  Organização que possui como pauta principal a democratização do sistema de mídia no Brasil. Reúne ativistas e profissionais envolvidos nesta causa. 136 O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação reúne diferentes organizações e movimentos sociais que lutam pela causa desde a década de 1990. 137 GRAMSCI, op. cit. 2000, p. 21. 135

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que grande parte daquilo que é veiculado na versão impressa do jornal, também é divulgado no site oficial do mesmo138. Logo, foi possível, a partir de buscas por palavraschaves no próprio site, encontrar dezoito reportagens que faziam menção direta ao projeto de lei entre meados de 2013 e meados de 2014. Primeiramente, chama a atenção o fato de que o jornal aponta dois fatores fundamentais para que o PL 2126/11 voltasse à discussão no Congresso Nacional: o primeiro, o escândalo relacionado a denúncias de espionagem por parte do governo dos (VWDGRV8QLGRVGD$PpULFD2VHJXQGRDSUHVVmRDGYLQGDGDV³MRUQDGDVGHMXQKR´ 139, uma série de manifestações públicas ocorridas no Brasil em 2013, que começaram como uma reação ao aumento das tarifas de transporte público em várias cidades brasileiras e que acabaram por levar outras pautas ± das mais diversas tanto do ponto de vista estratégico, quanto do ponto de vista ideológico ± para as ruas e para a agenda pública de debates140. Já neste quesito, percebe-se que o veículo faz uma interpretação que acredita que as pressões populares nas ruas podem fazer com que isso se reverta na transformação da realidade e na garantia de direitos. Nesse sentido, o jornal aproximou-se de uma GLVFXVVmR HP WRUQR GD ³JUDQGH SROtWLFD´ FDWHJRULD WUDEDOKDGD SHOR ILOyVRIR $QWRQLR Gramsci141. Dentre as 18 reportagens de Brasil de Fato encontradas, metade delas fazia menção às demandas e lutas da sociedade civil, sobretudo dos movimentos sociais, com destaque para o Coletivo Intervozes. O jornal fez questão de destacar que as pressões exercidas pela sociedade ao Congresso Nacional tiveram relevância no desenrolar da aprovação do Marco Civil da Internet. Aquelas reportagens que não trataram diretamente das ações dos movimentos sociais eram textos opinativos ± todos eles a favor do projeto ± e detalhes da tramitação política no congresso nacional. Em alguns deles, é possível verificar também que o jornal  http://www.brasildefato.com.br 139 6REUHDV³MRUQDGDVGHMXQKR´YHU*2+1 Maria da Glória. Manifestações de junho de 2013 no Brasil e praças dos indignados no mundo. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2014. 140 Tal menção é feita em reportagem do dia 27 de julho de 2013. Pode ser encontrada em: http://www.brasildefato.com.br/node/14423 (Acesso em 15/07/2015 às 01:35) 141 GRAMSCI, op. cit. 2000, p. 21 ϱϱ  138

não ignorou as pressões por parte do empresariado. No entanto, a atuação política desta classe foi mais esmiuçada por O Globo do que por Brasil de Fato. Constatadas essas características gerais apresentadas por Brasil de Fato, serão agora destacadas 3 reportagens onde elas se fazem presentes. A escolha pela análise específica de 3 reportagens se faz necessária uma vez que este trabalho não possui um alcance que o permita atingir um nível tão aprofundado de discussão, que demandaria a análise de todas de maneira detalhada. No entanto, elas se fazem necessárias para que fiquem claras as semelhanças e diferenças da cobertura dos dois jornais analisados neste capítulo. No dia 22 de julho de 2013142, o jornal fez a divulgação de uma aula pública voltadDSDUDRGHEDWHGRTXHVHFKDPRXGH³SURMHWRGHOHLSRUXPDLQWHUQHWOLYUH´(VWH ato aconteceria no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (MASP), localizado no centro da capital paulista, um local que pode ser facilmente acessado por quem parte de diversos pontos da cidade, ainda que distante das periferias. Na condução do debate, estariam dois membros do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, um deles ligado ao Coletivo Intervozes ± João Brant ± e outra participante ligada ao Centro de Estudos Barão de Itararé ± Renata Mielli. Ao divulgar tal ato político e, de certa forma, convocar seus leitores para o debate, o jornal Brasil de Fato demonstrou que a prática jornalística pode estar relacionada ao incentivo ao exercício da cidadania. E ao destacar o trabalho de movimentos sociais, é possível constatar algo neste jornal que é mais difícil de se encontrar em O Globo: a difusão da ideia de que o povo na rua também faz política. No dia 18 de novembro de 2013143, o jornal dedicou uma reportagem que indicava que o projeto poderia ser votado naquela mesma semana 144. O jornal destacou que a demora na votação do projeto ocorrera porque havia um forte lobby das empresas de telecomunicação que não estavam satisfeitas com o princípio de neutralidade das redes,  Em São Paulo, aula pública debate Projeto de Lei por uma internet livre.2013. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/14423. (Acesso em: 21/06/2015 às 01:35) 143 FERREIRA, Leonardo. Com impasse sobre neutralidade da rede, marco civil da internet pode ser votado. 2013. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/26622. (Acesso em: 21/06/2015 às 01:36) 144 Algo que não ocorreu em razão de pressões de parlamentares conservadores. ϱϲ  142

que caso não fosse aprovado, permitiria aos provedores criar planos que limitassem as experiências de navegação dos internautas. Nesta mesma reportagem, o jornal ouviu o professor e sociólogo Sérgio Amadeu, que defendia a aprovação do projeto. Para Amadeu, três grupos corporativos tinham interesses em jogo: as operadoras de telecomunicações, as operadoras de telefonia e as indústrias ligadas a direitos autorais de músicas e filmes, sobretudo Hollywood, e a Rede Globo. No entanto, não consta uma explicação mais aprofundada de Amadeu sobre os interesses das Organizações Globo neste processo, o que causa, de certa maneira, uma estranheza, haja vista que o seu principal jornal impresso não operou uma oposição sistemática ao marco. Já no dia 2 de abril de 2014145, o jornal publicou um texto assinado por Silvio Mieli. A esta altura, o projeto já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados e seguia para tramitação no Senado Federal. Para Mieli, a aprovação do Marco Civil da Internet IRLXP³0DUFR+LVWyULFR´2DXWRUlembra que os demais meios de comunicação que a sociedade brasileira dispõe, sobretudo o rádio e a televisão são historicamente concentrados nas mãos de pequenos grupos empresariais, e que caso o Projeto de Lei não fosse aprovado, a sociedade correria o risco de assistir a um processo de concentração semelhante ao da radiodifusão na internet. No geral, foi possível verificar que a cobertura de ambos os jornais tocou em dois pontos principais que norteavam o texto do PL 2126/11: a defesa da liberdade de expressão e da privacidade dos usuários. No que diz respeito à neutralidade das redes, não foi possível detectar um posicionamento muito claro por parte de O Globo, enquanto Brasil de Fato fez uma defesa aberta de tal princípio. O que diferenciou claramente ambos os jornais, mais uma vez, foi a visibilidade dos agentes históricos em cada um dos dois. Enquanto no primeiro nota-se a preferência pela arena política institucional, com destaques para as disputas interpartidárias no parlamento, destacando também os posicionamentos de setores empresariais, o segundo optou por uma linha diferente: a ênfase nas ações da sociedade civil organizada.  MIELI, Silvio. Marco histórico. 2014. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/28004. (Acesso em: 21/06/2015 às 12:34) ϱϳ 

145

Este capítulo teve como objetivo analisar as disputas por hegemonia nestes dois veículos de comunicação. Lembrando que, quando se fala em hegemonia, é com o objetivo de explicar como determinadas classes ou frações de classe buscam estabelecer consensos coletivos em torno de seus projetos políticos e ideológicos, que visam estabelecer ou reforçar o poder de uma classe dominante ou de uma fração de classe dominante, para além das ações coercitivas. Para que tal consenso seja estabelecido, Gramsci destaca a função que os intelectuais exercem na sociedade contemporânea. Ele defende a ideia que todo homem é um intelectual, embora nem todos exerçam tal função. A condição para o exercício, segundo ele, se dá devido a processos históricos concretos, que permitiram determinadas FODVVHVRXFDPDGDVGDVRFLHGDGH SURGX]LULQWHOHFWXDLVHQmRDFRQWHFHP ³QXPWHUUHQR GHPRFUiWLFR DEVWUDWR´146. Sendo assim, a função que lhes caberia teria um cunho organizativo, isto é, de buscar a adesão da maioria dos indivíduos para legitimar um sistema147. Daí a importância de analisar os veículos de comunicação, uma vez que eles são algumas das várias ferramentas utilizadas para legitimar um poder estabelecido, ou para contestá-lo. E são neles, onde, invariavelmente, os intelectuais conseguem com mais eficácia exercer suas funções conectivas e organizativas.

 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2014. 2 v. p. 20 147 Idem. ϱϴ  146

Capítulo 2 ± As organizações da sociedade civil e a luta pela democratização da comunicação no Brasil contemporâneo Este capítulo visa fazer uma discussão sobre movimentos sociais ligados à sociedade civil que tem como pauta principal a formação de um sistema de comunicação mais aberto, democrático e participativo no Brasil. A existência de tais movimentos, como quaisquer movimentos organizados, advém das características que fazem parte do contexto histórico contemporâneo. No período compreendido entre a segunda metade do século XX e no início do século XXI, há uma difusão de veículos de mídia massiva que ganharam importância na vida social, uma vez que através destes, passaram a circular informações, mensagens pessoais, produções culturais, trocas comerciais, entre outras coisas. Tal processo atinge tamanha dimensão, a partir da década de 1990, com o advento da internet e a difusão de serviços de televisão à cabo e via satélite. Sendo assim, ao adquirir importância fundamental na vida em sociedade, começa a se desenvolver uma ideia que defendia a comunicação como um direito humano, tão essencial à vida dos homens quanto a saúde, alimentação, educação, transporte, trabalho entre outros148. Logo, todos os seres humanos, de acordo com essas ideias, deveriam ter o direito de acessar os meios de comunicação, se comunicar através deles e ser informado por eles sem que houvesse qualquer tipo de restrição, seja por parte do Estado, ou por parte de empresas privadas. Além de fazer a discussão sobre tais movimentos que questionam a ordem estabelecida, pretende-se também discutir como as políticas públicas interferiram na atuação dos veículos de comunicação contra hegemônicos, e como as novas tecnologias interferem no diálogo entre veículos contra hegemônicos e a sociedade. O modelo de comunicação social estabelecido no Brasil na virada do século não permitia que a grande maioria dos brasileiros pudessem fazer com que suas múltiplas vozes ecoassem ± ou pudessem fazer isto de maneira limitada ± nos meios de  GOMES, Raimunda Aline Lucena. A comunicação como direito humano: Um Conceito em Construção. Recife: EdUFPE, 2007. 148

ϱϵ 

comunicação, sobretudo no rádio e na televisão. Segundo Gislene Moreira149, na maioria dos países latino-americanos ± incluindo o Brasil ± a radiodifusão se estabeleceu a partir GH³SHULJRVDVUHODo}HVGHSRGHUHQWUHHOLWHVSROtWLFDVHHPSUHViULRVPLGLiWLFRV´ 150. Ela DGMHWLYDWDOUHODomRFRPR³SHULJRVD´SRLVDSDUWLUGela, a exploração não comercial destes meios de comunicação foi ignorada e, no caso das rádios comunitárias, houve, inclusive, perseguições políticas por parte do Estado, que coibiu o funcionamento de grande parte delas. Venício Lima151 faz uma análise do sistema de radiodifusão brasileiro na qual ele DSRQWD VXDV FDUDFWHUtVWLFDV $ SULPHLUD GHODV p R TXH R DXWRU FKDPD GH ³7UXVWHHVKLS 0RGHO´ 7DO GHILQLomR GL] UHVSHLWR DR PRGHOR HVVHQFLDOPHQWH SULYDGR GH UDGLRGLIXVmR escolhido pelo Estado brasileiro, ainda na década de 1930. Os espaços são explorados por empresas privadas, ainda que sejam de propriedade pública concedida. Tal escolha, segundo Lima, não contou com a participação popular152. A segunda característica apontada por Lima é a ausência de regulação específica para a radiodifusão. A principal referência legal para esta área é o CBT ± Código Brasileiro de telecomunicações, formulado em 1962. Segundo o autor, tal código se encontra, na segunda década do século XXI, bastante obsoleto e defasado. Além disso, não consta na legislação brasileira a proibição da propriedade cruzada, o que permitiu, historicamente, ao grupo dos Diários Associados terem se estabelecido, por bastante tempo como principal grupo de comunicações do país, sendo superado somente pelas Organizações Globo nas últimas décadas do século XX. Como consequência da ausência de qualquer tipo de restrição ao número de concessões que uma mesma pessoa ou grupo empresarial pode ter, o sistema de radiodifusão brasileiro tornou-se oligopolizado, isto é, dominado por poucos. Tal situação é agravada pelo fato de que muitos concessionários do rádio e da televisão são  MOREIRA, Gislene. É legal? A regulação da comunicação comunitária na América Latina. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação. São Paulo, v. 36, n. 1, p. 209-227. 01/2013. 150 Idem, p. 210 151 LIMA, op. cit. 2011. pp 28-34 152 Idem, p. 28 ϲϬ  149

pertencentes a famílias tradicionais que costumam hegemonizar a política local, como a família Sarney, por exemplo. Lima afirma que um tipo de prática nas concessões de radiodifusão se tornou comum: o fato de concessor e concessionário de radiodifusão se confundirem, o que de certa forma, reforça o domínio de antigos grupos empresariais e familiares. A esse processo, Lima chamou de Coronelismo Eletrônico, fazendo alusão às práticas políticas da República Velha153 que reforçavam o poder dos grandes latifundiários nos níveis local e nacional e que mantinham as parcelas mais pobres da população afastadas do exercício da cidadania. A obra de Carolina Matos154 exibe dados de políticos que detiveram concessões de rádio e TV no ano de 1994, que podem ser vistos na Tabela 2. É importante ter em mente que a maioria daqueles que eram concessionários de rádio e televisão naquele ano continuaram sendo até o período que se insere no recorte temporal deste trabalho.

Tabela 2 - Estações de Rádio e TV controladas por políticos no Brasil. Canais

Total

Políticos atuais155 e do

Porcentagem

passado TV

302

94

31,12%

Rádio

2908

1169

40,19%

Além das famílias ligadas à políticos no Brasil, um setor importante da sociedade que possui uma quantidade considerável de concessões de radiodifusão são as Igrejas. Embora tenha ocorrido um crescimento das igrejas neopentecostais, a Igreja Católica ainda se mantém como a maior concessionária entre as instituições religiosas156. Não é algo incomum, para o povo brasileiro, ligar a televisão em um canal de televisão aberto e se deparar com a transmissão de uma missa ou culto evangélico, sobretudo nos finais de semana. Ou seja, além de serem concessionárias de serviços públicos de radiodifusão, as  Ibidem, p. 30 154 MATOS, op. cit. 2013, p. 83 155 Neste caso, a autora faz menção à legislatura que esteve em vigor entre os anos de 2011 e 2014. 156 LIMA, op. cit. 2011, p.30. ϲϭ  153

empresas também gozam de espaço dentro de outras concessões privadas, teoricamente laicas. Além das oligarquias familiares e das Igrejas, Lima também destaca o papel do Estado, uma vez que este é responsável, através do Congresso Nacional e do poder executivo, por conceder a possibilidade de uma empresa explorar os espaços de radiodifusão. Além dele, o autor também ressalta o poder das empresas privadas nas políticas públicas de radiodifusão. No entanto, há de se atentar que existem diferentes tipos de empresas privadas atuando em torno da garantia de seus interesses. Dentre elas, Lima destaca a Rede Globo, ± principal conglomerado de comunicação do país ± as entidades empresariais ligadas a grupos de radiodifusão e da mídia impressa, como a Abert, a Abra157, a Abratel158, a ANJ159, a ANER160 entre outras. Por fim, destacam-se as empresas de telecomunicação, que entraram em ação nesta área a partir do processo de privatização do setor, sendo a maioria delas, ligadas ao capital internacional. Como foi visto acima, uma série de instituições detém interesses específicos para querer explorar o espaço de radiodifusão. No entanto, só foram ressaltados até então os grupos que, em maior ou menor grau, controlam a maior parte da radiodifusão e da imprensa brasileira. Existem grupos que reivindicam participação de demais setores da sociedade nestes espaços. Desta forma, uma série de organizações da sociedade civil que não se via representada nos meios de comunicação dominantes resolveu agir politicamente a fim de lutar pela construção de um novo modelo de comunicação do país. Entre os movimentos que travam esta batalha estão a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRAÇO)161, A Federação Nacional do Jornalistas  A Associação Brasileira de Radiodifusores é uma entidade formada no ano de 2005, composta pelas redes ³%DQGHLUDQWHV´H³5HGH79´ 158 A Associação Brasileira de Rádio e Televisão é uma entidade que reúne emissoras de radiodifusão, liderada pela Rede Record ± que por sua vez, está ligada à Igreja Universal do Reino de Deus 159 A Associação Nacional de Jornais é uma entidade que agrega diferentes jornais de todos os estados da federação, entre eles, O Globo, analisado no primeiro capítulo. 160 A Associação Nacional de Editores e Revistas representa as editoras de revistas periódicas de consumo, liderada pela editora Globo e pela editora Abril, que publica a revista semanal Veja. 161 A ABRAÇO foi fundada em 1996 em busca de unificar a luta das rádios comunitárias pela regulamentação do serviço através da pressão ao Congresso Nacional. 157

ϲϮ 

(FENAJ)162, o Coletivo Intervozes e o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Ao longo dos governos petistas, estas entidades lançaram mão de estratégias e articulações políticas ± por vezes, convergentes, por outras vezes, divergentes ± na luta pela garantia de seus interesses. É importante salientar que tais movimentos que reivindicam um processo de democratização da mídia no país não são, de forma alguma, homogêneos. No entanto, a força de suas ações ± conjuntas ou não ± resultou na criação de algumas propostas de políticas públicas para o setor. Algumas delas avançaram, outras não chegaram a ser colocadas em prática. Segundo Moreira163, ao longo das lutas promovidas por estes grupos, desde a década de 90, houve poucas conquistas por parte deles. Isso se deveu, em grande parte aos seguintes fatores, segundo a autora: fragmentação ideológica por parte dos movimentos sociais, a ineficiência em relação às pressões sobre o Congresso Nacional e o aumento da repressão por parte do Estado às rádios comunitárias164. Algumas pautas que foram levadas a frente pelos movimentos em questão foram: A criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ); a transformação da Ancine 165 em Ancinav; o fim da criminalização às rádios comunitárias; a criação de retransmissoras de televisão institucionais; a criação de um comitê consultivo ± plural ± que discutiria as alternativas para a implantação da TV digital no país; a criação de uma Lei geral de comunicação eletrônica de massa; a criação do Conselho de Comunicação Social (CCS), o 3° Plano Nacional de direitos humanos (PNDH 3), a regionalização das verbas de publicidade oficial por parte do Estado; a regulamentação da TV paga, o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), a criação da EBC e a criação do Marco Civil da Internet ± estas duas últimas, analisadas no capítulo anterior. Cada uma delas será exposta brevemente a fim de se fazer um balanço daquilo que foi conquistado  A FENAJ foi fundada em 1946 a fim de representar os interesses da categoria. Nos últimos anos, esta federação tem se destacado pela defesa da democratização da comunicação e dos direitos humanos. 163 MOREIRA, op. cit. 2013, p. 215 164 Idem. 165 Criada em 2001 pela Medida Provisória 2228-1, a ANCINE ± Agência Nacional do Cinema é uma agência reguladora que tem como atribuições o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e no Brasil. ϲϯ  162

O Conselho Federal de Jornalismo A criação do Conselho Federal de Jornalismo partiu de uma demanda da FENAJ, que buscava a partir deste, fortalecer os valores contidos no código de ética dos jornalistas. Sendo assim, o governo encaminhou ao Congresso Nacional, em 2004, um projeto de lei que previa a criação do CFJ. No entanto, houve muitas críticas à proposta por parte dos grandes veículos de comunicação, que impossibilitaram a aprovação da proposta. Sendo assim, a FENAJ resolveu criar um outro texto, que previa a Criação do Conselho Federal dos Jornalistas e também de conselhos regionais atrelados a ele 166. No entanto, a câmara dos deputados, no final do ano, rejeitou a proposta.

De Ancine para Ancinav Em um contexto no qual as produções audiovisuais ganharam dimensões importantes no que diz respeito a formação de identidades, produção de poder simbólico e difusão de valores e crenças167, a produção cinematográfica adquire um valor estratégico. Sendo assim, houve a tentativa por parte dos movimentos sociais de transformar a agência reguladora do cinema brasileiro (Ancine) em uma Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), que, segundo Lima168, seria responsável por regular e fiscalizar a produção e a distribuição dos conteúdos audiovisuais no país. No entanto, segundo o autor, a reação dos setores hegemônicos foi tamanha ± sobretudo da Rede Globo, detentora da maior parte da produção audiovisual do país ± que o projeto sequer chegou a ter uma versão final. O governo recuou afirmando que não seria possível criar uma agência reguladora do audiovisual sem antes existir uma lei geral de comunicação de massa. Sendo assim, o mais próximo que se conseguiu chegar a isso foi a formulação do Fundo Setorial do Audiovisual, que reúne recursos destinados ao  O texto do substitutivo pode ser encontrado em: http://www.fenaj.org.br/cfj/projeto_cfj.htm FORNAZARI, Fabio Kobol. Instituições do Estado e políticas de regulação e incentivo ao cinema no Brasil: O caso Ancine e Ancinav. RAP, Rio de Janeiro, v. 40, n. 4, p. 644-677. 05/2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rap/v40n4/31600.pdf. (Acesso em: 05/06/2015 às 13:29) 168 LIMA, op. cit. 2011, p. 35 166 167

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desenvolvimento da cadeia produtiva audiovisual no país. Tal fundo foi criado a partir da lei n° 11.437169 de 28 de setembro de 2006 e regulamentado pelo Decreto n° 6.299170, de 12 de dezembro do ano seguinte.

A criminalização das rádios comunitárias No que diz respeito à criminalização das rádios comunitárias, Moreira afirma que houve um retrocesso a partir do governo Lula, uma vez que a obra da autora aponta para um aumento nas prisões de concessionários e de fechamento de estações em comparação com o governo de Fernando Henrique Cardoso171. Além disso, houve a aprovação de uma lei (10.871/04)172, que conferiu poder de polícia aos agentes da Anatel. Venício Lima lembra que a legislação que faz com que o sistema de radiodifusão comunitária seja excludente fora aprovada durante o período FHC, com a lei 9.612, de 1998173. A repressão às rádios comunitárias, que atuam na esfera local, reforça a prática do Coronelismo Eletrônico, explicado por Lima174. Tal repressão inviabiliza o exercício da cidadania por parte de grandes parcelas da população brasileira.

As RTVIs Em relação às retransmissoras de TV institucionais (RTVIs), Lima 175 considera TXHIRUDXPDJUDQGHRSRUWXQLGDGH³SDUDRSRGHUPXQLFLSDOVHWRUQDUUHWUDQVPLVVRUGH emissoras de TV do campo público e, também, produtor GH FRQWH~GR´ 176[Grifos do autor]. Essa oportunidade citada por Lima advinha do fato de que seria possível para as  Esta lei pode ser encontrada em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11437.htm (Acesso em 15/07/2015 às 01:42) 170 O decreto pode ser encontrado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2007/Decreto/D6299.htm (Acesso em 15/07/2015 às 01:42) 171 MOREIRA, op. cit. 2013, p. 217 172 A lei pode ser acessada em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.871.htm (Acesso em 15/07/2015 às 01:43) 173 A lei pode ser acessada em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9612.htm (Acesso em 15/07/2015 às 01:44) 174 LIMA, op. cit. 2011, pp. 104-148. 175 Idem, p. 37 176 Ibidem. 169

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prefeituras lançarem mão de 15% das retransmissões da TV à cabo. Sendo assim, através do decreto n° 5.371177, datado de 21 de fevereiro de 2005, haveria a possibilidade de um incentivo maior à produção audiovisual local e regional, não necessariamente vinculada aos grandes conglomerados que hegemonizam a produção no país. Para se entender a importância de tal medida, é fundamental recorrer à Dênis de Moraes 178. O autor identifica que em toda a América Latina, 85,5% deste tipo de produção cultural é proveniente dos Estados Unidos da América. Sendo assim, verifica-se que a partir da leitura das obras de ambos estes autores, o Brasil optou, a partir do processo de redemocratização do país, ampliar a abertura econômica brasileira e aprovar um programa extenso de desestatização e de mercantilização das atividades humanas que causou profundas transformações na sociedade. E isso, sem sombra de dúvidas, não poderia deixar de incluir os meios de comunicação e o sistema de mídia aqui existentes, que possibilitaram ao capital estrangeiro e aos demais atores que comandam o sistema de mídia vigente obter ganhos materiais com a sua participação no mercado brasileiro. O decreto então, seria uma chance de se romper ± limitada e parcialmente ± com esta hegemonia. No entanto, o governo recuou diante das pressões dos grandes conglomerados, com o Decreto 5.413179 de 6 de abril de 2005, extinguindo assim, as RTVIs.

O Sistema Brasileiro de TV digital Bolaño180 lembra que o Sistema Brasileiro de TV digital (SBTVD) foi instituído a partir do decreto número 4.901181, cuja data é 26 de novembro de 2003, isto é, ao longo do primeiro ano de governo do ex-presidente Lula. O SBTVD foi responsável por suscitar  O texto do decreto pode ser acessado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2005/decreto/D5371.htm (Acesso em 15/07/2015 às 01:44) 178 MORAES, op. cit. 2011, pp. 46-53. 179 O decreto pode ser verificado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2005/decreto/D5413.htm (Acesso em 15/07/2015 às 01:45) 180 BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil? São Paulo: Paulus, 2007. 181 O texto do decreto pode ser encontrado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4901.htm (Acesso em 15/07/2015 às 01:46) ϲϲ  177

importantes debates sobre os rumos que teriam a implantação da televisão digital. No entanto, é necessário ressaltar que os debates em torno da TV digital no Brasil foram concebidos durante o governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso. Segundo este autor, os interesses dos grupos de mídia brasileiros tradicionais foram os de fazer com que o modelo de televisão digital adotado no país fosse semelhante àquele dos EUA e do Japão e desconsiderar o debate em torno de possíveis alternativas, que inclusive foram apresentadas pela Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ). Ele afirma que a intenção inicial do governo fora de fomentar os debates e este não se mostrou tão inclinado aceitar as propostas dos setores concessionários de radiodifusão, sendo mais favorável a alternativas que pudessem ampliar o número de canais de televisão a partir da criação de novas concessões. No entanto, como a pressão dos radiodifusores foi enorme, e como houve um forte desgaste do governo devido a escândalos de corrupção 182, a adoção do modelo japonês foi feita sem gerar os debates que parcelas significativas da sociedade civil esperavam.

Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa Uma das propostas mais ousadas, no que diz respeito a buscar um modelo democrático de regulação das comunicações no Brasil era a formulação da Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa, que seria responsável por regulamentar o funcionamento do sistema de mídia do país. Porém, a forma como os governos petistas lidaram com a proposta foi um tanto confusa. Primeiramente, a ideia era criar um GTI (Grupo de Trabalho Interministerial) para tratar do tema. Segundo Lima183, levou cerca de nove meses para que os nomes que fariam parte de tal grupo fossem indicados pelo governo federal. Posteriormente, o governo optou por abrir mão da GTI em favor de uma Comissão Interministerial, que abarcaria também a Procuradoria Geral da República. Até o final do governo Lula, em 2010, tal comissão ainda não havia se reunido. No entanto,  (P  R HVTXHPD GH FRPSUD GH YRWRV GH SDUODPHQWDUHV FRQKHFLGR FRPR ³0HQVDOmR´ FKHJRX D conhecimento público e tomou grande parte do noticiário político nacional. 183 LIMA, op. cit. 2011, p.38. 182

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em julho de 2010, foi criada outra Comissão Interministerial184 que ficara encarregada de realizar estudos e encaminhar ao governo uma série de relatórios com recomendações que revissem a organização da radiodifusão brasileira. No entanto, o máximo que se FRQVHJXLXUHDOL]DUIRLDFULDomRGR³6HPLQiULR,QWHUQDFLRQDO&RPXQLFDo}HV(OHWU{QLFDVH &RQYHUJrQFLDV GH 0tGLDV´ QR TXDO GLYHUVRV VHWRUes da sociedade puderam debater diferentes formas de se criar uma regulamentação democrática dos meios de comunicação. No entanto, pouco se avançou nesse sentido, tanto nos dois governos de Luiz Inácio, quanto no 1° mandato de Dilma Rousseff.

O Conselho de Comunicação Social Outra proposta reivindicada pelos movimentos pró-democratização da comunicação foi a positivação do Conselho de Comunicação Social (CCS). Este conselho já tinha sua existência prevista a partir da aprovação da constituição de 1988, que funcionaria como um órgão regulador autônomo, nos moldes da Anatel. No entanto, no final do governo de Fernando Henrique Cardoso, houve a aprovação de uma Emenda Constitucional ao artigo 222 da constituição federal que fez com que o CCS fosse concebido apenas enquanto um órgão consultor, ligado ao poder legislativo. Esta mesma emenda foi responsável por permitir entrada de 30% de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão185. A partir de então, inclusive nos governos petistas, o Conselho de Comunicação Social foi esvaziado e, na prática, tornou-se um órgão inócuo.

O PNDH 3 O terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) insere-se no contexto de desenvolvimento e fortalecimento da ideia da comunicação como um direito humano inalienável. O decreto 7.037 de 21 de dezembro de 2009186 tinha entre seus princípios a  As entidades presentes nessa comissão eram: a Casa Civil, o Ministério das Comunicações, o Ministério da Fazenda, a Secretaria de Comunicação Social (SECOM), a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, além da Advocacia Geral da União 185 LIMA, op. cit. 2011, p. 40. 186 O texto do decreto pode ser acessado em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2009/Decreto/D7037.htm (Acesso em 15/07/2015 às 01:46) ϲϴ  184

GHIHVD GD GLIXVmR GH QRYDV WHFQRORJLDV GD FRPXQLFDomR H GD LQIRUPDomR ³R GLUHLWR j comunicação democrática e ao acesso à informação para consolidação de uma cultura em DireitoV+XPDQRV´DUHDOL]DomRGHFDPSDQKDVGHFRPEDWHDWRUWXUDDWUDYpVGRVPHLRV de comunicação, o desenvolvimento de programas de formação em direitos humanos para comunicadores de redes comunitárias, além de prever a criação de um ranking que classificaria as instituições que mais tivessem reforçado os valores dos Direitos Humanos e a criação de um marco regulatório para a radiodifusão. Certamente, a proposta enfrentou uma resistência incansável por parte da grande mídia, sobretudo da TV Globo. Em vídeos encontrados a partir de buscas por palavras-FKDYHV QR VLWH ³
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