Histórias em Quadrinhos e seu modo de refletir a sociedade

July 27, 2017 | Autor: Clare Neumann | Categoria: Comics, Linguagem, Histórias Em Quadrinhos
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HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E O SEU MODO DE REFLETIR A SOCIEDADE CLARE LAURELIN NUNES NEUMANN1

1. INTRODUÇÃO Metáforas sempre foram usadas pela humanidade para dar explicações a fenômenos que não eram ainda totalmente compreendidos. Diversas religiões, por todo o mundo, foram criadas pela necessidade do Homem de ter mais conhecimento, de poder dar uma explicação adequada para o que ele não pode entender ainda. A metáfora literária, deste modo, serve para captar a realidade, ao mesmo tempo em que dá liberdade para explorar a criação e a fantasia, assim como também pode servir como denúncia de um mundo injusto e corrompido e, por fim, até mudá-lo, mesmo que indiretamente. Histórias em quadrinhos (HQs) sempre serviram como espelhos das épocas em que foram lançadas. Desde a sua origem, os acontecimentos do mundo ao redor serviram de influência para a criação de histórias, em particular as histórias em quadrinhos. Assim, as HQs fazem uso de metáforas para ilustrar de um modo não explícito acontecimentos e problemas sociais como preconceito, guerras, entre outros, para o público em geral, de um modo mais didático. Tendo isso em vista, o objetivo deste trabalho é fazer a análise de três HQs e das metáforas nelas usadas, sendo estas: a relação das personagens femininas com a luta feminista, a relação do Homem de Ferro com a indústria bélica e o paralelo que existe entre X-Men e o preconceito e discriminação racial. No estudo também se pode afirmar que apesar de as HQs terem explorado estes três temas na década de 40 e 60, são problemas sociais ainda muito vivos na atualidade. Para realizar este estudo utilizei como base teórica estudiosos como Lakoff & Johnson (1980), que redefiniram o estudo da metáfora em si, além da recorrência a artigos científicos, reportagens e monografias que tiveram como tema as histórias em quadrinhos, visando construir, a partir, daí minhas próprias considerações. Para embasar minha proposição sobre o uso da metáfora nos quadrinhos, pesquisei os usos históricos 1

Graduanda em bacharelado de Relações Públicas da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás.

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do registro iconográfico em sua relação com a vida pública e privada de culturas ancestrais, tal como ocorrem nas estelas egípcias, os frontões dos templos gregos – além de sua tradição oral – e os murais e grafites romanos, que parecem indicar uma propensão ao cunho visual da metáfora, tal como ocorre nas HQs modernas. Nas palavras dos autores: A metáfora para a maior parte das pessoas é um mecanismo da imaginação poética e do requinte teórico: uma questão de linguagem “extraordinária” em vez da linguagem comum. Além disso, a metáfora é tipicamente vista como uma característica da linguagem: uma questão de palavras e não de pensamentos e ações. Por essa razão, a maioria das pessoas pensa que pode viver perfeitamente bem sem a metáfora. Nós acreditamos, no entanto, que a metáfora faz parte da vida cotidiana, não somente na linguagem, como também no pensamento e na ação. Nosso sistema conceitual, a partir do qual pensamos e agimos, é fundamentalmente metafórico pela sua própria natureza. (LAKOFF e JOHNSON, 1980 [2002]: 3).

2. METÁFORA SENDO USADA NAS HQs PARA DISSEMINAR IDEIAS Antes de se falar de metáfora nas histórias em quadrinhos é preciso identificar o que exatamente é metáfora e por que esta ferramenta foi e ainda é usada de um modo tão bem sucedido nas HQs. Metáfora é uma figura de linguagem que usa palavras ou imagens comparadas para transmitir uma mensagem que está subentendida. Esta ferramenta está presente no modo como vemos o mundo e da nossa linguagem cotidiana, pois de acordo com a Teoria Cognitiva da Metáfora (LAKOFF & JOHNSON [1980] 2002, LAKOFF 1987, JOHNSON 1987) nós vivemos por meio de metáforas. Elas sempre ajudaram a humanidade a entender melhor o mundo, o universo, ocorrências naturais, e até mesmo o próprio comportamento humano. Assim, o uso da metáfora não é estritamente literário, mas cognitivo, refletindo assim a nossa relação com o mundo. E talvez tenha sido por este motivo que esta ferramenta teve tantos resultados quando foi usada para propaganda política durante a Segunda Guerra Mundial e durante a Guerra Fria. Imagens e mensagens literárias foram bombardeadas às populações, muitas vezes comparando a ideologia ou lado que era considerado como errado por cada país com inimigos conhecidos por grande parte da

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população. Ao absorver a metáfora, mesmo inconscientemente, as pessoas passavam a ligar as imagens já calcadas como negativas aos grupos desejados. Com o tempo, a metáfora passou a ser usada também como um modo de criticar a sociedade e a realidade que era vivida, agindo como mediadora entre o texto literário e a realidade. Os autores também buscavam espelhar os acontecimentos das suas épocas em seus trabalhos através de metáforas, com o intuito de cristalizar as mensagens que queriam passar para o futuro. Assim evitando que os próprios problemas pelos quais eles estavam passando não fossem esquecidos ao longo do tempo. Desde o começo do século passado, metáforas foram usadas com mais força para ilustrar e passar adiante mensagens destinadas ao público geral. E para difundir estas mensagens de um modo que não fosse explícito e ainda assim didático o suficiente para que fossem entendidas pelas massas os autores descobriram que um meio era extremamente simples, barato e funcional: as histórias em quadrinhos. Estas tiveram sua popularidade crescendo durante a Primeira Guerra Mundial, e logo depois seus autores já descobriram o seu potencial para difundir mensagens, como no caso da propaganda político-ideológica. Iremos analisar três casos nos quais a metáfora teve um papel importante para o sucesso das HQs e em que as mensagens foram bem recebidas pelo público em geral: personagens femininas em posições de poder e a sua relação com a luta feminista, a mensagem anti-guerra existente em Homem de Ferro e o claro aviso contra o racismo e discriminação que acontece em XMen.

2.1. AS GUERRAS E O CRESCIMENTO DA NECESSIDADE POR METÁFORAS Depois da Primeira Guerra Mundial, começou-se a perceber que mudanças sociais, embora pequenas, começavam a se espalhar pelas mentes do público. Com a repercussão do horror da guerra por entre as famílias várias pessoas deixaram de ver a guerra como um mal necessário e sim pelo que é. No entanto, ainda faltava algo reconfortante o bastante para aliviar as dores das perdas e algo que fizesse as pessoas pensarem sobre o que estava realmente acontecendo na época. As histórias em quadrinhos não surgiram com este propósito em particular desde a sua criação, mas autores logo perceberam que elas podiam conter mensagens que

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seriam levadas a várias pessoas, por fatores como o preço baixo e a facilidade de entendimento do que estava sendo escrito. As histórias em quadrinhos utilizavam o método revolucionário de contar histórias, juntando o texto à imagem e assim formando um modo muito mais simples e rápido das pessoas entenderem as mensagens que eram escritas, através que arquétipos e estereótipos que pudessem ser identificados com facilidade, e as opiniões pessoais dos autores poderiam também ser refletidas nas suas obras, neste caso os quadrinhos. Assim, surgiu o primeiro super-herói da história que foi calcado com o objetivo de entreter e amainar os sentimentos de frustração dos públicos: o Super Homem. Ele serviu como um grande símbolo de esperança para o povo americano durante a depressão da década de 1930, algo que era um anseio muito forte da população americana da época, a sua própria caracterização sendo um exemplo de metáfora para o homem forte, que pode ultrapassar quaisquer objetivos que acontecem na sua vida. Sendo um ícone para o povo americano da época, o Super Homem foi tão bem sucedido por apesar de ser calcado em um estereótipo do herói da Antiguidade, ele também apresentava falhas, o que permitia que o público também se identificasse com ele. Com estas eventuais falhas, as histórias assim continham mensagens de aprendizagem e moral para os seus leitores. Um pouco depois do Super Homem ter surgido, com o seu sucesso apareceu também a primeira super heroína, criada para servir como um símbolo da mulher forte e capaz da época: Mulher Maravilha.

2.2. A MULHER MARAVILHA E A EVOLUÇÃO DA IMPORTÂNCIA DE PERSONAGENS FEMININAS Como as histórias em quadrinhos refletiam a sociedade e as suas mudanças, trazendo assuntos polêmicos em seus temas, não é surpreendente que a luta feminista fosse ficar ofuscada nos meios de comunicação de massa. Embora o papel da mulher nas mesmas fosse de coadjuvante muda e indefesa, esperando para que um homem as salvasse, as décadas de 1930 e 1940 apresentaram grandes mudanças para os direitos das mulheres, como o direito de voto. Mesmo apesar de estes acontecimentos coincidirem com a Segunda Guerra Mundial.

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Neste particular momento da História, o esforço de guerra pedia que mulheres também trabalhassem, e assim os seus direitos foram ampliados, assim como a sua liberdade. Pois “[a] afirmação da igualdade entre os sexos vai confluir com as necessidades econômicas daquele momento histórico.” (ALVES, 1985, p. 50). Foi nesse momento que William Moulton Marston, um psicólogo e ativista dos direitos humanos e do movimento feminista da época criou a Mulher Maravilha, a primeira super-heroína das histórias em quadrinhos em resposta direta ao modo como as personagens femininas eram caracterizadas das mesmas. Sendo as histórias em quadrinhos um modo fácil de difundir mensagens, a Mulher Maravilha foi criada para que servisse como exemplo para as mulheres. De acordo com Marston, “―Nem mesmo as garotas querem ser garotas, enquanto ao nosso arquétipo feminino faltar força, coragem e poder. O remédio óbvio é criar um caráter feminino com toda a força do Super Homem, além de toda sedução de uma mulher bondosa e bonita.” (MARSTON apud ROBINSON, p. 46). O criador da personagem acreditava que o papel da mulher nas histórias não deveria ser apenas da mocinha indefesa, presente apenas para atrapalhar o herói. A Mulher Maravilha era retratada como uma mulher independente e apta para lutar as suas próprias batalhas, se equiparando com os homens. As suas histórias foram bem recebidas pelo público americano, porque a atmosfera da época permitia isso. Apesar disso, com o fim da guerra as mulheres não eram mais necessárias para o bem do país, e então houve uma enorme pressão da sociedade norte americana para que elas regredissem aos papeis domésticos. As histórias em quadrinhos visavam as vendas e o lucro, então as histórias da Mulher Maravilha passaram a contribuir para isso, mostrando agora uma personagem mais fraca, mais dependente de um apoio masculino, além de ter o seu uniforme mais provocador. A Mulher Maravilha é um ícone da luta feminista, surgindo em uma época em que as mulheres começavam a ganhar direitos. Ela é uma metáfora para o ideal que o seu criador desejava para as mulheres, apesar desta imagem nem sempre ter sido usada pelos roteiristas pelas décadas que seguiram. Ainda assim, a mensagem que era transmitida foi muito bem entendida e aceita pelos públicos, o que abriu caminho para muitas outras personagens que possuíam sua própria força, inteligência e liberdade e

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que rivalizavam com os personagens masculinos. Mulheres que tinham a sua própria voz, e que não dependiam de um homem para alcançar os seus objetivos. Um dos exemplos mais marcantes é a Mulher Gato, primeiramente tida como uma vilã do Batman e que acabou se tornando uma anti-heroína. Anti-heroína porque sem precisar de um homem para salvá-la, ela acaba sendo vista praticamente como uma vilã, que usa a sua sexualidade livremente para conseguir o que quer, inclusive a sua liberdade. Apesar de ter sido vista como apenas uma personagem criada para atiçar os desejos do público masculino, ela acabou se tornando mais que isso, mostrando que uma mulher pode usar o seu corpo e o seu intelecto para atingir os seus objetivos. Ela demonstra força e quebra com os padrões da sociedade patriarcal, que exige que a mulher seja submissa e obediente. Ao ser retratada como uma ladra que consegue seduzir o herói e continua com uma personalidade forte, não mudando por causa do homem em sua vida, a Mulher Gato se torna um símbolo para as mulheres, transmitindo a mensagem que elas podem sim, ser o que quiserem. Outras personagens que valem a pena ser comentadas pertencem à Marvel Comics, que apesar de serem mais recentes também contribuem como metáforas da luta feminista. Apesar de terem as suas criações com quase vinte anos de diferença, as personagens Dominó (criada em 1992) e Gamora (criada em 1975) servem como símbolos importantes para ilustrar a evolução do modo como as mulheres são retratadas nos quadrinhos. Gamora é uma alienígena, filha adotiva de Thanos, um dos maiores antagonistas da Marvel Comics e que foi treinada para ser uma assassina exímia e que eventualmente percebe os erros de seu pai adotivo, passando a participar de um grupo chamado Guardiões da Galáxia que têm Thanos como um de seus maiores vilões. A sua criação coincide com uma das revoluções feministas que ocorreu nos Estados Unidos, no qual as mulheres mais uma vez começaram a conquistar o seu espaço em empresas e não mais eram vistas como as ‘rainhas do lar’. Dominó, por sua vez, foi criada durante a década de 1990, na qual as personagens femininas eram muito fetichizadas pelos seus criadores, apesar de ainda assim terem uma liberdade nunca antes vista. Uma mutante que é fruto de um experimento do governo e que teve os seus poderes mutantes considerados como um

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‘erro’, Dominó foi salva do programa militar por sua mãe biológica. Em uma época em que as personagens femininas eram ultra-sexualizadas com uniformes quase inexistentes e os masculinos eram retratos do epítome do estereótipo do homem heroico e musculoso, Dominó aparece como um novo retrato da mulher nas histórias em quadrinhos, uma personagem que trabalha sozinha como mercenária e que é exímia em artes marciais e tem avançado conhecimento bélico. Seus poderes são de manipulação da probabilidade ao seu próprio favor, o que pode ser considerado também como um símbolo da mulher que faz o seu próprio destino, sem depender de mais ninguém. Algo também a se notar é o seu uniforme, que é geralmente um collant preto que não exibe muito de seu corpo, dependendo do artista que o desenha. E mesmo assim, ela tem controle da sua sexualidade e de seu próprio corpo, optando não fazer sacrifícios pessoais ou de sua liberdade por ninguém além de si mesma. Ainda assim, por mais que as personagens femininas tenham adquirido espaço e maior importância nas histórias em quadrinhos, o mesmo não pode ser dito sobre os próprios responsáveis por este feito. A maioria dos roteiristas e desenhistas nas grandes editoras de quadrinhos continua a ser do sexo masculino, gerando a mulher que é vista e escrita pelos olhos do homem e da sociedade patriarcal.

2.3. O HOMEM DE FERRO E O MOVIMENTO ANTI-GUERRA Como já foi falado, guerras sempre serviram como uma fonte de inspiração prolífica para autores e artistas expressarem as suas próprias opiniões sobre as mesmas, muitas vezes utilizando metáforas para tal. Também já vimos que as histórias em quadrinhos também já serviram de manifesto para diversos artistas e roteiristas se pronunciarem de um modo indireto, expressando as suas visões e posições políticas. Na década de 1960, durante a Guerra Fria, o roteirista e editor da Marvel Comics, Stan Lee, decidiu desafiar os leitores a gostarem de um personagem que representasse todas as coisas que a juventude da época odiasse, um capitalista quintessencial. Então surgiu o Homem de Ferro. Inspirado em Howard Hughes, Tony Stark era um gênio, bilionário, engenheiro e empresário que fabricava armas e as vendia para o governo para que elas fossem usadas na Guerra do Vietnã. Depois de um acidente no Vietnã, Tony Stark é ferido gravemente em uma explosão, de um modo de estilhaços ficam alojados perto de seu coração e assim

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ameaçam a sua vida. Ele é sequestrado e obrigado a projetar armas para Wong-Chu, um comandante vietnamita. Ho Yinsen, um outro prisioneiro e ganhador do Prêmio Nobel em física que Tony admirava construiu e aplicou uma placa de ferro que servia como eletroímã que evitava que os estilhaços chegassem ao coração de Tony. Então os dois passam a projetar um tipo de armadura mecânica que funcionava por eletricidade. Tony consegue fugir, mas Yinsen se sacrifica para permitir que o amigo saísse em segurança. Depois disso Tony Stark volta para casa e descobre que os estilhaços não podem ser removidos da sua caixa torácica em segurança, e que ele teria que continuar a usar a placa de ferro para permanecer vivo. Tony então percebe os erros no seu estilo de vida e passa a questionar a guerra e o seu papel nela. Ele começa a servir como herói, usando o alter ego de Homem de Ferro para evitar que inimigos ataquem a sua empresa e o seu país. A sua origem mudou muito durante os anos, mas ainda existem alguns pontos principais que devem ser abordados. Desde a sua origem, alguns temas continuaram constantes durante as suas histórias, servindo de metáfora para o que estava acontecendo na época. Do mesmo modo como um outro personagem, O Incrível Hulk, servia como metáfora e aviso para os perigos das experimentações militares (no caso com energia nuclear) e suas repercussões, o Homem de Ferro também servia para explorar e questionar o papel da indústria na guerra assim como o modo como os cientistas eram usados para fabricar armas, sendo privados de controle ou crédito sobre as suas criações. Pode-se dizer que o seu ferimento simboliza a sua falta de autonomia e liberdade ao ser forçado a fazer invenções novas para os propósitos de outras pessoas. Do mesmo modo como a sua própria existência simboliza de um modo intrincado a opinião anti-guerra de seus criadores, ao mesmo tempo em é criado um novo herói, ou produto da Marvel Comics. O personagem evoluiu muito durante os anos desde a sua criação, mas um tema sempre presente é o uso indevido de tecnologia para fins bélicos e o modo como os cientistas lidam com o uso indevido de suas criações. Outros temas, como autonomia empresarial, supervisão governamental das pesquisas de cientistas e patriotismo também são explorados, e muitas vezes a questão dos usos e abusos do governo para com a sociedade é levantada.

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Um exemplo mais recente é a saga Guerra Civil da Marvel Comics, a mesma sendo uma metáfora para os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 que os Estados Unidos sofreram e as repercussões que se seguiram, como o aumento da vigilância feita pelo Estado e a diminuição de liberdades civis. Nesta saga, depois de um atentado considerado como terrorista por um grupo de mutantes é criada uma lei de registro de todos os indivíduos americanos que possuem habilidades não-humanas. Tony Stark, o Homem de Ferro, se alia fervorosamente ao governo e chega a realizar ações brutais para reforçar a nova lei, assim chegando a se assemelhar com um vilão. Do outro lado, o Capitão América, que sempre foi um personagem tido como um símbolo patriota dos Estados Unidos da América, se volta contra a nova lei sob a justificativa que ela fere os direitos mais básicos da sociedade e que ela é antidemocrática. Inicialmente isso pode ser visto como uma reversão de valores dos personagens envolvidos, sendo que o Homem de Ferro sempre foi visto como um playboy rico e inconsequente enquanto que o Capitão América sempre foi visto como um símbolo do patriotismo norte americano. No entanto, sob um olhar mais cuidadoso é possível ver o motivo desta inversão. Tony Stark, o Homem de Ferro, é um industrialista que fabrica armas para o governo. A mensagem que não fica tão clara assim para o leitor comum, é que o verdadeiro suporte e motivo das ações antidemocráticas mostradas na saga e que espelham as ações tomadas pelo governo Bush de 2001 a 2009 é na verdade a indústria bélica. Mais uma vez, a guerra serve de inspiração para a metáfora nas histórias em quadrinhos, que tem como objetivo espelhar a realidade e criticá-la.

2.4. OS X-MEN E A LUTA PELA IGUALDADE RACIAL Os quadrinhos dos X-Men foram lançados nos Estados Unidos em setembro de 1963, aproximadamente um mês depois dos discursos sobre igualdade de Martin Luther King Jr. Embora não tenha feito sucesso no começo, a necessidade que a sociedade tinha para discutir os problemas sociais de discriminação racial tenha talvez ajudado nas vendas. X-Men conta a história de um mundo em que uma raça fictícia que é dada como a próxima evolução do ser humano, a Homo Superior, começa a aparecer pelo mundo inteiro. Estes mutantes têm habilidades extraordinárias, como telepatia, controle do

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clima, etc. Como são diferentes do resto da humanidade, a sociedade rapidamente os discrimina e os exclui, chegando até a não considera-los como humanos, o que é uma metáfora direta à segregação e preconceito racial e a luta pelos direitos civis que aconteceu na década de 1960 nos Estados Unidos. Nesta época, negros não eram vistos de um modo igual aos brancos perante a lei. Ao fazer destes personagens heróis, o seu criador Stan Lee estava mandando uma mensagem clara sobre a sua posição contra a segregação e contra a violência. Por exemplo, o líder dos X-Men, o Professor Charles Xavier tem uma visão onde as duas espécies podem conviver pacificamente em uma atmosfera de colaboração, o que lembra muito o discurso de Martin Luther King Jr sobre como negros e brancos podiam conviver sem conflitos. Já Erik Lensherr, o Magneto, tem a visão que os mutantes justamente por serem superiores devem subjugar os humanos e escraviza-los. Esta visão radical corresponde à de Malcom X. Não é por acaso que Magneto é um dos maiores antagonistas dos X-Men. Como já vimos, os quadrinhos são uma ferramenta eficiente para propagar mensagens, por meio de sua linguagem simples e narrativa lúdica. Usando o deslocamento para se utilizar de personagens fictícios que tinham os papeis de heróis da trama para tomarem o lugar de minoria oprimida, Lee assim também deslocava os leitores, os forçando a pensar e refletir sobre os mesmos problemas que aconteciam no mundo daquela época. Pois se os heróis dos quadrinhos eram considerados minorias e sofriam violência e discriminação por serem diferentes, o que então pensar dos negros e outras minorias da vida real que tinham o mesmo destino? Com o passar do tempo e o fim da segregação racial, os quadrinhos dos X-Men continuam sendo atuais, pois os seus temas ainda são facilmente relacionáveis. Preconceito e discriminação das minorias ainda são coisas que acontecem por todo o mundo, e talvez seja por isso que os quadrinhos ainda façam sucesso. A metáfora ainda é facilmente identificável pelo público, mostrando que o problema social que ela aponta ainda é existente.

3. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS Por toda a história das HQs, as suas narrativas sempre permaneceram simples e lúdicas, de fácil entendimento para os seus leitores. E por elas serem tão populares, seus autores logo começaram a fazer uso de metáforas, umas mais sutis e outras menos, para

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expressar as suas opiniões pessoais sobre assuntos pertinentes. Com uma narrativa de fácil entendimento, unindo o texto à imagem para criar a ilusão de movimento e diálogo, essas metáforas são compreendidas mais facilmente pelos seus leitores, se fixando nas suas mentes e os levando assim à reflexão (por mais superficial que seja) dos assuntos abordados e ao desejo de mudança do cenário social destrutivo. Diante dos argumentos e problemas apresentados, analisamos o histórico da relação entre as histórias em quadrinhos e as metáforas para acontecimentos históricos e chegamos à conclusão de que os conflitos bélicos serviram, e ainda servem, como fontes para tais narrativas. Como tais conflitos mudaram várias vezes o cenário sociopolítico mundial, as histórias em quadrinhos frequentemente serviram como “espelho” da sociedade, utilizando-se de metáforas para que a mensagem fosse mais facilmente captada pelos públicos. Elas foram moldadas pelos desejos inconscientes e/ou conscientes da sociedade por mudanças, como foi o caso do movimento feminista e a opinião pública sobre as guerras Fria, do Vietnã, Iraque, e tantas outras, além das injustiças sociais que sempre existiram. Essas histórias conseguem chegar a um número muito grande de leitores, que muitas vezes acompanham as suas narrativas continuadamente, já que as histórias são apresentadas em “sagas” que podem se estender por muitas e muitas revistas, e os acontecimentos que são inclusos nelas podem influenciar os acontecimentos de muitas outras revistas. Foi como aconteceu na saga “Guerra Civil” da Marvel Comics: uma metáfora maciça para os acontecimentos dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2011 que dominou todos os grandes títulos da editora, criando uma história complexa e intrincada em que vários personagens importantes, que normalmente não têm vínculos um com o outro, se veem vivendo as consequências de um mesmo ato terrorista. Um ponto a se dar atenção é que por mais que estes problemas sociopolíticos tenham sido o foco das metáforas de muitas histórias em quadrinhos que também tinham como objetivo levar questionamentos às mentes dos leitores e por mais que a sociedade tenha evoluído desde as épocas em que estas histórias foram lançadas pela primeira vez, eles ainda são presentes no mundo atual. Em especial, a discriminação racial, sexual e de gênero. Apesar de todas as conquistas, as mulheres ainda ganham menos que os homens para os mesmos cargos, mesmo quando têm um grau de escolaridade igual ou maior.

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Por fim, apesar dos editores e autores das histórias em quadrinhos sem dúvida terem feito uso de assuntos polêmicos e populares para aumentar as vendas e gerar mais lucro para as editoras, não há dúvidas que também existia e ainda existe uma preocupação social no fundo, principalmente no caso das HQs que continham mensagens anti-guerra. Seja para ter lucro, disseminar ideias ou ambos, as histórias em quadrinhos sempre fizeram uso de metáforas para realizar tal feito. Qualquer linguagem narrativa necessita de metáforas para fazer com que a sua mensagem tenha efeito e seja totalmente compreendida pelo interlocutor, e as HQs ao complementar a sua narrativa com o uso de imagens sequenciais, junto da sua grande popularidade, são um grande instrumento para disseminar mensagens, ao mesmo tempo em que servem de entretenimento.

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