Historiografia da ciência - a recuperação de um lugar para a participação portuguesa

Onesimo Teotonio Almeida

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Ponta Delgada 2001

HISTORIOGRAFIA DA CrENCIA a recuperagao de urn Iugar para a participagao portuguesa por Onesimo Teot6nio Almeida*

Na avalia9ao do manuscrito de urn livro sobre a hist6ria da expan­ sao portuguesa solicitada por uma muito conhecida editora de lfngua inglesa a que 0 livro foi enviado, e referindo-se especificamente a urn ensaio sobre a nova mentalidade cientffica no Portugal de quinhentos, 0 historiador-crftico escrevia: "E demasiado hist6ria intelectual europeia e nao cabe num volume sobre esta problematica" 1. E sabido, e por demais relembrado, que 0 contributo portugues para a hist6ria universal foi indubitavelmente 0 da expansao maritima nos seculos XV e XVI. Nessa participa9ao a historiografia portuguesa tern des­ curado a inclusao das transfonna90es ocorridas na mente de urn grupo liga­ do a expansao, especificamente 0 reconhecimento da importil.ncia da expe­ riencia como criterio de verdade superior ao da autoridade dos classicos, bern como urn aprofundamento das reflexoes sobre a interac9ao entre a experiencia e a razao. Entre esses novos elementos constitutivos de uma mentalidade que hoje consider(jlllos modern a, figuram ainda outros aspec­ tos pioneiros como 0 da interac9ao entre te6ricos e praticos2. Diversfssimos

• Brown University (Providence - U. S. A.). I Trata-se de uma avalialfao an6nima e por isso nao poderao ser citados names nem poderei fazer referencias mais especfficas. Tive acesso ao relat6rio par deferencia do autor. 2 Para urn resumo desses elementos inovadores, veja-se sobretudo 0 meu ensaio "Portugal and the Dawn of Modem Science", in George D. Winius, ed., Portugal - the Pathfinder. Journeys from the Medieval Toward the Modem World - 1300 - ca. 1600 (Madison, WI: Hispanic Medieval Seminary, 1994), pp.347-368.

ARQUIPELAGO· HIST6RIA, 2" sene, v (2001)

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ONEsIMO TEOT6NIO ALMEIDA

volumes, muitos deles de inegavel qualidade, tern sido publicados em Portugal na ultima decada e meia, mas em quase todos e regularmente omi­ tida essa faceta da participa'5ao portug uesa . Quer dizer, os historiadores portugueses estao tacitamente de acordo com os seus congeneres de outras lfnguas europeias ao passarem por cima dessa participagao. Num ensaio relativamente recente fiz alusao a dificuldade de se abordar esta tematica devido a politizagao provocada pela historiografia da ditadura salazarista3 . A famigerada "revolugao da experiencia", apregoada por alguns ideologos do regime, como que minou 0 terreno de tal modo que ainda hoje nem os mais extremos cuidados evitam escolhos. Mas esse facto nao explica 0 silencio. Com efeito, a actual historiografia portuguesa tern revisitado sem receios toda a historiografia produzida durante 0 salazaris­ mo com uma frescura e modemidade notaveis, transfonnando 0 campo da na mais dinamica das disciplinas de investigagao em PortugaL Fora da Europa, compreende-se que os ventos hlst6ricos nao sejam favoraveis a revisitagoes umbilicais que sistematicamente esquecem ou secundarizam 0 outro lado do mundo, parte fundamental da expansao. os animos tern vindo a serenar e a ate a velha f6rmula de "expan­ sao europeia" conseguiu ser reinstituida e circular livremente. Urn grupo de historiadores anglo-americanos, particulannente interessados no fen6meno da expansao europeia, decidiu, contra-corrente, organizar-se e instituciona­ lizar uma iniciativa intitulando-a The Forum on European Expansion and Global Interaction4 . Este backlash nao foi unico, pois nos Ultimos anos tern vindo a restabelecer-se urn equilfbrio que aos poucos vern recolocando nos devidos lugares algumas areas c1assicas de investigagao hist6rica. 0 comentario referido no infcio deste ensaio revel a, porem, que mesmo entre os espiritos mais abertos, a hlst6ria da ciencia ainda ro'5 a os perigo s da auto­ contemplagao da hegemonia europeia. Estudar 0 suposto "contributo" de POltugal para 0 desenvolvimento de duas das areas mais profundamente europeias, suportes constituintes do capitalismo, como sao a ciencia e a 3 "Sobre a 'revolu