HIV de cabelos brancos: perfi l de idosos vivendo com AIDS Em quatro municípios de Santa Catarina, Brasil

July 5, 2017 | Autor: Patrick Wachholz | Categoria: Geriatrics, Gerontology, Gerontologia, Geriatric medicine, Geriatria
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Artigo Original

HIV de cabelos brancos: perfil de idosos vivendo com AIDS Em quatro municípios de Santa Catarina, Brasil White hair HIV: profile of the elderly living with aids In four cities of Santa Catarina, Brazil Patrick Alexander Wachholz1, Fabrizio Kiezer Fiamoncini2 1 - Médico, especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica, pós-graduado em Gerontologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, professor dos Cursos de Especialização em Gerontologia e Geriatria do Centro Universitário Positivo, pesquisador do Grupo Multiprofissional de Pesquisas sobre Idosos – Universidade Federal do Paraná. 2 - Fisioterapeuta, pós-graduado em Gerontologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Instituição: Curso de Pós-graduação em Gerontologia Social - Universidade Federal de Santa Catarina – Núcleo de Estudos da Terceira Idade - Florianópolis - SC Endereço de correspondência: Av. Mal Humberto de Alencar Castelo Branco, 1000 A.202/2 - Curitiba – PR . CEP 82530-020 Email: [email protected]

RESUMO

ABSTRACT

Objetivos:Descrever a epidemiologia, perfil da vida sexual e conhecimentos sobre o HIV em amostra de idosos com aids residentes em 4 municípios de Santa Catarina. Métodos: Estudo observacional transversal, com uso de dados secundários e aplicação de entrevista estruturada.Incluídos pacientes com idade ≥60 anos,diagnóstico confirmado de aids, em acompanhamento nas unidades públicas de Balneário Camboriú, Blumenau, Itajaí e Joinville, entre 01/09 a 01/11/04. Devido à escassez de instrumentos para a pesquisa da sexua-lidade em idosos, foi adaptado instrumento validado(Brazil Old Age Schedule), incluindo questões voltadas ao perfil da sexualidade e conhecimentos sobre a aids. Resultados: Dos 77 idosos(amostral potencial), 31(40.25%) foram entrevistados. Evidenciou-se equilíbrio na distribuição por gênero(p>0.7642–χ2), predomínio da raça branca(80%) e pouca escolaridade, idade média da amostra de 64,75a. Quase 50% dos idosos desfrutavam de vida conjugal, 51,6% da amostra com vida sexual ativa. Dos idosos com vida sexual, 37.8% não fazem uso regular de preservativos.Quase 68% dos idosos consideraram sua saúde boa/ ótima, percepção não influenciada pelo gênero(p=0.93–χ2)ou CD4(p=0.88– χ2). Mais de 80% declarou a via sexual como causa da contaminação, 25 idosos identificaram-se como heteros-sexuais; 30% da amostra não se considera atingido pelas campanhas contra a aids. Conclusão:Não há predomínio de gênero na população idosa estudada;baixa escolaridade e pouco conhecimento sobre o HIV são freqüentes.Mesmo portadores conhecidos da aids, o uso de preservativos tem baixa prevalência nos idosos com vida sexual ativa. Parcela considerável dos idosos não se considera atingida pelas atuais campanhas de prevenção contra a aids.

Objectives: To describe the profile of the epidemiology, sexual behavior and knowledge about the HIV in an aged sample of elderly living in four cities of Santa Catarina, Brazil. Methods: Observational and transversal study, using information from the medical records and applying an structured interview. Were included patients aged 60y or more, diagnosed aids, attending the public reference units for aids in Balneário Camboriú, Blumenau, Itajaí and Joinville, between 01/09 and 01/11/2004. As there were no sexuality research instrument validated in Portuguese, we adapted an validated one (Brazil-Old-Age-Schedule), including questions related to sexual behavior and aids knowledge. Results: From 77 elderly identified as potential sample, 31(40,25%) were interviewed. We noted an equilibrium between the genre distribution(p>0,7642-χ2), white skinned dominion(80%), and low levels of formal education; mean age of the sample was 64,75y. Almost 50% of the sample perceived their health as good/excellent, perception not influenced by genre(p=0,93- χ2) or CD4(p=0,88- χ2). More than 80% declared sex as the probable cause of contamination, 25 elderly identify themselves as heterosexual. From the elderly with sexual life, 37,8% do not use condoms regularly; 30% of the sample do not believed that the campaigns against aids affected their behavior. Conclusions: There is no genre dominion in this aged sample with aids; low educational level and few knowledge about HIV prevention are prevalent. Even knowing their HIV status, condom use between the infected elderly with sexual life is low. A great portion of the sample does not felt informed by the current aids prevention programs.

Descritores: AIDS; Síndrome de imunodeficiência adquirida; HIV; sexualidade; idoso; comportamento sexual.

Keywords: AIDS; Acquired Immunodeficiency Syndrome; HIV; Sexuality; aged; sexual behavior.

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INTRODUÇÃO

Desde a publicação original de cinco casos de pneumonia pelo P.carinii em jovens homossexuais de Los Angeles (Estados Unidos), há mais de vinte e cinco anos, a pandemia de aids sempre foi relacionada a populações predominantemente jovens1,2,3. Em função da maior exposição a comportamentos considerados de risco, e pelo impacto epidemiológico da doença em grupos jovens, a maioria dos estudos envolvendo a temática aids até o momento excluiu (ou abordou apenas superficialmente) o segmento etário considerado idoso4. De fato, estima-se que 40% de todos os casos novos diagnosticados anualmente ocorrem entre 15 a 24 anos5. Nas duas últimas décadas, porém, mudanças significativas contribuíram para a diversificação do panorama da epidemia. Destacam-se, por exemplo, a interiorização, pauperização e heterossexualização da transmissão do vírus3,6,7; o desenvolvimento de terapias antiretrovirais potentes2 e o conseqüente aumento na sobrevida das populações infectadas pelo vírus do HIV6; dentre outras. Concomitantemente, os países desenvolvidos (e muitos dos países em desenvolvimento) vêm observando um interessante fenômeno epidemiológico de transição populacional, substituindo coortes predominantemente jovens por populações envelhecidas ou em processo de envelhecimento. De fato, a Organização Mundial de Saúde estima que entre 1970 a 2025 ocorra um crescimento de 223% no número de pessoas mais velhas, o que agregaria quase 694 milhões de idosos a população mundial8. Apesar das dificuldades atuais em estimar-se o percentual de pacientes idosos* infectados pelo HIV, tendo em vista que a grande maioria dos trabalhos norte-americanos historicamente utiliza como “população envelhecida” com aids a população com 50 anos ou mais4,9,10,11, acredita-se que os idosos representem entre 15 a 24 anos do total de casos de aids notificados4,9-13. Alguns fatores importantes, todavia, podem causar ou vir a causar impacto nestas estatísticas, e devem ser destacados: (a) com o aumento da sobrevida proporcionado pelas terapias anti-retrovirais de alta potência, populações atualmente infectadas com idades entre 40 e 59 anos tem grandes possibilidades de envelhecerem; (b) com o advento de intervenções farmacológicas (como os agentes que prolongam a ereção ou as “reposições hormonais”) ou cirúrgicas (próteses penianas, perioneoplastias, dentre outras) e o maior estímulo a manutenção da vida social entre os idosos, o acesso a vida sexual (conjugal ou não) prolongou-se; (c) pouco se conhece acerca das atitudes, práticas e comportamentos sexuais do atual contingente de idosos (infectados ou não), e poucas iniciativas tem sido levadas a êxito para alcançar-se estas respostas.

É reconhecido por diversos autores que a avaliação de programas de saúde, particularmente no que tange a aids, requer a seleção de indicadores e características relevantes para a monitorização da epidemia, úteis na avaliação seqüencial do impacto das ações programáticas, e capazes de sugerir aspectos a serem avaliados no futuro14. Deste modo, reconhecer a vulnerabilidade deste grupo populacional e a ausência de estratégias de prevenção e combate a transmissão do HIV focadas para grupos etários idosos é mister para que iniciativas de abordagem a esta população possam, assim, serem deflagradas. O objetivo desse trabalho é descrever as características epidemiológicas e sociais, o perfil relacionado à vida sexual e os conhecimentos sobre a dinâmica da doença em amostra de idosos com aids residentes em quatro municípios de Santa Catarina, no sul do Brasil. MÉTODOS

A presente investigação constitui-se em um estudo observacional descritivo, do tipo transversal, com uso de métodos quantitativos. Para tanto, nos utilizamos de dados secundários (informações contidas nos prontuários médicos, bem como dos dados obtidos através de aplicação de entrevista estruturada, após a obtenção do consentimento livre e esclarecido por escrito, referente à participação voluntária no estudo. Foram respeitados, em todas as etapas da investigação, os princípios éticos contidos na Declaração de Helsinki (1995) e Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. A amostra do estudo foi selecionada através dos seguintes critérios de inclusão: (a) idade cronológica igual ou superior a sessenta anos completos; (b)idosos portadores confirmados e notificados de aids**, vivos e em regular acompanhamento nas unidades de referência para o atendimento de DST/aids nos municípios de Balneário Camboriú, Blumenau, Itajaí e Joinville, no período de 1o de Setembro a 1o de Novembro de 2004. Por acompanhamento regular subentendeu-se que estes pacientes estivessem comparecendo em pelo menos uma consulta a cada três meses desde o ano anterior a realização da pesquisa, e/ou retirando a medicação anti-retroviral mensalmente nos últimos seis meses. Foram excluídos da amostra: - indivíduos cujo tempo de residência no município aonde foram entrevistados fosse menor do que quatro semanas; - indivíduos incapazes de, voluntariamente, prestar as informações necessárias ou compreender os termos previstos no termo de consentimento livre e esclarecido, por patologia cognitiva, psiquiátrica ou déficit motor incapacitante; - indivíduos que não fossem localizados nos endereços e/ou telefones disponíveis no prontuário da unidade, após três tentativas consecutivas, em dias diferentes.

* De acordo com a Constituição Brasileira de 1988, e o Decreto num. 1.948/96 que regulamentou a Lei nº. 8.842/94, é considerada idosa no Brasil a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. ** Foram adotados como critérios para a definição de casos de aids os critérios propostos pelo Ministério da Saúde em 2004, na publicação Critérios de definição de casos de aids em adultos e crianças (BRASIL, 2004). ENVELHECIMENTO E SAÚDE 14(1) - 2008

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A amostra potencial foi selecionada investigando-se todos os prontuários ativos em cada uma das quatro unidades, procurando por pacientes que preenchessem os critérios de inclusão propostos pelo estudo. As entrevistas foram agendadas com os próprios pacientes, através de contato telefônico mediado pelos profissionais das respectivas unidades, ou pessoalmente após as consultas de rotinas realizadas nas mesmas. Tendo em vista a inexistência de instrumentos validados e testados (até o momento da realização da investigação) para a pesquisa completa do perfil epidemiológico, do comportamento sexual e conhecimentos sobre a aids em pessoas idosas, os autores elaboraram um questionário, composto em sua maioria por questões objetivas e dirigidas, contemplando as variáveis consideradas de interesse a realização do presente estudo. A construção do instrumento utilizou como base para o estabelecimento do perfil epidemiológico a versão brasileira do OLD AGE SCHEDULE (BOAS), coordenada por Veras e colaboradores. Foram selecionadas trinta das 75 questões originais do instrumento para compor oito subseções. Às questões originais selecionadas do BOAS foram adicionadas 42 questões com temáticas envolvendo a identificação de práticas e/ou comportamentos de risco, conhecimentos sobre a doença e métodos de prevenção, avaliação sobre a eficácia das campanhas e políticas públicas envolvendo o HIV/ AIDS, e informações de interesse disponíveis no prontuário médico. As questões envolvendo a temática aids e o comportamento sexual basearam-se nas questões utilizadas pela UNAIDS (1998) no instrumento “Questionnaire for tracing sexual networks”15, e pela American Association of Retired Person, no instrumento da pesquisa “Modern Maturity Sexuality Study”. Com um total de setenta e duas perguntas, a aplicação das entrevistas revelou um tempo médio de aplicação de 22,94 min (± 9,84min), com um tempo mínimo de 15 min e máximo de 57 min. As entrevistas foram realizadas por apenas três pesquisadores, após a padronização de condutas entre os mesmos, através de piloto com amostra de dez idosos. Todos os dados foram armazenados em planilha eletrônica, utilizando-se do software Excel®, sendo posteriormente analisados com o auxílio do pacote estatístico SPSS versão 11.0®. As variáveis categóricas foram analisadas através de testes

não paramétricos e pela estimativa de prevalência, através dos testes do qui-quadrado, testes das diferenças de Wilcoxon e teste exato de Fisher, com intervalo de confiança de 95%, p significativo se igual ou inferior a 0,05 (α=5%). RESULTADOS

Foram identificados, no período de estudo, 77 casos de pacientes idosos com aids nos municípios pesquisados (Balneário Camboriú, Blumenau, Itajaí e Joinville). Destes, 31 pacientes (40.25%) compuseram a amostra populacional do presente estudo. A tabela 1 apresenta a distribuição dos casos de acordo com o município sede e motivos da exclusão dos demais 46 indivíduos. A média de idade dos entrevistados do sexo masculino foi de 64.4 anos, enquanto o sexo feminino apresentou média de idade de 65.1 anos. A paciente mais longeva entrevistada tinha idade de 79 anos. A maioria dos entrevistados (70%) possuía apenas o curso primário (atual ensino fundamental); cinco idosos declararam-se analfabetos (16.1%) e nenhum dos entrevistados tinha curso superior. A amostra populacional analisada evidenciou um equilíbrio na distribuição por gênero, não sendo detectada diferença estatística significativa na proporção de casos em nenhum dos quatro municípios (p = 0.7642 – χ2). A distribuição de pacientes entrevistados com relação ao sexo é de 51.6% para o sexo masculino e 48.4% para o sexo feminino (relação homem:mulher de 1.07:1). Houve predomínio de entrevistados percebidos como brancos em todos os municípios, com valores percentuais superiores a 80% da amostra. Quinze idosos entrevistados (48.3%) declararam-se casados ou desfrutando de vida conjugal. Não houve diferença estatística significativa na distribuição dos idosos estudados segundo o gênero e estar casado/vivendo junto (p = 0.68 - Fisher). Quando interrogados sobre como percebem sua atual situação de saúde, aproximadamente 68% dos idosos entrevistados consideraram-na boa (61.3%) ou ótima (6.5%). Aproximadamente 67% (n=21) dos idosos declararam ser portadores de outras comorbidades (que não a própria aids ou doenças atribuídas a ela), como hipertensão arterial, doenças reumatológicas, déficit’s visuais ou auditivos, etc. Quando analisado o impacto da presença declarada de outras comorbidades na percepção da situação atual de saúde, verificou-se que cem por cento dos pacientes que referiram estado de saúde ruim ou péssimo declararam a presença de

Tabela 1 - Distribuição da população de pacientes idosos com aids acompanhados nas unidades de referência DST/aids em Blumenau, Balneário Camboriú, Itajaí e Joinville, e respectivas causas para a não inclusão no plano amostral do estudo. Santa Catarina, 2004 Cidades

Idosos com aids em acompanhamento

Não compareceram N

%

Excluídos da pesquisa n

%

Perda da amostra %

Joinville

18

9

50,0%

4

22,2%

72,2%

Itajaí

28

16

57,1%

3

10,7%

67,9%

Balneário Camboriú

18

9

50,0%

3

16,7%

66,7%

Blumenau

13

-

0,0%

2

15,4%

15,4%

TOTAL

77

34

44,2%

12

15,6%

59,7%

8 Env e Saúde 14 n1 30 09 08 L9.in8 8

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outras enfermidades. Entre os idosos que classificaram-na como ótima ou boa, encontrou-se distribuição equalitária entre a presença e a ausência de doenças. A percepção da atual situação de saúde também não foi significativamente influenciada pelo gênero do entrevistado (p=0.93 - χ2), ou pelos valores da última mensuração dos linfócitos T CD4, mesmo quando inferiores a 200 células/mm3 (p=0.88 - χ2). Dos idosos que declararam uma percepção de saúde “boa”, por exemplo, 68.4% (n=13) possuíam a última contagem de CD4 disponível no prontuário médico abaixo de 200 células/mm3. Dos 31 idosos entrevistados, 16 (51.6%) declararam manter vida sexual ativa no período da investigação, definida como a realização de ao menos um intercurso sexual nos últimos seis meses. Não houve significância estatística ao avaliar-se a manutenção de vida sexual ativa e gênero ou estado civil/ conjugal na amostra. A média de idade na época da descoberta do diagnóstico de soro-positividade foi de 58 (± 5.8) anos para o sexo masculino e de 60.3 (±5.4) anos para as mulheres. O teste das médias de Wilcoxon revelou que a idade média de descoberta da doença não diferiu entre os sexos (p=0.10). Nenhum idoso entrevistado declarou o uso de drogas injetáveis como provável causa do contágio. Mais de 80% (n=25) acredita que a contaminação pelo HIV possa ter acontecido através de contato sexual, 67.77% deles através de contato sexual com múltiplos parceiros ou com parceiro portador do vírus. Quando interrogados sobre sua opção sexual, 80.6% (n=25) dos pacientes identificaram-se como heterossexuais, 12.9% (n=4) assinalaram a opção homossexual, e 6.4% (n=2) a opção bissexual. Menos de 10% dos entrevistados confirmaram que começaram a apresentar comportamento de risco (em sua maioria múltiplos parceiros heterossexuais) após os sessenta anos.

Gráfico 1 - Distribuição da amostra de idosos com aids entrevistados nos quatro municípios investigados segundo a freqüência de relações sexuais declaradas nos últimos seis meses. Santa Catarina, 2004.

Utilizando o teste de Wilcoxon, não se encontrou diferença significativa entre a freqüência das relações sexuais e o gênero dos idosos entrevistados. Tabela 3 - Distribuição da freqüência das relações sexuais entre os idosos com aids entrevistados nos quatro municípios selecionados, segundo o gênero, interpretados pelo teste das diferenças de Wilcoxon. Santa Catarina, 2004 Frequencia das relações sexuais Muito frequentemente

SEXO Masculino Feminino

Estatistica Z

p

100,0%

0,0%

2,00

0,454

Frequentemente

50,0%

50,0%

0,00

1,0

As vezes

75,0%

25,0%

1,41

0,1616

Quase nunca

50,0%

50,0%

0,00

1,0

Nunca

-

-

-

-

Não mantem vida sexual ativa

-

60,0%

-1,10

0,2714

Tabela 2 - Distribuição da amostra de idosos com aids em quatro municípios catarinenses segundo a média de idade na época do diagnóstico, o gênero e o comportamento de risco declarado como provável para a contaminação pelo HIV. Santa Catarina, 2004. Masculino Provável causa da contaminação ou contágio

n

Feminino

Idade em que descobriu a soropositividade média (anos)

d.p.

1

55,0

-

-

-

4

Acidente de trabalho Contato sexual – múltiplos parceiros ou parceiro com HIV

Hemoderivados contaminados Uso de drogas injetáveis Contato sexual – homossexual/ bissexual

Nenhum risco TOTAL

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Idade em que descobriu a soropositividade n média (anos)

d.p.

1

55

-

-

-

-

-

54,8

5,6

-

-

-

1

60

-

-

-

-

11

59,5

5,8

10

59,7

4,4

-

-

-

2

61,0

1,4

16

58,0

5,8

15

60,3

5,4

9 07/10/2008 09:43:35

Dentre os idosos com vida sexual ativa foi investigado o uso de preservativos nas últimas relações sexuais. Dos 16 idosos que declararam vida sexual ativa nos seis últimos meses, seis (37.8%) não fazem uso de preservativos em todas as suas relações ou só os utilizam irregularmente. Aproximadamente 65% (n=20) dos idosos entrevistados declararam que tinham poucos conhecimentos sobre como se prevenir da aids antes de descobrir-se soropositivo. Não foi identificada diferença significativa quando se analisou esta variável e o grau de escolaridade ou o gênero, mesmo entre os idosos analfabetos (p=0.76 - χ2). Vinte e três idosos (74.2%) já tiveram conhecimento de pelo menos uma das campanhas e programas públicos de prevenção e combate a aids, e acreditam que os mesmos são eficazes. Dentre os entrevistados que acreditam que as atuais campanhas não são eficazes, 85.7% acham que as mesmas não conseguem transmitir claramente tudo o que se deveria saber para prevenir o contágio, e 42.9% acham que as atuais campanhas publicitárias focam somente a população jovem. DISCUSSÃO

Desde o primeiro relato oficial de aids no mundo, mais de 65 milhões de pessoas foram infectadas com o vírus do HIV, e mais de 25 milhões já morreram por conseqüências relacionadas à doença1,5. O segmento etário idoso tende a geralmente não ser percebido como sendo composto por pessoas expostas ao risco de contrair o vírus, e são muito menos propensas a testarem-se voluntariamente para a doença do que os indivíduos jovens11. Atrasos no diagnóstico são extremamente freqüentes, inclusive pela apresentação atípica que muitas vezes precede as manifestações características da síndrome. Associados ao inerente declínio nas funções imunes do envelhecimento normal (especialmente pela conhecida redução na produção de receptores para IL-1 e IL-2 e pela involução do timo), a infecção pelo HIV tende a apresentar uma resposta mais lenta e arrastada, com pobre resposta dos linfócitos CD4 à infecção primária11, o que pode justificar porque a idade per se seria um importante preditor da progressão da infecção pelo HIV9. Historicamente, os dados norte-americanos que apresentam a epidemiologia da aids em pacientes mais velhos utilizam o critério etário de idade igual ou superior a 50 anos, em respeito ás publicações originais do CDC nas primeiras descrições da doença. Desde 1985, porém, a Organização das Nações Unidas define idoso como sendo toda a pessoa com sessenta anos ou mais, desde que residente em países em desenvolvimento; nos países desenvolvidos, uma pessoa só é considerada idosa após ultrapassar os 65 anos de idade8. Apesar de este fato dificultar as comparações entre estudos feitos com populações exclusivamente ou predominantemente idosas, devido a escassez de estudos envolvendo a temática aids e terceira idade, eventualmente nos utilizaremos de dados norte-americanos na discussão dos resultados desta 10 Env e Saúde 14 n1 30 09 08 L9.in10 10

pesquisa, destacando esta particularidade, porém, sempre que oportuno. Durante o estudo, os quatro municípios investigados (Blumenau, Balneário Camboriú, Itajaí e Joinville) em conjunto eram responsáveis pela notificação de 3.776 casos de aids, o que corresponde a 34.42% dos casos notificados em Santa Catarina em todas as idades16, no mesmo período. A análise da amostra estudada evidenciou um equilíbrio na distribuição dos casos segundo o gênero, com uma relação de homem : mulher da ordem de 1.07. A evolução para essa distribuição igualitária entre os gêneros tem sido uma tendência encontrada em diversas pesquisas anteriores3,7,10. Fonseca e colaboradores3 destacam que participação proporcional de casos femininos tem aumentado gradativamente ao longo da epidemia, mesmo em segmentos etários mais envelhecidos. Segundo estudos norte-americanos, a população idosa acometida costumava ser predominantemente masculina, talvez em função da prevalência maior de comportamentos de risco nesse gênero em décadas anteriores4. Alves12 encontrou, pesquisando casos de aids em indivíduos com 50 anos ou mais notificados em Pernambuco, no período de 1990-2000, uma distribuição de 77,3% dos casos em homens. Alguns autores9,11 sugerem, porém, que mulheres idosas estariam em maior risco de contrair aids do que os homens idosos, devido principalmente às mudanças fisiológicas nos aparelhos imunológico e genitourinário, apesar da possibilidade de que, ao nosso ver, fatores sociais, psicológicos e principalmente comportamentais também exerçam forte influência nessas estatísticas. Cerca de 16% dos entrevistados eram analfabetos, enquanto quase 70% da amostra tinham apenas o nível primário (ensino fundamental), e menos de 7% tinham segundo grau completo (ensino médio), confirmando dados de que a evolução da epidemia tende a afetar extratos mais pobres da população3, principalmente a partir das duas últimas décadas. Alves12 encontrou taxas semelhantes, tendo documentado valores de 10.4% para analfabetismo no segmento etário de 50 anos ou mais, 47.1% para o ensino fundamental, 26.3% para o ensino médio, e 16.2% de pacientes com nível superior. Segundo dados do Ministério da Saúde17, até 1982 a totalidade dos casos brasileiros diagnosticados era de nível superior ou segundo grau. Nos dois anos subseqüentes foram observadas freqüências de 83 e 84% (1983/84), e de 76% em 1985, como pertencentes a esse mesmo grupo; na época apenas 24% dos casos eram analfabetos ou tinham somente o primeiro grau (completo ou incompleto). Acreditamos que a análise desta variável possa encontrar-se prejudicada na presente amostra por dois motivos: primeiro, o estudo selecionou somente os pacientes com aids em acompanhamento nas unidades públicas de saúde, não avaliando pacientes acompanhados em consultórios particulares, a priori com melhor poder aquisitivo e maior escolaridade; em ENVELHECIMENTO E SAÚDE 14(1) - 2008

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segundo lugar, a limitação da amostra pode comprometer parcialmente inferências mais precisas. Freihat18, pesquisando o comportamento sexual de 102 pacientes com idades superiores ou iguais á sessenta anos consultados em diversos segmentos do Ambulatório de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, encontrou que quase 48% dos homens entrevistados já experimentaram práticas de relacionamento extraconjugal em algum momento de sua vida, enquanto apenas 4,22% das mulheres responderam afirmativamente esta questão. Ao serem questionados sobre o uso de preservativos, a autora constatou que apenas 52% dos homens e 37.66% das idosas já usaram preservativos em algum momento de suas vidas. Dos pacientes com vida sexual ativa, mais de 62% dos entrevistados declarou fazer uso de preservativo em todas as relações sexuais, apesar de elevado percentual (37.6%) de idosos com vida sexual ativa de periodicidade considerada “muito freqüentemente”/ ”freqüentemente” ter respondido que faz uso de preservativos apenas ocasionalmente ou que não faz uso de proteção nas relações. A adesão dos idosos ao uso de preservativos neste estudo, porém, deve ser interpretado com cautela, pois não é um dado objetivo verificado in loco, e que pode ter sido influenciado pelo desejo do idoso em transmitir ao entrevistador uma boa impressão. As equipes multiprofissionais das quatro unidades estudadas confirmaram, informalmente, que existe insistente e contínua abordagem para a educação de seus pacientes quanto à obrigatoriedade do uso de preservativos em todas as relações sexuais, mas que mesmo assim a adesão costuma ser muito baixa entre os pacientes com idade mais avançada. Diversos autores são enfáticos em destacar a usual baixa adesão dos idosos ao uso de preservativos9,11-14. Avaliando a percepção da atual situação de saúde, observouse que a percepção “ruim” ou “péssima” parece estar mais relacionada à presença de outras comorbidades do que propriamente ao estado de portador do vírus da AIDS, ao estado imunológico do idoso ou mesmo a manutenção de vida sexual ativa, porém sem significância estatística. A contaminação por provável contato sexual foi o comportamento de risco mais assinalado, seguido do grupo homossexual. Não houve nenhum caso de usuário de drogas entre os idosos entrevistados, e apenas dois pacientes reportaram “nenhum risco”. A transmissão por hemoderivados foi suspeitada apenas em dois pacientes, o que corresponde a 6.45% da amostra. Apesar dos primeiros estudos sobre a transmissão do HIV em idosos mencionarem o recebimento de hemoderivados como a principal causa da contaminação, os achados deste estudo vão de encontro com a literatura mais recente, que confirmam o forte papel do contato sexual como fonte de contágio, mesmo em idosos9,11,19. Em relação aos conhecimentos sobre métodos de prevenção e contágio prévios ao diagnóstico, os resultados do inquérito mostraram que quase 65% dos entrevistados declararam que tinham pouco conhecimento antes de reconhecerem-se contaminados, enquanto apenas 32% dos idosos responderam ENVELHECIMENTO E SAÚDE 14(1) - 2008

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desconhecer completamente estas informações. Não houve diferença estatística significativa na estratificação desta variável segundo o gênero em relação a esta variável e mesmo segundo a escolaridade. Quando analisamos essas informações a luz da idade média na época do diagnóstico, ou seja, 59,13 anos (± 5,64), observamos que a maior parte dos atuais idosos com aids é na verdade composta por adultos que se contaminaram na meiaidade, e devido ao incremento na sobrevida ofertado pelos novos tratamentos anti-retrovirais, podem hoje envelhecer. Seria tão absurdo imaginarmos que os idosos que se contaminaram na meia idade e agora envelhecem graças aos avanços no tratamento anti-retroviral manterão os mesmos comportamentos de risco que os levaram a contaminaremse? Se sim, acreditamos que é bastante plausível especular que esse comportamento, associado a maior disponibilidade de parceiros e/ou meios de se prolongar a vida sexual possa engrossar, em pouco tempo, as estatísticas de contágio e disseminação da doença dentro do grupo etário idoso. Este estudo apresenta limitações, principalmente representadas pelo pequeno número de idosos entrevistados, e pela utilização de instrumento de entrevista ainda não validado em nosso meio. Frente à escassez, porém, de pesquisas, iniciativas e instrumentos voltados ao estudo da aids e da sexualidade na terceira idade, é importante que trabalhos como este possam estimular a busca pelo aprimoramento no estudo desta temática. A seleção apenas de idosos assistidos pelo sistema público de saúde, excluindo os idosos atendidos em clínicas e consultórios particulares, também pode oferecer distorções no perfil da população apresentada neste estudo. CONCLUSÃO Poucos estudos, até o presente momento, têm se dedicado à abordagem do tema aids e envelhecimento, principalmente em nosso país. Apesar das limitações pertinentes ao estudo, alguns achados são dignos de nota:

1 - A população idosa estudada encontra-se igualitariamente distribuída entre o sexo masculino e feminino, têm o ensino fundamental como escolaridade máxima, e dispunha de pouco conhecimento (prévio a contaminação) sobre métodos e técnicas de prevenção contra o HIV. 2 – Mesmo portadores conhecidos da aids, quase 40% da amostra com vida sexual ativa não utilizavam preservativos em todas as suas relações sexuais, o que reforça a baixa adesão deste segmento etário ao uso de preservativos, mesmo após terem sido muito bem orientados pelas equipes multiprofissionais de suas respectivas unidades. 3 – Apesar dos reconhecidos benefícios e conquistas inerentes às excelentes políticas públicas e campanhas contra a aids e a transmissão do HIV no Brasil, uma parcela considerável dos idosos entrevistados não se considera “atingida” ou orientada o suficiente por estas exposições publicitárias, o que poderia influenciar, também, a baixa adesão ao uso de preservativos. 11 07/10/2008 09:43:36

Associe-se a estas variáveis a informação de que pouquíssimos idosos procuram serviços de saúde para a pesquisa voluntária do HIV. Muitos profissionais de saúde não suspeitam de que seus pacientes (geriátricos ou não) possam ser portadores do HIV. Movidos pelos interesses econômicos da indústria farmacêutica, do turismo e do comércio, muitos idosos permanecem hoje social e sexualmente ativos, e, quiçá, expostos aos mesmos comportamentos de risco de alguns destes idosos entrevistados que não utilizam preservativos em todas as suas relações.

AGRADECIMENTOS

Às unidades de referência (hospital-dia) e ás Secretarias Municipais de Saúde dos municípios de Blumenau, Balneário Camboriú, Itajaí e Joinville, ao Núcleo de Estudos da Terceira Idade – UFSC e aos idosos voluntários. Às colegas Daniela F. Modesto e Maria Odila Martins pela cooperação na coleta dos dados. Às orientadoras Dra. Maria Helena Bittencourt Westrupp e Dra. Silvia Maria Azevedo Santos, pelas orientações sempre oportunas.

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