Homem-ambiente-teia alimentar: construção de conceitos Sistêmico-Complexos mediados semioticamente por vídeos [Man-environment-food web: construction of Systemic-Complex concepts mediated by semiotic videos]

June 15, 2017 | Autor: Ana Maria Leão | Categoria: Semiotics, Biology Education, Semiótica, Semiótica, Análise do Discurso, Retórica, Semiotica
Share Embed


Descrição do Produto

X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – X ENPEC Águas de Lindóia, SP – 24 a 27 de Novembro de 2015

Homem-ambiente-teia alimentar: construção de conceitos Sistêmico-Complexos mediados semioticamente por vídeos Man-environment-food web: construction of Systemic-Complex concepts mediated by semiotic videos Patrícia Barros de Macêdo PPGEC/UFRPE [email protected] Fernanda Muniz Brayner-Lopes SEDUC/PE e PPGEC/UFRPE [email protected] Aline Furtuozo de Souza PPGEC/UFRPE [email protected] Zélia Maria Soares Jófili PPGEC/UFRPE [email protected] Ana Maria dos Anjos Carneiro-Leão UFRPE/PPGEC/Departamento de Morfologia e Fisiologia [email protected]

Resumo Relações homem-ambiente-teia alimentar foram utilizadas como tema de um processo de ensino-aprendizagem em uma perspectiva paradigmática Sistêmico-Complexa. Ela exige uma reconciliação processual de conceitos submicro, micro e macroscópicos. Nesta direção, os vídeos foram possíveis ferramentas metodológicas. Para tanto, três vídeos (Primal Connections, A Guerra do fogo e Super Size Me) foram mostrados a dois licenciandos em Ciências Biológicas de uma Universidade Federal e dois recém-graduados do mesmo curso. Este estudo compreende uma análise semiótica sob a ótica de Peirce identificando nos discursos dos sujeitos, três perspectivas entre o objecto, signo e interpretante, ou seja: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade nos discursos de estudantes e de recém-graduados. Como resultados, nossos sujeitos começaram a identificar aspectos nos vídeos que eles não tinham pensado antes. Eles desencadearam um novo processo de elaboração de seus significados anteriores e profissionais. Este ponto esclarece uma interface entre as percepções semióticas Primeiridade, Secundidade e Terceiridade em seus discursos.

Palavras chave: Conceitos Sistêmico-Complexos, Semiótica, Vídeos, Teia alimentar.

Ensino e aprendizagem de conceitos científicos

1

X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – X ENPEC Águas de Lindóia, SP – 24 a 27 de Novembro de 2015

Abstract Environment-Man-Food Web relations were used as theme of a teaching-learning process in a Systemic-Complex paradigmatic perspective. It requires a processual reconciliation of submicron, micro and macroscopic concepts. In this direction, videos were possible methodological tools. Therefore, three videos (Primal Connections, The War of the fire and Super Size Me) were showed to two undergraduate students of Biological Sciences and two recent graduates of the same course. This study comprises a Pierce based-semiotic analysis identifying in subject speeches, three perspectives among object, sign and interpretant, namely Firstness, Secondness and Thirdness. As a result, our subjects start to identify aspects in the videos which they have not thought before. It trigged a new elaboration process of their previous and professional meanings. This point was cleared by an interface among Firstness, Secondness and Thirdness semiotic perceptions in their speeches.

Key words: Systemic-Complexes concepts, Semiotics, Videos, Food web. Introdução O processo de ensino-aprendizagem de conceitos biológicos ainda é pautado no estudo detalhado dos conteúdos, rumo a um conhecimento enciclopédico desarticulado de contexto e significado, o que promove a fragmentação do conhecimento. Entretanto, Morin (2003) afirma que não se deve separar o que está ligado, pois dificilmente desenvolveremos uma perspectiva holística e não linear que atenda ao paradigma de Ciência emergente, se nos mantivermos pautados nesse processo de fragmentação excessiva. Esse novo paradigma, denominado por Capra (2006) de paradigma Sistêmico, valoriza a inter-relação entre as partes e sua articulação com o todo. O pensamento Complexo, defendido por Edgar Morin, postula que as interações entre as partes modificam as partes e também o todo (PETRAGLIA, 2011) e, de acordo com Mariotti (2000), é concebido como o abraço necessário entre as perspectivas Cartesiana e Sistêmica. A natureza dos conceitos biológicos requer o conhecimento verticalizado das partes trabalhadas em áreas disciplinares específicas, como a Ecologia, a Anatomia e a Bioquímica, mas deve priorizar a articulação entre essas “partes” e dessas com o todo. Trata-se de conceitos Sistêmicos e Complexos, cujo processo de ensino-aprendizagem requer o desenvolvimento de metodologias diferenciadas, contemplando múltiplas linguagens. Nesta direção, a semiótica (do grego semeion, signo estuda toda e qualquer linguagem verbal: falada ou escrita, rituais, danças, músicas, desenhos, imagens, filmes, etc.), procura classificar, descrever e examinar os modos de produção de sentido (SANTAELLA, 1989). Para Peirce, o signo é uma coisa que representa/substitui o objeto, ou seja, ele ocupa o lugar do objeto, sem que isso o torne o próprio objeto: Um signo intenta representar, em parte pelo menos, um objeto que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do signo, mesmo se o signo representar seu objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu objeto implica que ele afete uma mente, de tal modo que, de certa maneira, determine naquela mente algo que é mediatamente devido ao objeto. Essa determinação da qual a causa imediata ou determinante é o signo, e da qual a causa mediata é o objeto, pode ser chamada o Interpretante (PEIRCE apud SANTAELLA, 1989, p.12).

Ensino e aprendizagem de conceitos científicos

2

X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – X ENPEC Águas de Lindóia, SP – 24 a 27 de Novembro de 2015

Historicamente, desde Platão e Aristóteles, já se falava em estudo/teoria dos signos (WALTHER-BENSE, 2000). Contudo, a semiótica como Ciência emergiu sincronicamente com os estudos nos EUA (Charles Sanders Peirce), na Europa Ocidental (Ferdinand de Saussure) e na União Soviética (Viesse-lovski e Potiebniá, Marr e Eisenstein). Neste artigo, nosso foco é a compreensão semiótica sob a ótica peirciana. Segundo Peirce, uma análise semiótica requer: 1) desenvolver a capacidade contemplativa, 2) saber distinguir diferenças nessas observações; 3) generalizar as observações em classes/categorias abrangentes. Além disso, os elementos de toda e qualquer experiência ocorrem dentro de relações triádicas: do signo com ele mesmo; do signo com relação ao seu objeto, do signo com seu interpretante. Em paralelo, considerando a internalização do signo, cita três perspectivas: A Primeiridade (Firthless) que corresponde à consciência imediata, ao sentir puro das possibilidades e qualidades. A Secundidade (Secondless) que se refere à consciência interagindo com a realidade cotidiana; é a ação e reação frente a fatos concretos, como representamos a realidade com que interagimos. E finalmente, a Terceiridade (Thirdless) que é o nível por meio do qual interpretamos o mundo, aproximando os dois primeiros níveis em uma síntese, ou seja, processo de pensamento em signos (SANTAELLA, 1989). Neste ponto, devemos refletir que definir e classificar signos desarticulados de sua fenomenologia, ou seja, em uma perspectiva linear-cartesiana acarretará em um processo esvaziado de sentido (SANTAELLA, 2012). Vivemos em um mundo cercado pelo estímulo de imagens, representações visuais reais (vídeos, desenhos, pinturas, filmes) ou mentais (sonhos). Isso nos leva a interpretá-las de forma intuitiva, ingênua e muitas vezes desarticulada. Portanto, é imprescindível o desenvolvimento de uma aprendizagem sistematizada sobre leitura de imagens que favoreça uma leitura mais crítica (SANTAELLA, 2012). Aprender a ler imagens significa observar os seus aspectos e traços constitutivos e detectar o que se produz no interior da própria imagem. Ou melhor, significa desenvolver a sensibilidade para compreender o que as imagens querem apresentar/indicar, qual o seu contexto de referência e quais os seus modos de representar a realidade. Entretanto, observase que as instituições de ensino ainda supervalorizam o uso da linguagem verbal (falada ou escrita) em detrimento da aprendizagem de outras linguagens (SANTAELLA, 2012). Assim, o presente artigo compreende uma análise semiótica do discurso de licenciandos e recém-graduados em Ciências Biológicas após a “leitura” de vídeos (imagens em movimento) visando à construção conceitual. Neste sentido, elaboramos a seguinte questão de partida: como a “leitura” de imagens pode subsidiar a construção sistêmico-complexa das relações entre homem, ambiente e teia alimentar?

Metodologia A presente pesquisa possui abordagem qualitativa, pois se propõe a descrever, identificar e analisar temas ou categorias e finalmente realizar uma interpretação (CRESWUELL, 2007). Participaram deste trabalho dois licenciandos do 9º período de Ciências Biológicas de uma Universidade Federal e dois recém-graduados do mesmo curso, trabalhando em duplas. O critério de inclusão foi terem cursado todas as disciplinas da área conceitual específica da Biologia pertencentes à matriz curricular da Licenciatura, válida para ingressantes a partir de 2007 da mesma universidade, de modo a subsidiar a construção sistêmica dos conceitos envolvidos nas relações homem-ambiente-teia alimentar.

Ensino e aprendizagem de conceitos científicos

3

X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – X ENPEC Águas de Lindóia, SP – 24 a 27 de Novembro de 2015

Os instrumentos metodológicos utilizados foram três vídeos (Primal Connections1, Super Size Me2 e A Guerra do fogo3). Apesar de independentes, esses vídeos são complementares. Os dois primeiros são classificados como documentários, por serem predominantemente informativos (SANTAELLA, 2012). A Guerra do fogo é de natureza cinematográfica, por ser uma representação da realidade. Os vídeos foram selecionados a partir de arquivos disponibilizados na internet e posteriormente editados visando selecionar as cenas mais representativas com relação ao tema. O critério utilizado para a seleção dos vídeos foi possuir elementos que favorecessem a construção Sistêmico-Complexa do conceito: relações homemambiente-teia alimentar. Este estudo compreende um recorte de uma pesquisa maior e, em virtude dos diferentes procedimentos metodológicos realizados, optamos, neste momento, por realizar uma análise das interpretações dos estudantes após a vivência de uma atividade de “sensibilização”, cujo objetivo foi investigar as suas percepções sobre as possíveis inter-relações entre homemambiente na perspectiva de teia alimentar. Esta atividade ocorreu em dois momentos: antes e após assistir aos vídeos. A questão norteadora foi: “Que relações homem-ambiente e teia alimentar estão presentes nos vídeos?” Esses momentos foram videogravados. Posteriormente, os dados foram categorizados considerando a relação expressa pelo participante, como apresentado no quadro 1. Categorias

Descrição

Primeiridade

Percepção imediata. Apresentação das características, qualidades presentes nos vídeos. O signo gerado pela interação direta entre os mundos exterior e interior é percebido como uma qualidade, sem abstração e produção de Sentido e/ou Significado.

Secundidade

Interação com a realidade cotidiana, fatos concretos, experiências e leituras sobre o tema. Os signos mediam a relação com o objeto (Significado).

Terceiridade

Compreensão, reflexão, abstração e correlação com a realidade, fatos e experiências, entre outros (Sentido e Significado). Resulta da articulação entre Primeiridade e Secundidade mediada pelo signo.

Representação

Quadro 1: Categorias utilizadas para a análise do discurso dos participantes Fonte: Adaptado de Santaella (2002), Santaella (1989) e Gomes (2000). Representações gráficas: Gomes (2000, p. 62).

Resultados e discussão Visando à compreensão dos conteúdos de cada vídeo, construímos uma sinopse das principais informações explícitas e implícitas (Figura 1). O vídeo A Guerra do fogo apresenta apenas linguagens não verbais (imagens, gestos e sons). 1

www.docspt.com/index.php?topic=16329.0;wap2 www.youtube.com/watch?v=XiaET24DwaU 3 www.youtube.com/watch?v=5bsjJzG-vEE 2

Ensino e aprendizagem de conceitos científicos

4

X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – X ENPEC Águas de Lindóia, SP – 24 a 27 de Novembro de 2015

Figura 1- Sinopse dos vídeos utilizados.

Acreditamos que a interdependência e a relação dinâmica do processo cognitivo entre as três fases (Primeridade, Secundidade e Terceiridade) torna difícil “definir” uma única fase para caracterizar o discurso do interpretante. Assim, optamos pelo termo “transição”, pois “o simples ato de olhar já está carregado de interpretação, visto que é sempre o resultado de uma elaboração cognitiva, fruto de uma mediação sígnica que possibilita nossa orientação no espaço por um reconhecimento e assentimento diante das coisas que só o signo permite [...]” (SANTAELLA, 1989, p.11). O quadro 2 ilustra alguns trechos de fala.

Fases Primeiridade Secundidade Terceiridade

Respostas dos participantes Eu não tinha pensado nessa relação com a energia do sol como fonte principal para os produtores e, consequentemente, para os consumidores. A questão dos instintos a gente não percebe isso de comer para a sobrevivência. A questão das ferramentas, o que eles não tinham eles inventaram, a nossa fragilidade [L-2]. (Grifo nosso). Eu vi a questão da evolução, da diversificação que inclusive a questão seria inversa, aí ele mostra que na ausência do fogo eles começam a diversificar, eu achava que o caminho era outro [...] é nesse instinto de se alimentar que eles vão experimentando outras coisas a partir da necessidade de se alimentar, um instinto [...] que às vezes a gente ignora é como se a gente não fizesse parte da cadeia alimentar, até mesmo dos animais, a gente se excluiu pouco disso [...] a partir do momento que evoluiu no preparo dos alimentos também ocorre

Ensino e aprendizagem de conceitos científicos

5

X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – X ENPEC Águas de Lindóia, SP – 24 a 27 de Novembro de 2015 a evolução desse ser [...] apesar, de já conhecer o fogo eles não dominavam. Eu acho que eles conheciam pelas queimadas e não só na alimentação, mas na sobrevivência em todos os sentidos por conta dos animais, porque quando ele tinha o fogo ele conseguiria afugentar esses animais e não ser o alimento pra eles e quando ele não tinha esse fogo [L1]. (Grifo nosso). Não é isso que a gente aprende, a gente acredita que está no topo da cadeia, não é bem assim, os vídeos trouxeram uma reflexão profunda sobre isso, qual é o nosso local, onde é que nós estamos na cadeia, é um caso a se pensar, não somos tão inatingíveis quanto acreditamos e quanto nos ensinam, porque isso também é cultural, tanto da questão [...], de tudo, se a gente for ver por uma questão mais macro, na escola, na religião, nós somos o ser e não um ser [L-2]. (Grifo nosso). Quadro 2: Correspondência entre as fases de análise e as interpretações dos participantes. Linha pontilhada, Primeiridade; linha ondulada, Secundidade e linha inteira Terceiridade.

Os participantes L-1 e L-2 reconhecem (em seus discursos) não ter percebido a priori: 1) a relação energia do sol-produtores-consumidores; 2) questões histórico-evolutivas, tais como o desenvolvimento de ferramentas; percepção dos instintos humanos primitivos que os levaram a experimentar outros tipos de alimentos; 3) o controle do fogo e 4) a fragilidade humana. Esses aspectos são apresentados nos vídeos e passaram despercebidos. Entretanto, ao perceberem, foram reelaborando seus significados, o que configura a interface entre a Primeiridade, Secundidade e Terceiridade (SANTAELLA, 1989). Quanto à construção de conceitos em uma perspectiva Sistêmico-Complexa, esses aspectos não percebidos a priori pelos participantes L-1 e L-2 são extremamente relevantes para a compreensão das relações homem-ambiente-teia alimentar. A fala indica que os vídeos favoreceram a percepção das relações entre fluxo de energia nos sistemas vivos, o que pode ser percebido (através do discurso produzido) como uma nova experiência de percepção para L-2. Embora os conceitos isolados fossem, provavelmente, de seu conhecimento, o conhecimento de processo se configura em uma dimensão de Primeiridade. Essa ideia de fluxo de matéria e energia entre os organismos vivos representa uma compreensão desejável dentro da Biologia Sistêmico-Complexa, na qual conceitos se interligam na caracterização dialógica entre o todo (ecossistema) e suas partes (organismos), de modo que se favoreça a compreensão das articulações (relações) partes/todo (interdependência dos organismos entre si em termos de matéria e energia). Chamamos a atenção, ainda, para o discurso de L-1 e L-2 a respeito da participação do homem na cadeia alimentar. Vale ressaltar que essa crença não era compartilhada pelos demais participantes da pesquisa (L-3 e L-4). Para esses, o homem era considerado como mais um entre os integrantes de cadeias e teias alimentares. Percebemos que as informações veiculadas pelos vídeos auxiliaram L-1 e L-2 a redimensionarem as suas concepções de homem, caracterizando um permear entre Segundidade e Terceiridade. Isto pode ser observado quando o L-2 discorre que “não é o que a gente aprende, a gente acredita que está no topo da cadeia, não é bem assim”, o que significa dizer: não é essa a visão que eu tinha, mas os vídeos promoveram algumas mudanças na minha percepção e agora eu vejo diferente. E, quando L-1 afirma “que às vezes a gente ignora é como se a gente não fizesse parte da cadeia alimentar, até mesmo dos animais, a gente se excluiu pouco disso” e começou a considerar o aspecto biológico do homem como animal pertencente à teia de articulações do ecossistema. Podemos perceber que, tanto L-1 como L-2, ao refletirem sobre os conteúdos/informações dos vídeos, começam a reformular sua compreensão sobre a relação homem-ambiente-teiaalimentar. Assim, podemos perceber, de forma muito marcante, as características da Ensino e aprendizagem de conceitos científicos

6

X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – X ENPEC Águas de Lindóia, SP – 24 a 27 de Novembro de 2015

Terceiridade (compreensão, reflexão, abstração e correlação com a realidade, fatos, experiências), o que pode ser observado no seguinte trecho: [...] os vídeos trouxeram uma reflexão profunda sobre isso, [...] é que nós estamos na cadeia, [...] não somos tão inatingíveis quanto acreditamos e quanto nos ensinam, porque isso também é cultural, [...] se a gente for ver por uma questão mais macro, na escola, na religião, nós somos o ser e não um ser [L2].

Neste sentido, inferimos que no ato de refletir, o homem tem a possibilidade de processar as informações para fazer generalizações (GOMES, 2000). Assim, a reflexão se apresenta como um elemento importante para se transitar entre a percepção do signo e sua reelaboração, reconstrução e abstração, ou seja, entre Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. A interface entre a Primeiridade, Secundidade e Terceiridade também aparece nos comentários da dupla 2. Podemos perceber o princípio da Primeiridade quando L-3 discorre que “a gente só pensou nessa questão agora”, revelando ter percebido a questão histórica da relação do homem para obter o alimento, na mudança alimentar da sociedade moderna, da experimentação de outros tipos de alimentos, da degradação ambiental para a produção de alimentos e ao perceber, começa a refletir sobre esta questão (quadro 3). Fases Primeiridade Secundidade Terceiridade

Respostas dos estudantes/recém-graduados [...] A gente só pensou nessa questão agora, na atualidade, a gente não voltou no tempo, na história, pra dizer como essa evolução pela busca pela alimentação, a conquista do alimento que o homem tinha que buscar e ainda era muito maior, a questão da sobrevivência. Hoje em dia é muito mais fácil. Agora, uma coisa interessante também é que a gente pode pensar é uma opinião pessoal, se a gente evoluiu ou involuiu, no caso, porque nessa perspectiva moderna de alimentação, se a gente pensar na obtenção, a gente evoluiu porque a produção é bem mais fácil que antes, mas em termos de educação dessa alimentação a gente não está evoluindo [L-3]. (Grifo nosso). E também essa questão dessa busca está relacionada a todo o processo de urbanização, a conquista da domesticação, da experimentação de outros tipos de alimentos, além da carne, da necessidade, da competição isso tudo fez com que isso viesse a acontecer [L-4]. Acho que isso também está diretamente relacionado com a perspectiva de sociedade que a gente viu, porque a evolução da alimentação, ela tá diretamente relacionada isto, a gente vive numa sociedade que é competitiva, numa sociedade que está a todo momento correndo, seja para ganhar o pão de todo dia, de qualquer forma e acho que isso estimula de certa forma hábitos que não são saudáveis em relação à alimentação [L-3]. E, além disso, também a questão da sociedade, a alimentação tem ainda causado muitas mortes pela questão da competição mesmo, produção de alimentos, a degradação ambiental, em relação à alimentação [L-4]. (Grifo nosso). Da própria degradação do homem como ambiente. Do homem também, tanto social, como individual [L-3]. (Grifo nosso).

Quadro 3: Correspondência entre as fases de análise e as interpretações dos participantes. Linha pontilhada, Primeiridade; linha tracejada Secundidade e linha inteira Terceiridade.

A Secundidade corresponde às primeiras correlações com fatos/experiências, questionando o processo de evolução alimentar ao longo da história. A percepção do homem como ser social e transformador do mundo em quem vive, resultando em uma reflexão a respeito da influência da urbanização para mudanças nas formas de produção e nos modos de alimentação já sugere produção de sentido e significado, ou seja, Terceiridade. Assim, “[...] compreender, interpretar é traduzir um pensamento em outro pensamento num movimento ininterrupto, pois só podemos pensar um pensamento em outro pensamento.” (SANTAELLA, 1989, p. 11). Ensino e aprendizagem de conceitos científicos

7

X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – X ENPEC Águas de Lindóia, SP – 24 a 27 de Novembro de 2015

Podemos perceber que os discursos de L-3 e L4 se complementam. Ambos tratam da relação homem-ambiente-teia alimentar trazendo questionamentos sobre o comportamento social humano à medida que passam a perceber o homem por novas óticas (Primeiridade), reinterpretam, ampliam e constroem novas articulações sobre como os homens se dispõem, interagem e interferem nas cadeias e teias alimentares das quais participam (interface entre Secundidade e Terceiridade). Nesse sentido, destacamos as articulações realizadas por L-4 que, ao fazer menção à “competição mesmo, produção de alimentos, a degradação ambiental” traz uma reflexão sobre a atuação humana intraespecífica e interespecífica, trazendo como norte a questão alimentar. Ou seja, L-4 desenvolve, no processo de Terceiridade, um raciocínio que o permitiu compreender o homem e sua relação alimentar em uma interface social-cultural-ambiental em uma sociedade competitiva. Enquanto isso, L-3 em seu processo de reelaboração, interligação e reflexão discute que a relação da sociedade atual com a alimentação: “se a gente pensar na obtenção a gente evoluiu porque a produção é bem mais fácil que antes, mas em termos de educação dessa alimentação a gente não está evoluindo”. Para ele, embora os meios de produção nos tenham favorecido (em relação aos ancestrais) em termos de acesso ao alimento, nem sempre as opções na sociedade atual são baseadas em uma escolha consciente pautada em uma educação alimentar.

Considerações Finais Uma mudança de perspectiva que favoreça pensar em termos de relações, conexões e contextos, ou seja, em uma perspectiva “Sistêmico-Complexa” envolve mudanças de pontos de vista, de modo a considerar as relações dialógicas partes-todo; objetos-relações; conteúdoscontextos. Nessa direção, o uso metodológico de vídeos favoreceu a mediação simbólica, de modo que os participantes percebessem outras perspectivas/construções a respeito do tema relações homem-ambiente-teia alimentar. Suscitaram reflexões da dupla 1 a repeito da posição do homem na cadeia e teias alimentares e, considerações sobre questões sóciohistóricas-humanas sobre as mudanças nas formas de produção e nos modos de alimentação pela dupla 2. Os resultados obtidos reforçam o potencial semiótico do uso de ferramentas que contemplem múltiplas linguagens, como por exemplo, os vídeos.

Referências CAPRA, F. O ponto de mutação. 35 ed. São Paulo: Cultrix. 2006. CRESWUELL, J. W. Projeto de pesquisa: método qualitativo, quantitativo e Misto. 2 ed. Porto Alegre: Artmed. 2007. GOMES, H. F. O ambiente informacional e suas tecnologias na construção de sentidos e significados. Ciência da Informação. Brasília, v. 29, n. 1, p. 61-70, jan./abr. 2000. MARIOTTI, H. As paixões do ego: Complexidade, política e solidariedade. 3 ed. São Paulo: Palas Athena, 2000. MORIN, E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. PETRAGLIA, I. Edgar Morin: A educação e a complexidade do ser e do saber. 12 ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2011. SANTAELLA, L. Como eu ensino: leitura de imagens. São Paulo: Melhoramentos, 2012. SANTAELLA, L. O que é semiótica. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. SANTAELLA, L. Semiótica aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2002. WALTHER-BENSE, E. A Teoria geral dos signos: introdução aos fundamentos da Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2000.

Ensino e aprendizagem de conceitos científicos

8

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.